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ANTÓNIO JOSÉ DE BARROS VELOSO TYCHO BRAHE Um astrónomo fabuloso no Reino da Dinamarca BOOK BY THE

Tycho Brahe – Um astrónomo fabuloso no Reino da Dinamarca

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Tycho Brahe foi um dos maiores astrónomos da história anteriores ao aparecimento dos telescópicos e foram as suas rigorosas medições dos astros que permitiram a Kepler enunciar as célebres leis que desvendaram finalmente a estrutura do cosmos. Senhor de uma ilha no Mar Báltico onde construiu o seu observatório, coordenador de uma vasta equipa de colaboradores e mantendo correspondência com todos os intelectuais europeus, Tycho foi uma figura ímpar do movimento que iria desencadear a Revolução Científica do século XVII. A sua morte continua rodeada de circunstâncias misteriosas e  continua ainda hoje a apaixonar médicos e legistas que se interessam pela história da ciência.

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O ANTÓNIO JOSÉ DE BARROS VELOSO

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Um astrónomo fabulosono Reino da Dinamarca

Médico, fez a sua carreira nos Hospitais Civis de Lisboa, tendo sido Director de Serviço no Hospital dos Capuchos.

Foi Presidente de várias Sociedades Científicas, Sócio Fundador da Federação Europeia de Medicina Interna e Presidente da Comissão de Ética para a Investigação Clínica.

Publicou numerosos artigos científicos e de opinião e é autor dos livros Medicina: a Arte e o Ofício, Medicina e Outras Coisas, e Caramulo: Ascensão e queda de uma estância de tuberculosos.

Coordenou e foi co-autor do livro Medicina do Corpo, Medicina do Espírito: 50 Anos de Medicina Interna.

Depois de aposentado frequentou a Faculdade de Filosofia e o Mestrado de História e Filosofia da Ciência da Universidade de Lisboa.

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A queda 74

O FIM D O MECENATO DINAMARQUÊS 75

À PRO CURA DE UM NOVO MECENAS 80

O ENCONTRO COM KEPLER 88

MORTE EM PRAGA 99

A HERANÇA DE TYCHO 104

I

II

III

IV

O nascimento de um astrónomo 14

UMA JUVENTUDE AGITADA 15

NO CÉU NASCE UMA NOVA ESTRELA 26

UNIVERSIDADE , ASTROLO GIA E VIAGENS 33

Uraniborg 38

A CAMINHO DE HVEN 39

O COMETA DE 1577 46

O CASTELO SENHORIAL 49

OS INSTRUMENTOS ASTRONÓMICOS 61

O SISTEMA TICÓNICO 67

Epílogo 112

DE QUE MORREU TYCHO BRAHE? 113

CRONOLO GIA 120

BIBLIO GRAFIA 122

ÍNDICE REMISSIVO 124

INTRODUÇÃO 9

PREFÁCIO 5

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P R E F Á C I O

Henrique Leitão

Ne frustra vixisse videar – “que a minha vida não pareça ter sido em vão”. Estas palavras pungentes, ao mesmo tempo tão humanas e tão dramáticas, talvez tenham sido a última exclamação do astrónomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601) antes de morrer: um grito que na sua aflição resume bem o drama da existência huma-na. Mas bastaria apenas um conhecimento superficial das circunstâncias da vida de Tycho Brahe para afastar todos os seus receios. Como poderia ter sido em vão uma vida como a deste extraordinário cientista? Como poderia ter sido em vão a vida do maior astrónomo europeu no período antes do telescópio? Poderia alguma vez ter sido em vão a existência do homem que mudou as regras da astronomia e a tornou numa disciplina moderna, rigorosa, colectiva, apoiada em observações meticulosas e em observatórios apetrechados com os instrumentos mais precisos?

Tycho Brahe deixou certamente uma marca inquestionável e duradoira no de-senvolvimento da astronomia, mas o mesmo já não se pode dizer da sua memória, pelo menos da sua memória junto do público em geral. De facto, esta parece ter sido completamente esquecida, apesar dos nomes dos seus contemporâneos e pares como Copérnico, Galileu ou Kepler serem bem lembrados por todos. Mesmo entre os cul-tos, quem conhece hoje em dia sequer o nome do astrónomo dinamarquês? Qual a explicação para um esquecimento tão radical e lamentável?

