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Turismoreflexões sobre a dimensão territorial

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Universidade Salvador – UNIFACSLaureate International Universities

PresidenteMarcelo Henrik

ChancelerManoel Joaquim Fernandes de Barros Sobrinho

ReitoraMarcia Pereira Fernandes de Barros

Pró-reitora de Pesquisa, Extensão e InovaçãoCarolina de Andrade Spínola

Coordenador do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Re-gional e UrbanoLaumar Neves de Souza

Coordenadora do Centro Cultural e EditoraGismália Marcelino Mendonça

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Regina Celeste de Almeida Souza

Tiago Sá Teles Cordeiro

Organizadores

Turismoreflexões sobre a dimensão territorial

Salvador

Editora Unifacs

2014

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©Copyright 2014 Autores. Direitos para esta edição cedidos à Editora Unifacs. Feito o Depósito Legal.

Os artigos ora apresentados são de inteira responsabilidade dos autores.Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sejam quais forem os meios empregados, sem autorização por escrito do autor e da editora, conforme a Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1996.

Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.

Capa André Luís Debeauvais

Foto da CapaRodrigo Chagas

Revisão e normalizaçãoSusane Barros

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

T938 Turismo: reflexões sobre a dimensão territorial / Regina Celeste de Almeida Souza, Tiago Sá Teles Cordeiro (Organizadores). – Salvador : Editora Unifacs, 2014. 292 p.

ISBN: 978-85-8344-061-1

1. Turismo. I. Souza, Regina Celeste de Almeida, org. II. Cordeiro, Tiago Sá Teles, org. III. Título.

CDD: 338.4791

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Sumário

Apresentação 7

A paisagem como recurso para o turismo

Tiago Sá Teles Cordeiro e Sueli Maria da Silva Pereira 11

Espaço geográfico e turismo: um olhar para o desenvolvimento

do turismo religioso

Josemary dos Santos Santana e Roque Silva Alves 41

Reflexões sobre território e turismo étnico indígena

Gisele das Chagas Costa e Regina Celeste de Almeida Souza 69

Considerações acerca do ecoturismo e sua relação com

o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável

Jaldo Borges de Souza 99

Ensaio sobre a modalidade de turismo no espaço rural

Paulo Henrique Oliveira Silva 131

Aglomerações produtivas e desenvolvimento turístico

no meio rural

Leila Mendes Paixão 149

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“Em nome da modernidade” – transformações territoriais

no Vale do São Francisco: o turismo como (nova) atividade

econômica

Chelly Costa Souza 167

O turismo enológico como vetor de desenvolvimento

sustentável no Vale do São Francisco: primeiras notas

Ariadna da Silva Bandeira, Emília Maria Salvador Silva

e Natalia Silva Coimbra de Sá 193

São João de Jequié: estabelecendo laços entre os

megaeventos juninos e a tradição

Nerivaldo Carneiro de Menezes Junior e Regina Celeste

de Almeida Souza 213

A transnacionalização da Lavagem do Bonfim em Paris

e Nova York: uma análise das festas baianas no exterior pela

perspectiva dos estudos de cultura e turismo

Caroline Fantinel e Natalia Silva Coimbra de Sá 235

O urbano na perspectiva do turismo e o marketing

de lugares: considerações ao destino turístico Morro

de São Paulo – Bahia

Mariana Lacerda Barboza Filha 263

Sobre os autores 289

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Apresentação

Esta coletânea de artigos foi produzida por alunos e ex-alu-nos da disciplina “Análise Territorial do Turismo”, sob a nossa responsabilidade, e que é oferecida pelo Programa de Pós-gra-duação em Desenvolvimento Regional e Urbano (PPDRU), da Universidade Salvador (Unifacs).

A ideia de realizar uma produção docente/discente, a partir da nossa atividade pedagógica de sala de aula, vinha sendo ma-turada há alguns anos, mas só foi concretizada quando o aluno especial Tiago Cordeiro, no final de 2012, propôs a elaboração de um livro com o material que havíamos produzido durante o curso, o que foi acatado pelos demais colegas.

Aproveitando a motivação desse pequeno grupo de alunos, decidimos estendê-la para ex-alunos, que se encontravam vin-culados ao Grupo de Pesquisa em Turismo e Meio Ambiente (GPTURIS), o qual é certificado pelo CNPq desde 2002.

Organizamos então esta coletânea, que traduz a importância dos temas abordados em sala de aula e a sua aplicabilidade nas dissertações de mestrado e teses de doutorado, inseridas na área de concentração em Turismo e Desenvolvimento do PPDRU.

Para a seleção do material que nos foi encaminhado, con-tamos com a colaboração das professoras Carolina de Andrade Spínola (Unifacs), Karen Sasaki (Unijorge), Natalia Silva Coim-bra de Sá (Uneb), além da nossa própria participação na leitura crítica desses documentos, e com os diversos pareceres obtidos pudemos selecionar os 11 (onze) textos que ora publicamos.

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8 - Apresentação

Aproveitamo-nos do ensejo para agradecer a essas consultoras ad hoc, pela seriedade e presteza com que nos atenderam, con-tribuindo sobremaneira para a elevação do nível dos textos ela-borados.

Procuramos nesta coletânea mostrar, através de uma percep-ção geográfica do turismo, já que essa atividade tem um caráter polissêmico, como o espaço geográfico físico, com seus atribu-tos e potencialidades, é apropriado por esta mesma atividade, para ser transformado posteriormente em um produto ou des-tino turístico. Nesse sentido, foram tratados os temas como “A paisagem como recurso para o turismo”, por Tiago Sá Teles Cor-deiro e Sueli Maria da Silva Pereira, em que são apresentados conceitos e exercícios de interpretação da paisagem, buscando identificar a relação existente entre paisagem, uma das catego-rias geográficas e a atividade do turismo. Destacam ainda que a paisagem pode ser representada por meio de substitutos, como fotos, postais, livros, slides, gravuras etc.

“Espaço geográfico e turismo: um olhar para o desenvolvi-mento do turismo religioso”, escrito por Josemary dos Santos Santana e Roque Alves Silva, considerando o espaço religioso como espaço físico e simbólico dos ritos sagrados, que atraem fiéis/peregrinos, tomando como estudo de caso as Romarias em Bom Jesus da Lapa – BA.

Outro conceito bastante discutido em sala de aula é o territó-rio, sendo abordado no texto de Gisele das Chagas Costa e Regina Celeste de Almeida Souza, intitulado “Reflexões sobre território e turismo étnico e indígena”, analisando sites de povos indígenas que desenvolvem experiências de turismo étnico em território baiano, destacando que essa atividade deve ser bem planejada para não ocorrer a mercantilização da cultura indígena.

A questão do meio ecológico é especialmente tratada por Jaldo Borges de Souza, com artigo intitulado “Considerações acerca do ecoturismo e sua relação com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável”, em que o autor destaca a necessi-

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Regina Celeste de Almeida Souza e Tiago Sá Teles Cordeiro - 9

dade da preservação ambiental para este segmento do turismo, e toma como referencial empírico a região do Rio Preto do Crici-úma, em Jequié – BA, com seus atributos naturais que induzem a um olhar mais sensível, que possibilite talvez a transformação desta área em uma Unidade de Conservação.

O artigo “Ensaio sobre a modalidade de turismo no espaço rural”, de Paulo Henrique Oliveira Silva, no qual o autor busca, através de pesquisa bibliográfica, discutir o conceito de turismo rural apontando que existe certa imprecisão nesta conceituação, contudo, considera sua relevância para o território, visto que se torna uma fonte de recursos para propriedades rurais fazendo uso da mão de obra local.

Ainda na temática do turismo rural, o artigo “Aglomerações produtivas e desenvolvimento turístico no meio rural”, produzi-do por Leila Mendes Paixão, analisa como os sistemas de gover-nanças podem potencializar um destino turístico, a partir da va-lorização das tradições culturais locais, o que gera o diferencial competitivo para o destino.

O artigo “Em nome da modernidade – transformações terri-toriais no Vale do São Francisco: o turismo como (nova) ativida-de econômica”, de autoria de Chelly Costa Souza, versa sobre as transformações ocorridas no semiárido baiano em função dos polos de irrigação modificando a dinâmica territorial e como a população local apropriou-se do turismo como nova atividade econômica a ser desenvolvida na região.

Mais especificamente sobre o processo de elaboração de um produto turístico, o texto intitulado “O turismo enológico como vetor de desenvolvimento sustentável no Vale do São Francisco: primeiras notas”, elaborado por Ariadna da Silva Bandeira, Emí-lia Maria Salvador Silva e Natalia Silva Coimbra de Sá, destaca a importância da participação dos diversos atores, tais como: Esta-do, empresários e a população local para a concepção e operacio-nalização deste produto – o enoturismo.

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10 - Apresentação

Por outro lado, os grandes eventos tem também a capacida-de de apropriação momentânea de um determinado físico, ru-ral ou urbano, transformando-o em território turístico, o que é demonstrado através de dois artigos: o primeiro, “São João de Jequié: estabelecendo laços entre os megaeventos juninos e a tradição”, os autores Nerivaldo Carneiro de Menezes Junior e Regina Celeste de Almeida Souza procuram analisar como acon-tecem as manifestações culturais nas festas juninas e, em espe-cial, nos principais espaços festivos na cidade de Jequié Bahia. O segundo artigo, “A transnacionalização da Lavagem do Bon-fim em Paris e Nova York: uma análise das festas baianas no exterior pela perspectiva dos estudos de cultura e turismo”, de Caroline Fantinel e Natalia Silva Coimbra de Sá, destaca os três momentos da festa transnacionalizada, consistindo no processo de desterritorialização e reterritorialização da Lavagem do Bon-fim na Bahia, sendo a mesma ressignificada em Paris e mais recentemente em Nova York.

Por fim, Mariana Lacerda Barbosa Filha, com o artigo “O ur-bano na perspectiva do turismo e o marketing de lugares: consi-derações ao destino turístico Morro de São Paulo – Bahia”, tratou sobre a temática turismo e marketing de lugares, apoiando-se em três eixos: relação espaço e urbano; o urbano na perspectiva do turismo; o marketing de lugares, tomando como exemplo a localidade de Morro de São Paulo na Bahia.

Esta coletânea de artigos pretende refletir sobre tão impor-tante temática – Análise Territorial do Turismo –, contribuindo para a discussão acadêmica, esperando igualmente atingir ou-tras esferas do conhecimento e de decisões.

Boa leitura.

Salvador, 26 novembro de 2014.

Regina Celeste de Almeida Souza Tiago Sá Teles Cordeiro

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A paisagem como recurso para o turismo

Tiago Sá Teles CordeiroSuel i Maria da Si lva Pere ira

INTRODUçãO

A atividade turística se desenvolveu de forma exponencial a partir da década de 1950 quando se intensificou, de forma sig-nificativa, o volume de viagens para outros países. Segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT), entre os anos de 1950 a 2011, os deslocamentos a nível internacional de turistas pas-saram de 25 para 982 milhões por ano, o que representa um crescimento acima de 5% ao ano, durante mais de meio século.

Ainda de acordo com a OMT (2012):

A pesar de las dificultades de la economía mundial, el turis-

mo internacional ha mantenido su capacidad de resistencia

y recuperación. Entre enero y junio de 2012, el número de

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12 - A paisagem como recurso para o turismo

turistas internacionales en todo el mundo creció cerca de un

5% más que durante el mismo periodo de 2011 (22 millones

más). Aunque se pueda prever una ligera desaceleración del

crecimiento durante el resto del año, se estima que las llegadas

internacionales superarán los 1000 millones a finales de 2012.

Ressalta-se que estes dados versam apenas da movimentação de pessoas entre os países do mundo, logo, se acrescentássemos os dados referentes ao deslocamento de turistas domésticos (mo-vimento de pessoas no país em que residem) seguramente estes quantitativos seriam ainda mais significativos e impactantes.

Estes dados, porém, já evidenciam a importância da ativida-de turística para a economia global, fazendo com que este fenô-meno aguce o interesse de diversos pesquisadores, no sentido de melhor entendê-la. Contudo, este não é o único viés repre-sentativo do Turismo. Além do fenômeno que faz mover mais de 1/7 da população mundial por ano, evidencia-se sua capaci-dade de reestruturação e ressignificação do espaço geográfico, conforme endossa Cruz (2001, p. 8) ao postular:

A importância do turismo reside menos nas estatísticas que

mostram, parcialmente, seu significado e mais na sua incon-

testável capacidade de organizar sociedades inteiras e de con-

dicionar o (re) ordenamento de territórios para sua realização.

Enquanto atividade econômica organizada, o Turismo utili-za-se da infraestrutura local e de sua superestrutura específica – estradas, porto e aeroportos, pavimentação, sistema de trans-porte urbano, centros comerciais, rede elétrica, esgotamento sanitário, meios de hospedagem, agências e operadoras de via-gens, receptivos, rede de restaurantes etc. Contudo, sem perder de vista os sistemas de objetos naturais e culturais próprios da destinação.

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Torna-se clara a estreita e indissociável relação entre a ati-vidade turística e a organização do espaço. Este último como o objeto de pesquisa da Geografia, e definido por esta área do conhecimento como sendo:

Um conjunto indissociável, solidário e também contraditório,

entre sistemas de objetos e sistemas de ações, não considera-

dos isoladamente, mas como o quadro único no qual a histó-

ria se dá. [...] De um lado os sistemas de objetos condicionam

a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de

ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos

preexistentes. (SANTOS, 1994a apud CRUZ, 2001, p. 15)

Sendo assim, para o entendimento complexo e completo do fenômeno do turismo, é imprescindível apropriar-se dos concei-tos advindos da ciência geográfica, visto que tal fenômeno ocor-re dentro do espaço, ou melhor, acontece em função das relações entre os fixos e os fluxos previamente existentes no espaço-tem-po. Logo, para refletir acerca da distribuição da oferta turística e sua respectiva demanda é fundamental considerar as categorias geográficas, a saber: território, região, lugar e paisagem.

Dentre estas categorias, focamos na última para aprofundar as nuances existentes entre turismo e paisagem, tornando este o objetivo axial deste trabalho. Para tanto, estabelecemos que no primeiro momento versaremos sobre a paisagem para em seguida tecer algumas perspectivas epistemológicas acerca do turismo e suas características, o que nos permitirá expor nossas considerações sobre a relação existente entre ambos.

O qUE é PAISAGEM

As primeiras definições de paisagem fazem menção ao espa-ço geográfico abrangido pelo olhar, sendo então de domínio do

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visível, dos fixos, logo carregado de cores, luz, movimentos etc. Contudo, a paisagem não está afeita exclusivamente à imagem, mas também ao imaginário, logo pode estar carregada de outras sensações sensoriais, como: odores, sabores, texturas e inclusive sons.

Na geografia, duas escolas se destacaram: a alemã, que enve-reda pelo viés positivista, o qual percebe que fatores geográficos estão agrupados em unidades espaciais; e a escola francesa, que a considera enquanto forma, observando o caráter processual de sua constituição. Ambas as escolas abordam a face material do mundo onde o homem imprime suas ações (TELES, 2009), o que possibilita a subdivisão entre paisagem natural e paisa-gem cultural (humanizada), que abordaremos mais adiante.

Gomes (1999, p. 121-122), ao refletir sobre a temática, pos-tula:

O aporte da Paisagem comportando cumulativa e polêmica

diversidade de conteúdo e dimensões objetivas e subjetivas,

põe em xeque posturas herméticas e radicais, restauradora do

imbricado dualismo sobre o qual se assentam as bases do co-

nhecimento geográfico [...] Esses conceitos guardam entendi-

mentos e explicações diferenciadas que se associam ao corpo

da expressão Paisagem. Algumas vezes aparecem conceitual-

mente próximos, mas por outras, guardam tão grandes distân-

cias [...] Por outro lado, o leque de manipulações da expressão

Paisagem, para além da geografia amplia essa complexidade,

sendo fecundo em alternativas a busca de sua compreensão.

Esta autora cita o geógrafo alemão, Gerhard Hard, que em 1992 identificou tipologias sobre a paisagem, as quais foram ordenadas em 11 grupos, conforme se verifica no quadro 1 a seguir:

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Quadro 1 – Tipologias da paisagem

Tipologias

paisagem 1 – Quadro paisagístico do vivenciado ou vivido;

paisagem 2 – Fisionomia de espaços terrestres;

paisagem 2ª – aspectos fisionômicos de microespaços;

paisagem 3 – Espaços paisagísticos (aspectos fisionômicos próprios);

paisagem 4 – Espaço terrestre como o conjunto de coisas que o constitui;

paisagem 5 – Estrutura espacial ordenada;

paisagem 6 – Ecossistema;

paisagem 7 – Meio de organismos;

paisagem 8 – as relações geográfico-naturais como adversárias dos grupos Humanos;

paisagem 9 – as constantes históricas de recortes espaciais;

paisagem 9ª – Espaço terrestre com constantes características históricas;

paisagem 10 – sistemas limitados de interações sociais; e

paisagem 11 – a fenomenalidade de uma expressão agradável (uso metafórico).

Fonte: adaptado de gomes, 1999, p. 124.

Diante do exposto e no sentido de ampliar ainda mais as perspectivas conceituais sobre a paisagem, destacamos alguns conceitos relevantes a serem considerados. Para Bertrand (1971 apud TELES, 2009, p. 23), a paisagem não pode ser vista como:

[...] a simples adição de elementos geográficos disparatados. é

uma determinada porção do espaço, resultado da combinação

dinâmica, portanto instável, de elementos físicos, biológicos e

antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros,

fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em

perpétua evolução.

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16 - A paisagem como recurso para o turismo

Para Boullón (2002, p. 210), a paisagem é:

Uma qualidade estética que os diferentes elementos de um es-

paço físico adquirem apenas quando o homem surge como ob-

servador animado de uma atitude contemplativa dirigida a cap-

tar suas propriedades externas, seu aspecto, seu caráter e outras

particularidades que permitam apreciar sua beleza ou feiúra.

Santos (apud TELES 2009, p. 23) expressa a paisagem como

o conjunto de formas, que num dado momento, exprimem

as heranças que representam as sucessivas relações localiza-

das entre o homem e a natureza. Ou, ainda, a paisagem se dá

como conjunto de objetos reais e concretos.

Estes conceitos nos permitem entender que a paisagem é também fruto da ação sociocultural da população que habita cer-to espaço e dispõe de seus elementos, além de considerar a rela-ção que o observador cria com este espaço. Contudo, não é algo necessariamente estático, ao contrário, ela é dinâmica e está em constante mudança.

No entanto, ao fazer uma análise stricto sensu, podemos per-ceber que se trata do recorte espaço-temporal que apresenta di-versas informações acerca de determinado espaço. Cruz (2001), dentro de uma perspectiva meramente espaço-temporal do mo-mento em que se “fotografa” a mesma, reflete sobre a caracte-rística de fixidez paisagística, fruto da distribuição das formas e objetos que a definem, contudo, ressalta também que, se por um lado, a paisagem não muda de lugar, por outro, muda fre-quentemente de significados.

Nesse sentido, atento à questão de fixidez mencionada, po-demos considerar que a paisagem pode ser representada por meio de substitutos, como fotos, postais, livros, slides, vídeos, gravuras etc. Sendo que os mesmos devem ser sempre contex-

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tualizados a cada momento de análise ou avaliação, visto que tanto os elementos fixos, e sua respectiva distribuição espacial, quanto os significados de determinada paisagem podem sofrer mudanças em função do passar do tempo.

Outra característica desta categoria geográfica é o fato de, conforme mencionado anteriormente, estar carregada de infor-mações do local e isso impulsiona que pessoas exógenas à loca-lidade se motivem a se deslocar a determinado ponto no intuito de confirmar as informações pré-obtidas pela imagem, e ainda a completarem os lapsos informacionais não contemplados por inteiro no substituto paisagístico. (YÁZIGI, 2002)

Tais informações são passadas pelos elementos que a com-põem, assim como pelas respectivas propriedades da mesma. Evidencia-se o esforço de Gomes (1996) em apresentar alguns dos principais componentes paisagísticos (quadro 2), assim como as respectivas propriedades visuais (quadro 3).

Vale pontuar que o autor não insere questões voltadas à dis-tribuição da fauna e nem a outros fatores antrópicos mais sub-jetivos, como a própria presença do homem realizando alguma ação característica dos traços culturais da comunidade represen-tativa da paisagem. Outra crítica que se faz é sobre a falta de elementos que caracterizem o momento em que a paisagem é capturada pelo observador, a exemplo do nascer e pôr do sol em locais específicos; a piracema; o momento da autoflagelação de um homem (em função de um traço cultural específico em de-terminados espaços do globo) etc.

Da mesma forma, o autor não considera outros aspectos sen-soriais nas propriedades da paisagem, a exemplo do som, cheiro, gosto, o tato etc. Esses elementos são importantes, principalmente quando se analisa o turismo, pois é evidente que os postais, subs-titutos da paisagem mais difundidos por esta atividade, induzem costumeiramente os elementos anteriormente mencionados.

Diante do exposto, podemos considerar, neste artigo, a pai-sagem como sendo um recorte espaço-temporal de uma porção

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18 - A paisagem como recurso para o turismo

do globo terrestre que absorve e esparge pelo mundo as caracte-rísticas peculiares do espaço que representa. Ou seja, permite a tradução, comunicação e interação entre os espaços geográficos e seus atores. Fato que gera, como efeito colateral, motivação significativa entre os visitantes em conhecê-la.

Quadro 2 – Componentes paisagísticos

FoRMa Da TERRa – é o aspecto exterior da superfície terrestre, ou seja, o rele-vo, as formas do terreno, disposição de seus elementos etc.;

ÁgUa – são as formas em que a água se apresenta na superfície de determina-do espaço, a exemplo dos mares, lagos, lagoas, rios, barragens etc.;

VEgETaÇÃo – são as diversas formas de vida vegetal, com sua respectiva dis-tribuição, densidade etc.;

EsTRUTURas E ElEMENTos aRTiFiCiais – são as estruturas espaciais criadas por diferentes tipos de uso do solo ou construções diversas.

Fonte: adaptado de gomes, 1996, p. 167.

Quadro 3 – propriedades visuais da paisagem

FoRMa – é o volume ou superfície de um objeto ou objetos que se apresentam unificados tanto pela configuração quanto pela localização;

CoR – são definidas pela pigmentação e se dividem entre quentes ou frias, em tonalidade e em brilho. É considerada como a principal propriedade visual de uma paisagem;

liNHa – Caminho real ou imaginário percebido pelo observador quando os ob-jetos apresentam uma sequência unidirecional, ou quando existem diferenças bruscas entre os elementos, a exemplo: a cor, a forma etc;

TEXTURa – é a agregação de formas e cores percebidas, são as variações ou irregularidades de uma superfície contínua;

EsCala – É a relação existente entre o tamanho do objeto e o entorno onde está situado;

EspaÇo – organização tridimensional dos corpos sólidos e os espaços livres (vazios) da cena.

Fonte: adaptado de gomes, 1996, p. 167.

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TIPOLOGIA DA PAISAGEM

A importância do conceito de paisagem variou no tempo e isso pode ser verificado através do percurso do pensamento geográfico, através de suas diversas escolas. Muito analisada e estudada dentro de uma perspectiva material do mundo é pos-sível evidenciar que o conceito de paisagem está envolvido não somente na percepção visual, mas também nos outros sentidos, ou seja, na audição, olfato, tato e paladar.

A paisagem comumente é dividida em dois tipos principais, que são: as paisagens naturais e as paisagens culturais (huma-nizadas). As primeiras são as que não sofreram nenhum tipo de modificação ou foram pouco alteradas e que, nas palavras de Oliveira (1983, p. 69), “[...] predominam o arranjo dos compo-nentes bióticos, abióticos e o solo, muito pouco alterados, sendo que o fator cultural é inexpressivo”.

Nesse sentido, Oliveira (1983, p. 69) propõe que a paisagem natural seja dividida em: original e alterada. Para esse autor:

No primeiro caso os níveis de ação humana são mínimos.

O homem pode conviver com as paisagens originais sem cau-

sar nenhuma modificação. O segundo tipo de paisagem é a na-

tural alterada. A mata secundária é um tipo de reação ambien-

tal à alteração de uma área, causada pelo homem onde havia

primitivamente uma floresta. Pode constituir-se em um ecos-

sistema estável em resposta às novas condições de biótopo.

é possível perceber que faz parte da paisagem natural as ex-pressões dos elementos da natureza que não sofreram nenhum tipo de modificação ou cuja modificação atribuída ao homem é insignificante, conforme se verifica nas imagens a seguir:

Nos exemplos dados, que são os substitutos da Prainha (Ita-caré-BA) e da Praia do Francês (Marechal Deodoro-AL), o fato mais característico deste tipo de paisagem é justamente a quase nenhuma ou mesmo ausência da ação do homem, modificando e se apropriando destes espaços.

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20 - A paisagem como recurso para o turismo

Foto 1 – Espaço litorâneo conhecido por prainha, itacaré (Ba)

Fonte: Campos, 2014.

Componentes da paisagem:

• Forma da terra irregular apresentando uma encosta com presença de rochas;

• A vegetação é um vestígio de ecossistema costeiro;

• A disposição da água evidencia ser o mar;

• Ausência de estruturas e elementos artificiais.

Propriedade(s) hegemônica(s) desta paisagem:

• A textura rochosa e a linha apresentando diferenças bruscas entre os elementos indicando que o acesso ocor-re por mar;

• O mar revolto apresenta à cena outras características como o som das ondas e a sensação do vento que torna peculiar a imagem.

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Foto 2 – pôr do sol na praia do Francês, Marechal Deodoro (al)

Fonte: CarCabin, 2014.

Componentes da paisagem:

• Forma da terra pouco precisa, remetendo a um horizon-te não linear;

• A vegetação é o componente mais predominante;

• Ausência do elemento água e de estruturas e elementos artificiais;

Propriedade(s) hegemônica(s) desta paisagem:

• A cor alaranjada e a escala da vegetação e do sol que ga-nham destaque sobre os demais elementos, sendo que a cor é a propriedade mais marcante.

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22 - A paisagem como recurso para o turismo

A segunda tipologia é denominada de paisagem cultural (hu-manizada) também conhecida, na geografia, de paisagem antró-pica. Neste tipo de paisagem destaca-se a influência do homem sobre a natureza, ou seja, são todas as expressões das atividades humanas sobre o espaço no qual ele atua.

Para Oliveira (1983, p. 69), a paisagem cultural está atrelada à predominância da ocupação humana e afirma que:

é vista através de elementos visuais que foram criados

através de novos arranjos dos componentes abiótico-bióticos

acrescidos dos componentes culturais. Tem-se, por exemplo,

a paisagem urbana, no caso das cidades; a paisagem rural,

nas áreas onde predominam as atividades agropecuárias e

as paisagens ruro-urbanas, quando a agricultura e cidades se

mesclam. Área rural versus urbana criam uma relação dialé-

tica [...].

O autor ressalta que nestas tipologias surgem as paisagens planejadas e/ou de intervenção aleatória. No primeiro caso, utilizam-se técnicas que poderão ser: primitivas ou modernas. O uso da técnica primitiva pode propiciar a criação de ambientes estáveis em relação ao uso da terra, enquanto que no uso das técnicas modernas o seu equilíbrio com a natureza dependerá do tipo de tecnologia utilizada: branda ou pesada.

No segundo caso, ou seja, na intervenção aleatória da paisa-gem são empregadas técnicas modernas e primitivas. Oliveira (1983, p. 70) afirma que o uso das técnicas modernas são utili-zadas:

[Nas] construções de estradas que são feitas com o mínimo de

planejamento, usando maquinarias pesadas. Essas rodovias

são construídas sem levar em conta o potencial da paisagem

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que em decorrência desse fato provoca uma série de catástro-

fes que muitas vezes destroem essas rodovias.

A esse respeito afirma Oliveira (1983, p. 70) que o “resultado da intervenção aleatória do homem na paisagem, desconside-rando seu potencial, representa o impacto ambiental”. Contudo, quando se utiliza nas áreas as técnicas brandas de forma não in-tensiva, o que ocorre são alterações insignificantes na paisagem gerando o mínimo de impacto.

A seguir, verificamos dois exemplos deste tipo de paisagem, e fica aparente o fator axial de diferenciação da tipologia apre-sentada anteriormente, que é a intervenção do homem no espa-ço, modificando-o, adaptando-o para seu uso. Outra perspectiva é que dentro do espaço urbano pode haver locais com paisagem aparentemente natural, contudo, apesar do substituto da paisa-gem fazer um recorte seletivo, a mesma não pode ser classifica-da sem considerar o entorno.

Foto 3 – praia de Copacabana, Rio de Janeiro (RJ)

Fonte: CarCabin, 2014.

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24 - A paisagem como recurso para o turismo

Componentes da paisagem:

• Forma da terra linear evidenciando uma planície costei-ra, com a presença de encostas e morros ao fundo;

• A vegetação está praticamente ausente;

• Predominância do elemento água, formando o mar, mas são as estruturas e elementos artificiais que tem maior representação.

Propriedade(s) hegemônica(s) desta paisagem:

• A cor azulada tem destaque, assim como a linha tanto da praia quanto da estrada indicando fluidez no local.

Foto 4 – Elevador lacerda, salvador (Ba)

Fonte: Elevador..., 2014.

Componentes da paisagem:

• Forma da terra remete a um local plano, com um plano mais elevado, onde se registra a fotografia;

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• A vegetação é praticamente ausente;

• quanto à água, o mar está no segundo plano;

• As estruturas e elementos artificiais são os pontos mais representativos.

Propriedade(s) hegemônica(s) desta paisagem:

• A escala do objeto é o fator mais significativo nesta ima-gem evidenciando-o.

A Geografia Humanista considera não só os elementos que compõem a paisagem, mas principalmente os significados que lá estão embutidos e seus valores sociais, a este aspecto se deno-mina de paisagem subjetiva. Nesse sentido:

A Geografia Humanista ressalta e valoriza as experiências, os

sentimentos, a intuição, a intersubjetividade e a compreensão

das pessoas sobre o meio ambiente que habitam, buscando

compreender e valorizar estes aspectos. [...] Procura um en-

tendimento do mundo humano através do estudo das relações

das pessoas com a natureza, do seu comportamento geográ-

fico, bem como dos seus sentimentos e idéias a respeito do

espaço e do lugar. (TUAN, 1982 apud ROCHA, 2007, p. 21)

Nos exemplos que seguem, apresentamos algumas paisa-gens subjetivas, contudo, vale ressaltar que os componentes paisagísticos, assim como suas propriedades, ambos postulados por Gomes (1996), não tem muita aderência para analisar esta tipologia especificamente, mesmo constatando-se que a escala é um aspecto importante, visto que se reporta a uma característica própria de um espaço.

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Foto 5 – Baiana de acarajé do Farol da Barra, salvador (Ba)

Fonte: Nunes, 2014.

• Neste exemplo, outras sensações são despertadas a exem-plo do cheiro de acarajé quente, quitute baiano tombado como patrimônio imaterial. Assim como as cores e as pe-culiaridades da cultura baiana apresentada na indumen-tária, apetrechos etc., tendo o espaço ao redor como um pano de fundo onde se materializa este traço cultural.

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Foto 6 – Capoeira no pôr do sol de Morro de são paulo, Cairu (Ba)

Fonte: Zulo turismo, 2014.

• A característica mais marcante é a sensação de movi-mento dos atores na imagem. Os demais elementos são secundários. Nesse sentido, a escala é a propriedade pre-dominante, e o pôr do sol, o momento específico que caracteriza e dá vida à paisagem.

Desta forma é possível perceber que cada indivíduo identi-fica o mundo também por meios de valores e atitudes. Logo, a paisagem pode ser percebida tanto pelo que se vê, e é mensu-rável (real objetivo) como também por meio de sensações vivi-das e sentidas (subjetividade).

Nesse sentido, “a percepção é, portanto, um aspecto a ser incorporado ao conceito de paisagem que acaba se revelando di-ferentemente a cada observador, segundo o grau de interesse

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existente.” (EMÍDIO, 2006, p. 57). Na perspectiva subjetiva do indivíduo, Cabral (2000, p. 40) aponta que:

Mesmo que as pessoas olhem no mesmo instante para a mes-

ma direção não poderão ver a mesma paisagem. Poderá haver

consenso na visão de muitos elementos (árvores, casas, rios,

estradas, montanhas) em termos de número, forma, cor, tex-

tura, distância, etc., mas tais fatos precisam ser ajustados de

acordo com algum sistema de ideias para adquirirem sentido

ou significado. Dessa maneira nos confrontamos o problema

central: qualquer paisagem é composta não apenas por aquilo

que está à frente de nossos olhos, mas também por aquilo que

se esconde dentro de nossas cabeças [...] nós estamos preocu-

pados não com os elementos mas com a essência, idéias orga-

nizadoras que utilizamos para dar sentido aquilo que vemos.

A paisagem tem como característica registrar as especifici-dades do local quanto às questões naturais, culturais e inclusive subjetivas que compõem o espaço, tornando-o único. Como ve-remos mais adiante, este elemento, o espaço, é a matéria-prima onde se processa a atividade do turismo, fato que evidencia uma estreita relação entre paisagem e turismo.

A PAISAGEM COMO RECURSO TURÍSTICO

A vontade de viajar, de conhecer novos lugares, está pre-sente no homem desde o momento em que adquiriu cultura. (FIGUEIREDO, 2003) As pessoas viajam por diversos moti-vos como pela busca de novidades (compensações intrínsecas) e mesmo para fugir do ambiente diário. (FENNEL, 2002)

Rodrigues (2000, p. 32) endossa esta perspectiva ao postular que “o turismo está atrelado também a outros motivos, como o prazer de estar longe de sua terra, a apreciação do novo e do des-

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conhecido e, particularmente, o desejo de conhecer novos locais com diferentes paisagens e culturas”.

Assim, “a paisagem é essência cotidiana do habitante e que, satisfazendo sua forma de arreglar à vida, acaba, talvez, por in-teressar o turista que busca o diferencial de seu próprio cotidia-no”. (YÁZIGI 1996, p. 133) Em outras palavras, a fuga do cotidia-no e a busca do novo é provavelmente o principal motivar para o turista que identifica, por meio das paisagens, as diferenças peculiares entre o local que reside (área emissora) e o local que deseja conhecer (área receptora).

A paisagem, sendo o primeiro contato que o turista tem com o local a ser visitado, deve ser considerada como uma apropria-ção estética, mas também sensorial do destino turístico. (ME-NESES, 2002) Logo, a paisagem, seja ela natural, cultural ou mesmo subjetiva, se destaca como um elemento imprescindível e responsável pelo desenvolvimento e impulso da atividade tu-rística.

Uma paisagem pode não ser perene para a realização da ati-vidade turística, o que em um determinado período é conside-rado um fenômeno na preferência do visitante, pode ao longo do tempo deixar de ser. Santos (1997) ressalta a integralidade entre a paisagem e o espaço e ambos sofrem processos de trans-formações naturais e antropológicas, afinal, a paisagem não é meramente estática. Outra característica apontada pelo autor é a variedade de paisagens e que cada uma atrai determinado tipo específico de turista.

Este último argumento de Santos (1997) nos permite fazer um enlaçamento entre a paisagem e as tipologias da atividade turística. Dessa forma, cada categoria de turismo estará vincu-lada a um conjunto de elementos que formarão determinada paisagem, o que permite identificar o tipo de turista que tende a visitar cada destinação turística. Dentre as categorias de turismo estabelecidas pelo Ministério do Turismo, destacamos: ecoturis-

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mo, turismo cultural, turismo de pesca, turismo náutico, turis-mo de aventura, turismo de sol e praia, turismo rural, turismo esportivo, entre outras. (BRASIL, 2008)

O turista, quando se apropria da paisagem, tanto no aspecto objetivo como no aspecto subjetivo, desenvolverá interações di-versas através dos seus sentimentos, ideias e percepções sobre determinado local, em função de suas preferências pessoais. Ou seja, a escolha de conhecer um determinado local é feita me-diante o interesse único e particular do turista e sua relação com a paisagem apresentada de cada destinação turística.

A ATIVIDADE DO TURISMO

O turismo, enquanto fenômeno social, está presente no bojo da cultura ocidental desde datas bastante pretéritas. Oliveira (2001) apresenta como um dos marcos da atividade turística, constante nos anais da história, os primeiros Jogos Olímpicos, por volta de 776 a.C., quando do relato do deslocamento tem-porário de contingentes populacionais de regiões diversas, com objetivo não de se estabelecer definitivamente no destino, mas sim de participar de dado evento.

Este autor revela, objetivamente, a existência de um movi-mento populacional frequente, de membros das diversas socie-dades, que leva os indivíduos a ultrapassarem seu território, per-manecendo, durante determinado período de tempo, em locais que não lhes são próprios.

As motivações podem ser diversas, contudo, seja por curio-sidade, por sentimentos religiosos, por aprimoramento intelec-tivo, complemento educacional, descobrimento de outras cultu-ras, por negócios, objetivando contato com determinado meio ecológico etc., há um impulso quase que intrínseco ao ser huma-no, e nos parece ancestral, de explorar/conhecer/interagir com territórios ou regiões desconhecidas.

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Apesar deste resgate, ressalta-se que este fenômeno tem, na primeira metade do século XX, seu principal marco histórico. Entre os anos de 1900 e 1950 se estabeleceram as bases para a popularização do turismo, a saber: leis trabalhistas mais flexí-veis, em que se institucionalizava as férias remuneradas, conso-lidando a necessidade do ócio e do lazer; surgimento e populari-zação de novas tecnologias que diminuíram o tempo de viagem, à medida que tornava mais seguro o deslocamento, a exemplo de aviões, automóveis, trens etc., assim como o uso de passapor-te para controle de acesso a países, instituído pela Inglaterra a partir 1915.

Assim, na segunda metade do século XX, o turismo ganha um dinamismo significativo, impulsionado pela transformação social, política, econômica, tecnológica e cultural que produziu aspectos prioritários para alavancagem desta atividade, a saber: tempo livre para o lazer e a melhor distribuição de renda para a população em geral. (RABAHY, 2003)

Estes fatores, somados à consolidação do turismo enquanto necessidade de repouso espiritual e à diminuição dos custos de viagens e do tempo de deslocamento em função das novas tec-nologias de transporte, avolumaram significativamente os efei-tos desta atividade.

Analisando os gráficos fornecidos pela OMT, em seu Rela-tório Anual do Turismo 2010, verificamos que o quantitativo de turistas internacionais evoluiu de 528 para 982 milhões entre os anos de 1995 a 2011. Se considerarmos que a própria instituição postula que o quantitativo de turista em 1950 era de apenas 25 milhões, constatamos o crescimento e consequentemente a im-portância do turismo na contemporaneidade.

Esta perspectiva é ainda mais evidente quando verificamos o volume de recurso que movimenta. Segundo a OMT, o turismo internacional movimentou em 2011 mais de um trilhão de dóla-res, conforme se verifica no Gráfico 1 a seguir.

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gráfico 1 – Evolução do turismo internacional entre 1995 - 2011

Fonte: oMT, 2012, p. 8.

Se juntarmos estes dados do turismo internacional ao do turismo doméstico, evidenciaremos o quão representativo é a atividade na contemporaneidade. Por isto muitos pesquisadores lançaram suas lupas na busca de entender como ele se manifes-ta e os desdobramentos deste fenômeno através das lentes das mais diversas áreas do saber.

Não casualmente, encontramos geógrafos, economistas, an-tropólogos, sociólogos, psicólogos, administradores etc., além

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de, obviamente, turismólogos pesquisando sobre esta temática. Isto é possível, pois o turismo é uma atividade multidimensio-nal, gerando uma dificuldade em estabelecer uma separação conceitual com outras atividades que se vinculam diretamente, a exemplo da concepção de lazer. (SASAKI, 2006)

A mais antiga conceituação é a de Herman van Schullard (1910 apud OLIVEIRA, 2001, p. 35), com viés mais econômico, postulando que esta atividade é:

A soma das operações, especialmente as de natureza econô-

mica, diretamente relacionadas com a entrada, permanência e

o deslocamento de estrangeiro para dentro e fora de um país,

cidade ou região.

Na tentativa de reunir as diversas perspectivas conceituais do turismo, a OMT (1994), estabelece o turismo como sendo o conjunto de atividades que “realizam as pessoas durante suas viagens e estadas em lugares diferentes do seu entorno habitual, por um período consecutivo inferior a um ano, com finalidade de lazer, negócios ou outras”. Esta organização apresenta ainda que o turismo “consiste de uma atividade associada ao descanso, diversão, desporto e acesso à cultura e à natureza, podendo estar também associada a outro tipo de atividade de interesse econô-mico ou social”. (OMT, 2004)

Dentre os diversos conceitos pesquisados, consideramos o de Wahab (1991 apud SASAKI, 2006, p. 49) como o mais com-pleto e que melhor se adéqua às perspectivas deste trabalho ao considerar o turismo como sendo:

[...] uma atividade humana intencional que serve como meio de

comunicação e como elo da interação entre povos, tanto dentre

de um país como fora dos limites geográficos do país. Envolve

o deslocamento temporário de pessoas para outra região, país

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34 - A paisagem como recurso para o turismo

ou continente, visando à satisfação de necessidades outras que

não o exercício de uma função remunerada. Para o país recep-

tor, o turismo é uma indústria cujos produtos são consumidos

no local formando exportações invisíveis. Os benefícios origi-

nários deste fenômeno podem ser verificados na vida econômi-

ca, política, cultural e psicossocial da comunidade.

Analisando todos os conceitos apresentados e considerando os demais pesquisados, averigua-se que há entre eles um aspec-to comum. Os conceitos em geral exortam, explicita ou implici-tamente, a existência de um tríplice aspecto com incidência ge-ográfica, pois é composto de área de dispersão (emissora); área de atração (receptora); e área de deslocamento. (TELES, 2009)

Figura 1 – Distribuição espacial do turismo

Fonte: adaptado de Teles, 2009.

Vale notar que a área emissora, em geral, é composta de es-paço mais central, onde há certa concentração de riqueza, mas os indivíduos dessa área buscam usufruir de seus recursos no sentido de conhecer outros espaços, na maioria das vezes, dife-rentes ao visto em seu cotidiano. No Brasil, a região Sul e Sudes-te são os principais polos emissores do turismo nacional, com especial atenção a São Paulo.

A área receptora é o local onde o fenômeno do turismo se materializa de fato, logo, os impactos geográficos e paisagísticos oriundos desta atividade afetam diretamente e quase que exclu-sivamente este espaço. O visitante, em geral, busca o “novo”, o diferente ao seu cotidiano, tendo na paisagem a principal refe-rência de identificação da novidade.

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A área de deslocamento é justamente o espaço que “liga” os dois extremos do quadro síntese acima. O meio de transporte escolhido para a locomoção gera nuances diferentes sobre esta área seja em função do tempo de duração da viagem, seja pelo grau de interação com paisagens que estão presentes nos espa-ços de deslocamento.

Como pudemos averiguar, há uma grande capacidade trans-formadora de espaço arraigado a esta atividade, visto que gera desenvolvimento no local que começa a ocupar, ou seja, o turis-mo proporciona às regiões uma oportunidade de se desenvolve-rem ainda mais. (SASAKI, 2006)

Em verdade, é fato incontestável que ao iniciar esta atividade em qualquer que seja a localidade, a mesma irá impor a reade-quação do território no sentido de outorgar nova funcionalidade a esta destinação. O espaço, para o turismo, constitui não apenas o suporte para as relações que se dão sobre ele. O espaço é condi-cionado ao tempo que é condicionante destas relações.

A apropriação do espaço para o turismo resultará na conver-gência de diferentes fatores, tais como: natural, social (cultural) e o econômico. Assim, evidenciamos que o espaço geográfico é, invariavelmente, o principal objeto de consumo do turismo. (CRUZ, 2001)

Contudo, vale ressaltar que além de consumir o espaço, o principal objetivo desta atividade é que o visitante transforme--o em lugar, entendido como algo que transcende ao físico e se concentra nas experiências e relações estabelecidas pelo sujeito com os objetos (fixos) e com o meio social e suas relações (flu-xos), criando um laço afetivo para com a localidade.

Lugares são carregados de sensações, ou melhor, segundo Yu Fu Tuan, geógrafo sino-americano, só existe o lugar se gerar emoções, ideia de pertencimento. E é esta a principal busca de quem viaja. Logo, sem ignorar o aspecto de transferência de di-visas, visto que é algo significativo e transformador, o escopo da atividade turística, na visão de quem viaja, é experienciar novas

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relações com outros espaços geográficos que sejam capazes de emocionar o visitante ao ponto de fazê-lo identificar aquele lu-gar como único.

Cada lugar é singular (único), com personalidade própria e inconfundível, sendo esta característica o que mais motiva o via-jante. Considerando os impactos do “Global” surge um novo e maior interesse pelo “local”. Ou seja, são justamente as especifi-cidades sociais, culturais e naturais que diferenciam os destinos e propiciam os desdobramentos econômicos da atividade.

Contudo, um aspecto é fundamental para que ocorra o tu-rismo nos moldes que visualizamos hoje, que é a divulgação do destino, e isto ocorre através do uso da paisagem, visto que ela, dentro da perspectiva de Milton Santos, é uma representação es-paço-temporal da oferta turística, tornando-se o principal meio de divulgação do destino.

A paisagem, conforme apresentado, é justamente o que pos-sibilita a comunicação da existência de uma área receptora, fa-zendo com que os indivíduos das áreas emissoras se motivem por deslocar-se no intuito de conhecer o diferente. Em outras palavras, a paisagem permite que as pessoas conheçam os des-tinos e projetem em seu imaginário a personalidade do lugar.

CONSIDERAçõES FINAIS

Diante da força que o turismo tem na sociedade contempo-rânea, pois é responsável por 5% do PIB global, movimentando mais de um trilhão de dólares, e se responsabilizando por 8% dos postos de trabalho do mundo, fica constatada a importância desta atividade no que tange à (re)estruturação do espaço global, sendo considerada como fonte promotora de desenvolvimento.

Observando que esta atividade se materializa no espaço, verifica-se a grande relação da mesma com a geografia, sendo necessário apropriar-se de seus conceitos quando da análise dos

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impactos, desdobramentos, influências ou ainda do macro e mi-croplanejamento do destino.

A motivação por esta atividade, via de regra, está afeita com a interação do visitante com o local visitado. Ou melhor, na inte-ração do indivíduo com o novo, com algo diferente de sua rotina, criando, assim, laços afetivos com o espaço, transformando-o em lugar. O turista quer conhecer um espaço, região ou territó-rio, na verdade, busca conhecer um lugar. é por isto que corro-boramos com outros autores que postulam que o turismo con-some o lugar e por isto o transforma.

Contudo, algo precede a esta busca pelo lugar, que é conhe-cer a existência do mesmo. Ou seja, seria capaz uma pessoa via-jar intencionalmente para uma área do globo terrestre que lhe é desconhecida? A resposta mais provável seria não.

Sendo assim, para que haja turismo, na maior parte dos ca-sos, tem que haver a comunicação entre os espaços geográficos. Ou melhor, tem que haver um instrumento capaz de transmitir a área emissora da existência de uma área receptora. Sem esta ferramenta o impacto do turismo seria quase nulo, pois poucos são os que viajam para explorar áreas desconhecidas.

O potencial visitante, ao ter contato com uma paisagem, é transportado por ela ao propenso destino, através do imaginá-rio. Fato que gesta, de certa maneira, uma interação incipiente com o destino, possibilitando o despertamento de motivações que o levam a deslocar-se ao local representado pela paisagem.

Neste sentido, a paisagem é o principal recurso do turismo, faz o papel de difundir aos potenciais viajantes a existência dos destinos. Em outras palavras, é com a paisagem que o turista es-tabelece o primeiro contato com o destino, sendo assim o gran-de motivador de viagens, visto que apresenta antecipadamente parte da oferta turística do local.

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Espaço geográfico e turismo: um olhar para o desenvolvimento do turismo

religioso

Josemary dos Santos SantanaRoque Si lva Alves

INTRODUçãO

A dinâmica que interliga o espaço geográfico no contexto tu-rístico é apresentada por meio do estudo da geografia e do turis-mo enquanto campos de conhecimento que abrangem diversi-ficados fatores transcorridos na sociedade, envolvendo aspectos desde a localização até os elementos culturais, numa perspectiva de que as condições socioeconômicas e socioambientais sejam levadas em consideração.

Assim, Torres (2009, p. 176) ressalta que “[...] a ciência geo-gráfica tem tanto a contribuir como a aprender a partir do diálogo com o turismo, especialmente no que se refere ao objeto princi-

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42 - Espaço geográfico e turismo

pal de estudo da geografia que é o espaço”. Para complementar sobre a importância da geografia para o turismo é apresentado:

[...] Torna-se evidente que, para o turismo, a geografia tem

fundamental importância. E impossível compreender a ofer-

ta original de recursos naturais e culturais em seus aspectos

diferenciais, sem identificá-los e compreendê-los corretamen-

te no espaço geográfico. A própria fisiologia da paisagem e

a observação criteriosa de seus componentes envolvem uma

maior sensibilidade de percepção e análise do espaço físico-

-ambiental. [...] (BENI, 2000; CASTRO, 2006 apud TORRES,

2009, p. 176)

quanto à historicidade do contato do geógrafo ao estudo do turismo, Torres (2009, p. 176) apresenta:

Foi em 1841, que se estabeleceu o primeiro contato do geógra-

fo ao estudo do turismo e suas relações entre lugares e cul-

turas (Castro, 2006). Esse interesse expandiu-se nos anos de

1960 e 1970 até os dias de hoje e os geógrafos estão cada vez

mais empenhados no estudo desse fenômeno e seus proces-

sos de desenvolvimento, fluxos, organização e (re) organização

do espaço.

é pertinente destacar que a concretização do turismo acontecerá a partir de variados fatores culturais e naturais que permeiam e podem transformar o espaço geográfico, com intui-to de torná-lo um atrativo turístico. Esta afirmação é designada por raízes históricas, na medida em que se percebem ligações entre o princípio, as mudanças e a realidade atual, pois o espaço geográfico é o reflexo da sociedade, e o turismo, nesse contexto, pode ser considerado o causador ou resultante das transforma-ções desse espaço.

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No que envolve o turismo, enfatiza-se que sua história é bas-tante antiga. Entretanto, conforme destaca Andrade (2004), foi no final do século XVIII e todo o século XIX que o mesmo ga-nhou impulso, pois os nobres da sociedade europeia perceberam a necessidade de realizarem viagens, denominadas Grand Tour.1 Durante estes períodos, segundo Oliveira (2002), surgiram no-vas motivações para o turismo, onde a demanda industrial dos grandes centros urbanos incitavam as pessoas a buscarem um lugar para recuperar as forças perdidas durante o labor; viajar para conhecer novas culturas passou a ser algo obrigatório prin-cipalmente para a elite europeia.

A busca e a necessidade do fazer turismo durante estes pe-ríodos propiciaram avanços positivos no ramo turístico e isso foi percebido desde a expansão dos transportes, em especial do trem e do navio, até o surgimento de agências de viagens; isto demonstra modificações no espaço geográfico por meio de infra-estruturas. Em complemento a esta afirmação, Oliveira (2002, p. 26) ressalta:

Uma série de outros fatores contribuiu para que o turismo

continuasse a desenvolver-se durante o século XIX: foi aumen-

tada a segurança nos países visitados, foram criadas as polícias

de fronteiras, as cidades passaram a ter água e esgoto tratados.

[...] os trabalhadores reivindicaram mais tempo de lazer e ad-

quiriram o direito a férias remuneradas.

Entretanto, sabe-se que, historicamente, não ocorrem ape-nas fatores positivos quando se refere ao turismo e ao espaço geográfico. Ambos recebem modificações negativas à medida que o homem passa a utilizá-los de modo não planejado e, em

1 De acordo com andrade (2004), esta definição surge sob o imponente e res-peitável rótulo de “viagem de estudos”, assumindo o valor de um diploma que lhes conferia significativo status social.

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muitas vezes, desrespeitando a natureza para transformá-la se-gundo interesses próprios.

Conforme Oliveira (2002), o turismo passou por grandes transformações e isso foi mais perceptível durante o período da Segunda Guerra Mundial (1939/1945), pois a situação econômi-ca mundial não permitia gastos com supérfluos. Com o final da guerra, o turismo tornou-se massificado devido o fenômeno da industrialização e o desenvolvimento dos meios de transporte e das novas tecnologias, permitindo assim que a necessidade de viajar acarretasse na busca por variados atrativos turísticos, sobretudo pelo lazer. Oliveira (2002) enfatiza ainda que, por conta da massificação turística, os locais receptivos e, por conse-guinte, os espaços geográficos viram-se obrigados a amoldar-se à nova realidade, uma vez que aconteceram mudanças do perfil do cliente, ou seja, estes passaram a ser mais exigentes.

é importante salientar que estas mudanças ocorridas propiciaram exigências em relação ao planejamento, tanto no ramo do turismo quanto para a utilização do espaço geográfico. Neste preceito, Milton Santos (1978 apud COSTA, 2009) des-tacou que “todo espaço geográfico constitui um espaço social”. Com o passar dos anos, o autor acrescentou a relação temporal ao seu conceito e noutras palavras definiu o espaço como algo em movimento que se evolui com o tempo, de acordo com a ação da sociedade. (SANTOS, 2006) Mencionada concepção afirma que a dinâmica do turismo está relacionada à ação da sociedade, numa ordem temporal que atinge e transforma o próprio espaço geográfico; é preciso que a sociedade seja efetivamente partici-pativa nos planejamentos para que as mudanças decorrentes da atividade tomem dimensões organizadas e benéficas.

Tomando como base as relações existentes entre o turismo e o espaço geográfico, pode-se enfatizar que estas também estão

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interligadas à afinidade entre os fixos e os fluxos2 existentes no campo do turismo, pois o próprio espaço turístico é resultado da distribuição territorial dos atrativos. Em complemento, Santos (2006, p. 38) enfatiza que:

Fixos e fluxos juntos, interagindo, expressam a realidade ge-

ográfica e é desse modo que conjuntamente aparecem como

um objeto possível para a geografia. Foi assim em todos os

tempos, só que hoje os fixos são cada vez mais artificiais e

mais fixados ao solo; os fluxos são cada vez mais diversos,

mais amplos, mais numerosos, mais rápidos.

