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U N I V E R S I D A D E P A R A N A E N S E - U N I P A R C A M P U S U M U A R A M A - S E D E PRISÕES PROCESSUAIS: FUNDAMENTOS E OBJETIVOS À LUZ DOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DOS DIREITOS HUMANOS DO PRESO JAQUELINE DE CÁSSIA CHAGAS BASSAN UMUARAMA – PR 2005

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U N I V E R S I D A D E P A R A N A E N S E - U N I P A R

C A M P U S U M U A R A M A - S E D E

PRISÕES PROCESSUAIS: FUNDAMENTOS E OBJETIVOS À LUZ DOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DOS DIREITOS HUMANOS

DO PRESO

JAQUELINE DE CÁSSIA CHAGAS BASSAN

UMUARAMA – PR 2005

U N I V E R S I D A D E P A R A N A E N S E - U N I P A R

C A M P U S U M U A R A M A - S E D E

PRISÕES PROCESSUAIS: FUNDAMENTOS E OBJETIVOS À LUZ DOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DOS DIREITOS HUMANOS

DO PRESO

Dissertação apresentada à Universidade Paranaense-UNIPAR, como parte das exigências para obtenção do título de Mestre em Direito Processual Penal, sob orientação do Prof. Dr. Cândido Furtado Maia Neto.

Jaqueline de Cássia Chagas Bassan

UMUARAMA Julho de 2005

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a uma mulher de muita

garra, fibra e persistência, que me apoiou nos

momentos mais difíceis e nunca mediu

esforços para a concretização deste meu sonho.

É mais uma etapa de minha vida, conquistada

com o seu apoio e presença: Obrigada mãe

querida!

AGRADECIMENTOS

Neste oportuno momento quero agradecer primeiramente a Deus, por não me haver

desamparado nos momentos em que me senti fraca para prosseguir neste caminho; aos

professores que, atenciosamente e pacientemente, me deixaram uma vasta bagagem de

sabedoria desta Ciência tão apaixonante e envolvente que é o Processo Penal, e,

principalmente, ao meu Orientador Dr. Cândido Furtado Maia Neto, que soube incutir, ainda

que sem intenção, a preocupação que todos nós, principalmente os profissionais do direito,

devemos ter em relação aos direitos humanos.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 5 1. HISTÓRICO DA CRIMINOLOGIA............................................................................... 7

1.1 ESCOLA CLÁSSICA................................................................................................. 8 1.2 ESCOLA ALEMÃ...................................................................................................... 9 1.3 ESCOLA POSITIVA.................................................................................................. 9 1.4 ESCOLA ECLÉTICA................................................................................................. 9 1.5 ESCOLA SOCIAL...................................................................................................... 10 1.6 ESCOLA DO TECNICISMO..................................................................................... 10

2. DA LIBERDADE............................................................................................................. 11 3. PRINCÍPIOS RELACIONADOS À PRISÃO PROCESSUAL....................................... 17

3.1 DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.............................................. 17 3.2 DO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL................................................ 18 3.3 DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.................................................................. 19

4-DAS PENAS E DA PRISÃO............................................................................................ 21 4.1 JUS PUNIENDI........................................................................................................... 24

4.1.1 NO DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO..................................................... 25 4.2 TEORIAS DA PENA.................................................................................................. 43

5. DAS PRISÕES PROCESSUAIS PENAIS....................................................................... 47 6. DA PRISÃO EM FLAGRANTE..................................................................................... 49 7. DA PRISÃO TEMPORÁRIA.......................................................................................... 59 8. DA PRISÃO PREVENTIVA........................................................................................... 62 9. DA PRISÃO DECORRENTE DE PRONÚNCIA........................................................... 66 10. DA PRISÃO DECORRENTE DE SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRÍVEL. 69 11. DO SISTEMA PENITENCIÁRIO................................................................................. 72

11.1 SISTEMA PENITENCIÁRIO NO BRASIL............................................................ 73 11.2 SISTEMA PRISIONAL COMPARADO................................................................. 88

11.2.1 A PRISÃO ARGENTINA.................................................................................. 89 11.2.2 A PRISÃO NO URUGUAI................................................................................ 92 11.2.3 A PRISÃO NO PARAGUAI.............................................................................. 93

12. DA LUTA PELOS DIREITOS HUMANOS................................................................. 98 12.1 DOS DIREITOS HUMANOS DO PRESO.............................................................. 101

CONCLUSÃO...................................................................................................................... 104 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................. 106

