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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SAO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA
ACÓRDÃO REGISTRADO(A) SOB N«
Vistos, relatados e discutidos estes autos de
APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n° 492.422-4/5-00, da Comarca de
SÃO PAULO, em que são apelantes e reciprocamente apelados
GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇ'ES S A, incorporadora de TV
GLOBO LTDA e LEANDRO BORGO COELHO BORGES sendo apelada
HELIANE CALADO:
ACORDAM, em Sétima Câmara de Direito Privado do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a
seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO, EM PARTE, AO RECURSO DO
AUTOR E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ, V. U. " , de
conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos
Desembargadores AMÉRICO IZIDORO ANGÉLICO {Presidente, sem
voto), ÁLVARO PASSOS e ELCIO TRUJILLO.
São Paulo, 21 de março de 2007.
LUIZ ANTÔNIO COSTA Relator
IX< ^ P ^ f N
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
VOTO N° 07/408 Apelação Cível n° 492.422.4/5-00 Comarca: São Paulo Apelantes: Globo Comunicação e Participações S/A. e Outro Apelados: Leandro Borgo Coelho Moraes e Outro
Ementa - Ação de Resolução Contratual c c Indenização por Danos Morais e Materiais - Autor impossibilitado de participar de programa de Reality Show pela Ré — Ausência de comprovação de causa
justificativa - Exposição negativa indevida da imagem do Autor em rede nacional - Responsabilidade pré-contratual — Ofensa ao princípio da boa-fé objetiva e dos deveres secundários de conduta — Indenização por danos morais e materiais devida — Recurso do Autor parcialmente provido e da Ré improvido.
Recursos de Apelação interpostos contra decisão que julgou
parcialmente procedente Ação de Resolução Contratual c.c. Pedido de
Indenização por Danos Materiais e Morais, condenando a Globo
Comunicação e Participações S/A. ao pagamento de R$ 18.780,00, a título
de indenização por danos materiais, a Leandro Borgo Coelho Soares.
Havendo sucumbência recíproca, determinou a sentença que cada parte
arcasse com as suas custas e despesas processuais por si despendidas, bem
como com os honorários advocatícios de seus respectivos patronos (fls.
240/244).
Apelação Cível n° 492.422.4/5 - São Paulo - voto n° 07/408
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Na ação, Leandro aduziu que em setembro/2005 inscreveu-se
para participar do processo seletivo do programa Big Brother Brasil 6.
Após o processo de seleção, em 02.01.2006, recebeu em seu apartamento a
visita da equipe de filmagem e reportagem da Rede Globo, sendo
surpreendido com a entrega de envelope com as inscrições: PARABÉNS!
VOCÊ ESTÁ NO BIG BROTHER BRASIL (fls. 56), meio clássico,
segundo o Autor, de convocação dos selecionados. Foi, então, informado
que deveria ir imediatamente ao Rio de Janeiro para os preparativos
inerentes ao início do programa. Segundo Leandro, a Globo teria exigido
que ele se desvinculasse de questões pendentes, inclusive seu emprego.
Alega que contatou seu empregador requerendo a suspensão de seu
contrato de trabalho pelo prazo de 3 (três) meses, mas, como não podia
dizer o real motivo de seu afastamento, teve seu contrato de trabalho
rescindido. Dirigiu-se para o Rio de Janeiro e ficou no Hotel Meliá por três
dias, absolutamente impossibilitado de comunicar-se interna ou
externamente (inclusive com os funcionários do Hotel).
No dia 05.01.2006, por volta das 16 horas, Leandro afirma que
assinou um contrato de prestação de serviços com a Globo, sendo que às 17
horas recebeu a visita da Sra. Ana Paula, gerente do programa, que lhe
informou a impossibilidade de participar do Big Brother, haja vista que
mantinha relações pessoais com funcionários do alto escalão da Rede
Globo. Tal informação foi refutada por Leandro, mas, mesmo assim, foi
compelido a voltar para São Paulo. Alega que, nos termos das normas de
inscrição no programa, item 9, não podem participar da seleção os
A Apelação Cível n° 492.422.4/5 - São Pauto - voto n° 07/408 2
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
funcionários das empresas das Organizações Globo, seus prestadores de
serviços, bem como seus parentes até terceiro grau e que ao responder à
pergunta 37 do questionário oficial, sem qualquer omissão, informou não
possuir parentes e amigos que trabalhem em veículos de comunicação.
