tucurui

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Estudos de Caso da Comisso M undial de Barragens (CM B)

Usina Hidreltrica de Tucuru (Brasil)

RELATRIO FINAL DA FASE DE ESCOPO AGOSTO DE 1999

Secretariado da comisso Mundial de Barragens P.O. Box 16002, Vlaeberg, Cape Town 8018, South Africa Telefone: 27 21 426 4000 Fax: 27 21 426 0036. W ebsite: http://www.dams.org E-mail: info@dam s.org

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AdvertnciaEste um documento de trabalho da comisso Mundial de Barragens (CMB) o relatrio aqui publicado foi preparado para a Comisso como parte das suas atividades de coleta de informaes. As opinies, concluses e recomendaes no objetivam representar os pontos de vista da Comisso. Os pontos de vista, concluses e recomendaes da Comisso sero publicados oportunamente em seu Relatrio Final.

Comisso Mundial de Barragens: World Commission on Dams 5th Floor, Hycastle House 58 Loop Street PO Box 16002 Vlaeberg, Cape Town 8018, SOUTH AFRICA Telephone: +27 21 426 4000 Fax: +27 21 426 0036 Email: [email protected] http://www.dams.org

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Equipe Responsvel pelo Estudo de CasoCoordenao: Prof. Emlio Lbre La Rovere (Planejamento Energtico e Ambiental) Consultores: Prof Bertha Becker (questes sociais) Dr. Eneas Salati (questes ecolgicas) Dr. Gilberto Canali (questes tcnico-econmicas) Pesquisadores: Marcia Gomes Ismerio (gerenciamento questes sociais) Maria das Graas da Silva (planejamento regional) Oscar de Moraes Cordeiro Netto (gerenciamento questes tcnico-econmicas)

Realizao do Estudo de Caso:

LIMA/COPPE/UFRJLaboratrio Interdisciplinar de Meio Ambiente Programa de Planejamento Energtico Instituto de Pesquisa e Ps-Graduao de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, RJ - Brasil Tel.: (+021) 560-8995 Fax : (+21) 290-6626 e-mail: [email protected]

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INTRODUO ..............................................................................................................................................1 O CONTEXTO HISTRICO DA CONCEPO E IMPLEMENTAO DA UHE TUCURU .........3 2.1 A TRAJETRIA DA UHE DE TUCURU ........................................................................................................4 2.2 O CONTEXTO AMBIENTAL .........................................................................................................................5 2.3 A USINA HIDRELTRICA DE TUCURU ......................................................................................................10 2.4 O RESERVATRIO DA UHE TUCURU E SUA RELAO COM OUTROS PROJETOS PROGRAMADOS NA BACIA HIDROGRFICA DO RIO TOCANTINS ..................................................................................................................12

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CRITRIOS E DIRETRIZES: QUESTES LEGAIS E PODER CONCEDENTE .............................18 3.1 3.2 3.3 A CONCESSO DO APROVEITAMENTO......................................................................................................18 AS MUDANAS DO QUADRO JURDICO-INSTITUCIONAL ...........................................................................18 A UHE TUCURU LUZ DA LEGISLAO AMBIENTAL ATUAL E DAS RECOMENDAES INTERNACIONAIS 20

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CUSTOS, BENEFCIOS E IMPACTOS PROJETADOS X ATUAIS ....................................................22 4.1 4.2 4.3 4.4 4.5 4.6 A GERAO DE HIDROELETRICIDADE ......................................................................................................22 NAVEGAO ............................................................................................................................................22 AS TRANSFORMAES SCIO-ECOLGICAS DECORRENTES DA UHE TUCURU: PROCESSOS E GESTO 22 O DESLOCAMENTO DE POPULAES: PROCEDIMENTOS E IMPLICAES ..................................................23 AS COMUNIDADES INDGENAS ................................................................................................................25 OS IMPACTOS ECOLGICOS ......................................................................................................................26

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IMPACTOS INESPERADOS .....................................................................................................................30 5.1 IMPACTOS NA REA DE INFLUNCIA LOCAL ............................................................................................30 5.2 IMPACTOS A JUSANTE...............................................................................................................................32 5.3 ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE O REORDENAMENTO TERRITORIAL E O CRESCIMENTO POPULACIONAL NA REGIO DE TUCURU...........................................................................................................33

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A DISTRIBUIO DOS CUSTOS E BENEFCIOS................................................................................35 A BARRAGEM DE TUCURU NO CONTEXTO DA BACIA DO RIO TOCANTINS .......................37 LIES APRENDIDAS E TENDNCIAS DE MUDANA IDENTIFICADAS ..................................38

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INTRODUO

A Comisso Mundial de Barragens (WCD) foi estabelecida para tratar de uma controvrsia fundamental no debate global sobre o desenvolvimento sustentvel. A comisso oferece uma oportunidade nica para se porem em foco os muitos pressupostos e paradigmas que esto na base dos esforos para se reconciliar crescimento econmico, igualdade social, preservao do ambiente e participao poltica num contexto global em mudana. Num debate muitas vezes abstrato sobre o que significa desenvolvimento sustentvel, as barragens providenciam uma oportunidade rara para se discutirem estas questes crticas medida em que caminhamos para o sculo XXI. Nesta perspectiva, os objetivos gerais da Comisso Mundial de Barragens (CMB) so: Rever a contribuio de barragens ao desenvolvimento e avaliar alternativas para o uso da gua e gerao de energia; e Estabelecer normas, diretrizes e padres quando apropriado que sejam internacionalmente aceitveis, para o planejamento, projeto, avaliao, construo, funcionamento, monitoramento e desativao de barragens. Um dos produtos da CMB a reviso global da contribuio das barragens ao desenvolvimento. Esta contribuio definida de modo abrangente, partindo-se da relevncia e a adequao das barragens enquanto resposta s necessidades que motivaram sua construo (como por exemplo a irrigao, produo de eletricidade, controle de cheias, abastecimento de gua, etc.). Tambm so includas nessa definio os servios e benefcios projetados e realizados, os custos associados aos resultados obtidos, a distribuio dos ganhos e perdas entre grupos, e o contexto geral da sua construo e operao. Este ltimo aspecto tambm relativo ao processo decisrio, e a verificao da validade das premissas sobre as quais os projetos foram inicialmente desenvolvidos. Para tal, vrios estudos de caso aprofundados esto sendo conduzidos, tanto em pases desenvolvidos como em desenvolvimento, sobre barragens construdas ao longo das ltimas dcadas. A barragem de Tucuru, situada no rio Tocantins, na Amaznia, foi selecionada como um desses estudos de caso. Completada em 1984, esta a primeira grande barragem construda em zona de floresta tropical mida e uma das maiores da Amrica Latina. O principal objetivo deste estudo avaliar a experincia adquirida com a barragem de Tucuru (Usina Hidreltrica de Tucuru, Brasil) em termos de seu desempenho e sua contribuio para o desenvolvimento, procurando identificar as principais lies aprendidas nos campos do planejamento, implementao e operao do projeto.1 A metodologia comum adotada pela CMB para a realizao desses estudos prope a organizao da coleta, discusso e anlise da informao existente em torno de seis questes centrais, a saber: As seis questes centrais colocadas pela CMB: 1. 2. 3. 4. 5. Como foram tomadas as principais decises no ciclo do projeto? Quais foram os benefcios, custos e impactos esperados comparados aos atuais? Quais foram os custos, benefcios e impactos inesperados? Qual foi a distribuio dos custos e benefcios; quem ganhou e quem perdeu? Em que medida o projeto atendeu aos critrios e diretrizes praticados poca da concesso, construo e operao do empreendimento? 6. Quais as principais lies aprendidas com a experincia deste projeto?

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Estas questes, de carter geral, so comuns a todos os estudos de caso, e adaptadas ao contexto particular de cada caso atravs da definio do escopo e de sua discusso com os atores sociais envolvidos no processo. As etapas principais programadas para os estudos de caso compreendem: 1. uma anlise institucional sumria, identificando os vrios grupos de interesse e instituies envolvidos e/ou afetados no processo de planejamento, construo e operao do empreendimento; 2. Um relatrio preliminar de escopo contendo informaes bsicas sobre os temas e questes a serem aprofundados no estudo de caso, seu contedo e a abordagem a ser adotada; este relatrio analisado em uma primeira reunio com os grupos e especialistas interessados, e revisado conforme necessrio. 3. estudo de caso preparado por consultores nacionais, sob a superviso do Secretariado da CMB. Os resultados obtidos so analisados - e, se necessrio, revisados - em uma segunda reunio com os mesmos participantes. No processo de preparao do estudo, sero bem-vindos todos os relatos oferecidos por pessoas e instituies que queiram apresentar comentrios ao projeto e informaes adicionais. As diversas vises, preocupaes e perspectivas dos atores sociais sero registradas de modo sistemtico durante o estudo, a partir principalmente da escuta de relatos de indivduos, grupos de interesse e instituies envolvidas. O Grupo de Trabalho para o Estudo de Caso UHE Tucuru preparou o Relatrio Preliminar de Escopo, como um primeiro passo na preparao do estudo de caso, segundo a metodologia descrita acima. De um modo geral, ele acompanhou o procedimento habitual dos estudos de avaliao de impactos ambientais e sociais de projetos. O Relatrio Preliminar de Escopo identificou as principais questes em relao barragem e UHE Tucuru no contexto da Bacia do rio Tocantins. Este documento foi submetido a apreciao dos principais grupos interessados, que discutiram a abordagem proposta para este estudo de caso em uma reunio realizada em Belm, nos dias 09 e 10 de agosto de 1999. O presente Relatrio Final da Fase de Escopo recebeu ajustes no seu corpo de texto sendo complementado em funo das contribuies levantadas por todos os participantes da citada Reunio. Desta forma, contempla assim, as principais questes enquanto questes amplas a serem estudadas e que orientaro os trabalhos para a 2 fase deste estudo relativas s temticas mais relevantes para fins de uma reviso do desempenho do empreendimento. Deve-se ressaltar que este documento de trabalho foi preparado para a WCD como parte de uma atividade inicial de coleta de informaes. As opinies, concluses e recomendaes aqui contidas no devem ser interpretadas como posies da WCD.