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo estudar as diferentes modalidades de prisões processuais acolhidas em nosso ordenamento jurídico processual penal. São prisões provisórias, admitidas no curso do processo penal, ou até mesmo antes de sua instauração, consideradas acauteladoras e não antecipadoras da pena. Para tanto, faz-se um breve estudo sobre a luta do homem para adquirir seu direito de Liberdade, uma pequena explicitação sobre a ciência criminológica, discute-se a respeito dos princípios constitucionais relacionados às prisões processuais, para, logo mais, se realizar um histórico sobre as prisões no Brasil e sobre as teorias da pena. Finalmente, faz-se uma análise das prisões processuais, seus objetivos e finalidades e, adiante, passa-se a fazer um estudo sobre o sistema penitenciário brasileiro, e uma pequena comparação sobre as prisões cautelares e sistemas prisionais de países da América Latina. Por fim, conclui-se se realmente as prisões processuais cumprem seu verdadeiro papel ou se são verdadeiras penas antecipadas escondidas atrás da máscara de “prisões cautelares”, já que, ao avaliar os reais objetivos destas prisões, constata-se a inutilidade de algumas e a desnecessidade de uma grande quantidade de prisões cautelares decretadas, o que, porventura, ocasiona uma contribuição para o aumento do índice de falibilidade do sistema prisional, constantemente criticado por seu estado precário e subumano, que impossibilita a reabilitação do criminoso e acentua ainda mais o descrédito gerado contra o Poder Judiciário e Legislativo, pois há leis criadas da forma mais especial e abrangente possível, porém, não são aplicadas na realidade da justiça penal, gerando uma insatisfação da própria sociedade. O que todos sabem é que essas prisões antecipadas são medidas de exceção, pois a regra é a liberdade. Por este motivo, elas devem ser tratadas de forma delicada e de maneira menos agressiva aos direitos humanos, sob pena de se colocar em risco o estado democrático de direito instituído pela Magna Carta brasileira e a real intenção do legislador penal.

ABSTRACT

The present production has as objective to study the different modalities of procedural prisons welcomed in our procedural juridical criminal. Are prisons temporary, accepted in the course of the process penal, or even before your establishment considered protective and no advanced of so much condemnation. It is made an abbreviation study on the man's fight to acquire your historical right’s Liberty, a short explicitation about of the criminology science, to talk about on constitutionals principles relation as procedural prisons, to, after some time, to do a historic about the prisons in the Brazil and the punishment theories. Finally, an analysis of the procedural prisons is done, your objectives and purposes, and, ahead, a study is done about on the penitentiary Brazilian system, and a historic about the prisons temporaries and prisional system of countries on the South America. As a term, concluded if the procedural prisons really accomplish your true function or they plows true feathers temporaries, hided behind the mask of “prisons advancers”, because, to evaluate the real objectives of these prisons, the uselessness of adds and the unnecessary of the great amount of prisons advanced are verified, what, sometimes, causes an increase’s contribution of the index of system prisional fallibility, constantly criticized by your precarious and subhuman state, what disables the rehabilitation of the criminous and it still accentuates plus the discredit generated against the Judiciary Power and Legislative, there created laws in the most special and including way possible, however, they aren’t plows applied in reality of the justice criminal, creating a dissatisfaction of the own society. The one that all know is that these prisons are advances measure exceptions, because the rule is the freedom. For this reason, they should be treated in a delicate way and in aggressive less way to the human rights, under penalty of to put in risk the democratic state of right instituted by the Great Brazilian Letter and the real intention of the penal legislator.

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem o objetivo de estudar as prisões processuais penais admitidas pelo

processo penal brasileiro, assim como seus fundamentos e objetivos, para que se possa

verificar a real intenção do legislador ao criá-las e a forma como é constantemente utilizada

pelos operadores do direito. Com o intuito de trazer maior contribuição ao tema e a absorção

do assunto, faz-se primeiramente um estudo sobre a criminologia, sua origem e evolução,

assim como uma passagem sobre as escolas criminais. Inevitável é a discussão a respeito das

liberdades, das lutas travadas pelo homem para conquistar esse direito de tamanha magnitude,

que acaba por envolver tantos outros direitos humanos inerentes à vida.

Somente após estudar esse direito de liberdade é que se pode compreender o porquê da

possibilidade do Estado retirar do próprio homem esta necessidade humana de ser livre (ou ao

menos de pensar ser livre). Desta forma, começa-se a compreender porque o homem abdica

de uma parcela de sua liberdade para conceder ao Estado o poder do jus puniend. Para um

entendimento correto a respeito deste poder de punir, faz se necessário um estudo sobre a

história da pena privativa de liberdade e as formas e os instrumentos criados pela humanidade

para salvaguardar os direitos humanos, principalmente daquele que sofre a constrição penal.

Imprescindível a análise de como o jus puniendi foi acolhido pela primeira vez no país,

a maneira como eram tratadas as prisões de réus e condenados, assim como a origem do

sistema penitenciário brasileiro desde a época da monarquia, até os dias de hoje. Faz-se

necessário uma análise absoluta e sem influências de um estudo somente teórico as prisões

cautelares previstas no processo penal brasileiro, seus fundamentos e aplicabilidade, assim

como compreender, se realmente elas servem para atingir o fim à que são destinadas ou se só

se disfarçam como medidas antecipadoras da pena. Será que estão em conformidade com o

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princípio do devido processo legal, presunção de inocência e princípio da proporcionalidade?

Ou podem ser decretadas em desrespeito às exigências constitucionais? Será que tais prisões

são regras ou exceções à regra, visto sua enorme utilização?