A explicação não é difícil de descortinar e tem até um nome no jargão dos his-toriadores: “presentismo”. Com este termo designam os historiadores o defeito de es-tudar e julgar o passado com as categorias do presente. Em última análise nenhum estudo histórico consegue estar isento de algum presentismo, mas algumas vezes esta falha toma proporções quase fora de controle. Tome-se, por exemplo, o caso famoso dos debates em torno da teoria de Copérnico no século XVI. O leitor moderno, ha-bituado aos textos de divulgação, a compêndios da escola, ou, pior ainda, a progra-mas de televisão, analisa essas discussões quinhentistas solidamente munido com os conhecimentos científicos de hoje. Por isso, julga negativamente os que defendiam a noção de que a Terra se encontra imóvel no centro do universo (geocentrismo) e iden-tifica-se com os que defenderam que a Terra orbita em torno do Sol (heliocentrismo).

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Conseguiu tudo isto através de observações realizadas ao longo de décadas com aparelhos que, pela dimensão e pelos aperfeiçoamentos introduzidos, permitiam um enorme grau de precisão.

Por sua vez, os seus registos da “nova estrela” e do cometa de 1577 revelaram fac-tos que pulverizaram dois dogmas, acerca do cosmos, até aí intocáveis. Por um lado, a concepção aristotélica de que havia um mundo supralunar, eterno e imutável, sepa-rado de outro infralunar, corruptível e em constante transformação; por outro lado, a ideia de que os astros estavam incrustados em esferas cristalinas.

Mais importantes foram, contudo, as suas observações dos movimentos planetá-rios que forneceram a Kepler, o matemático alemão que com ele trabalhou durante um ano, os dados que iriam permitir, pela primeira vez, definir a estrutura do nosso siste-ma solar tal como a conhecemos hoje, ou seja, o Sol no centro, com os planetas à volta descrevendo órbitas elípticas e não órbitas circulares, como anteriormente se pensava.

Tycho Brahe viveu numa época em que estavam a dar-se os primeiros passos daquilo a que mais tarde se chamaria a Revolução Científica, que iria transformar radicalmente o nosso conhecimento acerca do mundo. A sua contribuição para este processo não se limitou apenas à astronomia, mas também à forma como soube enten-der a importância do mecenato, das redes de contactos e da colaboração entre cientis-tas, artistas e artesãos. Criou assim uma organização complexa que administrou com mestria e que, além de ter sido decisiva para a concretização dos seus planos, consti-tuiu um modelo que iria ser adoptado e desenvolvido posteriormente.

I N T R O D U Ç Ã O

Tycho Brahe foi uma das maiores figuras da astronomia anterior ao aparecimento dos telescópios. Na sua época utilizavam ‑se

instrumentos de madeira ou de metal para determinar as posições e medir as distâncias entre os corpos celestes visíveis a olho nu, e foi com

eles que pôs em prática um programa que reuniu a mais vasta e rigorosa base de dados conhecida até então.

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Dito isto, é estranho constatar que muita gente, em Portugal, não só ignora por completo a obra de Tycho Brahe, como nunca ouviu falar dele. Era esse, aliás, o meu caso quando no ano 2000, após a aposentação, me matriculei na Faculdade de Letras na área da Filosofia das Ciências. Uma das cadeiras do primeiro ano tinha por título “Introdução às Teorias da Física” e, quando foi chegada a altura de abordar a Revolu-ção Científica dos séculos XVI-XVII, lá estava, para meu espanto, Tycho Brahe, com o mesmo destaque que era dado a outros nomes mais mediáticos como Copérnico e Galileu. Quando, anos mais tarde, frequentei o mestrado de História e Filosofia da Ciência, escolhi a obra de Kepler para tema de um trabalho e lá encontrei outra vez Tycho Brahe. Foi assim que, a pouco e pouco, me fui apercebendo da sua importância no progresso do conhecimento científico.

A vida e a obra de Tycho Brahe estão amplamente documentadas nos numerosos textos que ele próprio escreveu, alguns dos quais foram publicados após a sua morte. Este legado – que contém, não apenas a descrição comentada das suas investigações astronómicas e dos instrumentos que criou, como também a vasta correspondência que trocou com familiares, amigos, políticos, astrónomos e matemáticos – foi objecto de análise de vários historiadores da ciência. Livros e artigos não faltam, quase todos em língua inglesa. Através deles descobri este personagem riquíssimo e multifacetado, cuja vida, recheada de factos insólitos, atravessou uma época de grandes transforma-ções na História da Europa. À medida que passei a conhecer os locais por onde Tycho andou, os seus parentes e amigos, as suas paixões e conflitos, os seus dramas pessoais e as condições misteriosas da sua morte, fui-me habituando a ele, até sentir, por vezes, a estranha sensação de o ter conhecido pessoalmente.