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O CONTEXTO HISTRICO DA CONCEPO E IMPLEMENTAO DA UHE TUCURU

Situada em plena regio de matas tropicais, a UHE uma das maiores do mundo. A concepo e implantao da usina inserem-se no contexto histrico dos fins da dcada 60 ao incio dos anos 80 marcado pela interao de um projeto nacional executado por a uma vigorosa interveno estatal, com a disponibilidade de crditos internacionais a baixos juros. Uma poltica deliberada promovida por um regime autoritrio, socialmente excludente, comandado pelos militares, executou um projeto geopoltico como estratgia para a modernizao acelerada da sociedade e do territrio nacionais, considerada essencial para alcanar o crescimento econmico, fortalecer o Estado e acentuar a projeo internacional no pas. A busca de autonomia tecnolgica e a instrumentalizao do espao geogrfico foram elementos fundamentais do projeto. Os Planos Nacionais de Desenvolvimento PND I e II estabeleceram as diretrizes da modernizao conservadora, promovendo: a) a tecnificao da agricultura; b) sobretudo no II PND (1975/1979), aps o primeiro choque do petrleo 1973, a mudana do eixo dinmico da economia dos bens de consumo durveis para os bens intermedirios de produo e bens de capital mudana baseada no endividamento externo e no incremento das exportaes: - e c) a rpida integrao nacional, implicando a incorporao definitiva da Amaznia. Uma malha de duplo controle tcnico e poltico, que denominamos de malha programada foi imposta no territrio visando remoo de obstculos materiais, polticos e ideolgicos expanso capitalista moderna (Becker, 1990). Ela se concretizou sobretudo na extenso de todos os tipos de redes para completar circuitos nacionais viria, de telecomunicaes, energtica, urbana, etc. e na criao de novos plos de crescimento para os quais foram canalizados os investimentos. A sustentao do projeto se deu tambm pela grande intensificao da mobilidade histrica da populao brasileira, que alcanou a escala nacional, em decorrncia da represso salarial e pobreza, da liberao da mo-de-obra pela modernizao da agricultura associada concentrao da propriedade da terra, e da atrao dos plos dinmicos. A ocupao da Amaznia em escala gigantesca e ritmo acelerado foi considerada prioridade mxima, em termos econmicos e geopolticos, entendida que foi como espao capaz de absorver a tenso social, fornecer novos recursos, ampliar o mercado interno e assegurar a influncia do Brasil na Amrica do Sul. A implantao acelerada dos componentes da malha programada - redes e plos -, subsdios ao fluxo de capitais e induo dos fluxos migratrios viabilizaram a ocupao acelerada da regio frente da fronteira mvel, ento restrita borda oriental da floresta. Em face da crise econmica iniciada com o primeiro choque do petrleo e sua crescente acentuao nos anos oitenta, devido ao segundo choque do petrleo (1979) e sbita elevao das taxas de juros no mercado internacional, tentou-se manter o crescimento econmico atravs das exportaes mediante a atrao de investimentos externos e a expanso e transnacionalizao de empresas estatais. A poltica regional executada pelas agncias burocrticas convencionais, foi substituda pela implantao de grandes projetos de explorao mineral com gigantescos investimentos sob a forma de joint ventures entre empresas estatais e multinacionais, ou geridos por uma delas. nesse contexto que se situa a construo da UHE Tucuru, no perodo compreendido entre os estudos de inventrio e viabilidade (1972) e sua inaugurao em 1984. Ela constituiu, em si, um grande projeto para suprir energia para os grandes projetos de produo de alumnio e estimular a industrializao regional, bem como para articular ligaes regionais e produzir energia para abastecer o pas em escala nacional.

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No momento mesmo em que se inauguravam os grandes projetos, inclusive Tucuru, esgotava-se o projeto autoritrio com a crise econmica, fiscal e poltica do Estado, e a emergncia dos novos atores sociais no cenrio regional. Torna-se patente, que a poltica regional no perodo em pauta no foi linear e homognea. Pelo contrrio, em face das condies internacionais e domsticas, para alcanar as metas do projeto, efetuar rpidas e sucessivas alteraes em suas estratgias que, atribuindo peso diverso aos seus componentes, configuram fases diferenciadas. Ao longo desse processo, variou tambm o significado atribudo construo de uma usina hidreltrica de grande porte na regio.

2.1

A Trajetria da UHE de Tucuru

Grosso modo, trs fases podem ser identificadas na concepo e implementao de Tucuru associadas mudanas nas estratgias governamentais, e que devero ser aprofundadas.

2.1.1 Amaznia como Fronteira de Povoamento/Energia para BelmEntre 1968 e 1974, a preocupao principal do governo em relao Amaznia foi promover a sua ocupao por razes econmicas e geopolticas j apontadas. Corresponde essa fase implementao das rodovias, em que sobressai a Transamaznica, e de projetos de colonizao sobretudo na prpria Transamaznica e em Rondnia. O abastecimento regional por centrais termeltricas exceo das pequenas hidreltricas de Coaracy Nunes no Amap e de Curua-Un prximo a Santarm no Par no seria mais suficiente para atender ao intenso crescimento de Belm aps a construo da rodovia Belm-Braslia, e de ncleos antigos e novos em decorrncia da ocupao planejada e espontnea. A primeira tentativa de equacionamento do potencial hidrulico da Amaznia foi ento desenvolvida no final dos 60 e incio dos 70 pelo ENERAM (Comit Coordenador dos Estados Energticos da Amaznia), criado em 1968. Os estudos estavam orientados para atender a Belm, apresentando diferentes opes para a localizao da Usina, inclusive dois stios no rio Tocantins, sendo um deles Tucuru, no se prevendo uma usina com o porte atual da UHE Tucuru (UHE Tucuru, Estudo do Caso, 1992). A partir dessas indicaes, a Eletrobrs iniciou o Inventrio da Bacia do Tocantins, e em 1973 foi criada a Eletronorte.

2.1.2 Amaznia como Fronteira de Recursos/Energia para Grandes Projetos MineroMetalrgicosA partir do primeiro choque do petrleo (1973) a estratgia governamental torna-se mais seletiva, mais diversificada e de cunho econmico crescente, configurando a Amaznia como grande fronteira de recursos (Becker, 1982). So dados estmulos empresa agropecuria ao invs dos projetos de colonizao; em 1974, o Programa Polamaznia Plos Agropecurios e Minero-Metalrgicos prioriza espaos ao invs da extenso de rodovias; valoriza-se a regio, particularmente o estado do Par, como provncia mineral do pas, capaz de aliviar a crise econmica atravs da exportao de minrios com a participao do capital estrangeiro. Na medida em que a crise do petrleo afetou tambm a produo de alumnio de Japo e dos Estados Unidos devido ao alto custo de energia, houve grande deles interesse em explorar os recursos minerais e energticos amaznicos. Paralelamente, busca-se garantir o suprimento de energia a Belm, So Luiz e Marab, bem como efetuar a interligao eltrica com o Nordeste. Foi, portanto, sobretudo para atender s novas demandas das projetos mnero-metalrgico, que se define a construo da UHE de Tucuru iniciada em novembro de 1975. As diretrizes iniciais da nova

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orientao governamental estavam contidas no II PND (1975-79), mas se ampliaram com a crescente crise econmica. Se, inicialmente, pensava-se em suprir os projetos do plo mnero-metalrgico do sudeste do Par, aps o segundo choque do petrleo e a elevao da taxa de juros no mercado internacional, a intensificao da exportao de minrios foi vista como soluo para rolar a divida externa. A CVRD elaborou um proposta para a exportao global dos recursos naturais da Amaznia Oriental, centrada na explorao mineral. Esta proposta deu origem ao Programa Grande Carajs anunciado oficialmente em fins de 1980, em cuja rea se encontra uma imensa riqueza mineral, considerada verdadeira anomalia geolgica no planeta. Acentuou-se, assim, a estratgia seletiva do governo que, ao invs de canalizar os investimentos para vrios plos, concentrou-os em um s e imenso territrio do Programa Carajs, que corresponde a 10,6 % do territrio brasileiro. A inaugurao da UHE de Tucuru em 1984 insere-se, portanto, no novo contexto da fronteira de recursos e dos grandes projetos que, exceo da Minerao Rio do Norte (1979), foram todos inaugurados na primeira metade da dcada de 1980, quando j se esgotava o projeto de modernizao conservadora.

2.1.3 A Amaznia como Fronteira de Movimentos Sociais / Tucuru QuestionadaSe a dcada de 1980 foi considerada perdida em termos econmicos, no o foi em termos sociais. A execuo do projeto autoritrio no se fez impunemente. A comear pela prpria crise do Estado. Por sua vez, a implantao dos grandes projetos, sobretudo de Tucuru, implicou numa intensificao rpida e violenta da mobilidade da populao. O desvio do curso do rio Tocantins e o preenchimento do reservatrio submergiram no s a floresta, mas tambm parte de territrio indgenas, populaes rurais e ncleos urbanos, inclusive alguns ncleos espontneos recentemente criados ao longo da rodovia Transamaznica. O deslocamento e reassentamento de populaes nativas e de migrantes, somados aos impactos ambientais, resultaram em intensos conflitos que, na dcada de oitenta organizaram suas demandas em movimentos sociais com ampla repercusso na sociedade regional e nacional. Os novos atores regionais iniciam uma fase de negociao por seus direitos com a Eletronorte que marca a trajetria da UHE at hoje.

2.2

O Contexto Ambiental

A UHE Tucuru est localizada no Rio Tocantins, no estado do Par, cerca de 7,5 km a montante da cidade de Tucuru, a 300 km em linha reta da cidade de Belm. O rio Tocantins com seu principal afluente, o Araguaia, constitui uma bacia prpria, ora denominada Bacia do Tocantins, ora Bacia do Tocantins-Araguaia. Nascido no planalto central brasileiro, percorre grandes extenses recobertas por cerrados antes de penetrar em reas de floresta amaznica densa, j no Estado do Par, onde est situada a UHE Tucuru.