Com o intuito de aprofundar o trabalho, faz-se um estudo sobre as prisões processuais e

o sistema prisional dos países do Mercosul, que servem de subsídios para entender melhor a

estrutura do processo penal em um foco comparado, a fim de que não restem dúvidas a

respeito destas figuras processuais, tão necessárias, às vezes, e tão cruéis outras! Somente

com a constatação da realidade prisional das prisões brasileiras, onde as cadeias públicas,

reservadas para abrigar presos provisórios, mas que mantêm em suas dependências presos

definitivos, periculosos ou não, reincidentes ou não, com maus antecedentes ou não,

encontram-se em condições precárias, não tendo as mínimas condições de garantir os direitos

básicos do recluso, ao invés de se tornar local para cumprir prisões que visam a assegurar o

processo penal, transformam-se em meio de descumprimento dos instrumentos humanitários e

dos direitos fundamentais calcados na própria Constituição Federal! Fato que pode ser

comprovado com uma exposição dos instrumentos que asseguram os direitos dos reclusos no

Brasil e do princípio constitucional da razoabilidade, do devido processo legal e da presunção

de inocência, em contrapartida à situação atual do sistema prisional brasileiro.

Faz-se este estudo para comprovar a necessidade urgente de realizar melhorias no

quadro do Poder Judiciário, aumentando o número de juízes, principalmente os de execução;

no quadro do sistema penitenciário, melhorando as condições oferecidas aos presos,

aumentando o número de agentes e funcionários da polícia, e fundamentalmente obedecendo

a Lei de Execução Penal em todos os seus termos, principalmente em relação à construção de

estabelecimentos prisionais e ao trabalho do preso; no quadro do Legislativo, abolindo

algumas prisões processuais redundantes e desnecessárias, como a prisão de pronúncia e de

sentença recorrível; no quadro da defensoria, possibilitando um amplo e digno atendimento

jurídico ao preso, principalmente o preso provisório; e por fim, criar uma conscientização de

que as prisões cautelares devem ser tratadas como exceções à regra do princípio da presunção

de inocência e do devido processo legal, jamais podendo sobrepor-se a eles sem

fundamentação lógica e indispensável e somente aplicada com base no princípio da

razoabilidade. Pois, é justo aquele velho e tão usado jargão popular de que “os fins justificam

os meios”, então a prisão cautelar só poderá ser admitida para proteger a efetividade do

processo, caso contrário, não será uma prisão processual e sim uma pena antecipada!

1. HISTÓRICO DA CRIMINOLOGIA

A Luta contra os delitos e a preocupação que eles geram na sociedade sempre foram

objetos de estudo que as ciências normativas tentaram alcançar desde a Antiguidade e a Idade

Média. Por isto, tem-se uma vasta colaboração que grandes filósofos deixaram acerca do

problema com os delinqüentes e os castigos que a eles tinham que aplicar. A criminologia não

se exterioriza de maneira independente, sistematicamente cultivada, mas se apresenta como

uma ramificação da investigação humana que reúne várias peças dispersas e que, adiante, se

transforma em uma disciplina própria, abrangendo a medicina legal, biologia hereditária,

psiquiatria etc. Há provas, na história dos povos, de que já na Antigüidade os médicos se

ocupavam de questões legais e faziam autópsia para investigar mortes por envenenamento.

Para a comunidade científica da época, o crime era considerado uma degeneração

hereditária no indivíduo ou em sua família. Nascida esta fascinação pela criminologia, muitos

filósofos, grandes estudiosos, se ocuparam de minuciar o assunto, dentre eles, pode-se citar

Nicolson, que, entre os anos de 1873 e 1875, publicou seus trabalhos sobre a vida psíquica do

criminoso e sua tendência à loucura, à imbecilidade e à ausência de sensibilidade com o

mundo exterior. Da mesma forma, muitos outros cientistas colaboraram com a formação

estrutural da psiquiatria forense, que teve um abrupto crescimento devido a esta certeza que

tinham naquela época, de que o delito se atribuía a defeitos físicos e mentais e que era uma

herança hereditária, uma anomalia que passava de geração a geração. Porém, hoje em dia

essas afirmações são rechaçadas e combatidas constantemente pela sociologia, já que o delito

não se herda e sim se aprende.

A Criminologia é uma ciência muito nova ainda, baseada em duas áreas de busca

distintas, mas que estão relacionadas entre si. São elas o estudo da natureza do delito dentro

da sociedade e o estudo dos delinqüentes de um ponto de vista psicológico. Após o ano de

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1.950, com o primeiro Congresso de Criminologia em Paris, proliferaram os livros a respeito

do assunto, que tentaram explicar de maneira lógica a origem do crime, porém, até hoje, este

tema é abordado de forma muito delicada e possui muitos caminhos desconhecidos a serem

percorridos. Desta forma, para uma melhor compreensão da criminologia, faz-se um breve

estudo sobre as escolas penais.