Sendo assim, é o homem em sociedade quem permite a transformação e/ou a reorganização do espaço geográfico onde ele próprio constitui e desenvolve o turismo; isto porque a socie-dade está continuamente em processo de mudança e, portanto, construindo o espaço geográfico e ao mesmo tempo sendo cons-truída por ele. Em síntese, conforme destacam alguns estudio-sos da área, o turismo cria significados para o espaço, mas não o transforma sozinho, porque existem outros fatores que tangem o seu desenvolvimento.

Para que haja o bom desenvolvimento do turismo, é preci-so configurar a busca planejada por melhorias nas infraestru-turas do campo turístico, pois, em conformidade com Andrade (2004), os fenômenos turísticos e geográficos são diversificados e complementares entre si, consolidando assim a urgência de haver planejamento para quais sejam as suas dimensões.

Em se tratando de turismo no Brasil, percebe-se que na atualidade esta é uma atividade cada vez mais crescente, assim

2 os elementos fixos, fixados em cada lugar, permitem ações que modificam o próprio lugar. [...] os fluxos são um resultado direto ou indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos, modificando a sua significação e o seu valor, ao mesmo tempo em que, também, se modificam. (saNTos, 1982, 1988, 2006)

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como em diversos países, e que se caracteriza por proporcio-nar uma diversificação de modalidades destacadas pelos fatores histórico-culturais e pelos vários tipos de atrativos que possui, afirmando-se como contribuinte para o desenvolvimento social e econômico nos destinos.

Seja qual for a motivação das viagens no Brasil, percebe--se que dentre as tipologias existentes, o turismo religioso vem demonstrando uma dimensão significativa, em que as particu-laridades manifestadas através da fé e do sagrado também se concretizam em transformações econômicas e sociais nos desti-nos, pois onde o turismo é desenvolvido, a tendência é que haja produção de serviços. Assim sendo, de acordo com informações do Ministério do Turismo, a ramificação turística religiosa movi-menta cerca de R$ 15 bilhões por ano no Brasil, por isso é preci-so ofertar apoio para uma melhor estruturação desse segmento no país. (BRASIL, 2013)

Considerando o apresentado por Ribeiro (2010, p. 21), sa-lienta-se:

o turismo enquanto vetor econômico pode direcionar para o

aspecto de uma máquina de consumo, logo, o espaço (natural,

histórico, cultural, sagrado) se torna mercadoria comercializá-

vel que vai da exploração imobiliária à destruição ambiental.

Por isso, toda e qualquer questão ligada ao turismo, seja re-ligioso ou de outra segmentação, precisa estar interligado com o planejamento nos destinos turísticos, para que a questão econô-mica seja valorizada, sem deixar de lado as preocupações com as questões ambientais.

é pertinente destacar ainda que, na concepção sobre o tu-rismo religioso, encontra-se a inter-relação com as questões culturais, em que há percepção da mistura dos saberes popu-lares com os fenômenos míticos da religiosidade. Para tanto,

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o turismo religioso no Brasil merece relevância, considerando aspectos que podem servir como reflexões para a melhoria e consolidação deste segmento do turismo que vem crescendo e ganhando destaque no país.

O ESPAçO GEOGRÁFICO NO CONTEXTO TURÍSTICO RELIGIOSO

Para analisar a relação existente entre turismo religioso e es-paço geográfico, é preciso considerar também a definição do es-paço religioso e da religiosidade, pois há afinidades entre essas concepções.

No que tange o espaço religioso, tomam-se como base os es-tudos por meio de Rosendahl e Eliade que enfatizam este como sendo considerado o espaço físico e simbólico dos ritos sagrados onde há revelação da fé enquanto experiência individual ou co-letiva, independente de qual seja a religião. As manifestações da fé podem ocorrer tanto em lugares privados, como a exemplo dos pequenos altares encontrados em residências, bem como em lugares públicos, onde pessoas realizam peregrinações ou romarias, buscando, assim, participarem de experiências espiri-tuais por meio dos rituais míticos religiosos.

Em se tratando de religiosidade, Castro (2005, p. 3291) des-taca: “na dimensão da religiosidade popular, muitas práticas religiosas são criadas ou reinventadas pelo imaginário do fiel que vivencia o ambiente do sagrado.” Isto pode significar que as crenças da religiosidade estão presentes na vivência de cada pessoa, de acordo com suas experiências espirituais.

Atualmente, percebe-se uma transformação da religiosi-dade tanto como revelação da fé quanto como lazer turístico, propiciando uma junção manifestada a partir das festas, danças e ritos ocorridos em locais sagrados. Porém, conforme afirma Durkheim (1996 apud CHRISTOFFOLI, 2007, p. 18) tais acon-

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tecimentos necessitam ocorrer mediante “regras de condutas que prescrevem como o homem deve comportar-se com as coi-sas sagradas”. O espaço sagrado é, para o homem religioso, um lugar especial que vai além do campo material.

A relação do homem com o espaço sagrado também pode significar interligação social, na medida em que pessoas de-monstram sentimento de pertinência, de identidade religiosa para consigo e para com os outros; não é difícil encontrar pesso-as que utilizam os espaços sagrados para demonstrarem sua fé e solicitar algo para o outro que, por algum motivo, não pode estar naquele mesmo espaço.

Em termos conceituais, é condizente destacar também o significado de território religioso, fortalecido nas palavras de Rosendahl (2005) como territórios demarcados, dotados de es-truturas específicas, incluindo um modo de distribuição espa-cial e de gestão de espaço. Nesses termos, pode-se afirmar que a Igreja Católica Apostólica Romana vem mantendo uma unidade político-espacial nos territórios religiosos e, complementando, apresenta-se Lecocuierre e Steck (1999 apud ROSENDAHL, 2005) que postulam a diocese como única e verdadeira unida-de territorial de base da Igreja Católica. Rosendahl (2005) então conclui que, nesta situação, a paróquia é evocada como território principal da comunidade local e o Vaticano como nível hierár-quico administrativo.

quando a concepção de espaço religioso se refere a outras religiões, como a exemplo da Protestante, destaca-se ainda que a estrutura administrativa e física apresenta-se de acordo com cada congregação.

Retomando a concepção de espaço e turismo, é pertinente destacar o espaço turístico e, com base na questão estrutural deste, é necessário levar em consideração as transformações do espaço geográfico. Nesse contexto, destaca-se a infraestrutura de transportes e o acesso como exemplo significativo no processo,

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uma vez que as pessoas precisam se deslocar para explorar ou conhecer novos territórios.

No aspecto geral, afirma-se que nem todo espaço religioso é um espaço turístico, mas pode também ser. quando isso acon-tece, é preciso uma compreensão por parte dos turistas sobre o lugar, onde a relação humana com o espaço e seus significa-dos sejam igualmente considerados. Assim, pode-se enfatizar a concepção de Tuan (1983 apud CASTRO, 2005, p. 3277) que enfatiza: “o espaço se transforma em lugar quando passa a ter significado para quem nele habita. Esse autor considera o lugar um mundo de significados”.

Por fim, poder-se-á citar Teles (2009, p. 2) quando concretiza que “[...] o turismo requer uma compreensão da geografia e isso ocorre devido à transformação que o mesmo pode promover no espaço geográfico”. Noutras palavras, a geografia e o turismo se relacionam na medida em que são realizadas pelo homem in-tervenções no espaço geográfico com intuito de contribuir com a atividade turística por meio do deslocamento humano e da criação de espaços diferenciados.

BREVE HISTóRICO SOBRE O TURISMO RELIGIOSO

O turismo religioso tem motivado uma demanda dos fluxos emissores e isto vem acrescendo a cada ano, em que diferen-tes tipos de turistas são movidos pela fé e, assim, percorrem quilômetros para pedir proteção ou bênçãos. Para demonstrar o potencial do turismo religioso, com base na pesquisa de Di-mensionamento e Caracterização do Turismo Doméstico do MTur, o Portal Brasil informou que anualmente são feitas 8,1 milhões de viagens domésticas movidas pela fé; quando se trata dos turistas estrangeiros que vêm ao Brasil com fins religiosos, este número é de aproximadamente 25 mil ao ano. (BRASIL, 2011)

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Direcionando para termos conceituais, turismo religioso é

o conjunto de atividades com utilização parcial ou total de

equipamentos e realização de visitas a receptivos que expres-

sem sentimentos místicos ou suscitem a fé, a esperança e a

caridade aos crentes ou pessoas vinculadas a religiões. (AN-

DRADE, 2004, p. 77)

Outro autor que retrata a concepção de turismo religioso é Ribeiro (2002), contemplando a definição dada pela Conferên-cia Mundial de Roma (1960):

[...] o turismo religioso é compreendido como uma organiza-

ção que movimenta inúmeros peregrinos em viagens pelos

mistérios da fé da devoção a algum santo. A sua prática efetiva

realiza-se de diversas maneiras: as peregrinações aos lugares

sagrados, as festas religiosas que são celebradas periodica-

mente, os espetáculos e as representações teatrais de cunho

religioso, e os congressos, encontros e seminários, ligados à

evangelização. (RIBEIRO, 2002 apud CHRISTOFFOLI, 2007,

p. 52)

Mencionadas as definições pode-se afirmar, de modo gene-ralizado, que o turismo religioso é a manifestação mística em conjunto com as questões culturais vinculadas à religião.

Historicamente, considera-se peregrinação como uma jor-nada realizada por um devoto de uma dada religião a um lugar considerado sagrado por essa mesma religião; peregrinar carece caminhar-se motivado por ou para algo. Uma das peregrinações mais famosas do mundo ocorre na Espanha, país onde acontece a maior parte do deslocamento de fiéis que realizam o Caminho de Santiago de Compostela. Esta tradição religiosa surgiu por volta do ano 800, quando o rei Afonso II mandou construir uma igreja no local do possível sepultamento de São Tiago. Desde

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então passaram a acontecer as primeiras peregrinações ao seu túmulo. (MULLER, 2001 apud CHRISTOFOLLI, 2007)

Em todo o mundo há registros de outras peregrinações sig-nificativas: rumo ao a cidade do Vaticano, em Roma; a cidade Je-rusalém, terra de origem do cristianismo e testemunha da cruci-ficação do Messias; o Santuário de Fátima, em Portugal. Santana (2012) destaca outros registros que não os das religiões Cristãs:

Em países como a Índia, multidões de peregrinos se dirigem

ao Ganges, rio considerado sagrado pelos hindus, com o ob-

jetivo de mergulhar em suas águas. Entre os muçulmanos há

o hábito estabelecido por Maomé de partirem na direção de

Meca no mínimo uma vez ao longo da vida. Os judeus incen-

tivam as idas eventuais ao Templo de Jerusalém. Assim, vê-se

que outras culturas e religiões distintas também preservam

suas próprias romarias.

Com referência à romaria, Santana (2012) define:

é uma viagem a lugares santos e de devoção, empreendida por

aqueles que desejam pagar promessas, rogar por graças ou

revelar sua gratidão pelos desejos realizados; as pessoas nor-

malmente se agrupam para realizar esta jornada [...]. Roma-

ria provém de uma alusão à cidade de Roma, matriz da Igreja

Católica Apostólica Romana, portanto ela se aplica particular-

mente às viagens católicas aos recantos sagrados.

Nos dias atuais, a palavra turismo religioso já se encontra numa outra dimensão, pois é sabido que além da fé, o turista religioso busca outros atrativos que os destinos possam oferecer através da infraestrutura turística, buscando também os benefí-cios dos serviços ofertados como compras, hospedagem etc.

Como destaque, a seguir será contemplada a dimensão deste segmento turístico no Brasil.

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O DESENVOLVIMENTO DO TURISMO RELIGIOSO NO BRASIL

O turismo religioso no Brasil cresce a cada ano a partir de uma inter-relação com outras atividades humanas de modo a en-volver as questões sociais, culturais, econômicas e ambientais.

Nesses termos, Aragão e Macedo (2011) citam Abreu e Co-riolano (2003) para demonstrar que, além da fé e busca pelo sa-grado, o turismo religioso faz parte da cultura. Sendo assim, os mesmos retratam: “as festas religiosas estão entre as mais fortes expressões da cultura brasileira, sendo significativa a quantida-de e a diversidade de celebrações que acontecem, tornando-se lócus do turismo religioso”. (ABREU; CORIOLANO, 2003 apud ARAGãO; MACEDO, 2011, p. 405)

Em complementação, Aragão e Macedo (2011, p. 405) afir-mam:

O turismo religioso é um segmento do turismo cultural, visto

que ir a locais, santuários e igrejas representativas para qual-

quer religião, além dos aspectos dogmáticos, são também uma

forma de conhecimento cultural. No que diz respeito à religião

católica [...] algumas vezes ir aos locais considerados sagrados,

é também um encontro com o eu, com a identidade do grupo,

com a sua cultura.

Toda esta caracterização que envolve o turismo religioso deve ser considerada principalmente por meio da busca de seus atrativos, ou seja, aquilo que efetivamente motiva o deslocamen-to dos turistas para espaços religiosos. Sendo assim, dentre os atrativos turísticos religiosos destacam-se os classificados como: “[...] santuários de peregrinação; espaços religiosos de grande significado; festas e comemorações em dias específicos; espetá-culos artísticos de cunho religioso; e roteiros da fé” (DIAS, 2003 apud CHRISTOFFOLI, 2007, p. 45)

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Tais atrativos demonstram a interligação do turismo com os espaços religiosos e/ou ambientes da fé. Nesse contexto, os des-locamentos estão associados ao conjunto de atrativos do turismo cultural, dentre os quais se consideram também os atrativos re-ligiosos.

As viagens realizadas por motivos religiosos tornam-se um importante fator econômico nos locais com potencial turístico religioso. O Brasil possui um número bastante significativo de espaços sagrados das mais diversas religiões, dentre os quais se podem destacar os lugares dedicados à fé católica e que atraem viajantes de todo tipo: peregrinos, romeiros, pessoas atraídas pela cultura praticada nesses espaços religiosos.

Na maioria das localidades onde existem santuários ou ocor-rem manifestações religiosas, a infraestrutura para receber os visitantes ainda é precária, muitas vezes devido a pouca com-preensão do potencial econômico da visitação periódica. No en-tanto, este olhar está sendo modificado, pois já se percebe, em alguns lugares do território brasileiro, o incremento econômico que o turismo religioso propicia, desenvolvendo empreendi-mentos, gerando emprego e renda e, consequentemente, me-lhoria na qualidade de vida.

No Brasil, algumas cidades que desenvolvem o turismo reli-gioso por meio dos eventos religiosos são: Nossa Senhora Apa-recida, em Aparecida do Norte – SP; Divino Pai Eterno, em Trin-dade – GO; Senhor Bom Jesus da Lapa, em Bom Jesus da Lapa – BA; Senhor do Bonfim, em Salvador – BA; Padre Cícero, em Juazeiro do Norte – CE; São Francisco de Chagas, em Canindé – CE; dentre outras centenas existentes.

Destaca-se que Aparecida do Norte é a cidade brasileira re-conhecida pelo turismo religioso mais famoso e acredita-se que isso se deve ao fato de Nossa Senhora da Conceição Aparecida ser a Padroeira do Brasil (nomeação em 1930), sendo seu san-tuário declarado de âmbito nacional em 1984, pela Conferência

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Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).3 O Ministério do Turis-mo (2013) apontou que o Santuário de Aparecida foi visitado, só no ano de 2012, por 11 milhões de romeiros durante o ano.

No contexto do turismo religioso sabe-se que a fé e a busca pelo sagrado é a característica principal, porém, associado a isso, observar também a questão do lazer enquanto prazer, a cultura da religiosidade popular, a infraestrutura local e o espaço mís-tico. Assim, é apresentada uma associação do turismo religioso enquanto prazer e não com ligação ao sofrimento, como às ve-zes é apresentado quando se refere às peregrinações: “[…] para o peregrino, a busca por satisfação e do conforto espiritual está muitas vezes associada ao sofrimento, e para o turista religioso, não.” (MORAES, 2000 apud CHRISTOFFOLI, 2007, p. 62)

Torna importante enfatizar que, segundo o Ministério do Tu-rismo, o turismo religioso, assim como os demais segmentos do turismo, apresenta significativo crescimento no Brasil, e as fes-tas religiosas estão entre as mais intensas expressões da cultura brasileira, movimentando bilhões para a economia do país. Por isso, cada vez mais esse Ministério reconhece a necessidade de haver investimentos neste ramo turístico. (BRASIL, 2013)

Todavia, há um diferencial importante em ressaltar que se trata das explanações sobre romaria e turismo religioso, sendo estes explanados a seguir.

ROMARIA E TURISMO RELIGIOSO

Com o surgimento de pesquisas em torno dos temas romaria e turismo religioso, percebeu-se uma clara diferenciação entre ambas, mesmo que no cotidiano a expressão romaria seja mais forte e presente. Seguindo por este pensamento, destaca-se:

3 Mais informações disponíveis em: <http://www.a12.com/santuario-nacional/institucional/detalhes/santuario-nacional-de-nossa-senhora-aparecida> aces-so em: 09 jun. 2013.

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A viagem para o romeiro é a satisfação espiritual da busca do

místico, sendo na maioria das vezes um ato de sacrifício. [...]

Para o turista, é uma procura de satisfação religiosa mais do

que prazer material [...]. O turista religioso conjuga na viagem

o prazer com a fé. (ABREU; CORIOLANO, 2003 apud ARA-

GãO; MACEDO, 2011, p. 408)

Mesmo reconhecendo este diferencial, sabemos que junta-mente com as peregrinações e romarias, outro fenômeno que cresce no Brasil e se destaca pela procura das agências de via-gens é o chamado turismo religioso. Essa segmentação turística vem sendo acompanhada por iniciativas do Ministério do Turis-mo e já se percebe a participação de muitas secretarias estadu-ais, municipais e cidades históricas nesse empreendimento co-mercial que se tornou o turismo religioso, isto pela necessidade de regulamentar a atividade turística, que além do propriamente religioso, proporciona viagens, entretenimento, lazer, comercia-lização de prestação de serviços, desenvolvimentos regionais, nas mais variadas modalidades e afervoramento das economias locais, tornando localidades desconhecidas em centros de visita-ção. Nesse contexto, compreende-se:

De acordo com o Ministério do Turismo, as manifestações re-

ligiosas movimentam cerca de R$ 8 bilhões por ano, em todo

o país. E a estimativa é que aproximadamente 8 milhões de

pessoas viagem para fazer turismo religioso no Brasil. Deste

total, cerca de 25 mil são de fora do país. Para fortalecer o setor

e alimentar ainda mais o número de visitantes na Bahia, na

opinião do Gabrielli [Secretário Estadual de Turismo], é neces-

sária uma combinação de esforços: o Governo do Estado deve

continuar investindo na melhoria de rodovias e aeroportos; as

prefeituras precisam divulgar mais os eventos e capacitar os

profissionais envolvidos nas celebrações; e, por fim, os empre-

sários devem prestar melhor serviço. (TURISMO..., 2013)

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Ainda com base nas conceitualizações, percebe-se que há au-tores que preferem defender a separação entre o turismo, propria-mente dito, do turismo religioso, a exemplo de Oliveira (2002, p. 46):

O grande nó desta modalidade de viagem encontra-se nas es-

truturas de conceituação que antepõe à perspectiva da neces-

sidade enraizada na vivência religiosa contra a perspectiva da

liberdade possibilitada pelo fazer (lazer) do turismo.

Contudo, conforme Alves (2013), outros autores como Va-nessa Wosniak (26/04/2005) são da opinião que, mesmo que a motivação seja ela pelo lazer ou pela realização espiritual (reli-giosa) tem movimentado milhões de pessoas aos lugares mais inusitados, são pessoas que percorrem horas, dias, em condi-ções muitas vezes precárias de transporte, tudo para chegar aos lugares ditos sagrados.

As informações a seguir se referem à pesquisa realizada por Alves (2013) na cidade de Bom Jesus da Lapa, sendo que as re-flexões em torno deste tema estão brevemente compostas nos exemplos das entrevistas e observações abaixo. Nesse sentido, em entrevistas realizadas com os peregrinos ou turistas religio-sos, foi interessante perceber a forma de relacionamento dos mesmos com seu objeto de procura, nesse caso, o Santuário de Bom Jesus da Lapa, conforme testemunho abaixo:

Todos os anos eu venho a Bom Jesus da Lapa para encontrar re-

fúgio e força nesse lugar sagrado, onde o Bom Jesus nos acolhe e

nos abençoa. Enquanto puder e vida tiver, não deixarei de vir aqui

(Ana Maria, romeira, em 15/01/2012).

Assim, percebe-se que as pessoas entrevistadas, a partir de seu entendimento, conseguem expressar a diferença que há en-

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tre uma romaria como peregrinação religiosa ou um passeio tu-rístico como busca de lazer e entretenimento:

A nossa romaria não é turismo nem excursão. É romaria mesmo.

Viemos para rezar. Saímos de casa rezando, viajamos rezando

e estamos aqui para participar de todas as celebrações. E vamos

voltar rezando, se Deus quiser (Maria do Carmo, romeira, em

22/01/2012).

Também por meio de entrevista, constatou-se que para Wos-niak (em 26/04/2005), o turismo religioso se utiliza da religio-sidade, da fé, de crenças, de superstições ou mesmo da simples curiosidade popular para atrair pessoas a lugares que, se não fosse pela motivação religiosa não seriam um destino atrativo. Como em outros segmentos do turismo, o turismo religioso também apresenta impactos positivos e negativos para uma lo-calidade. Os positivos já foram abordados anteriormente, como no caso da divulgação do lugar e do crescimento econômico, por meio da geração de emprego e renda. Dentre os impactos ne-gativos, podem ser citados: massificação, congestionamentos, poluição, lotação de igrejas e templos, espaços públicos e pri-vados, uma vez que as cidades, em sua maioria, não possuem estruturas para receber um grande número de visitantes, pois são localidades simples, de comunidades pequenas que, com o passar do tempo, vão tomando dimensões maiores com a explo-ração turística.

Na afirmação seguinte, dado por uma entrevistada, podemos considerar alguns desses elementos entre motivação turística e motivação religiosa:

A nossa turma visita alguns Santuários todos os anos. E gostamos

de fazer essas viagens. Tem muitas orações e divertimento também.

Mas também aproveitamos para fazer turismo, compras e diver-

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58 - Espaço geográfico e turismo

são. Tudo vale quando todos da excursão estão de acordo. Afinal,

quem viaja tem muitas outras necessidades e aproveita para fa-

zer de tudo um pouco (Antonieta, agenciadora de turismo, em

25/01/2012).

Portanto, a impressão que se tem, após o trabalho de pesqui-sa, é que os visitantes estão, muitas vezes, bem mais informados sobre o turismo local que eles visitam, que muitos moradores nativos. Eles também têm consciência de que o turismo não pode interferir drasticamente na dinâmica da cidade visitada nem no comportamento ordinário da localidade. Mas, por ou-tro lado, este segmento é uma possibilidade de diversificação de renda e movimentação da economia nas localidades receptoras, causando alguns impactos surpreendentemente positivos, mas também, compostos de muitos elementos negativos.

O SANTUÁRIO DE BOM JESUS DA LAPA: ESPAçO SAGRADO

Em se tratando da história do Santuário do Bom Jesus da Lapa, havia uma escassez de documentos bibliográficos sobre a história do Santuário do Bom Jesus da Lapa. Mas há muitos re-ferenciais que foram guardados nos arquivos, como: o Arquivo Público da Bahia, Arquidiocese de São Salvador da Bahia, Dioce-se de Barra do Rio Grande e do próprio Santuário do Bom Jesus da Lapa, além das diversas dissertações e monografias publica-das a respeito do assunto, as quais são de desconhecimento do público em geral. O documento Resenha histórica do Santuário do Bom Jesus da Lapa, datado em sua primeira edição no ano 1933, foi que serviu como fonte principal da história do Santuário de Bom Jesus da Lapa escrita pelo Monsenhor Turíbio Vilanova Se-gura, pároco e reitor da Paróquia e do Santuário da Lapa entre os anos de 1933 a 1956. Foi a partir dele que os historiadores encon-traram espaço para o desenvolvimento literário e bibliográfico no que se refere ao Santuário.

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Conforme Segura (1937), a história do Santuário do Bom Je-sus da Lapa tem início com Francisco de Mendonça Mar, um pintor português que veio morar no Brasil Colônia, habitando em Salvador. O mesmo, saindo de Salvador com uma imagem do Bom Jesus, em 1691, descobriu a gruta que até hoje serve como a Igreja do Bom Jesus da Lapa, e começou o povoamento do que hoje é a cidade de Bom Jesus da Lapa. A partir daí, come-çou o movimento de aventureiros, caçadores de ouro, mascates e vaqueiros que subiam o Rio São Francisco, fazendo pouso na Lapa para rezar, fazer promessas, dar graças a Deus perante as imagens do Bom Jesus e de Nossa Senhora da Soledade, colo-cadas pelo monge no altar da gruta. Assim, Segura (1937, p. 35) registrou:

A cidade de Bom Jesus da Lapa começou sua existência à som-

bra do Santuário do Bom Jesus. Na data em que Francisco de

Mendonça Mar chegou nessa região (1691), havia entre o mor-

ro e o rio São Francisco apenas algumas palhoças de índios

Tapuias. Contudo, com o tempo, foram agregando-se devotos

que resolveram fazer suas moradias perto do lugar, onde se

achava a imagem do Bom Jesus.

Estas notícias chegaram aos ouvidos do Arcebispo da Bahia da época, Dom Sebastião Monteiro da Vide, o qual enviou, em 1702, um Visitador Geral que constatou e avaliou a veracidade de todas as notícias sobre o culto ao Senhor Bom Jesus e sobre a vida exemplar do monge da gruta da Lapa. Levou consigo as informações colhidas favoravelmente e as apresentou ao arce-bispo como resultado de sua visita e dos fatos presenciados e constatados na Gruta da Lapa. O arcebispo, vendo que o culto do Bom Jesus florescia e já existia início de visitação, embora pe-quena, erigiu aquele templo em capela, ou igreja, com o  título de Senhor Bom Jesus e de Nossa Senhora da Soledade. Nesses termos, Kocik (1978, p. 45) reitera:

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60 - Espaço geográfico e turismo

Embora tentasse levar uma vida isolada, o boato da sua existên-

cia fez com que inúmeras pessoas se deslocassem para a região

a fim de obter conforto espiritual e a cura de doenças. Sua fama

despertou a admiração do arcebispo da Bahia, Dom Sebastião

Monteiro da Vide, que em 1706 o convocou para ordená-lo sa-

cerdote, nomeando-o também capelão do santuário do Senhor

Bom Jesus e de Nossa Senhora da Soledade, em consequência

disto, o monge passou a ser chamado Padre Francisco da Sole-

dade.

é pertinente destacar que, conforme Micek (2007), a data oficial da ereção canônica do Santuário do Bom Jesus da Lapa é 1702.

O monge foi ordenado padre e a gruta tornou-se o Santuário do Senhor Bom Jesus, igreja estabelecida, local de religiosida-de, lugar de descanso para os viajantes, centro de peregrinação e romaria, tendo enfermaria, hospital para os doentes e asilo de pessoas pobres. Ainda conforme registros de Kocik (1978, p. 65), o monge requereu terras ao rei de Portugal para a plan-tação de lavoura e criação de animais. E, além disso, passou a ser um centro de missões, de onde estas se irradiaram para os outros povoados do sertão.

Este lugar escolhido pelo monge é conhecido como Morro da Lapa, onde se encontra o Santuário do Senhor Bom Jesus da Lapa. Como registro, Kocik (1988, p. 62) descreveu:

Um morro, uma montanha calcária de aproximadamente 100

metros de altura, quase 2000 de circunferência. Nele se en-

contram várias grutas, das quais a mais importante é a Gru-

ta do Bom Jesus, que mede aproximadamente 50m de com-

primento, 15m de largura e 8m de altura e, a gruta de Nossa

Senhora da Soledade aproximadamente 1500m2. O Morro, de

longe, parece uma catedral gótica, enfeitada com inúmeras pe-

quenas torres, obra da erosão dos longos séculos.

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Assim, reza a tradição que o padre Francisco da Soledade morreu na Lapa, provavelmente em 1722, com mais ou menos 65 anos de idade e sua sepultura se encontra ao lado esquer-do da nave principal do Santuário, numa cavidade chamada de “Cova do Monge”. (SEGURA, 1937, p. 128)

Com o passar dos anos e com a afluência de muitos visitan-tes, principalmente da Bahia e região norte de Minas Gerais, a romaria de Bom Jesus da Lapa passou a ser considerada uma das mais antigas do Brasil, pois desde os tempos do Monge da Gruta, atrai para o oeste do Estado da Bahia cerca de 1,5 mi-lhões (BAHIATURSA, 2012) de romeiros e turistas oriundos de diversas partes do país, conforme informações da Empresa de Turismo da Bahia S/A4 (Bahiatursa) e da Secretaria Estadual de Turismo na Bahia5 (Setur).

Contudo, para falar e descrever sobre o Santuário, espaço considerado sagrado, pode-se recorrer a um célebre jornalista e escritor brasileiro, Euclides da Cunha (1984, p. 464), que ao re-gistrar sua passagem pelo Santuário do Bom Jesus da Lapa, ob-servou suas curiosidades e o definiu como Meca dos Sertanejos:

Dentre os arraiais sertanejos, um se destaca e se diferencia dos

demais: Trata-se de Bom Jesus da Lapa. É a Meca dos sertanejos,

ostentando-se na serra de grimpas altaneiras, que ressoam como

sinos; nos tetos pendiam ‘candelabros de estalactites’ e nos

corredores eram vistos ‘velhos ossuários diluvianos’; numa

4 Criada no âmbito da secretaria dos assuntos Municipais e serviços Urbanos, já extinto. Em 1971 passou a integrar a secretaria da indústria e Comércio. Em 1995, transferiu-se para a secretaria da Cultura e Turismo. Deve-se destacar que a partir de 1977  a Bahiatursa passou a contar com importante parceiro, a Embratur. a Bahiatursa adota como identidade organizacional o marketing turístico, que se traduz na promoção, política de relacionamento e orientação para formatação e qualidade do produto. (BaHiaTURsa, 2014)

5 a setur nasceu em 19 de outubro de 2007 com a responsabilidade de plane-jar, coordenar e executar políticas de promoção e fomento ao turismo. Na atualidade, enquanto governo, cumpre com as funções do Estado moderno: planejamento, regulação e fiscalização. (BaHia, 2014)

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62 - Espaço geográfico e turismo

gruta semelhante à nave de um de ‘estranho templo’, alvo de

‘romarias piedosas’, o visitante observa ‘um traço sombrio de

religiosidade singular’: ‘imagens e relíquias entre facas e es-

pingardas’. O jagunço, ao adentrá-lo com sua arma, curva-se

genuflexo sobre o chão e reza.

Esse fenômeno religioso e popular, marcado pela visitação religiosa e turística é uma marca registrada no município de Bom Jesus da Lapa, o qual está localizado na região oeste do Es-tado da Bahia, situado a 800 km da capital. Conforme o IBGE, através do Censo 2010, a cidade tem uma população de 63.4806 habitantes, situada numa área total de 4148,5 km2, sendo banha-do pelas águas do Rio São Francisco. Suas atividades econômi-cas estão baseadas na agricultura, pecuária, comércio, turismo religioso e pesca.

Como referência ao fenômeno turístico religioso em Bom Je-sus da Lapa, Carvalho (2008 apud ALVES, 2013, p. 11) destacou:

A cidade de Bom Jesus da Lapa concentra a terceira maior ro-

maria do Brasil, no mês de agosto, conhecida como a romaria

do Bom Jesus em que atrai milhares de fiéis todos os anos.

Mas seu potencial turístico pode ser explorado o ano todo. Par-

ticularmente entre os meses de julho a outubro, período da

alta estação das romarias.

Desta forma, a grande diferença o entre Bom Jesus da Lapa e as outras cidades da região é o Morro e suas grutas que lhe con-ferem um clima místico e diferenciado e um estado permanente de romarias e visitação. O mesmo, por sua singularidade, con-quistou os títulos de: Meca dos sertanejos, Capital baiana da fé

6 Destaca-se ainda que a informação mais recente ofertada pelo iBgE (julho 2013), apresenta uma população estimada de 68.282 habitantes.

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e Primeira das sete maravilhas do Brasil. (CARVALHO, 2008, p. 27)

Devido às peregrinações, as quais foram se transformando em grandes e permanentes romarias ao santuário, o povoado foi se desenvolvendo, transformando-se em Vila no ano de 1870 e emancipado em 31 de agosto de 1923, pelo decreto n0 1.682 do governador do Estado, o Exm° Governador J.J. Seabra. (SE-GURA, 1937, p. 38) Portanto, torna-se pertinente salientar que, na atualidade, percebe-se que as romarias têm propiciado um significativo, mas incipiente, caminhar para o turismo religioso, uma vez que esta cidade recebe milhares de pessoas durante todo o ano, num mix onde romeiros e turistas buscam por meio da fé estar presentes no espaço considerado sagrado.

CONSIDERAçõES FINAIS

As reflexões quanto ao tema que envolve o turismo e o espa-ço geográfico estão relacionadas numa conjuntura de outros fa-tores que estão interligados com as ações humanas, sejam num patamar social, cultural ou ambiental. As questões sagradas, os contextos culturais e o modo de vida do homem em sociedade são fatores que complementam o assunto apresentado.

No turismo, o turista religioso também busca outros atrati-vos enquanto permanece no local receptor, por isso é de grande importância haver toda uma infraestrutura para recepcioná-los. Nesse contexto, o planejamento turístico é algo essencial que precisa envolver a participação da comunidade, cujo intuito é organizar e ampliar a atividade, evitando que a qualidade de vida local seja ameaçada por impactos negativos que, na maioria das vezes, estão atrelados ao desenvolvimento das atividades turís-ticas.

é preciso que todos os envolvidos no contexto da organiza-ção e manutenção do local onde se desenvolve o turismo religio-

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so sejam corresponsáveis pela receptividade com o turista, pois, assim, além da fé, outros atrativos os farão retornar à localidade.

Portanto, em relação às transformações do espaço geográfico a partir do desenvolvimento do turismo e à minimização dos im-pactos negativos causados pelo mesmo, só serão resolvidos com o melhoramento dos espaços físicos. Especificamente em rela-ção ao turismo religioso, que é o nosso ponto chave, constata-se que o melhoramento a que se refere é que, além de mudar o modo de ceber a romaria e/ou o turismo religioso, é necessário requalificar o que se refere à dinâmica da cidade: os espaços públicos, as vias de acesso, os estacionamentos ordenados, o comércio alternativo e informal, espaços de entretenimentos, postos de informações e atendimento permanentes. As vias pú-blicas de acessos aos transeuntes, sejam eles moradores ou visi-tantes, não pode ser extensão de um mercado à moda medieval ou do camelódromo a céu aberto pela informalidade comercial. Para isso, há necessidade das instituições localizadas e as autori-dades constituídas se organizarem para reconfigurar o turismo religioso e sua dimensão de espacialidade.

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Reflexões sobre território e turismo étnico indígena

Gise le das Chagas CostaRegina Celes te de Almeida Souza

INTRODUçãO

O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre o tu-rismo étnico indígena e seus desdobramentos na construção da territorialidade indígena. Para tanto, teve como base investigati-va a pesquisa bibliográfica e documental, tanto em meios digi-tais como físicos, com a análise de experiências empreendidas por povos indígenas, especialmente no sul da Bahia.

Sem a pretensão de esgotar o assunto ou realizar um estu-do de caso, apresenta contribuições para a reflexão do turismo enquanto uma prática social que promove alterações sociocultu-rais e espaciais profundas e que precisa ser planejada a fim de garantir a consecução de seus objetivos, que, no caso do turismo

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étnico, também envolve a complementação econômica para os povos tradicionais, através da reafirmação étnica e reprodução e venda para os turistas e visitantes de determinadas práticas cul-turais, tais como dança, cantos, cura, reza, culinária, artesanato, entre outros.

Centrando a discussão nas transformações socioespaciais decorrentes da atividade turística, busca inicialmente um diá-logo conceitual a partir de determinadas categorias geográficas, a saber: espaço, paisagem e território, para, a seguir, focar a dis-cussão em como essa modalidade de turismo produz novas ter-ritorialidades buscando um contraponto entre as possibilidades de desenvolvimento sustentável engendradas por tal prática e os riscos de mercantilização cultural.

TURISMO: PRODUçãO E CONSUMO DO ESPAçO

O turismo é um fenômeno contemporâneo complexo que cria e recria novas territorialidades, reestruturando modos de produção tradicionais e inserindo-os na ótica da produção do ca-pital. Assim, originam-se novas percepções acerca do local e de sua relação direta com ele, além da transformação dos ambien-tes naturais, muitas vezes gerando a degradação dos mesmos, quando a atividade não é devidamente planejada.

O espaço turístico, base material para a existência de tal ati-vidade, não pode ser compreendido como fenômeno pontual no espaço geográfico, dado que sua existência pressupõe, simulta-neamente, a existência de áreas que podem ser descontínuas territorialmente (muitas vezes distantes centenas de quilôme-tros umas das outras), porém interconectadas através de redes e fluxos.

Assim, o espaço turístico manifesta-se em seu conjunto complexo compreendido por áreas de dispersão, ou emisso-ras, responsáveis pela demanda turística, ou seja, de população

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originária das cidades médias e grandes – como das metrópoles. Além dessas áreas, há de se considerar o espaço fluído dos flu-xos, que podem ser oceânicos, terrestres, fluviais, ou aéreos, por onde se deslocam os turistas e que, necessariamente, deman-dam equipamentos de embarque e desembarque que marcam o espaço, como sinaliza Rodrigues (2001).

Finalmente, compondo o tripé que se constitui como espaço turístico, há os núcleos receptores, nos quais “se reformula o espaço pretérito, em novas bases [e onde também] se dá o con-sumo do espaço [...]”. (RODRIGUES, 2001, p. 23)

é nesse espaço fluido e disperso que o planejamento da atividade se dá. Planejamento, porque o turismo e seu desenvolvimento pressupõem uma ação intencional sobre o espaço, sua reestruturação com fins de inseri-lo de modo mais contundente na lógica de reprodução do capital.

Rodrigues (2001, p. 25) também pontua que a atividade de planejamento do turismo não é simples, porque “tem de con-ciliar os interesses de uma população que busca o prazer num local onde as pessoas vivem e trabalham, satisfazendo a ambas”. Assim, para essa autora, três questões devem permear o plane-jamento da atividade: a satisfação das necessidades do turista, que, através de seu consumo nos núcleos receptores, irá gerar renda para os agentes envolvidos com a atividade; a relação en-tre custo e benefício da implementação/desenvolvimento da ati-vidade; e, em terceiro lugar – sem, no entanto, hierarquizar as questões elencadas –, a conservação do patrimônio sociocultural e ambiental que, muitas vezes, é inobservada ou minimizada pelos planejadores, evidenciando:

[...] a perversa contradição inscrita nos genes mesmos do fe-

nômeno turístico entre, de um lado, as exigências de aber-

tura tão ampla quanto possível dos sítios para uma frequen-

tação solicitada ativamente e, de outro lado, as exigências de

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preservação das qualidades originais que fundam e perenizam

a atratividade destes sítios. (CAZES, 2001, p. 81)

Em busca de uma caracterização ou conceituação dos espa-ços turísticos – “sítios para uma frequentação” –, questiona-se o que diferenciaria um espaço turístico de outro não turístico. E sobre qual arcabouço teórico-conceitual, econômico e cultural uma sociedade determina que um espaço possua os atributos através dos quais a atividade turística pode ser, então, implanta-da/intensificada? Esse é um ponto fundamental na escolha dos locais a serem beneficiados por uma série de investimentos a fim de gerar infraestrutura necessária à prática do turismo.

Para Knafou (2001), a turistificação do espaço turístico resi-de em três fontes: os turistas, o mercado e as agências de plane-jamento territorial.

Os turistas historicamente são os responsáveis pela criação de espaços turísticos, afinal, são as práticas que estão na origem do processo e não os produtos. (KNAFOU, 2001) Atualmente, o mercado tem sido o principal responsável pela concepção e colocação de produtos turísticos, utilizando-se dos mecanismos de comunicação para indução de consumo dos novos espaços e produtos turísticos.

Finalmente os “planejadores e promotores territoriais” cons-tituem-se na terceira fonte de turistificação do espaço, sendo res-ponsáveis por iniciativas locais, regionais e nacionais, utilizan-do-se do conhecimento do mercado e das práticas dos turistas para induzirem processos de territorialização do turismo.

Cruz (2003), ao discutir o turismo como prática social que consome, elementarmente, um espaço, pondera sobre o fato dos lugares turísticos serem inventados culturalmente. Para ela:

[...] O que é considerado atrativo turístico hoje pelo turismo

não era no passado e talvez não seja no futuro. Como a cul-

tura varia no tempo e no espaço, o que é atrativo para alguns

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grupos de pessoas pode não ser para outros [...]. Neste mo-

mento histórico, temos a valorização de determinados recur-

sos naturais e culturais. Como vivemos hoje em um mundo

globalizado (ainda que não sob todos os aspectos) e de gostos

tendencialmente massificados, alguns recursos naturais e ou-

tros culturais, mais valorizados pela prática social do turismo

do que outros são tidos, de forma até estereotipada, como atra-

tivos turísticos. (CRUZ, 2003, p. 9)

A prática social do turismo pode ser compreendida como uma experiência geográfica (PIRES, 1999) na qual a paisagem se constitui como lócus de percepção sensorial do turista. Tal espaço é compreendido como o assento da oferta turística, um espaço concreto e objetivo, tendo o seu valor recreativo no que vai variar de função em certas circunstâncias; dentre elas, o atra-tivo paisagístico, que, por sua vez, correlaciona-se, no caso da paisagem turística, ao conjunto de equipamentos turísticos dis-poníveis e ao grau de conservação ambiental.

A paisagem possui três qualidades, a saber: ambiental (mede as possibilidades de vida e de sobrevida dos seres vivos), funcio-nal (expressa o grau de eficiência do lugar ao funcionamento da sociedade) e estética (representação por valores, com caracterís-ticas puramente sociais que uma comunidade atribui a algum lugar). (MACEDO, 2002)

Segundo Macedo (2002, p. 184), a paisagem é “a expressão morfológica das diferentes formas de ocupação e configuração de um território e, portanto, da transformação do ambiente em um determinado tempo”. Isto porque, segundo o autor, a pai-sagem é como um produto resultante de um processo social de ocupação e gestão de um território, e também como um sis-tema, haja vista que, sempre que ocorrer uma ação sobre ela, haverá uma reação correspondente, resultando em uma nova reconfiguração espacial.

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Sobre esse aspecto, Almeida (2008, p. 81) afirma que:

Na atualidade é com base na representação da natureza como

paisagem, e como cenário para as ações humanas, que se ins-

titui o seu consumo pelo turismo. O turismo tem como carac-

terística o consumo visual, reforçada pela produção concreta

de seus lugares turísticos, isto é, o ambiente construído, ou

território, bem como pela representação da natureza como ce-

nário, conforme já foi dito. Numa época em que as mudanças

para uma economia do consumo e do lazer se fortalecem, o

turismo ecológico, o turismo verde, ecoturismo ou turismo na-

tural tornam-se os segmentos mais promissores de uma das

atividades mais dinâmicas da economia mundial.

Atualmente, a paisagem é vista como um recurso e um bem cultural com relevância crescente em meio ao conjunto de va-lores ambientais onde a integração de seu caráter visual, cêni-co ou estético, como uma variável do meio, passou a ser uma necessidade para a manutenção de atividades econômicas que consomem espaço, como é o caso da atividade turística.

Segundo Pires (1999, p. 164)

[...] as atuações humanas afetam em maior ou menor grau o

aspecto perceptivo da paisagem, da mesma forma que afetam

a qualquer outro aspecto do meio ambiente, então a paisagem

assume importância semelhante aos demais elementos do

meio físico, constituindo-se num valor estético a ser valoriza-

do e protegido.

Concluindo esta seção, cabem algumas colocações sobre a análise do turismo e sua dimensão territorial. Knafou (2001) salienta que o fenômeno turístico é multiforme e inapreensí-vel em sua completude, com tentativas de análises infrutíferas pautadas ora em uma abordagem economicista, ora em uma

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abordagem superficial, ambas sem obter êxito na apreensão do fenômeno turístico.

Para o autor, a análise focada na relação intrínseca entre território e turismo pode favorecer uma apreensão mais tota-lizante desse fenômeno; apresentando três situações passíveis de estudos científicos: a existência de territórios sem o turismo, o turismo sem território e a presença de territórios turísticos. (KNAFOU, 2001)

Considerando o turismo como uma atividade típica da socie-dade urbana e com expansão a partir da segunda metade do sé-culo XX, em períodos anteriores obviamente existiam inúmeros territórios sem o turismo. No Brasil, a partir da década de 60 as operadoras e as agências de viagens são estruturadas e investem na publicidade e no marketing turístico, favorecendo a criação e consolidação do turismo como prática social valorizada pela classe média emergente no período.

Existe toda uma conjuntura sociopolítica e econômica no período que, segundo Rodrigues (2001), confluiu para a con-solidação de tal atividade econômica. Resumidamente, pode-se elencar:

a) formação da classe média brasileira;

b) inserção da mulher no mercado de trabalho, com conse-quente aumento da renda familiar;

c) implantação de indústrias automobilísticas no país;

d) construção de rodovias com acesso às praias e montanhas das regiões Sudeste e Sul, inicialmente e, posteriormente, a partir dos anos 1980, rumo ao litoral da região Nordes-te;

e) desenvolvimento da tecnologia de comunicação;

f) fenômeno da urbanização, com aumento significativo da população urbana.

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Atualmente, com a difusão da acessibilidade a todos os espa-ços mundiais e com o progresso dos transportes, existem cada vez menos territórios sem o turismo Knafou (2001). Ademais, nos anos recentes percebe-se a ampliação do poder de consumo da classe média aumentando o contingente populacional que acessa bens e serviços, incluindo-se o turismo.

A segunda possibilidade apontada por Knafou (2001), exis-tência de turismo sem território, parte da premissa de que um território turístico só pode ser assim definido quando efetiva-mente apropriado pelos turistas. Ora, cada vez mais torna-se perceptível a presença do turismo “fora do solo”, sem território, onde a atividade reduz-se a uma “atividade econômica, criadora de empregos e lucrativa”, obliterando a dimensão humana da atividade, em que os “desejos e representações do mundo” são a tônica de tal prática social.

A forma mais acabada de turismo sem território, isto é, do tu-

rismo que se contenta com sítios e lugares equipados [é] quase

completamente indiferente à região que o acolhe e onde a ex-

tensão planejada nada mais é do que um espaço-receptáculo.

(KNAFOU, 2001, p. 72)

Como exemplos podem ser citados os luxuosos resorts que se multiplicam no litoral nordestino, com a formatação dos es-paços bem ao gosto de uma cultura urbana moldada segundo critérios mercadológicos.

Nesses espaços, também chamados de não lugares1 se torna indiferente a locação espacial, tanto faz estar nessa ou naque-la cidade, a segregação espacial entre o não lugar e o território

1 segundo augé (1994, p. 73), “se um lugar pode se definir como identitário, re-lacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um não lugar.”

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transforma a experiência em algo estéril, destituído de sentido cultural que a territorialização da atividade proporciona.

No turismo sem território existe um deslocamento entre pai-sagem, espaço e história, e é destituído do sentido de lugar e de territorialidade, conforme aponta Cruz (2002, p. 111):

As paisagens construídas como resultados de processos natu-

rais e sociais historicamente engendrados, numa dada porção

do espaço geográfico, não podem ser reproduzidas a não ser

no que se refere estritamente à sua aparência. Daí chamarmos

de artificiais as paisagens ‘copiadas e coladas’ pelo turismo no

território.

Finalmente, a presença de territórios turísticos, fruto da inte-ração social do turista com o território, gera a necessidade de sua apropriação pelos planejadores e operadores turísticos, o que é delicado, conforme pontua Knafou (2001), pois não se planeja tão somente um espaço, mas toda a sociedade.

Para uma melhor compreensão de um território turístico, se faz necessário uma rápida retomada da categoria território, con-siderando aí a dinâmica territorial em sociedades tradicionais.

Nesse sentido, Haesbaert (2004, 2005, 2006, 2011) traz uma discussão importante sobre a construção de territoriali-dades e o sentido de território para as sociedades tradicionais. O autor discute a análise de Lefebvre (1986 apud HAESBAERT, 2004) sobre o “espaço feito território” onde fica explícita a sua dupla conotação: enquanto substrato material em uma dimen-são puramente material, funcional (valor de troca) e, em outra, simbólica (valor de uso), onde se registram as marcas do vivido, daquilo que foi e é ressignificado por um ou mais grupos sociais.

Nessa segunda conotação, Haesbaert (2004) encaixa as so-ciedades tradicionais, as quais vivenciam um território multi-funcional, através de uma noção de espaço-tempo vivido numa

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perspectiva múltipla, diversa e complexa, esta última sendo re-ferenciada por Morin (2005) ao referir-se ao complexus, como “o que é tecido junto.” (MORIN, 2005, p. 85)

O território para os Povos Indígenas é a base material para uma luta secular pelo direito à diferença, e, mais recentemente, para a retomada identitária. Identidade e território estão intrin-secamente relacionados, pois através da reafirmação identitá-ria, diversos povos indígenas vêm pleiteando a posse definitiva a antigos ou novos territórios, com base na Constituição que preconiza a reprodução de suas práticas socioespaciais “[...] ne-cessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.” (BRASIL, 1988, Art. 231, § 1.0)

O reaparecimento ou o surgimento de novas etnias é anali-sado por Oliveira (2006), o qual aponta que na década de 1950 existiam cerca de 10 etnias no Nordeste, número que passou para 23 em 1994. Esse expressivo número de etnias reflete o fato social denominado por Goldstein (1975 apud OLIVEIRA, 1993) de etnogênese, o qual denota tanto a emergência de novas iden-tidades como a reinvenção de etnias já reconhecidas (OLIVEI-RA, 1998) como mecanismo de construção de antigas ou novas territorialidades pelos povos indígenas nordestinos.

A questão da identidade tratada por Barth (1969 apud OLI-VEIRA, 1993) também ressalta a natureza política que a envol-ve. Para o autor, um grupo étnico não é assim designado por sua base cultural, posto que a cultura tem uma dinâmica temporoes-pacial, e sim pelos critérios que considera válidos, os quais ge-ram o sentimento de pertencimento pelos integrantes do grupo étnico.

Arruti (2006, p. 51) acrescenta que a etnogênese envolve a construção de uma “autoconsciência e identidade coletiva contra uma ação de desrespeito com vistas ao reconhecimento e à con-quista de objetivos coletivos”; neste caso, o objetivo fundamen-tal dos povos indígenas é o direito aos territórios historicamente ocupados ou a novos territórios.

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E nessa construção da territorialidade, alguns povos indí-genas, mais especificamente os do sul da Bahia, começaram a valorizar o seu patrimônio cultural material e imaterial engen-drando o turismo étnico que auxilia no fortalecimento identi-tário dos envolvidos, bem como a relação de pertencimento ao território, além de ser mais uma alternativa econômica para os povos envolvidos.

Existe uma discussão em curso sobre as contradições gera-das pelo turismo étnico em territórios indígenas, tais como as apontadas por Halter (2000 apud MOTA, 2009), alertando para o risco de mercantilização cultural nesse tipo de atividade, e a concentração dos benefícios monetários por poucos membros da comunidade, que atuam como “propagadores da cultura”. (MOTA, 2009, p. 29)

O turismo étnico em territórios indígenas é uma atividade relativamente recente na Bahia, e foi impulsionada por ocasião das comemorações dos 500 anos do “descobrimento” e sobre a sua emergência e exemplificação de práticas em curso no sul do Estado é que iremos tratar a seguir.

SEGMENTAçãO DA ATIVIDADE TURÍSTICA: EMERGêNCIA DO TURISMO éTNICO

O turismo cultural, no qual o chamado turismo étnico se en-quadra como um de seus segmentos, visa a valorização do patri-mônio cultural de uma comunidade. Segundo Brasil (2006), tal segmento, apesar de apenas recentemente ter seu marco concei-tual definido pelo Grupo Técnico Temático de Turismo Cultural do Ministério do Turismo, vem sendo praticado desde meados do século XVIII, nos Grand Tours, tendo a cultura como princi-pal motivação.

De fato, a relação entre turismo e cultura é intrínseca, as motivações que levam o turista a conhecer determinado destino

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envolvem a vivência de patrimônios históricos e também de eventos culturais, favorecendo a construção do conhecimento e também “experiências participativas, contemplativas e de en-tretenimento, que ocorrem em função do objeto de visitação”. (BRASIL, 2006, p. 23)

Esta relação envolve aspectos positivos e negativos. Swar-brooke (2000) esclarece que quando a atividade não é devida-mente planejada com o envolvimento dos atores locais gera mercantilização da cultura local e do artesanato, especulação imobiliária, autenticidade encenada, entre outros aspectos ne-gativos.

Entre os aspectos positivos cabe ressaltar a conservação do meio ambiente, a “valorização de comunidades e grupos sociais que preservam seus legados étnicos como valores norteadores em seu modo de vida, saberes e fazeres” (BRASIL, 2006), ge-rando desenvolvimento endógeno para tais comunidades.

é uma crença comum a ideia da atividade turística como impulsionadora do desenvolvimento sustentável, principalmente entre os planejadores do turismo. A própria Organização Mundial do Turismo (OMT) defende tal ideia ao afirmar que a atividade constitui-se como uma das melhores maneiras para se encontrar o bem-estar social, econômico e cultural, pois gera renda, cria empregos diretos e indiretos, favorece a entrada de divisas com consequente equilíbrio da balança de pagamentos, além de aquecer a atividade empresarial e aumentar os impos-tos públicos. (OMT, 2001)

De fato, o turismo cultural pode auxiliar no processo de de-senvolvimento de uma comunidade, no entanto, para que isso ocorra, faz-se necessário, entre outros aspectos, a gestão parti-cipativa da atividade turística, envolvendo necessariamente as lideranças locais, com participação efetiva da comunidade recep-tora na gestão da atividade.