2.2.1 Caractersticas FsicasA bacia hidrogrfica do Tocantins-Araguaia localiza-se quase que integralmente entre os paralelos 2 e 18 e os meridianos de longitude oeste 46 e 56. Sua configurao alongada no sentido longitudinal, seguindo as diretrizes dos dois importantes eixos fluviais o Tocantins e o Araguaia que se unem no

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extremo setentrional da Bacia, formando o baixo Tocantins, que desemboca no Rio Par, pertencente ao esturio do rio Amazonas. A bacia do rio Tocantins possui uma vazo mdia anual de 10.900m3/s, volume mdio anual de 344 Km3 e uma rea de drenagem de 767.000Km2 , que representa 7,5% do territrio nacional; onde 83% da rea da bacia distribuem-se nos Estados de Tocantins e Gois (58%), Mato Grosso (24%); Par ( 13%) e Maranho (4%), alm do Distrito Federal ( 1%). Limita-se com bacias de alguns do maiores rios do Brasil, ou seja, ao Sul com a do Paran, a Oeste, com a do Xingu e a leste, com a do So Francisco. Grande parte de sua rea est na regio Centro Oeste, desde as nascentes do rios Araguaia e Tocantins at sua confluncia, na divisa dos estados de Gois, Maranho e Par. Desse ponto para jusante a bacia hidrogrfica entra na regio Norte e se restringe a apenas um corredor formado pelas reas marginais do rio Tocantins.

2.2.2 ClimaA grande extenso da bacia do Rio Tocantins diretamente relacionada a constncia das massas de ar de natureza equatorial continental, quente e mida, determina uma relativa homogeneidade climatometerolgica, caracterizada pela repetio das estaes, ao longo dos anos, com variaes pouco significativas quanto temperatura, precipitao, umidade atmosfrica, insolao, velocidade dos ventos e demais parmetros climticos. Ao norte do paralelo 6 S o clima quente e mido, com temperaturas mdias anuais variando entre 24 e 28 C ,sendo que as mximas (38) ocorrem nos meses de agosto e setembro, e as mnimas (22C) em junho. Ao sul desse paralelo as temperaturas mdias anuais diminuem lentamente, proporo que aumenta a latitude. No extremo sul da regio, em determinadas reas, em face da orografia do Planalto Central, verifica-se a ocorrncia do clima continental tropical de altitude (CW), com as temperaturas mdias situando-se em 22C. Quanto ao regime pluviomtrico ocorre um aumento das precipitaes no sentido sul - norte, desde 1.500mm at mais de 2.400 mm. A zona de menor precipitao ocorre na faixa a oeste de Paran (Gois). As mdias anuais diminuem para leste de Carolina (Maranho), na divisa com a regio Nordeste, e atingem 1.700mm a oeste, ao longo do rio Xingu. A distribuio sazonal das chuvas mostras, durante o ano dois perodos: o seco e o chuvoso. No extremo norte o perodo seco reduz-se a trs meses do ano (junho, julho e agosto) e no restante da regio atinge entre cinco e seis meses. Na parte sul, o perodo chuvoso corresponde aos meses de setembro a abril, com a existncia de alguns dias secos entre janeiro e fevereiro, formando o chamado veranico , extremamente prejudicial s culturas temporrias. Partindo-se das mdias evaporimtricas anuais das diferentes faixas regionais de latitude (Equatorial, Transio, Tropical e Tropical de Tropical de Altitude), verificando-se para toda a regio ,a mdia de 905,8mm de evaporao. A rea da bacia em estudo apresenta valores muito elevados no perodo chuvoso, com mdia anual de aproximadamente76% em toda a regio. Na parte norte, a umidade relativa do ar supera os 85% no perodo de dezembro a maio, permanecendo abaixo desse nvel nos demais meses, mas com valores altos. Na maior parte da regio , ao sul do paralelo 6 S, a umidade relativa mdia anual fica em cerca de 70%, com meses extremamente secos (julho, agosto), nos quais esse ndice cai para valores entre 40 e 50%, contra valores de cerca de 80% entre dezembro e abril.

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2.2.3 GeomorfologiaGeograficamente ,a Bacia do Tocantins-Araguaia limita-se ao Sul pelo Planalto Central, a Oeste, com a Serras dos Carajs da Seringa, dos Gradas e Roncador, a Leste com a Serra Geral de Gois e a chapada das Mangabeiras, e ao Norte, com o esturio do Rio Amazonas. O divisor de guas entre o Araguaia e o Tocantins a Serra Dourada. A regio encontra-se sobre a poro do escudo brasileiro denominado Macio Central , Macio do Brasil Central, ou ainda Macio Goiano Mato-Grossense , com o escudo Sul-Amaznico apresenta altitudes decrescentes para o norte (500-200m) , onde recoberto pelos sedimentos da Bacia Amaznica e eleva-se em direo do sul-sudeste da regio Centro-Oeste (500-800m e 800-1.200m), onde, fossilizado ou no pela sedimentao da Bacia do Paran ou pela extensiva sedimentao da Bacia do Paran ou pela extensiva sedimentao Cretcica, forma os grandes planaltos divisores de guas entre as bacias hidrogrficas dos rios Amazonas, Paran-Paraguai e do rio So Francisco. Na parte sudeste do Macio Goiano so encontradas as maiores altitudes regionais situadas entre 1.100-1.300m. na Chapada dos Veadeiros est localizado o ponto culminante do Centro Oeste, no alto da chapada, a 1.676 metros; destacam-se ainda a Serra Geral do Paran e a chapada da Contagem, com mais de 1.200 metros.

2.2.4 HidrografiaO rio Tocantins, cuja extenso total de aproximadamente 2.500 Km, forma-se a partir dos rios das Almas e Maranho, cujas cabeceiras localizam-se no Planalto de Gois, a mais de 1.000m de altitude, na regio mais central do Brasil. Seus principais tributrios, at sua confluncia com o Araguaia, so, de montante a jusante, os rios Bagagem, Tocantinszinho, Paran, Manoel Alves de Natividade, do Sono, Manoel Alves Grande e Farinha, pela margem direita e Santa Tereza, pela margem esquerda. O rio Araguaia, principal afluente do Tocantins, considerado como sendo da mesma importncia no conjunto geral da bacia notabiliza-se pelas suas caractersticas hidrolgicas e pelo seu papel no processo de ocupao do territrio tem suas nascentes nos rebordos da Serra do Caiap na divisa de Gois com mato Grosso, a cerca de 850 metros de altitude, com 2.115 km de extenso, desenvolvendo a maior parte do seu percurso paralelamente ao do Tocantins, encaminhando-se para o norte , com o qual conflui deps de formar a extensa Ilha do Bananal, com 80Km de largura e 350 Km de comprimento, alagadia em sua maior parte. A confluncia do dois grande rios encontra-se a uma altitude de 70.80 m. A bacia do Tocantins-Araguaia possui um regime hidrolgico bem definido. Apresenta um perodo de estiagem que culmina em setembro/ outubro e um perodo de guas altas, onde as maiores cheias se verificam entre fevereiro e abril. No rio Tocantins, os valores mximos so observados, anualmente, em fevereiro/maro, e no Araguaia em maro/abril. Tal fato explica-se pelo amortecimento que sofre a onda de cheia na grande plancie da Ilha do Bananal, retardando assim o seu pico. A vazo mdia da bacia estimada em 10.950 m3/s, sendo a contribuio do rio Araguaia em torno de 5.500m3/s , a do Itacainas de 450m3/s e a do Tocantins, antes de sua confluncia com ao Araguaia, de 5.000 m3/s. No rio Tocantins, a vazo especfica mdia decresce at Porto Nacional (Gois), aumentando a seguir at sua confluncia com ao rio Araguaia, em virtude da elevada contribuio dos seus afluentes da margem direita. importante destacar a homogeneidade da distribuio das chuvas sobre a bacia e o fato de que aproximadamente 30% da gua precipitada se escoa atravs dos cursos dgua.

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2.2.5 VegetaoA vegetao dominante da bacia em estudo na sua maior extenso o cerrado, desde o limite sul da regio at Itaguatins (Gois), no rio Tocantins, imediaes de Conceio do Araguaia (Par) , passando , da o norte, a constituir a Floresta Mesfila, conformando uma extensa faixa de transio que precede a Floresta Amaznica. Uma exceo ocorre ao noroeste de Goinia e da para o oeste, com o surgimento da Floresta Estacional denominada Floresta Semidecdua do Mato Grosso de Gois. As variaes locais do mato florstico, quanto ao seu adensamento, porte e mesmo composio, so algumas vezes devidas a mudanas climticas locais (microclimas); no entanto , na maior parte dos caso relacionam-se com diferenas pedolgicas no ambiente do cerrado, onde so freqentes as ocorrncias de manchas de solos mais frteis originrios de rochas bsicas calcrias ou sedimentos calcferos.

2.2.6 Geologia e GeomorfologiaA rea de influncia do reservatrio de Tucuru caracterizada por dois grandes domnios geolgicos: embasamento cristalino, constitudo por rochas gneas e meta-sedimentos e cobertura sedimentar, constituda por sedimentos que se depositaram durante os perodos mesozico e cenozico (tercirio e quaternrio). O reservatrio est situado na zona de contato entre as rochas cristalinas do Complexo Xing (margem esquerda) e rochas metamrficas de baixo grau, do Grupo Tocantins (margem esquerda, leito do rio e margem direita). O local onde foi implantada a barragem de Tucuru situa-se ao final de um longo trecho encachoeirado, podendo ser dividida em trs unidades de relevo: Planalto Setentrional Par-Maranho, Planalto Rebaixado do Amazonas e Depresso Perifrica do Sul do Par. Essa ltima abrange quase totalmente a rea do reservatrio. Sua origem est relacionada a atuao de processos erosivos, iniciados no fim do perodo tercirio. Apresenta vrias formas de relevo na regio, destacando-se reas com superfcie pediplanadas, reas dissecadas em colinas de topo aplainado e plancies fluviais.