1.1 ESCOLA CLÁSSICA

No século XVII e XVIII, na chamada Era das Luzes, surgiram novas classes sociais,

como exemplo a Burguesia, com a valorização constante do trabalho, o pensamento racional

emanado pelos valores da época, o homem descobriu que ele mesmo era responsável por seu

êxito pessoal. Começou a surgir maneiras diferentes de pensar, onde as ciências atingiram o

auge na busca de normas legais, desprezando o caminho errôneo de Deus. Pode-se dizer que a

Escola Clássica foi um marco para o fim das barbáries e atrocidades que cometia o direito

penal da época, ela procurou a humanização por meio do respeito à lei, do reconhecimento

das garantias individuais e da limitação do Poder Absoluto do Estado.

Considerava que havia uma ordem moral que todos os seres livres e inteligentes deviam

seguir e que estas ordens deviam ser aplicadas na sociedade porque todos necessitam viver em

sociedade por uma questão até mesmo de sobrevivência. E graças a isto, surge um poder

obrigatório para toda a sociedade, do qual derivam todos os direitos e deveres. A Escola

Clássica baseava-se fundamentalmente no Contrato Social que, criado por Jean Jaques

Rousseau, pregava que todos os homens devem ter igualdade de direitos e deveres para que

possam elaborar suas normas sem influência de nenhuma valoração, o que culmina na

constatação de que a obediência a essas normas seja uma submissão à deliberação de si

mesmo como parte do poder soberano. É a submissão à vontade geral e não de apenas um

grupo individualizado, que não causa mais ou menos peso a ser suportado por ninguém, já que

todos os homens são iguais perante a lei. Então, a liberdade dependia da obediência deste

“contrato” de se respeitar à lei.

A pena aplicada ao delinqüente não é uma forma de vingança, e sim uma espécie de

repressão, com a única finalidade de impedir que no futuro se repetissem delitos semelhantes,

retribuindo ao criminoso, na proporção adequada, o mal que ele fez à sociedade. Defendiam o

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livre arbítrio ao pregar que um delito só seria punível se fosse realizado por uma vontade livre

e independente. O crime é uma entidade jurídica e não um ente de fato.

1.2 ESCOLA ALEMÃ

Como o nome já diz, é originária da Alemanha e foi criada com o objetivo de corrigir os

erros e preencher as lacunas da Escola Clássica. Para os alemães, a pena é uma medida

preventiva, conseqüente da ação criminosa do indivíduo, que culmina na aplicação da sanção

como forma de manter a ordem e a segurança da sociedade. A sanção é uma necessidade

social que o Estado possui e tem todo o direito de usar, se constatar a violação de direitos.

Para isto serve a pena: para reestruturar a ordem transgredida e prevenir que novas infrações

sejam cometidas.

1.3 ESCOLA POSITIVA

Esta jamais defendeu o direito punitivo, trazendo um método científico que tratava o

crime como um fato humano, substituindo a responsabilidade moral pela responsabilidade

social, já que o homem vive em sociedade e será responsabilizado pela sociedade em que

vive, se ele vivesse só, não existiria a responsabilidade. Com esta escola o conceito de pena é

substituído pelo de sanção, a ser mensurada pelo Estado de acordo com a periculosidade de

cada criminoso, que não teria um prazo certo de duração, permanecendo até a que o criminoso

não representasse perigo à sociedade. Para eles a lei penal não tinha o condão de restabelecer

a ordem social, mas de prevenir os crimes.

1.4 ESCOLA ECLÉTICA

Assim como a escola clássica, a escola eclética tinha seu fundamento teórico no

contrato social. Sua finalidade principal era unir medidas e providências de ordem pública que

prevenissem e reprimissem os delitos. Esta escola não era uma escola em si, e sim a reunião

de várias escolas em uma mesma corrente, transformando a pena em uma forma de prevenção

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do crime em geral (levando a toda sociedade o medo de sofrer restrições em seus direitos se

cometerem algum ilícito); e a prevenção de forma especial, que recai sobre o indivíduo que

cometeu o delito. Levando em consideração a influência das condições sociais, esta escola

permitia a punição por razões subjetivas e não somente por razões objetivas.

1.5 ESCOLA SOCIAL

Baseava-se na dialética, tendo como princípio fundamental a desigualdade material e a

divisão de trabalhos. Buscava uma justiça social, como forma de compreensão e melhoria

social. Ela introduz o estudo da motivação do delinqüente e fazem a medição da pena

analisando os fatores objetivos e subjetivos. O mérito principal desta escola é introduzir o

conceito de “função social do direito”, no qual a lei aparece como o melhor mecanismo para

uma justa composição.

1.6 ESCOLA DO TECNICISMO

Esta escola prega que o direito penal tem conteúdo dogmático e um método técnico-

jurídico, negando, desta maneira, a investigação filosófica e, por outro lado, se concentrando

de forma exclusiva no positivismo jurídico. A pena é um meio de defesa do Estado contra a

periculosidade do delinqüente. Defende a aplicação da pena retributiva e expiatória para os

primários e a medida de segurança para os reincidentes. Ela não nega o crime como um

fenômeno natural e social, mas o considera fato jurídico porque o direito é que o denomina

um crime.