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Idealmente, o turismo traz em seu bojo uma série de bene-fícios, e a própria definição oficial de turismo cultural apresenta essa concepção:

Turismo Cultural compreende as atividades turísticas relacio-

nadas à vivência do conjunto de elementos significativos do

patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valori-

zando e promovendo os bens materiais e imateriais da cultura.

(BRASIL, 2006, p. 27)

Essa definição suscita uma reflexão sobre patrimônio cultu-ral já que historicamente vem sendo atribuídas definições dife-renciadas ao conceito. De uma visão restrita envolvendo “gran-des monumentos artísticos do passado, interpretados como fatos destacados de uma civilização” atualmente foi incorporado à definição a dimensão cultural, mais abrangente e referendada pelos artigos 215 e 2162 da Constituição Federal de 1988 e com-preendendo o “conjunto dos bens culturais [materiais e imate-riais], referente às identidades coletivas” (ZANIRATO; RIBEI-RO, 2006, p. 32)

Tal percepção de patrimônio cultural emerge com a acelera-ção da urbanização no século XX e a consolidação da sociedade urbana (LEFEBVRE, 1999), quando a história passa a englobar o homem e a sua existência com a:

2 art. 215. o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

§ 1º - o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza ma-terial e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

i - as formas de expressão; ii - os modos de criar, fazer e viver [...]. (BRasil, 1988).

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valorização dos aspectos nos quais se plasma a cultura de um

povo: as línguas, os instrumentos de comunicação, as relações

sociais, os ritos, as cerimônias, os comportamentos coletivos,

os sistemas de valores e crenças que passaram a ser vistos

como referências culturais dos grupos humanos. (ZANIRA-

TO; RIBEIRO, 2006, p. 254)

A noção de bem cultural envolve um conteúdo simbólico afeito aos fazeres e saberes de identidades coletivas, suas tradi-ções, história oral, expressões artísticas, paisagens, entre outros. Possui ainda a função de utilidade pública fortalecendo os pro-cessos identitários coletivos, sendo fator decisório na “emanci-pação, de garantia da diversidade e, portanto, numa conquista do direito democrático dos povos a afirmar as suas identidades nas relações entre as culturas” (AGENDA 21 da Cultura, Prin-cípio 12).

Os bens culturais são divididos segundo o Instituto do Pa-trimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em materiais e imateriais, de acordo com a definição da Unesco (2006). Os bens materiais compreendem os bens móveis – esculturas, pro-dução pictórica, mobiliário, objetos de uso cotidiano e ritual e imóveis – edificações e seus entornos, os quais garantem visibi-lidade e fruição. (UNESCO, 2006)

Por sua vez, os bens imateriais correspondem às práticas e domínios da vida sociocultural as quais tem manifestação

em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de

expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares

(como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas cul-

turais coletivas). (UNESCO, 2006, p. 13)

Em um país multicultural como o Brasil, os bens culturais constituem-se em um universo cultural e simbólico ímpar e devem ser acessados pelo conjunto de sua população durante

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toda vida constituindo-se, segundo o Princípio 13 da Agenda 21 da Cultura, como referências para as noções étnicas e cívicas e como elemento fundamental de formação da sensibilidade, da expressividade, da convivência e da construção de cidadania, pois a “identidade cultural de todo indivíduo é dinâmica”.

Sobre tal questão, Castells (2008) apresenta uma reflexão so-bre o papel da identidade cultural na sociedade em rede, ressal-tando a dificuldade de compreensão do indivíduo em um “mun-do de mudanças confusas e incontroladas” com a busca pela identidade individual ou coletiva (atribuída ou construída) como mecanismo de ressignificação social alertando que tal busca “é tão poderosa quanto a transformação econômica e tecnológi-ca no registro da nova história.” (CASTELLS, 2008, p. 42)

Esta procura por significados sociais levam as pessoas a re-agruparem-se em torno de identidades primárias – territoriais, nacionais, religiosas, étnicas, com um crescente fortalecimento de processos identitários favorecido pelos sistemas de comuni-cação digital que falam uma língua universal e promovem “[...] a integração global da produção e distribuição das palavras, sons e imagens de nossa cultura personalizando-os ao gosto das iden-tidades e humores dos indivíduos.” (CASTELLS, 2008, p. 40)

Nesse contexto de intensa intercomunicação mediada pelos sistemas digitais de comunicação, as chamadas “minorias”3 vêm fortalecendo as relações de pertencimento e a (re)valorização de seus bens culturais. A mobilização social através do diálo-go com universidades, terceiro setor e outros segmentos sociais convergem para o empoderamento de grupos participantes do processo civilizatório nacional e que “tiveram seus territórios

3 as Nações Unidas definem minoria como grupos populacionais distintos em um Estado-Nação com características étnicas, linguísticas e/ou religiosas es-pecíficas e estáveis, com um quantitativo populacional inferior ao restante da população e com uma posição de não dominância, podendo ser vítima de dis-criminação. povos indígenas e remanescentes quilombolas são consideradas minorias no contexto brasileiro.

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sobrepostos no avanço das forças produtivas na organização do território brasileiro”. (SILVA, 2011, p. 53)

Tal articulação social em rede envolvendo as chamadas mi-norias favorece e é favorecida pelo turismo cultural étnico, já que vários segmentos da população vêm se interessando, realizando e divulgando essa modalidade de turismo. Com o aumento da demanda de turistas buscando destinos turísticos em territórios indígenas e quilombolas,4 consequentemente ocorre a (re)valo-rização do patrimônio cultural presente nesses territórios, com aumento da percepção positiva sobre sua história por parte da comunidade residente, aumenta o intercâmbio entre diferentes manifestações culturais, com maior entendimento e respeito re-cíproco entre as diversas formas de ser, estar e (re)produzir o mosaico de territorialidades que compõem o Estado-nação.

Cumpre ainda ressaltar que

[...] o acesso sem distinções aos meios de expressão, tecnoló-

gicos e de comunicação e a constituição de redes horizontais

fortalece e alimenta a dinâmica das culturas locais e enriquece

o acervo coletivo de uma sociedade que se baseia no conheci-

mento. (AGENDA 21 DA CULTURA, Princípio 14)

Assim, o turismo étnico indígena pode se tornar um dos ca-minhos para a inserção econômica das comunidades envolvidas e a preservação de seus bens culturais.

Apesar dos bens culturais (tradição, cultura e história) serem portadores de identidade, valores e sentido, conforme expresso no artigo 8 da Declaração Universal da Unesco sobre a Diversidade

4 o turismo étnico é uma segmentação do turismo cultural e ramifica-se em turismo étnico-afro e étnico-indígena, sendo definido pelo Ministério do Tu-rismo como atividade decorrente da “vivência de experiências autênticas em contatos diretos com os modos de vida e a identidade de grupos étnicos.” (BRasil, 2006) Neste trabalho busca-se especificamente uma reflexão do tu-rismo étnico em territórios indígenas.

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Cultural (2002), não devendo ser, portanto, considerados como mercadorias ou bens de consumo como os demais, ao serem apresentados ao turista, ganham a dimensão de produtos cul-turais.

Um bem cultural ao ser formatado em produto cultural pode esvaziar-se de sentido, perdendo paulatinamente o seu valor in-trínseco, conforme aponta Coelho Netto (1997). Nesse sentido, é prioritário que a atividade turística se desenvolva em comu-nidades indígenas com a devida atenção para que não ocorra a “mercantilização da cultura indígena por meio de sua encenação e espetacularização.” (JESUS; WENCESLAU, 2006, p. 41)

Nesse sentido, reafirma-se a necessidade do protagonismo das comunidades envolvidas no planejamento e gestão do turis-mo étnico indígena, a fim de evitar a visão estereotipada de pro-gresso e crescimento econômico, a qual busca maximizar os re-cursos culturais para retirar o máximo de benefício econômico.

Tal visão utilitarista do patrimônio cultural, muitas vezes preconizada ainda que sutilmente por gestores públicos e pela iniciativa privada, insere-se em uma lógica de mercado, mas esse viés contrapõe-se a real finalidade de tal segmento turístico e as necessidades das comunidades receptoras.

TERRITóRIOS DE RESISTêNCIA E TURISMO éTNICO INDÍGENA

Ao longo do processo de formação do território brasileiro, muitas sociedades indígenas foram dizimadas, seja através do contágio por doenças trazidas pelos europeus, por guerras ou em decorrência das políticas de assimilação desses povos à so-ciedade brasileira em formação. (COSTA; SOUZA, 2014)

Com sua história, patrimônio cultural e territorialidades des-truídas no processo colonizador hegemônico, os sobreviventes, desterritorializados e aculturados buscaram viver, marginaliza-

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dos na sociedade, mantendo parcialmente a memória coletiva e suas tradições. Na região Nordeste, com a expansão da pecu-ária, os povos indígenas aí residentes “tiveram seus territórios sobrepostos no avanço das forças produtivas na organização do território brasileiro.” (SILVA, 2013, p. 22), sendo impelidos a se deslocarem espacialmente para outras áreas.

No Estado da Bahia, diversos povos indígenas5 vêm buscando uma intercomunicação a qual favorece a retomada de processos identitários, muitos deles solapados durante a colonização e que necessitam de um reaprendizado mesmo que com elementos diferenciados às manifestações culturais originais.

Esse reaprendizado é apoiado nas redes de sociabilidade en-tre os diferentes povos. Pode-se citar o turismo indígena, moti-vado pelos jogos e torneios recreativos em reservas indígenas e que leva a um deslocamento sazonal de grupos indígenas para participação de tais jogos. Para além dos aspectos lúdicos e re-creativos que envolvem tais atividades, deve-se ressaltar o papel que tal atividade turística promove em relação ao fortalecimento da autoestima de minorias étnicas que foram vítimas de precon-ceitos e ignorados durante séculos.

Durante os jogos, rituais são retomados, práticas sociocul-turais são compartilhadas, favorecendo o fortalecimento iden-titário dos envolvidos. Pode-se exemplificar com o ocorrido em 1974, quando lideranças Kiriris de Mirandela, BA, foram em caravana até a Reserva Indígena Tuxá, em Rodelas, BA, para realizar atividades recreativas e com a intenção de conhecer e aprender o Toré que seria realizado na ocasião. (COSTA; SOU-ZA, 2012)

Nascimento (1994, p. 8) discute a importância do ritual indí-gena do Toré, o qual representa uma das manifestações de um

5 Entre eles, podem ser citados os pataxós Hã-Hã-Hães, no sul do Estado, os Kiriris, em Mirandela, os Tuxá, Kiriri, pankarú, no Vale sanfranciscano, entre outros.

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conjunto de crenças e práticas religiosas denominadas pelo au-tor como complexo ritual da jurema, na comunicação interétni-ca ressaltando a sua funcionalidade na “estruturação do grupo étnico enquanto forma de organização política de seus agentes.” (COSTA; SOUZA, 2012)

A realização de tal atividade integradora é considerada um marco político na história de resistência étnica dos Kiriris de Mirandela, pois parte significativa de seus rituais, manifestações culturais além do conhecimento da língua haviam sido perdidos com a morte dos líderes religiosos durante a participação dos Kiriris na Guerra de Canudos em 1897. (COSTA; SOUZA, 2012)

Essa retomada identitária vem, segundo Silva (2012, p. 2),

organizando [negros e indígenas] através das narrativas étni-

cas e de memória coletiva na construção de um espaço de luta

onde procuram reconstruir antigos territórios ou recriarem

novas condições de sobrevivência [...].

A reterritorialização e novas territorialidades engendradas através da reafirmação do discurso étnico é denominada por Sil-va (2012) de “geografia dos vencidos”. De fato, em se tratando de povos indígenas e que historicamente tiveram suas práticas espaciais negadas e/ou anuladas e sua força produtiva explora-da através de processos escravistas justificados em um modelo sociopolítico e econômico do território brasileiro em formação, levam à necessária compreensão de como a retomada do uni-verso simbólico e cultural de tais povos favoreceu e favorece a compreensão de sua etnicidade e consequentemente o processo de empoderamento, condição indispensável para a construção de sua territorialidade.

A Constituição Federal de 1988 apresentou avanços no reco-nhecimento das “minorias” étnicas, entre elas os grupos indíge-nas, o que fortaleceu a organização por diversas etnias em prol

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da posse definitiva das terras historicamente ocupadas, a fim de garantir o preconizado pela própria Constituição, a reprodução de suas práticas socioespaciais, as quais são “[...] necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.” (BRASIL, 1988, Art. 231, § 1.0)

A questão do acesso a terra, ao território delimitado e reco-nhecido pelo Estado como de direito inalienável indígena, reme-te a questão da construção da territorialidade que, na visão de Raffestin (1993), corresponde a um sistema tridimensional que abrange sociedade, espaço e tempo, com o objetivo de emergên-cia de formas autônomas de apropriação espacial, considerando as limitações do próprio sistema.

Dessa maneira, a autonomia é proporcionalmente maior quando os indivíduos e comunidades tornam-se proativamen-te responsáveis pelo controle de suas vidas, o que está intrin-sicamente relacionado à posse de um espaço físico, pois sem o mesmo, ocorre a restrição da produção de suas práticas sociais e estabelecimento da autonomia mencionada.

Assim, pode-se afirmar que a territorialidade perpassa um processo de empoderamento do grupo social, o qual só poderá ser considerado legítimo quando as relações entre os sujeitos que atuam no território, com interesses determinados, não forem ba-seadas na dominação e na coerção. (COSTA; SOUZA, 2012)

Os caminhos trilhados na construção de territorialidades são diversos, tomando como exemplo o povo pataxó Hã-hã-hãe e o seu longo processo de luta pelo direito a seu território, observa--se que um dos caminhos trilhados é o do turismo étnico. São poucos os povos indígenas na Bahia que atuam de modo siste-mático nesse segmento da atividade.

Os órgãos oficiais de turismo do Estado (Bahiatursa, Emtur-sa) indicam como roteiros as visitações aos Tupinambás (Bel-monte e Olivença, BA), pataxós Hã-hã-hães (Reserva Caramu-ru-Paraguaçu e Fazenda Bahiana), os Povos descendentes dos Cariris, tais como Kiriris, Tuxás, Kaimbés, Pankararés e Atikuns

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no nordeste e norte do Estado em municípios tais como Glória, Rodelas, Sobradinho e Paulo Afonso.

Paulo Afonso possui agências de turismo e guias de turis-mo autônomos oferecendo ao visitante roteiros de visitas até o território do povo indígena. Agregam-se ao pacote o esporte de aventura, o turismo histórico e o turismo ecológico, com a con-templação da fauna e flora do bioma caatinga.6

No sul da Bahia, os pataxós Hã-hã-hães oferecem roteiros de visitação associados ao turismo ecológico na Reserva Jaqueira, com a possibilidade de roteiros mais extensos, com hospeda-gem do visitante, e também em Barra Vermelha:

No total, são 280 famílias na Aldeia de Barra Vermelha, uma

das mais distantes da urbanização, vivendo principalmente

da pesca, da agricultura e da venda de artesanato. A paisagem

local é deslumbrante e durante todo o percurso até a aldeia é

possível contemplar a imponência do Monte Pascoal. Em Barra

Vermelha, ainda existem uma biblioteca e um centro cultura,

onde os índios recebem os visitantes e promovem seus rituais.7

Já na Reserva Jaqueira,

[...] engajados na proposta de desenvolvimento sustentável,

os Pataxós da Jaqueira começaram a receber visitantes para a

prática do turismo ecológico. Trata-se do Proecotur; primeiro

projeto implantado em uma aldeia indígena, promovendo di-

versas atividades para a preservação ambiental, afirmação cul-

tural e ecoturismo.8

6 Disponível em: <http://bahia.com.br/roteiros/ha-ha-haes-tuxas-e-tupinam-bas/>. acesso em: 20 set. 2014.

7 Disponível em: <http://bahia.com.br/roteiros/aldeia-pataxo-de-barra-verme-lha/>. acesso em: 20 set. 2014.

8 Disponível em: <http://bahia.com.br/roteiros/reserva-indigena-da-jaqueira/>. acesso em: 20 set. 2014.

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O turismo étnico indígena desenvolvido por parte do povo pataxó Hã-Hã-Hãe tem materializado a sua etnicidade no ter-ritório. Esse povo vive em cerca de 30 aldeias, distribuídas nos municípios baianos de Porto Seguro, Santa Cruz de Cabrália, Prado, Itamaraju, além de outros municípios mineiros, segun-do Cardoso e Pinheiro (2012).

No Aragwaksã (Plano de Gestão Territorial do povo pataxó de Barra Velha e Águas Belas), Cardoso e Pinheiro (2012) historiam o processo de territorialização-desterritorialização-reterretoriali-zação que esse povo vivenciou no extremo sul da Bahia.

Com relatos de ocupação tradicional na região desde o sécu-lo XVI, sofreram como outros povos indígenas, com as políticas de extermínio e assimilação empreendidas durante a estrutura-ção do território brasileiro.

Na segunda metade do século XIX aumenta a pressão sobre o território pataxó, com o ciclo do cacau e atuação de madeireiras na região. A partir da década de 50 do século XX, a pressão sobre os territórios dos pataxós recrudesce, em razão da iminência da criação do Parque Nacional Monte Pascoal, com área sobreposta ao território de ocupação tradicional dos pataxós e com confli-tos violentos em que a polícia matou a tiros uma quantidade significativa de índios, dispersando a população. (CARDOSO; PINHEIRO, 2012)

Com a criação do parque aumenta a dispersão dos pataxós, com a criação de outros núcleos na região. Nas décadas de 70 e 80 do século XX, a construção da rodovia BR 101 incentiva ainda mais a ação dos madeireiros. Soma-se aí um crescente mercado de turismo de massa, no modelo sol e mar, que aumentou ainda mais a pressão sobre os territórios no sul do Estado. De qual-quer sorte, a presença de turistas incentivou a produção e venda de artesanato indígena, além de apresentações de danças para os visitantes nas vilas.

Sempre lutando pelo direito definitivo aos territórios tra-dicionalmente ocupados junto aos órgãos oficiais, os anos 90

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assistem a reivindicação do território pelos pataxós e o envolvi-mento em projetos de desenvolvimento sustentável, envolvendo aí as práticas de turismo ecológico realizadas atualmente. Em 1997 a Funai reconheceu o direito desse povo de ter as terras tradicionais identificadas. (CARDOSO; PINHEIRO, 2012)

Em 2008 é publicado o Relatório de Identificação e Delimita-

ção da Terra Indígena Barra Velha, com superfície de 52.748,

sobrepondo o Parque Nacional de Monte Pascoal. A identifica-

ção e delimitação é considerada uma vitória pelos Pataxós, mas

ainda há muitos passos a serem dados para a consolidação dos

direitos sobre suas terras, que envolvem a consolidação deste

processo e a garantia dos direitos sobre os outros territórios no

extremo sul da Bahia bem como de políticas públicas efetivas

para a gestão territorial. (CARDOSO; PINHEIRO, 2012, p. 18)

O longo processo de resistência do povo pataxó fortaleceu sua cultura e identidade. Uma forma de organização social pre-sente em quase todas as aldeias são os Grupos de Cultura con-cebidos pelos jovens (CARDOSO; PINHEIRO, 2012), os quais buscam “retomar a cultura e tradição Pataxó” através da língua,9 história e rituais.

Vários estudos apontam que o turismo étnico praticado por uma parcela do povo pataxó vem garantindo, além do fortaleci-mento dos processos identitários e construção da territorialida-de, meios eficazes de desenvolvimento sustentável.

Com um processo de resgate étnico engendrado a partir do próprio grupo social, os pataxós vêm desenvolvendo sistemati-camente o turismo étnico indígena há algumas décadas, sendo que a partir das comemorações dos 500 anos de descobrimento,

9 segundo Cardoso e pinheiro (2012), a língua pataxó – patxôhã (língua do ín-dio guerreiro) é uma fusão entre a língua original e a do povo maxacali, com quem conviveram historicamente, além da língua de outros povos do tronco linguístico macro-jê.

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a atividade tomou um grande impulso, atraindo cada vez mais turistas, inclusive estrangeiros interessados em conhecer a his-tória e cultura desses povos.

O diferencial apresentado pelos pataxós, através do Projeto Jaqueira10 é a capacidade que vêm demonstrando em realizar o turismo étnico com a promoção da genuína interação do turista em relação à sua história e cultura, ultrapassando a ação voyeu-rística, na qual o turista torna-se um mero espectador assistin-do passivamente ao espetáculo representado com exotismo pelo outro.

Ao contrário, entre os pataxós a experiência pode tornar-se genuína, com a interação com os saberes e fazeres locais que são vivenciados no pacote turístico adquirido por uma agência de turismo, responsável por roteiros nas reservas indígenas e trabalhando com o conceito de Tour da Experiência.

A visitação de um dia pode ser feita percorrendo-se trilhas ecológicas (a mais longa com duas horas de duração e a mais curta, com 40 minutos), e a participação do ritual Auê, “um ri-tual de agradecimento a Iamissun, o criador, representado pela soma dos quatro elementos da natureza”, além de outras ativi-dades de cunho étnico e cultural.11

O visitante também tem a possibilidade de visitar, na Reserva da Jaqueira, as aldeias Coroa Vermelha, Velha, Imbiriba e Barra Velha (Aldeia-Mãe), em um roteiro de até cinco dias, fruto de uma parceria entre uma agência turística e lideranças e líderes pataxós, segundo informações nos sites disponíveis.

Nesse roteiro o visitante participa de atividades nas aldeias e,

em comunhão com a natureza, percebe os sons da floresta,

10 a Reserva da Jaqueira faz parte da aldeia Coroa Vermelha, em santa Cruz Ca-brália/Ba. Criou-se a associação pataxó de Ecoturismo (aspectur) para favo-recer o desenvolvimento sustentável da atividade na reserva.

11 Disponível em: <http://bahia.com.br/roteiros/reserva-indigena-da-jaqueira/>. acesso em: 23 set. 2014.

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participa de rituais, caminhadas na mata, arremesso de arco

e flecha, pintura corporal, confecção de artesanato, banhos de

rio, escuta de histórias e lendas em volta da fogueira, à noi-

te; experimenta pratos exóticos e dorme em rede, numa oca

(quijeme).12

Dessa interação entre o grupo receptivo e o turista os ganhos podem ser mútuos: o visitante amplia o seu universo cultural, vivencia a multiculturalidade, aprende a respeitar e valorizar as diferenças, compreende a importância da atividade que adquiriu para o grupo, como uma forma de fortalecimento identitário e territorial.

O grupo que organizou e ofertou a atividade (agência de tu-rismo, líderes e lideranças indígenas), além de favorecer par-cialmente a sustentabilidade econômica do grupo étnico, gera uma espiral ascendente no esquema de fortalecimento identitá-rio-empoderamento-territorialidade, tornando-se, inclusive, um exemplo para outros grupos indígenas que ainda estão em pro-cesso de retomada identitária.

é importante, contudo, verificar se a atividade está ocorrendo de acordo com alguns princípios que caracterizam o turismo de base comunitária para então ser possível avaliar se a mesma é sustentável ou não. Alguns princípios apontados por Layrargues (2004) indicam a efetividade da base comunitária da atividade:

A comunidade local opera o negócio, permitindo o desenvolvi-

mento comunitário local, a emancipação política e favorece a

distribuição de renda.

A renda gerada permanece na comunidade local e é distribu-

ída entre os trabalhadores da atividade. Há espaço para inclu-

12 Disponível em: <http://bahia.com.br/roteiros/reserva-indigena-da-jaqueira/> acesso em: 23 set. 2014

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são [...] já que a própria comunidade local é responsável pela

gestão da atividade. [...] O turista imerge na realidade local real,

se impregna da vida cotidiana da coletividade, vivencia o en-

volvimento profundo e legítimo da rotina da comunidade local

[...].

Além desses princípios, o turismo étnico, ao formatar os bens culturais do povo (tradição, cultura, história) em produto cultu-ral, deve fazê-lo sem mercantilizar os mesmos, valorizando e pro-movendo de fato os bens materiais e imateriais de sua cultura. Esse, de fato, é um dos desafios para os pataxós (e outros povos indígenas) envolvidos com a prática do turismo étnico indígena.

CONSIDERAçõES FINAIS

Esse texto teve como objetivo refletir sobre o turismo étnico indígena e seus desdobramentos na construção da territorialida-de indígena. Para tanto, teve como base investigativa a pesquisa bibliográfica e documental. Buscou contribuir na reflexão sobre tal prática socioespacial, a qual pode se tornar sustentável, pois é engendrada no interior de comunidades tradicionais, que se apropriam do território em uma perspectiva multidimensional e complexa.

No mosaico de construções de seus territórios, o turismo étnico tem emergido como mais um viés de ressignificação cultural, resgate da dignidade e de seus valores culturais “das inquestionáveis influências tatuadas na cultura do não-índio brasileiro”. (PEIXOTO; ALBUqUERqUE, 2007, p. 3)

Ainda que o presente trabalho não tenha se proposto a verifi-car a efetividade da atividade turística junto aos povos indígenas do norte/nordeste e do sul da Bahia, o turismo étnico aponta mais um caminho de afirmação étnica, gerando fortalecimento identitário e consequente construção da territorialidade.

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O espaço físico utilizado para tal atividade, pleiteado através de longas negociações e, muitas vezes, com conflitos fundiários violentos, torna-se um marco simbólico para os povos indíge-nas que tiveram seus referenciais socioespaciais solapados pelo avanço das forças produtivas sobre o território.

Ao planejar e gerir participativamente o receptivo de visitan-tes para a prática sustentável do turismo, os povos indígenas podem fortalecer seu universo simbólico e cultural e o vínculo com o território, geram renda, respeito e o efetivo desenvolvi-mento endógeno.

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Considerações acerca do ecoturismo e sua relação com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável

Jaldo Borges de Souza

INTRODUçãO

A importância e a abrangência do turismo estão ligadas dire-tamente às condições impetradas pela nova ordem emergente, que passou a ser conhecida como revolução pós-industrial, re-sultante de uma nova conjuntura internacional, de mudanças culturais e de crescimento econômico de setores ligados, princi-palmente ao meio ambiente.

Pela sua representatividade do ponto de vista socioeconômi-co e ambiental, o fenômeno do turismo tem suscitado polêmi-cas; de um lado os defensores da atividade, que a consideram importante para o estímulo de muitas outras atividades que vi-sam ao bem-estar de grupos sociais; e do outro, os que o con-

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sideram nocivo pelos impactos negativos causados aos recursos ambientais e às comunidades das áreas de seu entorno. Sobre o assunto, Sasaki (2006) diz que não é possível negar que o turis-mo, local ou global, afeta cada dia mais as economias do mundo inteiro, desde as comunidades mais afastadas dos centros urba-nos até as metrópoles de maior expressividade comercial.

Pensar o turismo é entendê-lo de forma multifacetada: a questão da pobreza, a conservação ambiental, a problemáti-ca do patrimônio. Além disso, conforme Irving (2007), há de considerar também que hoje existe uma tendência, não só no Brasil, mas mundialmente, de entender o turismo segundo uma nova visão de desenvolvimento regional. A autora observa que durante muito tempo, o turismo foi entendido como uma atividade operacional, distanciada de um panorama macro, um setor isolado no planejamento de governo e distante de uma vi-são estratégica de desenvolvimento. Atualmente, trabalha-se na direção de se buscar todas as potencialidades locais. A área do turismo rural está associada ao turismo de natureza, ao ecoturis-mo e pode promover o desenvolvimento local.

Baseado no que ensinam Irving e outros autores, há de se entender que a modalidade de turismo denominada turismo ecológico, ou simplesmente ecoturismo, constitui-se um dos alicerces na tentativa de alcançar um modelo sustentável de de-senvolvimento.

O conceito de ecoturismo e a sua origem têm apresentado diversas explicações, que são frequentemente questionadas ou redefinidas. Laarman e Durst, citados por Fennel (2002), em sua antiga referência ao ecoturismo, definiram-no como um tu-rismo na natureza no qual o “viajante” é atraído a um destino por causa de seu interesse em um ou mais aspectos da história natural desse destino, combinando educação, recreação e aven-tura. Em 1993, os autores identificaram uma diferença concei-tual entre o ecoturismo e turismo na natureza e estabeleceram

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um escopo mais estreito e outro mais amplo para essa definição. O conceito mais estreito descreve a atividade de pessoas que pro-movem atividades turísticas orientadas à natureza. No conceito mais amplo, aplica-se o turismo que utiliza recursos naturais, focalizando ambientes relativamente intocados, como: reservas selvagens, parques e habitats protegidos.

À luz das divergências conceituais, Fennel (2002) considera o ecoturismo como sendo uma forma sustentável de turismo baseado nos recursos naturais, que focaliza principalmente a ex-periência e o aprendizado sobre a natureza: é gerido eticamente para manter um baixo impacto, é não predatório e localmente orientado (controle, benefícios e escala). Ocorre tipicamente em áreas naturais, e deve contribuir para a conservação ou preser-vação destas.

Partindo deste pressuposto, o presente artigo visa, ainda que preliminarmente, uma reflexão acerca de ecoturismo como uma modalidade de turismo em que se pode associar desenvolvimen-to econômico sustentável e a consciência sobre a necessidade de preservação ambiental.

Considera-se relevante, para o enriquecimento do presente trabalho, uma abordagem acerca da região do Rio Preto do Cri-ciúma, no Município de Jequié, no Sudoeste da Bahia, por ser dotada de inúmeros atributos naturais, e por apresentar uma rica biodiversidade, em área remanescente da Mata Atlântica, o que pode favorecer a implantação de projetos ecoturísticos, como forma de desenvolvimento socioeconômico regional sus-tentável, aliados à estratégia de conservação da natureza, com participação da comunidade local.

Para atingir os objetivos propostos, utiliza-se um plano de pesquisa que permita a coleta de dados e a análise das informa-ções. Opta-se por uma metodologia de natureza qualitativa, con-tando com técnicas da pesquisa utilizando a observação direta e a série sistemática de entrevistas. Na elaboração do presente artigo

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serão utilizados dados obtidos através de pesquisa bibliográfica, com utilização de livros, dissertações, teses, artigos de periódi-cos, material disponibilizado pela internet, acerca do tema, bem como através de dados obtidos junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Secretarias Municipais da Saúde, da Cultura e Turismo e da Agricultura e Meio Ambiente de Je-quié; Conselho Municipal de Meio Ambiente de Jequié e Grupo Ecológico Rio das Contas (Gerc).

A motivação maior para a escolha do tema foi a de contri-buir para o conhecimento de uma questão, objeto de amplas discussões, que é a conservação do meio ambiente. Desta for-ma, pretende-se, com uma análise teórica e empírica, mostrar o ecoturismo como uma modalidade de turismo em que se pode associar desenvolvimento econômico e a consciência sobre a necessidade de conservação dos recursos naturais existentes no local.

TURISMO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Em um cenário de novas configurações socioeconômicas, o turismo surge como umas das atividades que mais geram ren-da, distribuem riqueza, criam empregos, combatem a pobreza e promovem o entendimento entre as pessoas e os povos. Sobre o assunto, Trigo (1998, p. 9) assim se posiciona:

O turismo está entrelaçado com o entretenimento, à indústria

cultural eletrônica e imprensa, o esporte e a saúde […]. O turis-

mo é discutido atualmente como uma das forças transforma-

doras do mundo pós-industrial […]. Com a implementação de

novas tecnologias, como a informática e as telecomunicações

e a engenharia genética, o turismo está ajudando a redesenhar

as estruturas mundiais, influenciando a globalização e, em úl-

tima análise, a nova ordem econômica internacional.

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O turismo, com sua multidimensionalidade é um tema re-corrente, que tem demandado estudos, pesquisa e discussões no âmbito da Economia, da Geografia política, da Sociologia e da Ecologia, dentre outros campos. Daí entendê-lo como um fenô-meno que congrega o antigo e o moderno, o simples e comple-xo, o plural e o singular, enfim, que se resume numa atividade dinâmica e heterogênea que envolve multiplicidade de símbolos e significados. (SASAKI, 2006)

Por sua importância e fascínio, o turismo em suas diversas modalidades tem sido objeto de amplas discussões, colocando, de lados opostos, os que o defendem, como uma alternativa de desenvolvimento econômico, e os que o condenam, pelos im-pactos negativos ao meio ambiente. Deste dualismo, surgem pensamentos mais conciliatórios, que relativizam os efeitos ne-gativos desta prática, bem como os seus resultados positivos.

Para Oscar de La Torre Padilha (1994 apud DIAS, 2006), o turismo é um fenômeno de caráter econômico, social e cultu-ral, que consiste no traslado voluntário e temporário de forma individual ou em grupo, do lugar de residência habitual por mo-tivos de recreação, descanso, cultura e saúde, para outro lugar no qual não se realiza atividade remunerada e onde podem ou não existir atividades, espaços, bens e serviços planejados, cons-truídos e operados para seu usufruto.

Segundo Ripoll y Hernandez (2003), o turismo promove a identificação e a integração, solidifica as tradições e a herança cultural, agindo em aspectos tão importantes como a utilização do tempo livre e as novas formas que têm tomado as técnicas pedagógicas e de aprendizagem de forma geral. O processo de intercâmbio também se realiza no traslado nacional, mediante as diferenças étnicas, usos e costumes locais, em razão da existência de áreas com diferentes graus de desenvolvimento social, econômico e cultural, que oferecem a possibilidade de uma maior unidade nacional.

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Dias (2003), por sua vez, defende que conceituar o turismo não é fácil, por sua característica de ser multifacetado, e cada área do conhecimento que tem relações com o turismo define-o de acordo com seus interesses específicos. Algumas acentuam os aspectos sociais, outras os econômicos, os antropológicos, os geo-gráficos e assim por diante. Segundo ele, uma das definições mais utilizadas e que atende às necessidades de várias áreas de estudo é a divulgada pela Organização Mundial do Turismo (OMT), que busca universalizar uma definição para facilitar o controle estatís-tico e outras operações no âmbito do turismo em todo o mundo.

O autor considera, também, que o turismo apresenta uma relação particular com o território no qual é praticado, pois os lu-gares escolhidos para a prática da atividade turística são modifi-cados, em um processo denominado turistificação, o qual ocorre para atendimento da demanda do turista, que necessita, durante seu período de estada. Acentuam-se também os benefícios que essa atividade pode trazer para a comunidade receptora. Na re-alidade, segundo o autor, o turismo é um fenômeno de várias dimensões – política, econômica, social, cultural, educativa, am-biental, entre outras – que, quando devidamente exploradas, po-dem trazer inúmeros benefícios, tanto para os turistas, quanto para os residentes de um destino turístico.

Segundo Dias (2003), com crescimento da crise ambiental, aliada ao aumento da consciência ecológica das nações desen-volvidas como as em desenvolvimento, o turismo, no final da década de 1980, vê surgir uma demanda por um tipo alternativo ao até então predominante modelo de “sol e praia”. O novo tipo é resultado de uma mudança de valores e hábitos, em que as pessoas buscam melhorar sua qualidade de vida, o que inclui a procura por ambientes saudáveis emoldurados por natureza exuberante.

Irving e colaboradores (2005) postulam que, em um cenário permeado por controvérsias e resultados paradoxais, a reflexão

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Jaldo Borges de Souza - 105

sobre os rumos que o desenvolvimento da atividade turística deve seguir para promover seu potencial positivo, minimizan-do seus impactos negativos, parece fundamental para o delinea-mento de estratégias futuras.

Promover e praticar turismo de base sustentável requer, as-sim, um novo olhar sobre os problemas sociais, a diversidade cultural e a dinâmica ambiental dos destinos diante de uma economia globalizada e sujeita a nuances de imprevisibilidade, ditadas por um mercado que transcende as peculiaridades locais e/ou as especificidades de um destino turístico. Assim, a sus-tentabilidade no turismo depende de uma concepção estratégica e duradoura de desenvolvimento, apoiada numa interpretação interdisciplinar e integral da dinâmica regional, resultado de uma sinergia mutante, apoiada na noção de “espaço” material e imaterial, lugar concreto e abstrato, cenário de interações, con-flitos e transformações, ponto de contato simbólico entre local e global.

Segundo Irving e Camphora (2005 apud IRVING et al., 2005), muitos caminhos podem conduzir à perspectiva de sus-tentabilidade, mas não existem itinerários já mapeados, fixos. A sustentabilidade, tomada como referência, acolhe aspectos materiais e imateriais das várias dimensões envolvidas em seu significado. Não é, dessa forma, desejável demarcar competên-cias determinantes, sejam de caráter ambiental, social, econô-mico ou político; quaisquer dessas dimensões pensadas isola-damente instalam uma abordagem parcial capaz de obscurecer articulações entre interesses e práticas aparentemente dissocia-dos. No turismo, a busca de sustentabilidade equivale à oportu-nidade de redimensionar espaços, paisagens, culturas e econo-mias através de ações que qualificam o uso articulado de bens e serviços, gerando benefícios de ampla escala.

Para Spínola (2005), a definição de desenvolvimento susten-tável subjacente a todas as discussões em torno do tema é razoa-

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velmente simples e bastante conhecida, implicando em um tipo de desenvolvimento sensato, que utilize de forma equilibrada os recursos disponíveis, possibilitando a sua regeneração. A essa definição, que se preocupa exclusivamente com a questão am-biental, deve-se agregar as variáveis econômicas e sociais, onde a comunidade também é incluída, e a sua qualidade de vida passa a ser um aspecto de grande relevância, combinando justiça so-cial, eficiência econômica e prudência ecológica.

A autora considera que o conceito de turismo sustentável foi originado por todo esse debate, principalmente em função de dois fatores: a) o turismo, a partir da década de 1970, passou a ser visto como uma estratégia de desenvolvimento econômico para áreas periféricas e b) o crescimento do turismo de massa, no mesmo período, começou a configurar-se em uma ameaça para essas mesmas regiões.

A expressão turismo sustentável teve sua popularização a partir da publicação do Relatório Brundtland, em 1987. Cabe lembrar, entretanto, que outras denominações, a exemplo de “turismo verde”, demonstram a existência de preocupações com os impactos ambientais do turismo antes do referido relatório. A Declaração de Manila sobre Turismo Mundial, em 1980, e a Declaração sobre Turismo e Meio Ambiente, de 1982, ambas da OMT, exemplificam essas preocupações.

O relatório do Fundo Mundial para a Vida Selvagem entende por turismo sustentável aquele que:

[...] opera dentro das capacidades naturais de regeneração e

produtividade futura dos recursos naturais; reconhece a con-

tribuição que as pessoas e comunidades, costumes e estilos de

vida fazem à experiência do turismo; aceita que estas pessoas

devam ter uma participação equitativa nos benefícios econô-

micos do turismo; e é guiado pelos desejos das pessoas e co-

munidades locais nas áreas visitadas. (DIAS 2003, p. 59)

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Ceballos-Lascurain (1996 apud IRVING et al., 2005) o defi-ne como um tipo de turismo que é desenvolvido e gerenciado, de maneira tal, que toda a atividade (de alguma forma focalizada no recurso de patrimônio natural ou cultural) possa continuar indefinidamente. Assim, sustentabilidade se associa à perma-nência em tempo e espaço, construção intra e intergeracional; integração entre passado, presente e futuro; continuidade e ino-vação.

Swarbrooke (2000, p. 84-85) considera que, para que haja um relacionamento mais sustentável entre turismo e o meio ambiente, é necessário que:

se crie um pensamento holístico sobre o conceito de ecossis-

temas, ou seja, que não haja mais uma separação dicotômica,

como por exemplo, vida selvagem, montanhas, florestas tropi-

cais etc., mas se compreenda o meio ambiente como um con-

junto de relações interdependentes entre meio físico, natural

e seres humanos; haja um controle sobre os impactos negati-

vos do turismo através de um sistema de planejamento e uso

do solo; exista um trabalho preventivo de conscientização que

incentive práticas ambientalmente corretas; seja dada manu-

tenção compatível com as dimensões do problema, ou seja,

é preciso certificar-se de que o grau de interesse de ação seja

proporcional ao problema em questão; desperte-se a consciên-

cia do turista e do trade turístico; o preço pago pelos turistas

em seu tempo de férias seja suficiente para cobrir os custos

dos impactos gerados pela atividade turística, pois, caso con-

trário, ou a população local terá de subsidiar o turista ou os

problemas ambientais não serão solucionados.

O turismo sustentável possui benefícios, porque:

Estimula uma compreensão dos impactos do turismo nos am-

bientes natural, cultural e humano; gera empregos locais, tanto

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diretos quanto indiretos em outros setores de suporte e de ges-

tão de recursos; assegura uma distribuição justa de benefícios

e custos; estimula indústrias domésticas lucrativas – hotéis, e

outros tipos de alojamento, restaurantes e outros serviços de

alimentação, sistema de transporte, artesanato e serviços de

guias locais; diversifica a economia local, principalmente em

áreas rurais onde o emprego agrícola pode ser esporádico ou

insuficiente; procura tomar decisões em todos os segmentos

da sociedade, inclusive populações locais, de forma que o tu-

rismo e os outros usuários dos recursos possam coexistir. Ele

incorpora planejamento e zoneamento assegurado o desenvol-

vimento do turismo adequado à capacidade adequada ao ecos-

sistema. Cria facilidade de recreações que podem ser utilizadas

pelas comunidades locais, e não só por turistas domésticos ou

internacionais. Ele também estimula e auxilia a cobrir gastos

com a preservação de sítios arqueológicos, construções e locais

históricos. Do ponto de vista do meio ambiente, demonstra a

importância dos recursos naturais e culturais para a economia

de uma comunidade e seu bem estar social, e pode ajudar a

preservá-lo. Monitora e administra os impactos do turismo,

desenvolve métodos confiáveis de obtenção de respostas e

opõe-se a qualquer efeito negativo. (SWARBROOKE, 2000,

p. 14)

Muitas iniciativas têm sido desenvolvidas com o propósito de promover o turismo sustentável. Dentre elas, o desenvolvi-mento de normas que estabeleçam os requisitos mínimos para o turismo sustentável. No contexto de uma região específica, a sustentabilidade da atividade do turismo, como o desenvolvi-mento sustentável de uma forma geral, está relacionada com as atividades e responsabilidades de múltiplos atores, não podendo ser restrita a uma única organização. Contudo, lograr o objetivo do desenvolvimento sustentável passa necessariamente pelas or-ganizações adotarem práticas sustentáveis para suas atividades.

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ECOTURISMO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Para Spínola (2005), em uma primeira instância, ecoturis-mo significaria um deslocamento de pessoas interessadas em conhecer o nosso planeta, nossa casa, e seus habitats. Mas, na prática, cada segmento social envolvido com a atividade tem o seu entendimento sobre o tema. A autora cita Pires (1998), que faz uma compilação de definições de ecoturismo, levando em consideração a ótica de diferentes setores da sociedade, a exem-plo do “trade” turístico, dos organismos oficiais, das organiza-ções não governamentais, das populações residentes, do público turista e do meio acadêmico. Cada um desses setores tende a conceber a sua própria ideia de ecoturismo: 1) para o “trade” tu-rístico, o prefixo “eco” se constitui em um argumento de persu-asão utilizado pelas suas campanhas de comunicação. Trata-se de vender um destino ou produto dito ecológico, o que muitas vezes não acontece, para obter uma maior participação de mer-cado; 2) os turistas têm o seu conceito particular e circunstancial do ecoturismo, bastante marcado por suas expectativas pessoais e variando, em enorme medida, em função do seu nível de ex-periência acumulada; 3) as comunidades anfitriãs entendem o ecoturismo através da sua própria inserção, como uma forma de (re)valorização de recursos naturais e culturais do seu meio. Cabe salientar que, em alguns casos específicos, como aconte-ce no turismo em unidades de conservação integral, onde essa participação não é fomentada, a leitura do significado do ecotu-rismo possa ser diametralmente oposta, configurando-se, mes-mo, em uma reação antagônica para com a atividade; 4) Os go-vernos e as organizações não governamentais compartilham de uma compreensão do ecoturismo enquanto um meio útil para se lograr o desenvolvimento conservacionista de regiões econo-micamente marginalizadas no interior do país, vinculando esse conceito à geração de benefícios locais, ao manejo sustentado do patrimônio natural e à conscientização ambiental.

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Ainda segundo Spínola (2005), a existência de uma gama tão numerosa e diversa de agentes com interesses e percepções distintas sobre a mesma atividade torna mais improvável ainda a possibilidade de uma definição que seja universalmente acei-ta. Entretanto, conforme a citada autora, a despeito das diver-gências conceituais que ainda persistem no meio especializado, é possível identificar alguns princípios básicos que devem ser atendidos na prática da atividade: a) sustentabilidade econômi-ca, ambiental, social e cultural; b) o aspecto educativo e de cons-cientização e c) a participação da comunidade local.

Penelope Figgis, no prefácio da obra de Wearing e Neil (2001), Ecoturismo-impactos, potencialidades e possibilidades, ensi-na que o ecoturismo, ou seja, a ideia de que o turismo baseado na natureza poderia proporcionar benefícios sociais e ambien-tais, brotou na consciência popular no final da década de 1980, tornando-se praticamente um fenômeno da década de 1990. Em diversos países, o ecoturismo transformou-se em um importan-te tema de debate, gerando um sem número de conferências e novos cursos e estimulando políticas de desenvolvimento em todos os níveis de governo, na indústria do turismo e no mo-vimento ambientalista. O extraordinário aumento do interesse pelo assunto pode ser catalisado a partir da publicação do Rela-tório Brundtland, conhecido como Our Common Future (Nosso Futuro Comum), em 1987, pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas.

A autora adverte que nem sempre foi fácil obter benefícios com o ecoturismo, dado ao fato de ele permitir o desenvolvi-mento em áreas de proteção e ambientes frágeis. A distribui-ção dos benefícios para as comunidades locais também é um processo repleto de problemas e muitas vezes inadequado para compensar o apelo imediatista mais lucrativo das indústrias ex-trativistas.

Wearing e Neil (2001, p. 1), por sua vez, consideram que ape-sar das interpretações conflitantes e do oportuno aproveitamen-

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to do termo “ecoturismo” pela indústria do turismo, uma coisa é certa:

O crescente interesse global e o aumento exponencial do eco-

turismo não podem ser explicados como qualquer das muitas

tendências no ramo do lazer. Pelo contrário, essa tendência

reflete uma mudança fundamental no modo como os seres

humanos observam a natureza e se relacionam com ela.

Originalmente concebido como alternativa à crescente ame-aça, tanto à cultura quanto ao meio ambiente, imposta pelo turismo de massa, a ênfase inicial do ecoturismo recaiu sobre um turismo comedido, que tivesse impacto mínimo sobre os ecossistemas naturais. Porém, o termo turismo alternativo é in-terpretado por muitos autores de modo divergente e, com frequ-ência, completamente contraditório. Para alguns, trata-se de um requintado pacote turístico para pessoas ricas em lugares exóti-cos, principalmente áreas desertas; para outros, é definido como a perambulação de jovens mochileiros com recursos financei-ros limitados. (BUTLER 1990; COHEN 1972 apud WEARING; NEIL, 2001) Dessa forma, postulam que a definição de ecotu-rismo, particularmente como turismo alternativo, é conflituosa e difícil de determinar com precisão já que o termo ecoturismo, em si, abrange uma ampla gama de elementos.

é oportuno observar que, para este artigo, opta-se pela dife-renciação entre as expressões turismo ecológico e ecoturismo, à luz da definição de Selva e Coutinho (2000 apud FARIA; CAR-NEIRO, 2007), para os quais o turismo ecológico é considerado o segmento no qual turistas e promotores de viagens procuram o contato direto com os mais diferentes ambientes naturais, en-tretanto, sem a preocupação com o equilíbrio ecológico, ou mes-mo com a compreensão dos fluxos e dinâmicas que são estabele-cidas no ambiente. Para os autores, a expressão ecoturismo, por sua vez, surgiria para designar a modalidade de turismo cujas

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bases estão fincadas nas propostas do desenvolvimento susten-tável: comprometimento com as gerações futuras, justiça social e eficiência econômica; considerando o ambiente nas suas múl-tiplas conexões – natural, econômicas, sociais e culturais.

Ceballos-Lascurain identificou o ecoturismo como uma for-ma de viagem na qual o ambiente natural é o foco principal, e é esse elemento que nos oferece um ponto de partida simples, po-rém essencial para entender o fenômeno do ecoturismo como uma forma específica de turismo alternativo. A centralidade do ambiente natural para o ecoturismo abrange duas facetas prin-cipais, segundo Wearing e Neil (2001): envolve a viagem para ambientes naturais não devastados e essa viagem é predomi-nantemente para experimentar o ambiente natural.

Wearing e Neil (2001) consideram que, nos últimos anos, o foco do ecoturismo sobre o ambiente natural facilitou a evo-lução para slogans chamativos que abarcam diversas formas de turismo: turismo natural, turismo inóspito, turismo de baixo impacto e turismo sustentável, entre outros. Todas essas diver-sas formas de turismo enfocam o ambiente natural em alguma medida e, embora alinhados e relacionados estreitamente com o ecoturismo, devem ser distintos dele, já que há diversos as-pectos no turismo baseado na natureza. Neste caso, lembram os autores, o mais importante é em que grau a experiência do turista depende da natureza.

As preocupações fundamentais do ecoturismo incluem a de-gradação ambiental, os impactos sobre as comunidades locais e a necessidade de um gerenciamento turístico de alta qualidade para garantir a sustentabilidade. A definição global do turismo baseado na natureza, portanto, não é totalmente apropriada para definir o ecoturismo.

Dentro dessa circunstância, encontramos o ‘turismo de bai-

xo impacto’ (TBI), forma particular de turismo que aumen-

ta nosso entendimento sobre a base natural do ecoturismo.

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O turismo de baixo impacto se concentra em estabelecer o ge-

renciamento dos recursos naturais nativos por meio de incen-

tivos ao setor privado, investimentos na infraestrutura do ne-

gócio do turismo baseado na comunidade rural e treinamento

dos habitantes da área rural para participarem do negócio tu-

rístico. (WEARING; NEIL, 2001, p. 7)

O ambiente natural, reforçam os autores, é fundamental para o ecoturismo, que dirige seu foco para os aspectos bioló-gicos e físicos. A conservação de áreas naturais e o manejo de recursos sustentáveis são, portanto, essenciais para o planeja-mento, o desenvolvimento e o gerenciamento do ecoturismo. Valentine (1991 apud WEARING; NEIL, 2001) chama a atenção para a “interação de duas vias” – entre o ecoturismo e o meio ambiente do qual ele depende –, sugerindo que uma caracterís-tica do ecoturismo é contribuir tanto para a conservação quanto para a fruição da natureza. Ou seja, o ecoturismo implica um foco sobre a natureza como motivação principal da viagem, para maior conhecimento e consciência da natureza. Contudo, isso também implica a noção de que a atividade do ecoturismo pode contribuir positivamente para a conservação da área do turismo ou da comunidade anfitriã.

Ao se referir à prática ecoturística sem que haja agressão ao meio ambiente, respeitando-se os limites que a natureza impõe, Cavalcante (2006) lembra que, para uma atividade se classifi-car como ecoturismo, são necessárias quatro condições básicas: respeito às condições naturais e conservação do meio ambiente e interação educacional – garantia de que o turismo incorpore para a sua vida o que aprende em sua visita, garantindo assim consciência para a preservação da natureza e dos patrimônios histórico e cultural.

À luz das divergências conceituais sobre o ecoturismo, en-tende-se que essa modalidade de turismo deve transcender a acepção simplista de que se trata apenas da contemplação de

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cenários, da proteção de espécies animais e vegetais. Há de se considerar que o ecoturismo deve propor alternativas consisten-tes para o desenvolvimento sustentável, assegurando alternativa de renda para as populações locais, ao tempo em que gera recur-sos para a conservação das riquezas naturais existentes nesses locais. Desta forma, projetos ecoturísticos, ao serem elaborados, devem considerar os conflitos porventura existentes, a cultura local, as relações da comunidade, as atividades antropogênicas, clima, condições ecossanitárias, paisagem natural, condições da fauna e flora, hidrologia, morfologia, potencialidades do espaço, critérios legais, e leis do mercado entre outros componentes.

Oliveira Júnior (2010) postula que o ecoturismo, como par-te do comércio do lazer, surge como resultado de preocupações econômicas e do processo de modernização do turismo que, para garantir sua rentabilidade e atrair novas demandas, promove a sua segmentação. No que concerne ao surgimento do turismo ecológico, algumas das várias causas incluem o interesse por experiências distantes dos circuitos convencionais de turismo; o cansaço com o turismo convencional; a visão dos ecologistas de que esta é uma nova forma de proteger a natureza; a visão dos governos de países em desenvolvimento que o veem como uma importante fonte de divisas.

Em relação ao fato de o ecoturismo ter sido eleito como al-ternativa especial por atores diversos, como empresas turísticas, pesquisadores, acadêmicos e ambientalistas, e em torno do qual se construiu a designação de “turismo do futuro”, Oliveira Jú-nior (2010) baseia-se na análise de Falcão (1996), segundo a qual, na sociedade atual, em que o consumo de bens imateriais assume grande relevância, o turismo e o lazer colocam-se como instrumentos potenciais de integração de alguns países ou re-giões periféricas no contexto do comércio internacional, com o espaço assumindo caráter de objeto de consumo, sendo, dessa forma, produzido, reproduzido e comercializado.

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Fennell (2002) cita Barbier (1987) para dizer que, nos úl-timos anos, ocorreu uma grande mudança paradigmática no pensamento desenvolvimentista representando um desafio fun-damental ao consenso convencional sobre o desenvolvimento econômico. Esse novo enfoque enfatiza as necessidades básicas dos pobres e defende uma sensibilidade maior para o desenvol-vimento de base. Os países menos desenvolvidos não poderão, portanto, experimentar um progresso real enquanto as estraté-gias que estão sendo formuladas e implementadas não forem ambientalmente sustentáveis. O autor recorre ainda a Brook-field (1975), o qual diz que o estudo do desenvolvimento liga--se diretamente ao estudo de todas as mudanças na utilização humana do meio ambiente e fornece elementos de evidência empírica para a sua combinação com outras teorias na tarefa de gerar um paradigma homem-meio ambiente mais dinâmico.