2.2.7 SolosOs solos existentes na regio da UHE Tucuru so cidos e apresentam baixa fertilidade natural (pobres em nutrientes). Os principais tipos de solos, que dominam quase totalmente a regio onde est inserido o empreendimento, so os Podzlicos Vermelho-Amarelos (predominantes), Latossolos Vermelho-Amarelos e Latossolos Amarelos. Os Podzlicos Vermelho-Amarelo localizam-se, principalmente, na margem esquerda do reservatrio, ocupando mais que 60% da rea de influncia do reservatrio; apesar de algumas restries apresentam condies favorveis para atividades agrcolas. Os Latossolos Vermelho-Amarelos e Amarelos representam cerca de 25% da rea e localizam-se, principalmente, na margem direita do reservatrio; so pobres em nutrientes, mas podem ser utilizados para fins agrcolas, quando adubados e corretamente preparados.

2.2.8 Limnologia e Qualidade da guaO rio Tocantins e seus tributrios foram originalmente classificados como um rio de guas claras, pobres em nutrientes, apresentando baixa concentrao ons e cargas de sedimentos. A inundao de grandes reas de floresta e a decomposio do material orgnico ocasionaram um deplecionamento do

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oxignio dissolvido (OD) nas camadas mais profundas do reservatrio, e a produo e liberao de CO2 e CH4, durante e logo aps o perodo de enchimento. Atualmente o reservatrio de Tucuru apresenta diferentes compartimentos, com caractersticas limnolgicas e dinmicas prprias, determinadas pelo tempo de residncia hidrulica prprios; morfologia das margens; diferentes profundidades, padro de estratificao trmica e qumica, e vazes afluentes, que varia com o ciclo hidrolgico. O reservatrio de Tucuru apresenta as seguintes regies: (a) regio de entrada, apresentando caractersticas prprias de rio (baixa profundidade, coluna da gua homognea, OD durante todo o ano); (b) reas abertas, representada pela antiga calha do rio Tocantins e apresentando reduzido tempo de residncia hidrulico, estratificao vertical e hipolimnion anxico na estao seca, mistura vertical e oxigenao da coluna da gua no perodo chuvoso; (c) reas marginais, que apresentam estratificao qumica permanente, camada de fundo anxica, maiores valores de ons e nutrientes, presena de macrfitas aquticas; (d) brao do Caraip, que possui dinmica limnolgica prpria, apresentando elevado tempo de residncia hidrulica e uma estratificao permanente da coluna da gua. As macrfitas aquticas ocorrem principalmente na margem esquerda do reservatrio onde propiciam o desenvolvimento de diferentes organismos, tais como o perifton, que constitui importante item alimentar do camaro existente no reservatrio. Por sua vez, o camaro constitui um dos principais itens alimentares do tucunar, peixe de interesse comercial na regio.

2.2.9 FaunaA fauna na regio do baixo Tocantins considerada uma das mais ricas e diversificadas do mundo. Antes do enchimento do reservatrio foi realizado um levantamento das espcies existentes na rea e, quando da formao do lago foi realizado um resgate dos animais presentes na rea de alagao. A partir desses estudos estimou-se para a regio de Tucuru uma riqueza de 117 espcies de mamferos, 294 de aves, 120 de rpteis e anfbios. Na regio encontram-se diversas espcies endmicas, raras ou ameaadas de extino, entre as quais destacam-se a ararajuba e o cuxu. Alm disso ocorrem espcies de valor sinergtico, como caititus e queixadas, veados, jacars, mutuns e inhambs. Sendo esta uma das reas na Amaznia que apresenta um dos processos de ocupao mais intenso, a destruio de habitats naturais decorrentes desta ocupao, associado caa predatria, vem levando a uma diminuio na abundncia dessas espcies.

2.2.10 IctiotiofaunaA bacia Araguaia-Tocantins apresenta aproximadamente 300 espcies de peixes, com predominncia de caracdeos, silurdeos e cicldeos, cujas comunidades se diferenciam entre o baixo (peixes tpicos da Amaznia Central), mdio e alto Tocantins (espcies no-amaznicas). A formao do lago de Tucuru ocasionou importantes transformaes na ictiofauna do rio Tocantins; de modo geral, ocorreu uma diminuio na abundncia e diversidade de espcies da foz em direo ao curso superior dos rios, relacionada ausncia de plancies de inundao e s variaes de vazo do mdio e alto Tocantins. No reservatrio as principais modificaes nas comunidades estiveram relacionadas ao aumento na populao de peixes carnvoros (pescada branca, peixe-cachorro, tucunar e piranha), devido maior oferta alimentar (camaro e peixes menores), aumento da populao de peixes planctfagos (mapar) e

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estabelecimento de peixes ilifagos (curimat e jaraqui) no trecho superior da represa. A jusante ocorreu uma alterao nas comunidades, sem reduzir a diversidade de espcies: os predadores dominaram o trecho mais prximo ao barramento e as espcies comerciais tiveram sua abundncia reduzida. De modo geral ocorreram importantes modificaes na ictiofauna da bacia do Tocantins, relacionadas, principalmente, formao do reservatrio de Tucuru: (a) interrupo da rota migratria dos grandes bagres (dourada, piraba, pirarara e barbado) e alguns caracides (curimat e ubarana), (b) desaparecimento inicial de curimat; (c) diminuio do estoque pesqueiro do mapar no baixo Tocantins; (d) aumento na quantidade de peixes no mdio Tocantins (curimats, jaraquis, branquinhas, pirapitinga, matrinch, surubim ou pintado, mandub e barbado), que se alimentam no reservatrio e sobem o Tocantins para desovar, durante o perodo de guas altas.

2.3

A Usina Hidreltrica de Tucuru

O potencial do rio Tocantins foi estimado em cerca de 25 milhes de kw, dos quais a UHE Tucuru, sendo a maior das obras, tm projetado a instalao de 8 milhes de kw (32% do total da bacia). As obras foram iniciadas em novembro de 1975, e a entrada em operao se deu nove anos mais tarde, em novembro de 1984. As primeiras estimativas realizadas com base na restituio aerofotogramtrica feita antes do enchimento, no que se refere rea a ser inundada, indicavam uma superfcie do lago da ordem de 2.430 km2, com a formao de cerca de 600 ilhas. Levantamentos posteriores, realizados a partir de imagens de satlite do lago j formado, vieram a modificar essas estimativas. cota 72,00 m, o reservatrio formado comporta um volume de cerca de 50,8 milhes de metros cbicos e inunda uma rea de 2.850 km2, com um comprimento de cerca de 170 km ao longo do rio principal, e largura mxima de 40 km. O permetro externo do reservatrio na margem esquerda da ordem de 1.800 km e na margem direita de 1.100 km. Considerando o permetro das quase 1.800 ilhas formadas, que, segundo estimativas (CET, 1988) da ordem de 3.500 km, tem-se como permetro total estimado de margens o montante de 6.400 km. A profundidade mxima do reservatrio atinge 75 m, sendo a profundidade mdia de 17,3 m. A largura mdia de 14,3 km, chegando at o mximo de 40 km de distncia entre as margens. O nvel mnimo de operao de 58,00 m, o mximo normal de 72,00 m e o mximo maximorum de 75,30 m, referidos ao nvel do mar. A jusante, o nvel do mnimo normal de 4,00 m, o mximo normal de 6,80 m e o mximo maximorum de 24,50 m. O tempo de residncia mdia da gua no reservatrio de aproximadamente 50 dias, com um volume de gua no renovvel de apenas 3%.

2.3.1 Objetivos do projetoO objetivo principal do projeto a gerao de energia. Na primeira etapa, com doze turbinas instaladas a usina de Tucuru tem a capacidade de 4 milhes de kw. Est prevista a duplicao desta capacidade, elevando a capacidade atual at a potncia total prevista de 8 milhes de kw. Nos estudos preliminares desenvolvidos, somente a produo de energia era indicada como um objetivo do reservatrio. Algumas referncias foram feitas, no entanto, ao aproveitamento do lago como eixo para navegao do rio. De fato, com a inundao das corredeiras de Tucuru, o Tocantins poderia tornar-se navegvel o ano todo at Marab, caso se promovesse a instalao de uma eclusa na barragem. Esta hiptese foi considerada quando da instalao do complexo de minerao de Carajs.