2. DA LIBERDADE

A Liberdade foi um dos maiores ideais do homem desde os primórdios dos tempos. Ela

foi, e é, o direito e requisito primordial para uma vida com dignidade. Assim foi com os

burgueses, escravos, índios, imigrantes iludidos pela procura de uma vida melhor em terras

desconhecidas, e muitos outros casos já vivenciados pela história da Humanidade.

Desde a Roma Antiga, a Liberdade foi objeto de estudo e fascinação para os homens e,

graças a este interesse, hoje se tem uma farta herança do conceito e da importância da

liberdade para o homem. O filósofo Anício Mânlio Torquato Severino Boécio, um romano

nascido por volta de 480 d.C., em berço de família ateniense nobre, tornou-se cônsul e, anos

mais tarde, foi preso por estar supostamente preparando uma traição ao Rei, e, logo mais, no

ano de 525, foi executado. Durante o tempo que permaneceu na prisão, escreveu sua obra

principal: “A Consolação da Filosofia”, que o levou a ser considerado o propagador das idéias

cristãs no Ocidente, mas também de grande contribuição foi sua obra para a concepção de

liberdade para os homens de hoje. Ele questionava como consolidar a liberdade com o livre

arbítrio e uma presença divina. Boécio já dizia que os humanos devem ser cautelosos em seu

livre arbítrio, porque ante toda ação, se está sob a mira de um juiz que tudo vê. E se esta teoria

fosse utilizada na prática do dia a dia da sociedade, certamente os delitos se tornariam

fenômenos raros na sociedade. O homem necessita ser livre, porém, freqüentemente não é

capaz de dominar o uso deste direito de forma coerente e racional.

O que prova esta incessante jornada humana em busca da liberdade é a própria tríade

Liberdade, Igualdade e Fraternidade, que se tornou o bordão marcante da Revolução

Francesa. O direito de ser livre foi questionado constantemente, desde a Magna Charta

Libertatum da Inglaterra, no ano de 1215, que introduziu no seio da sociedade o famoso e tão

recorrido remédio processual o habeas corpus; a Petition of Rights assinada por Carlo I, que

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proibia a prisão ilegal; da Revolução Gloriosa Inglesa do século XVII até a Revolução

Americana e Francesa do século XVIII, culminando com a Declaração Universal dos Direitos

dos Homens que, já em seu artigo primeiro, demonstra a preciosidade deste direito ao declarar

que todos os seres humanos nascem livres, e que continua a tecer sobre este direito em seu

corpo legislativo, como demonstra o pequeno trecho retirado da Declaração Universal dos

Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das

Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948:

A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição. Artigo I - Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Artigo II - Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. Não será tampouco feita qualquer distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania. Artigo III - Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo IV - Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas. Artigo V - Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Artigo VI - Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei. Artigo VII - Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. Artigo VIII - Toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei. Artigo IX - Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado. Artigo X - Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele. Artigo XI - Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso. Artigo XII - Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. Artigo XIII - Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, “inclusive o próprio, e a este regressar”. (grifos nossos)

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Pode-se perceber que a Liberdade é uma das maiores heranças deixadas pelos homens

do passado, que tiveram que suportar muitas injustiças, discriminações, submissões, até que

não conseguiram mais conter a voz e gritaram por liberdade e derramaram seu próprio sangue,

doaram sua própria vida!

Desde a Idade Média, o homem não era visto individualmente como um ser humano

dotado de direitos, mas sim, como integrante de uma determinada classe econômica (artesão,

tecelão, banqueiro etc.) que juntos formavam o todo que se submetia ao Estado Absolutista e

à Igreja. A fome, a dor e a miséria eram provações divinas, conseqüência do pecado original e

não da desigual distribuição de renda. O indivíduo não conseguia se enxergar sozinho, mas,

pouco a pouco, com a valoração do trabalho, com a chegada do Capitalismo, com o comércio

crescente, a burguesia consegue provar que a riqueza nem sempre vem do berço, mas sim do

trabalho árduo e constante, realizado minuto a minuto, hora a hora, dia a dia. Através da

chegada do “século das luzes”, no qual seus seguidores e precursores partiam do primado da

razão e defesa da liberdade, era inevitável que os filósofos iluministas começassem a tecer

críticas em relação à inutilidade e desumanidade das guerras e dos processos por motivos

religiosos e que, paralelamente, pregassem a tolerância e o respeito pela opinião dos

indivíduos. Os iluministas afirmavam que cada indivíduo tem direito a uma opinião própria e

a exprimi-la livremente. Dentre os precursores do movimento iluminista, vários deixaram

enormes contribuições a respeito da luta e da procura pela tão sonhada liberdade.