Para Wearing e Neil (2001), baseados no que ensina Gol-dfarb (1989), o turismo tornou-se elemento central na estraté-gia de desenvolvimento de muitos países. Ele é particularmente atraente aos governos por oferecer uma alternativa a outras for-mas de desenvolvimento econômico pela geração de empregos, por sua capacidade de gerar divisas e por seu poder de promover o crescimento regional. Em muitos casos, contudo, o turismo não cumpriu tais expectativas. Embora seja bastante considera-do por sua capacidade de gerar níveis significativos de receita e benefícios sob a forma de infraestrutura, tais benefícios são fre-quentemente limitados pelo expressivo impacto que geram nas comunidades locais, como o aumento da poluição, a elevação dos preços locais e a exportação dos lucros para fora da comu-nidade.

Os autores postulam que, enquanto o mundo ocidental al-meja uma variedade cada vez maior de produtos de baixo cus-to, produtividade e prestação de serviços, colhem-se padrões de desemprego em larga escala, refletidos em tendências globais

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à degradação ambiental sob a forma de poluição atmosférica, declínio da biodiversidade, assoreamento, degradação do solo e aquecimento global. Assim, como as áreas naturais e selvagens estão em declínio marcante, tanto de qualidade quanto de quan-tidade, a demanda de turismo para essas áreas é notadamente crescente. Porém, o turismo como “indústria” é digno de crítica, pois, em muitos casos, contribui para o declínio das áreas na-turais. O ecoturismo, por sua vez, permitiu que a indústria do turismo1 expandisse significativamente seu âmbito mercadoló-gico. Sua importância reside na capacidade de oferecer aborda-gens alternativas às práticas operacionais da indústria.

O ecoturismo não é apenas uma ’indústria’ ou atividade em-

preendida no ambiente natural; o ecoturismo pretende pro-

porcionar uma vivência ao indivíduo ou grupo, afetando suas

atitudes, valores e ações. Desse modo, o ecoturismo é tanto

educação ambiental e promoção de atitudes e comportamen-

tos que conduzem à manutenção dos ambientas naturais e do

fortalecimento de comunidades receptoras, quanto à promo-

ção de uma indústria sustentável. (WEARING; NEIL, 2001,

p. 215)

Dessa forma, pode-se dizer que o ecoturismo apresenta três objetivos principais: sustentabilidade, conservação e fortaleci-mento da comunidade receptora. A preocupação unificadora é viver em harmonia com a natureza, reconhecendo o valor intrín-seco de outros seres humanos.

Para Oliveira (2005), ecoturismo poderá construir-se em um dos alicerces na tentativa de alcançar um modelo susten-

1 apesar das divergências entre a utilização do termo “indústria turística”, já que alguns autores acreditam que não existe uma indústria de turismo, e sim a oferta de uma rede de serviços, e por isso utilizam “empresa turística”, ado-ta-se, neste trabalho, o primeiro termo, já que há um consenso entre teóricos em relação ao assunto.

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tável de desenvolvimento, desde que ocorra em áreas naturais, beneficiando o meio ambiente e as comunidades visitadas e que promova o aprendizado, respeito e consciência sobre aspectos ambientais e culturais, gerando harmonia e equilíbrio entre os seguintes fatores: resultados econômicos, mínimos impactos ambientais e culturais, e satisfação do cliente (ecoturista) e da comunidade. quando bem praticado, pode ser uma alternativa sustentável de exploração e conservação dos recursos naturais dos destinos selecionados, oferece experiências únicas e autênti-cas ao turista, proporcionando uma vivência real com novas cul-turas e ambientes, além de oferecer ao mercado oportunidades de pequenas iniciativas locais, valorizando a especialização em determinados segmentos. (OLIVEIRA, 2005)

O autor ressalta que a atividade ecoturística deve valorizar, ao máximo, as comunidades locais de entorno de alguma região com atributos naturais. Para os ecoturistas é muito importante o nível de envolvimento da comunidade local nas atividades li-gadas à sua vista. O que se quer é que os habitantes do entorno ou residentes em determinada área com atributos ecoturísticos sejam os mais beneficiados com a atividade. Ele considera que o ecoturismo tem o potencial de criar apoio para os objetivos de conservação, tanto na comunidade local quanto entre os visitan-tes, pelo estabelecimento e pela sustentação de vínculos entre a indústria do turismo, as comunidades locais e as áreas de pro-teção.

Como os benefícios sociais e ambientais são essencialmen-te interdependentes, os benefícios sociais, advindos para as comunidades como resultado do ecoturismo, podem acarretar o crescimento global dos padrões de vida, devido ao estímulo econômico gerado pela maior visitação ao local. Igualmente, os benefícios ambientais surgem quando as comunidades são in-duzidas a proteger os ambientes naturais para sustentar o turis-mo economicamente viável.

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Segundo o articulista, há um consenso por parte de estudio-sos sobre os benefícios econômicos, sociais e ambientais do eco-turismo: diversificação da economia regional (micro e pequenos negócios); geração local de empregos; fixação da população no interior; melhorias na infraestrutura de transporte, comunica-ção e saneamento; criação de alternativas de arrecadação para as Unidades de Conservação; diminuição de impacto sobre o patrimônio natural e cultural; diminuição de impacto no pla-no estático-paisagístico; e melhoria nos equipamentos das áreas protegidas. Entretanto, é consenso, também, entre os estudio-sos, que o ecoturismo não é só benefício, existindo ainda os im-pactos negativos que se não forem constantemente monitorados e avaliados podem ser tão devastadores quanto os causados pelo turismo convencional de massa como o maior consumo de re-cursos naturais, crescimento do lixo, perda de valores tradicio-nais, aumento do custo de vida e adensamento urbano.

Moraes (2000) esclarece que a exploração do ecoturismo por empreendedores conservacionistas se dá pelo reconhecimento de que essa atividade constitui um instrumento legítimo para a preservação da diversidade biológica e para a promoção do de-senvolvimento sustentável. Para o articulista, o impacto teórico do ecoturismo é relativamente conhecido. Os custos potenciais são a degradação ambiental, as injustiças e instabilidades eco-nômicas e as mudanças socioculturais negativas. Por sua vez, os benefícios potenciais são a geração de receita para as áreas protegidas para sua manutenção; a criação de empregos para as pessoas que vivem no entorno dessas áreas e a promoção de educação ambiental para ecoturistas, empreendedores e a co-munidade.

O mundo vê hoje o ecoturismo como uma forma de se al-cançar altos lucros. Entretanto, tal concepção gera preocupação de não se ter a sustentabilidade tanto cultural, social, natural e econômica do local onde se vai desenvolver a atividade. Pois

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sem um planejamento adequado, as consequências serão im-pactos negativos para a comunidade receptora e para o ecossis-tema local. A atividade ecoturística deve levar em consideração um planejamento adequado para o local, que contribuirá para a diminuição dos impactos ambientais causados na fauna e flora. O crescimento do ecoturismo provoca a necessidade de se con-servar a natureza, onde não apenas aqueles que estão envolvi-dos no Turismo se preocupem com o seu futuro, pois a cada dia muitos se envolvem com a questão e precisam conhecer um pouco mais o que a atividade ecoturística deve fazer para utilizar os recursos naturais e culturais de maneira sustentável.

POTENCIALIDADES ECOTURÍSTICAS DA REGIãO DO RIO PRETO DO CRICIúMA

A região do Rio Preto do Criciúma, objeto de análise deste estudo, pertence ao distrito de Água Vermelha, no município de Jequié, Estado da Bahia, numa área de remanescentes de Mata Atlântica. A vegetação natural da região é classificada como mata pluvial tropical, formação vegetal associada à Mata Atlântica, com grau de antropização significativo em decorrência das ativi-dades agrícolas desenvolvidas historicamente em toda a faixa de matas úmidas, especialmente retirada de madeira, implantação da cultura cacaueira e a pecuária.

As matas ciliares, pela sua localização geralmente em áreas mais planas, têm sido, ao longo dos anos, as mais atingidas, a exemplo das localizadas na área das nascentes do Rio Preto do Costa, que é responsável pelo abastecimento de água de Jequié e está localizada em um trecho com florestas remanescentes de Mata Atlântica. Ressalta-se que, em decorrência das derruba-das, já apresenta diminuição no volume de água.

Entretanto, conforme observado in loco, em alguns trechos, o que resta de Mata Atlântica na região é de grande exuberância,

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que encanta, não só pela imponência das árvores, como também por ser uma verdadeira “caixa d’ água”, uma vez que são várias as nascentes de rios, riachos e córregos como o Rio Preto do Criciúma, o Rio Preto do Costa, o Rio da Guariba, o Riacho do Pereira, dentre outros.

À beleza dos rios, adicionam-se outros atributos não menos fascinantes, que instigam à sensibilização, a uma atitude de interação com a natureza pura, caracterizada pelos sons quase mágicos, da Cachoeira do Rufino, Cachoeira das Grutas, Cacho-eira do Km 19, dentre outras. Um apelo fotográfico, captado pe-los olhos atentos de visitantes e moradores, é necessário, na con-templação das várias trilhas existentes; dos vários morros que parecem tocar o céu: Morro da Areia, Morro do Vavá, o Mirante do Jafé, com 980 metros acima do nível do mar; da Pedra do Ín-dio dentre outros. São atributos naturais que estimulam percep-ções, provocam mudanças de turista, pesquisadores, estudiosos e moradores, em relação a eles mesmos, criando uma sintonia, quase perfeita, com o planeta.

Na região, embora se verifiquem faixas significativas de desmatamento, ainda podem ser encontradas espécies raras e centenárias de árvores, nativas da Mata Atlântica, a exemplo do Jacarandá da Bahia, Cedro, Vinhático, Jequitibá, Castenheira--do-reino, Ipê, Louro, Massaranduba, Pau-Brasil, Cedro, dentre outros, além de várias espécies de flores, plantas medicinais, al-gumas, segundo o Grupo Ecológico Rio das Contas (Gerc), já ca-talogadas por biólogos da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Completa o quadro das riquezas naturais do local, a presença de várias espécies de animais: tatu, catitu, capivara, teiú, pássaros, répteis e macacos (inclusive o mico-leão-dourado, conforme relatado por agricultores). Infelizmente, com a caça predatória, alguns animais têm desaparecido. Mesmo com a fis-calização e ações preventivas do Ibama, da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Jequié e do IMA, ainda existem muitos

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registros da extração irregular de madeira nativa e da caça a animais silvestres.

A partir das informações obtidas através de pesquisa de cam-po, com ambientalistas, autoridades, produtores rurais e mora-dores da localidade, percebe-se que na região do Rio Preto do Criciúma, na área pertencente ao Município de Jequié, existe um grande potencial natural, propício à implantação de um pro-jeto ecoturístico, que vise ao desenvolvimento sustentável, com participação das comunidades locais. Entretanto, apesar dos valiosos atributos naturais, já enumerados, a viabilidade desse tipo de projeto depende da resolução de vários desafios, que vão desde a ausência da infraestrutura necessária à falta de apoio dos organismos públicos, da iniciativa privada e da confiança da comunidade, ainda cética em relação a este tipo de iniciativa, dada, segundo eles mesmos, à inércia da Prefeitura e do Gover-no do Estado, que até hoje não sinalizam com ações diretas, que visem à melhoria das condições de vida dessas pessoas.

O setor privado, por sua vez, ainda resiste, segundo o Gerc, a investimentos na área, até que o poder público sinalize com ações concretas, como a melhoria das vias de acesso, saneamen-to básico, projetos de educação ambiental nas escolas públicas da região, dentre outros. Outro problema verificado é a falta de zoneamento na região, o que leva moradores, ainda que por falta de uma consciência ecológica mais consistente, a atitudes preju-diciais ao ecossistema, com a prática do desmatamento, às vezes derrubando árvores seculares, para retirada de madeira, utiliza-da na construção de casas, cercas, estufas para secar a pequena produção de cacau, dentre outros. Os rios da região, inclusive os Rio Preto do Costa e Rio Preto do Criciúma, responsáveis pelo abastecimento de água a Jequié, têm sido alvos de ações preda-tórias, com o acúmulo de lixo em suas margens, lançamento de esgoto doméstico, dentre outras.

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A percepção dos entrevistados, ao longo deste estudo, prin-cipalmente dos moradores, é de que a Região do Rio Preto do Costa é um lugar de rara beleza, com grandes riquezas naturais e das quais têm amplo conhecimento. é pleno o sentimento de respeito e de admiração pelas belezas naturais do local, daí senti-rem-se privilegiados de poder conhecê-las e participar de inicia-tivas que visam à sua preservação. Demonstram plena identida-de com o local e um profundo sentimento de pertencimento. Os mais, velhos, por sinal, se deliciam em contar histórias da região para os visitantes.

São conscientes de que as ações perpetradas por agriculto-res, que insistem em desmatar para plantar, a extração irregular de madeira, o crescimento do turismo aleatório, principalmente nos fins de semana e feriados, até mesmo práticas como lavar roupas às margens dos riachos, dentre outros, são prejudiciais, daí reivindicarem informações, assistência e uma presença fis-calizadora mais efetiva dos organismos públicos, com vistas à conservação do ambiente.

Concordam que atividades ecoturísticas seriam importantes no esforço pela conservação dos recursos naturais e da cultura da região, bem como proporcionaria uma nova alternativa de renda, que se somaria à conseguida no labor diário. Consideram ain-da que o ecoturismo bem fundamentado, com a participação do poder público nas diversas instâncias, da iniciativa privada, de ONGs, seria de grande importância, a começar por provocar um novo olhar sobre o lugar. Para eles, ganharia a natureza, com toda sua riqueza melhor tratada; ganharia a comunidade local, que teria nova alternativa de renda, atrelada à conservação da natu-reza; ganhariam todos, por terem a possibilidade de contemplar e ajudar a conservar atributos naturais de incomensurável valor.

Durante a pesquisa, observou-se, também, que alguns mo-radores ainda se mostraram céticos ou desconfiados em relação à qualquer intervenção, seja do poder público ou da iniciativa

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privada que vise a assegurar o desenvolvimento sustentável na região, bem como à conservação do meio ambiente. Exemplo desse posicionamento é o do agricultor Antônio Lino da Cruz, para quem é mais interessante e produtivo cuidar dos seus afa-zeres cotidianos, como arar, plantar, colher e cuidar das criações.

Nos contatos com moradores da região do Rio Preto do Crici-úma, e mesmo através de entrevistas com ambientalistas e pes-quisadores com experiências no local, observou-se que existe, sim, um sentimento de sensibilidade, de identidade e de per-tencimento das pessoas em relação ao lugar. E este sentimento extrapola o abstrato, quando são observadas ações concretas de moradores, mesmo sem uma profunda consciência ecológica, com vistas à conservação, não só dos atributos naturais, como também dos elementos que constituem a história, os costumes, o labor, enfim, todo o seu procedimento cultural. Para eles, o contato permanente com a natureza pura constitui-se numa das mais importantes heranças culturais, que vêm sendo legada através de gerações.

Com todos os seus atributos naturais, um projeto ecoturís-tico na região demandaria um bom planejamento, pois sem ele corre-se o risco de o crescimento desordenado da atividade aten-tar contra a atratividade dos recursos e das localidades que, por sua vez, figuram como a matéria prima do turismo. O plane-jamento turístico é compreendido, por Ruschmann e Widmer (2000) como sendo: o processo que tem como finalidade orde-nar as ações humanas sobre uma localidade turística, em como direcionar a construção de equipamentos e facilidades, de forma adequada, evitando efeitos negativos nos recursos que possam destruir ou afetar sua atratividade.

Segundo as autoras, o planejamento turístico pretende dis-por positivamente as ações dos sujeitos sobre uma localidade ou mesmo um recurso turístico com objetivos calculados, a fim de proteger o recurso propriamente dito, ou mesmo de aperfeiçoar

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(tanto no sentido de ampliar, como de refrear, ou ainda em sen-tido estrito) seu uso turístico. O planejamento turístico é, pois, encarado como uma ferramenta racional da gestão de destinos, que visa alterar uma realidade atual por um panorama futuro que se deseja.

No caso da comunidade do Rio Preto do Criciúma, a atividade ecoturística pode gerar receitas crescentes e prover mais infraes-trutura, como estradas, eletricidade, ou o produto do ecoturismo pode ser direcionado aos projetos comunitários, como constru-ção de escolas e clínicas de saúde, mas tudo isso tem de ser clara-mente identificado e especificado em seu desenvolvimento.

O ecoturismo poderá constituir-se em um dos alicerces na tentativa de alcançar um modelo sustentável de desenvolvimen-to, desde que ocorra em áreas naturais, beneficiando o meio am-biente e as comunidades visitadas e que promova o aprendiza-do, respeito e consciência sobre aspectos ambientais e culturais, gerando harmonia e equilíbrio entre os seguintes fatores: resul-tados econômicos, mínimos impactos ambientais e culturais, e satisfação do cliente (ecoturista) e da comunidade.

quando bem praticado, pode ser uma alternativa sustentável de exploração e conservação dos recursos naturais dos destinos selecionados, oferece experiências únicas e autênticas ao turista, proporcionando uma vivência real como novas culturas e am-bientes, além de oferecer ao mercado oportunidades de peque-nas iniciativas locais, valorizando a especialização em determi-nados segmentos.

A atividade ecoturística deve valorizar ao máximo as comu-nidades locais do entorno de alguma região com atributos ecotu-rísticos. Para os ecoturistas é muito importante o nível de envol-vimento da comunidade local nas atividades ligadas à sua visita. O que se quer é que os habitantes do entorno ou residentes em determinada área com atributos ecoturísticos sejam os mais be-neficiados com a atividade.

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CONSIDERAçõES FINAIS

O turismo, com sua multidimensionalidade é um tema re-corrente, que tem demandado estudos, pesquisas e discussões no âmbito da economia, da geografia política, da sociologia e da ecologia. Daí entendê-lo como um fenômeno que congrega o antigo e o moderno, o simples e complexo, o plural e o sin-gular, enfim que se resume numa atividade dinâmica e hete-rogênea que envolve multiplicidade de símbolos e significados. (SASAKI, 2006)

O ecoturismo, por sua vez, constitui-se um dos alicerces na tentativa de alcançar um modelo sustentável de desenvolvimen-to. é um fenômeno característico do final do século XX, e ao que se percebe do século XXI. Para Western (1992), o ecoturismo precisa provocar e satisfazer o desejo de estar em contato com a natureza, explorar o potencial ecoturístico visando à conserva-ção e ao desenvolvimento, sem agredir o meio ambiente.

Nesse contexto, segundo Moraes (2000), o ecoturismo nasce a partir da necessidade de as pessoas fugirem do estilo da vida urbana, em busca de locais mais saudáveis, e a conscientização em relação aos problemas do meio ambiente. Com ele, surge a tendência pela busca da valorização intelectual, em locais de características únicas e de elevada sensibilidade ecológica e cul-tural. A prática coerente do ecoturismo pode levar, segundo o articulista, a seus empreendedores a oportunidade de obter um ganho financeiro significativo, além de resguardar os recursos naturais e culturais de região de uma degradação ambiental.

Com base nos pressupostos teóricos apresentados ao longo deste artigo, observou-se que o turismo é uma das atividades eco-nômicas mais importantes, onde se destaca o segmento do eco-turismo. Este, por sua vez, torna-se uma atividade que tem direta relação com o desenvolvimento sustentável, haja vista sua inter-dependência com os setores econômicos, sociais, ambientais e culturais, objetivando a preservação dos recursos naturais e cultu-

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rais, com vista a garantir a sustentabilidade da comunidade local onde é desenvolvido.

Em relação à região do Rio Preto do Criciúma, no Município de Jequié, Sudoeste da Bahia, constatou-se que o desenvolvimen-to de atividades voltadas para o potencial natural da localidade, atreladas à sua conservação; à criação de novas oportunidades de renda, e de investimentos dos governos municipal e estadual e da iniciativa privada, ao lado de outras diretrizes incorporadas num programa de desenvolvimento sustentável, configura-se como uma importante aspiração, não só de moradores locais, como de ambientalistas e visitantes, preocupados com o acen-tuado nível de degradação do meio ambiente, caracterizado pelo corte ilegal de árvores nobres, o desmatamento contínuo, que dá lugar à agricultura e à pecuária, e o consequente impacto sobre os rios, cachoeiras e matas ciliares, assim como da caça predatória de animais silvestres.

A abundância dos recursos naturais privilegia o Rio Preto do Criciúma, mas não o suficiente para que a região fosse, até hoje, beneficiada com políticas públicas e o interesse da iniciativa privada, capazes de promover a harmonização desses atributos naturais a uma consciência de sua importância e vitalidade para um desenvolvimento sustentável e o consequente benefício para a comunidade local, principalmente dos pequenos proprietários rurais, alguns que, por falta de alternativa, lançam-se a práti-cas por eles mesmos condenadas, mas consideradas essenciais para a sobrevivência, como desmatar para a feitura de roças e pastagens, e a extração de madeira para a construção de cercas e casas.

Entende-se que existe, sim, preocupação com o problema de insustentabilidade em termos sociais, ambientais e econômicos na região, mas, antes de se buscar solução para qualquer que seja o problema percebido, é necessário desenvolver a sensibi-lidade da comunidade regional para com a questão ambiental.

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Isso inclui uma agenda ampla de preocupações, a exemplo de saúde, educação, transporte, emprego e renda, Esta deverá ser assegurada através do caráter permanente e intensivo das ações que deveriam ser implementadas pelos organismos públicos, fe-deral, estadual e municipal, com a participação de empresários.

Não se pode falar de conservação e pedir àquela comunida-de, em sua maioria constituída de pessoas com pequenos recur-sos financeiros, que evitem lavar roupas às margens dos rios e nascentes; que não derrubem as árvores nobres, remanescentes da Mata Atlântica; que conservem as matas ciliares, cachoeiras, trilhas e outros atributos naturais do local, se não for oferecida uma contrapartida, que lhes estimule a sensibilidade para com as riquezas naturais do local e ao mesmo tempo propicie ativida-des sustentáveis para garantir-lhe outras formas de renda.

A comunidade mostra-se consciente das riquezas do local e sua percepção sobre ela é de que deve ser conservada. Mas cobra um retorno concreto, em termos de melhorias da condição de vida, para que participe dos esforços pela sua conservação. Este posicionamento dos atores locais reverte-se de relevância para assegurar a viabilidade de quaisquer atividades socioambientais que sejam fundamentais para o desenvolvimento sustentável lo-cal, em razão do grande patrimônio natural e cultural existente.

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Ensaio sobre a modalidade de turismo no espaço rural

Paulo Henrique Olive ira Si lva

INTRODUçãO

A partir das duas últimas décadas, caracterizar a atividade tu-rística merece atenção especial por relação com o meio ambien-te. Os países centrais, por terem sido os primeiros a sentirem os efeitos causados pelo desgaste ambiental de alguns modelos de gerenciamento do turismo, iniciaram essa cobrança com mo-vimentos ambientalistas para um cuidado maior nas diversas formas da atividade. No caso dos países periféricos, incluindo o Brasil, isso também ocorreu devido ao histórico de exploração predatória dos recursos naturais e culturais, que põe em risco o equilíbrio da natureza. (SANTOS, 2007)

Neste ensaio, a análise é do turismo no espaço rural, um segmento desenvolvido em áreas rurais produtivas e se relacio-

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132 - Ensaio sobre a modalidade de turismo no espaço rural

na com a convivência e alojamento na sede ou em edificações locais. Os turistas participam das atividades agropecuárias, re-lacionam-se com a gastronomia típica e o conhecimento sobre toda a história local. (ZIMMERMANN, 1996)

Por isso, o desenvolvimento dessa atividade depende, direta-mente, da conservação dos atrativos naturais e culturais do local. Para mais, essa modalidade inclui ainda um rigor maior, isto porque tem como atrativos a vida das famílias rurais e suas pro-priedades utilizadas originalmente no seu cotidiano.

A modalidade é relativamente nova no Brasil se comparada ao modelo de sol e praia, por exemplo, mas é praticada em várias partes do mundo. Segundo Rodrigues (2000), não há um marco preciso para datar o início dessa atividade no Brasil e um dos principais motivos é a grande extensão geográfica do país.

Entretanto, destaca-se a contribuição do município de Lages, que fica no planalto catarinense, da Fazenda Pedras Brancas que em 1986 acolheu visitantes para passar um dia no campo im-pulsionando assim a prática do turismo no meio rural sendo hoje considerado o seu marco geográfico. O município ganhou mais notoriedade na medida em que foi ampliando as opções de atrativo. Criou-se a Festa Nacional do Pinhão, incentivando e resgatando as raízes e a cultura regional, além de valorizar o saboroso fruto da terra, o pinhão, e elaborando um livro de re-ceitas especializadas neste produto, antes subutilizado, mas tão comum na região. (RODRIGUES, 2000)

Partindo desse entendimento, a proposta deste ensaio é trazer informações e reflexões a respeito da atividade turística no espaço rural, pautada na premissa de que o turismo deve cultivar a autenticidade, para preservar a sua identidade local1

1 Basicamente é composta pelos elementos físicos e os laços afetivos que se entrelaçam e originam a relação entre pessoas, lugares etc... (silVa, 2014)

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e manter as características do espaço rural, da sua paisagem,2 do território,3 das atividades produtivas, da cultura, dos laços entre o proprietário e o local, da arquitetura das edificações e outros fatores genuínos. (ALMEIDA; BLóS, 1997)

Nessa perspectiva a pesquisa é de natureza dedutiva e fez uso de informações de base primária e secundária de livros, documentos, vídeos institucionais de eventos em meio rural e depoimentos de atores locais associados ao arcabouço teórico, principalmente, junto a autores como Almeida e Blós (2000), Portuguez (2005, 1999), Rodrigues (2000), Santos (1996, 1998, 2007) e Zimmermann (1996).

Por fim, acrescenta-se que este ensaio teórico está organi-zado em quatro seções, sendo a primeira a introdução que con-templa aspectos ligados a proposta e conceitos. A segunda é a contextualização de fatos e conceitos ligados a modalidade do turismo no espaço rural. Em seguida, a seção três traz a compre-ensão do que é turismo e um breve panorama sobre o turismo no espaço rural no Brasil e no mundo. Por último, a quarta se-ção trará as conclusões evidenciando a relevância da pesquisa e os fatores que merecem atenção no segmento.

ESPAçO RURAL: CARACTERÍSTICAS E CONCEITOS

O cenário rural brasileiro já foi influenciado por fatos mar-cantes e decisivos que influenciaram sua configuração como espaço para o desenvolvimento de atividades produtivas. Pode-mos destacar a influência da grande extensão geográfica do país, as distintas formas de apropriação do território já existentes, a

2 É definida como sendo uma unidade visível do território, que possui identi-dade visual, caracterizada por fatores de ordem social, cultural e natural, con-tendo espaços e tempos distintos; o passado e o presente”. (MiNisTÉRio Da EDUCaÇÃo E Do DEspoRTo, 1997, p. 11)

3 será abordado na seção 2 deste ensaio.

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organização da sua estrutura fundiária e os distintos ciclos eco-nômicos brasileiros. Ressaltam-se também as mudanças pro-movidas pela modernização econômica do Brasil, em que o mercado focou sua economia no cenário internacional, tendo como conseqüência um território nacional com áreas internas voltadas para a criação de bens industrializados para atender o mercado externo com a exportação. Observou-se também a in-fluência da industrialização tardia do país que concentrou sua riqueza em áreas fortemente urbanizadas, tendo como consequ-ência um elevado nível de desigualdade intrarregional. (ALVIM; FANTINE, 2007)

Diante do exposto questiona-se então como se mantinha o espaço rural nesse contexto? Na realidade ele não era o principal beneficiado em todo esse processo por não representar o eixo moderno4 da economia urbana. A industrialização apoiou-se no meio urbano, pois havia mais possibilidades de técnica e forças de trabalho disponíveis. O meio rural passou a abastecer a ci-dade com matéria-prima, porém apresentou dificuldades para manter a qualidade de vida5 da população local. Então, o desloca-mento de pessoas do campo para a cidade, ou seja, o êxodo rural transferiu do campo inúmeros trabalhadores com dificuldades para se sustentarem e também os que almejavam uma vida me-lhor para a cidade. (RANGEL, 2005)

Enquanto o meio rural passou a depender de projetos polí-ticos, o governo utilizou como alternativa a inserção da tecno-logia, de linhas de crédito, investimento em benefícios previ-denciários para o trabalhador rural e algumas outras opções. No entanto, essas ações são emergenciais e insuficientes para alavancar uma economia rural. Por isso, para contribuir com o

4 Faz referência a um local que não compunha o circuito oficial de investimen-tos estruturais.

5 De acordo com souza (2011, p. 62), é “à crescente satisfação das necessida-des – tanto básicas quanto não básicas e tanto materiais quanto imateriais – de uma parcela cada vez maior da população”.

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incremento econômico, surge o turismo no espaço rural como possibilidade de expansão dos negócios para o aumento da ren-da. A partir daí, fez-se necessário delimitar ainda mais o que seria esse espaço rural no Brasil. (PORTUGUEZ, 2005)

Nesse ínterim, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís-tica (IBGE) define que as sedes distritais e as áreas urbanas iso-ladas, assim como as sedes municipais são consideradas áreas urbanas. Enquanto isso, o espaço rural seria aquele fora desses limites preestabelecidos, porém, com essas definições genera-listas, não se delimitou, claramente, o meio rural e nem os ele-mentos que o compõem. Contudo, destaca-se que o meio rural foi influenciado diretamente pelo processo de urbanização, que consiste em um movimento maior do que o de construção das cidades. é um movimento continuado, pode-se dizer ininter-rupto, que abrange construções, ações ligadas ao homem como agente, de forma isolada ou coletiva, regular ou esporádica, pro-cessual e multivariada. (PEDRãO, 2002)

Atualmente, no Brasil, o espaço chamado de urbano, não mais está restrito a um conjunto denso e definido de edificações e adquire assim uma conotação processual. (ROLNIK, 2004) Já o espaço rural também tem essa conotação processual com uma população como um dos principais componentes do acervo ru-ral e que impulsiona os elementos que o compõem. No espaço rural há uma relação intrínseca entre o seu acervo e a população. Hoje, por exemplo, o que ocorre é que muitos espaços rurais, até então voltados para a produção de alimentos e matérias-primas, passaram a ser utilizados como territórios demarcados pelo po-der da pequena gestão familiar para o turismo e comprova sua conotação processual. (ELESBãO, 2007)

Nesse construto, vale prosseguir na abordagem sobre o con-ceito de espaço e distinguindo-o do território. De acordo com Raffestin (1993) esses conceitos não possuem significados equi-valentes, pois espaço é anterior ao território, sendo o segundo

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136 - Ensaio sobre a modalidade de turismo no espaço rural

formado a partir do primeiro, resultante de uma ação que en-volve energia e informação ao mesmo tempo em que apresenta marcas de poder. O território é uma prática espacial criada a par-tir de um conjunto de ações que se estrutura por meio de redes de relacionamentos. A territorialização se processa a partir da ação da sociedade, ou seja, das estratégias criadas por ela.

Já Milton Santos (1996, p. 120) define espaço como aquele onde ocorrem as relações sociais que agem sobre o território. Enquanto o espaço é tido como a totalidade verdadeira, resul-tado da união de elementos como paisagem e sociedade, é no território que as configurações e reconfigurações do mundo acontecem, influenciando o espaço que, definitivamente, é um conjunto de relações realizadas através de funções e de forma que se apresentam como testemunho de uma história escrita por processos do passado e do presente.

O conceito de território se faz importante nessa discussão sobre turismo no espaço rural, pois para Milton Santos (1996) o homem é um agente transformador ou devastador do territó-rio, que ele mesmo cria e essa atividade produtiva existe no es-paço rural, basicamente, por uma necessidade adquirida dessa população.

Nesse prisma, destaca-se a necessidade do planejamento como condição básica para orientar as ações a serem empreen-didas pelo homem que irá territorializar o espaço rural através do turismo. Essa relação requer “uma ordenação responsável do território para alinhar o ótimo para o homem com o adequa-do para a natureza, através de uma relação sociedade/natureza, harmônica e não predatória”. (DALLABRIDA, 2000, p. 188)

E mais, tal compreensão contribui para que o modelo de ges-tão seja construído de modo adaptado à realidade na zona rural, e reforçar a importância do planejamento turístico. Ressalta-se, que os elementos característicos de ação predatória, ou seja, aquela que negligencia o meio ambiente e a sua capacidade de

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carga,6 estão desvinculadas do que a prática de turismo no espa-ço rural exige.

Nessa modalidade, o território é a base do trabalho, da re-sidência, das trocas materiais, espirituais e da vida, sobre os quais ele influi. (SANTOS, 1998, p. 96) Essa atividade a partir de então praticada no meio rural, pode promover um desenvol-vimento territorial, em que as famílias até então dedicadas às atividades agrícolas e com problemas no sustento passam a de-marcar suas propriedades a partir do poder de atração turística que elas promovem. Em função disso, o espaço exprime ação e poder, tornando-se um território com a expressão das relações sociedade/natureza e homens/homens. (DALLABRIDA, 2000)

BREVE PANORAMA: TURISMO NO ESPAçO RURAL

De acordo com Andrade (1976) a palavra turismo surgiu no século XVI, originando-se do vocábulo grego tórnos, que signifi-ca “torno, máquina de tornear”. Em latim, tem-se o substantivo “tornus” com o mesmo significado, dando origem ao verbo la-tino “tornare”, cujo sentido é “giro, volta, viagem ou movimen-to de sair e retornar ao local de partida”. Epistemologicamente, o turismo está ligado a movimento, a um circuito percorrido pelo viajante. Segundo Barreto (1998, p. 9) “[...] o turismo é a soma das relações existentes entre pessoas que se encontram temporariamente num lugar e os naturais desse local.”

Para Belchior (1987), observa-se ainda que o fenômeno tu-rístico através dos anos e séculos adquiriu feições diversas. Com essas novas feições o turismo acumulou alguns equívocos con-

6 Ela indica um planejamento intersetorial baseado na determinação do que os recursos naturais podem suportar e visa a preservação dos ecossistemas e o atendimento das expectativas dos vários segmentos do mercado turístico que buscam o encontro com a natureza. No turismo tem relação com o controle do nível de utilização de uma área sem que seja afetada a sua qualidade. (RUs-CHMaNN, 1997)

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ceituais. Podemos destacar a prática de excursões em fazendas sendo considerada turismo no espaço rural. Na verdade, essas fazendas, na maioria das vezes, são de veraneio, não tem ligação com o cotidiano da vida rural e são espaços que servem apenas para cenários de festas. O turismo no espaço rural é uma reali-zação correlacionada com as atividades agrárias que conferem à paisagem sua fisionomia claramente rural.

Essas excursões proporcionam apenas uma visita ao local onde os excursionistas permanecem por menos de 24 horas e tem uma menor imersão no cotidiano da comunidade. Para ocorrer efetivamente turismo no espaço rural deve-se oportu-nizar aos visitantes atividades características dessas zonas, a exemplo de: “andar a cavalo, ordenhar vacas, passear de car-roça, tomar banho de rio ou cachoeira, caminhar pelos campos, comer churrascos, tomar chimarrão e etc.” (OLIVEIRA, 2002, p. 87)

Para Gastal (1999, p. 3), apesar de ser uma modalidade rela-tivamente nova, quando o turismo ocorre no espaço rural há um imaginário rural forte ligado à busca pelo descanso, pelo retorno a terra, ao rústico e ao autêntico. Ainda de acordo com a autora

o rústico incorporado ao imaginário contemporâneo não sig-

nifica presença de mosquitos e moscas, banheiros incômodos,

louça manchada. O rústico desejado pelos neo-turistas, é com

certeza, com muita limpeza e conforto.

A atratividade do campo reside naquilo que o urbano não pode dar espécie de refúgio.

Ele possui características bem próprias no que diz respeito à utilização dos equipamentos, de suas instalações. As estrutu-ras do turismo rural incluem as antigas casas de colônias de trabalhadores e de imigrantes, as sedes de fazendas ou casas de engenho próprias dos ciclos do café e da cana-de-açúcar, proprie-

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dades modernas, cujas construções estão voltadas para o lazer e a recreação dos hóspedes, dentre outros formatos. (BENI, 2001, p. 428)

Essa variedade de opções dentro da mesma atividade turísti-ca é peculiar à modalidade rural. Isto porque, em cada configu-ração espacial, um recorte da paisagem apresentará elementos distintos de ruralidade.7 Por outro lado, busca-se a tranquilidade perdida pelo stress da cidade grande e pela homogeneização dos espaços urbanos. No meio rural ainda é possível encontrar ele-mentos peculiares que o tornam único. Na modalidade rural

o aspecto do contato direto, personalizado e a participação nas

atividades, nos usos e nos costumes da população local faz

com que o turismo no espaço rural se especialize na pequena

empresa, oferecendo um turismo no qual o homem constitui o

elemento central e principal. (ALMEIDA; BLóS, 1997, p. 201)

Outra característica do turismo no espaço rural é colaborar para que o mercado de viagens consuma áreas antes pouco usu-ais para a economia do turismo. Além disso, no Brasil as in-formações dessa modalidade utilizam parâmetros de definição das práticas de outros países. Porém, parâmetros europeus, por exemplo, são diferentes dos brasileiros. De maneira geral, des-de os anos 50, as atividades turísticas rurais são consideradas estratégias de desenvolvimento local em muitos países ao norte e centro da Europa; a partir dos anos 1970, nos países do sul da Europa e Estados Unidos; na década de 1980 na América

7 a ruralidade indica que o espaço rural possui um sentido que vai além das características paisagistas e das formas de uso dos recursos naturais. Trata--se de uma perspectiva que pretende desvincular o rural da sua base físico--espacial, argumentando que a ruralidade é uma forma de percepção e repre-sentação que está relacionada à cultura e à identidade dos indivíduos e atores. por isso, sofre transformações através dos processos sociais e econômicos. Ela marca a diversidade e heterogeneidade dos espaços rurais forjados pelas mudanças contemporâneas. (sCHNEiDER, 2009)

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140 - Ensaio sobre a modalidade de turismo no espaço rural

Latina e dos anos 1990 até hoje em alguns países do continente africano, na Oceania e no Japão. (INSTITUTO DE DESENVOL-VIMENTO DO TURISMO RURAL, 2012)

Em Portugal, por exemplo, o alojamento ocorre em casas apalaciadas de reconhecido valor arquitetônico. Na França, os pequenos hotéis de gestão familiar são organizados em asso-ciações sem fins lucrativos. Enquanto que, no Brasil, conforme mencionado na introdução, sabe-se que as primeiras iniciativas de turismo rural oficiais ocorreram no município de Lages, lo-calizado em Santa Catarina, no planalto catarinense, na Fazenda Pedras Brancas, sendo que no final do século XX, a prática teve um efeito multiplicador. (ZIMMERMANN, 1996)

Foi apenas em 1998 que a Embratur reconheceu o município de Lages como projeto piloto de turismo. Em escala regional, os estados da Região Sul e Sudeste foram os primeiros a se desen-volverem e depois os da região centro-oeste. Por ser uma prática recente ainda há na literatura algumas divergências conceituais. O agroturismo, por exemplo, é considerado inequivocamente tu-rismo no espaço rural. Na verdade ele é uma prática contida no turismo rural e que esta ligada a atividades internas de uma de-terminada propriedade que geram ocupações complementares às atividades agrícolas já existentes. (ZIMMERMANN, 1996)

O agroturismo é realizado a partir do tempo livre das famí-lias agrícolas, de modo que a contratação de mão-de-obra externa seja uma eventualidade. O ambiente, portanto, é restrito e deli-mitado, como as fazendas de caça, a fazenda-hotel, o restaurante típico, o atelier de artesanato etc. (ZIMMERMANN, 1996) Já no caso do turismo no espaço rural, as atividades de lazer são reali-zadas no espaço rural numa dimensão territorial macro. Dentro dessa prática, várias outras se fazem presentes, como esportiva, ecológica, cultural e aventura. Nota-se assim que o agroturismo está contido no turismo rural e não é uma atividade paralela. (ZIMMERMANN, 1996)

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Outro contraponto interessante é que o turismo no espaço rural pode ser tradicional ou moderno. No primeiro o turismo tem um vínculo forte com a origem agrícola, de modo a usufruir de um patrimônio arquitetônico herdável, de sedes de fazenda de ciclos econômicos, geridos por proprietários que residem no local. Já o segundo não tem o compromisso com a história do país e vincula-se com as oportunidades existentes para explora-ção turística. (RODRIGUES, 2000)

Para ilustrar, tal dicotomia do tradicional e moderno, basta diferenciar o que seria uma fazenda-hotel de um hotel-fazenda. A primeira agrega os valores histórico, cultural e cotidiano como a característica mais forte da estrutura, que é através de uma in-fraestrutura original. Já o hotel-fazenda, não apresenta interface com a produção rural e nenhum compromisso com a paisagem, com o ar puro e os elementos subjetivos do espaço rural. Nor-malmente são propriedades de empresários urbanos que não têm relação com a identidade rural, sendo apenas o aproveita-mento daquela demanda. (STEIL, 2002, p. 55)

Definitivamente, o desenvolvimento dessa atividade turísti-ca deve compreender a história cultural e natural, pois “trata-se de um ambiente altamente vulnerável aos mais diversos impac-tos ambientais e culturais, uma vez que as características são, via de regra, bem mais simples que as do meio urbano”. (POR-TUGUEZ, 2005, p. 189)

Já sob a perspectiva socioeconômica as famílias passam a ser pluriativas, ou seja, acumulam o turismo no espaço rural como mais uma atividade econômica do seu dia a dia, a fim de reduzir vulnerabilidade econômica e dependência do governo. Ou seja, há uma multifuncionalização que serve para “agregar ativida-des produtivas em propriedades rurais, de modo a diversificar produtos, serviços e mercadorias na tentativa de criar condições para o aumento da renda e da oferta de postos de trabalho”. (PORTUGUEZ 1999, p. 71)

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142 - Ensaio sobre a modalidade de turismo no espaço rural

O turismo no espaço rural ajuda a aumentar a População Economicamente Ativa (PEA) rural e, principalmente, o núme-ro de pessoas com domicílio rural ocupadas em atividades de comércio e serviços relacionados ao turismo. (SCHNEIDER; FIALHO, 2000)

Esse espaço rural passa a ser compreendido como uma

[...] representação do campo [...] como símbolo de liberdade, pai-

sagem, beleza e saúde, por isso tem dado origem à emergência de

novas procuras e comporta potencialidades que podem e devem

ser aproveitadas a favor do mundo rural. (CRISTOVãO, 2002,

p. 81)

Apesar desse valor, o Ministério do Desenvolvimento Agrá-rio, por exemplo, pontua apenas que os instrumentos dessa mo-dalidade estão relacionados com

[...] os equipamentos localizados na área rural que desenvol-

vem atividades de lazer, recreação, esportivas, de eventos, não

apresentando, necessariamente, vínculo com a produção agro-

pecuária e a cultura rural. (BRASIL, 2005)

O que demonstra a abordagem genérica e inadequada do po-der público frente ao setor.

Esse tipo de posicionamento governamental não contribui para a elaboração de políticas públicas adequadas. Indica-se am-pliar a visão epistemológica para maior aproveitamento turístico do entorno não-urbano, para tal “descrédito” não suplantar os efeitos eminentemente positivos: conservação do patrimônio, proteção do meio, inclusão dos habitantes locais como atores culturais, participação coletiva, dentre outros. O contato cultural sendo uma realidade acumulada pela história de formação do Brasil. Com prioridade para fatos ligados a natureza, aos ciclos econômicos e outros fatos. (TALAVERA, 2000)

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Atualmente, no Brasil, existem inúmeros destinos de prá-ticas de turismo rural. A exemplo das ruralidades ribeirinha da Amazônia, onde vivem os caboclos e indígenas, também da ruralidade agrícola dos campos destinados ao cultivo cafeeiro do Sudeste e do Sul, onde a maior parte da população descen-de dos imigrantes europeus que vieram para o Brasil no século XIX. Já na Bahia foram observados estruturas de turismo ru-ral no Recôncavo Baiano e na Chapada Diamantina. Apesar da necessidade maior de apoio, atualmente, existem alguns traba-lhos importantes desenvolvidos pelo Sebrae, Incra e Bahiatursa. (INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO DO TURISMO RU-RAL, 2012)

CONCLUSãO

O turismo no espaço rural é uma possibilidade para geração de renda, otimização de empreendimentos rurais, diminuição do êxodo rural e a promoção de um intercâmbio sociocultural. O grande desafio é desenvolvê-lo com equilíbrio entre os inte-resses econômicos e o objetivo de proteger o meio ambiente. O controle depende de estabelecer critérios, valores subjetivos e de uma política adequada de acordo com as particularidades de cada região ou local.

A relação entre o turismo e o meio rural ocorreu da necessi-dade de incrementar a economia local e de diminuir a dependên-cia do poder público. Apesar disso, o turismo hoje não é respon-sável apenas por uma relação econômica, mas sim afetiva, entre o turista e esse território. Portanto, acredita-se na modalidade como incentivo para que se valorizem e preservem os costumes, hábitos e peculiaridades locais. Cria-se com isso a possibilidade de um intercâmbio harmonioso e saudável, com benefícios para as duas partes: o proprietário rural, que é o receptor, e o turista, que quer satisfazer a sua curiosidade e a necessidade de experi-

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mentar o simples, o natural, em um contato direto e diferencia-do com a natureza.

O potencial turístico rural abrange muitas atrações naturais e culturais, o seu valor está contido na sua própria natureza, ou seja, o que ele representa de peculiar em suas característi-cas. Percebe-se que o Brasil precisa investir mais na base dessa atividade, principalmente, pela recente atuação na Europa, por exemplo, o desenvolvimento do turismo rural é bem dissemina-do, já tendo um público maduro e interessado em consumir este tipo de matéria-prima.

Assim, é relevante destacar que as ações governamentais são fundamentais, pois o êxito desta atividade dependerá da política de turismo aplicada ao espaço rural no plano de desenvolvimen-to com suas singularidades regionais, exigindo uma metodolo-gia e técnicas apropriadas para cada caso e ruralidade encontra-da nesses territórios.

Considera-se o turismo no espaço rural como mais uma fon-te de recursos para as propriedades rurais, por meio da adapta-ção de estruturas fundiárias para receber os turistas oferecendo--lhes condições que não são encontradas no espaço urbano.

Pode-se dizer com a pluriatividade do turismo no espaço ru-ral, é possível revitalizar os negócios das propriedades agrícolas. Para tanto, nesta modalidade deve haver o emprego da mão de obra local oriunda da agricultura e da pecuária. Acrescenta-se também a necessidade de capacitações para que essa nova ati-vidade seja incorporada pelas famílias. Com isso, o trabalhador rural estará capacitado para o exercício de outra atividade, sem comprometimento da atividade principal, assim contribuindo com o desenvolvimento local. Sobretudo em municípios peque-nos e de certa forma excluídos dos circuitos produtivos.

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Aglomerações produtivas e desenvolvimento turístico no meio rural

Lei la Mendes Paixão

INTRODUçãO

O presente estudo procura esclarecer como o turismo vem buscando novas formas de se tornar uma atividade capaz de proporcionar desenvolvimento nos locais em que a atividade se concretiza. Para isso, dentro do novo contexto global de grande competitividade, uma das possibilidades vislumbradas foi o es-tabelecimento de blocos em que há o envolvimento de atores das mais diversas áreas, como empresários, poder público e popula-ção local, envolvidos direta ou indiretamente com o turismo. As culturas mais tradicionais, dentro dessa nova ordem mundial, são revalorizadas ganhando status de elemento diferenciador frente a outros destinos. Dessa forma, observa-se a emergência daqueles elementos relacionados aos meios rurais que acabam

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150 - Aglomerações produtivas e desenvolvimento turístico no meio rural

por representar os valores mais genuínos e bem preservados de uma comunidade.

Os blocos mencionados, entendidos aqui como aglomera-ções produtivas, formam territórios turísticos, podendo ser en-tendidos também como destinos turísticos, que através do uso de infraestruturas e equipamentos comuns permitem ao visi-tante uma facilidade no deslocamento dentro desse território, possibilitando o seu acesso a um número maior de atrativos, estimulando, dessa forma, a sua permanência no destino, por um tempo maior. Roteiros, rotas, trilhas e circuitos turísticos explorados no meio rural vêm sendo cada vez mais utilizados como alternativas para gerar trabalho e renda ao homem do campo, dando-lhe uma possibilidade de se manter no seu local de origem.

Os arranjos produtivos locais1 aparecem como espaços de cooperação, competição, integração e inovação dos agentes en-volvidos. Nesses modelos de governança, que contam também com a participação de representantes dos poderes públicos e das comunidades locais, pode-se observar uma forma de gestão di-ferenciada que permite a tomada de decisões de forma mais ho-rizontalizada. Na medida em que se compõe um território com um alto grau de coesão entre os atores participantes, com um objetivo principal, torna-se mais apto a alcançar metas, man-tendo-se competitivo nos mercados e de forma que possibilite a promoção do desenvolvimento naquele território.

Este texto está dividido em duas seções: na primeira seção é discutido como a globalização atua no cenário mundial res-significando territórios e obrigando os lugares a assumirem papéis mais competitivos para que possam se manter presen-tes no mercado mundial. A formação de redes possui papel de

1 Dentro da tipologia das aglomerações produtivas, os apls aparecem como um modelo em que se observa a participação de agentes da sociedade local, bem como a presença marcante de instituições de ensino e pesquisa, diferen-ciando-as de formas análogas como os clusters.

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Leila Mendes Paixão - 151

integração dentro do território, ainda que permita o fortaleci-mento do processo de globalização. Nesse contexto, o turismo se insere, uma vez que é a reprodução do fluxo do capital e do comércio. A segunda seção aborda o processo de revalorização dos elementos culturais mais tradicionais como aqueles capazes de definir a singularidade de uma dada localidade frente a ou-tras no competitivo cenário turístico internacional. é nas áreas rurais em que alguns desses elementos podem ser encontrados na sua forma mais genuína.

GLOBALIZAçãO E TURISMO

O século XX representou um período de grandes transfor-mações na história da humanidade. Foram mudanças registra-das no âmbito social, político e, principalmente, econômico. A globalização foi um marco para a constituição desse novo ce-nário, que rompeu barreiras nacionais, consolidando outro pa-norama, em que as atividades econômicas passaram a prevalecer no tocante às decisões político-administrativas. Essas alterações começaram a ser registradas logo após a Segunda Guerra Mun-dial, principalmente na década de 1950, mas se consolidaram mesmo já nas últimas décadas do século XX. Castells (1999, p. 142) defende que as novas tecnologias da informação e da comunicação contribuíram para a alteração do cenário global, além da “ajuda decisiva das políticas de desregulamentação e de liberalização postas em prática pelos governos e pelas institui-ções internacionais”.

Santos (2000) esclarece que o processo de globalização en--contra também dificuldades para se difundir em virtude da grande diversidade das pessoas e dos lugares. Contrariando o discurso de que a globalização tende a gerar homogeneização, Milton Santos (2000) argumenta ainda que, na medida em que gera escassez, cria desníveis, os quais reforçam o caráter de

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heterogeneidade do processo. As redes passam a ser instrumen-tos que ora conectam, ora desconectam “[...] indivíduos, grupos, regiões e até países de acordo com sua pertinência na realização dos objetivos processados na rede, em um fluxo contínuo de de-cisões estratégicas”. (CASTELLS, 1999, p. 41)

Nesse sentido, Santos (2000) retoma a discussão sobre os usos dos territórios. Estes são compartimentados pelas grandes empresas que buscam fazer uso dos territórios de acordo com os seus objetivos e em razão dos seus fins. O território pode ser considerado o local em que há uma relação direta com a identidade de uma dada população e com o sentimento de per-tencimento, na medida em que a população entende que ali, na-quele espaço, está o local do seu trabalho, da sua residência e das trocas materiais e espirituais da vida. O território assume, portanto, o papel de um espaço vivido onde é possível reavaliar as heranças e levantar questionamentos sobre presente e futuro. Aqui, Santos (2000, p. 111) explica que a sociedade, bem como o território no qual está localizada, buscam um sentido para a sua existência. O território traz no seu bojo “[...] um aporte de vida, uma parcela de emoção, que permite aos valores representar um papel”. Dessa forma, cabe ao lugar uma ação de oposição aos processos que nele se sucedem, como a globalização.

A multiplicidade de situações regionais e municipais, trazida

com a globalização, instala uma enorme variedade de quadros

de vida, cuja realidade preside o cotidiano das pessoas e deve

ser a base para uma vida civilizada em comum. Assim, a pos-

sibilidade de cidadania plena das pessoas depende de soluções

a serem buscadas localmente, desde que, dentro da nação, seja

instituída uma federação de lugares, uma nova estruturação

político-territorial, com a indispensável redistribuição de recur-

sos, prerrogativas e obrigações. A partir do país como federa-

ção de lugares será possível, num segundo momento, construir

um mundo como federação de países. (SANTOS, 2000, p. 113)

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A busca da identidade, coletiva ou individual, torna-se algo relevante para uma parcela da população, que vive nesse período histórico de relações inconstantes, de “[...] desestruturação das organizações, deslegitimação das instituições, enfraquecimento de importantes movimentos sociais e expressões culturais efê-meras”. (CASTELLS, 1999, p. 41) As sociedades atuais, segundo o autor, estão estruturadas numa posição bipolar entre a rede e o ser. Se, por um lado, as redes conectam e desconectam indivídu-os, grupos, regiões e países, por outro, permitem ainda uma so-lidariedade, que Santos (1996) caracteriza em três níveis: mun-dial, dos territórios dos Estados e do local. Em nível mundial, sua concretização se dá por meio das redes: “As redes são um veículo de um movimento dialético que, de uma parte, ao Mun-do opõe o território e o lugar; e de outra parte, confronta o lugar ao território tomado como um todo”. (SANTOS, 1996, p. 215)

Os lugares, ainda conforme Santos (1996), seguindo os no-vos padrões, entram numa espécie de “guerra”, utilizando as atu-ais vantagens comparativas, mas criam novas, na tentativa de se manterem sempre atrativos. Para tanto, utilizam dos seus recur-sos materiais e imateriais, buscando realçar a imagem do lugar para ampliar a sua valorização. Para que as redes exerçam signifi-cados, devem ser feitas por e pelas pessoas, mensagens e valores que as frequentam, sem os quais poderá ser considerada uma mera abstração. No bojo das relações entre redes e territórios, Santos (1996) apresenta dois enfoques: um genético – em que são vistas como um processo – e um atual – entendidas como um dado da realidade atual.