Foi com certeza o fascínio pela figura de Tycho Brahe que me fez tomar a deci-são de escrever este livro. Mas, talvez mais importante, foi também o desejo de dar a conhecer ao público português um personagem que marcou a história da ciência e que tem sido tão injustamente ignorado. Porquê?

Julgo que a razão, para além do chamado “presentismo”, reside no facto de a divulgação e o ensino da História estarem sobretudo dirigidos para a narrativa e inter-pretação dos factos políticos, religiosos e artísticos e muito pouco, ou quase nada, para a história do conhecimento em geral e para a história do conhecimento científico em particular. Basta dar uma vista de olhos nos tratados mais recentes, anunciados como exemplos inovadores, para verificar mais uma vez que a ciência não está lá.

É preciso, no entanto, notar que em relação ao conhecimento da História da Ciência, podemos detectar vários grupos: os médicos aprendem e sabem alguma História da Medicina, os engenheiros, História da Física, os astrónomos, História

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da Astronomia e assim por diante. Além disso, quase todos nós, licenciados ou não, conhecemos, pelo menos de nome, os grandes génios da ciência, como Hipócrates, Arquimedes, Copérnico, Galileu, Newton, Pasteur, Mme. Curie, Einstein. Mas, se descermos ligeiramente no nível da popularidade, onde se encontram figuras como Galeno, Kepler, Lavoisier, Boyle, Niels Bohr e Fleming, a taxa de ignorância aumenta significativamente, para se tornar preocupante quando vêm à baila nomes como Pto-lomeu, Vesálio, Maxwell, Poincaré, Linus Pauling e, evidentemente, Tycho Brahe. A sociedade em que vivemos está mais predisposta a decorar os nomes das estrelas do desporto ou do rock, do que daqueles a quem devemos grande parte do bem-estar e da tecnologia de que hoje usufruímos e que são, como diria Newton, gigantes, aos ombros dos quais nos foi possível ver mais longe 1.

Tycho Brahe foi, sem dúvida, um desses gigantes e este livro apenas pretende dá-lo a conhecer. É, portanto, uma obra de divulgação que não dispensa a leitura dos estudos biográficos que vão ser amplamente citados ao longo do texto e aos quais é feita, desde já, uma breve referência.

Menos de 50 anos após a morte de Tycho Brahe, o filósofo Pierre Gassendi (1592--1655) foi autor da primeira biografia baseada não só em informações obtidas através dos relatos de alguns contemporâneos do astrónomo 2, como nos textos que ele deixou para a posteridade. Utilizou esse material para ampliar um esboço autobiográfico que o próprio Tycho tinha começado a escrever algum tempo antes de morrer e, em 1654, publicou a obra a que chamou Tychonis Brahei, Equitis Dani, Astronomorum coryphaei, Vita.

No século XIX, o historiador F. R. Friis fez uma vasta investigação dos docu-mentos relacionados com Tycho Brahe, em várias cidades europeias, mas a biografia que escreveu em 1871 – Tyge Brahe: En Historisk Fremstelling –, surgiu antes desse seu trabalho básico estar terminado e, talvez por isso, seja pouco esclarecedora acerca daquilo que foi a contribuição do astrónomo para a ciência.

Em 1890, J. L. E. Dreyer publicou uma biografia muito completa que passou a ser uma referência in-contornável: Tycho Brahe: A Picture of Scientific Life and Work in the Sixteenth Century. Apesar de impor-tante, este livro não con-tém alguns dos dados que só viriam a ser conhecidos quando, o próprio Dreyer,

1 Newton, numa carta dirigida a Robert Hooke, escreveu a frase, “Se vi

mais longe foi por estar aos ombros de gigantes” provavelmente inspirado pelo

filósofo francês, Bernard de Chartres, que já no século XII teria dito: “So‑

mos anões que trepámos aos ombros de gigantes”.

2 Cónego e filósofo antiaristotélico e adepto de Copérnico, Gassendi obte-

ve muitas informações acerca de Tycho através de Ludwig, filho de Kepler,

e do antiquário dinamarquês Ole Worm, cunhado de Christian Longo-

montanus. Ver Adam Mosley, Bearing the Heavens, p. 235.