Como os escritos de Cesare Beccaria, que se notabilizou pelo livro Dos Delitos e das

Penas, no qual, após recomendar a prevenção do crime em vez de sua repressão, condenou a

pena de morte e demonstrou a desumanidade e barbárie da tortura, muito utilizada nos

interrogatórios de presumíveis culpados. Segundo Beccaria, as penas devem ter por objetivo

auxiliar o réu a compreender seu erro e ajudar a sua reintegração na sociedade. Com a

publicação de seu livro, muitos países aboliram a prática da tortura e alguns até mesmo a pena

de morte. Conforme o escritor,

[...] não é a intensidade da pena o que causa maior efeito na alma humana,mas a sua duração; porque a nossa sensibilidade é mais fácil e duradoura movida por impressões mínimas, porém repetidas, do que por um movimento forte, porém passageiro. O poder do hábito é universal sobre todo ser que sente: e assim como o homem fala, anda e obtém o seu sustento com a ajuda do hábito, assim as idéias morais não se imprimem na mente senão por impressões duráveis e reiteradas. O freio mais forte contra os delitos não é o espetáculo terrível, mas passageiro, da morte de um criminoso, porém o exemplo demorado e miserável de um homem privado de liberdade-o qual, transformado em animal de carga, recompensa com seus esforços a sociedade que ofendeu. Aquela eficaz, porque muitíssimas vezes repetida, reflexão a nosso próprio respeito: “eu próprio estarei reduzido à tão longa e mísera condição, se cometer semelhantes

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crimes” é muito mais poderosa do que a idéia da morte, que os homens sempre vêem numa obscura distância (1979, p. 69).

Voltaire, após a grande batalha a favor da tolerância religiosa e política, lutou para que

os objetivos dos governos fossem a liberdade e a igualdade. Em contrapartida, verificou-se a

reação daqueles cujos privilégios eram justamente resultado da existência da opressão e da

desigualdade social, amparadas pela própria lei.

Não há como deixar de falar de um dos maiores filósofos humanistas e democráticos,

Jean Jacques Rousseau, que afirmava a necessidade dos homens, ao se organizar em

sociedade, objetivar a garantia da igualdade econômica e da liberdade, que são frutos da

democracia. Segundo ele, o verdadeiro soberano não era o rei, mas o povo como um todo, ao

qual caberia, portanto, o poder de promulgar leis e dirigir a coletividade. Porém, a lei nada

mais é do que a vontade geral, ainda que todos tivessem que submeter-se a ela, estariam se

submetendo às suas próprias vontades. Não seria algo imposto por alguém, e sim por eles

mesmos.

Essas idéias revolucionárias eram consideradas monstruosas pelos déspotas da época,

pois inseriam a busca e a necessidade do direito de liberdade que todo ser humano necessita, e

a liberdade, por ter um espectro amplo e geral de direitos que abrange a democracia,

cidadania, dignidade, se tornou uma matéria inconveniente aos que pretendiam continuar no

poder. Porém, antes do final do século XVIII, essas idéias foram colocadas em prática,

ocasionando diversas transformações políticas e sociais desencadeadas com a Revolução

Francesa, e que há muito eram esperadas.

A partir desse momento, nasce o homem individualizado, livre para si mesmo, mas que

não é capaz de auto-governar-se, de auto-limitar-se, de auto-disciplinar-se. A necessidade de

relacionar com o mundo é vital, então, renuncia-se à própria liberdade pelo fato de não se

poder ser completamente livre e absoluto para fazer sem restrições tudo aquilo que se deseja

na íntima autodeterminação. Necessita-se da criação de um Estado e esse Estado deve, por sua

vez, criar uma maneira de impor limites a essa liberdade humana, sob pena de não se

conseguir preservar a própria essência deste direito.

Como ser livre, se todos são livres na mesma proporção e medida para fazer o que bem

entendem? Desta maneira, sempre prevaleceria o mais forte, aquele que conseguisse fazer

predominar suas vontades na liberdade do próximo, ou seja, seria um sentimento de falsa

liberdade. O Marquês de Beccaria, em Dos Delitos e das Penas, cita que:

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As leis são as condições sob as quais homens independentes e isolados se uniram em sociedade, cansados de viverem em contínuo estado de guerra e de gozarem uma liberdade tornada inútil pela incerteza de poderem conservá-la. Eles sacrificaram uma parte dessa liberdade para gozar-lhe o restante com segurança e tranqüilidade. A soma de todas essas porções de liberdade, sacrificadas ao bem de cada um, forma a soberania de uma nação; e o soberano é o legítimo depositário e o administrador deles. Porém, não bastava formar esse depósito. Era necessário defendê-lo das privadas usurpações de cada homem em particular, que procurava sempre retirar do depósito não só a própria porção, como ainda usurpar a dos outros. Eram necessários motivos sensíveis, que bastassem para afastar a despótica intenção que cada homem sente de submergir no antigo caos as leis da sociedade. Estes motivos sensíveis são penas estabelecidas contra os infratores das leis. Digo “motivos sensíveis” porque a experiência fez ver que o povo não adota motivos estáveis de conduta, nem se afasta daquele princípio universal de dissolução que se observa no mundo físico e moral, senão por motivos que imediatamente atinjam os sentidos e que continuamente estejam presentes na mente que contrabalançarem as fortes impressões das paixões parciais, que se opõem ao bem universal: nem a eloqüência, nem os discursos pomposos, nem as verdades mais sublimes bastaram para frear, por longo tempo, as paixões excitadas pelas vivas solicitações dos objetos presentes. Foi, pois, a necessidade que constrangeu os homens a cederem parte da própria liberdade (1979, p. 38-9).