As redes, para Santos (1996, p. 212), podem ser considera-das como “os mais eficazes transmissores do processo de globa-lização”. Suas estruturas diversificam-se e tornam-se cada vez mais globalizadas, como as redes produtivas, de comércio, de transporte, de informação, dentre outros. O papel de integração representado pelas redes, além de funcional e territorial, apre-senta consequências como

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[...] intensificação das especializações, por novas divisões espa-

ciais do trabalho, maior intensidade do capital, circulação mais

ativa de mercadorias, mensagens, valores e pessoas, maior

assimetria nas relações entre os atores. (MARTIN LU, 1984

apud SANTOS, 1996, p. 215)

A busca incessante por técnicas mais eficazes e novas tecno-logias permite que se ultrapassem as barreiras da fluidez de for-ma contínua e permanente, e que atividades mais competitivas sejam atraídas para que os locais mantenham-se competitivos. Os organismos públicos buscam maximizar a sua competiti-vidade, bem como sua lucratividade, fazendo com que “suas” empresas conquistem cada dia mais fatias de mercado. Santos (2000) defende que a competitividade se dá muito mais entre empresas do que entre nações. Castells (1999) lembra ainda que o desempenho competitivo das empresas está estreitamente re-lacionado com sua capacidade de inovação. Para se obter um quadro de ambiente inovativo, as empresas costumam investir em pesquisa e desenvolvimento e utilizam desse conhecimen-to adquirido para ampliar sua penetração nos mercados. Des-sa forma, conforme o autor, “[...] as empresas multinacionais e suas redes de produção são, ao mesmo tempo, instrumentos de domínio tecnológico e canais de difusão tecnológica seletiva”. (CASTELLS, 1999, p. 167)

A ocorrência dos processos de inovação está diretamente atrelada aos ambientes urbanos, onde há uma maior dinâmica e estrutura mais estabelecida que permita às empresas o investi-mento em pesquisas. Há que se fazer uma ressalva quanto à con-centração do conhecimento gerado pelas empresas: localidades e países menos desenvolvidos permanecem subordinados, pois nas áreas de maior dinamismo econômico haverá uma tendência à retroalimentação dos investimentos, gerando um aumento nas disparidades sociais e econômicas entre as regiões. Diniz e Gon-çalves (2005, p. 133) explicam que

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Esta é a ironia da globalização: amplia e integra o mercado, mas,

ao mesmo tempo, o processo de inovação continua baseado em

regiões ou localidades, as quais se tornam fator-chave e estraté-

gico na competição.

O paradoxo do desenvolvimento aparece aqui na medida em que surge de forma concentrada em um determinado espaço. Enquanto algumas áreas restritas do território beneficiam-se com a concentração de investimentos em infraestruturas, o que, por sua vez, irá gerar uma concentração de renda e de rique-za, outras sofrem com um quadro de estagnação, caracterizado principalmente pelo desemprego constante e crescente e, por-tanto, na ausência de renda. O crescimento econômico não deve ser confundido com desenvolvimento econômico; nesse senti-do, para exemplificar, Souza (1999) cita o crescimento da eco-nomia, que pode ocorrer apresentando taxas elevadas, mas que nem por isso implicará na redução dos níveis de desemprego uma vez que outros fatores também influenciam diretamente o desemprego, como a robotização e informatização do processo produtivo. Souza (1999, p. 20) explica ainda que “[...] o cresci-mento é condição indispensável para o desenvolvimento, mas não é condição suficiente”.

Na prática, a globalização é percebida pela interdependência entre nações e pelas trocas realizadas por elas de bens, serviços, informações e comunicações. O turismo integra-se nesse siste-ma, pois representa o fluxo do capital e do comércio e do intenso intercâmbio cultural. Segundo Beni (2003), o turismo pode ser considerado a segunda atividade mais globalizada, em razão de suas características, perdendo apenas para o setor de serviços financeiros.

Para Beni (2003), a globalização pode favorecer a inserção dos países emergentes na economia internacional, já que o turismo receptor é realizado nos locais de origem. As novas tecnologias

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promoveram também novos padrões de gestão e de organização da produção, da distribuição, do consumo e da competitividade.

Segundo Beni (2003, p. 98), o contexto atual é de constantes transformações e exige que o mercado, para se manter compe-titivo, ofereça cada vez mais produtos inovadores e com novas formas de gestão, buscando um “[...] modelo empreendedor, de corresponsabilização social e solidária, a que o Estado deve pres-tar decisiva colaboração em conjunto com as empresas privadas e as organizações sociais”. Beni (2003, p. 98) diz ainda que

A proposição de um sistema integrador, ágil e instrumentali-

zado deve ser capaz de conciliar diversidades territoriais e ri-

validades intermunicipais numa mesma região, para obtenção

de maior equilíbrio e competitividade regional, e de assegurar

a correta aplicação dos investimentos públicos na super e in-

fraestrutura de apoio ao turismo para a promoção do desen-

volvimento sustentável ambiental, econômico, social e políti-

co-institucional, juntamente com a consequente e necessária

orientação aos empreendimentos da iniciativa privada.

Rodriguez Dominguez e Guisado (2003), ao analisarem a competitividade do setor turístico, defendem que ela está direta-mente relacionada com a capacidade das empresas de atrair tu-ristas, de uma forma tal que o destino possa compensar os cus-tos investidos inicialmente para a promoção e desenvolvimento da atividade. Conforme os autores, as empresas que estão lo-calizadas em um destino competitivo deverão aproveitar-se das vantagens oferecidas pelo local, prioritariamente. Depreende-se daí que o fato de uma empresa escolher um determinado local para instalar-se representa, consequentemente, a existência de empresas competitivas do setor em que ela está inserida.

Rodriguez Dominguez e Guisado (2003) apresentam um modelo de competitividade de destinos turísticos, elaborado por Crouch e Ritchie no ano de 1997, em que a competitividade de

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um destino depende diretamente de três diferentes fatores: fa-tores de atração, fatores de suporte e fatores de recursos. Como fatores de atração, podem-se citar a fisiografia, a cultura, os laços de mercado, as atividades, os acontecimentos e a superestrutura. Esses requisitos compõem os elementos primários de um des-tino. Conforme Rodriguez Dominguez e Guisado (2003, p. 7), a sua existência se converte “em condição necessária, mas não suficiente na consecução do êxito competitivo de um destino”. E por fatores de suporte e de recursos, entende-se a infraestrutu-ra, acessibilidade, recursos facilitadores e o espírito empresarial.

TURISMO NO MEIO RURAL: UMA ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO LOCAL EM UM SEGMENTO GLOBALIZADO

Os destinos turísticos são, muitas vezes, conformados pela reunião de vários atrativos presentes em um ou em vários muni-cípios, dando origem a uma região turística. Esse conceito – re-gião turística – não é amplamente aceito pela literatura, havendo autores, como Boullón (2002), por exemplo, que rejeitam o ter-mo ao explicar que para a existência de uma região é necessário que seja observada a exploração de uma dada atividade em todo o território, de forma homogênea, o que não ocorre no caso do turismo. O autor defende que para haver a conformação de uma região é necessário que ela abranja uma superfície que apresen-te características semelhantes. Na atividade turística, conforme Boullón (2002), os atrativos ficam concentrados em pontos es-pecíficos do território, havendo, portanto, um recorte espacial entre um e outro atrativo, e entre eles observa-se a presença de atividades não turísticas. Ocorrendo a delimitação de uma re-gião turística, atividades realizadas no interior dessas regiões se-riam, equivocadamente, consideradas turísticas, cometendo-se aí um erro por parte dos planejadores do espaço turístico.

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158 - Aglomerações produtivas e desenvolvimento turístico no meio rural

Dessa forma, Boullón (2002) propõe a ideia de espaço turísti-co que abrange várias unidades espaciais, em substituição à ideia de região turística. Os componentes do espaço turístico apresen-tados pelo autor aparecem em escala descendente em relação ao tamanho de sua superfície, somando um total de dez unidades. São elas: zona, área, complexo, centro, unidade, núcleo, conjun-to, corredor, corredor de traslado e corredor de estada.

Ao realizar suas análises e fazendo uma analogia com a te-oria do polo de desenvolvimento regional, de François Perroux, que poderia ser relacionado aos centros turísticos de Boullón, percebe-se que a atividade turística, por mais que proporcione a geração de empregos, sendo adotada como atividade motriz do local, deve coexistir com outras atividades, pois os benefícios diretos gerados à população nem sempre serão expressivos o su-ficiente.

Silva (2003) considera ainda que a territorialização turística permite que os lugares transformem suas vantagens compara-tivas em vantagens competitivas, o que, por sua vez, permitirá a promoção da autonomia, bem como um efetivo desenvolvimen-to socioeconômico. Dessa forma, o fator primordial para o al-cance do desenvolvimento será “[...] a capacidade de organização social e política dos territórios, valorizando os laços de coesão e de solidariedade, do que de outros aspectos externos, de peque-na influência local e regional.” (SILVA, 2003, p. 24)

Dessa forma, entende-se que o desenvolvimento do turismo deve estar atrelado às suas bases e suas raízes, pois, conforme Irving (2002), o lugar turístico deve ser interpretado com base em uma pluralidade de identidades. Cada lugar turístico pos-sui as suas especificidades em razão das identidades de raízes, migrantes e transitórias, assim, “[...] se materializa a dualidade entre percepção intrínseca e olhar exógeno e, o turismo, emer-ge como indutor de novas identidades”. (IRVING, 2002, p. 73). A autora entende o lugar turístico como um cenário composto

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por relações complexas entre atores sociais, onde a pluralidade de identidades é o palco e esses atores sociais são os protagonis-tas, sem os quais o espetáculo inexiste.

Os fatores endógenos e exógenos, bem como seus desdobra-mentos setoriais e intersetoriais, são abordados por Silva (2003) ao analisar a relação entre turismo e desenvolvimento. Segun-do o autor, para que o desenvolvimento local seja beneficiado pela relação entre os elementos endógenos e exógenos deve-se “[...] valorizar a dinâmica dos fatores endógenos através do que se poderia chamar de territorialização turística”. (SILVA, 2003, p. 23) Silva (2003) relaciona a territorialização com questões como o enraizamento local e o enredamento global, classifican-do o turismo como uma atividade inserida em um sistema local--global, diferenciando-o de outras atividades como a agricultura, por exemplo, que pode ser uma atividade de subsistência, mas o turismo dependerá de um “plano externo para desenvolver seu plano interno”.

Irving (2002) adota um conceito de desenvolvimento local utilizado por Perez e Carrillo (2000 apud IRVING, 2002, p. 69) que traz um enfoque baseado no aproveitamento dos recursos endógenos – humanos, naturais e de infraestrutura. Esses auto-res definem o desenvolvimento local como

Aquele processo reativador da economia e dinamizador da

sociedade local que mediante o aproveitamento dos recursos

endógenos existentes em uma determinada zona ou espaço

físico é capaz de estimular e fomentar o seu crescimento eco-

nômico, criar emprego, renda e riqueza e, sobretudo melhorar

a qualidade de vida e o bem-estar social da comunidade local.

(PEREZ; CARRILLO, 2000 apud IRVING, 2002, p. 69)

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160 - Aglomerações produtivas e desenvolvimento turístico no meio rural

Vázquez-Barquero (1999 apud ALBAGLI; MACIEL, 2002, p. 15) defende três dimensões para caracterizar o desenvolvi-mento endógeno:2

Uma econômica, caracterizada por um sistema específico de

produção que permite aos empresários locais usar, eficiente-

mente, os fatores produtivos e alcançar os níveis de produtivi-

dade que lhes permitem ser competitivos nos mercados; outra

sociocultural, em que os atores econômicos e sociais se inte-

gram com as instituições locais formando um sistema denso

de relações que incorporam os valores da sociedade no proces-

so de desenvolvimento; e outra política que se instrumentaliza

mediante as iniciativas locais e que permite criar um entorno

local que estimula a produção e favorece o desenvolvimento

sustentável.

Nesse sentido, emerge a discussão das formas de turismo alternativo, como uma opção de promover novo dinamismo eco-nômico a lugares que estão à margem do processo de explora-ção e das forças hegemônicas capitalistas. Conforme Benevides (1997, p. 27),

o desenvolvimento local, tem no turismo alternativo uma re-

presentação de mediação mitigadora entre globalização des-

naturalizante / homogeneizadora / excludente e desenvolvi-

2 Conforme Barros, silva e spinola (2006, p. 94), os termos “desenvolvimento local” e “desenvolvimento endógeno” possuem diferentes definições, porém, no Brasil, ainda há uma confusão no uso dos dois termos e alguns autores os consideram sinônimos. os autores defendem que as bases para a definição de desenvolvimento local estão relacionadas com o processo ocorrido na itália e que deu origem aos Distritos industriais. por outro lado, o desenvolvimento endógeno está relacionado a “[...] processos de crescimento e mudança estru-tural, que parte de uma hipótese de que o território não é apenas um mero suporte físico dos objetos, atividades e processos econômicos, mas também que é um agente de transformação territorial”.

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mento local conservacionista / ressingularizador / identitário

/ participativo.

Dentro do que o autor considera a ideologia do turismo alter-nativo, o turismo rural e o turismo ecológico se inserem dentro de uma lógica que se opõe aos modelos hegemônicos do turismo, constituindo o que o autor chama de “novas territorialidades”.

Benevides (1997) defende ainda que as áreas rurais são os espaços onde se encontram a oferta do turismo alternativo, prio-ritariamente representados pelo turismo rural e ecológico. No caso do “turismo rural”, a oferta está relacionada a espaços onde estão localizadas comunidades tradicionais, cuja produção ain-da se verifica de forma artesanal, em alguns casos até de subsis-tência, em que os valores ali encontrados se opõem àqueles ob-servados nas sociedades urbano-industriais. Essas comunidades representam a ligação entre os hábitos e costumes idealizados e inexistentes nas sociedades “modernas” e a própria sociedade, que vê ali uma válvula de escape do seu cotidiano.

Dessa forma, percebe-se que essas novas funções das áreas rurais, como o turismo, não entram em conflito com os usos tradicionais, mas acabam por complementá-los, reconhecendo, inclusive, a agricultura como setor estratégico para o desenvolvi-mento das áreas rurais. A relação do turismo com outros setores econômicos é fundamental para o desenvolvimento da ativida-de, o que é reforçado por Silva (2004) ao defender que a espe-cialização turística ocorre pelas relações de complementaridade e concorrência com outros setores produtivos, em que o destino turístico conforma-se por ser um local simultâneo de produção e consumo.

A expressão “turismo no meio rural” vem sendo apresenta-da e debatida por diversos autores, que questionam o seu real significado. Para alguns, a expressão pode ser usada como sinô-nimo de turismo rural, mas outros apresentam diferenças, con-siderando o meio rural como uma expressão mais abrangente e

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162 - Aglomerações produtivas e desenvolvimento turístico no meio rural

podendo ser utilizada para designar um ambiente onde várias modalidades de turismo podem ocorrer, seja em momentos dis-tintos ou de forma complementar.

Rodrigues (2000) considera que os limites físicos e territo-riais entre o rural e o urbano estão cada vez mais difíceis de se-rem delimitados, pois a modernização do campo levou consigo toda uma estrutura antes vista apenas nas grandes cidades. Em virtude dessas transformações, houve um processo de adapta-ção do trabalhador rural às novas condições de vida no campo, surgindo um fenômeno conhecido como pluriatividade, em que o trabalhador agrega novas possibilidades de renda às suas ati-vidades tradicionais.

Para atender ao fluxo de visitantes oriundos dos centros ur-banos, o rural passa a se ajustar não só para satisfazer as neces-sidades dos turistas, que esperam encontrar no mundo rural as mesmas comodidades encontradas nas cidades, mas para supe-rar a imagem que se criou, em que os elementos rurais estavam atrelados ao atraso. Assim, o rural passa a ser visto como um objeto de consumo das sociedades urbano-industriais. Carnei-ro (1998, p. 57) menciona a ruralidade como um processo “[...] dinâmico de constante reestruturação dos elementos da cultura local com base na incorporação de novos valores, hábitos e téc-nicas”. Esse processo permite tanto uma reapropriação dos ele-mentos da cultura local, fazendo com que novos costumes aflo-rem na sociedade, como também outra apropriação pela cultura urbana, que pode contribuir para o fortalecimento dos vínculos com sua cultura tradicional.

A ruralidade de que trata Carneiro (1998) refere-se especifi-camente ao que o agricultor familiar entende por localidade, ou seja, ao local onde ele estabelece os laços de vizinhança, fami-liaridade, comércio e demais atividades, com fortes relações de parentesco e amizade, dentro do espaço geográfico estabelecido e “demarcado” por ele. Remete ainda ao sentimento de perten-cimento, seja a um grupo ou a um território e de identidade

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coletiva, cujos valores permitem relações com um dado grupo, distinguindo-o dos demais. Nesse sentido, a autora entende por ruralidade “Uma representação social, definida culturalmente por atores sociais que desempenham atividades não homogêne-as e que não estão necessariamente remetidas à produção agrí-cola”. (CARNEIRO, 1998, p. 62)

Dessa forma, percebe-se a forte ligação entre o local, os seus símbolos e a manutenção das tradições rurais pelas populações campesinas, que mesmo sofrendo as alterações impostas pela modernização das sociedades atuais vêm encontrando formas de se ajustar e readaptar à nova realidade. Novas formas de or-ganização territorial vêm sendo implementadas como possibili-dade de ordenar o turismo de forma que os destinos tornem-se mais atraentes, fazendo com que sua oferta seja ampliada, pos-sibilitando assim a permanência dos visitantes por mais tempo. Dentre essas formas, as mais amplamente utilizadas são as rotas turísticas, os roteiros turísticos, as trilhas turísticas e os circuitos turísticos, que se caracterizam, por sua vez, por apresentarem percursos com características próprias possuindo geralmente temáticas específicas relacionadas à gastronomia, história, arte, esporte, belezas naturais. De forma geral, os atrativos são apre-sentados ao turista de forma complementar.

CONSIDERAçõES FINAIS

Como forma de reação aos novos padrões internacionais houve uma valorização dos aspectos locais/regionais, permi-tindo a conformação de territórios em que pequenas e médias empresas, atuando de forma conjunta, possam ser capazes de competir de forma mais equilibrada com grandes empresas de atuação no âmbito internacional. é dentro desse contexto que surgem os clusters, arranjos produtivos locais e outras formas de aglomerações produtivas que possibilitam às empresas novas

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164 - Aglomerações produtivas e desenvolvimento turístico no meio rural

oportunidades de inserção no mercado por meio de ações que possibilitem a cooperação e a competição no mesmo espaço.

Desse modo, no momento em que a valorização de aspectos locais ganha destaque, adequando-se à ideia da conformação de roteiros turísticos, emerge o turismo no meio rural, já bastan-te valorizado na Europa, que no Brasil passa a ser revalorizado mais recentemente não somente como alternativa ao já massi-ficado turismo de sol e praia, mas representando uma possibi-lidade de oposição às forças hegemônicas e homogeneizadoras do processo de globalização, já que busca o resgate dos aspectos locais mais tradicionais e genuínos, ou seja, a valorização das raízes, das práticas da cultura e da identidade local.

Nesse sentido, torna-se possível, ao se discutir o turismo ru-ral, falar em desenvolvimento local, uma vez que este processo busca a promoção do crescimento econômico mediante a cria-ção de empregos e geração de renda, indo, porém, mais longe ao buscar ainda a melhoria da qualidade de vida e do bem-estar social. Desse modo, observa-se não apenas o desenvolvimento do turismo no âmbito local, mas ainda o desenvolvimento de uma forma geral, já que o turismo gera desdobramentos, dina-mizando a economia local e promovendo oportunidades.

Defende-se aqui, portanto, a formulação de destinos turís-ticos que indiquem prioritariamente a participação da comu-nidade local nos processos de planejamento da atividade, com forte valorização dos elementos culturais locais, atuando de for-ma regional, permitindo a formação de elos entre o empresa-riado local que compete, mas, sobretudo que coopera entre si, promovendo a formação de instituições que funcionem como espaços de diálogos, com o objetivo primordial de promover o turismo regional. Deve-se, portanto, entender o turismo como uma engrenagem em que um elemento é altamente dependente do outro para haver um funcionamento harmônico e que cresça gerando novas possibilidades.

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“Em nome da modernidade”– transformações territoriais no Vale do São Franciscoo turismo como (nova) atividade econômica

Chel ly Costa Souza

INTRODUçãO

A finalidade deste trabalho é discutir a introdução do turis-mo – como atividade econômica e transformadora do espaço, particularmente, na região do submédio baiano, do Vale do São Francisco. Portanto, realizar-se-á uma discussão em torno das diversas segmentações de turismo existentes nesta área, sob a luz do processo histórico ocorrido na região.

A escolha do lócus da pesquisa justifica-se pelo fato de que, nas últimas décadas, o Vale do São Francisco vem passando por alterações nos âmbitos: econômico, social, cultural e ambiental.

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168 - “Em nome da modernidade”

As transformações ocorridas na Bacia do São Francisco estão relacionadas aos projetos federais de incentivo, cuja finalidade relaciona-se à “exploração” das águas do rio. Os recursos apli-cados no território foram direcionados principalmente para a introdução da agricultura irrigada. Em vista disso, o lugar tor-nou-se um polo econômico importante e em evidência. Diante deste cenário, várias alterações são desencadeadas e ao mesmo tempo (novas) atividades (dinamizadoras da economia) surgem na região, a exemplo do turismo.

Por tratar-se de uma região com elevado potencial, as seg-mentações desenvolvidas, são diversas. Há a predominância do turismo rural, o turismo cultural, o turismo de negócio e o eno-turismo.

O universo territorial deste artigo compreende os municípios baianos de Juazeiro, Casa Nova e Sobradinho e os municípios per-nambucanos Petrolina, Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista.

Como procedimentos metodológicos, o trabalho teve o le-vantamento bibliográfico e o uso de dados secundários, através de dados dos censos de 2010 disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como principais ins-trumentos para a sua concretização.

Para alcançar o objetivo proposto, este trabalho estrutura-se em três partes, além dessa introdução e da conclusão. A primeira parte consiste em uma breve discussão sobre as características da região e dos municípios escolhidos como objeto de aprecia-ção. A segunda parte faz uma reflexão a respeito das transforma-ções ocorridas na região e os impactos gerados por conta disso. A terceira parte, mas não a menos importante, apresenta ao lei-tor as modalidades de turismo existentes no território em decor-rência das transformações relatadas no item anterior.

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A ÁREA DE ESTUDO: ABORDAGEM GEOGRÁFICA E ECONôMICA SOBRE O LóCUS DA PESqUISA

A fim de sistematizar melhor o estudo, é necessário compre-ender a área geográfica que foi adotada como apreciação neste artigo. Portanto, nesta seção serão apresentados os municípios escolhidos e as características intrínsecas de cada um deles.

O Vale do São Francisco é cenário de diversas belezas natu-rais, históricas, culturais e econômicas. Todos esses elementos estão ligados às diversidades existentes na região, principalmen-te decorrentes de sua extensão, já que a Bacia do São Francisco compreende uma área de 640.000 km2, sendo considerada a 3a maior bacia hidrográfica brasileira e a única totalmente brasi-leira, onde estão localizados 506 municípios com aproximada-mente 13 milhões de habitantes, que significa 9,6% da popula-ção brasileira. (BAHIA, 2006)

O São Francisco, principal rio da bacia que lhe dá nome, per-corre 2.700 km desde sua nascente até a sua foz e apresenta 1.520 km navegáveis. Ao longo desse percurso, o rio banha cinco estados brasileiros: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas. Sua bacia que abrange 640 mil km2 (7,5% do território nacional) alcança também o Estado de Goiás e o Distrito Federal.

O Vale do Rio São Francisco está dividido em quatro setores ou cursos: o Alto São Francisco – que segue da nascente até a cidade de Pirapora em Minas Gerais; o Médio – compreende o trecho entre a cidade de Pirapora até a cidade de Remanso na Bahia; o submédio que vai da cidade de Remanso até a cidade de Paulo Afonso (BA) e o Baixo São Francisco vai de Paulo Afonso até a Foz entre os estados de Alagoas e Sergipe. Na sua trajetória atravessa três grandes e importantes biomas: cerrado, a caatinga e a mata atlântica. A economia da região para foco é marcada pela agricultura irrigada e pela produção de frutas tropicais.

A presente proposta de estudo, como já foi explicitado, con-centra-se na análise do submédio do São Francisco nos cinco municípios localizados no mapa a seguir (Figura 1).

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170 - “Em nome da modernidade”

Figura 1 – Mapa vinícola do Vale do são Francisco

Fonte: academia do Vinho (2013).

De acordo com Barbosa (2009, p. 651),

[...] buscando estimular o desenvolvimento da região do Vale

do São Francisco, explorando alternativas diferentes da produ-

ção de frutas, por meio da Lei de n0 10.837, representantes do

poder público dos municípios pernambucanos de Petrolina,

Lagoa Grande, Santa Maria da Boa Vista e Orocó e os baia-

nos Juazeiro, Sobradinho, Curaçá e Casa Nova, fundaram no

ano de 2004 a Rede Integrada de Desenvolvimento Econômi-

co (RIDE), tendo um dos focos principais na estruturação da

cadeia produtiva do turismo, especialmente as atividades liga-

das à agricultura irrigada, ciência e tecnologia e vitivinicultura

com destaque para o enoturismo.

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Juazeiro (BA)

Situado ao norte do estado da Bahia. Localiza-se a 500 km da capital baiana Salvador. Apresenta uma área territorial de 6.500,679 Km2 e faz divisa com o estado de Pernambuco. é con-siderado a 4a maior cidade do estado da Bahia. Segundo dados do IBGE (2010a), sua população está estimada em aproximada-mente 197.965 habitantes.

O município de Juazeiro se destaca pela agricultura irrigada que se firmou na região devido aos projetos federais implanta-dos na década de 1950. O município é responsável por 90% da exportação de manga, melão, melancia e uva.

Devido às obras de irrigação, Juazeiro, juntamente com Pe-trolina (PE), ganharam maior dinâmica e repercussões às suas economias locais, afirmando-se como um elo central e funda-mental no semiárido baiano, tal como sustentam alguns estu-dos especializados.

Sobradinho (BA)

Localiza-se a 559 km da capital baiana, Salvador, limitando--se com os municípios de Juazeiro – BA, Casa Nova – BA e Pe-trolina – PE. No ano de 1989, Sobradinho foi desmembrado de Juazeiro (BA) e elevado à categoria de município.

Está inserido na Região Administrativa Integrada de Desen-volvi-mento do Polo Petrolina e Juazeiro (Ride) e apresenta o maior PIB per capita da mesma, isso graças à Usina Hidrelétrica do Sobradinho instalada na referida cidade.

Além disso, Sobradinho apresenta o maior lago artificial do mundo, com uma área de 4 mil quilômetros2 de espelho d´água e capacidade de armazenamento de 34 bilhões de metros3 de água recorrentes do Rio São Francisco.

Devido à instalação da usina hidrelétrica do Sobradinho, a pesca do surubim tornou-se uma importante atividade eco-

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nômica. Diante desse cenário, o lago do Sobradinho tornou-se a maior atração turística do lugar. Por essa razão, o turismo e a prática de esportes (vela, windsurf e jet-ski) passou a acontecer e a movimentar a economia do lugar. Sobre o turismo, destaca-se o turismo naútico.

Casa Nova (BA)

A cidade de Casa Nova também faz parte da Região Admi-nistrativa Integrada de Desenvolvimento (Ride) do Polo Petro-lina e Juazeiro. Situa-se na divisa com Piauí e Pernambuco, o município possui seu principal povoamento na barranca do Rio São Francisco, enquanto seu grande território se estende sertão adentro, com caatingas, várzeas, chapadas e serras.

A distância oficial de Salvador a Casa Nova é de 572 km. Em parte do século XX, para se deslocar de Casa Nova para Juazeiro, o meio de transporte utilizado era o barco a vapor ou o cami-nhão. De lá, tomava-se o trem para Salvador, uma vez que a liga-ção ferroviária Salvador-Juazeiro existia desde 1896.

A economia do município é baseada na caprinocultura. Lá encontra-se o maior rebanho de caprinos da Bahia. (IBGE, 2005) Também, na atualidade, destaca-se a produção de vinho, devido à agricultura irrigada na região. Por conta da produção de vinhos, o município se apresenta como um novo destino turís-tico, modalidade enoturismo. O incentivo a essa atividade tem sido considerado fundamental para o desenho do novo perfil so-cioeconômico da região. Lá, por exemplo, é onde está localizada a Vinícola Ouro Verde (Miolo).

No lado pernambucano, têm-se os municípios de Petrolina, Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista.

Petrolina (PE)

A cidade de Petrolina (PE) está localizada no estado de Pernambuco sendo vizinha da cidade de Juazeiro (BA). Tem

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características similares e apresenta uma dinâmica muito gran-de. Em parceria com Juazeiro formam o maior aglomerado ur-bano do semiárido.

Petrolina tem a 7a maior economia do Estado, está entre as 15 melhores rendas per capita e é considerado o 50 melhor Ín-dice de Desenvolvimento Humano de seu estado. Além de ser considerada pelos especialistas a 7a maior economia do Estado pernambucano.

Lagoa Grande (PE)

Lagoa Grande é o município mais jovem do estado pernam-bucano. Foi emancipado do município de Santa Maria da Boa Vista no ano de 1995. No contexto atual, apresenta o terceiro maior PIB per capita da Ride, atrás apenas de Sobradinho e Pe-trolina.

Apresenta uma área de 1.852 km2. A fruticultura (especial-mente o cultivo de uva) e a vinicultura (produção de vinho) são as principais atividades econômicas devido à agricultura irrigada. As uvas cultivadas na região são exportadas para vários países.

Embora tenha pouco tempo de existência, o município ga-nha destaque devido o seu rápido crescimento. Devido à elevada produção de uvas e vinhos, a sede municipal exibe, a cada dois anos, o evento Vinhauva Fest, a fim de divulgar o potencial do lugar, firmar negócios e parcerias.

Santa Maria da Boa Vista (PE)

De acordo com o IBGE (2010b), Santa Maria da Boa Vista concentra uma área de 2.977,8 km2. Apresenta uma população estimada em 39.629 habitantes. Localiza-se a 611 km da capital Recife. Está inserida na Ride e apresenta o 60 maior PIB do ser-tão pernambucano.

Localiza-se a 08048’28” de latitude sul, 39049’32” de longitu-de oeste, a uma altitude de 361 metros.

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174 - “Em nome da modernidade”

A agricultura e vinicultura são as principais atividades eco-nômicas do município. Além do vinho, a região contempla atu-almente a maior produção de frutas do país e tem como prin-cipais produtos agrícolas: arroz, feijão, melancia, tomate, uva, mamona, manga, cebola, mandioca, melão, banana, milho, la-ranja e cana-de-açúcar. O lugar apresenta maior potencialidade para o desenvolvimento para a agricultura. A mineração e os trabalhos artesanais em cerâmica, esteiras e vassouras, também se destacam.

TRANSFORMAçõES NO/DO (TERRITóRIO) DO VALE SANFRANCISCANO

Nos últimos sessenta anos, o Vale do São Francisco tem atra-vessado por diversas alterações no seu território, proporcionan-do, assim, mudanças no âmbito econômico, social, cultural e ambiental.

A nova dinâmica foi resultado da imposição do Estado que, no discurso de promover o “desenvolvimento” da região, acabou alterando a dinâmica natural da mesma. Diretamente, situações distintas de introdução de novas práticas de produção, ligadas à “modernidade”, à tecnologia e ao mercado, pressionam e amea-çam, dessa forma, práticas tradicionais e introduzem novos há-bitos e novas formas de uso da natureza, desfazendo atividades tradicionais consolidadas. Os recursos aplicados no território do São Francisco foram direcionados principalmente para a intro-dução da agricultura irrigada, com destaque para a fruticultura.

Diante dessa nova lógica presente na região, se insere as afir-mações de Le Corbusier (1971), em que o autor afirma que “es-tamos vivendo uma nova sociedade da máquina”. As máquinas surgiram em massa, seu número cresceu de tal modo que tu-multuaram e modificaram o costume, a economia e a sociologia, assim, possibilitando transformações cada vez mais profundas.

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Associando essa descrição com a realidade presente, des-tacam-se, não diretamente em todos os municípios de análise, mas, em geral, no Vale do São Francisco. No entanto, tais cir-cunstâncias têm impactos diretos na dinâmica econômica vi-gente.

No século XX, o Estado, na figura do Governo Federal, utili-zando como tática de regularização do regime fluvial das cheias do São Francisco, construiu diversas barragens com o objetivo de gerar energia elétrica.

Em 1945, surge a Companhia Hidrelétrica do Vale do São Francisco (Chesf), cuja principal função é a de explorar o poten-cial energético de Paulo Afonso (BA), gerando energia elétrica para as indústrias locais. Por sua vez, a Comissão do Vale do São Francisco nasce em 1948, também com atuação sobre a gestão dos recursos hídricos, em especial na facilitação da comunica-ção nacional interna por via fluvial.

Nesses termos, a Barragem de Três Marias, o Complexo de Paulo Afonso e a Barragem de Sobradinho nascem como re-sultado do Estado, promovendo dessa maneira vários impactos na região, a exemplo de alterações ambientais, econômicas e, principalmente, sociais, já que em “nome do desenvolvimen-to”, cidades como: Casa Nova, Pilão Arcado, Remanso e Sento Sé foram inundadas, forçando, dessa forma, o deslocamento de mais de 70.000 pessoas para as novas cidades construídas. Além das mudanças, acrescentam-se a desestruturação familiar, o aumento do alcoolismo, a prostituição e o tráfico de drogas, como exemplo de transformações ocorridas no vale.

Souza (2010) ressalta que a convergência dessas ações pro-porcionou o que foi denominado de “Revolução Verde” devido ao grande impacto que ocorreu na caatinga. Já Gonçalves (2009)destaca que o processo de ocupação territorial e a expansão da produção do espaço capitalista nas margens do rio causaram a desconfiguração tanto da paisagem quanto do modo de vida ribeirinho. Tal ação patrocinada direta ou indiretamente pelo

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Estado incidiu na desestruturação das relações homem – ho-mem e homem – natureza.

Até a primeira metade do século XX (até meados de 1950), a economia no vale era ancorada na pecuária extensiva e na agri-cultura de subsistência, considerada uma prática familiar, sem muitas aspirações comerciais. Devido à atividade pecuária de-senvolvida no Vale, o rio São Francisco ficou conhecido como “Rio dos Currais”.

No entanto, após 1950 surge o interesse das autoridades pú-blicas para o potencial que as atividades agrícolas possuíam na região, transformando-a em agricultura irrigada em grandes es-paços e favorecendo a introdução de novas culturas, a exemplo da manga, melão, melancia, uva, cebola, tomate, entre outros. Assim, essas atividades ganham uma nova estrutura, passando, inclusive, a adotar o caráter de exportação.

No período de 1995 a 1999, a especialização territorial do submédio São Francisco em fruticultura se consolida, incorpo-rando sobremaneira o mercado externo. Prova disso é que no ano de 1996, a região era responsável por 87,2% das exportações brasileiras e respondia por cerca de 7% das exportações mun-diais, tomando como exemplo o caso da manga. (SILVA, 2001)

Os reflexos decorrentes dessa nova atividade se fizeram sen-tir, principalmente nas cidades de Juazeiro e Petrolina, pois, tornaram-se cidades mais competitivas e ao mesmo tempo com-plementares.

Para Andrade (2005), das intervenções anteriormente men-cionadas, um dos processos que conferiram maior transforma-ção ao território foi à iniciação dos sistemas de agricultura irri-gada, mesmo que tenham trazido negativamente seus impactos sociais sobre as comunidades tradicionais do território e aos im-pactos ambientais das técnicas introduzidas.

Por essa razão, Milton Santos (2007) coloca que o espaço geográfico é a acumulação desigual dos tempos. Ou seja, o ter-ritório pode ser tratado como lugar delimitado, apropriado e

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complexo, onde as redes sociais de poder e de dominação são estabelecidas. é, pois, no território que se concretizam as rela-ções sociais, históricas, culturais, econômicas e ambientais, for-malizando, ao final, a construção da identidade do povo que ali reside. (SOUZA, 2010)

Segundo Milton Santos (2007), o território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas super-postas, o território deve ser compreendido como o território usado e não o território em si. O território usado na análise do autor está baseado na junção de espaço mais o sentimento de pertencimento ao lugar.

Devido à vasta aplicabilidade na compreensão da configura-ção territorial, na atualidade, o termo território, tem sido uma das categorias mais abordadas da geografia. O território, na aná-lise de Raffestin (1993), se forma a partir do espaço.

Assim, para encerrar esta seção, ainda sobre a agricultura irrigada é válido colocar que essa nova realidade imposta e/ou introduzida no submédio São Francisco trouxe outros reflexos que puderam ser percebidos, na modificação do espaço urbano. Juazeiro e Petrolina tornaram-se cada vez mais competitivas e ao mesmo tempo complementares, como já visto.

Decorrente da irrigação, aconteceu a inserção de um novo meio de produção: a vinicultura – com a presença de um grupo de empresários do sul e sudeste do país, que chegam e introdu-zem novas tecnologias. Com isso, novas atividades vão surgin-do, como a prática da atividade turística – foco desse artigo no item a seguir.

O TURISMO COMO (NOVA) ATIVIDADE ECONôMICA NO VALE DO SãO FRANCISCO

Nesta seção daremos ênfase à inserção da atividade turística na região e o seu potencial de dinamização da economia regio-

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nal. Diante disso, surgem alguns questionamentos sobre o fato: como a população se apropriou dessa (nova) dinâmica? Como o potencial turístico regional está sendo tratado pela comunidade, poder público e poder privado?

Sabe-se que a evolução da economia associada ao dinamismo relacionado à organização espacial, ocorrido no território san-franciscano, a atual conjuntura econômica da região evidencia que a agricultura irrigada, a produção de vinhos e o turismo se constituem nas atividades com maior potencial de dinamização.

Por conta de todas as ocorrências na região, as segmentações de turismo são diversas, a exemplo da prática do turismo cultu-ral, o turismo rural, o turismo de negócios e a prática mais atual da região, que é o enoturismo.

A partir do ano de 1950, o Vale iniciou sua produção de uvas, mas só após 1978 deu início ao investimento na fabricação de vinhos finos. Atualmente, a região responde por 95% da uva de mesa cultivada no Brasil – sendo considerada a 2a maior produ-tora de vinhos finos – ficando atrás apenas do Rio Grande do Sul. (ZANINI; ROCHA, 2010)

Ao abordar o turismo na região e buscar referências para este artigo, percebeu-se que a atividade que mais ganha evidência no cenário regional refere-se ao enoturismo. Não se sabe se é pelo fato de ser uma atividade “nova” ou se é porque há uma dinamiza-ção econômica superior as demais atividades turísticas existentes. Haja vista que para haver esse tipo de modalidade é necessário que haja a plantação de uva e a produção do vinho. Independente de existir visitação ou não. O fato é que o turismo apenas contri-bui para dinamizar a prática e fortalecer (a economia, através da geração de emprego) o lugar onde o mesmo acontece.

O enoturismo é a prática do turismo em que a principal mo-tivação e atrativo é a uva e o vinho. (FALCADE, 2001) Essa mo-dalidade ainda é recente no Brasil e carece de pesquisas mais aprofundadas sobre a temática. Com a introdução do enoturis-mo, são consagrados a Rota da Uva e do Vinho – no qual tem o

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cultivo da uva associado à produção de vinhos de mesa e sucos com especialidades.

De acordo com Dias e Vital (2012), essa modalidade de tu-rismo vem despontando em muitos países por ser considerada uma alternativa de diversificação de sua atividade econômica, já que as regiões vitivinicultoras têm a oportunidade de agregar valor aos seus produtos e, ao mesmo tempo, envolver outros segmentos da região. Além disso, o setor encontra-se em franco crescimento e, especialmente nessa região, se diferencia de ou-tras regiões do Brasil e do mundo devido às suas especificidades econômicas e geográficas.

Todavia, ao abordar o campo do turismo, nessa região, o mesmo ainda é explorado de forma tímida, sem de fato produzir retornos efetivos ao que abrange a fatores econômicos. No en-tanto, já há, por parte dos poderes públicos (Bahia e Pernambu-co), a existência de investimentos no sentido de fortalecer essa atividade na região.

No Poder Público da Bahia – representado pela Secretaria de Turismo juntamente com a Bahiatursa – destaca-se o rema-peamento turístico, no qual a cidade de Juazeiro (BA) passou a integrar o Roteiro Vale do São Francisco. Dentre as estratégias criadas, há evidência do Passeio “Vapor do Vinho” – criado no ano de 2008 – onde, na oportunidade, o turista/visitante tem a chance de conhecer as belezas de diversos municípios.

A visita tem início na cidade de Juazeiro, seguindo por via ro-doviária até o Porto Chico Periquito – município de Sobradinho – onde o visitante navega em uma embarcação em direção ao Lago de Sobradinho, a fim de conhecer a barragem e realizando a eclusa (tipo de elevador de águas). O roteiro também abrange as cidades de Casa Nova – para visitação nas vinícolas e a oportu-nidade de fazer degustações, o conhecimento de diversos produ-tos, a exemplo de cosméticos à base de uva e vinho, confecções, acessórios, taças e artesanato. Esse passeio é comercializado por agências de receptivo.

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A região do São Francisco apresenta uma característica pe-culiar que é o fato de sua safra acontecer duas vezes ao ano. Isso em decorrência do clima seco e o processo de irrigação. Esses fatores proporcionam à região um diferencial e vantagem com-petitiva, tornando-a a 2a maior produtora de vinhos do país.

A partir do potencial da atividade turística no Vale do São Francisco, e a qualidade de seus vinhos, começa-se, então, a im-plantar o enoturismo nos municípios baianos de Juazeiro e Casa Nova, onde são produzidos vinhos finos e as vinícolas permitem visitação.

Em Pernambuco, zona fronteiriça com a Bahia, no mesmo vale, nos municípios de Petrolina, Lagoa Grande e Santa Ma-ria da Boa Vista, vinícolas importantes como a Botticelli, a Vi-niBrasil e Miolo (parceria poder público/privado) criaram um roteiro interligado de visitação, ampliando oportunidades e de-senvolvimento turístico com a agregação de valor dos recursos endógenos e da identidade cultural dos municípios produtores de vinhos da Bahia ou de Pernambuco que compõem a região vinícola do Vale do São Francisco.

As Vinícolas Ouro Verde, Garziera e Vinibrasil apresentam grande expressividade e articulação nesse segmento, apresenta boa infraestrutura para recebimento do visitante, com área de receptivo em torno de 250 a 400 m2, sendo dividido em adegas, caves e sala de degustação.

De acordo com Dias e Vital (2012), também se destacam quatro principais ações realizadas por parte do poder público, a saber: a promoção de eventos abertos, atraindo um grande nú-mero de turistas para a região; divulgação dos atrativos regio-nais e das novas opções de entretenimento oferecidas; a articu-lação de entidades turísticas ampliando as opções de captação de clientes; e o investimento em obras para infraestrutura básica.

Nessa ordem, destaca-se a Festa do Vinho e da Uva do Vale do São Francisco – o Vinhuva Fest que acontece no parque de

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eventos da uva e do vinho no município de Lagoa Grande (PE) e que atrai grande número de visitantes.

Sendo o turismo um fenômeno territorial, que se apropria e utiliza o território como espaço de consumo e de produção, afetando e sendo por este afetado, positiva ou negativamente, observam-se as transformações deste espaço a partir da introdu-ção dessa atividade. Nesse ínterim, podemos apresentar o exem-plo de Lagoa Grande, onde a chegada dos grandes produtores alterou a configuração espacial do Vale do São Francisco, uma vez que a área ocupada pela vinícola era antes dominada por pequenos produtores que cultivavam diversas culturas, sendo a principal delas a goiaba, que era vendida a uma fábrica de doces da região. Contudo, com a chegada da vinícola, os pequenos pro-dutores, que não tiveram suas terras compradas, modificaram todo o seu sistema produtivo para implantar a produção de uva, o que levou ao fechamento da antiga atividade econômica.

O enoturismo é a segmentação do mercado (turístico) que tem, nos dias atuais, maior reconhecimento econômico ao território do Vale. Entretanto, além dessa potencialidade reconhecida nacionalmente, outras modalidades estão presentes na região: o turismo cultural, o turismo de negócio, turismo rural, ecoturis-mo, entre outros.

O turismo cultural está presente, principalmente em Juazei-ro (BA), considerado o berço cultural da região. As atividades culturais predominantes na região são diversas, como o tradicio-nal Samba de Véio do Rodeador, a Procissão dos Penitentes na Semana Santa, a Lenda do Nego D´Água, a produção artesanal das Carrancas, especialmente as de barro de Ana das Carrancas.

Sobre a produção das Carrancas, particularmente, Juazeiro e Petrolina tem ênfase nesse tipo de artesanato, sendo estas ci-dades conhecidas como “Polo das Carrancas”. Esse tipo de arte-sanato esculpido em madeira ou em barro, figuras do artesana-to regional, metade homem metade animal, que acompanham

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antigas embarcações do São Francisco, visando protegê-las dos maus espíritos das águas, principalmente do lendário Caboclo D’ Água, conhecido pelos ribeirinhos como Nêgo Traquino, vi-rador de canoas. As “carrancas”, como ficaram conhecidas, são produzidas, sobretudo, neste trecho do rio e expressam a identi-dade do vale transformando-se em símbolo regional. (SOUZA; CALDAS, 2008)

As carrancas produzidas em madeira ou em barro tiveram maior representatividade no passado. Entretanto, de acordo com Moreira (2006), o consumo deste tipo de representação cultural ainda permanece, porém, oscilante. Na realidade, as vendas tive-ram seu auge na década de 1970, quando tal arte era produzida em larga escala como símbolo da região.

A riqueza cultural manifestada através de ritos, lendas, mi-tos e superstições, a culinária regional (particularmente o bode assado), as danças, a música instrumental ou percussiva, dentre outros, constituem não só em atrativos culturais, bem como, na identidade cultural da cidade.

No aspecto cultural, também é importante mencionar a culi-nária local. A gastronomia do lugar, cujo destaque vai para o bode, preparado de diversas formas. Por conta disso, foi criado na década de 1980 em Petrolina, o Bodódromo cuja finalidade é divulgar e valorizar a gastronomia local.

Embora haja uma predominância de elementos culturais importantes na região, observa-se que tal diversidade não tem se traduzido em fonte de desenvolvimento. Talvez, por falta de incentivo ou divulgação da atividade existente. Mas é fato que o aproveitamento desses elementos não só pode traduzir a ima-gem do lugar, como contribuir para a preservação de identidade e do patrimônio imaterial.

Ainda em Petrolina é importante mencionar o surgimento e o crescimento da cidade para o segmento do turismo de ne-gócio. Essa possibilidade aconteceu em decorrência do que já tratamos neste artigo. Isto é, a produção e exportação de frutas,

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principalmente, somadas à comercialização e ao preparo da car-ne de bode e peixes, e aos passeios nas águas do Rio São Francis-co têm favorecido esse tipo de modalidade econômica.

é válido mencionar que devido à expansão da mencionada modalidade, desde o ano de 2012, o município vem atraindo mais visitantes para a Feira Nacional da Agricultura Irriga-da (Fenagri), a Feira Internacional de Artesanato e Decoração (Feincartes), o Motochico e o São João do Vale – uma das maio-res festas juninas da região.

Por essa razão, a cidade conta, na atualidade, com uma rede hoteleira composta de 2.908 leitos representados através dos 30 hotéis de grande, médio e pequeno porte, além de pousadas, flats, entre outros meios de hospedagem.

A região do Vale do São Francisco, como o próprio nome denuncia, tem sua economia baseada principalmente nos seus ativos ambientais e pela sua aptidão agrícola, o que não deixa escapar a presença do rural. Desse modo, desponta ainda nesse cenário a possibilidade desse território, diga-se, o meio rural, a vocação do lugar para o desenvolvimento do turismo rural. Mesmo tratando-se de um espaço onde o crescimento acelerado das cidades ofusque a ruralidade existente. Dentro das diversas características e elementos, há a predominância do maior rio brasileiro em extensão que, por si só, justifica a aptidão, tam-bém, para o turismo rural.

O enoturismo também contribui para o desenvolvimento desse tipo de segmento (turismo rural). Uma vez que, devido ao crescimento de uma demanda interessada em conhecer e ex-perimentar o enoturismo, algumas propriedades vitivinícolas, a exemplo da Vinibrasil, têm investido em sua infraestrutura a fim de receberem melhor seus visitantes. Particularmente, a Vinibra-sil almeja a realização de mais investimentos, principalmente na construção de uma nova Adega e de um Restaurante. A longo prazo, os administradores da propriedade rural pensam em cons-truir um hotel de charme dentro da fazenda. (DIAS; VITAL, 2012)

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Também, é importante ressaltar que o ecoturismo – outro segmento turístico – vem ganhando espaço dentro dessa con-juntura. Sob a coordenação da Empresa Brasileira de Pesqui-sa Agropecuária (Embrapa) semiárido, essa atividade tem sido incluída, como alternativa dos diversos roteiros ofertados pelas agências de turismo da região. Nesse roteiro, é ofertado ao visi-tante através das trilhas, conhecer o bioma da caatinga.

O modo como à atividade turística mais as outras atividades se impuseram no território do Vale, só reforça que esse espaço sofreu e sofre modificações na sua dinâmica econômica, am-biental, cultural, histórica e principalmente social.

A interpretação da realidade local por seu povo propiciou a utilização do espaço, através de ferramentas diversas que deram origem a uma cultura própria e diversificada, onde a sua sobre-vivência se concretiza de várias maneiras, sendo a produção tu-rística, algumas delas. Os espaços são transformados não só em espaços de produção, mas em espaços de vivência e interações com o meio físico-natural, onde lendas, tradições, mitos e me-mória refazem o caminho cultural de seu povo. Dessa forma, a presença do rio é o grande vínculo e deveria garantir a sobrevi-vência dos seus moradores.

O aparecimento dessa(s) produção(s) a mercados exigentes, particularmente, ao mercado exterior,1 fez com que o submédio São Francisco tivesse/tenha que atender a uma série de exigên-cias e habilidades necessárias à participação nesse novo tipo de negócio. Novos desafios surgem para a população, a exemplo da compreensão do uso de novas técnicas, a convivência com a poluição dos rios, a necessidade de qualificação apropriada para atender o cliente exigente. Ainda assim, a “paisagem” das pe-quenas cidades é modificada, além dos laços fraternos serem ex-terminados e o interesse do capital se tornado uma prioridade.

1 No caso da exportação de frutas, principalmente.

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Acrescentam-se, assim, como exemplos dessas consequên-cias, as mudanças na organização do processo de trabalho e mo-dos de uso dos recursos ambientais, mas também, na utilização de símbolos e imagens nas características dos produtos.

Le Corbusier (1971, p. 27-28) faz referência a essa “nova re-alidade”, descrevendo com propriedade sobre esse “novo cená-rio”. De acordo com o mencionado autor, essa é a nova “nova sociedade da máquina”:

[...] o artesanato é substituído pela indústria, o artesão pela

manhã, acompanhada por um operário industrial ou por um

trabalhador braçal; a unidade família se rompe; todas as ma-

nhãs, o pai, a mãe, às vezes, a moça e o rapaz se dirigem, cada

um de seu lado, para seu ganha-pão, realizando tantas figuras

diferentes, às vezes, violentamente contrastadas. A ruptura do

equilíbrio tradicional das relações humanas, baseado na con-

fiança, é ilustrada por esta comprovação de real importância.

Nada do que mais outrora era utilizado como medida serve

hoje para julgar o comportamento de uma sociedade arran-

cada de suas tradições e que deu seus primeiros passos nas

extensões desconhecidas de uma nova civilização da máquina.

Nesse aspecto, é necessário citar o papel desempenhado pelo Estado na administração da região que coloca o interesse capita-lista em primeiro plano. Sousa Sobrinho (2009, p. 1) coloca que:

[...] Desde início da década de 1970, o Estado intensifica a in-

tervenção no Vale do São Francisco, a partir de um modelo

de desenvolvimento que altera os modos de vida tradicionais

da região e suas bases naturais. Expropriou as comunidades

tradicionais camponesas, executou obras de infraestrutura e

beneficiaram, através de financiamentos e assistência técnica,

sobretudo os grandes grupos empresariais oriundos de outras

regiões. Além disso, implantou um modelo educacional des-

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tinado à reorientação dos saberes e expectativas dos sujeitos

sociais locais para viabilizar a nova lógica – a econômica de

mercado.

Lipietz (1988) declara que o Estado é o responsável por remo-ver todas as barreiras do desenvolvimento capitalista, utilizando--se, para isso, o planejamento de infraestrutura (forçando a mu-danças na lei de valor do espaço) e a imposição de uma lógica capitalista avançada por meio de uma nova divisão do trabalho.

Diante disso, na medida em que o capitalismo avança, cresce a necessidade do trabalho, haja vista que todas essas mudanças na rotina dos moradores, os obrigaram a mudar a sua dinâmi-ca de trabalho. Dessa maneira, o ribeirinho, a comunidade, os moradores em nome da sobrevivência foram obrigados a se ade-quar a um novo modelo imposto pelo Estado. Assim, como já discutido, a “modernidade” está assentada nas raízes do desen-volvimento do capitalismo e, para tal, foi necessário modificar todas as relações até então existentes.