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A sociedade do Par manifestou-se poca no sentido de se implantar a eclusa na barragem de Tucuru para se assegurar que o transporte de minrio de Carajs se processasse via rio Tocantins. No entanto, a deciso sobre como transportar o minrio de Carajs para o exterior via Ferrovia para o porto de Itaqui (no Maranho) e no por hidrovia acabou sendo tomada pela Vale do Rio Doce antes da prpria deciso de se construir a barragem Tucuru. Pesaram na deciso da Vale a sua experincia em transporte de minrios por ferrovia, o montante em investimentos e em custos anuais para manter tanto um terminal martimo para minrios no Par quanto o rio Tocantins navegvel durante todo ano at o litoral. A ferrovia em questo pertence e administrada pela mesma organizao que detm o controle majoritrio de Carajs, a Companhia Vale do Rio Doce, ento uma companhia estatal, hoje privada. No projeto original estava prevista a construo de mais duas eclusas para viabilizar a navegao de Belm at Santa Isabel (680 km). Caso tivessem prevalecidos objetivos de desenvolvimento regional na deciso de implementao da barragem de Tucuru, teriam sido desenvolvidos estudos de viabilidade para a eclusa que teriam levado, provavelmente, a uma deciso diferente da adotada poca: a implantao das estruturas parciais de uma eclusa que permitisse o transporte de carga diferenciada e expressiva pelo rio Tocantins. A concluso da implantao dessa eclusa hoje uma bandeira para toda populao local, sendo essa obra prevista para execuo no Brasil em Ao. Entende o Governo do Estado que a falta de implantao da eclusa na barragem de Tucuru `poca limitou o desenvolvimento regional. A eclusa permanece, no entanto, como um projeto de natureza polmica. Setores do Governo Federal ainda no esto convencidos da viabilidade econmica da eclusa. O controle de enchentes no foi considerado como um uso possvel do reservatrio. Em realidade, o risco de enchentes entrada do reservatrio (Marab e cercanias) considerado como uma restrio operao, sendo um dos fatores que define a cota do mximo maximorum de operao. inegvel, no entanto, o papel que pode exercer o reservatrio na atenuao de cheias a jusante. O volume do reservatrio permite, caso se proceda a manobras corretas de operao, uma diminuio a jusante dos picos das cheias de pouca a mdia intensidade. No entanto, o reservatrio pouca influncia pode exercer na atenuao das cheias de grande intensidade, como aquelas de 1926 e 1980, podendo, nesse caso, at acarretar o agravamento da situao, pela ampliao dos picos causada por manobras operativas inadequadas. Uma utilizao mais eficiente do empreendimento para o controle de cheias a jusante e entrada do reservatrio seria possvel, mas a um custo de perda de eficincia na produo de energia, em face da necessidade de se alocar um volume de espera no reservatrio. De todo modo, o controle artificial das cheias e estiagens nos rios pode constituir-se em um benefcio para atividades produtivas e para as populaes ribeirinhas, mas acarreta, muitas vezes, graves prejuzos ambientais em face das modificaes introduzidas na dinmica dos ecossistemas aquticos. Um uso no anteriormente previsto para o reservatrio, mas que, a posteriori, mostrou-se importante tanto ponto de vista social quanto econmico a pesca comercial. A irrigao no constitui um uso importante do reservatrio de Tucuru. No entanto, as caractersticas climticas da regio, com um perodo seco bem pronunciado (de junho a novembro), aliadas ao tipo de ocupao rural das reas marginais do reservatrio podem levar a uma demanda de uso da gua para irrigao, atualmente inexistente. A qualidade da gua no reservatrio e a jusante no oferece

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restries para uso da irrigao. No se vislumbra conflito desse uso com a produo de energia, em face dos volumes potencialmente reduzidos previstos para irrigao. A utilizao da gua do reservatrio para abastecimento domstico no prevista. Os ncleos urbanos localizados na rea em torno do reservatrio e mesmo a jusante dispem de outros mananciais, com qualidade e localizao mais adequada para esse fim. H, no entanto, o problema da populao que vive dispersa nas ilhas formadas no reservatrio, que no tm outra opo de abastecimento que no seja o prprio lago. Nesse caso, pode haver situaes em que a questo do abastecimento venha a se tornar uma questo mais grave, sobretudo em compartimentos do lago onde levado o risco de ocorrncia de problemas de qualidade da gua, como o de florao de algas. O custo previsto inicialmente para a construo da UHE Tucuru, que era de U$ 1,2 bilho, j estava estimado, em 1983, em U$ 4,6 bilhes, o que elevaria o custo do kw instalado a U$ 1150 com a incluso do servio da dvida contrada. Em 1985, o custo (incluindo o custo financeiro) da energia eltrica de Tucuru era de 35 US$ por MWh gerado.

2.4

O Reservatrio da UHE Tucuru e sua Relao com Outros Projetos Programados na Bacia Hidrogrfica do Rio Tocantins

H uma srie de investimentos previstos em usinas hidreltricas na bacia do Tocantins e, em menor escala, na bacia do Araguaia. Recentemente, foi concludo e enchimento do reservatrio de Serra da Mesa (rio Tocantins em Gois) que se tornou o maior reservatrio artificial brasileiro em termos de volume de gua acumulado. Com relao aos outros projetos programados nesta bacia, este estudo ir buscar junto a ANEEL, ELETROBRS e ELETRONORTE um novo inventrio para traar qual o cenrio indicativo mais provvel de planejamento com relao a futuras usinas. Principais questes sobre a caracterizao do projeto: Quais os elementos e hipteses bsicas da anlise custo-benefcio do projeto? Dados bsicos sobre a concepo e desenho do projeto: em que medida o projeto original sofreu modificaes em funo de variveis tcnicas, econmicas, ambientais e/ou sociais? Qual a composio do esquema de financiamento da obra e seus condicionantes? Quais os cenrios de planejamento utilizados no inventrio da bacia na poca e sua evoluo?

2.4.1 O Processo DecisrioQuesto da CMB: Como foram tomadas as decises nas vrias etapas do projeto? O estudo de caso dever documentar e analisar os processos de tomada de decises em relao ao planejamento, construo, operao e monitoramento do projeto e atividades associadas. O papel dos grupos de interesse durante as principais etapas do projeto ser analisado, com nfase nos grupos tradicionalmente marginalizados. O tratamento e a negociao de prioridades conflitantes em vrios nveis administrativos sero documentados. O primeiro reconhecimento dos recursos hdricos da bacia do Tocantins e Araguaia foi feito pelo Bureau of Reclamation atravs da Agency for International Development - United States

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Department of State para a extinta CIVAT - Comisso Interestadual dos Vales do Araguaia Tocantins, em 1964. O antigo Departamento Nacional de Portos e Vias Navegveis, Antecessor da PORTOBRAS, ambos hoje extintos, entre os anos de 1968 e 1972 desenvolveu estudos do rio Tocantins, como parte do estudo geral das vias navegveis interiores do Brasil. O Comit Coordenador dos Estudos Energticos da Amaznia ENERAM, criado em 1968, desenvolveu, entre janeiro de 1969 e dezembro de 1971, os primeiros estudos sistemticos do potencial da Amaznia, com interesse no atendimento dos principais plos de desenvolvimento da regio, dentre os quais de destacava o de Belm. O relatrio final do ENERAM recomendou a criao de uma empresa, que veio a ser a ELETRONORTE, bem como o prosseguimento dos estudos do Tocantins, com enfoque em Tucuru, para o suprimento do Porto de Belm. A partir da criao da ELETRONORTE em 1973, os estudos, at ento com a ELETROBRAS, ficaram sob sua responsabilidade concluindo-os em 1974/75. Em 1975 tiveram incio os projetos bsico e executivo de Tucuru, adjudicados ao Consrcio Projetista ENGEVIX-THEMAG. As obras da ensacadeira de 1 fase comearam em novembro de 1975, tendo sido desviado o rio em outubro de 1976. As obras principais comearam em janeiro de 1977 e o incio do enchimento do reservatrio em setembro de 1984. A usina comeou a produzir energia em novembro de 1984.(Eletronorte, 1989)

2.4.2 A Barragem de Tucuru e os Projetos Governamentais na RegioA construo de reservatrios para o aproveitamento do potencial hidroeltrico do sistema TocantinsAraguaia faz parte da estratgia do governo brasileiro para promover o desenvolvimento da Amaznia Oriental, tendo em vista as inmeras jazidas de metais pesados preciosos e/ou semipreciosos. A compreenso do planejamento e do processo de tomada de deciso em Tucuru passa necessariamente pela anlise de quais foram as estratgias poltico-econmicas e energticas do Estado poca do empreendimento de formato autoritrio e centralizador, e que de certa forma se colocaram como um modo continuum at aproximadamente o ano de enchimento do reservatrio 1984, ano este que marca o incio da retomada da democracia participativa no pas, e portanto, significativo quanto a mudanas no estrutura de poder de ento, com a entrada em cena de outros atores sociais de interlocuo e negociao poltica. As necessidades motivadores centraram-se no suprimento de energia atravs da interligao de sistemas para a escala nacional, e na caracterizao do cenrio energtico como sendo de sustentao e suporte indstria mnero-metalrgica, na poca em planejamento no leste do estado do Par condies para a instalao de grandes empresas nacionais e transnacionais, entre as quais a ALBRAS, o Projeto Ferro-Carajs, a ALUMAR, e posteriormente outras, de menor porte. O Programa de Plos Agropecurios e Agrominerais da Amaznia PoloAmaznia de 1974 se colocou na poca como um instrumento de planejamento de projetos infra-estruturais para envolver a Amaznia no contexto econmico brasileiro, sendo os projetos de colonizao secundarizados em favor da implantao de grandes empreendimentos energticos e mnero-metalrgicos. ...a infraestrutura deveria sair na frente do desenvolvimento. (Eletrobrs, entrevistas, 1992).

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O projeto de construo da Barragem de Tucuru, definido pela Eletronorte, tem a seguinte justificativa: a implantao de uma usina do porte de Tucuru no portal da Amaznia propiciar o beneficiamento no pas dos recursos naturais e florestais abundantes na regio e a sustentao energtica de pelo menos trs reas selecionadas no Polamaznia e no Polonordeste TocantinsAraguaia, Carajs e Pr-Amaznia Maranhense -, em funo de suas potencialidades agropecurias, agrominerais e agroindustriais. Outros investimentos, viabilizados pela implantao de grandes projetos de infraestrutura, foram determinantes no processo de ocupao e explorao da regio durante as dcadas de 70 e 80, gerando novas configuraes territoriais. Dentre eles podem ser citados: As usinas de produo de alumina e alumnio ALCAN (Belm) e ALCOA (So Luis) a partir da bauxita A implantao da Transamaznica (BR 230), da PA-150, da BR-422 e da PA 263, que se constituem nos principais eixos de ocupao na rea; Os assentamentos implantados pelo antigo GETAT Grupo Executivo de Terras do Araguaia/Tocantins, pelo INCRA - Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria, e pelo ITERPA Instituto de Terras do Par; A implantao e o desenvolvimento do Projeto Ferro-Carajs; A construo da estrada de ferro Carajs / Itaqui (Maranho, prximo a S. Lus); A instalao da Camargo Corra Metais CCM em Breu Branco, ento municpio de Tucuru, para explorao de silcio metlico; contnuo processo de desflorestamento visando, entre outros fatores, garantir a propriedade da terra para fins especulativos.