Assim nasceu a necessidade de se impor ao ser humano a regra de que sua liberdade iria

até onde se inicia a liberdade do próximo. Afinal, todos são livres, mas carregam a obrigação

e o dever de respeito à liberdade dos semelhantes.

Tem-se o direito de ser livre, mas esse direito exige uma correlação de deveres. Nicola

Framarino Dei Malatesta, em A Lógica das Provas em Matéria Criminal, cita, com bastante

sabedoria, esta dubiedade do direito-dever:

Não se pode conceber um direito, sem obrigação correlativa; nem se pode conceber um direito sem a idéia do respeito que legitimamente pode inspirar; se o reconhecimento ou desconhecimento do direito de um dependesse do capricho do outro, o direito não seria mais direito. Esta crença de que os direitos devem legitimamente inspirar respeito constitui a tranqüilidade jurídica do indivíduo e da sociedade. Esta opinião do respeito dos direitos, sendo essencial ao conceito deles, também um direito: o da tranqüilidade jurídica, direito genérico que constitui não só a força, mas, direi quase, o ambiente em que respiram, vivem e têm valor praticamente todos os direitos privados. Ora, todo fato criminoso particular, considerado genericamente, enquanto delito em geral, viola o direito da tranqüilidade jurídica e, enquanto se resolve em igual violação, constitui sempre um delito continuado. Todo delito particular não é, com efeito, mais que uma afirmação explícita da falta do respeito ao direito; ou manifestação, num fato externo, de ameaça contra todos os direitos, iguais ou inferiores ao direito violado: é uma afirmação explícita e real, de que se está pronto a impor algum direito, de igual ou menor respeitabilidade que o direito violado, sempre que entre em luta com suas próprias paixões. Esta ameaça não se exaure com o ato consumativo da violação do direito particular, mas continua ainda sua trajetória criminosa, até que esta sua continuação de vida seja detida pela pena. Ela não vem ferir o delinqüente pela sua consumada violação de um particular direito: quanto a esta, factum infectum fieri nequit, só seria legítima a ação civil. A pena vem ferir o delinqüente para interromper a consumação da sua ação crimininosa contra a tranqüilidade jurídica do ofendido e toda sociedade. Sob este aspecto, entende-se claramente, como o direito de punir encontra seu princípio superior, sua legitimidade, na defesa direta do direito, quanto às penas cominadas pelo legislador, como quanto às impostas pelos juízes (1996, p. 11-12).

O direito da liberdade traz o dever do respeito, caso contrário se ficaria a mercê da

vontade do outro em respeitar o direito alheio ou não, portanto, a necessidade da imposição de

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penas contra o desrespeito dos direitos de outrem. Há que se garantir a tranqüilidade jurídica

de toda sociedade, que evidentemente não aceita conviver com pessoas periculosas, com a

mínima noção de respeito à vida, à integridade física e moral do seu próximo.

Sabe-se que a história sobre a liberdade não é tão bonita como a contada, pois não

foram de imediato reconhecidos os direitos dos escravos, das mulheres, dos pobres, mas o

objetivo é frisar que o homem sempre lutou pela liberdade, fez dela um dogma, um ideal de

guerra e de paz, uma verdadeira ambigüidade de direito e dever, necessidade e coerência:

liberdade e respeito!

3. PRINCÍPIOS RELACIONADOS À PRISÃO PROCESSUAL

A Constituição Federal Brasileira prevê, em seu artigo 5º, inciso LIV, que ninguém será

privado da liberdade ou de seus bens, sem o devido processo legal. Esta é a base do princípio

do devido processo legal que, por sua vez, deu origem à sustentabilidade de outro princípio

muito valioso para o processo penal: o princípio da razoabilidade. Outro princípio de

importância crucial à aplicação da prisão processual é o da presunção de inocência, calcado na

Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LVII, fazendo com que o acusado não se torne

mera parte de um processo penal, mas também, um sujeito de direitos dentro deste processo.

3.1 DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Ele consagra que ninguém poderá carregar o ônus e as implicações de uma acusação

antes de ser condenado por sentença transitada em julgado, proferida por um magistrado

competente, dentro de um processo em que lhe seja assegurado todos os meios de prova e

defesa, assim como o duplo grau de jurisdição. O artigo 8º do Pacto de San Jose da Costa

Rica declara que “2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua

inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”.

Desta forma, o acusado não poderá sofrer restrições de seus direitos por ser um acusado,

já que somente pagará sua pena se vier a ser condenado por sentença em trânsito julgado.

Evitando fazer referências longas sobre este tema, pode-se ressaltar que este princípio não

proíbe as prisões cautelares, e sim as prisões arbitrárias, pois, se verificada a presença de

todos os elementos imprescindíveis para a decretação da prisão processual, será ela

plenamente cabível dentro dos moldes da necessidade e da razoabilidade. Mas, saliente-se que

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este princípio é a regra e a prisão cautelar é a exceção à essa regra, devendo ser aplicada

somente em casos expressamente autorizadores de tal medida.