De acordo com Sousa (2010), o capital priva a classe traba-lhadora não somente dos bens que esta produz, mas de todos os objetos e ferramentas necessárias para a produção. Assim, com o objetivo da obtenção da acumulação, o sistema produtivo do capital amplia-se geograficamente em firme aliança com o Esta-do, através de políticas territoriais. Contrapondo com o Polo de Juazeiro – Petrolina tal aliança/realidade tem sido possível devi-do a expropriação do trabalho e dos frutos do seu trabalho pela apropriação dos instrumentos indispensáveis à sobrevivência.

Ainda segundo Sousa (2010), a “modernização” implantada apropriou-se dos elementos necessários à vida das comunida-des, com o objetivo de tornar o trabalho alienado. O que era fina-lidade básica do ser social, a busca de sua realização produtiva e improdutiva no e pelo trabalho, altera-se e transforma-se. Nesse sentido, o processo de trabalho deixa de ser o da necessidade essencial para ser o da valorização do capital.

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De outro modo, diz Marx e Engels no Manifesto Comunista, resumindo apenas numa frase: “tudo que é sólido desmancha no ar”. Berman (1982, p. 15) a desenvolve, com muita proprieda-de, no contexto da experiência da modernidade nos oferecendo a seguinte noção:

[...] ser moderno é encontrar-se em um ambiente que prome-

te aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e

transformação das coisas em redor – mas ao mesmo tempo

ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo

o que somos. A experiência ambiental da modernidade anula

todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionali-

dade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que

a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade

paradoxal, uma unidade desunidade: ela nos despeja a todos

um turbilhão de permanente desintegração e mudança, de

luta e contradição, de ambigüidade e angústia.

A fim de encerrar esta seção, evidenciam-se dois lados: pri-meiro, o mundo no qual as populações estão inseridas, comple-to de adversidades, dilemas, dificuldades e contradições. De ou-tro lado, um discurso proclamado pelo Estado, sendo contrário a essa realidade. Ou seja, o Estado, alicerçado em uma pregação totalmente hegemônica diz que todo o processo de transforma-ção é natural e deve ser aceitável, pois o que vale de fato é a luta pelo “desenvolvimento”, ou seja, tudo em “Nome da Modernida-de e Pela Modernidade”.

CONCLUSãO

Nesse trabalho procurou-se abordar e analisar as transfor-mações ocorridas no Vale do São Francisco, adotando como ob-jeto de estudo os municípios baianos de Juazeiro, Casa Nova e

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Sobradinho e do lado pernambucano, Petrolina, Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista. Para tanto, adotou-se como foco as ocorrências existentes na região e as consequências desse pro-cesso.

Foi identificado que o Vale do São Francisco, a introdução da “modernidade” foi pensada e concretizada para atender aos interesses do capital, motivado pela necessidade do lucro. A cha-mada “modernidade” veio através da inclusão dos processos tec-nológicos, a exemplo da introdução do sistema de irrigação que favoreceu o encadeamento de diversas alterações na vida de sua comunidade.

Essa nova dinâmica chegou à cidade e se impôs de forma hegemônica, determinando a adoção de novas formas de pro-dução, de tecnologias, de rotinas e de relações de produção que não respondem aos anseios e necessidades da organização do trabalho. Assim, com o desenvolvimento tecnológico, o povo do São Francisco foi condenado, muitas vezes, a se transformar em operário, pois, o capital, ao penetrar em seu espaço, procura se-parar sujeito do objeto e o converte em força de trabalho. Essa é a sua verdadeira lógica.

Por essas razões, torna-se importante resgatar as discussões sobre as prioridades de investimentos públicos. O que de fato a população precisa? quais são as suas carências? Entretanto, é importante não negligenciar outras necessidades, como a do fortalecimento de atividades que compunham os usos múltiplos e que foram sendo abandonadas em virtude dos impactos ante-riormente citados. Diante disso, o reconhecimento das tradições da comunidade deve ser estimulado e promovido, assim como, o fortalecimento e a difusão do acesso à educação, que poderá transformar e contribuir na organização e mobilização dos en-volvidos do Vale do São Francisco.

Identificou-se o surgimento de práticas antes não pensadas, como exemplo, a exportação de frutas, o solo propício para o

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plantio da uva e da produção do vinho. Além disso, o surgimen-to da atividade turística como complementação da “modernida-de” criada no território.

Sobre o aparecimento das diversas modalidades de turismo, a análise que se procurou desenvolver neste trabalho também é uma pequena contribuição aos estudos sobre o turismo no Vale do São Francisco. Espera-se que pesquisas, comunicações em eventos científicos e textos em periódicos impressos e digitais se acrescentem ao que aqui é tão somente um ponto de partida na consideração da atividade turística dos municípios referen-ciados.

Nos limites do que pretendeu neste texto, mostrou-se como a atividade turística vem sendo praticada no submédio, a relação existente entre essa atividade, decorrente de um fenômeno de mudanças ocorridas no lugar.

A Bacia do São Francisco concentra 504 municípios. Grande parte apresenta potencial para o desenvolvimento do turismo. Entretanto, essa atividade, se não for bem guiada, poderá provo-car danos irreparáveis ao meio ambiente (ao território) e à cultu-ra local. Nesse sentido, torna-se essencial uma consistente cons-cientização da comunidade autóctone e dos visitantes, a fim de assegurar a preservação dos bens culturais e paisagísticos para garantir a sustentabilidade econômica destas atividades, sempre tendo em vista a preservação ambiental do Vale.

Referências

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193

O turismo enológico como vetor de desenvolvimento sustentável no Vale do São Francisco:primeiras notas–

Ariadna da Si lva Bandeira Emíl ia Maria Salvador Si lva Natal ia Si lva Coimbra de Sá

INTRODUçãO

As vinícolas vêm atraindo consumidores de vinhos com ex-pectativas em experienciar o mundo onde a bebida é produzida. Nesses locais são vivenciadas as paisagens, as peculiaridades dos vinhedos, técnicas e o processo de vinificação, além da história, cultura e identidades locais. Este é o segmento de mercado co-nhecido como turismo enológico e que, no submédio do Vale do Rio São Francisco – Bahia/Pernambuco, teve seu planejamento estruturado pelos atores, governo da Bahia, organismos institu-

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194 - O turismo enológico como vetor de desenvolvimento sustentável.....

cionais e iniciativa privada, como política pública de desenvolvi-mento local e regional.

A vitivinicultura do semiárido brasileiro é uma excepciona-lidade no mundo, uma vez que está localizada entre os para-lelos 80 e 90S e produz, com escalonamento produtivo, uvas o ano todo totalizando 2 safras e meia em condições ambientais adversas como alta luminosidade, temperatura média anual de 260C, pluviosidade aproximada de 500mm, a 330m de altitu-de, em solo pedregoso. Seus vinhos possuem público crescente, porque são jovens “vinhos do sol”, peculiares nos aromas e sabo-res, fáceis de beber e de boa relação comercial qualidade/preço.

A pesquisa O Turismo Enológico como vetor de desenvolvimento sustentável no submédio do Vale do São Francisco – Bahia e Per-nambuco tem como objetivo principal investigar, na região, o crescimento do turismo enológico, a partir da sua implantação, identificando futuras ações que promovam o crescimento turís-tico-cultural num contexto da sustentabilidade. Nessa perspec-tiva, inclui como seus desdobramentos a elaboração de estudos que propõem a valorização dos elementos culturais identitários regionais sustentáveis, agregando valor ao vinho e vinícolas da região e, num mesmo plano, a necessidade de alinhamento do turismo enológico da região com políticas públicas nacionais de turismo. Em nível de resultados, objetiva a elaboração de um in-ventário que identifique os atrativos turísticos e diagnóstico dos principais agentes envolvidos na atividade turística com indica-ção de interlocução entre eles e elaboração de um prognóstico de possíveis novos serviços para o desenvolvimento sustentável do turismo enológico e para a construção de imagem regional integrada.

Institucionalmente, a pesquisa está em desenvolvimento no Departamento de Ciências Humanas I, da Universidade do Esta-do da Bahia (UNEB), em parceria com o Grupo de Pesquisa em Turismo e Meio Ambiente (GPTURIS-PPDRU) da Universida-de Salvador (Unifacs). Assim como estabeleceu articulação com

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outras instituições, a exemplo do Departamento de Tecnologia e Ciências Sociais, Campus III – Juazeiro, da Vinícola Ouro Verde, Vapor do Vinho, Associação de Guias do Vale de São Francisco, Câmara de Turismo do Vale do São Francisco, Sebrae Juazeiro, Bahiatursa e profissionais que atuam no trade turístico da Bahia. E ainda busca estreitar parcerias com instituições de Pernambuco durante o decorrer do projeto.

Com o diferencial em atender necessidades de pesquisas, em especial à atividade turística, o estudo em desenvolvimento é exploratório e envolve leituras de textos em livros, documen-tos, revistas e sites, construção conceitual e teórica de conteúdos específicos, viagens técnicas, observações e registros, entrevistas e questionários. Espera-se alinhamento necessário do turismo enológico com políticas públicas nacionais de turismo, a cons-trução de imagem regional integrada e, igualmente, um prog-nóstico de novos serviços, visando o desenvolvimento sustentá-vel do turismo na região.

O presente artigo, primeira comunicação sobre o projeto, está estruturado a fim de apresentar uma revisão de literatura sobre o tema, descrever os procedimentos metodológicos que estão sendo utilizados, divulgar os primeiros resultados obtidos em campo e analisá-los, traçando considerações parciais e novos rumos a se-rem seguidos.

REVISãO DE LITERATURA

Inicialmente, o estudo parte da definição de alguns concei-tos-chave do projeto que serão mais aprofundados durante o seu desenvolvimento, dentre eles, o de turismo enológico ou enotu-rismo e de sustentabilidade no setor vinícola. Em seguida, abor-da-se uma breve contextualização sobre a aproximação entre o turismo e a produção de uvas e vinhos, especialmente no que se relaciona à visita às vinícolas.

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qUESTõES-CHAVE: O ENOTURISMO E A SUSTENTABILIDADE

Segundo Getz e Brown (2006 apud KROGER, 2012, p. 20), o enoturismo pode ser considerado tanto como uma forma de comportamento de um consumidor, quanto uma estratégia para desenvolver um território e o mercado de vinho, assim como uma oportunidade de promoção das vinícolas para vender seus produtos diretamente aos consumidores. Conforme destaca ain-da a autora, percebe-se que podem ser incluídas diversas pers-pectivas na sua definição: marketing, desenvolvimento territo-rial, motivação do turista, dentre outras.

Conforme afirma Mitchell e colaboradores (2004 apud ZA-NINI, 2007), no caso do enoturismo são os atrativos oferecidos pelas vinícolas e as características próprias da vitivinicultura que funcionam como fatores internos (que empurram) e fatores ex-ternos (que puxam) que desencadeiam a procura pelos destinos de produção do vinho. A autora defende que:

Dentre os fatores externos, estão: provar e comprar vinho; par-

ticipar dos passeios pelas vinícolas; comer nas vinícolas; pai-

sagens rurais. Já como fatores internos, citam-se: socialização,

aprender sobre vinho; descanso; possibilidade de conhecer o

vitivinicultor. (ZANINI, 2007, p. 36)

Ainda conforme Mitchell e colaboradores (2004 apud ZA-NINI, 2007), o enoturismo deve ser pensado como uma ex-periência e não somente um produto turístico. Partindo dessa perspectiva, os motivos que levam à prática do turismo enológi-co são a busca de prazer, fantasia, estímulos sensoriais, afetivi-dade e divertimento. Ou seja, a experiência enoturística pode ser pensada como algo além do consumo de um simples produto.

Para Valduga (2011, p. 15), o enoturismo consiste em:

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[...] um segmento do fenômeno turístico, que pressupõe des-

locamento de pessoas, motivadas pelas propriedades organo-

lépticas e por todo o contexto de degustação e elaboração de

vinhos, bem como a apreciação das tradições, da cultura, gas-

tronomia, das paisagens e tipicidades das regiões produtoras

de uvas e vinhos. é um fenômeno dotado de subjetividade,

cuja principal substância é o encontro com quem produz uvas

e vinhos [...].

Outra questão que o presente estudo contempla é preocu-pação com a sustentabilidade no setor vinícola, que fornecerá elementos importantes para se pensar também as práticas de turismo enológico na região, por uma perspectiva de desenvolvi-mento ambientalmente responsável e socialmente comprome-tido.

De acordo com Souza e Gómez (2014), há um código especí-fico do Wine Institute e da California Sustainable Winegrowing Alliance (CAWG) que reúne um conjunto de práticas sustentá-veis para a indústria do vinho e que tem como objetivo orientar os gestores das vinícolas em relação à preocupação com questões sociais, econômicas e ambientais, a partir das seguintes catego-rias de análises: viticultura; manejo do solo; gestão da água no vinhedo; gestão de pragas; qualidade do vinho; gestão de ecos-sistemas; eficiência energética; conservação e qualidade da água na vinícola; manuseio de materiais; redução e gestão dos resí-duos sólidos; compras ambientalmente preferíveis; recursos hu-manos; vizinhos e comunidades. Em um mercado globalizado e competitivo como o do turismo enológico, que possui um públi-co diferenciado no que se refere à classe social e poder aquisitivo, uma verdadeira preocupação com a sustentabilidade da atividade é um elemento essencial para o marketing do destino e valoriza-ção de seus equipamentos, principalmente as vinícolas, passan-do ao seu público consumidor a ideia de “imagem distintiva de ‘limpa e verde’.” (SOUZA; GóMEZ, 2014, p. 5)

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Ainda no que se refere à sustentabilidade, esta não se constitui em uma preocupação exclusivamente relacionada à produção de vinhos, mas da própria atividade turística na região. Isso porque, conforme destacam Almeida, Mousinho e Souza (2012), os impactos negativos no meio ambiente decorrentes do turismo são observados nos diferentes meios (água, ar, solo, fau-na e flora). Dados do Banco do Nordeste (1999 apud ALMEIDA; MOUSINHO; SOUZA, 2012, p. 108) apontam que os principais impactos das práticas turísticas estão relacionados:

[...] à degradação da paisagem; ao aumento da utilização e da

necessidade de abastecimento de água potável e à contamina-

ção da água dos rios e mares; à degradação da flora e da fauna

locais; ao aumento da geração de resíduos sólidos, da deman-

da por energia elétrica e do tráfego de veículos; às alterações do

estilo de vida das populações nativas; às mudanças nas formas

de exploração econômica da região afetada, com alterações,

tais como na agricultura e na pesca, para a prestação de servi-

ços ao turista; ao aumento sazonal de população; à implanta-

ção de obras de infraestrutura.

Assim, é necessário que as questões de sustentabilidade sejam pensadas de forma a minimizar esses impactos negati-vos, para que os impactos positivos possam ser potencializados. A partir de estudos já realizados no âmbito do Projeto Rio São Francisco: cultura, identidade e desenvolvimento do GPTURIS, identificou-se que a região conta com diversas características que comprovam o seu potencial turístico para o desenvolvimen-to sustentável, como é o caso da diversificada cultura regional (COIMBRA DE SÁ; SOUZA, 2010); suas histórias, contos, len-das e tradições (ANDRADE, 2010); sua rica gastronomia (AZE-VEDO, 2010); e o artesanato local. (SOUZA et al., 2010) Portan-to, os aspectos ambientais e culturais do Vale do São Francisco, em especial na região de Juazeiro e Petrolina, associados à pro-

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dução das vinícolas, apresentam um expressivo potencial para o turismo enológico.

A RELAçãO ENTRE AS VINÍCOLAS E O TURISMO ENOLóGICO: UMA BREVE CONTEXTUALIZAçãO

Ir às vinícolas/vinhas1 do Velho Mundo dos vinhos, por exemplo, é conhecer a simetria, a ordem, a elegância, o refina-mento e deleitar-se da paisagem exuberante de campos cuida-dos e de cultivos que lembram quadros românticos.

A conversa com o produtor, a peculiaridade do vinhedo, o sa-

bor da uva colhida do pé e o acompanhamento do processo de

vinificação estão sempre expressos no vinho. é uma experi-

ência obrigatória que estimula repeti-la outras vezes, mundo

afora. (LUCKI, 2013, p. 130)

As pessoas também são atraídas a adentrar na história e na cultura destes povos que perpetuaram e evoluíram as técnicas do processo de vinificação por gerações, em alguns casos, de até 10 séculos, além de conhecer os atuais ajustes tecnológicos equilibrando o novo e o antigo. Os castelos que estão estampa-dos nos rótulos corroboram com a força e o charme do vinho e no prestígio da visitação às vinhas, vinhedos e vinícolas famosos do mundo.

Historicamente, existem registros que o enoturismo nasceu na Itália em 1993, fruto do Movimento de Turismo do Vinho, uma associação italiana que criou a ideia da Cantina Aberta com produtores locais recepcionando e guiando pessoas em visita às vinícolas. A iniciativa foi tão bem-sucedida que, cinco anos de-

1 plantação de videiras para produção de uva, uva passa e vinho.

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pois, tornou-se um evento mundial conhecido como Wine Day. (CHIARI 2000 apud ZANINI, 2007, p. 47)

Segundo Bibas (2012), há registros, por exemplo, que, em 1997, foi inaugurado o projeto de enoturismo do Esporão como o primeiro a ser certificado em Portugal com passeios pelos vinhedos,2 viagens de barco na barragem, visitas às caves e ade-gas, provas de vinhos e cursos vínicos dentre outras atividades.

Mas, este desdobramento do enoturismo resultará em efei-tos muito mais vultuosos que os encontrados. Um exemplo é projeto de enoturismo em andamento que prevê construção de um campo de golfe em volta de um lago, com residências a ser comercializadas na região de Roncão d’El Rei, em Portugal. (BIBAS, 2012)

Ir aos vinhedos do Novo Mundo dos vinhos, principalmente nos Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e América do Sul, é conhecer a eficiência, a praticidade, a precisão do controle e a condução da natureza.

Deve-se considerar que a introdução da uva no Brasil ocor-reu com os portugueses, mas o incremento da cultura do fruto e a produção do vinho aconteceu com os imigrantes italianos no final do século XIX, na região do Rio Grande do Sul, devido aos fatores climáticos e à qualidade da terra que mais se aproxima-vam da origem.

Hoje, a vinicultura do Brasil ocupa 81 hectares com vinhedos desde o extremo Sul do país até a linha do Equador. A primeira região que se destaca é a do Rio Grande do Sul, que pode con-tribuir em média com 777 milhões de kg de uva/ano. é o maior concentrador de vinhos e suco da fruta fresca (mosto) com uma média anual de 330 milhões de litros. (BRASIL, 2014)

A segunda região que se destaca no país é a do submédio do rio São Francisco, onde é polo de frutas – Petrolina-PE e Juazei-ro-BA – responsável por 95% das exportações nacionais de uvas

2 Vinha de grande extensão.

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finas de mesa (BRASIL, 2014). Os municípios de Casa Nova (BA), Petrolina (PE), Lagoa Grande (PE) e Santa Maria da Boa Vista (PE) compõem, provavelmente, a primeira região vinícola tropical do mundo e, com certeza, o segundo maior centro pro-dutor de vinhos finos do país, produzindo cerca de sete milhões de litros de vinhos finos/ano, representando 15% do mercado nacional. (BON VIVANT, 2012)

No mundo inteiro, mais de uma dezena de países já pro-duzem vinhos tropicais. Contudo, poucos apresentam produ-ção expressiva. Na América do Sul, cabe destacar a produção de vinhos em regiões tropicais na Venezuela, além do Brasil. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (2014) afirma que o Brasil é um dos pioneiros na área de vitivinicultura tropical tendo a região Vale do submédio São Francisco como referência pelas suas características peculiares e sua produção comercial.

A vitivinicultura no semiárido brasileiro é uma atividade re-cente, meados dos anos 1980, com a implantação de videiras eu-ropeias trazidas do Sul do Brasil. As características são diferentes das regiões mais tradicionais produtoras de vinhos no mundo, porque ela possui temperatura média anual em torno dos 260C, pluviosidade de aproximadamente 500 mm, concentrada entre os meses de janeiro a abril, a 330m de altitude e como está loca-lizada entre os paralelos 80 e 90S, o clima é caracterizado como tropical semiárido, com alta luminosidade. (EMPRESA BRASI-LEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA, 2014).

Observa-se que a viticultura foi introduzida no semiárido brasileiro na década de 1950, pela Companhia de Desenvol-vimento do Vale do São Francisco (Codevasf) cujos primeiros trabalhos foram direcionados para uso de fertilizantes, técnicas de cultivo e descrição fenológica das plantas. Entretanto, com a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Semiá-rido (Embrapa Semiárido), foram desenvolvidas novas tecnolo-gias, permitindo o incremento da produção e da qualidade das

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uvas produzidas para o mercado consumidor a ponto de produ-zir vinhos na região.

Para alcançar tais resultados, as tecnologias tiveram que ser ajustadas a essas condições mencionadas. A tecnologia da agri-cultura irrigada, a partir da água do rio São Francisco, foi o fator determinante no controle da safra e na definição da colheita – processo próspero que reduziu os investimentos em termos de infraestrutura para a elaboração dos vinhos. Ocorreram uniões de órgãos – regionais e nacionais – convênios e cooperações entre entidades de pesquisa e ensino, participação da iniciati-va privada e poder público local, que resultaram nos avanços científicos obtidos, através da Embrapa Semiárido (CPATSA, Petrolina-PE, criação do laboratório de enologia experimental), Embrapa Uva e Vinho (CNPUV, Bento Gonçalves-RS), Instituto Tecnológico de Pernambuco (Itep), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep/MCT), a Fundação de Amparo à Ciência e Tec-nologia do Estado de Pernambuco (Facepe), Associação dos Pro-dutores e Exportadores de Hortigranjeiros e Derivados do Vale do São Francisco (Valexport), Instituto do Vinho do Vale do São Francisco (Vinhovasf), ADDipper, Senai-Certa e o Cefet de Pe-trolina (formação e capacitação de novos talentos), prefeituras de Petrolina, de Lagoa Grande e de Santa Maria da Boa Vista. (FERREIRA, 2012)

Em meados dos anos 1990 e no início dos anos 2000, ou-tras empresas se instalaram na região, o que proporcionou um maior aumento do volume de vinho elaborado, como a Dão Sul de Portugal, vinícola Rio Sol, em Pernambuco e, na Bahia, a Fa-zenda Ouro Verde – integrante da Miolo Wine Group, entre ou-tras. (FERREIRA, 2012)

O processo de desenvolvimento do enoturismo associado à vitivinicultura3 no Brasil desenvolveu-se mais em 1990 no Rio Grande do Sul. Foi usado como ferramenta agregadora de valor

3 Vitivinicultura é o desenvolvimento que envolve o cultivo da uva e a fabricação do vinho.

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para o mercado diferenciado e como um dos meios para a venda direta ao consumidor brasileiro de vinhos que caracterizava-se como uma demanda grande e por vinhos de baixa qualidade.

O cenário era um resultado ainda não tão satisfatório de inves-timentos em alguns itens na melhoria dos padrões de qualidade da uva para tornar o vinho nacional reconhecido mundialmente. Foram introduzidas formas sistemáticas na organização da pro-dução, uso massivo de agroquímico, capitalização das cantinas, formação industrial, e uma maior participação das cooperativas. (LAPOLLI et al., 1995; PROCISUR, 1999; SANTOS, 1999 apud NIEDERLE; VITROLLES, 2010)

Em contraponto, ocorreu a abertura para o Mercosul e co-mércio internacional, o que permitiu a entrada de produtos mais competitivos em qualidade e preço. Ocorreram as perdas de multinacionais, empresas, cooperativas e indústrias. (MIE-LE; ZYLBERSTAJN, 2005 apud NIEDERLE; VITROLLES, 2010) A reação positiva ficou nas mãos de agricultores mais capitaliza-dos e de cantinas de pequeno porte, familiares e independentes do circuito de produção e comercialização, com boa capacidade de inovação e inserção na economia. (NIEDERLE; VITROLLES, 2010; VALDUGA, 2007) Assim, o enoturismo na Serra Gaúcha tornou-se significativo.

O enoturismo, no submédio do vale do Rio São Francisco, foi lançado de forma diferenciada do exemplo do Rio Grande do Sul, pautado na iniciativa exclusiva de empresários da região. O segmento turismo enológico foi implantado na Bahia pela Se-cretaria de Turismo (Setur) e Empresa Baiana de Turismo (Bah-iatursa), em outubro de 2008, como parte das políticas públicas governamentais estaduais voltadas ao desenvolvimento local e regional em parceria com a iniciativa privada, especificamente a Fazenda Ouro Verde, em Casa Nova.

Do ponto de vista do desenvolvimento regional ainda não há elementos que subsidiem uma visão estratégica de mais longo prazo capaz de orientar o poder público e a iniciativa privada

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sobre os desdobramentos necessários para fomentar a atividade turística a partir da vitivinicultura numa importante região do nordeste brasileiro. Na região existem sete vinícolas, mas atual-mente apenas duas delas – Ouro Verde (BA) e Rio Sol (PE) – têm capacidade receptiva voltada ao atendimento aos turistas e visitantes que circulam nos dois estados.

Porém, o turismo enológico possui potencial para configu-rar-se como um cluster na região. A divulgação, qualificação de recursos humanos e criação de novos produtos apontam para a possibilidade de elaboração de projetos integrados que promo-vam o crescimento turístico-cultural da região como um todo. Nesse sentido, o projeto busca inserir-se nessa perspectiva, abrangendo os estados da Bahia e de Pernambuco.

METODOLOGIA

Os procedimentos metodológicos já adotados na presente pesquisa foram iniciados com pesquisa exploratória realizada por 50 estudantes e professores do Curso de Turismo e Hote-laria do DCH-I da Uneb, que viajaram à região do Vale de São Francisco no período de 25 a 28 de agosto 2011 e fizeram aplica-ção de questionários, visando obter informações iniciais sobre a qualificação do pessoal que trabalha no atendimento a turistas e visitantes, o nível de preparação das vinícolas para atendimento ao público, atrativos e equipamentos turísticos existentes e os produtos complementares ao turismo enológico – a exemplo da rica gastronomia da região e a inesgotável potencialidade do Rio São Francisco.

Atualmente, estão previstas outras ações metodológicas in-cluindo estudos documentais e bibliográficos e procedimentos práticos, que a seguir serão discriminados. Os procedimentos iniciais incluem leituras de textos colhidos em livros, documen-tos, revistas e sites para a construção conceitual e teórica de con-

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teúdos específicos sobre cultura da uva e produção de vinho, da área de turismo – compreendendo fluxo, permanência, gastos, atrativos e equipamentos vinculados à atividade turística – e co-nhecimento territorial e regional, uma vez que a perspectiva da regionalização é um conceito de integração regional e territo-rial, recomendada pelo Ministério do Turismo em seu Programa Nacional de Turismo (PNT). Os procedimentos de campo con-sistem em viagens técnicas para fins de levantamentos, obser-vações e registros a respeito das uvas, vinhos, cultura, turismo enológico e serviços da região visando à produção acadêmica.

Durante todo o projeto, por meio de entrevistas, formais e in-formais, e aplicação de questionários, serão identificados aspec-tos mercadológicos (oferta) dos vinhos e turismo enológico com identidade cultural e tecnológica, além da reprodução dos docu-mentos disponibilizados. Também em entrevistas serão identifi-cadas as participações dos poderes comunitários, municipais, es-taduais e federal hierarquizando, politicamente, as relações com as cadeias produtivas do vinho e do turismo enológico. Visitas técnicas envolvendo alunos da graduação para aprofundamento do conhecimento do objeto com outros desdobramentos e o re-conhecimento da demanda (fluxo, permanência, gastos, outros). No que se refere aos recursos necessários, haverá a necessidade de bolsas de monitoria de extensão e/ou iniciação científica para os estudantes selecionados a participar desta pesquisa.

RESULTADOS PRELIMINARES

A primeira visita de campo às cidades de Petrolina (PE), Jua-zeiro e Casa Nova (BA), no âmbito do projeto atual, foi realizada no período de 21 a 23 de agosto de 2014, pelas professoras-pes-quisadoras da UNEB, autoras do presente artigo. E a partir de observações diretas e dados coletados durante a visita, apresen-ta-se a seguir um relato de campo.

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Convém destacar que a viagem se deu para o estabelecimen-to de contato com os agentes sociais locais e o levantamento de dados preliminares que visam embasar e justificar a importân-cia do projeto do ponto de vista dessa experiência cada vez mais valorizada na sociedade contemporânea: a do turismo enológico.

O envolvimento dos atores que integram a cadeia produti-va do turismo enológico no submédio do Vale de São Francisco como Governo, instituições empresariais e/ou institucionais – a exemplo da Associação de Guias, Câmara do Vale de São Fran-cisco, Bahiatursa, Empetur, Sebrae-BA, Sebrae-PE, UNEB, entre outros – é traduzido em um grande número de profissionais atuantes e que são os principais responsáveis por promover a região como o segundo maior polo enoturístico do país, não ape-nas em nível de produtividade vitivinícola, mas igualmente em termos de visitação.

Existem sete vinícolas no submédio São Francisco, mas ape-nas duas têm infraestrutura voltada ao atendimento ao turista como salas de degustação, boutique de venda de souvenir e a presença de enólogos que acompanham os visitantes discorren-do sobre a história dos vinhedos e a elaboração dos vinhos e espumantes da região. A Fazenda Ouro Verde, na Bahia, abriu as portas ao turismo em 2008, partindo do zero e hoje registra números em torno de 2.500 visitas/mês, em períodos de alta estação.

Outro elemento fundamental – e que se traduz como um produto turístico complementar – é a diversificada gastronomia da região. Os vinhos foram criados e adaptados à rica culinária de peixes, carne de bodes e carneiros que harmonizam com as uvas predominantes cultivadas na localidade. O conhecido for-rozeiro, Zelito Miranda, por solicitação da Bahiatursa, criou um jingle que recomenda “o beiju com o espumante, o peixe com vinho branco e o bode com vinho tinto” – misturando elemen-tos fortes da culinária local com a harmonização desejada dos vinhos.

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A participação dos pequenos produtores locais é um fato e revela a prática da produção associada ao turismo como a mais sustentável por promover a inclusão da comunidade de peque-nos produtores no processo produtivo do turismo.

Neste cenário positivo novos equipamentos foram criados. Governo e empresariado lançaram o Vapor do Vinho – experiên-cia única na América do Sul – explorando os recursos do rio São Francisco com a eclusagem que transporta os passageiros em um elevador de água de cerca de 30 metros. A inauguração de novas unidades hoteleiras na região é também uma demonstra-ção de confiança da iniciativa privada, que aposta no crescimen-to do setor e responde afirmativamente a um aumento de fluxo de turistas e visitantes no Vale do São Francisco.

CONSIDERAçõES PARCIAIS

O Brasil vitivinícola faz parte do chamado Novo Mundo do Vinho – países que produzem vinhos utilizando-se mais da tec-nologia e das habilidades dos enólogos. No Vale dos Vinhedos, investimentos em promover a melhoria da qualidade na elabo-ração dos vinhos motivou a contratação de consultoria especia-lizada de enólogos – a Wine Miolo Group contratou o enólogo francês Michel Rolland – visando obter melhor aproveitamento da produção (MIOLO, 2008, informação verbal).4 Este esforço foi recompensado pela expressiva quantidade de prêmios que os vinhos brasileiros, notadamente os espumantes, receberam no mercado internacional.5

4 Entrevista coletiva com adriano Miolo durante o evento Wine Bahia, realizado em 18 de julho de 2008.

5 a título de ilustração, três vinhos brasileiros figuram na lista dos 100 melhores do mundo, segundo ranking realizado pela associação Mundial de Jornalistas e Escritores de Vinhos e licores (WaWWJ). as bebidas nacionais ranqueadas foram o aurora Espumante Moscatel (56º lugar) e o aurora Reserva Merlot

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Na comunidade mundial dos vinhos, é considerada sur-preendente a elaboração de vinhos no paralelo 8, uma vez que a produção de vinhos se concentra prioritariamente entre os para-lelos 30 e 40, nos hemisférios norte e sul.

Uma nova experiência, já testada em Napa Valley e Men-donza, está chegando ao Vale dos Vinhedos – a implantação de condomínios com vinícolas, hotéis, restaurantes, cafés, quadras poliesportivas, salão de festas e que abrigam produtores inician-tes que desejam produzir seu próprio vinho e contam com a as-sistência de enólogos do projeto. (SPA DO VINHO..., 2014) São hectares de terroirs6 apropriados ao cultivo das uvas e disponibi-lizados a um determinado número de compradores individuais. Já está previsto o funcionamento de um condomínio similar na Vinícola Ouro Verde (BA) para o ano de 2015 motivado pelo fato que a irrigação, a falta de chuvas, o clima semiárido contempla um dos melhores terroirs do mundo na elaboração de vinhos e espumantes. (BENEDETTI, 2014, informação verbal)7

Na região – onde o turismo de negócios ainda é predomi-nante – o trade turístico se movimenta visando atender à deman-da crescente observada a partir do lançamento oficial do enotu-rismo, em 2008. Percebendo o aumento do fluxo de visitantes e turistas que chegam à região, motivados pela visita às vinícolas, operadores de turismo da Bahia e Pernambuco lançaram rotei-ros integrados com pacotes que incluem passeios no rio São Francisco, visita às vinícolas e apreciação da rica e diversificada culinária existente na região. O público nordestino é apontado como o mais assíduo e observa-se um novo comportamento do residente que tem orgulho de mostrar – e acompanhar parentes

2011 (65º), ambos da vinícola aurora; e o garibaldi Espumante Moscatel (97º), da Cooperativa Vinícola garibaldi. (saloMÃo, 2014)

6 Terroir é a soma das condições ambientais – solo, clima, altitude, chuvas, rele-vo – no qual a vinha se desenvolve, influenciando no resultado final do vinho.

7 Entrevista com Eurico Benedetti, CEo da Fazenda ouro Verde, durante visita realizada em 22 de agosto de 2014.

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e amigos – em visita às vinícolas existentes na região. é o senti-mento de pertencimento que a população local vivencia.

O alinhamento do segmento com políticas públicas nacio-nais, elaboradas pelo Ministério do Turismo no Programa Na-cional de Turismo (PNT), acena com melhorias comuns à Bahia e Pernambuco num contexto de integração regional e territoria-lidade, a exemplo de cursos de qualificação, realização de even-tos com apoio e divulgação nacional, projeto comum de sina-lização turística, roteiros integrados divulgando os atrativos e equipamentos turísticos da região e, sobretudo, um esforço de promoção conjunta nos mercados nacionais que promovam a região como destino enoturístico, ressaltando os elementos cul-turais identitários regionais sustentáveis.

No cenário atual, a perspectiva de crescimento do setor eno-turístico é positiva, especialmente pelo fato do vinho estar rela-cionado à saúde, promovendo, assim, um aumento no número de consumidores em nível mundial. E a criação de eventos como feiras, cursos em vinícolas, festas da colheita, entre outros, con-tribui para o aumento do número de turistas e também para o fortalecimento da economia nos destinos praticados.

O turismo dos vinhos é um turismo de experiência e uma nova oferta turística que promove a valorização do patrimônio natural, histórico, cultural da região e a criação de uma imagem regional integrada comprometida com o desenvolvimento sus-tentável do turismo enológico no submédio Vale de São Francis-co – Bahia e Pernambuco.

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São João de Jequié:estabelecendo laços entre os megaeventos

juninos e a tradição

Nerivaldo Carneiro de Menezes JuniorRegina Celes te de Almeida Souza

INTRODUçãO

Ao abordar um tema referente às festas, tais como os festejos juninos, fruto de investimentos e programações culturais diver-sas, o presente artigo tem por objetivo analisar como acontecem as manifestações culturais em tais festejos, e também como se configura o São João em seus principais espaços festivos na ci-dade de Jequié – Bahia, localizada às margens do Rio de Contas, acerca de 365 km da capital Salvador.

Esse entendimento parte da ideia de que as comemorações juninas têm um amplo raio de alcance, ultrapassando distâncias consideráveis, e atraindo uma grande contingência de pessoas

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que se deslocam e visitam os espaços festivos, não só em bus-ca de diversão, mas também para o reencontro com familiares e amigos. Tradicionalmente, comemora-se o São João no Nor-deste brasileiro no mês de junho, período em que as cidades ganham uma áurea das festas de tradição. Nessa época, nota-se que as pessoas sentem-se contagiadas pelos costumes locais que acompanham os folguedos em questão, desde as comidas típi-cas aos concursos de quadrilhas, incluindo as vestes e os ritmos musicais, como o forró, o baião e o xaxado, representando uma especificidade própria dos festejos locais.

Por outro lado, vale ressaltar que toda a movimentação de pessoas e a preparação de cenários para e, durante estes eventos, tem um rebatimento espacial, que embora efêmero, modifica temporariamente a cidade, que passa por um processo de meta-morfose e de apropriação do seu território pelos organizadores, para a realização desses eventos.

Buscou-se estudar essa engrenagem e suas consequências, o que é investido, como é preparado, quais as prioridades que são dadas pelos gestores públicos, ou pelos empresários, quais os principais atores desse evento, visando à possibilidade de par-cerias público-privadas. Estudar igualmente a procedência dos visitantes e a sua real motivação para a viagem, bem como vá-rias outras informações, foi o que se pretendeu com a pesquisa empírica. Enfim, examinar o que pode resultar como benefícios da festa para a cidade, para sua “imagem’’, enquanto manifesta-ção da cultura local, sertaneja, e, ao mesmo tempo, concatenada com a conjuntura mundial, sendo também espetacularizada; o que pode resultar de um envolvimento de mais segmentos da sociedade local, direcionando-os para o fortalecimento deste lu-gar como produto turístico, estabelecendo estratégias de atração cada vez mais fortes para um fluxo contínuo de visitantes.

Assim sendo, procurou-se estruturar este artigo em três se-ções, incluindo a primeira que corresponde à presente introdu-ção, onde justifica-se a escolha do tema e os objetivos do artigo.

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Na segunda seção, tentou-se explicar a origem e a dinâmica do evento, como ele tem se modificado ao longo do tempo e o que representa para a sociedade brasileira, nordestina e, em nível local, para as diversas cidades onde ele ocorre. Para tanto, levou--se em conta, por um lado, a globalização da economia e seus reflexos sobre as culturas locais, como as mudanças de costu-mes e os modismos diversos; e, por outro, tentou-se explicar a busca da identidade de uma sociedade por meio das suas raízes, da sua tradição.

Na terceira seção, procurou-se apresentar como o evento do São João de Jequié se espraia territorialmente nesta cidade, utili-zando-se do croquis elaborado anteriormente em dissertação de mestrado. (MENEZES JUNIOR, 2013) Este croquis foi realizado a partir das informações do Google Earth, onde se pode visuali-zar as tipologias mais marcantes das áreas da festa em Jequié, quais sejam: os forrós promovidos pelo poder público local e os chamados “forrós de camisa” organizados pela iniciativa priva-da. A partir da primeira categoria, ou seja, dos forrós promo-vidos pelo poder público, destacou-se a “Vila Junina”, para um trabalho de campo, onde foram aplicados entre os dias 19 e 24 de junho de 2013 um total de 313 questionários com perguntas abertas e fechadas.1 E, por fim, encerra-se o artigo com as con-siderações finais propondo-se um aprofundamento da questão para a elaboração de um produto turístico.

A FESTA E A SUA IMPORTâNCIA PARA O SER HUMANO

Necessário se faz o entendimento da relevância da festa para o homem como sendo uma oportunidade de vivenciar com os

1 aprofundando-se o estudo com a pesquisa empírica na “Vila Junina”, contou--se com a colaboração dos alunos do sétimo semestre de 2013/2 do curso de administração de Empresas das Faculdades integradas Euclides Fernandes (Fief), de Jequié-Ba, aos quais os autores agradecem.

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seus amigos, familiares, visitantes e turistas, momentos de lu-dicidade muito importantes, que permitem a quebra do cotidia-no, conforme assinala Duvignaud (1983 apud CASTRO, 2012, p. 39):

As festas se configuram como eventos que determinam uma

ruptura da vida social caracterizada pela produção de um tem-

po e de uma forma de vivência momentaneamente alternati-

vos ao cotidiano burocratizado e normatizados pelas regras de

conduta social.

As festas sempre ocuparam um lugar importante na cultura brasileira. Vários autores tem se preocupado com esse tema – A festa – e o seu significado para o homem: Amaral (1998), Canclini (1983), DaMatta (1990), Eliade (1992), Magnani (2013), deram grandes contribuições a esse respeito. (CASTRO, 2012, p. 39-45)

Em Cox (1974 apud CASTRO, 2012, p. 40-41) destaca a im-portância da festa como “válvula de escape” e como forma de oferecer ludicidade à cotidianidade:

A festividade é, pois, um período de tempo reservado para

a expressão plena do sentimento. Consiste dum irredutível

elemento de prodigalidade, dum viver intensamente. A expe-

riência o comprova; traz alegria, o que, aliás, explica porque

felicitamos aos outros em dias festivos, e consideramos bem

sucedida uma festa em que todos se divertiram bastante. Sen-

do a festividade uma coisa que se faz por sua própria causa,

propicia-nos breves férias das tarefas diárias, e uma experiên-

cia sem a qual seria insuportável a vida. Por sua vez, há certas

coisas que não constituem festividade.

Com relação às festas populares, assim se exprime Castro (2012, p. 42):

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Nerivaldo Carneiro de Menezes Junior e Regina Celeste de Almeida Souza - 217

As festas populares se constituem em uma importante mani-

festação cultural que pode ter sua origem em um evento sa-

grado, social, econômico ou mesmo político do passado e que

constantemente passam por processos de recreações e atuali-

zações; como destaca Claval (1999), a cultura como herança

transmitida, pode ter sua origem em um passado longíicuo,

porém não se constitui em um sistema fechado, imutável de

técnicas e comportamentos. Esta concepção de cultura como

sistema aberto permite ao pesquisador compreender o dina-

mismo de algumas manifestações culturais importantes que

representam a ponte entre o passado e o mito auriático fun-

dante é o presente.

Conforme comenta Lefèbvre (1991 apud CASTRO, 2012), a sociedade rural foi a sociedade da festa. Nesse sentido, infere--se que o isolamento físico das propriedades rurais era quebrado pelas relações sociais do compadrio e de todo tipo de relações parentais. Também o calendário das festas religiosas contribuía para a aproximação das pessoas no meio rural. Nessas festas e nas comemorações de família, através dos casamentos, batiza-dos ou mesmo nos enterros, eram vivenciados momentos de encontro e de confraternização.

A Festa de São João, hoje conhecida como “a mais brasileira das festas”, não nasceu em solo nacional. Sua origem remonta às celebrações pagãs, anteriores ao Cristianismo, realizadas no solstício de verão – 21 de junho, no Hemisfério Norte – em que se comemorava a colheita. “Com a expansão do Império Roma-no e a consequente disseminação do Cristianismo, as celebra-ções pagãs foram revestidas pelo manto da Igreja Católica, tor-nando-se festas de santos. A de São João foi uma delas”, explica Maria Celeste Mira (2011 apud GIANNINI, 2012).

Como é comum no Nordeste brasileiro, as festas religiosas têm também um lado profano; e o mesmo é observado nos fes-tejos do São João. Essa festa é representada pela fartura, princi-

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218 - São João de Jequié

palmente pela grande quantidade de comida típica feita à base de milho, mandioca e amendoim; assim como pelas bebidas, sendo muito apreciados os licores produzidos a partir do jenipa-po, maracujá, ameixa, milho, entre outros; e, atualmente, tam-bém a cerveja e o “quentão”. Ou seja, essa fartura é decorrente do período de colheita de várias culturas de ciclo curto, que são plantadas regularmente no mês de março e colhidas no mês de junho.

Assim sendo, esse evento é realizado anualmente em quase todas as cidades do interior nordestino, sendo aguardado pelas mesmas com grande expectativa, pois, mesmo quando ocorrem períodos de seca e as comemorações juninas são ameaçadas de não se realizarem, as populações interioranas se preparam para os festejos de São João, aguardando a visita de amigos e parentes que residem em outras localidades, e isso já é um motivo para se festejar. O movimento interurbano nesse período é realmen-te expressivo. A festa do São João, com todos os elementos que a compõem (culinária típica, música e diversas manifestações culturais), constitui-se em um patrimônio imaterial da cultura brasileira, permanecendo vivo no imaginário de todos nós, ape-sar de todas as transformações porque tem passado, ao longo dos tempos.

Pesquisando a festa de São João numa linha do tempo mais longa, nota-se que muitas mudanças vêm ocorrendo no seu for-mato. Castro (2012), estudando o São João no Recôncavo Baia-no nas cidades de Cachoeira, Amargosa e Cruz das Almas, de-monstra que houve uma mudança radical na migração que ele chama “da casa à praça pública”, expressão, aliás, que dá o título ao seu livro. Concorda-se com essa afirmativa, considerando-se também que a ruptura na dinâmica do São João se verificou de forma gradual, mas que vem se acelerando nos últimos anos, como reflexo da globalização da economia e dos meios de co-municação.

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As comemorações juninas, sobretudo o São João, se efetu-avam no interior das casas, como já visto anteriormente, com a mesa farta e, no lado de fora, ao redor da fogueira, com a queima de fogos, o soltar dos balões, as adivinhações e diversas brin-cadeiras que tanto fascinavam as crianças; e onde se verificava a participação da família (além das crianças, adultos e idosos, todos se divertiam). Em muitas localidades havia o costume de se enfeitar a fogueira com frutas da estação, como laranjas, tan-gerinas e também com bandeirolas. Essas decorações se expan-diam posteriormente ao longo das ruas, onde havia uma maior participação e solidariedade entre os seus moradores.

Nota-se uma organização privada, solidária e participativa. Esse ambiente essencialmente familiar e de vizinhança come-çou a mudar no final dos anos 1940 e início dos anos 1950; buscava-se então espaços maiores e públicos como os mercados municipais e faziam-se as festas de forró com baião (ritmo po-pularizado pelos músicos e compositores Luiz Gonzaga e Hum-berto Teixeira), que teve uma grande repercussão junto às cama-das mais populares.

Na década de 1950, houve a profusão de clubes sociais e de colégios particulares de nível médio que organizavam animadas festas de São João, notando-se, desde então, uma tendência à segmentação por faixas etárias e também por níveis socioeconô-micos. Nesse momento, observa-se uma interferência do poder público, ainda que de forma incipiente.2

2 a título de esclarecimento, este artigo é uma produção discente-docente, em que o aluno autor nasceu e se criou em Jequié, tendo vivido no sudeste do país por longo tempo; ao retornar à cidade natal, observou uma série de mu-danças no são João local, que o instigaram a pesquisar esta temática duran-te o mestrado. por outro lado, a docente autora criou-se no interior baiano, tendo vivido em diversas pequenas cidades. Terminou seu “ciclo migratório”, antes de chegar a salvador, na cidade de alagoinhas (localizada na região pro-dutora de petróleo). os autores representam duas gerações diferentes, mas que têm um ponto de interesse comum na pesquisa, a paixão pelos festejos juninos. assim sendo, muitos depoimentos que estão sendo dados ao longo

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Outro fato que também deve ser ressaltado, a partir do qual se verificou uma grande explosão de alegria e manifestações de patriotismo foi quando, durante a Copa do Mundo de Futebol em 1958, na Suécia, o Brasil se consagrou pela primeira vez campeão mundial, repetindo o feito no México, na Copa seguin-te de 1962. As pessoas tinham a necessidade de sair de suas casas cantando, dançando e bebendo, celebrando estas vitórias cujos jogos coincidentemente se realizavam no período junino e o São João passou a ter essas características, mais extrovertido, menos família e mais amigos.

Os anos 1960 corresponderam também ao período da Dita-dura Militar no Brasil (1963-1985), que se estendeu por mais de duas décadas e que deixou muitas sequelas nas gerações mais jovens, tal o nível de censura e repressão verificado em todas as áreas. As festas de São João passaram a ser mais controla-das pelos gestores públicos, sendo que se espalhou pelo interior baiano uma nova tendência de se fazer o carnaval fora de época, seguindo com participação muito grande das prefeituras de cer-ta forma o modelo de Feira de Santana, com a sua tradicional micareta.3 Essas festas, realizadas a princípio entre os meses de abril e maio, acabavam muitas vezes acontecendo no mês de junho, acabando por se misturar com os festejos juninos, desca-racterizando bastante esses últimos. Foi um período de “carna-valização” do São João, várias cidades de porte médio seguiram este modismo.

Observa-se que as manifestações culturais sofrem as influ-ências externas com os modismos e com a conjuntura econô-

deste artigo são frutos da experiência vivida pelos autores, nestes espaços, estando impregnados de lembranças em seus respectivos imaginários.

3 Micareta vem de mi-carême, festa que se realizava na França, logo depois da semana santa. No estado da Bahia, tem-se registrado como 1a Micareta a de Jacobina (1917). a Micareta de Feira de santana começou em 1937, no entanto, tomou uma grande proporção e fama, vindo a ser considerada a mais impor-tante do interior baiano, geralmente se realiza no mês de abril ou início de maio.

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mica. Os anos 1970 representaram o chamado “milagre” bra-sileiro, com o crescimento da economia nacional, ampliação da atividade industrial disseminada pelo interior desde a década precedente através de vários polos industriais, tais como Vitória da Conquista, Jequié, Feira de Santana, Juazeiro etc. e, poste-riormente, com a implantação da indústria petroquímica em Ca-maçari, com reflexos em todo o Estado sobre as manifestações culturais.

Várias restrições começaram a incidir e se refletirem nas fes-tas do São João. Por exemplo, em todo o Recôncavo Baiano e no Litoral Norte da Bahia, ou seja, na área de influência direta da Petrobras, várias proibições ocorreram durante as comemora-ções juninas, como a de soltar balões, pelo perigo de incêndios em poços petrolíferos; a proibição de se fazer fogueiras em ruas que passaram a ser asfaltadas, tudo isso através de campanhas educativas maciças feitas através das rádios locais, pelos serviços de alto-falantes e, posteriormente, pela televisão.

A partir dos anos 70-80, na chamada “era das comunica-ções”, o mundo parece que se tornou menor, o espaço geográfi-co, parece, ficou comprimido, como diz Harvey (1992), devido aos transportes mais rápidos, possibilitando os deslocamentos a grandes distâncias em tempos cada vez mais curtos e ao uso do computador, obtendo-se enorme quantidade de informações on-line; o comportamento das pessoas também sofreu grandes alterações, para acompanhar o novo ritmo, a nova dinâmica de um mundo globalizado.

Hollanda (1996 apud COIMBRA DE SÁ, 2007, p. 45), dis-cutindo sobre a dinâmica da globalização e suas consequências para as cidades, afirma o seguinte:

A globalização também se refere às formas nas quais esses

fenômenos localizam os povos, as pessoas, os recursos, as

crenças e as informações em novíssimas networks, num pro-

cesso que forja conexões entre indivíduos e instituições que

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nunca antes tiveram possibilidade de contato ou mesmo de

colaboração. [...] A globalização também produz formas alta-

mente específicas e culturalmente determinadas nas quais

as populações locais interagem, frequentemente reagem e

continuamente transformam os processos transnacionais. O

que, portanto torna-se fascinante é que a tão temível ideia de

globalização, na realidade, atua tanto sobre a integração quan-

to sobre a fragmentação, atua tanto sobre a homogeneização

quanto sobre a diferenciação.

Já Milton Santos (2000 apud CASTRO, 2012 p. 47-48), ao discorrer a respeito da imposição capitalista sobre os festejos ju-ninos e ao analisar a relação entre cultura popular e massificação no contexto da globalização, “destaca o papel do mercado que vai impondo verticalmente os elementos da cultura de massa, de forma homogeneizadora, indiferente às heranças e às realidades atuais dos lugares e das sociedades”.

A verdade é que a festa do São João tem se “repaginado”, com novas bandas musicais e novos ritmos que foram intro-duzidos. Devido à logística dos transportes e dos investimentos privados e públicos, possibilitando o deslocamento muito rápi-do dos músicos para shows em diversas cidades, no mesmo dia, difundindo o caráter espetacularizado deste evento.

SãO JOãO DE JEqUIé E SUAS REPERCUSSõES ESPACIAIS

Nas seções anteriores, procurou-se conceituar a festa manten-do-se um diálogo com diversos autores demonstrando-se como se deu a evolução da festa do São João, inserindo-a num contexto de tempo/espaço mais amplo. Agora pretende-se focalizá-la na cidade de Jequié, analisando nesta localidade as suas modifica-ções de formato e adaptação aos novos ditames da contempora-neidade, bem como as repercussões espaciais dessa festa.

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O local que se transformaria em um dos principais espaços públicos festivos surge em 1954, quando o prefeito Lomanto Jú-nior, na gestão entre (1951-1955), construiu e inaugurou, na Pra-ça da Bandeira, o Mercado Municipal de Jequié (Figura 1). Sua arquitetura fora inspirada em estações ferroviárias francesas e tinha a finalidade de servir para comercialização de produtos di-versos. Durante o São João, aquele espaço passou a ser utilizado para as festas e apresentação de shows com artista famosos.

Figura 1 – Mercado Municipal de Jequié

Fonte: Moura, 2013.

Anos mais tarde, verificou-se também a tendência por um longo período da realização de micaretas ou carnaval fora de época, misturando-se um pouco com os festejos juninos.

Considerando-se que a cultura do São João esteja atualmente mais voltada para os shows, para a espetacularização, e que, ain-da, a programação das principais rádios não tenha comprome-timento com a divulgação da cultura de tradição, mesmo assim,

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observa-se em Jequié um equilíbrio entre as apresentações do chamado forró pé de serra (forró tradicional) e do forró midiáti-co (forró que segue as tendências do mercado musical globali-zado). é preciso, no entanto, que o poder público local perceba a existência de uma “demanda reprimida”. Ou seja, que existe em Jequié um público presente nos festejos juninos que deseja vi-venciar um São João com aspecto mais “local”, mais tradicional, talvez devido às lembranças de infância que se cristalizaram no imaginário coletivo.