Ademais, outros ex-participantes mantinham relações com funcionários da
Rede Globo e isso não foi fator impeditivo para que participassem do
Reality Show. A Rede Globo, através de sua assessoria de imprensa,
informou que "ninguém é escolhido ou afastado do programa por seu
círculo de amizades, mas Leandro vai ser substituído porque omitiu este
fato nas diversas entrevistas feitas pela produção com os candidatos ".
Diante do ocorrido, notificou a Globo para o cumprimento do
contrato, ou seja, para a sua reintegração no programa, não tendo sido
atendido.
Segundo Leandro, tais fatos repercutiram negativamente na sua
vida pessoal, pois se encontra desempregado, necessitando do auxílio da
família para manter sua subsistência. Sofreu, ainda, danos materiais, pois
deixou de participar do programa e de concorrer com os demais 13
participantes pelo prêmio de R$ 1.000.000,00. Ademais, sofreu danos
morais em virtude da exposição de sua imagem na mídia, pois antes de sua
expulsão, a TV Globo o conceituou como esportista, analista financeiro,
pessoa sem vícios e de boa índole, tendo, depois sua identidade deturpada
como nazista, lutador agressivo, mentiroso, fraudário, desleal,
inescrupuloso, dentre outros adjetivos. / to
Apelação Cível n° 492.422.4/5 - São Paulo - voto n° 07/408 3
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Assim, requereu a condenação da Globo no pagamento de lucros
cessantes no montante de R$ 47.316,60, correspondente ao salário e verbas
decorrentes de sua demissão (período de 12 meses de salário), ao
pagamento de R$ 71.400,00, correspondente a 7,14% do prêmio total de R$
1.000.000,00, pois este era o percentual de chance de ser vencedor do
programa; ao pagamento de valor não inferior a 1.000 salários mínimos a
título de danos morais, totalizando a quantia de R$ 418.716,60. Requereu,
ainda, em sede de tutela antecipada, que a Globo apresentasse a
documentação referente ao seu processo seletivo para participação do
Reality Show, bem como o contrato de prestação de serviços firmado (fls.
02/34). Juntou documentos (fls. 37/150).
O Juízo a quo, determinou à Globo que apresentasse a
documentação solicitada por Leandro (fls. 151 e v°).
Citada, a Globo apresentou contestação alegando, primeiramente,
que não firmou qualquer contrato com Leandro, pois não assinou o contrato
de prestação de serviços entregue a ele, não existindo, assim, quaisquer
obrigações entre as partes. Alegou que o confinamento no Hotel Meliá
configurou a última fase de seleção do programa, visando uma possível
contratação. Desta forma, o fato não significa que a pessoa já tenha sido
escolhida para participar do Reality Show e nem acarreta qualquer vínculo
jurídico entre as partes. Aduziu, ainda, que poucas horas antes da assinatura
do contrato, foi surpreendida com a notícia de que Leandro teria omitido
informação essencial, pois apenas na ida ao Rio de Janeiro confidenciou à
produção que era amigo íntimo de funcionários ligados às produções da TV
Apelação Cível n° 492.422.4/5 - São Paulo - voto n° 07/408
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
e que já tinha sido professor de jiu-jitsu de vários atores "globais", razão
pela qual poderia ter tentado entrar no programa através de seus "contatos",
mas preferiu a forma comum. Ratificou a Globo, que ninguém é escolhido
ou afastado do programa por seu círculo de amizades e que Leandro foi
afastado porque faltou com a verdade. Assim, a não contratação ocorreu
por sua culpa exclusiva. Alegou que não houve comprovação do dano
emergente, pois a pretensão de receber 1/14 do prêmio de R$ 1.000.000,00
é descabida, na medida em que o prêmio é indivisível e o seu recebimento é
uma mera expectativa. Quanto aos lucros cessantes, entendeu como
indevidos, porque a Globo jamais proibiu Leandro ou qualquer outro
candidato a informar o real motivo de sua licença ao empregador. Muito
pelo contrário: a própria produção, em muitos casos, entra em contato com
os empregadores, não havendo provas de que a demissão tenha sido
ocasionada pelo pedido de licença. Alegou, ainda, que não houve dano
moral, sendo que a suposta simpatia ao regime nazista se deve à
imprudência do mesmo, que colocou uma foto sua no Orkut, com uma
suástica desenhada no braço. Requereu a improcedência da ação e sua
condenação como litigante de má-fé (fls. 175/192). Juntou os documentos
determinados pela Juíza, bem como uma fita de vídeo VHS, que não se
refere ao presente caso, por ser a entrevista concedida por Suzane Von
Richthofen ao programa "Fantástico", em 09.04.2006 (fls. 153/211).