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completou mais tarde o trabalho monumental de reunir os textos de Tycho Brahe numa Opera Omnia que passou a ser, a partir daí, uma fonte obrigatória de consulta.

Foi basicamente apoiado nesta obra que Victor E. Thoren escreveu o livro The Lord of Uraniborg publicado em 1990. Para além da biografia, a contribuição de Thoren contém uma detalhada análise da obra científica de Tycho Brahe que, tendo sido tratada superficialmente pelos anteriores biógrafos, só foi conhecida em porme-nor depois do trabalho especializado de vários investigadores e historiadores da ciên-cia que se debruçaram sobre questões especificamente técnicas.

Em 2000, John Robert Christianson, no livro On Tycho’s Island, fez uma abor-dagem que, seguindo as novas tendências da investigação histórica, valorizou sobre-tudo os componentes sociais como motores da criação científica. Nesta obra é dada ênfase especial à capacidade de Tycho para atrair o apoio de mecenas, organizar e liderar uma “família” de colaboradores e criar uma rede de contactos com outros pro-fissionais que trabalhavam na mesma área.

Foi nesta linha, e tomando Tycho Brahe como figura central, que Adam Mosley publicou em 2007 um livro com o título Bearing the Heavens que põe em destaque a importância da correspondência, da circulação das pessoas e da troca de livros e de instrumentos para o desenvolvimento da astronomia.

Além destas obras, que são sem dúvida o núcleo básico para quem procura abor-dar a vida de Tycho Brahe, muitos artigos que têm sido publicados contribuíram para esclarecer aspectos sectoriais da sua obra. A alguns deles será feita referência na bi-bliografia.

Finalmente, há que citar o livro Heavenly Intrigue de Joshua Gilder e Anne-Lee Gilder. Publicado em 2004 na sequência dos estudos toxicológicos que se seguiram à exumação dos restos mortais de Tycho Brahe em 1901, veio levantar questões e suge-rir pistas sobre as causas da sua morte que se mantém ainda hoje envolta em mistério.

Pretendendo este livro ser uma obra de divulgação, utilizará, na medida do pos-sível, uma linguagem acessível a públicos pouco familiarizados com a astronomia. Mas ao procurar, simultaneamente, ser um texto rigoroso e transmitir a imagem fiel de um personagem para quem a comunicação e rede de contactos ocuparam um papel primordial, não pode deixar de utilizar termos técnicos e mencionar os nomes de muitas das pessoas que intervieram nesta narrativa e que nela tiveram uma influência maior ou menor. Procurei conciliar estes dois aspectos, através de esclarecimentos e explicações incluídas, quer no texto, quer em notas de rodapé.

Espero, assim, conseguir o objectivo principal: dar a conhecer uma figura e uma época que marcaram profundamente a cultura ocidental.

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Primeira página do currículo que Tycho Brahe incluiu na Astronomiæ Instauratæ Mechanica (1598), onde aparecem os nomes de alguns dos seus familiares.

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Uraniborg

II

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Frederico sabia que Tycho se preparava para emigrar e, na audiência que lhe con-cedeu no regresso da sua viagem pela Europa, pediu-lhe que apresentasse propostas acerca de feudos e títulos em que pudesse estar interessado para serem apreciadas pelo Chanceler da Coroa. Era uma tentativa de o convencer a ficar na Dinamarca. Mas Tycho não se deixava facilmente tentar por benesses que o afastassem do seu objectivo principal: a astronomia. Parece, contudo, que o tio, Steen Bille, terá um dia percebido que ele mostrara bastante interesse pela ilha de Hven 43 onde poderia estar isolado e tranquilo para fazer as suas observações astronómicas.

No dia 11 de Fevereiro de 1576, Tycho foi acordado de madrugada por um emis-sário do Rei que o convocava para um encontro urgente. Encontrava-se na altura em Knudstrup e pôs-se imediatamente a caminho. Nesse mesmo dia à tarde chegou a Ibstrup, perto de Copenhaga, onde foi recebido por Frederico II.