Conforme foi divulgado no site oficial da Prefeitura Munici-pal de Jequié (2013), a festa de São João só é superada pelo Natal:

O São João de Jequié é um grande empreendimento responsá-

vel pela geração de aproximadamente 13 mil empregos e cria-

ção de oportunidades de negócios para muitas empresas. Os

reflexos positivos na economia da cidade começam a ser per-

cebidos cedo. Ainda em maio, cem por cento dos leitos da rede

hoteleira já estavam reservados. O comércio é outro segmento

bastante favorecido com a realização da festa. As vendas cres-

cem significativamente, sendo o mês de junho o segundo perí-

odo em faturamento, perdendo apenas para o Natal, de acordo

com informações de dirigentes da CDL. Neste tipo de evento

todos saem ganhando além do comércio, empresas dos ramos

de transporte, combustíveis, alimentação, construção civil, ho-

téis e pousadas, segurança particular, comunicação.

Assim como acontece com outras cidades baianas, em que a celebração do São João tornou-se um megaevento, midiatiza-do, captando visitantes de todos os cantos do país, a cidade de Jequié, simultaneamente, mantém diversas manifestações cul-turais de tradição, de bem de raiz, que se materializam sobre seu espaço físico urbano, transformando-o em um território de ludicidade bastante diversificado.

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Na Figura 2 a seguir, visualiza-se a distribuição dos espaços festeiros de Jequié, tendo como referência a Praça Ruy Barbo-sa, localizada no centro da cidade, onde foram delimitadas as distâncias de cada espaço festivo, sejam promovidos pelo poder público local ou pela iniciativa privada, podendo-se observar de forma esquemática a cartografia da festa.

Figura 2 – Distribuição espacial dos forrós na cidade de Jequié

Fonte: elaboração do autor (2013).

Na imagem estão apresentados os circuitos dos forrós pro-movidos pelo poder público local (Vila Junina e Praça da Bandei-ra) e os três principais forrós particulares. Estes últimos corres-pondem ao forró do Budega, que se realiza no Jequié Tênis Club (JTC), espaço anteriormente frequentado pela elite local e que fica a uma distância de aproximadamente 623 metros da Praça Ruy Barbosa, sendo o mais central dos três. O forró Namoral, que acontece na Associação Atlética Banco do Brasil (AABB), na zona do Distrito Industrial localizado no bairro do Mandaca-rú, fica a uma distância aproximada de 3 Km da referida Praça.

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Trata-se de um local agradável e com excelente infraestrutura (palco, salões, área para estacionamento privativo etc.). E, final-mente, o mais famoso e mais antigo “forró de camisa”, o Forró da Margarida, criado nos anos 2000, realiza-se no Parque de Exposição Vicente Grilo, com infraestrutura de ponta, situando--se a uma distância de um pouco mais de 3 Km do marco zero, a Praça Ruy Barbosa. Este último, atualmente, é capitaneado pela cantora e empresária Ivete Sangalo, que se apresenta com sua banda trazendo artistas convidados, nomes de destaque no cenário musical soteropolitano ou de repercussão nacional. Es-ses espetáculos atraem milhares de pessoas, são extremamente divulgados pela mídia e, muito cedo, logo após o Carnaval, os ingressos já são comercializados. Contam com grandes patrocí-nios, destacando-se principalmente as cervejarias e operadoras de telefonia, no entanto, o poder público também investe nessas festas através da Secretaria do Turismo do Estado e da Petrobras. Vê-se que a parceria público/privada é muito forte.

Descritos de forma tão esquemática, não se tem a dimensão exata do que sejam esses eventos e de todo o “fervilhamento” que eles produzem no espaço urbano de Jequié. Não só o fluxo das pessoas, que se deslocam de um lado para outro da cidade, bem como a instalação das estruturas de todos os tipos de palcos.

Na verdade, o que se destaca não é o percurso de cada espaço festivo, pois a festa é mais pontual, concentra-se no centro da cidade com dois espaços fomentados pelo poder público e um espaço privado. Ali, se constitui um núcleo central muito ani-mado e para o qual confluem milhares de pessoas. Nos outros dois espaços mais afastados do centro, onde ocorrem o Forró Namoral e o Forró da Margarida, a distância em si não tem gran-de significância, uma vez que os frequentadores desses espaços, em geral, dispõem de poder aquisitivo mais elevado e se deslo-cam com seus próprios veículos.

O Forró da Margarida é o maior espaço festivo da cidade, sendo que, no ano de 2013, recebeu cerca de 30 mil pessoas

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durante os dias 23/06 e 24/06, conforme estimativas da Polícia Militar de Jequié, conforme divulgado no blog Marcos Frahm. Nesses dias, a cidade de Jequié é “invadida” por pessoas de ou-tras localidades, provenientes de todos os pontos do país, que vêm especialmente para se divertir na festa de São João. Os tu-ristas ocupam todos os meios de hospedagem que, a partir de 2013, adotaram a modalidade de “pacotes” de 3 a 4 dias, com di-árias a preços especiais, segundo informações obtidas no local, diretamente com a gerente do Hotel Germano’s.

Em termos de organização do espaço, observa-se no centro da cidade os forrós organizados pelo poder público, sendo que a Praça da Bandeira e o Mercado Municipal são priorizados pelos políticos locais que privilegiam os modismos atuais, oferecen-do maior estrutura e organização para as atrações do momen-to. Ao mesmo tempo, tem-se observado um certo esvaziamento (de atrações) ou pouco investimento no espaço chamado “Vila Junina”, ou seja, na área “Core” da música de raiz e das diver-sas manifestações culturais, como já foi visto anteriormente, se comparado aos outros circuitos como o da Praça da Bandeira e os “Forrós de Camisa” (estes produzidos pela iniciativa privada).

O Forró do Budega também consiste em um espaço locali-zado no centro da cidade, é de iniciativa privada. Por fim, há as duas maiores arenas: o Forró “de camisa” Namoral, mais tradi-cional, e o Forró da Margarida, como já foi mencionado, ambos localizados distantes do centro urbano, são bem equipados em termos de palco, sonorização e iluminação, além de toda infra-estrutura necessária.

Dentro desta realidade, pode-se considerar o Forró da Mar-garida como um “não lugar” (AUGé, 1994), ou seja, um espaço periférico não articulado com o centro urbano, totalmente mi-diatizado e desvinculado da cultura regional, muito embora ele traga no momento grandes dividendos para diversos setores do município. é uma festa globalizada e que pode ocorrer em qual-quer espaço com as mesmas características, contanto que lhe

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aporte muito lucro. Como contraponto a esse espaço espetacula-rizado, encontra-se na área central da cidade, um espaço muito bem organizado representante do chamado Forró de Raiz.

A partir do mapeamento dos espaços festivos de Jequié, es-colheu-se então a Praça Ruy Barbosa, onde foi instalada a “Vila Junina”, que em 2013 foi rebatizada de “Praça do Forró”, para um trabalho de campo através da aplicação de questionários e entrevistas, podendo-se dessa forma manter um contato maior com os visitantes que chegaram para o São João, em alguns dias que o antecedem, ou seja, na sua “fase de pré-aquecimento”.

Este espaço cenográfico é produzido pela Prefeitura Muni-cipal de Jequié e foi criado em 2005, para uso exclusivo de ma-nifestações culturais tradicionais. Ficou durante algum tempo sem utilização, sendo retomado atualmente para as seguintes funções: apresentação de quadrilhas, teatro de cordel, forró pé de serra, pau de sebo, dentre outros. é um espaço bem temati-zado, com a atmosfera de “Arraiá de Interior”, sendo decorado com vários detalhes da cultura regional sertaneja, como casa de taipa; casa de farinha, onde se produz o beiju na hora e com re-cheio, doce ou salgado; comidas típicas como pamonha, canjica, milho cozido e assado, bolos, mingaus; churrasquinho e carne do sol; licores de jenipapo, maracujá e também de milho, que são muito apreciados, além do quentão. Enfim, neste ambiente alegre, muitas pessoas se encontram e se divertem, muitas fa-mílias se reúnem, observando-se a presença de pessoas de todas as idades.

ALGUMAS PERCEPçõES DO PúBLICO DO SãO JOãO DE JEqUIé

Neste espaço público, os festejos se iniciam no dia 14 de ju-nho, logo após o Trezenário de Santo Antônio, padroeiro da ci-dade, e cuja festa se realiza no dia 13 de junho. Prosseguem até

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os dias 23 e 24 do mesmo mês, quando é celebrado o São João propriamente dito. Segundo estimativas feitas pela Prefeitura Municipal e transmitidas oralmente ao autor, o fluxo diário de visitantes deste espaço consiste em cerca de 2000 pessoas.

A partir destes números, estabeleceu-se uma amostragem não probabilística por acessibilidade ou acidental de 392 ques-tionários que deveriam ser aplicados, o que não ocorreu, por causa da resistência inicial de vários entrevistados. Mesmo as-sim, 313 questionários foram aplicados e respondidos, sendo que este instrumento de coleta consistia de 20 perguntas, 14 fechadas e seis abertas, obtendo-se resultados gerais, que serão analisados a seguir.

A primeira indagação dizia respeito à procedência dos visi-tantes, uma vez que os questionários só foram aplicados com pessoas de fora da cidade. Destas, 53% declararam ter vindo de Salvador, onde estudam ou residem, mas indicaram possuir familiares em Jequié; os demais vieram de cidades próximas como Manoel Vitorino, Ipiaú, Vitória da Conquista, Jaguaquara ou Maracás. No entanto, foram também entrevistadas pessoas que disseram vir de São Paulo para passar o São João em Jequié e encontrar suas raízes, seus familiares.

Foram entrevistados mais homens que mulheres, isso por-que no início da pesquisa, as moças ficaram mais desconfiadas e resistentes aos questionamentos. Notou-se que a faixa etária predominante dos entrevistados foi entre 18 e 27 anos e que, somados à faixa seguinte, de 28 a 45 anos, resultou em um per-centual de 95%. Ressalte-se, outrossim, que a faixa entre 45 e 65 é também expressiva e o número de crianças acompanhando os pais, avós ou tios e os grupos de adolescentes que não foram entrevistados, mas aproximadamente uns 200, estavam sempre em movimento e integravam esse ambiente alegre e descontra-ído. A maior parte dos informantes (62%) era constituída por pessoas que trabalhavam em instituições ligadas à saúde, à ad-ministração, ao comércio, à educação, ou bem eram autônomos

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e empresários. A outra faixa de grande expressividade, constitu-ída por estudantes, representou quase um terço dos entrevista-dos (28%).

O meio de transporte utilizado foi basicamente o carro pró-prio (56,27%) ou o ônibus (37,29%), sendo que poucos citaram moto ou outro meio de transporte, sem especificar qual fosse. O objetivo da viagem foi participar da festa de São João: essa é uma motivação que contagia e se encontra latente no imaginá-rio coletivo do nordestino. Poucos estavam fazendo turismo ou viagem de lazer, ou mesmo de negócios. A escolha pelo São João em Jequié justificava-se porque é uma festa diferenciada, com várias segmentações, que cabe em todos os bolsos. Justificou-se também essa escolha por ser um ambiente alegre e ainda pelos laços afetivos, sobretudo, de família. A viagem foi predominan-temente realizada em grupo de amigos (39%), em família ou em casais (42%). Os que se declararam ter vindo sozinhos totaliza-ram 20%.

questionados sobre qual outra festa de São João gostariam de conhecer no estado da Bahia, as indicações apontaram para Ibicuí (23%), Amargosa (39%), Santo Antônio de Jesus, Cruz das Almas e também Senhor do Bonfim vieram com menores percentuais. Com relação a outras festas no Nordeste, foram ci-tadas Caruaru, em Pernambuco, ou Campina Grande, na Para-íba. No entanto, dado que as respostas em branco nesse item foram muito expressivas (63%), pode-se inferir que essas pesso-as estavam satisfeitas em Jequié e não ambicionavam conhecer outros lugares.

A viagem foi organizada por conta própria, a partir de convi-te de parentes e amigos (72%). Especula-se que, se essa pesquisa tivesse sido realizada no chamado “forró de camisa”, as respos-tas tenderiam para alternativa como as agências de viagens, atra-vés de pacotes ou internet.

Com relação à pergunta sobre como tomou conhecimen-to do São João de Jequié, 80% dos entrevistados afirmaram já

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conhecê-lo, sendo que um percentual expressivo tomou conhe-cimento do mesmo através da internet (12%). Outras formas de publicidade, como as veiculadas pela televisão (1%), rádio, jornal e panfletos, corresponderam a 7%.

O meio de hospedagem utilizado por 72% dos visitantes fo-ram as casas de parentes e amigos. Mas 28% afirmaram estar hospedados em hotéis, pousadas ou pensões. O tempo de per-manência em Jequié foi de 2 a 3 dias (47%) ou de 3 a 5 (30%), sendo que um percentual expressivo (11%) desejava estender a sua permanência na cidade por uma semana ou mais.

Com relação ao gasto médio diário, esse público entrevis-tado declarou ser entre R$ 31,00 a 70,00, o que se considera um gasto mínimo. Por outro lado, a renda média declarada por esses visitantes foi assim discriminada: abaixo de 1 salário míni-mo (14%), 1 salário mínimo (15%), entre 1 e 2 salários mínimos (28%), de 2 a 5 salários mínimos (27%) e mais de 5 salários mínimos (14%).

Perguntados se retornariam ao São João em Jequié, a quase totalidade respondeu que sim, bem como o recomendariam a outras pessoas amigas. Para concretizar esta satisfação foram apresentados vários itens referentes ao evento com opções de respostas em níveis hierárquicos variados, como: excelente, bom, regular e ruim. Obtiveram a maior pontuação (excelente), os itens: animação, decoração e hospitalidade. Os entrevistados reclamaram do transporte urbano que o consideraram regular, assim como da sinalização da cidade.

Com relação à comida, acharam de boa ou excelente qualida-de, bem como consideram os preços compatíveis. No item hos-pedagem, consideraram excelente ou boa, e muitos o deixaram sem resposta, o que se deduziu que não estavam hospedados em hotéis.

Finalmente foi feita uma pergunta para saber a opinião do visitante com relação à formatação do São João em Jequié, e eles concordam com essa espacialização. Por ordem de importância

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das respostas foram: os “forrós de camisa”, considerados como os mais animados (39%), depois o forró da “Vila Junina” (29%) e, por fim, as atrações da Praça da Bandeira (23%), os demais (9%) não responderam à questão. No entanto, se associarmos as respostas, veremos que 52% dos entrevistados consideram os forrós promovidos pelo poder público mais animados.

CONSIDERAçõES FINAIS

O estudo realizado sobre o São João em Jequié a as suas re-percussões espaciais serviu para reforçar diversos pressupostos a respeito da festa em si, sua evolução e a sua adaptação ao mo-mento atual, ressignificando-se enquanto manifestação cultural com traços muito marcantes, como a nossa própria sociedade. A revisão de literatura e os depoimentos vivenciados pelos auto-res durante suas trajetórias de vida comprovaram as mudanças verificadas na organização desta festa, seguindo uma tendência natural, sendo reinventada, mas guardando suas raízes, sua es-sência.

A pesquisa empírica realizada na “Vila Junina”, escolhida como espaço representativo do São João de raiz de Jequié, serviu para reforçar a dimensão da grandiosidade dessa festa, da diver-sidade de aspectos que ela aborda, bem como dos vários espaços que ela comporta na área urbana.

A “Vila Junina” é um desses espaços festivos, mas é sobre-tudo o “lugar” como bem define Tuan (1983), no sentido da afetividade: os amigos se reencontram, as famílias estão ali para festejar, todos se irmanam num clima de interação, onde a cultura popular fala mais alto, sendo bastante apreciada; a música, compartilhada em coro com os cantores locais ou não; as pessoas dançando no meio da praça ou em pequenos gru-pos junto às barracas de comida. Esta, pelo seu sabor e cheiro, é muito apreciada por todos. Até o friozinho e a garoa consistem

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em ingredientes que exigem um bom licor, quentão ou cerveja e tornam aquele espaço/tempo um momento inesquecível para todos que ali se encontram.

Este espaço deve ser preservado para aqueles que o frequen-tam, mostrando aos gestores públicos que existe uma “demanda reprimida”, desejosa de reencontrar as suas raízes, bem como, interessada em iniciar as novas gerações nos traços marcantes da cultura sertaneja, onde se insere a cidade de Jequié.

Este espaço deve ser mantido tal como ele se apresenta, vivo, interativo, transpirando a “alma do lugar”, sendo por isso que ele atrai tantos visitantes, antigos moradores que retornam e tra-zem amigos para se integrarem neste ambiente. A “Vila Junina” é uma grande experiência para quem conhece e aprecia a cultu-ra nordestina, bem como para aqueles visitantes que se sentem atraídos em conhecê-la.

Considerando-se que é esta multiplicidade de espaços lúdi-cos (próprios da contemporaneidade) que traduz a imagem do São João de Jequié, a sua alegria, a sua animação, poderia esse conceito, a multiplicidade, ser melhor trabalhado para se cons-tituir na “marca” desta cidade como um produto turístico juni-no diferenciado, multifacetado e competitivo, onde cada espaço festivo tem seu público específico, mas que, em nível da escala urbana, redunda numa unicidade que é dada pelos laços fortes com a tradição, com a música, a gastronomia, as danças e as diversas manifestações culturais e cuja essência está situada no seu espaço por excelência, sendo encontrada sobretudo na “Vila Junina” de Jequié.

Referências

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235

A transnacionalização da Lavagem do Bonfim em Paris e Nova York:uma análise das festas baianas no exterior pela

perspectiva dos estudos de cultura e turismo –

Carol ine Fantine lNatal ia Si lva Coimbra de Sá

INTRODUçãO: ESTABELECENDO A RELAçãO ENTRE FESTAS, CULTURA E TURISMO

Um dos primeiros pontos que Amaral (1998) destaca no seu estudo sobre as festas “à brasileira” é que, se a festa é um for-te elemento constitutivo do modo de vida do brasileiro, não se pode esquecer que ela se dá de modos e com fundamentos dife-rentes para os vários grupos que a realizam. Em segundo lugar, a autora destaca o fato de que a festa possui importância por três motivos fundamentais: por sua dimensão cultural – coloca em cena valores, projetos, arte e devoção de um povo; como modelo

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236 - A transnacionalização da Lavagem do Bonfim em Paris e Nova York

de ação popular – tem sido, em várias ocasiões, um modo de concentração e investimento de riquezas em benefícios sociais; e como espetáculo – produto turístico capaz de revigorar a eco-nomia de muitas cidades, conforme ela tenta demonstrar em sua tese.

Miguez (2002), ao analisar os processos de formação e me-canismos de organização do campo cultural em Salvador, des-taca que, ao lado da língua e da religião, as festas são um dos componentes fundamentais para a compreensão da vida e da cultura de um povo, ou seja, é um elemento central na matriz que dá sustentação à cultura baiana.

O caráter festivo de Salvador é algo que se perde no tempo, tanto que a dedicação da população às festas é dos principais tra-ços registrados por cronistas e viajantes que têm desembarcado no local desde os tempos coloniais até hoje. Ao traçar um histó-rico, o autor explica que o espírito festivo que fazia das procis-sões verdadeiros cortejos carnavalescos esteve presente durante todo o período colonial até a metade do século XIX, quando a Igreja passou a impor um caráter mais recolhido e compassado às festividades. No entanto, destaca:

Dentro de limites estreitos e de espaços reduzidos e mesmo,

muitas vezes, sob intensa perseguição e repressão, a sabedoria

das classes populares nunca deixou de acionar estratégias e

táticas de participação no mundo da festa que, a exemplo da

religião, acabou por transformar-se em território de resistên-

cia e continuidade culturais desses setores sociais. (MIGUEZ,

2002, p. 84)

Zanlorenzi (1998) explica que a relação das festas com o tu-rismo começou a se delinear, através do discurso oficial a par-tir de meados dos anos 1950, com a divulgação nos meios de comunicação da Bahia como um lugar turístico, exótico, místi-co, misterioso, calmo, um local de não trabalho e sim de lazer.

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De acordo com a autora, através de ações promovidas pelo pró-prio aparelho do Estado, a cidade começa a transvestir-se para se oferecer aos visitantes através da cultura dos sujeitos que ela própria exclui: os afrodescendentes.

A manutenção das tradições presentes nas festas e que re-presenta a cultura dos antepassados é algo muito importante, no entanto, não é possível que se queira manter essas tradições inalteradas, como normalmente é defendido por setores contrá-rios à cultura de massa e ao turismo e que, inclusive, os culpam pelo caráter de espetacularização ou carnavalização – algo que é intrínseco aos festejos populares e religiosos desde a Idade Média. Para Miguez (2002, p. 104),

Daí que soem risíveis as costumeiras argumentações à volta

da pureza cultural do nosso povo e das nossas manifestações,

não importando qual o povo ou a manifestação que inspire tal

espírito preservacionista. Seja porque não há pureza cultural

– muito menos hoje face à configuração de uma contempo-

raneidade atravessada por potentes redes sócio-tecnológicas

–, seja porque a riqueza de uma cultura está justamente na

sua capacidade de dialogar com a diferença e a novidade que

lhe trazem outras realidades e formas culturais. [...] as práticas

e manifestações culturais demandam políticas e ações que as

fortaleçam para o embate do inevitável intercâmbio com ou-

tras culturas [...].

Para este autor, um dos principais traços da formação da cul-tura baiana está em saber administrar essas questões dialéticas, como, por exemplo, oferecer-se como um território de provei-tosos diálogos entre tradição e modernidade, caso que pode ser observado nas suas festas.

Segundo Miguez (2002), um aspecto que merece destaque para as festas terem tanta importância na Bahia, e em Salvador, especificamente, é o fato de que há, na cidade, um espírito de

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convivência que é fundamental. Para ele, as tradições festivas que caracterizam largamente as expressões culturais baianas e que têm na interação comunitária sua centralidade, podem ser bem representadas pelas festas de largo já tradicionais por data-rem do período colonial, assim como eventos festivos cotidianos e as novas tradições de lavagens de ruas, praças e becos que são “[...] marcadas pelo convívio no espaço aberto, territórios per-manentes de contato e comunicação, de tatilidade”. (MIGUEZ, 2002, p. 270)

Ainda de acordo com este autor, é a partir do final dos anos 1960 e da primeira metade da década de 1970 que a cidade vê eclodir um poderoso movimento de afirmação étnico-cultural da juventude afrodescendente que, concebido originalmente na cena carnavalesca – através da dança, da música, dos blo-cos afros – vai se espraiando e amplificando para o conjunto da vida baiana impactando-a de forma profunda e duradoura. Percebendo esse crescimento, e a força do movimento, que a partir dos anos 1980 – com a percepção da aproximação entre as criações culturais oriundas da festa e uma lógica de indús-tria cultural – os órgãos oficiais que cuidavam do turismo, capi-taneados à época pela Bahiatursa, passam a dar cada vez mais destaque para a relação entre cultura e turismo, enfocando nos aspectos étnicos e religiosos para a criação do “Produto Bahia”, tendência que, a partir dos anos 1990 já está totalmente consoli-dada. Essa situação não é característica única da Bahia, sua ma-nifestação primeira ocorre no carnaval carioca, ainda na década de 1960, quando a vocação turística do Rio de Janeiro passa a estar associada à festa carnavalesca, com ares de grande espetá-culo popular.

Miguez (2002) afirma que o processo arranca com força na Bahia a partir de 1980 por duas razões. Em primeiro lugar, por-que este é o momento em que o sistema de turismo do Estado já está em funcionamento pleno, institucionalizado e operan-do sob o controle da Bahiatursa. Por outro, a conjunção “afro-

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-elétrica-empresarial” já apresenta uma dinâmica própria de autossustentação, fazendo com que a festa já disponha de uma imagem e um formato facilmente vendáveis e de um aparato tecnológico-empresarial agregado aos blocos de trio. Então, a partir desse momento, a formatação da festa não irá mais dei-xar de perseguir o atendimento das demandas do setor turístico, o que fica claro com o fato de que as empresas oficiais de turis-mo do Estado (Bahiatursa) e municipal (Emtursa, atual Saltur) passam a ser responsáveis pela organização das principais festas de Salvador, entre elas o carnaval. Essa imbricação entre festi-vidades e turismo, ao agregar o circuito de festas populares ao tempo social do lazer na sociedade, produz a integração das ma-nifestações lúdicas da cultura popular à dinâmica do capitalismo contemporâneo.

Dessa forma, a ‘economia do lúdico’, que então se configura

como traço do campo cultural baiano contemporâneo, aca-

ba por conferir às práticas relacionadas ao entretenimento a

condição de ‘mecanismo de consagração e instância de legiti-

midade das práticas culturais’ (FARIAS, 2000, p. 96), o que

estabelece um conflito entre o substrato cultural da festa e sua

obediência a uma norma mercantil destinada a várias possibi-

lidades de consumo, tanto locais (baianos e turistas) quanto à

distância (através das redes mediatizadas). (MIGUEZ, 2002,

p. 288)

O resultado desse processo é o que tem levado às discus-sões sobre possíveis descaracterizações das festas, perda de au-tenticidade, espetacularização, mercantilização e tantos outros assuntos, como o que pretende-se abordar neste artigo: o da transnacionalização das festas em um contexto diaspórico, das migrações internacionais.

Para construir este argumento, o artigo partiu dos estudos de doutorado e mestrado realizados pelas autoras. Foram conduzi-

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das pesquisas de campo sobre a Lavagem da Rua 46, em Nova York, entre os anos de 2009 e 2010 (COIMBRA DE SÁ, 2011); e sobre a Lavage de la Madeleine, em Paris, em 2012. (FANTINEL, 2014) A metodologia utilizada foi a de revisão de literatura sobre o tema das festas, cultura, turismo e transnacionalização cul-tural; assim como pesquisa de campo com observação direta e entrevistas, produzindo um estudo de caráter qualitativo.

O artigo divide-se em três seções principais em que são abor-dados os três momentos da festa transnacionalizada, que con-siste justamente num processo de desterritorialização e reter-ritorialização da Lavagem do Bonfim, sendo ressignificada em Paris e, mais recentemente, em Nova York. E conclui-se que, este processo, não importa apenas para os baianos e brasileiros que moram no exterior e sentem falta do “festejar” brasileiro e baiano, mas também como divulgação das práticas culturais baianas e brasileiras no exterior, servindo como uma forma de marketing para a Bahia e o Brasil enquanto destinos turísticos.

A LAVAGEM DO BONFIM: CELEBRANDO EM SALVADOR

O ato de festejar acompanha intimamente a história do Brasil. As procissões e festas religiosas são as atividades urba-nas mais antigas do país, sendo que, até o século XIX, confi-guravam-se como os acontecimentos mais importantes da vida social dos que por aqui viviam. (PEREZ, [2000]) Na capital da Bahia não foi diferente. O que vale destacar é que esse tipo de festividade continua atravessando a vida da cidade de Salvador de forma bastante acentuada até os dias de hoje. São inúmeras as festas populares baianas realizadas no contexto da religião. Duas características são comuns e indissociáveis à maioria de-las: a carnavalização, tendo em vista que estas ocasiões trazem elementos lúdicos e espetaculares na sua composição – traços originados do passado colonial, do catolicismo popular e das

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religiões afro-brasileiras; e o sincretismo religioso, influência do culto de origem africana, trazido pelos milhares de negros que chegaram à cidade na condição de escravos. Hoje não é possível definir Salvador sem passar por esse conjunto cultural e festivo tão rico na sua pluralidade de influências, de composições e de complexidades.

A Lavagem do Bonfim, maior festa popular religiosa do es-tado da Bahia, comprova essa afirmação. Em Salvador, a devo-ção ao Senhor do Bonfim data de 1745, ano em que o Capitão de Mar e Terra português, Theodózio Rodrigues de Faria, atra-cou na capital baiana trazendo consigo a imagem do santo. Provisoriamente, a imagem foi colocada na Igreja de Nossa Senhora da Penha e Senhor da Pedra de Itapagipe de Baixo, em Itapagipe, na Cidade Baixa. A chegada da imagem neste local já se configurou como uma grande festa religiosa, atraindo mui-tas pessoas que logo começaram a organizar a devoção para o santificado recém-chegado. O aumento no número de fiéis e de romarias fez necessária a construção de um templo próprio para o Senhor do Bonfim – fato que ocorreu em 1754, quando o santo ganha uma igreja na parte mais alta da região de Mont Serrat – mantendo-se na península de Itapagipe. A procura pela Igreja do Senhor do Bonfim cresceu progressivamente e, desde o início, as festas foram o ponto alto da devoção dos seus fiéis.

O ritual de “limpar” a igreja para as festas é uma antiga tra-dição portuguesa – lavar uma igreja em pagamento de graças alcançadas pelo santo padroeiro daquele lugar. Em Salvador, nas primeiras décadas do século XIX, senhoras que moravam nas proximidades dos templos, incorporaram esse hábito e, na quin-ta-feira que antecedia o domingo de festa, reuniam-se para em-preender a limpeza. No caso da festa em homenagem ao Senhor do Bonfim, este ritual cresceu rapidamente, agregando milha-res de adeptos e transformando-se, inclusive, no ponto alto dos festejos ao santo. A cada ano, o espírito festivo no largo e no adro da igreja era maior, fazendo da ocasião uma manifestação

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cada vez mais popular. Durante as primeiras décadas do ritual, a lavagem ocorria no interior do templo. Enquanto isso, na área externa à igreja, o clima era carnavalesco – com rodas de sam-ba, barracas de comida e bebida, jogos, pessoas dançando, in-teragindo e louvando o santo. Ainda, com a escravidão abolida, a população negra da cidade passou a participar da festa de forma maciça. Fato que acarretou a incorporação de uma série de ritos africanos à festa, como é o caso do sincretismo que os adeptos do candomblé traçam entre o Senhor do Bonfim e Oxalá até os dias de hoje. (COUTO, 2009, 2010; SANTANA, 2009; SERRA, 2009)

Tudo isso, obviamente, incomodou diferentes grupos da so-ciedade baiana – principalmente aqueles mais conservadores, como o clero, a elite católica e as autoridades civis. Estes passa-ram a considerar a manifestação festivo-religiosa da Lavagem imoral, principalmente por ir no sentido contrário à ideia civili-zatória planejada para a capital da Bahia. A partir desses impas-ses, importantes mudanças aconteceram na estrutura da festa, que teve seu público como principal protagonista na tarefa de fazê-la resistir. (COUTO, 2009, 2010)

Não cabe a este artigo enumerar as diversas transformações que compuseram a história da Lavagem do Bonfim ao longo dos seus mais de dois séculos de existência. Contudo, vale ressaltar que essa manifestação atravessa a história da cidade, remodelan-do-se continuamente frente a tantas adversidades presentes no curso da sua trajetória. Hoje, a Lavagem do Bonfim é conside-rada a maior festa popular religiosa da Bahia e a segunda maior festa popular do estado – atrás apenas do carnaval. Em janeiro de 2014 recebeu do Ministério da Cultura o título de Patrimônio Imaterial Nacional. Assim, a Lavagem configura-se como um rito que celebra a fé e a riqueza cultural da cidade, tendo em vis-ta que reúne uma diversidade de manifestações ao longo do seu cortejo e, também, no entorno da Igreja onde acontece o ritual da lavagem das escadarias – a ala das baianas, os afoxés, blocos

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afro e de samba, fanfarras e pequenos blocos de carnaval inde-pendentes compõem a festa, que surge como elemento tradutor da pluralidade cultural, característica do povo baiano e das suas formas de se expressar.

A força cultural e simbólica da Lavagem do Bonfim é tama-nha que ultrapassa as fronteiras do território baiano, passando a inspirar festividades similares em diferentes pontos do mundo – como é o caso da Lavage de La Madeleine, em Paris (FANTINEL, 2014); e da Lavagem da Rua 46, em Nova York. (COIMBRA DE SÁ, 2011, 2012) Esta situação configura-se como um exemplo de transnacionalização cultural.

Esse fenômeno é impulsionado pela globalização, que, após a década de 1970, aumenta consideravelmente os níveis de inte-gração global, oferecendo novas e mais velozes possibilidades de relacionamento entre os territórios. O êxito desse modelo gera como consequência uma descentralização não só do capital, mas, também, simbólica e cultural. A conexão mundial gera-da pelo cinema, televisão, rádio e, mais recentemente, telefonia digital, internet, satélites e videogames cria um novo desenho da forma de ser e de estar no mundo. Stuart Hall (2011, p. 87) es-clarece que

[...] a globalização tem, sim, o efeito de contestar e deslocar as

identidades centradas e ‘fechadas’ de uma cultura nacional.

Ela tem um efeito pluralizante sobre as identidades, produzin-

do uma variedade de possibilidades e novas posições de iden-

tificação, e tornando as identidades mais posicionais, mais

políticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou

trans-históricas.

Assim, este contexto globalizante configura-se como um sis-tema flutuante e móvel, estabelecendo-se como um dos pontos centrais para se discutir cultura na contemporaneidade. Essa concepção é abordada por Néstor García Canclini (2011), que

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defende que a cultura, hoje, transforma-se através dos processos de desterritorialização e reterritorialização. O pesquisador expli-ca esses dois processos como “[...] a perda da relação ‘natural’ da cultura com os territórios geográficos e sociais e, ao mesmo tem-po, certas relocalizações territoriais relativas, parciais, das velhas e novas produções simbólicas.” (GARCÍA CANCLINI, 2011, p. 309) Para ilustrar esta sua proposição, García Canclini analisa a transnacionalização dos mercados simbólicos e, também, as migrações multidirecionais. Trataremos, aqui, dos estudos refe-rentes ao primeiro item, a fim de que nos auxiliem na compre-ensão das duas festas transnacionalizadas que nos propomos a analisar neste artigo. García Canclini relaciona a difusão cultu-ral pela via do arsenal “tecnológico-eletrônico-comunicacional” já citado. O autor afirma, inclusive, que essa exportação de bens culturais vai de encontro ao confronto maniqueísta de países periféricos e hegemônicos. Ele exemplifica essa questão com o crescimento da produção artística e cultural brasileira a partir da década de oitenta, destacando as telenovelas que foram difun-didas para inúmeras partes do mundo. Assim, defende que os países periféricos, antes dependentes da produção cultural es-trangeira, passaram “[...] da defesa do nacional-popular à expor-tação do internacional-popular.” (ORTIZ, 1988 apud GARCÍA CANCLINI, 2011, p. 311)

é possível, também, expandirmos nossa compreensão atra-vés da noção de transculturalismo, proposta pelo pesquisador cubano Fernando Ortiz, em 1940. O antropólogo Hermano Vianna reproduz no seu livro O mistério do samba um resumo do conceito escrito por Bronislaw Malinowski, responsável pelo prefácio do livro de Ortiz:

é um processo no qual sempre se dá algo em troca do que se

recebe; é um ‘toma y daca’ como dizem os castelhanos. é um

processo no qual ambas as partes da equação resultam mo-

dificadas. Um processo no qual emerge uma nova realidade,

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composta e complexa, uma realidade que não é uma aglome-

ração mecânica de caracteres, nem um mosaico, mas um fe-

nômeno novo, original e independente. (MALINOWSKY, 1991

apud VIANNA, 1995, p. 171)

Assim, o conceito de transculturalismo nos esclarece que a formação dessa “nova realidade” deve ser entendida como con-sequência de um cruzamento complexo, que condensa uma sé-rie de identidades absorvidas de uma série de situações e lugares – tudo em um contexto suspenso de transição e de trocas. é um lugar híbrido, onde reina o heterogêneo e a pluralidade de refe-rências. Nessas fronteiras, mesclam-se influências, formam-se e dissolvem-se identidades continuamente. O caráter de mutabili-dade faz desse novo contexto, também, provisório.

Ora, mas se tudo está engendrado na fluidez das fronteiras da globalização, as festas – manifestações culturais tão ricas e plurais, certamente também estão contempladas neste panora-ma. Este artigo tem o objetivo de investigar duas representações culturais que só existem ao irromper um contexto diaspórico. Analisemos, então, este contexto de transnacionalização de bens culturais, marcado pelos processos interdependentes de dester-ritorialização e reterritorialização, utilizando os exemplos da Lavage de la Madeleine e da Lavagem da Rua 46.

LAVAGE DE LA MADELEINE: FESTEJANDO EM PARIS

O primeiro caso, a Lavage de la Madeleine, é uma festa que, buscando inspiração na secular Lavagem do Bonfim, desterrito-rializa-se e passa a acontecer em solo parisiense, do outro lado do Atlântico. Por mais inusitado que pareça em um primeiro olhar, esta realidade concretiza-se na capital da França, com uma festa nos moldes das tradicionais lavagens baianas, onde, segui-do de um cortejo festivo, as escadarias da igreja são lavadas por

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baianas paramentadas com trajes brancos exuberantes e jarros carregados com água-de-cheiro. A Lavage é uma idealização do baiano Roberto Chaves – natural da cidade de Santo Amaro da Purificação, residente em Paris há mais de duas décadas, onde trabalha como dançarino e produtor cultural.

A Lavage acontece anualmente, desde 2002 de forma inin-terrupta, tendo como seu destino final a Igreja da Madeleine, em Paris. Na semana que antecede o acontecimento da ritualís-tica festiva de lavar com água de cheiro as escadarias do templo religioso, o Festival Cultural Brasileiro1 já movimenta a cena da cidade com outros eventos religiosos e culturais, atraindo, so-bretudo, a comunidade latina imigrante.

A abertura do Festival se dá com a realização da “Celebração Afro-Brasileira”, uma missa ecumênica, que acontece na Madeleine, com a participação dos padres da referida igreja e o pai-de-santo responsável pela Lavage, Pai Pote2 – estes realizam o culto, dividindo-se entre orações católicas e cânticos de origem iorubá. As demais atividades que compõem a programação do Festival são oficinas de dança e de percussão, shows musicais, exposições de artistas brasileiros e o nosso objeto de interesse –

1 De 2004 a 2006, chamado de “Festival de Rua Brasileiro”. Em 2007 tem seu nome modificado para “Festival Cultural Brasileiro”, mantido até os dias atu-ais. a sua criação foi uma estratégia do produtor Roberto Chaves para o cres-cimento da Lavage. Com os argumentos de que se tratava de um evento com objetivos de propagação da paz e união entre os povos, ele foi exitoso no seu pleito junto às autoridades francesas. Essa mudança determina a ampliação do tempo da festa, que passa a acontecer ao longo de uma semana, contando com a inclusão de novas atividades – como oficinas de dança e de percussão e shows musicais acompanhados de feijoadas brasileiras em boates da cidade. os objetivos desses novos posicionamentos foram a busca pela ampliação do espaço territorial para o cortejo e a potencialização da festa a fim de tornar-se mais atrativa aos olhos dos investidores, angariando, assim, maiores patro-cínios. a Lavage de la Madeleine passa a ser parte integrante da programação cultural desse festival – ocupando sempre o lugar de maior destaque.

2 pai-de-santo e irmão de Roberto Chaves. Todo ano viaja de santo amaro, na Bahia, à paris, exclusivamente para conduzir, na Lavage, as questões relacio-nadas à ritualística do candomblé.

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o cortejo que culmina na cerimônia da lavagem das escadarias da Igreja da Madeleine.

O cortejo acontece, atualmente, no trajeto da Praça da República até a Igreja da Madeleine, consistindo em um per-curso de quatro quilômetros. Através de observação direta na edição de 2012, verificou-se um cortejo de teor bastante festivo, com uma diversidade grande de manifestações culturais. Seu início é marcado por uma cerimônia religiosa realizada pelo Pai Pote – um “padê” no meio da rua, ritual em homenagem ao orixá Exu, conhecido, sobretudo, como o “dono da rua”, a fim de pedir proteção e boa sorte na caminhada até o templo católico. Depois de dada a largada pela via do sagrado, o cortejo começa a ganhar forma e tomar as ruas por onde passa. Dividido por alas, neste ano apresentou a seguinte sequência: grupo de mulhe-res vestidas de baianas e carregando os jarros com flores e água de cheiro, acompanhadas pelo pai-de-santo e dois descendentes indígenas vestidos a caráter; grupo de percussão; grupo de mu-lheres vestidas de forma similar aos orixás do candomblé; gru-pos de capoeira; dançarinas; grupo de maracatu acompanhado de um personagem paramentado de “boi bumbá”; a finalização ficou por conta do trio elétrico, capitaneado pelo cantor baiano Tonho Matéria.

Assim como o cortejo da Lavagem do Bonfim, em Salvador, percebemos que a festividade nas ruas de Paris traz como simi-laridade esta pluralidade cultural, esse encontro de diferentes dividindo o mesmo espaço – os quatro quilômetros de caminha-da foram preenchidos, exclusivamente, por muita música e por muita dança. A diferença que o cortejo festivo que acontece em território francês apresenta em relação ao soteropolitano é que, no percurso até o templo religioso, não há nenhuma menção ao Senhor do Bonfim, a Oxalá ou a Nossa Senhora de Madalena – pensando em uma correlação com a igreja local. O cortejo pa-risiense é acentuadamente festivo, apresentando quase nenhu-ma conotação religiosa – representada pela presença das duas

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primeiras alas, compostas por mulheres nas figuras das baianas e de orixás femininos, acompanhadas pelo pai-de-santo.

Chegando na Igreja, a pequena multidão é recebida pelos padres da Madeleine, que se juntam ao pai-de-santo. Eles pro-ferem discursos pedindo a união e fraternidade entre os povos. A pequena multidão que acompanha o cortejo se aglomera em frente às escadarias, aguardando pelo momento da lavagem – que é breve e seguido de uma salva de palmas e de um rufar da percussão. Findado o ritual, as pessoas cumprimentam-se e acompanham em dança os grupos musicais. O aspecto reli-gioso, aqui, se faz existir apenas pela presença dos sacerdotes. Assim como registrado na observação do cortejo, a fé não ocu-pa lugar de destaque nem durante a cerimônia da lavagem das escadarias do templo. Não observam-se saudações e, tampou-co, citações a qualquer entidade religiosa. Diferente do que na Lavagem do Bonfim, a Lavage não possui nenhum santo ocu-pando uma posição central de devoção. Dessa forma, diferente das festas populares católicas baianas, que são caracterizadas pela sua “polaridade ritual”, com a presença concomitante de elementos religiosos e profanos (SERRA, 2009), a Lavage de la Madeleine se configura muito mais pelo seu elemento festivo, do que por elementos de fé e devoção.

Optamos pelo conceito de “tradução”, proposto por Hall (2011, p. 88-89), a fim de compreender a Lavage de la Madeleine no seu contexto desterritorializante, com sua inspiração original partindo da Bahia; e reterritorializante, com o seu aporte efetivo em Paris.

Este conceito descreve aquelas formações de identidade que

atravessam e intersectam as fronteiras naturais, compostas

por pessoas que foram dispersadas para sempre de sua terra

natal. Essas pessoas retêm fortes vínculos com seus lugares de

origem e suas tradições, mas sem a ilusão de um retorno ao

passado. Elas são obrigadas a negociar com as novas culturas

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em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas

e sem perder completamente as suas identidades.

Ao mesmo tempo em que essas pessoas que vivem entre fronteiras trazem consigo, por mais longínquo que seja, his-tórias particulares carregadas da sua cultura de origem, Hall (2011) elimina, nesse contexto, qualquer risco de uma unifica-ção cultural. Esclarece esta questão através do seu entendimento de que aqueles que vivem em uma realidade fronteiriça tonam--se seres essencialmente híbridos, que adquirem como conse-quência natural dessa situação o fato de terem que renunciar a qualquer tipo de “pureza cultural perdida ou de absolutismo étnico”. Explica ainda que

Elas estão irrevogavelmente traduzidas. [...] são o produto das

novas diásporas criadas pelas migrações pós-coloniais. Eles

devem aprender a habitar, no mínimo, duas identidades, a

falar duas linguagens culturais, a traduzir e a negociar entre

elas. (HALL, 2011, p. 89-90)

Assim, a consequência é um resultado identitário que se configura como o encontro e a troca dessas culturas interconec-tadas. é um produto plural, modificado e modificante. Ainda, Coelho (2008, p. 53) reforça que

[...] não significa necessariamente conflito de culturas e menos

ainda, aniquilação de culturas, mas um amplo deslocamento

de diferentes culturas num largo leque de direções, trazendo

como resultado inúmeras modificações em cada uma delas.

O produtor da Lavage de la Madeleine, Roberto Chaves, con-firma a aplicabilidade deste conceito ao exemplificar utilizando a própria festa no seu contexto diaspórico.

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Os elementos nasceram lá, Bonfim “é mãe”. Eu trago elementos,

sim. Lá foi a minha escola, a minha faculdade. Só que aqui esta-

mos na Europa, o clima é outro, então temos que adaptar. Você não

pode botar uma baiana como na Bahia, porque aqui tem que es-

quentar um pouquinho, né? É mais frio. E tem mais, o som do trio

elétrico... eu não posso usar um volume alto como na Bahia, aqui

eles não aceitam... quebra os vidros das janelas... tem que adaptar.

Esta “adaptação” citada por Chaves equivale ao conceito de “tradução” que defendemos. Segundo Hall (2011), isso acontece exatamente neste contexto de ocupação de um espaço territorial que não é o seu de origem. Ainda, o teórico defende que nes-sas situações de desterritorialização, tradições e vínculos com o território de origem não deixam de existir, mas faz-se, também, indispensável uma contínua negociação com as novas cultu-ras com que se passa a se relacionar. Estas, naturalmente, são absorvidas, cruzando-se, então, com as identidades de origem. Configura-se, assim, um quadro identitário plural e mestiço – típico dos nossos tempos.

E é este o cenário que nos parece mais adequado para situar a Lavage de la Madeleine. A festa, para que aconteça em Paris, precisa ser traduzida – mantendo elementos da sua origem, ressignificando outros, criando novos. é a exigência desse novo contexto em que ela passa a existir.

Os elementos eleitos para compor a Lavage de la Madeleine são, exclusivamente, brasileiros e, sobretudo, baianos. Assim, toda esta composição identitária original passa por um processo de “tradução”, a fim de que a festa seja aceita em um contex-to diaspórico diferente do seu território natural. Como vimos, não são contempladas no quadro festivo da Lavage manifesta-ções culturais francesas, entretanto, há uma influência direta do comportamento cultural e social deste lugar – é isto que fornece os contornos necessários para o processo de tradução e recon-figuração da festa. Essas ressignificações que compõem o pro-

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cesso da “tradução” podem ser entendidas também como nego-ciações feitas no território de chegada e com a população local, buscando uma aceitação e uma melhor receptividade, já que o que se propõe também é muito diferente para quem acolhe.

Assim, a Lavage de la Madeleine acontece em um quadro complexo e diaspórico. Formada pela hibridez característica do cenário transnacional que a faz existir, ela ressignifica uma com-posição festiva tradicional baiana, traduzindo-a com o objetivo de que seja possível sobreviver neste novo chão que lhe serve de cenário.

Esta foi a primeira festa baiana a ser realizada com gran-de repercussão no exterior. Porém, atualmente, não se trata da única a ser inspirada na Lavagem do Bonfim, apesar de consi-derarmos ser a que mais procura se manter próxima à questão religiosa. Outro exemplo de destaque internacional de transna-cionalização da Lavagem do Bonfim é o evento que acontece nas ruas de Manhattan, na cidade de Nova York.

LAVAGEM DA RUA 46: O EVENTO NAS RUAS DE NOVA YORK

A Lavagem da Rua 46 (ou The Cleansing of 46th Street, sua denominação nos Estados Unidos) foi idealizada em 2008 pela coordenadora do Brazilian Day New York, Silvana Magda, com o apoio do empresário João de Matos, diretor executivo do Brazi-lian Day, e do jornal The Brasilians3 e “se tornou parte do calen-

3 o jornal brasileiro The Brasilians foi fundado pelo jornalista Jota alves em Nova York em 1972 como The Brazilians, tendo mudado seu nome em 1975 e, desde 1987, passando a ser comandado pelo empresário João de Mattos. sua equipe, comandada pelo editor-chefe do jornal, Edilberto Mendes, foi a responsável pela criação da festa do Dia do Brasil em Nova York em setembro de 1985, evento que passou a ser conhecido como Brazilian Day e que, atual-mente, conta com a organização local do The Brasilians e apoio da Rede globo de Televisão.

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dário oficial da maior festa brasileira fora do Brasil. O objetivo da Lavagem é criar um ambiente de celebração cultural no cen-tro da Big Apple”. (LAVAGEM DA RUA 46, 2008)

A sua inspiração direta é a Lavagem do Bonfim realizada em Salvador, conforme afirmou em entrevista sua idealizadora e coordenadora Silvana Magda (2009), soteropolitana, bailarina, cantora e produtora cultural residente em Nova York desde a dé-cada de oitenta. Contudo, a festa foi ressignificada como prática transcultural em Nova York, sendo trazidos apenas alguns de seus elementos performáticos.

Para os organizadores, o que se buscou foi manter a men-sagem multicultural positiva de se unir a comunidade através de “diversas vozes e ritmos para representar, com genuinidade, o encanto, a tradição e a espiritualidade não somente da Bahia, mas de todos os povos. Assim, a Lavagem da Rua 46 celebrará a purificação, a energia, a natureza, a unificação dos povos e a perpetuação da paz. As tradicionais baianas, vestidas de bran-co, enfeitadas com cordões e rosários, em homenagem a todos os santos, trarão suas jarras com água perfumada, energizando todo o trajeto do desfile na Little Brazil. (LAVAGEM DA RUA 46, 2008)

Ao longo da sua história, muitos dos performers convidados para as apresentações musicais do Brazilian Day foram artistas populares da Bahia, principalmente estrelas do carnaval. Isso não é uma coincidência. João de Matos (2009) explicou: “Temos que ter Bahia [no Brazilian Day]. Aí começamos a trazer os gru-pos baianos. Eu acho que a Bahia é o que dá animação ao final”. Edilberto Mendes (2009) complementou:

Nós descobrimos ao longo de 25 anos que o Brazilian Day tem a

cara da Bahia. A Bahia é o grand finale do Brazilian Day. Tem

que ter Bahia. [...] Já tem um elemento no Brazilian Day que é

a Lavagem da Rua 46 que abre a festa do Brasil. [...] A Bahia, a

presença da Bahia, é a marca do Brazilian Day.

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Essa afinidade com a proposta do Brazilian Day e o interesse do governo da Bahia no evento como um momento para fortale-cer o marketing de destinos turísticos também é percebido pelo fato de que a Bahiatursa, o órgão oficial de turismo do Estado, é uma das principais empresas governamentais brasileiras do evento. Porém, é importante destacar que somente a partir de 2007 a Bahiatursa passou a ser uma das patrocinadoras. De acordo com a Gerente de Relações Internacionais desta institui-ção em 2009:

Acreditamos que seja uma experiência muito positiva, pois o evento

sempre é encerrado com uma atração Baiana, e estes artistas sem-

pre dão um grande foco na promoção do destino durante as suas

apresentações e permite uma grande visibilidade na mídia nacio-

nal e internacional. Acreditamos que através da Globo Internacio-

nal podemos comunicar a diversidade cultural do destino Bahia

com o público nacional e internacional  através das músicas e da

energia das atrações que participam do evento.

Silvana Magda (2009) relatou que apresentou a ideia da Lavagem da Rua 46 para a equipe do Jornal The Brasilians, após alguns anos colaborando na organização do Brazilian Day. Seu envolvimento se deu quando foi convidada por Edilberto Mendes para fazer um show ao vivo na televisão americana, re-presentando o Brazilian Day, como forma de divulgação. Após a apresentação, este a convidou para trabalhar na organização do evento. Ela contou que ficou relutante, pois acreditava que o perfil havia mudado após o envolvimento da Globo, que passou a direcionar algumas das decisões artísticas. Mas, junto com a equipe do The Brasilians, começou a pensar alternativas para in-corporar novos elementos identitários à festa brasileira.

É um evento que logo após essa inclusão da Rede Globo ele [ ficou]

mais direcionado. Então, a comunidade em si não está ativa no

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evento. [...] Eu falei assim: ‘Vamos fazer o seguinte: eu queria tra-

zer uma concepção do século XVIII. Não é o evento que é feito na

Bahia. A concepção é do século XVIII. E repaginar com a cara de

Nova York. [...] Eu queria fazer a lavagem [...] mas o que eu estou

querendo fazer é mudar um pouquinho. [...] Eu não quero nenhum

vínculo religioso, eu quero que isso seja uma comunhão de pessoas’.

Assim, em 2008 aconteceu a primeira edição do evento que contou com cobertura da imprensa local, inclusive do jornal The New York Times. A repercussão na mídia conferiu legitimidade à iniciativa e o interesse da comunidade local em participar deu ânimo aos organizadores para continuar realizando a festa anu-almente desde então. O desfile pelas ruas de Manhattan, que culmina na chegada à Little Brazil, foi inspirado diretamente no cortejo das baianas que é realizado em Salvador. Este primeiro momento é seguido pelas apresentações de artistas brasileiros que acontecem em um palco montado na Rua 46. O show con-ta com convidados que vêm diretamente do Brasil para a festa e também artistas e grupos locais, compostos por imigrantes brasileiros residentes em Nova York e/ou outras cidades ameri-canas. Também são montadas barracas de alimentos e produtos artesanais típicos do Brasil que são comercializados exclusiva-mente por vendedores brasileiros da comunidade. A Lavagem tem início pela manhã e se estende até o período da tarde no sábado anterior ao evento principal realizado em parceria com a Rede Globo. Além disso, atividades a ela associadas, como a Semana da Bahia – que conta com exposições fotográficas, de arte e moda, tendo como tema a Bahia; palestras e workshops sobre temas abordando religiões, danças e músicas; e também apresentações artísticas e culturais.