Foi apresentada réplica (fls. 215/238), tendo sido, então,
proferida a decisão recorrida (fls. 240/244).
Apelação Cível n° 492.422.4/5 - São Paulo - voto n° 07/408 5
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Leandro interpôs Embargos de Declaração (fls. 247/250), que
foram rejeitados (fls. 251).
Interpuseram as partes Recursos de Apelação, apresentando os
mesmos argumentos já expendidos anteriormente, pugnando a Globo pela
improcedência da ação e Leandro pela concessão de todos os pedidos
indenizatórios formulados.
£ o relatório.
Decido.
A primeira questão jurídica que deve ser analisada refere-se à
existência ou não de obrigatoriedade de cumprimento do contrato de
prestação de serviços acostado às fls. 193/197. A Globo alega que não há
obrigatoriedade, pois o contrato não está por ela assinado, mas apenas por
Leandro e uma testemunha.
No caso em tela, o fato da Globo ter ido à casa de Leandro,
entregue o envelope com a sua convocação para a participação no
programa (fls. 56), levado o candidato ao Rio de Janeiro, bem como
apresentado o contrato elaborado unilateralmente por ela para sua
assinatura (fls. 193/197), deixa mais do que caracterizada a proposta
visando a sua contratação para prestação de serviços à emissora, através da
participação no Reality Show Big Brother 6, sendo essa proposta
obrigatória, ante o que dispõe expressamente o art. 427 do Código Civil:
Apelação Cível n° 492.422.4/5 - São Paulo - voto n° 07/408 \ 6
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
"A proposta de contrato obriga o proponente, se do
contrário não resultar dos termos dela, da natureza do
negócio, ou das circunstâncias do caso "
Referida proposta apenas deixaria de ser obrigatória à Rede
Globo se Leandro tivesse se recusado a assinar o contrato, nos termos do
art. 428,1, do Código Civil, fato que não ocorreu.
Cabe notar que o envelope entregue a Leandro dizia "Parabéns
você está no Big Brother", ou seja, ao contrário do que pretende a Globo,
contém uma afirmativa não condicionada. Se assim fosse, deveria conter a
expressão: Parabéns, você foi escolhido para participar da última etapa do
processo de seleção", ou algo semelhante.
A afirmativa configurou proposta não condicional e contém
termo definitivo que expressa a vontade de contratar.
Portanto, em princípio, a Globo não ter assinado o contrato é
absolutamente irrelevante e não a exime de eventual responsabilidade
aquiliana, pois feita a proposta inequívoca de contratação de Leandro,
através de um contrato - repita-se - redigido pela própria Globo e cujos
termos foram impostos única e exclusivamente por ela, estaria sim obrigada
a cumprir os seus termos, salvo se Leandro tivesse infringido alguma
cláusula do regulamento do concurso, o que não ocorreu. E nem se diga
que o "confinamento" de Leandro era apenas uma etapa de seleção, pois já
A/ Apelação Cível n° 492.422.4/5 - São Pauto - voto n° 07/408 1
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havia publicação na imprensa de que ele era um dos participantes do
programa (fls. 79) e, posteriormente, que foi eliminado antes mesmo da
estréia (fls. 80/85).