importante que se registre que a deciso da obra de Tucuru anterior deciso de se implementar o Programa Grande Carajs. Esse programa foi concebido aps, tendo, como um dos objetivos, articular as diferentes aes do poder pblico na regio. A gerao da energia eltrica voltou-se prioritariamente para atender a demanda dos projetos mnerometalrgicos, ficou sob a responsabilidade do governo federal, conforme explicitado no Relatrio de Atividades da Eletronorte (1984) apud Kowarick (1995) do Ministro das Minas e Energia do Governo Ernesto Geisel: cheguei concluso de que seria muito difcil, quase impossvel, fazer com que os investidores investissem em uma hidreltrica. Os motivos so simples: os scios tinham interesse quase que conflitantes e o prazo de cada um dos empreendimentos era diferente. (...) Decidimos (...) que cada projeto deveria buscar sua prpria economicidade enquanto a gerao de energia passaria a ser encargo do governo federal. (...) Quando entramos no governo havia um subsdio ao petrleo da ordem de U$ 500 milhes, e poucas pessoas sabiam disso. No dia 31 de maro de 1974, eliminamos o subsdio, pois aumentamos o preo da gasolina em 32 %. Com parte destes recursos iniciamos a obra de Tucuru. De fato, a barragem, no incio, foi concebida para o abastecimento em energia de Belm e regio. No entanto, com a ascenso poca do Governo Geisel, comeou a ganhar importncia o objetivo de se produzir energia para atender o projeto Albrs (em associao com capital japons). No final, foi esse objetivo de produo de alumnio que acabou definindo, de uma forma pouco explcita e pouco organizada, no s a locao e as caratersticas do eixo da barragem de Tucuru como o cronograma de obras. O setor eltrico e a ELETRONORTE, em particular, acabaram influenciando muito pouco na deciso de onde e quando construir. Provavelmente, caso o setor eltrico tivesse de decidir sobre como abastecer Belm em energia, a deciso tomada teria sido diferente. O DNAEE (Departamento Nacional de guas e Energia Eltrica) tambm pouco participou da deciso poca, no tendo exercido nenhuma funo reguladora ou controladora no processo decisrio.

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O projeto de Tucuru apresentava, no entanto, uma grande vantagem poca, reconhecida pelos tcnicos do setor eltrico, que era a de permitir um projeto em 2 etapas sem muitos investimentos suplementares, o que permitia ao empreendimento se adaptar evoluo da demanda e de tecnologia.

2.4.3 Tucuru e os Projetos Industriais e de MineraoO caso de Tucuru marcante na medida em que a lgica que regia em termos gerais a expanso da oferta de energia eltrica, marcadamente voltada ao desenvolvimento scio-econmico da sociedade brasileira, sofreu uma forte influncia de fatores outros que no aqueles situados no mbito do setor eltrico. Assim, visto sob o ngulo das necessidades regionais previsveis na poca, o empreendimento de Tucuru foi implantado apenas com metade de sua capacidade total e sua produo voltada quase que exclusivamente ao atendimento da indstria de alumnio que concomitantemente se instala na regio, com forte apoio estatal. Os principais clientes industriais para a energia gerada por Tucuru foram: ALUMAR, localizada em So Luis, MA com demanda mdia de 662 MW para a produo de lingotes de alumnio; ALBRAS, em Barcarena, PA com demanda mdia de 625 MW para a produo de lingotes de alumnio; ALUNORTE, em Barcarena, demanda mdia de 160 MW para beneficiamento de bauxita; Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), em Carajs, PA com demanda mdia de 31 MW para extrao de minrio de ferro e mangans; Camargo Correa Metais (CCM), localizada em Breu Branco, PA com demanda mdia de 16 MW para produo de silcio metlico.

O consumo das usinas de alumnio de Barcarena e So Lus eqivale a mais de 50% da energia gerada, que era vendida a 16,45 US$ (1985) por MWh, ou seja, menos da metade do custo de energia de Tucuru e somente 65% do valor do preo mdio da energia no Brasil, que, naquele ano, era de 25 US$/MWh. A energia insumo fundamental neste setor, pois representa de 35 a 40% dos custos de converso da alumina em alumnio. O contrato que a Eletronorte celebrou para o fornecimento de energia prev a reduo das tarifas pelo prazo de vinte anos, garantindo que o preo no ultrapassar a 20% do preo do alumnio no mercado internacional.

2.4.4 O Planejamento do Setor EltricoO planejamento dos empreendimentos hidreltricos a implantar obedecia, em princpio, a uma metodologia que foi iniciada com os chamados estudos da CANAMBRA, uma associao de empresas americana, canadense e brasileira, realizados na final da dcada de 60. Tais estudos tiveram por objetivo levantar o potencial de aproveitamento hidreltrico dos rios situados nas regies leste e sul do pas e propor uma ordenao dos empreendimentos segundo critrios de menor custo de implantao e de energia produzida. O inventrio do rio Tocantins foi realizado pouco tempo depois por empresas brasileiras. O estudo de inventrio, de acordo com a metodologia adotada, define o aproveitamento do potencial hidreltrico da bacia atravs de obras de usinas hidreltricas, convenientemente situadas, em funo das caractersticas geomorfolgicas, hidrolgicas, de facilidades de acesso e de conexo com o sistema de escoamento da energia a ser produzida, e de outros fatores tcnicos e econmicos do domnio especfico da engenharia de obras desta natureza. A crescente experincia nacional e internacional e o conseqente domnio da tecnologia nos vrios campos de conhecimento tcnico requerido para o

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projeto, a construo e a operao de usinas hidreltricas permitiram a definio de alternativas de obras avantajadas, como Tucuru. Fatores ambientais raramente limitaram a concepo destes aproveitamentos, possivelmente porque a conscientizao para a necessidade de considerao das chamadas externalidades ambientais era to pequena quanto o prprio grau de conhecimento e de capacidade de avaliao das implicaes e efeitos das obras de grande porte sobre o ambiente, assim como, sobretudo, das alternativas de controle e mitigao. Os estudos de concepo, planejamento e execuo do empreendimento se concentraram nos aspectos de: viabilidade econmica e tcnica; proteo do empreendimento contra impactos ambientais que pudessem comprometer a sua construo e operao (Relatrio Goodland); reassentamento das populaes a serem deslocadas;

A abrangncia espacial destes estudos limitou-se rea do reservatrio e imediaes, sendo que no foram realizados estudos de jusante e regionais. Deve-se registrar, no entanto, que o processo decisrio em Tucuru foi, de todo modo, original, mesmo no mbito do setor eltrico. Tratava-se de uma grande barragem no interligada ao Sistema SulSudeste e no interligada ao Nordeste, logo no foram adotados modelos de avaliao que empresas federais como Furnas e CHESF adotavam quela poca.

2.4.5 Os Atores Sociais Envolvidos na Tomada de DecisesQuanto aos atores envolvidos no processo de tomada de deciso e suas formas de participao, se restringiram pelo quadro poltico da poca: ao Estado enquanto formulador, financiador e executor do projeto nacional; e a base poltica regional que legitimou a deciso federal no contexto polticoeconmico vigente. A implantao do empreendimento contou com o auxlio de estudos da comunidade cientfica e de firmas nacionais e estrangeiras solicitados pela recm criada Eletronorte, tendo sido constatado uma baixa capacidade de internalizao de conhecimentos produzidos bem como uma gerncia limitada de forma que estes estudos efetivamente subsidiassem prticas para o equacionamento dos impactos gerados. sociedade civil e particularmente a comunidade local localizada na base da hierarquizao da estrutura de poder vigente e sem a mobilizao e articulao hoje presentes e conquistadas, coube criar a partir de um longo processo de resistncias, conflitos e confrontos e ainda negociaes, seus caminhos de participao. Principais questes sobre o processo decisrio: Quais os fatores tcnicos, econmicos e polticos que condicionaram as principais decises quanto localizao, dimensionamento e seqenciamento da obra? Quais os fatores que influenciaram o cronograma e a estratgia de implantao do projeto? Qual a influncia dos vrios grupos de interesse e atores sociais no processo decisrio nas vrias fases da obra? Qual o quadro de financiamento da obra e seus principais financiadores? Qual a influencia dos subsdios no retorno do investimento?

Este um documento de trabalho da comisso Mundial de Barragens. O relatrio aqui publicado foi preparado para aComisso como parte das suas atividades de coleta de informaes. As opinies, concluses e recomendaes no objetivam representar os pontos de vista da Comisso

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Qual o papel e a influencia dos estudos de impacto ambiental e social no processo decisrio? Qual a articulao entre a concessionria e os outros rgos da administrao pblica, e suas conseqncias na implantao do projeto? (p.ex.: a gesto das infraestruturas e servios para os ncleos urbanos relocados, o caso CAPEMI)

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CRITRIOS E DIRETRIZES: QUESTES LEGAIS E PODER CONCEDENTEQuesto da CMB: Em que medida o projeto atendeu s exigncias da legislao vigente, e aos critrios e diretrizes praticados poca da concesso, construo e operao do empreendimento? estudo de caso identificar as principais leis e critrios vigentes na poca em que foi realizado o empreendimento, apresentando a inexistncia e lacunas quanto legislao ambiental e estudos de populao. estudo de caso dever avaliar em que medida os critrios e diretrizes existentes poca foram obedecidos durante o ciclo do projeto. Onde aplicvel, esses critrios e diretrizes sero analisados para determinar sua eficcia, e identificar incentivos e o quadro institucional de apoio a sua implementao. O estudo de caso dever ainda analisar em que medida os regulamentos, critrios e diretrizes existentes foram atendidos, durante o ciclo do projeto. Esses regulamentos, critrios e diretrizes sero analisados para determinar sua eficcia, e identificar os incentivos e o quadro institucional para sua implementao.