Não é a intenção neste momento discutir a noção de baiani-dade (GUERREIRO, 2005; MARIANO, 2009; MOURA, 2001; PINHO, 1998; COIMBRA DE SÁ, 2007; ZANLORENZI, 1998) ou sua relação com a brasilidade, pois isto está além dos ob-

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jetivos deste artigo. No entanto, esta questão está presente no imaginário coletivo de muitos brasileiros. O que defende-se aqui é que as festas e eventos festivos brasileiros como práticas cultu-rais e elementos identitários de destaque da sociedade brasileira está, em grande parte, relacionada à noção de baianidade e da Bahia como um território mítico que atrai a curiosidade e en-canta brasileiros e estrangeiros. Como podemos identificar, ela também aparece nas falas do cineasta Ives Goulart, catarinense, residente em Nova York, que realizou um documentário sobre a Lavagem da Rua 46 em Nova York.4

Eu fui em busca de querer expressar alguma coisa que tivesse a ver

com o Brasil e com Nova York. Com os Estados Unidos e com o

Brasil. Buscar essa identidade. Comum e universal. E a Lavagem

veio nas minhas mãos como uma oportunidade também de poder

me expressar. [...] A presença da baiana na vida de todo brasileiro é

muito forte. […] Você vê no Carnaval a ala das baianas que é uma

das alas obrigatórias, isso é muito forte. Então essa coisa da Bahia

para a gente que é do Sul é muito forte. Para nós são muito fortes

[as] coisas que são da Bahia, do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Então, isso está no meu inconsciente. O desejo de querer expressar,

porque isso também está dentro de mim. Eu nunca fui a Salvador,

não sou baiano, mas e daí? Faz parte da minha cultura. Faz parte

da minha infância. Faz parte de tudo que é ser brasileiro quando

você nasce numa terra como o Brasil. E isso está dentro de você.

A criança lá do Acre vai ter a baiana dentro dele. E a pessoa lá do

Rio Grande do Sul vai ter a Bahia dentro dele. Está dentro de cada

um.

4 o documentário curta metragem do cineasta ives goulart, intitulado Lavagem do Bonfim: da Bahia a Nova York (The Cleansing of Bonfim: From Bahia to New York, 2009) conta a história do surgimento desta festa no ano de 2008 e foi premiado pelo Focus Brazil Vídeo Fest (2009) nas categorias: Melhor Vídeo, Melhor Roteiro e Melhor Fotografia. seleção oficial do 7o. Cine Fest Petrobras New York realizado em agosto de 2009.

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Em 2010, Ives Goulart foi a Salvador documentar a Lavagem do Bonfim. Depois disso viajou para o Benim “para buscar regis-trar as raízes africanas presentes na cultura afro-baiana”5 como re-latou em entrevista, pois pretende incorporar tanto os elementos católicos quanto os do candomblé em um documentário longa metragem. é importante destacar que este documentário é um novo projeto que irá abordar as origens da festa baiana, apre-sentar discussões sobre religião e sincretismo, ou seja, questões não necessariamente incorporadas na concepção da Lavagem da Rua 46.

A festa que acontece em Manhattan não busca reproduzir em território norte-americano o que acontece na Bahia, pois trata-se de uma prática cultural que foi transnacionalizada. Ela é (re)inventada como tradição (HOBSBAWM; RANGER, 1997) em um novo território e em um novo contexto específico, que são informados pelas dinâmicas culturais dos imigrantes brasi-leiros que residem em Nova York.

Podemos relacionar este processo ao que Ramos-Zayas (2008) aponta como uma tática de comodificação da cultura, re-lacionada a uma ideia de multiculturalidade, e que é feita através de uma negociação entre “excesso cultural” e “invisibilidade ra-cial”. Apenas alguns elementos foram eleitos para o processo de cruzamento de fronteiras, principalmente aqueles relacionados à espetacularidade – imagens, ritmos e performances – que po-dem ser mais facilmente ressignificados num contexto que não é o da região de Salvador e Recôncavo, onde estes elementos são fortemente vinculados a questões raciais, étnicas e religiosas.

5 Vale ressaltar que, apesar da intenção do cineasta ser esta, a festa que acon-tece no Benim foi “levada” pelos agudás (escravos brasileiros libertos que retornaram para a África, principalmente para o Benim). portanto, não pode ser considerada como uma “raiz” para a que acontece na Bahia. Mas sim, ela partiu da Bahia para acontecer lá – como uma forma de identificação e coesão desse “novo grupo” que se formava nessa parte da África. Mais sobre o assun-to em guran (2000).

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Esta escolha foi feita para representar uma identidade baiana que pode ser compreendida neste contexto de representação de uma brasilidade multicultural e transnacional em Nova York, que é uma cidade percebida como um símbolo global e cosmo-polita. Desta forma, é possível que sejam criados laços e afini-dades capazes de despertar o afeto e o interesse de outras pes-soas de origens diversas e que não necessariamente conhecem a festa que é realizada em Salvador. Assim, a Lavagem pode ser compartilhada com pessoas que possuem outras vivências, di-ferentes daquelas dos baianos. Neste processo, adaptações, ino-vações, misturas ou “traduções” são necessárias, para que se es-tabeleçam laços afetivos e empatia onde previamente só existia desconhecimento. E, ao mesmo tempo, a escolha de elementos--chave presentes na Lavagem do Bonfim conferem um nível de “autenticidade” que agrada aos que buscam uma conexão com suas origens e raízes.

CONSIDERAçõES FINAIS

De antemão, faz-se necessário uma consideração relevante acerca da Lavagem do Bonfim, que, decorrente de seus mais de duzentos anos de história, representa, hoje, uma imagem acentuadamente forte do ponto de vista simbólico, a ponto de ultrapassar as fronteiras territoriais da Bahia, inspirando festi-vidades em outros pontos do planeta – como é o caso das festas aqui abordadas – a Lavage de la Madeleine e a Lavagem da Rua 46. Como observado, o contexto globalizante contemporâneo interfere diretamente em uma série de questões, inclusive na configuração da própria cultura. A transnacionalização cultural, processo comum deste momento em que as fronteiras são cada vez mais fluidas, é o caminho necessário a ser trilhado para que essas manifestações culturais formem-se para além dos territó-rios baiano e brasileiro.

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Ainda, a realização das duas lavagens em contextos interna-cionais funciona como uma estratégia importante para manter a posição ativa e renovada por parte dos agentes/produtores locais que organizam as festas e que funcionam como “tradutores” dos referenciais culturais brasileiros e baianos entre a comuni-dade imigrante e a sociedade local. Por estes motivos expostos, contextualizados em relação aos territórios onde se realizam as duas lavagens, ambas devem ser consideradas como práticas culturais de destaque para as comunidades e localidades nas quais estão inseridas.

Essa constatação faz dessas festas poderosas ferramentas de sociabilidade para as comunidades de imigrantes destes locais onde acontecem, especialmente os brasileiros – que se sentem ainda mais familiarizados com aquele conjunto simbólico apre-sentado. Essa característica é importante na medida em que in-tegra e agrega aquelas pessoas, fortalecendo a noção de grupo. A consequência disso é um organismo coletivo mais coeso e for-talecido para enfrentar as adversidades, buscando legitimar-se frente ao cenário de imigração que vivem – que, em muitos ca-sos, representa uma situação instável, com registros frequentes de opressão, discriminação e preconceitos.

Considera-se, ainda, que, ao refletir sobre a busca por vi-vências e experiências culturais que estão no cerne dos deslo-camentos turísticos, que tanto a Lavage de la Madeleine quanto a Lavagem da Rua 46 se constituem duplamente relevantes. Em primeiro lugar, por consistirem-se em momentos de lazer e sociabilidade para as comunidades locais – brasileiros, latinos, nova-iorquinos, parisienses e pessoas das mais diversas nacio-nalidades que participam das festividades – assim como, por re-presentarem nos territórios para os quais se transnacionalizam, formas de divulgação cultural e de marketing de destinos. Ou seja, ao se constituírem como “festas baianas no exterior”, des-pertam o interesse da população local para uma possível aproxi-

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mação da cultura baiana (e, consequentemente, da brasileira). E, desta forma, os estrangeiros irão se sentir motivados a visitarem a Bahia e o Brasil.

As experiências narradas neste artigo – a Lavage de la Madeleine e a Lavagem da Rua 46, nos fazem concluir que a complexidade dos processos diaspóricos a que são submetidos tantos bens simbólicos os deixam ainda mais ricos culturalmen-te, tendo em vista que seu processo de formação identitário se dá de forma plural. E, ainda, desse cruzamento de diferentes a que são submetidos nesse cenário transnacional, nascem outras realidades ainda mais surpreendentes pelo seu fator mestiço.

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social) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de são paulo,

são paulo, 1998.

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O urbano na perspectiva do turismo e o marketing de lugares: Considerações ao destino turístico Morro de São

Paulo – Bahia

Mariana Lacerda Barboza Fi lha

INTRODUçãO

O processo de urbanização do país fez as cidades brasileiras assumirem um papel multifuncional com influência dos inte-resses do capital monopolista e, dentro desse contexto, identifi-ca-se a análise urbana integrada ao funcionamento da economia contemporânea. Entretanto, o estudo da urbanização das cida-des não pode desconsiderar os aspectos culturais e a ação das classes sociais e o posicionamento das mesmas, expresso nos hábitos, costumes, estilo de vida e comportamento de consumo, estabelecendo as relações sociais territoriais e regionais, especi-

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ficamente no espaço. No caso das cidades brasileiras, observa-se, na maioria das vezes, a urbanização em prol da modernização, mas nem sempre relacionada às questões sociais ou atendendo ao que é definido no plano diretor.

Muitas vezes, a construção da identidade de determinadas ci-dades não condizem com a realidade local. A utilização de estra-tégias e aplicação de ações voltadas para captação de investidores e mercados consumidores, resvaladas no marketing de cidades, considera apenas parte do todo e constrói a imagem simulada para atender aos interesses de investidores e operadores da ad-ministração pública. (MARICATO, 2000) Os destinos turísticos e os processos de urbanização dos mesmos enquadram-se nesta realidade. Não se trata de uma regra, mas sim de característi-cas típicas de localidades que não possuem em suas bases de crescimento e desenvolvimento os princípios de planejamento sustentável.

O principal objetivo deste trabalho é apresentar as relações existentes entre a urbanização de destinos turísticos e o marke-ting de lugares. Como questão norteadora para direcionamento da pesquisa definiu-se: de que forma está estabelecida a relação entre a urbanização para o turismo e o marketing de lugares?

Para direcionamento da pesquisa foi utilizado o referencial teórico apresentado neste artigo, abrindo discussão acerca do processo de industrialização do Brasil e a consequente urbani-zação das cidades e as atividades de interesse do capital como desdobramento de tal urbanização, a exemplo do turismo.

O urbano na perspectiva do turismo apresenta o direciona-mento da adoção de infraestrutura composta por equipamentos e empreendimentos para atender as demandas dos visitantes com destaque para hospedagem, alimentação, transporte e la-zer. Além da necessária infraestrutura básica. Dentro desta rea-lidade, o marketing de lugares utiliza-se, dentre outros fatores, do apelo relacionado à infraestrutura urbana e turística existente

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em determinados lugares como estratégia para gerar atrativida-de para visitantes turistas e investidores.

Morro de São Paulo, na Ilha de Tinharé, litoral sul da Bahia, foi definido como exemplo prático do processo de urbanização na perspectiva do turismo para contextualização do presente trabalho.

A RELAçãO ESPAçO E URBANO

O estudo do espaço implica em um processo de investigação que considere os fenômenos nele existentes, como também a ação e atuação do homem. Por outro lado, há de se investigar, também, a influência que o espaço exerce nas diversas relações contidas nele e nas práticas do homem.

O espaço “[...] é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, entre sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como quadro único no qual a história se dá”. (SANTOS, 1994, p. 111) Aí estão estabelecidas as relações entre natureza, tempo, socie-dade e espaço.

Com a interação entre os sistemas de objetos e os sistemas de ações, os sistemas de objetos direcionam as ações. E, por outro lado, os sistemas das ações direcionam a construção de novos objetos ou a transformação de objetos existentes. A rela-ção entre objeto (forma) e ação (conteúdo) está inserida na dinâ-mica do espaço, com destaque para uma tendência da “criação” de objetos voltada para atender a aspectos preestabelecidos e, do mesmo modo, a definição cada vez mais constante de ações ajustadas à determinada realidade. Neste cenário impõem-se o mercado, com a sua racionalidade determinante para a reprodu-ção do capital, e a competitividade espacial decorrente do merca-do globalizado. (CRUZ, 2000)

Castells (1983) compreende que a questão do espaço, em es-pecial o espaço urbano, implica nas relações entre os elementos

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da estrutura social e analisa a delimitação da urbanização con-siderando o aspecto ideológico, político-jurídico e econômico. Neste último, o autor considera que a produção da cidade, seus equipamentos e serviços se dão por meio da privatização do es-paço público, submetendo-se aos interesses dos monopólios e do grande capital, sem a devida atenção para aquilo que de fato interessa aos cidadãos e para a sua qualidade de vida.

Nesse contexto, a delimitação do espaço determina a forma física e as relações estabelecidas na ocupação e apropriação do mesmo, para a criação de estruturas que atendam à vida social e às demandas criadas pelo capital. De acordo com Pedrão (2002, p. 44), “a urbanização é um processo de criação e ocupação de espaços que começa pela apropriação de terras para fins urba-nos.”

Colocar a questão da especificidade de um espaço e em parti-

cular o espaço urbano equivale a pensar nas relações entre os

elementos da estrutura social, no interior de uma unidade de-

finida numa das instâncias da estrutura social. Mais concreta-

mente, a delimitação de urbano conota uma unidade definida

seja na instância ideológica, seja na instância político-jurídica,

seja na instância econômica. (CASTELLS, 1983, p. 333)

As análises de Paul Singer (1980, p. 37) em torno da questão são direcionadas para a vertente econômica e, em uma aborda-gem do capital, ele traz que “[...] a urbanização assume caracte-rísticas próprias no capitalismo, na medida em que este cinda as perspectivas micro e macroeconômicas [...]”.

Em verdade, o estudo do urbano com as contribuições de Singer revela a presença das relações de dependência existentes entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

De acordo com Pedrão (2002), a urbanização compreende a construção de cidades novas e a reconstrução, total ou parcial, de cidades já existentes, com crescimento horizontal e verticaliza-

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ção. Envolve reparos, restaurações e principalmente a ação dos agentes sociais residentes na cidade. Em torno desta discussão envolvendo o aspecto físico e econômico, o autor destaca as for-mas desiguais da urbanização na cidade e considera que a urba-nização significa a mobilização de recursos humanos e físicos, de modo permanente ou temporário.

Já Lefebvre (2001, p. 89) acredita que a existência urbana se confunde com a existência política, como a palavra indica. Se a cidade concentra o que faz uma sociedade, ela o distribui de uma maneira relativamente razoável em organizações e insti-tuições.

Por outro lado, no processo de transformação do núcleo ur-bano, para atender as demandas da ordem de consumo social, decorrentes do poderio econômico ou das diferentes realidades, passa a abrigar espaços de lazer. Ao discutir o núcleo urbano em uma ótica social e político-jurídica, Lefebvre (2001) desta-ca que estes núcleos resistem ao se transformarem. Continuam a ser centros de vida urbana, onde as qualidades estéticas de-sempenham um grande papel na sua manutenção, e tornam-se produto, de consumo de uma alta qualidade para estrangeiros, turistas, pessoas oriundas da periferia, suburbanos. Sobrevivem por assumir este duplo papel: lugar de consumo e consumo do lugar. Os destinos turísticos são exemplos concretos desta reali-dade, sendo a atividade do turismo uma das responsáveis pelo processo de ocupação de determinadas áreas nos estados brasi-leiros. Em especial as áreas litorâneas.

Muitas vezes a força de trabalho, organizadora ou operária, do bem-estar de uma minoria tem a sua existência parcialmente esquecida quando se trata da promoção e manutenção de bene-fícios para tal minoria representada por uma esfera social com acesso a serviços, infraestrutura e qualidade de vida.

A partir dos anos 1960, dois fenômenos caracterizaram for-temente a ocupação do litoral: a popularização das residências de veraneio e os movimentos migratórios, oriundos do campo,

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ou de outros centros urbanos menores não absorvidos pela in-dústria. O processo de industrialização no Brasil deu-se de for-ma tardia se comparada com a Europa. Por outro lado, a sua velocidade gerou a ocupação desordenada e desigual na maior parte do país, provocada pelo êxodo de pessoas que viviam em áreas rurais e migraram para as cidades, demandando a adoção de ampliação e ou instalação de infraestrutura para atender ao aumento populacional dos centros, mas que em grande parte dos casos, não seguia diretrizes de planejamento urbano.

No início do século XX, o Brasil era predominantemente ru-ral; a industrialização apresentava-se ainda incipiente. Contudo, na década de 20 houve o aumento da capacidade de produção em diversos setores, especialmente o setor de energia, cimento e aço, elevando-se também a importação de bens de capital. Nas décadas seguintes, 1930/1940, ao lado dos novos setores indus-triais, houve a expansão do comércio e dos meios de transpor-te. Com as consequências da guerra mundial, as dificuldades de importação foram marcantes na década de 40 favorecendo o setor industrial com crescimento significativo naquela década com expoente para a década de 50.

[...] o crescimento prosseguiu na década de 50, de modo que,

no final do período, a maior parte do mercado interno já era

suprida com bens produzidos no próprio país, complemen-

tando-se assim o ciclo de substituição de importações de bens

de consumo e iniciando-se (de modo acelerado) a produção de

bens duráveis. Foi também na década de 50 que o capital es-

trangeiro entrou maciçamente para apoiar a industrialização.

(PASTORE, 2001, p. 6)

Para sustentar o crescimento e a dinâmica da industrializa-ção, fez-se necessário investir na infraestrutura das cidades, ge-rando instalações de recursos e, em alguns casos, construções de uma cidade voltada para atender as demandas do processo

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industrial. Tais intervenções atenderiam a nova dinâmica das ci-dades, provocada pelo deslocamento da zona rural para a zona urbana em função da possibilidade de trabalho, gerando mobili-dade social. Em uma mesma “mão”,

[...] A construção de rodovias, barragens e mesmo de uma cidade

inteira a partir do zero (como no caso de Brasília) não só foram

empreendimentos que absorveram uma quantia significativa de

valores, como foram também elementos cruciais para a susten-

tação do crescimento industrial. Nessas construções vultosas,

que marcaram governos como os de Getúlio Vargas, Juscelino

Kubitschek e quase todos os do regime militar, uma quantida-

de substancial de trabalhadores eram trazidos para o canteiro de

obras. Uma população que tinha na construção civil, fortemen-

te incentivada, financiada ou paga pelo Estado, a porta de en-

trada para o mercado de trabalho urbano (formal ou informal). (SANTOS, 2009, p. 10)

A urbanização das cidades brasileiras, atendendo aos inte-resses do capital gerou para as mesmas o caráter multifuncio-nal. Por outro lado, o estudo da urbanização requer que sejam considerados os elementos culturais e as relações sociais exis-tentes em determinado território – espaço, em vistas a alcançar o ordenamento e adoção de diretrizes que possibilitem o cres-cimento e desenvolvimento sustentável. De acordo com Milton Santos (1989, p. 100), nesse contexto, “[...] a planificação desem-penharia importante papel podendo se apresentar sob a forma de programa de incentivos em favor de uma região, como o caso do Nordeste do Brasil”. Contudo, não são verificadas políticas exequíveis à realidade, que viabilizem tal condição.

Para Villaça (2000), o planejamento urbano das cidades bra-sileiras apresenta o seguinte panorama: A atuação do poder pú-blico, sobre as cidades, acontece e sempre aconteceu às margens do plano diretor, especialmente as ações referentes ao sanea-

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mento, habitação, meio ambiente e transportes; as leis de con-trole de uso e ocupação do solo, quando aplicadas, favorecem apenas camadas com renda mais alta. Portanto, apenas alguns bairros são contemplados pelos benefícios. Para a maioria dos casos, especialmente nas metrópoles, é como se não existisse o controle e legislação para loteamentos; A existência do plano diretor não tem assegurado o ordenamento do espaço e os bene-fícios que podem ser gerados pelo instrumento, pelo fato de não haver a aplicabilidade do mesmo.

Nunca é demais repetir que não é por falta de planos e nem

de legislação urbanística que as cidades brasileiras crescem de

modo predatório. Um abundante aparato regulatório normati-

za a produção do espaço urbano no Brasil - rigorosas leis de zo-

neamento, exigente legislação de parcelamento do solo, deta-

lhados códigos de edificações são formulados por corporações

profissionais que desconsideram a condição de ilegalidade em

que vive grande parte da população urbana brasileira em re-

lação à moradia e à ocupação da terra, demonstrando que a

exclusão social passa pela lógica da aplicação discriminatória

da lei. A ineficácia dessa legislação é, de fato, apenas aparente,

pois constitui um instrumento fundamental para o exercício

arbitrário do poder além de favorecer pequenos interesses cor-

porativos. A ocupação ilegal da terra urbana é não só permitida

como parte do modelo de desenvolvimento urbano no Brasil

[...]. Ao lado da detalhada legislação urbanística (flexibilizada

pela pequena corrupção, na cidade legal) é promovido um total

laissez-faire na cidade ilegal (Maricato, 1996). A ilegalidade na

provisão de grande parte das moradias urbanas (expediente de

subsistência e não mercadoria capitalista) é funcional para a

manutenção do baixo custo de reprodução da força de traba-

lho, como também para um mercado imobiliário especulativo

(ao qual correspondem relações de trabalho atrasadas na cons-

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trução), que se sustenta sobre a estrutura fundiária arcaica.

(MARICATO, 2000, p. 147-148)

O cenário apresentado por Maricato representa a maioria das cidades brasileiras, associada a uma construção de identida-de que muitas vezes não considera o socioambiental, definindo uma imagem construída por apelos que condizem apenas com parte da realidade, voltados para modernidade urbana, melho-rias de ordem econômica e infraestruturais das cidades e suas potencialidades, que, com o simulacro criado pelas ações midi-áticas startadas por restritos, mas poderosos grupos, fazem pa-recer que o todo é contemplado, quando na verdade, as áreas periféricas, com relevante expressividade populacional e territo-rial, sofrem pela condição marginal em que são condicionadas pelo proposital “esquecimento”. Como consequência, tornam-se “invisíveis” às ações de marketing promocional das cidades na captação de recursos e mercados turísticos, mas principal objeto em campanhas políticas.

A especulação imobiliária e atividades como o turismo, sen-do muitas vezes uma consequência da outra, provocou e provo-ca novas centralidades catalisadas pelo chamado “empreende-dorismo urbano”, e passam a subordinar políticas sociais, com definição de oferta fragmentada e desigual dos bens de consu-mo coletivos, baseada no desempenho econômico. Para Harvey (1995 apud ACSELRAD, 2004) não é mais o capital que busca vantagens locacionais, mas as localidades é que competem entre si, oferecendo tais vantagens para atrair os capitais.

é instalada, então, nova perspectiva, onde a cidade é vista

como ator e ao mesmo tempo objeto de uma ação estratégi-

ca, de uma gestão de corte empresarial, voltada para a atra-

ção de investimentos numa competição interurbana que é

pontuada pelas práticas simbólicas do marketing de cidades.

(ACSELRAD, 2004, p. 26)

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O URBANO NA PERSPECTIVA DO TURISMO

A infraestrutura urbana e a turística estão na base da atrati-vidade dos lugares para o turismo, considerando, inclusive, suas modalidades ditas alternativas (ecoturismo, turismo ecológico, por exemplo). O meio de hospedagem, aeroportos, via de acesso, transportes e equipamentos de alimentação são essenciais para a prática da atividade em determinado local, independente do apelo do destino. De certo que, conforme a potencialidade e con-ceito mercadológico que uma destinação possui, encontrar-se-á diferentes equipamentos com maior ou menor complexidade, maior ou menor sofisticação, tipologias e categorias diferentes. Entretanto, invariavelmente, o turismo estabelece diversas rela-ções com o espaço, uma vez que a sua existência demanda de adequações físicas com interface socioeconômica-espacial pro-vocando interação entre visitantes e visitados através do consu-mo de recursos naturais e culturais expressos nos atrativos.

De acordo com Cruz (2000, p. 25), a relação entre turismo e urbano, na perspectiva urbano-espacial, metodologicamente, pode ser compreendida por três situações, a saber:

O urbano antecede o aparecimento do turismo; O processo de

urbanização é, simultaneamente, um processo de urbanização

turística do lugar; Ou, ainda, esse processo pode ser posterior

ao aparecimento do turismo e decorrente dele.

Em verdade, o advento do turismo, enquanto atividade eco-nômica organizada, só acontece a partir do século XIX. Portan-to, na maior parte das localidades turísticas consolidadas, o ur-bano antecedeu a atividade. Entretanto, nos casos onde existe a simultaneidade ou incorporação de cidades à linha de produtos turísticos de determinada região, os equipamentos urbanos são direcionados ou construídos em função de uma urbanização para o turismo, através de políticas e planejamento contemplan-

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do estratégias mercadológicas para o posicionamento do destino turístico no mercado.

Em se tratando de uma incorporação espontânea, essas loca-

lidades eleitas pelo turismo podem investir na atividade em

busca da manutenção e da ampliação dos fluxos turísticos es-

pontaneamente surgidos ou ignorar a presença do turismo,

deixando que ele se aproprie do espaço de forma aleatória e

não planejada. (CRUZ, 2000, p. 26)

Esta realidade está diretamente ligada ao posicionamento político do poder público local em relação ao turismo. quando o processo de urbanização confunde-se com a urbanização turísti-ca local, há de se ter muita atenção, pois se não for baseado em projetos urbano-turísticos planejados e respaldados tecnicamen-te, contemplando a realidade sociocultural e ambiental, tem-se o crescimento desordenado e a produção de uma realidade ca-ótica.

A urbanização turística de determinada localidade não pode ser projetada apenas na perspectiva dos equipamentos de hos-pedagem, restauração e transportes, mas com associação, des-tes e outros elementos específicos ao turismo (atrativos, por exemplo), com o consumo do espaço e infraestrutura básica e de apoio, ali existente e ou necessária.

A oferta turística é definida pelo conjunto de atrativos natu-rais, culturais, equipamentos turísticos, serviços, infraestrutura básica, infraestrutura turística, infraestrutura de apoio e de aces-so. Todos estes elementos devem coexistir de forma integrada e em condições de consumo adequadas com base nos princípios da qualidade, em vistas a atender as expectativas do visitante, proporcionando o consumo sustentável do espaço e definição do conceito do destino, enquanto produto turístico.

Dentro da perspectiva apresentada, o planejamento urbano torna-se condição para que determinada localidade se constitua

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enquanto produto turístico, pois o fator competitividade provoca a adoção de estratégias que viabilizem a adequação do produto às expectativas do mercado e a instalação de recursos deman-dados pelos investidores que representam o capital e com isso, muitas vezes, não é considerada a ordem espacial devida como também, conforme destacado anteriormente, são criadas novas centralidades fora do alcance da maior parte da população seja por uma questão espacial geográfica, seja por uma questão so-cioespacial.

MARKETING DE LUGARES

Para a discussão apresentada nesta seção destaca-se a con-cepção de lugar definida por Kotler e colaboradores (2006, p. 4)

Um lugar é um estado-nação, um espaço físico geopolítico.

Um lugar é uma região ou estado. Um lugar é uma localidade

demarcada cultural, histórica ou etnicamente. Um lugar é uma

cidade central e suas populações circunvizinhas. Um lugar é

um mercado com vários atributos definíveis. Um lugar é uma

sede de uma indústria e o conglomerado de indústrias afins e

seus fornecedores. Um lugar é uma característica psicológica

de relações internas entre pessoas e suas visões externas das

pessoas que não são do lugar.

Para proporcionar a competitividade de determinado lugar é necessário que sejam traçadas estratégias amplas para atrair vi-sitantes, moradores, funcionários, comércio, indústria e expor-tações. Segundo Kotler e colaboradores (2006), tais estratégias compreendem: marketing de imagem, marketing de atrações, marketing de infraestrutura e marketing de pessoas.

A imagem de uma localidade está associada a sua realidade social, econômica, política, cultural e ambiental. A capacidade

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de produção e as suas diversas potencialidades são, também, sem dúvidas, elementos influenciadores na construção da ima-gem que pode ser uma imagem positiva ou negativa. Em verda-de, as estratégias de marketing de imagem estão relacionadas à definição de um conceito baseado nas experiências e elementos entregues pelo local. Entretanto, há de se ter cuidado no proces-so de construção da estratégia, pois muitas vezes uma imagem excessivamente atraente pode gerar alguns problemas como atração de um número muito expressivo de visitantes, quando o local não possui capacidade suficiente de produção para aten-der ao fluxo, ou não possui infraestrutura urbana e/ou turística adequada, o que provoca intervenções no espaço físico sem o planejamento adequado. Esta realidade causa atração inclusive de investidores, e por falta de controle ou análise estratégica é causada a superestimação da oferta turística. Em geral, desti-nos com estas características inicialmente apresentam números interessantes de receita e crescimento, mas a falta de planeja-mento leva à rápida saturação com deslocamento da demanda para outros núcleos receptores. Um exemplo é a cidade de Porto Seguro, na Bahia.

O marketing de atrações explora não somente os atrativos naturais e/ou culturais do local. Alguns lugares possuem ex-pressividade nestes atrativos, outros não. Portanto, as estraté-gias de marketing de atrações voltam-se para peculiaridades ou aspectos que podem tornar-se referência no destino, a exemplo da Rua Florida, em Buenos Aires, conhecida pelo fator compra. “quase um milhão de pessoas passam todos os dias na frente das lojas elegantes, restaurantes e galerias de arte que se esten-dem ao longo das 12 quadras da Calle Florida”. (KOTLER et. al, 2006, p. 77)

As estratégias desenvolvidas com base na representativida-de de pessoas, celebridades, referências empresariais ou pelo aspecto cultural de determinada comunidade, considerando o

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estilo de vida e a forma de acolher visitantes, por exemplo. Não é pouco comum a associação da imagem ou fama de uma pessoa a uma determinada localidade no marketing de lugares. A rela-ção de Pelé ao Brasil, “o país do futebol” e “a hospitalidade do povo baiano”, são alguns exemplos.

Convém destacar que a imagem e os atrativos não possuem força o suficiente para gerar competitividade, se não houver in-fraestrutura que garanta a permanência dos visitantes e a qua-lidade de vida dos residentes e o consumo dos atrativos. Assim, o marketing de infraestrutura define estratégias voltadas para a infraestrutura instalada e investimentos projetados para tal. Portanto, conforme já mencionado, a infraestrutura é fator condicionante para o marketing de lugares. No Brasil, os inves-timentos desta ordem estão na sua maioria para aeroportos e projetos urbanísticos de algumas localidades. Todos definidos, em especial, para atender a atividade turística. O Programa de Desenvolvimento do Turismo (Prodetur), com destaque para o Nordeste do país, apresentou entre o final do século passado e a primeira década do século XXI, diretrizes voltadas para capta-ção de investimentos e definição de projetos para adequação da infraestrutura básica e turística e qualificação de mão de obra.

Com o objetivo de intensificar o uso turístico de seus terri-

tórios, os governos dos estados nordestinos instituíram, nas

últimas décadas, respaldados pelo poder público federal,

duas políticas regionais para a atividade. Uma delas é a po-

lítica de mega projetos turísticos; a outra, o programa para

o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste – Prodetur-NE.

A primeira objetiva ampliar a infra-estrutura hoteleira re-

gional; a segunda, melhorar os aspectos da infra-estrutura

básica e de acesso e aperfeiçoar o sistema institucional de

gestão da atividade. Ambas estão impingindo significativas

transformações ao processo de construção do espaço no litoral

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nordestino, por meio do (re) ordenamento de território para

uso do turismo. (CRUZ, 2000, p. 77)

Embora na maioria dos casos as ações de marketing de luga-res estejam associadas ao turismo, em outros casos, os objetivos estão direcionados à captação de investidores da indústria e co-mércio, com vistas ao desenvolvimento econômico.

Cada vez mais os lugares estão competindo entre si para atrair

investimentos, negócios e turistas. Entre 5 e 10% do espaço

publicitário nos jornais e nas revistas são dedicados ao marke-

ting de comunidades, cidades, regiões, estados e nações [...]

O marketing de lugares tornou-se uma atividade econômica

de ponta. (KOTLER et. al, 2006, p. 47)

Daí a importância de ser considerada a capacidade empresa-rial, tecnológica e de inovação dos lugares, portanto o marketing de lugares não se limita às estratégias para captação de merca-do voltado ao turismo, apenas. São destacados como principais públicos-alvos do marketing de lugares: visitantes, moradores e trabalhadores, comércio e indústria, mercados de exportação.

Em verdade, a qualidade dos serviços, produtos, infraestru-tura e condições de desenvolvimento propícias são a base da expectativa dos visitantes e ou investidores. Assim a entrega de tais elementos está associada à resposta desejada por parte destes. Portanto, as estratégias de marketing devem contemplar como premissa básica os princípios de qualidade, considerando o imaginário que circunda a construção da imagem e conceito dos lugares. Dentro dessa linha, deve ser considerada, também, o fator percepção que varia de acordo com as características e referenciais de cada indivíduo ou segmento.

Para Kotler e colaboradores (2006), o desenvolvimento de lugares pode ser discutido a partir de quatro abordagens básicas: desenvolvimento de serviços comunitários; reforma e planeja-

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mento urbanos; desenvolvimento econômico; planejamento estratégico de mercado. A criação de serviços comunitários, de acordo com o autor, implica em boas escolas, serviços de saúde adequados, creches, serviços administrativos acessíveis e outros serviços que contribuem para a qualidade de vida da comuni-dade. E o público-alvo para essas questões são os cidadãos que moram e trabalham na comunidade, assim como potenciais compradores (compradores externos).

As intervenções urbanas realizadas concentradas para me-lhoria de design de um lugar contemplando arquitetura, espaços abertos, layout das ruas, as áreas pedestres, a limpeza, o trans-porte e a qualidade do meio ambiente têm se constituído em estratégias do marketing de lugares para tornar as cidades mais competitivas, reposicionando a imagem das cidades. No Brasil os maiores destaques são: Curitiba e Rio de Janeiro.

No nordeste brasileiro, a adoção da política de megaproje-tos foi decisiva para o desenvolvimento de determinadas áreas, com destaque para aquelas de maior interesse turístico acompa-nhado pela articulação política dos governantes. Os estados que inicialmente optaram pela implantação foram: Bahia, Pernam-buco, Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraíba.

Em verdade, o Nordeste, desde a década de 80 no século pas-sado, tem recebido investimentos expressivos que contemplam a urbanização em função da política de megaprojetos turísticos. Uma característica determinante disso é a atuação do poder público como empreendedor. (CRUZ, 2000)

A infra-estrutura gerada por esses mega projetos é territorial-

mente concentrada, obedecendo a um padrão internacional de

urbanização turística, apoiado sobre a lógica de menores cus-

tos de implantação da infra-estrutura básica, interessando ao

poder público, e melhor operacionalidade no gerenciamento

de serviços, favorecendo o setor privado. (CRUZ, 2000, p. 79)

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Dentro da perspectiva de megaprojetos, o Prodetur-Nor-deste induziu a adoção de investimentos em infraestrutura, sendo um exemplo de urbanização movida e patrocinada pelo turismo, embora não se constitua como urbanização turística, considerando o amplo sentido da designação. (CRUZ, 2000)O Programa tem a sua criação para atender a localidades em que a potencialidade do turismo ainda não foi desenvolvida ou para intervir espacialmente considerando o turismo como ele-mento (re) ordenador de territórios. O Prodetur é uma política urbana que faz às vezes de uma política de turismo. (CRUZ, 2000, p. 142)

O Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (Prodetur/NE) é um programa de crédito para o setor público (Estados e Municípios) que foi concebido tanto para criar condi-ções favoráveis à expansão e melhoria da qualidade da atividade turística na região Nordeste, quanto para melhorar a qualidade de vida das populações residentes nas áreas beneficiadas. O Pro-detur/NE é financiado com recursos do BID e tem o Banco do Nordeste (BNB) como órgão Executor.

A área de abrangência do Prodetur/NE compreende os nove Estados nordestinos, além do norte de Minas Gerais e Espírito Santo, onde sua atuação ocorre por meio do financiamento de obras de infraestrutura (saneamento, transportes, urbanização e outros), projetos de proteção ambiental e do patrimônio históri-co e cultural, projetos de capacitação profissional e fortalecimen-to institucional das administrações de estados e municípios. O programa foi desenvolvido a partir de estudos encomendados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no começo da década de 90, para se identificar as ati-vidades econômicas que apresentariam vantagens competitivas, caso desenvolvidas na região Nordeste. A conclusão desses es-tudos identificou que uma das oportunidades mais viáveis para a região era o Turismo, pelo fato da região Nordeste apresentar recursos cênicos e culturais significativos, além de mão de obra

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em abundância e com custos relativamente baixos. Com isso, para financiar atividades nestas quatro áreas, o BNDES inaugu-rou em 1994 o Programa Nordeste Competitivo (PNC). A inicia-tiva em turismo do PNC foi apoiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Após negociações envolvendo a ex-tinta Sudene, o Banco do Nordeste, o BID, o então Ministério dos Esportes e Turismo e os Estados do Nordeste, foi criado o Prodetur/NE, cuja primeira fase foi iniciada ainda em 1994.

CONSIDERAçõES AO DESTINO TURÍSTICO MORRO DE SãO PAULO, NA ILHA DE TINHARé - BAHIA

O espaço das regiões litorâneas é explorado na atualidade, das mais diversas formas como um dos reflexos das relações sociais e econômicas existentes no mesmo, imbricadas na mo-vimentação do capital.

Defronta-se na zona costeira do Brasil, desde a presença de tri-

bos coletoras quase isoladas até plantas industriais de última

geração, desde comunidades vivendo em gêneros de vida tra-

dicionais até metrópoles dotadas de toda a modernidade que a

caracteriza. (MORAES, 1991, p. 30)

Portanto, são diversas as atividades coexistentes no espaço com padrões e propósitos diferentes decorrentes dos interesses dos atores nelas inseridos.

O Prodetur foi um dos principais catalisadores de recursos para investimento e implantação de infraestrutura urbana em localidades turísticas do litoral e interior da Bahia. O Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste para o Estado da Bahia encontra-se na segunda fase – Prodetur NE II/BA e está voltado para a melhoria das condições institucionais e de infra-estrutura para a expansão e a qualificação da atividade turística

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no Estado da Bahia. O programa envolve recursos da ordem de US$96 milhões, sendo US$39 milhões provenientes de finan-ciamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), por meio do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), e US$ 56,5 milhões de contrapartida, distribuídos entre o Estado da Bahia e a União. Entre as ações do Prodetur NE II/BA estão as seguintes obras: Rodovia Itacaré-Camamu; Cais de Camamu; Sinalização Turística do Litoral Sul; Urbanização e Sistema de Esgotamento Sanitário de Imbassaí; Requalificação Urbana da Fonte da Bica e do Centro Histórico de Itaparica; Urbanização de Morro de São Paulo. Esta última com orçamento de R$3,3 milhões e projeto concluído em 2011.

é notada a contribuição da intervenção urbana em Morro de São Paulo para o turismo. Ainda que exista uma corrente opositora, em defesa da manutenção original da vila como forma de preservar os elementos típicos da cultura e características genuínas do destino. Por outro lado, deve ser verificado o que prevê o plano diretor do município de Cairu que conforme o § 50:

[...] nos programas de intervenção [..], deverá constar o plano

de urbanização, incluindo ações de regularização fundiária; lo-

tes urbanizados; construção de moradias populares; oferta da

infra-estrutura básica de abastecimento de água, esgotamento

sanitário, pavimentação de ruas; normas e parâmetros

urbanísticos especiais para uso e ocupação do solo; gestão

solidária; e parcerias com a iniciativa privada. (CAIRU, 2004)

De acordo com o Hotel Praia do Encanto, em Morro de São Paulo foi feito todo um estudo e planejamento voltados a uma estratégia de requalificação urbana. Dentre as transformações que já foram concluídas estão a pavimentação permeável de al-gumas ruas, construção de uma passarela em madeira na Se-gunda Praia e reforma e implantação de praças e mirantes. Fa-

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zem parte do projeto ainda, a recuperação da Área de Proteção Permanente (APP), da lagoa e de fontes e a restauração da For-taleza de Tapirandu e todo o conjunto arquitetônico histórico, intervenções com contenção de encostas, pavimentação permeá-vel e construção de escadarias drenantes, além da construção de áreas de lazer, implantação de sinalização das vias e monumen-tos históricos, construção de centro comunitário. A proposta, se-gundo informações da prefeitura municipal de Cairu, contem-pla tanto o aspecto urbano, quanto o social e o ambiental, uma vez que está voltado para qualidade de vida da população e gera oportunidades para a principal atividade econômica do local – o turismo.

Morro de São Paulo é uma destinação turística do litoral sul da Bahia, localizada na Costa do Dendê, mais precisamente a Ilha de Tinharé, pertencente ao município de Cairu. Morro de São Paulo, a partir de 1960 passa a receber pessoas que mo-ravam em cidades vizinhas. Famílias com origem de Gandu, Valença, Cruz das Almas e Salvador. Anterior a esta década, o fluxo de visitantes não era expressivo, mas a origem era prin-cipalmente dos municípios de Valença e da sede do município de Cairu.

Até 1980, a principal atividade econômica de Morro de São Paulo era a pesca. Os moradores apresentavam vida simples e o local não possuía energia elétrica, tão pouco benefícios de ur-banização. Ao longo daquela década, Morro de São Paulo co-meçou a receber visitantes provindos não somente das cidades da Bahia, mas também de outros locais do país. E consequen-temente atraindo investidores para infraestrutura turística (ho-téis, pousadas, restaurantes, transportes especializados).

Ao longo da década de 90, Morro de São Paulo começa ser consolidado como destino turístico no mercado nacional com projeção para o mercado internacional, competindo com outros produtos nacionais – resultado das estratégias promocionais dos

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órgãos oficiais de turismo da Bahia e das ações dos empresários ali instalados (na sua maioria, originários de outros países).

A partir do século XXI, Morro de São Paulo passa a ser co-mercializado efetivamente como destino internacional e sofre intervenções físicas pelo Programa de Desenvolvimento do Tu-rismo da Bahia – (Prodetur-BA) com recursos do Banco Interna-cional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird).

Atualmente a localidade apresenta um expressivo número de meios de hospedagens (dentre eles, hotéis, pousadas, hostel e camping), equipamentos de alimentos e bebidas, entre bares, restaurantes, cafés, sorveterias, creperias, pizzarias, barracas de praias com opções diversas de alimentação. Além de posto de saúde, farmácias, supermercado, mercearias, lojas de moda praia, decoração, moda feminina e masculina e lojas de souvenir. Agências de viagens e agências de turismo receptivo com oferta de aulas de mergulho e passeios de barco e algumas práticas de experiências de aventura como a tirolesa.

O destino oferece ainda, uma delegacia, um posto saúde, um conjunto de patrimônio arquitetônico compreendendo a igreja Nossa Senhora da Luz, o forte em ruínas, uma fonte (A fonte grande), uma fortaleza (Fortaleza de Tapirandu), um casarão e um farol. Todos tombados pelo Instituto do Patrimônio Históri-co Nacional (Iphan).

Como destino de segmento de sol e praia, Morro de São Paulo apresenta dentre as suas principais atividades, passeios de barco, práticas de mergulho, trilhas, tirolesa, festas na praia, vôlei de praia, dentre outras típicas deste segmento.

O local apresenta paisagens naturais, em um conjunto for-mado pelo mar, e ainda resquícios da mata atlântica. A dinâmica do destino desperta inquietações capazes de originar pesquisas e estudos. Os residentes são em sua maioria estrangeiros que se estabeleceram a partir da implantação de algum empreendi-mento.

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Morro de São Paulo não apresenta a utilização do espaço de forma ordenada. O uso e ocupação do solo são problemas que em primeiro instante podem passar sem serem percebidos, mas com alguns dias de permanência e maior contato com a comu-nidade, logo são descortinados os problemas ambientais.

Apesar dos sérios problemas ambientais, o destino possui poder de atratividade pautada, especialmente, nos elementos naturais e na proposta de lazer associada às festas noturnas e o clima descontraído proporcionado pela ilha de Tinharé. Entre-tanto, somente a partir de 2010 são observadas estratégias de marketing e intervenções urbanísticas, que talvez tenha chega-do de forma tardia, pois a comercialização do local, como des-tino turístico, sem planejamento gerou um consumo em mas-sa e sem estrutura adequada, causando a exploração excessiva dos recursos ali existentes e sem diretrizes de sustentabilidade. Ainda assim, Morro de São Paulo consegue manter a curva de maturidade, com atração de demanda nacional e internacional.

As intervenções já realizadas pelo projeto de requalificação urbana podem redimensionar o cenário da realidade da ocupa-ção do espaço em Morro de São Paulo, garantindo os benefícios propostos. Entretanto, medidas de manutenção e prevenção pre-cisam ser definidas e aplicadas, eximindo a permanente explora-ção desordenada do destino, evitando e ou mitigando problemas de ordem socioambiental.

A comercialização do destino Morro de São Paulo acontece, de forma isolada, a partir das ações específicas dos meios de hospedagem, mas também pela ação das agências de viagens e operadoras de turismo locais, regionais e nacionais. Além disso, os esforços promocionais e institucionais realizados pelo mu-nicípio de Cairu e pelos órgãos oficiais de turismo – Bahiatursa e Secretaria de Turismo do Estado da Bahia – têm construído a imagem de Morro de São Paulo com apelo às belezas naturais. Por outro lado, Morro de São Paulo vem se consolidando, tam-bém, como destino de sol e praia com “badalação” noturna.

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Após a requalificação urbana de Morro de São Paulo, os ope-radores do turismo e das políticas públicas têm utilizado os be-nefícios e melhorias paisagísticas, decorrentes do projeto, como mais um elemento de atratividade, sendo comum, em todas as publicações oficiais de notas referentes à requalificação, o des-taque ao turismo. E, também, à melhoria da qualidade de vida da população. Este fato confirma, na prática, as afirmações dos autores selecionados como aporte teórico para construção deste trabalho, no que concerne ao marketing de lugares e à urbaniza-ção na perspectiva do turismo.

CONSIDERAçõES FINAIS

As consequências do processo de urbanização das cidades brasileiras isento dos princípios de planejamento sustentável, decorrentes do tardio e acelerado processo de industrialização do país, são visíveis hoje no uso e ocupação do solo de forma irregular e desordenada, principalmente nas centralidades urba-nas. De acordo com Maricato (2003, p. 157):

A maior tolerância e condescendência em relação à produção

ilegal do espaço urbano vem dos governos municipais aos

quais cabe a maior parte da competência constitucional de

controlar a ocupação do solo. A lógica concentradora da gestão

pública urbana não admite a incorporação ao orçamento públi-

co da imensa massa, moradora da cidade ilegal, demandatária

de serviços públicos. Seu desconhecimento se impõe, com ex-

ceção de ações pontuais definidas em barganhas políticas ou

períodos pré-eleitorais. Essa situação constitui, portanto, uma

inesgotável fonte para o clientelismo político.

A estrutura urbana no Brasil, na maioria das vezes, esteve voltada para atender aos interesses do capital e com isso, algu-

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mas áreas ficam às margens dos benefícios provindos da urba-nização. Além disso, os operadores das políticas públicas não exerceram seus papéis de forma hábil com vistas à equidade social, tão pouco conseguiram aplicar ações eficazes na questão ambiental.

O ambiente evocado pelo discurso planificador busca re-construir a unidade das cidades, sua coesão social e sua gover-nabilidade política frente ao desmonte das instituições e propó-sitos do Estado regulador, frente às tendências à privatização da vida e à fragmentação do tecido social. Em paralelo, portanto, à desmontagem do setor público e às privatizações, a temática da sustentabilidade tem sido evocada, com frequência, de modo a fazer transitar as expectativas de bem-estar dos âmbitos da habitação, da saúde e direitos sociais, fortemente marcados pelo acesso socialmente desigual, para uma noção de meio ambiente construída como una e comum a todos. (ACSELRAD, 2004)

O fator competitividade gerou necessidade de lançar mão às estratégias de marketing na construção da imagem e conceito de lugares em vistas a captar mercados investidores. Dentro deste contexto, os operadores das políticas públicas juntamente com a ação de empresários locais, a quem cabe o papel da entrega de serviços de qualidade, atuam na adoção e execução de ações para promoção das localidades. Entretanto, as particularidades socioculturais nem sempre são contempladas. O que gera a con-cepção de conceito e imagem distanciados da realidade.

No caso do turismo, a infraestrutura urbana e turística são elementos condicionantes para a competitividade do lugar. Por outro lado, cabe a atenção de gerar qualidade aos recursos que se constituem em fator de atratividade. Em outras palavras, a preservação e conservação dos atrativos naturais e do patrimô-nio histórico-cultural associadas às boas condições de consu-mo como acessibilidade e facilidades, são também elementos geradores de competitividade nesta atividade econômica. Em

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resposta ao objetivo e questão norteadora definidos no presente trabalho é considerado aqui que a relação entre a urbanização de destinos e o marketing de lugares está pautada na relevância da infraestrutura básica e turística, como também na adoção de medidas e recursos que valorem a imagem e o conceito das cida-des. Além disso, por muitas vezes a urbanização turística é um dos eixos utilizados no marketing de lugares.

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Sobre os autores

Ariadna da Silva BandeiraMestre em Geografia. Especialista em Ecoturismo, Interpre-

tação e Educação Ambiental. Especialista em Auditoria e Gestão Ambiental. Bacharel em Turismo. Tecnóloga em Administração Hoteleira. Professora do Bacharelado em Turismo e Hotelaria da Universidade do Estado da Bahia. E-mail: [email protected]

Caroline FantinelDoutoranda e mestre em Cultura e Sociedade, licenciada em

Comunicação Social. E-mail: [email protected]

Chelly Costa SouzaDoutoranda em Desenvolvimento Regional e Urbano, mes-

tre em Análise Regional e bacharel em Turismo pela Univer-sidade Salvador. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia, campus Salvador. Membro do Grupo de Pesquisa em Turismo e Meio Ambiente e do Grupo – Turismo, Viagens, Cultura e Lazer: canais de difusão do conhe-cimento. E-mail: [email protected]

Emília Maria Salvador SilvaMestre em Administração. Ex-presidente da ABAV-Bahia,

Emtursa e Bahiatursa. Professora do Bacharelado em Turismo e

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290 - Sobre os autores

Hotelaria da Universidade do Estado da Bahia. E-mail: [email protected]

Gisele das Chagas CostaDoutoranda em Desenvolvimento Regional e Urbano e mes-

tre em Desenvolvimento Regional e Urbano pela Unifacs. Pes-quisadora do Grupo de Pesquisa em Turismo e Meio Ambien-te – GPTURIS/Unifacs. Bolsista do CNPq. E-mail: [email protected]

Jaldo Borges de SouzaDoutorando em Desenvolvimento Regional e Urbano e mes-

tre em Desenvolvimento Regional e Urbano pela Universidade Salvador e professor das Faculdades Integradas Euclides Fernan-des (Jequié – BA). Membro do Grupo de Pesquisa em Turismo e Meio Ambiente. E-mail: [email protected]

Josemary dos Santos SantanaMestre em Desenvolvimento Regional e Urbano pela Uni-

versidade Salvador. Graduada em Pedagogia pelo Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias da Universidade do Estado da Bahia, Campus XVII. Membro do Grupo de Pesquisa em Tu-rismo e Meio Ambiente. E-mail: [email protected]

Leila Mendes PaixãoMestre em Desenvolvimento Regional e Urbano pela Univer-

sidade Salvador. Graduada em Turismo e Urbanismo. Membro do Grupo de Pesquisa em Turismo e Meio Ambiente. E-mail: [email protected]

Mariana Lacerda Barboza FilhaMestre em Desenvolvimento Regional e Urbano pela Uni-

versidade Salvador e especialista em Planejamento e Marketing

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Sobre os autores - 291

Turístico. Coordenadora Nacional Pedagógica dos Cursos de Turismo Gastronomia e Hotelaria da Estácio. E-mail: [email protected]

Natalia Silva Coimbra de SáDoutora em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal

da Bahia, mestre em Análise Regional pela Universidade Salva-dor e especialista em Gerenciamento Ambiental. Bacharel em Turismo. Professora do Bacharelado em Turismo e Hotelaria da Universidade do Estado da Bahia. Membro do Grupo de Pes-quisa em Turismo e Meio Ambiente. E-mail: [email protected]

Nerivaldo Carneiro de Menezes JuniorMestre em Desenvolvimento Regional e Urbano pela Uni-

versidade Salvador. Professor do Instituto Federal da Bahia e das Faculdades Integradas Euclides Fernandes, em Jequié – BA. E-mail: [email protected]

Paulo Henrique Oliveira SilvaMestre em Desenvolvimento Regional e Urbano da Univer-

sidade Salvador. Bacharel em Turismo e Hotelaria pela Universi-dade do Estado da Bahia. Membro do Instituto Brasileiro de Tu-rismólogo. Membro do Grupo de Pesquisa em Turismo e Meio Ambiente. E-mail: [email protected]

Regina Celeste de Almeida SouzaDoutora em Geografia pela Universidade de Rouen

(França). Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da Universidade Salvador. Líder do Grupo de Pesquisa em Turismo e Meio Ambiente. E-mail: [email protected]

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292 - Sobre os autores

Roque Silva AlvesEspecialista em Gestão Pública pela Universidade Estadual

da Bahia (UNEB-EaD), Campus Bom Jesus da Lapa – BA, Espe-cialista em História das Culturas Afro-brasileiras pela Faculdade de Ciências e Tecnologia (FTC-EaD), campus Salvador e gradua-do em Teologia pela Universidade Estadual de Campinas/SP em 2010. E-mail: [email protected]

Sueli Maria da Silva PereiraDoutoranda em Desenvolvimento Regional e Urbano pela

Universidade Salvador (Unifacs). Mestre em Análise Regional pela Unifacs. Professora da Universidade Federal de Sergipe. Membro do Grupo de Pesquisa em Turismo e Meio Ambiente. E-mail: [email protected]

Tiago Sá Teles CordeiroDoutorando em Desenvolvimento Regional e Urbano pela

Universidade Salvador. Mestre em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social (Cairu). Graduado em Turismo e Admi-nistração. Bolsista CNPq. Membro do Grupo de Pesquisa em Tu-rismo e Meio Ambiente. E-mail: [email protected]

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