A Globo alega que Leandro omitiu ter relacionamento com
pessoas do alto escalão da emissora, mas, em nenhum momento, disse
quem eram essas pessoas, e nem comprovou a existência desse círculo de
amizades. Apenas passou essa nota oficial, em rede nacional, sem nada
explicar, nem mesmo na presente demanda.
Desta forma, a Globo tinha obrigação de cumprir integralmente o
contrato apresentado a Leandro e por ele assinado, permitindo a sua
participação no Reality Show Big Brother 6. As atitudes da emissora
causaram em Leandro uma justa expectativa de participar do programa e de
formalizar o contrato com a emissora, sendo que a frustração dessas
expectativas, sem justificativas plausíveis, é ilícita e repudiada pelo
ordenamento jurídico, pouco importando que o contrato não estivesse ainda
assinado pela emissora. Há aqui a denominada responsabilidade pré-
contratual, em virtude da afronta ao princípio da boa-fé objetiva e aos
deveres secundários de conduta, como por exemplo, o dever de lealdade,
que devem pautar toda e qualquer relação jurídica.
Neste sentido, tratando sobre a boa-fé objetiva, são os
ensinamentos do ilustre Ministro Ruy Rosado de Aguiar (in Extinção dos
Contratos por Imcumprimento do Devedor - Resolução - , Aide Editora, 2a
edição, 2003, p. 244): ,
Apelação Cível n° 492.422.4/5 - São Paulo - voto n° 07/408 8
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
"Mas não é essa boa-fé que aqui mais nos interessa,
mas sim a líboa-fé objetiva "? que se constitui em uma
norma jurídica, ou melhor, em um princípio geral do
Direito, segundo o qual todos devem comportar-se de
boa-fé nas suas relações recíprocas A inter-relação
humana deve pautar-se por um padrão ético de confiança
e lealdade, indispensável ao próprio desenvolvimento
normal da convivência social. A expectativa de um
comportamento adequado por parte do outro é um
componente indissociável da vida de relação, sem o qual
ela mesma seria inviável. Isso significa que as pessoas 6ídevem adotar um comportamento leal em toda fase
prévia ã constituição de tais relações (diligência in
contrahendo); e que devem também comportar-se
lealmente no desenvolvimento das relações jurídicas já
constituídas entre elas. Este dever de comportar-se
segundo a boa-fé se projeta nas duas direções e se
estende tanto aos direitos como aos deveres. Os direitos
devem exercitar-se de boa-fé, as obrigações têm de
cumprir-se de boa-fé "
O princípio guia a vida das pessoas e serve de
parâmetro para avaliação de suas condutas, tendo em
vista o sistema jurídico global. "
Apelação Cível n° 492.422.4/5 - São Paulo - voto n° 07/408 9
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O ilustre Ministro prossegue nos seus ensinamentos explicando a
necessidade da boa-fé e dos deveres secundários de conduta, inclusive
durante as tratativas (p. 250):
'' Também s urgem, nas tratativas, deveres de
lealdade, decorrentes da simples aproximação pré-
contratual. Assim a censura feita a quem abandona
inesperadamente as negociações já em adiantado
estágio, depois de criar na outra parte a expectativa da
celebração de um contrato para o qual se preparou e
efetuou despesas, ou em função do qual perdeu outras
oportunidades. A violação desse dever secundário pode
ensejar indenização, por existir uma relação
obrigacional, independentemente de contrato, fundada
na boa-fé. Ensina o Prof MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA
COSTA: '' Verifica-se, na verdade, que as melhores
soluções que aconselhariam essa doutrina podem ser
conseguidas, respectivamente' com base nos ditames da
boa-fé que presidem às negociações e à formação do
contrato, configurando a responsabilidade pré-
contratuai "
(...)