3.1

A Concesso do Aproveitamento

De acordo com o arranjo legal vigente na poca, o setor eltrico brasileiro era composto por uma empresa holding estatal a ELETROBRS e quatro empresas regionais, das quais a ELETRONORTE foi a ltima das empresas criadas compor o sistema. A Centrais Eltricas do Norte do Brasil S.A - Eletronorte, empresa subsidiria das Centrais Eltricas Brasileiras S.A Eletrobrs, concessionria de servios pblicos de energia eltrica, foi criada pela Lei 5.824, de 14 de novembro de 1972, constituda por escritura pblica em 20 de junho de 1973 e autorizada a funcionar pelo Decreto 72.548, de 30 de julho de 1973. A rea de atuao da Eletronorte, caracterizada pela Amaznia Legal, representa 58% do territrio nacional, compreendendo os Estados do Acre, Amap, Amazonas, Maranho, Mato Grosso, Par, Rondnia, Roraima e Tocantins. Caracterizado como um monoplio, o setor eltrico planejava, implantava e operava os empreendimentos para suprir o mercado de energia eltrica, mediante concesso da exclusiva alada do Presidente da Repblica. A abundncia dos recursos hdricos brasileiros e a relativa escassez de recursos energticos fsseis determinaram a opo nacional pelo aproveitamento do potencial dos mananciais para a produo de energia eltrica.

3.2

As Mudanas do Quadro Jurdico-Institucional

3.2.1 A Constituio De 1988 E As Compensaes Financeiras Pelo Uso De Recursos NaturaisA Constituio de 1988 criou a lei que prev compensaes financeiras (pagamento de royalties) para a gerao de energia eltrica, explorao de minrios e petrleo aos municpios e estados afetados com a perda de terras agricultveis. O montante global da compensao financeira paga por cada usina

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funo da receita da energia produzida e a distribuio funo da rea alagada em cada municpio. A alquota cobrada pela gerao de energia eltrica de 6%. Da receita gerada 45% cabem aos municpios. (Valena, 1991) A partir de.uma nova rediviso territorial dos municpios com relao ao reservatrio de Tucuru, evidenciou-se uma clara disputa por recursos espaciais ao estabelecerem-se novas fronteiras municipais, centrada na partilha das valorizadas margens do lago para o recebimento dos royalties de compensaes financeiras. Atualmente, os municpios que fazem fronteiras com as guas do reservatrio so : Tucuru, Jacund, Itupiranga e Rondon do Par. Contudo, constata-se na regio como reivindicao da populao de modo geral (trabalhadores rurais, trabalhadores urbanos, pescadores, comunidades indgenas, etc.) e dos movimentos sociais dela representativos, a necessidade de um gerenciamento participativo conjunto com o poder pblico para que os recursos financeiros recebidos pelos municpios sejam distribudos de forma equitativa e melhor direcionados a projetos de beneficiamento da qualidade de vida, tais como: sade, educao, estmulo a produo, etc..

3.2.2 Legislao Ambiental E LicenciamentoA partir da implantao das primeiras grandes usinas hidreltricas brasileiras, com a constatao de seus efeitos indesejveis e da crescente conscientizao para a necessidade da conservao ambiental, a legislao ambiental, que surge apenas no incio da dcada de 80, impe a considerao dos efeitos sobre o ambiente, a internalizao dos respectivos custos e o escrutnio social sobre as alternativas de aproveitamento do recurso natural em pauta. Em 1986, o Conselho Nacional de Meio Ambiente incluiu as barragens no rol de atividades potencialmente poluidoras e como tal sujeitas ao licenciamento ambiental para implantao. A UHE Tucuru portanto anterior a este importante marco legal, uma vez que entrou em operao em 1984, e portanto sua concepo, concesso para explorao pela ELETRONORTE e a sua efetiva implantao no levaram em conta de forma explcita, os efeitos sobre o ambiente em sentido amplo, especialmente os aspectos sociais. necessrio assinalar, no entanto, que a deciso sobre a cota 72 foi tomada em respeito a uma restrio fsica de carter social e ambiental: a inundao em parte de Marab. No que se refere ao Licenciamento Ambiental, somente em 1998, foi regularizada a situao da Hidreltrica de Tucuru, com a concesso pela SECTAM (Secretaria de Estado de Cincia e Tecnologia do Estado do Par) da Licena de Instalao das 11 (onze) turbinas principais e das 2 auxiliares, alm da Licena de Operao do prprio empreendimento. A notificao 159/98, de 22/05/98, da SECTAM concede as respectivas licenas, condicionadas, no entanto, reformulao e ao desenvolvimento de uma srie de programas ambientais. devem ser reformulados os programas de controle do estoque pesqueiro e de monitoramento limnolgico de qualidade da gua e de macrfitas aquticas. por outro lado, devem ser implementados programas de: manejo e recuperao de reas degradadas, programa de fiscalizao integrada, avaliao da transposio da barragem pela ictiofauna, educao ambiental e zoneamento ecolgico-econmico.

3.2.3 As Mudanas Recentes No Quadro Institucional Do Setor Eltrico

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Ao nvel governamental nacional, a descentralizao um discurso e tambm uma realidade. Fortaleceram-se os governos estaduais e, pela Constituio, tambm os governos municipais. O quadro institucional do setor eltrico vem atualmente se alterando. A ANEEL criada pela Lei no 9.427, de 26 de dezembro de 1996 com a finalidade de regular e fiscalizar a produo, transmisso e comercializao de energia eltrica no Brasil, atende a nova realidade criada com a mudana de papel do Estado no setor de energia, que de executor passou a se tornar essencialmente regulador e fiscalizador. Acha-se atualmente a Agncia em fase de estruturao, tendo sido sua ao definida a partir de contrato de gesto firmado entre ela e o MME (Ministrio de Minas e Energia). Este um registro, que juntamente com a inteno atual de privatizao da gerao de eletricidade faz com que o cenrio do setor eltrico aponte tendncias de mudana significativas que devero ser identificadas neste estudo como forma de reconhecer as implicaes da reestruturao do setor eltrico no gerenciamento do empreendimento e fazer recomendaes.

3.3

A UHE Tucuru Luz da Legislao Ambiental Atual e das Recomendaes Internacionais

O pano de fundo com respeito legislao sob o qual foram aprovados e desenvolvidos grandes projetos na regio Amaznica e mesmo em outras regies do pas, diferencia-se fortemente das exigncias das legislaes atuais. A experincia brasileira de gerenciamento de Recursos Hdricos atravs da histria fez com que tanto a legislao pertinente como a estrutura institucional para a sua implementao fossem alteradas. Do Cdigo das guas institudo pelo Decreto 24.643 de 10 de setembro de 1934, ao gerenciamento atual dos recursos hdricos com base na Lei 9.433 de 8 de janeiro de 1997, o Brasil ganhou muito na proteo dos recursos naturais com nfase nos recursos hdricos. A Lei Federal n 9.433, instituiu a Poltica Nacional de Recursos Hdricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos e regulamentou o inciso XIX do artigo 21 da Constituio Federal do 05/10/1998. Muitos dos Estados da Federao j estabeleceram legislaes estaduais compatveis com a Federal. A anlise e aprovao de projetos de construo de barragens, especialmente para grandes projetos hidreltricos, dentro da legislao atual levando em considerao tambm as exigncias da Poltica Nacional do Meio Ambiente, estabelecida pela Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981 e suas modificaes, muito mais complexa e exigente comparada aquela existente antes da construo da Usina Hidreltrica de Tucuru. Pode-se considerar mesmo, que as dificuldades para a aprovao de um novo grande projeto de hidreltrica, sejam maiores do ponto de vista scio-ambiental (legislao ambiental), do que do ponto de vista dos problemas tcnicos de engenharia os quais so plenamente absorvidos pela engenharia nacional. O panorama internacional hoje dominado, no que diz respeito ao financiamento de projetos por financiadoras multinacionais (BID e BIRD), pelas convenes e recomendaes aprovadas na UNCED, realizada no Rio de Janeiro de 1992, durante a qual foram aprovadas duas convenes (a conveno Quadro das Mudanas Climticas Globais e a Conveno da Diversidade Biolgica), e a Agenda 21 que refere-se diretamente ao desenvolvimento sustentvel. A Agenda 21 no uma

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conveno internacional, porm a anlise dos projetos nos organismos financiadores feita considerando-se os objetivos de desenvolvimento sustentvel nela contidos.

Principais questes sobre os critrios e diretrizes: ! ! ! ! ! Em que medida os critrios, diretrizes, e polticas que existiam na poca foram atendidos durante o ciclo do projeto? Em que medida esses critrios eram adequados? Quais os aspectos enfocados? Quais os incentivos e o apoio institucional que influenciaram a sua implementao? Em que medida os novos critrios (p.ex. a obrigatoriedade de EIA/RIMA para barragens) e as mudanas no quadro jurdico-institucional foram internalizados aps a construo? Como estes influenciaram a gesto do projeto na fase de operao? Analisar a relao entre crescimento e transformao das estruturas sociais, econmicas e espaciais (pelo recebimento de royalties) versus difuso da produtividade a nvel social local: quais so os beneficirios do aumento da receita municipal? Como esto sendo empregados esses recursos?

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CUSTOS, BENEFCIOS E IMPACTOS PROJETADOS X ATUAIS

Questo da CMB: Quais foram os benefcios, custos e impactos projetados e atuais do projeto? Neste capitulo se avalia em que medida os projetos de grandes barragens atingiram seus objetivos explcitos. As respostas esperadas, dependendo do tipo de barragem, envolvem a comparao entre: produo de energia estimada vs. efetivamente gerada; reas de irrigao projetadas vs. irrigadas; mudanas em danos causados por enchentes antes e depois do projeto, custos e impactos previstos e atuais, benefcios previstos e realizados, impactos previstos e sua atenuao, etc.

4.1

A Gerao de Hidroeletricidade

Neste item sero comparados os benefcios previstos e os atuais da gerao de hidroeletricidade, em termos de: produo estimada x efetiva, extenso e natureza dos mercados, valor da produo, benefcios econmicos diretos, efeitos multiplicadores, etc. Principais questes quanto gerao de eletricidade: Determinar quais as estimativas de produo de eletricidade e benefcios poca de concepo do projeto, em comparao com a produo e benefcios efetivos. Caracterizar a contribuio da gerao de eletricidade da UHE Tucuru para o desenvolvimento local, regional e nacional; Registrar qual foi a eficincia energtica do empreendimento: econmica e financeira?