A versão de Tycho sobre a audiência ficou registada numa carta que enviou ao seu amigo Pratensis. Frederico, depois de estranhar a recusa das benesses que lhe tinham sido oferecidas, revelou-lhe que sabia das suas intenções de dei-xar a Dinamarca. Acrescentou que, ao inspeccionar as obras do Castelo

A C A M I N H O D E H V E N

Frederico II mostrou ter, desde o início do seu reinado, um interesse especial pela educação e pela cultura, procurando lançar as bases

de um ensino de qualidade na Dinamarca. Nos seus primeiros contactos com Tycho Brahe apercebeu‑se de que ele poderia ser um elemento‑chave

para a concretização desse objectivo. Mas se existisse ainda qualquer dúvida no seu espírito, ela dissipou‑se quando recebeu uma mensagem do Landgrave Wilhelm que, por iniciativa própria, elogiava as capacidades

de Tycho e aconselhava o Rei a fornecer‑lhe os meios necessários para exercer uma actividade que poderia ter grande interesse

para o avanço da ciência.

43 Utiliza-se-aqui a forma ortográfica Hven usada por Tho-

ren e Christianson, embora noutros textos se encontre escrito

Hveen e na ortografia actual se escreva também Ven.

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de Kronborg, em Helsingør, vira ao longe a ilha de Hven que nunca tinha estado na posse de nenhum nobre e que teria muito gosto em lha entregar como feudo. Parecia--lhe que seria aquele o melhor local para poder realizar os seus projectos e pediu-lhe que pensasse no assunto e lhe desse uma resposta rápida.

Tycho agradeceu ao Rei a proposta inesperada que o apanhou completamente desprevenido, mas manteve-se hesitante. Pediu conselhos a alguns amigos, à sua com-panheira, Kirsten, à mãe, Beate Bille, e ao irmão, Steen Brahe. No dia 18 de Fevereiro, o acordo estava feito e o Rei anunciava, por carta, que lhe seriam pagos 500 táleres por ano, até ordem em contrário.

Quatro dias depois Tycho visitou pela primeira vez a ilha e aproveitou para ali fazer uma primeira observação astronómica: a conjunção de Marte com a Lua. No dia 23 de Maio de 1576, Frederico assinou o documento que doava como feudo, a “Tyge Brahe”, as terras de Hven com todos os proprietários e trabalhadores que ali viviam, com as rendas e os deveres inerentes, nomeadamente a obrigação de fazer cumprir a lei. No mesmo dia foi autorizada a comparticipação de 400 táleres para construção de um edifício.

A ilha de Hven fica no estreito de Øresund (ou Sund) que actualmente separa a Dinamarca da Suécia, mas que na altura se situava entre duas províncias dinamarque-sas: Selândia e Escânia. Através deste estreito o mar Báltico comunica com a baía de Kattegate que por sua vez estabelece ligação com o mar do Norte.

Com uma superfície de 7,5km2, um comprimento de 4,5km e uma largura máxi-ma de 2,4km, Hven tem a forma de um feijão com a parte côncava voltada para a costa dinamarquesa. O seu contorno está assinalado por íngremes falésias que dão acesso a um planalto ligeiramente ondulado, cuja altura não ultrapassa os 43 metros acima do nível do mar. A ilha parece ter tido um papel pouco importante na história da região, apesar de naquela altura serem ainda visíveis as ruínas de quatro fortalezas destruídas em 1288 por um monarca norueguês.

Era habitada por cerca de 50 famílias, num total de pouco mais de 200 pessoas, que se concentravam numa única povoação chamada Tuna, deturpação da palavra “toun” que significa “cidade”. Muito perto, encontrava-se igreja de St.º Ibb e um moi-nho de vento. Além de um pastor luterano, de um moleiro e de um ferreiro, a popu-lação era constituída por rendeiros e trabalhadores rurais que viviam essencialmente da agricultura e da pesca. Num regime ainda medieval, a Assembleia dos chefes de família era presidida por um aldeão, nomeado pela Coroa, encarregado de manter a ordem e cobrar impostos.

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Na Primavera de 1576, Tycho desembarcou na ilha para tomar posse das suas novas funções. Tinha convocado os chefes de família e o pároco para uma reunião na Assembleia da aldeia e apresentou-se vestido a rigor. O escrivão leu um pergaminho que proclamava a doação graciosa da ilha ao “honrado e bem‑nascido Tycho Brahe de Knudstrup” que, em troca, se comprometia a respeitar a lei e os direitos dos que ali vi-viam. Os aldeões presentes assistiram com surpresa ao que se estava a passar e ouviram com enorme atenção cada palavra pronunciada. No fundo talvez pressentissem que era todo um mundo medieval de pequenos agricultores independentes que se estava a desmoronar, para dar lugar a uma nova ordem em que as leis favoreciam a formação de grandes possessões e casas senhoriais apoiadas pela Coroa. Uma mudança que conti-nha, em si própria, potenciais conflitos que se iriam arrastar por muito tempo.