Na formação e na execução do contrato, o real
conteúdo das obrigações e o modo pelo qual devem as
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partes se comportar são determinações a serem
alcançadas com o auxílio do princípio da boa-fé, que
servirá não apenas para interpretação integradora das
cláusulas do contrato, mas ainda para o reconhecimento
de deveres secundários, derivados diretamente do
princípio, independentemente da vontade manifestada
pelas partes, a serem observados durante a fase de
formação e de cumprimento da obrigação. São deveres
que excedem o dever de prestação. "
O saudoso Caio Mário da Silva Pereira (in Instituições de Direito
Civil, vol. III, Ed. Forense, 10a edição, 2001, p. 19), de modo mais sucinto,
também aborda a questão da responsabilidade pré-contratual:
"As negociações preliminares (tractatus, trattative,
pourparlers) são conversas prévias, sondagens, debates
em que despontam os interesses de cada um, tendo em
vista o contrato futuro. Mesmo quando surge um projeto
ou minuta, ainda assim não há vinculação das pessoas.
(...) Enquanto se mantiverem tais, as conversações
preliminares não obrigam Há uma distinção bastante
precisa entre esta fase, que ainda não é contratual, e a
seguinte, em que já existe algo preciso e obrigatório. Não
obstante faltar-lhe obrigatoriedade, pode surgir
responsabilidade civil para os que participam das
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negociações preliminares, não no campo da culpa
contratual, porém da aquiliana (v. n° 114, supra, voi I, e
n° 175, voi 11), somente no caso de um deles induzir no
outro a crença de que o contrato será celebrado,
levando-o a despesas ou a não contratar com terceiro
etc. e depois recuar, causando-lhe dano".
Judith Martins-Costa (A Boa-Fé no Direito Privado, Ed. RT, Ia
edição, pp. 455 e seguintes), embora tratando já da relação contratual,
também aborda a questão da boa-fé, dos deveres secundários de conduta e
função social do contrato:
"Sendo certo que o domínio da boa-fé objetiva é o
direito das obrigações, em especial o dos contratos,
importa assistir numa noutra constatação'
diferentemente do que ocorria no passado, o contrato,
instrumento por excelência da relação obrigacional e
veículo jurídico de operações econômicas de circulação
da riqueza, não é mais perspectivado desde uma ótica
informada unicamente pelo dogma da autonomia da
vontade. Justamente porque traduz relação obrigacional
-~ relação de cooperação entre as partes,
processualmente polarizada por sua finalidade - e
porque se caracteriza como principal instrumento
jurídico de relações econômicas, considera-se que o
contrato, quer seja de direito público ou privado, é
informado pela "função social" que lhe é atribuída pelo
Apelação Cível n° 492.422.4/5 - São Pauto - voto n° 07/408 12
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ordenamento jurídico, função esta, ensina Miguel Reale.
que é "mero corolário dos imperativos constitucionais
relativos à função social da propriedade e da justiça que
deve presidir a ordem econômica
Sob essa ótica, apresenta-se a boa-fé como norma
que não admite condutas que contrariem o mandamento
de agir com lealdade e correção, pois só assim se estará
a atingir a função social que lhe é acometida... "
Vê-se, portanto, que apesar de não existir um contrato firmado
entre as partes, a conduta da Globo pode ser considerada como ilícita,
ensejando o direito de Leandro ser indenizado pelos danos materiais e
morais sofridos por tal conduta.
Primeiramente, com relação à indenização pleiteada pelos danos
materiais decorrentes da perda do emprego, a Globo, apesar de afirmar que
não era vedada a revelação do real motivo do afastamento ao empregador,
bem como que a produção costumeiramente faz esse contato, não
comprovou essa afirmação. E mais, nos termos do item 7 do regulamento
(fls. 208), "O candidato deverá manter o mais absoluto sigilo com relação
a qualquer informação recebida", sendo que o descumprimento de
quaisquer normas poderia ensejar a desclassificação do processo de
seleção. Ora, diante dessa determinação expressa, verossímil a alegação de
Leandro de que solicitou o afastamento de seu emprego, mas por não poder
Apelação Cível n° 492.422.4/5 - São Paulo - voto n° 07/408 13
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
explicar o motivo, ocorreu a rescisão do contrato. Ademais, o contrato foi
rescindido no próprio dia 02.01.2006 (fls. 50), quando Leandro foi levado
para o Rio de Janeiro.