4.2

Navegao

A construo de eclusas foi includa no desenho de Tucuru, visando o aproveitamento dos rios Tocantins e Araguaia para a transposio da barragem, permitindo assim a navegao de embarcaes de pequeno e mdio porte ao longo do rio desde Belm a montante de Tucuru, e no reservatrio. Neste item sero descritos os principais elementos desse componente do projeto, incluindo-se os custos e benefcios estimados da implantao de eclusas, a regulamentao bsica em relao navegao na bacia; o quadro institucional de apoio operao das eclusas, e etc. Vale ressaltar que para proceder a identificao dos custos e benefcios estimados e reais quanto a navegao, este estudo pautar sua abordagem atravs do registro histrico sobre a importncia scio-econmica da navegao para o estado do Par e sua populao. Principais questes quanto a navegao: Qual foi a contribuio do empreendimento ao aumento da navegabilidade do rio Tocantins e suas repercusses regionais potenciais? Em que medida foram abordadas e/ou contempladas (nas diferentes fases do empreendimento) as expectativas e reivindicaes seculares das populaes quanto a navegabilidade do rio Tocantins e suas implicaes para o incremento da sustentao econmica local-regional?

4.3

As Transformaes Scio-Ecolgicas Decorrentes da UHE Tucuru: Processos e Gesto -

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A construo desse projeto, no perodo compreendido entre 1975 e 1984, provocou grandes transformaes sociais e ecolgicas nas regies do sudeste paraense e baixo Tocantins reas a montante e a jusante, respectivamente da hidreltrica. A formao do reservatrio submergiu, em 1984-1985, uma rea das margens do rio Tocantins de, aproximadamente 2.830 Km2, das quais cerca de 90% eram ambientes de vrzea alta e terra firme, tradicionalmente explorados por diferentes grupos sociais locais. Deslocou compulsoriamente milhares de famlias. Tambm algumas vilas ou povoados foram atingidos parcial, ou totalmente. A sede do municpio de Jacund foi totalmente inundada; dos municpios de Tucuru, Jacund e Itupiranga parte de seus territrios; e Rondon do Par uma pequena rea. Parte de duas reservas indgenas (Parakan e Pucuru), e 170 de rodovia federal. O empreendimento ocupou ainda, com suas obras 60% a 70% do territrio indgena dos Gavies da Montanha, que tiveram que abandonar sua reserva e se deslocar para a reserva Me Maria, que tambm foi rasgada por uma Linha de Transmisso de 19 km de extenso e 150 m de largura. Em decorrncia da submerso e da decomposio da matria orgnica, logo aps o enchimento, o lago foi coberto por macrfitas aquticas, avaliadas tecnicamente como o criatrio primrio de larvas de mosquitos, que se proliferaram de forma incontrolvel nas reas adjacncias da usina. Embora tratar-se de um fenmeno biolgico, ao crescimento macio de macrfitas aquticas, esto associados muitos problemas sociais, dentre eles, um dos de maior impacto relativo a sade das populaes quanto ao aparecimento de doenas2 dermatolgicas, respiratrias, distrbios mentais, associadas presena da praga dos mosquitos, alm de situaes incmodas geradoras de stress e comprometedoras da qualidade de vida das populaes, dado que, alm das inmeras picadas por segundo, as famlias tinham que fazer fumaa dentro de casa na tentativa de minimizar a presena dos mosquitos. Soma-se deteriorao da gua devido a grande produo e a decomposio de matria orgnica, o impedimento da pesca e da circulao, o comprometimento de plantaes, o aparecimento de vetores de insetos etc. A praga dos mosquitos, minimizada aqui pelos limites concretos desta anlise preliminar, fez com que grupos populacionais recm-relocados tivessem que conviver com uma situao inspita, sendo que algumas reas chegou a inviabilidade da permanncia humana e animal. A situao dos antigos colonos da velha transamaznica, que tinham sido deslocados compulsoriamente para a denominada Gleba Parakan, antiga rea indgena dos ndios Parakan, desmembrada devido construo de um desvio na Transamaznica, chamada hoje de nova transa, em oposio ao antigo trecho inundado, paradigmtica desse fenmeno conhecido como a praga dos mosquitos, que perdura h mais de uma dcada. Uma outra conseqncia da construo da barragem refere-se a perda dos recursos madeireiros, devido o tempo disponvel no ter sido suficiente para se fazer o desmatamento adequado. O estoque natural de madeira de valor comercial na floresta devido a problemas tcnicos, infra-estruturais, organizacionais resultantes do enorme tamanho da rea e da diversidade das espcies de madeiras no foi resolvido e aproveitado de uma maneira adequada. A empresa CAPEMI, responsvel, inicialmente, pelo desmatamento de Tucuru, desistiu do empreendimento depois de uma ao que, alm de ter deixado muitas dvidas, foi bastante criticada e debatida na imprensa e revelada em detalhes em publicaes . At hoje o aproveitamento destes recursos madeireiros ainda se constitui num grande desafio tcnico e econmico, na regio.

4.4

O Deslocamento de Populaes: Procedimentos e Implicaes

O deslocamento compulsrio de populaes locais se colocou e ainda hoje se configura por suas conseqncias, como um dos principais problemas inclusos no processo das excluses sociais, decorrentes da apropriao de territrios para fins de implantao do empreendimento, dado que estes foram considerados como espaos naturais, desconectados portanto, de prticas socioculturais. Srias conseqncias nos meios e modos de vida de populaes que habitavam as cercanias do projeto foram

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ocasionadas pela desestabilizao do ecossistema, obrigando-as a redefinirem suas prticas de reproduo material e scio-cultural. Trata-se portanto, de uma questo que decorreu da influncia direta da construo da barragem, e que demanda um aprofundamento no decorrer do estudo de caso. O processo de transferncia de famlias que, compulsoriamente, tiveram que deixar seus locais de moradia e trabalho, foi permeado por implicaes que configuravam-se em situaes de conflitos latentes dado que, alm de, nem sempre contar com o aval dos grupos sociais envolvidos, muitos deixaram de ser incorporados a novos espaos geogrficos, econmicos e sociais. Evidncias empricas e a literatura especfica mostram que o processo formal das decises tomadas dado o contexto histrico do pas e at mesmo pela falta de experincia da Empresa em questes dessa natureza, no considerou todas as peculiaridades existentes, a complexidade das relaes sociais e a possibilidade de uma maior participao dos grupos. O processo indenizatrio foi bastante problemtico `a medida que a Eletronorte se pautou em critrios de eficincia administrativa e financeira, cuja base de sustentao foram os procedimentos jurdicos e a noo de tempo condicionada ao prazo de construo da Usina. Os critrios de avaliao dos bens, para efeito de indenizao, levaram em considerao unicamente os aspectos materiais, abstraindo a valorao do trabalho investido no trato com a terra, os valores afetivos e simblicos, ou seja, a lgica cultural, as condies sociais e histricas das populaes locais. O reassentamento foi objeto de uma ao tardia e muito limitada, se comparada com as providncias tcnicas do projeto. Trata-se de um processo que tornou-se difcil definir, com certeza, o nmero de famlias ou pessoas que foram deslocadas. Em 1978, um estudo da BASEVI mostrava que o projeto tinha provocado o deslocamento de 1.750 famlias, totalizando 9.500 pessoas. Em novembro de 1982, pelo levantamento da Eletronorte j eram 3.152 famlias, equivalente, a aproximadamente 15.600 pessoas. No relatrio da Eletrobrs (1992, p. 80), a indicao de 4.407 famlias reassentadas, sendo 3.407 em loteamentos rurais e, 1000 famlias em ncleos urbanos. Para essa desatualizao peridica a empresa utiliza o argumento de que, para elevao do efetivo de famlias, concorreu, principalmente, o enorme afluxo migratrio s reas adjacentes ao projeto, inclusive ocupando reas que, a princpio, foram consideradas passveis de serem alagadas. importante ressaltar que, as estimativas dos efetivos deslocados, em geral, limitam-se s famlias passveis de indenizao proprietrios e os donos de benfeitorias residentes nas reas a serem desapropriadas. Ficaram de fora populaes que, sazonalmente ocupavam as reas ribeirinhas para reproduzir sua sobrevivncia. Mougeot (1985) inclui, alm do crescimento migratrio a subenumerao sistemtica, como fator que contribuiu para desatualizar as previses originarias. E que, sem o fluxo migratrio fosse considerado, o nmero de pessoas deslocadas, at 1980, podia situar-se entre 25 e 35 mil pessoas. Por outro lado, o reassentamento se deu em reas que, muitas vezes, se mostraram inapropriada para esse fim, constatando-se uma alterao scio-econmica que no levou em conta as formas anteriores de sobrevivncia e a interao do homem ao meio circundante. Existem menes que, comunidades ribeirinhas foram deslocadas para reas interioranas, e que grupos extrativistas foram transferidos para lotes onde deveriam ser desenvolvidos atividades agropastoris. Tratam-se de situaes que corroboraram para o insucesso atribudo aos reassentamentos, constatados pelos altos ndices de abandonos dos lotes onde foram instaladas famlias desapropriadas. Tais consideraes permitem afirmar que todo o processo de relocaes provocou transformaes marcantes nas formas de vida das populaes deslocadas. Contudo, impe-se como tarefa a ser executada, o real dimensionamento da mudana, no sentido de permitir a apreenso de sua abrangncia, uma vez tratar de um relevante fenmeno social

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Ainda assim possvel antever que, os processos de mudanas desenhadas pelas rupturas nos modos de vida, acumularam-se em impactos de distintas ordens tanto no campo scio-cultural quanto no meio fsico e bitico. Todavia, tais impactos e sua magnitude ainda no foram totalmente avaliados. Logo, igualmente relevante a percepo das trans