Tycho chegou, pois, a Hven como um senhor feudal a quem os vassalos deviam obediência. Tinha um objectivo: construir um observatório astronómico que seria também a sua casa senhorial. Depois de escolher um local, no ponto mais elevado do centro da ilha, organizou a cerimónia do lançamento da primeira pedra.

Foi um acontecimento bem preparado que reuniu figuras destacadas da vida cul-tural e social dinamarquesa e que iria contribuir para criar um ambiente mítico à volta da obra.

Ilha de Hven e estreito de Øresund, numa gravura de Georg Braun. Em primeiro plano Helsingør, com o castelo de Kronborg e a costa da Selândia.

Em segundo plano a costa da Escânia.

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Pratensis, com grande desgosto de Tycho, tinha morrido subitamente, pouco tempo antes, com apenas 33 anos 44. Outro amigo presente redigiu a inscrição que ficaria gravada num bloco de pórfiro negro, com o registo das posições dos astros à hora do Sol nascente daquele dia 8 de Agosto de 1576. O edifício, cujos alicerces es-tavam já em construção, foi dedicado a Urânia, Deusa dos Céus, e recebeu o nome de Uraniborg (Castelo de Urânia).

Entretanto, dois problemas tinham já sido resolvidos: a escolha do projecto e os meios necessários para a construção. Tycho conhecia as tendências da arquitec-tura do Renascimento através dos trabalhos clássicos de Vitruvius 45 e daqueles que, como Palladio 46, neles se tinham inspirado. Sabia, portanto, o que queria: uma casa senhorial de um “homem da Renascença” onde, para além dos aposentos do anfitrião e dos seus convidados, existissem áreas para várias actividades, nomeada-mente, observatório astronómico, laboratório de alquimia, centro administrativo e biblioteca. Mas, tudo isso teria de ser feito, respeitando os princípios da simetria e das proporções que traduzissem, no microcosmos, a integração do homem no universo.

A ideia do que iria ser o edifício foi assim ganhando forma. As primeiras obras começaram na Primavera de 1576, dirigidas, a partir de 1578, por um hábil desenha-dor que aprendera os princípios teóricos de arquitectura e a quem Tycho chamava o “meu arquitecto” 47.

Basicamente, tratava-se de uma estrutura central quadrada, dividida em quatro quadrados mais pequenos por dois corredores perpendiculares. A norte e sul desta área destinada a residência, existiam torres cujos espaços interiores eram ocupados pelos observatórios e zonas de trabalho. Nos topos leste e oeste, outras torres de menores di-mensões assinalavam as entradas do edifício. A parte central estava encimada por uma estrutura octogonal com uma cúpula e um coruchéu que terminava num cata-vento

dourado, com a figura de um Pégaso. Tudo isto num estilo gótico-renas-centista, que iria ser um exemplo pioneiro da arquitectura escandinava dos finais do século XVI.

O imóvel iria ficar rodeado por um espaço com pomar e jardim, limitado por um muro semelhante a uma muralha medieval, cujos quatro ângulos apontavam para os pontos cardeais.

44 Pratensis morreu quando dava uma aula, na sequência de

uma hemorragia. Provavelmente tratou-se de uma hemoptise

secundária a tuberculose pulmonar.

45 Marcus Vitruvius Polio (80-15 a. C.) escritor, arquitecto e

engenheiro romano, foi autor do tratado De Architectura.

46 Andrea Palladio (1508-1580), arquitecto da República

de Veneza muito influenciado pelos clássicos, sobretudo por

Vitruvius.

47 Tratava-se de um desenhador holandês chamado Hans van

Steenwinkel.

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Fachada leste e planta do andar térreo de Uraniborg.

Vista geral de Uraniborg e das áreas circundantes.

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By the Book, edições especiais

T Í T U LO

TYCHO BRAHE – Um astrónomo fabuloso no Reino da Dinamarca

© T E X TO

António José de Barros Veloso

R EV ISÃO

Fernando Milheiro

T R ATA M E N TO DE I M AGE M

Maria João de Moraes Palmeiro

DE SIGN

Forma, Design: Margarida Oliveira | Veronique Pipa

CO OR DE NAÇ ÃO E DI TOR I A L E PRODUÇ ÃO

Ana de Albuquerque | Maria João de Paiva Brandão

I M PR E S SÃO

ACDPRINT, SA

ISBN

978-989-8614-09-4

DE P Ó SI TO LE GA L

364312/13

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