Desta forma, cabível a indenização de Leandro pelos danos
materiais decorrentes da perda do emprego, ocasionada pela frustrada
expectativa de participação no Reality Show. Quanto ao critério adotado
pelo Juízo a quo, seis meses de salário, entendo que este foi adequado, pois
é um período de tempo razoável para que o Apelante consiga se
reposicionar profissionalmente. No entanto, o valor a ser considerado deve
ser o salário bruto, descontado o valor do Imposto de Renda.
Quanto ao pedido de condenação da Globo no pagamento de
R$ 71.400,00, correspondente a 7,14% do prêmio total de R$ 1.000.000,00,
o pleito não procede. Leandro possuía apenas o direito de participar do
programa, o que não implicaria no ganho do prêmio máximo ou de
qualquer outro prêmio no montante postulado.
O regulamento anexo ao contrato também previa o prêmio
mínimo de R$ 500,00 ao primeiro eliminado da competição. Logo, na pior
das hipóteses, caso fosse esse o seu caso, teria direito o recebimento desse
valor.
Finalmente, quanto aos danos morais pleiteados, estes são
igualmente devidos. A Rede Globo, em nota oficial, expôs, em rede
nacional, que (fls. 91):
Apelação Cível n" 492.422.4/5 - São Paulo - voto n° 07/408 14
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
"O carioca Leandro, analista financeiro de 30 anos,
não participará mais da sexta edição do Big Brother
Brasil Leandro já estava escolhido quando a produção
do programa descobriu que ele era conhecido de alguns
funcionários da TV Globo
Ninguém é escolhido ou afastado do programa por
seu círculo de amizades, mas Leandro vai ser substituído
porque omitiu esse fato nas diversas entrevistas feitas
pela produção com os candidatos "
Ora, como se viu na presente demanda, a exclusão do candidato
foi totalmente imotivada e expôs Leandro a uma situação vexatória,
veiculada em rede nacional, não só pela Rede Globo, mas também pela
imprensa escrita e pela Internet. Ter uma fotografia na primeira página de
um jornal como o Jornal da Tarde, com um grande "X" em vermelho é
vexatório para qualquer pessoa (fls. 117).
Além do mais, Leandro sofreu uma acusação direta, que teve
repercussão nacional, e não foi devidamente comprovada. A Globo
reputou-o como mentiroso, como uma pessoa desonesta, que foi
devidamente punida por uma conduta supostamente contrária ao bom nome
da empresa. Todavia, repita-se novamente, nada disso foi comprovado, o
que em tese caracterizaria inclusive o crime de injúria.
Apelação Cível n° 492.422.4/5 - São Paulo - voto n° 07/408 15
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
E quanto ao fato de Leandro ter sido taxado como nazista,
embora tal afirmação não tenha sido feita pela Globo, a fotografia com o
desenho de uma suástica no seu braço, colocada por ele próprio no Orkut,
provavelmente passaria desapercebida, não merecendo tamanho destaque
(fls. 81/82, 87, 90, 92/93), se não fosse a repercussão já negativa de sua
eliminação do programa, fato que, por óbvio, gerou curiosidade maior dos
usuários daquele site.
Muito se tem discutido sobre a natureza da indenização pelo dano
moral, e, nas vezes em que me deparo com a situação versada nos autos,
tenho apontado a ausência de legislação especial que possibilite ao
magistrado atender aos reclamos das partes.
A Doutrina e a Jurisprudência reconhecem a duplicidade do
caráter indenizatório: didático (ou punitivo) ao ofensor e reparador ao
ofendido, já ficando claro que, por não se tratar de uma possibilidade de
reparação in natura, a indenização monetária visa apenas reduzir, ou
amenizar, o sofrimento causado pelo ato do ofensor.
Filio-me à corrente que não aceita a "punição", mas reconheço
que o "caráter didático" tem perfeito fundamento.
A dificuldade reside no imenso abismo que se verifica na
situação financeira das partes, impedindo que se consiga atender aos dois
elementos da condenação.
-O} Apelação Cível n° 492.422.4/5 - São Paulo - voto n° 07/408 16
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Como encontrar um valor que seja efetivamente desestimulador
da renovação da prática do ato ofensivo de uma empresa do porte da Rede
Globo, sem que se enriqueça a vítima?
Enquanto não se puder destinar parte da indenização a terceiro,
esse abismo é inexpugnável.
Antônio Jeová Santos {Dano Moral Indenizável, Ed. RT, 4a
edição, pp. 153 e seguintes) lembra que na província de Quebec, no
Canadá, a lei de proteção ao consumidor autoriza expressamente que o
ofendido reclame indenização em montante que efetivamente sirva de
exemplo ao ofensor, pois o sistema legal daquela província considera a
indenização como pena civil, o que não ocorre no Brasil.
Lembra, ainda, o I. Jurista que o sistema pátrio é misto, ou seja,
parte da indenização serve como alerta ao ofensor, com caráter pedagógico
e parte é reparação entregue à vítima. Deste quadro, pugna pela
necessidade de uma reforma legal para que a parte da indenização
destinada à sanção não seja entregue à vítima, para evitar o seu
enriquecimento indevido.
Ensina, então:
"O ordenamento jurídico que ficar restrito essas
questões, com purido e afetação quanto a aceitar o dano
i>/ Apelação Cível n° 492.422.4/5 - São Paulo - voto n° 07/408 I 17
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
punitivo, tão ao gosto do sistema romano-canônico, como
fazer para debelar os inescrupulosos que não se cansam
em ofender a pessoa? Como fazer para pôr cobro às
intervenções perniciosas de empresas que a cada
momento ofendem a integridade espiritual das pessoas,
na certeza de que o valor que pagarão, se forem
acionadas, nada representará em seus enormes lucros..
Força é aceitar que essas grandes e fabulosas
empresas somente guardam algum receio quanto ao bom
nome que querem ostentar, quando têm a razão social
vinculada a dano ao meio ambiente e ao consumidor. Do
contrário, continuarão a atuando em detrimento do
patrimônio imaterial das pessoas Por isso é necessário
que o Direito brasileiro dote o operador jurídico de
meios necessários para amenizar o sofrimento da vítima
e dissuadir os potenciais ofensores da dignidade humana
de prosseguirem no intento de causar dano
extrapatrimonial
Filio-me integralmente a esses pensamentos e aproveito para
lembrar que no Brasil já existem precedentes, como o Fundo Federal de
Defesa dos Interesses Difusos, que se destina a receber os valores oriundos
de condenação judicial por danos causados ao meio ambiente e a outros
interesses, nos termos da Lei n° 7.347, de 24/07/1985, e na Lei n° 9.005/98.
-4/ Apelação Cível n° 492.422.4/5 - São Pauto - voto n° 07/408 18
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
O parágrafo único do artigo 833, do Código Civil de 2002,
também consagra hipótese similar, na espécie ali tratada.
Entretanto, enquanto não dispõe de tais possibilidades, o julgador
deve ficar adstrito a encontrar o quantum indenizatório que atenda às
necessidades de redução do sofrimento da vítima, sem enriquecê-la
indevidamente, e que atenda ao caráter didático destinado a alertar o
ofensor para não reincidir.
O Magistrado ao arbitrar a indenização como no caso destes
autos, há de levar em conta, também, a gravidade do ato e as conseqüências
havidas na esfera jurídica do ofendido. Desta forma, fixo o valor no
equivalente a 100 salários mínimos, alcançando o exigido para a reparação
da vítima, embora o reconheça como insuficiente para atender plenamente
ao caráter didático, como já foi acima exposto.
Isto posto, nego provimento ao Recurso interposto pela Globo e
dou parcial provimento ao Recurso interposto por Leandro para condenar
a Globo a indenizá-lo dos danos morais e materiais sofridos, nos valores
fixados por este acórdão. Tendo em vista a sucumbência recíproca,
mantenho o disposto na sentença, devendo cada parte arcar com as custas e
despesas processuais por si despendidas, bem como com os honorários
advocatícios de seu respectivo patrono*.
Luiz Antônio Costa
Relator
Apelação Cível n° 492,422,4/5 - São Paulo - voto n° 07/408 19