Por este princípio, pode-se concluir que somente poderá se admitir uma prisão cautelar

acompanhada dos requisitos necessários para a sua decretação, ou seja, o periculum in mora e

o fumus boni iuris, rechaçando, desde já, qualquer tipo de prisão cautelar automática, como a

prisão decorrente de pronúncia e de sentença recorrível, que devem ser retiradas do Código de

Processo penal, já que não cumprem seu papel de prisão cautelar, e sim de pena antecipada,

muito utilizada por estados absolutistas, mas que não acompanha a evolução histórica do

direito brasileiro. Porém, os tribunais consideram que tais prisões não afetam a garantia

constitucional da presunção de inocência. Porém, se a mera inclusão do Réu no rol de

culpados é considerada inconstitucional, porque dizer e admitir que seu status libertatis possa

sofrer constrições, será a liberdade direito menos valioso que o nome do acusado? Não há

fundamentação objetiva e precisa para fazer perdurar este tipo de prisão, que é automática

sim, já que está condicionada ao acontecimento de uma sentença futura, ou seja, ao ser

prolatada a pronúncia ou a sentença recorrível, o réu terá que se recolher à prisão para

assegurar seu próprio direito: o de defesa. Tais prisões ferem toda e qualquer

constitucionalidade de um processo, ferindo não só o princípio da presunção de inocência,

como o da ampla defesa, duplo grau de jurisdição e devido processo legal.

3.2 DO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Está previsto no art. 5º, inciso LIV, estendendo-se ao inciso LV, que declara que

nenhum acusado será considerado culpado, até que sua culpabilidade tenha sido provada,

dentro de um processo justo e realizado em conformidade com a lei.

Alexandre de Moraes ensina que:

O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal). O devido processo legal tem como corolários a ampla defesa e o contraditório, que deverão ser assegurados aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, conforme o texto constitucional expresso (2000, p. 123).

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Desta forma, este princípio é uma garantia de que ao acusado será conferido o processo

legal, com todas as suas atribuições e direitos. Por este motivo, as prisões processuais devem

ser repensadas e não aceitas da forma como estão previstas no Código de Processo Penal de

1941, época em que o Brasil se encontrava dominado por uma ditadura que repreendia toda e

qualquer manifestação de democracia, extinguindo os partidos políticos, permitindo a censura

e a repressão, fatos inadmissíveis no Brasil de hoje. Da mesma forma, algumas prisões

cautelares não merecem respaldo no direito brasileiro, por não se revestirem das prerrogativas

necessárias para sua existência, devendo ser abolidas de nosso processo penal, sob pena de

colocar em dúvida o estado democrático de direito brasileiro.

3.3 DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE (PROPORCIONALIDADE)

Este princípio não está previsto expressamente na Constituição Federal, porém, é

constantemente observado pelos operadores do direito e Doutrina, integrando implicitamente

o ordenamento jurídico brasileiro. Luiz Vicente e Paulo José nos ensinam que

O princípio da proporcionalidade apresenta-se através da coexistência de três requisitos: (a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos; (b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingimento dos fins visados; e (c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido, para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos (1995, p. 46).

Desta forma, a prisão processual deve ser utilizada para o fim a que foi criada, ou seja,

somente para assegurar o processo, nos casos em que sua efetividade esteja sob risco do

periculum in mora, risco este amparado pelo fumus boni iuris, se não existirem meios menos

agressivos que a prisão para assegurar o bom andamento do processo penal, como a fiança,

compromisso de comparecer aos atos etc., e a verificação dos benefícios que a prisão traz à

sociedade em geral, e a proporcionalidade de sua gravidade, para se poder justificar tamanha

restrição ao direito de liberdade individual do acusado (não condenado).

O Pacto de San José da Costa Rica afirma que

5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser

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posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. Muitos confundem o entendimento da palavra “razoável” neste texto, porém, ele quer

dizer que o acusado, preso, detido ou retido, tem o direito de ser julgado em um prazo

razoável, ou seja, um prazo comedido, justo, sem delongas, ou então ser posto em liberdade.

Desta forma, não há razões que fundamentem uma prisão preventiva excessiva, prisões

cautelares que perduram por anos, pois, ainda que a lei não preveja duração para estas prisões,

tem-se que convir que o preso não deve pagar o preço de uma justiça morosa e ineficiente,

seria admitir sua condenação por este fato e pelo delito ao qual é acusado, devendo, de acordo

com o artigo supracitado, ser colocado em liberdade sem qualquer prejuízo ao processo, pois,

há como condicionar seu comparecimento ao juízo. Se há outras maneiras menos agressivas

para assegurar o processo, a prisão cautelar não merece ser acolhida por ferir de forma

abusiva o princípio da proporcionalidade, que é um direito natural de todo cidadão, e que deve

ser invocado toda vez que outros direitos fundamentais do homem forem violados.

Se utilizar este princípio para analisar a constitucionalidade de prisões cautelares como

a prisão por pronúncia e de sentença recorrível, facilmente se constata sua incompatibilidade

constitucional, pois tais prisões, além de não serem adequadas para assegurar o processo

(finalidade), já que não há como se exigir a restrição de um direito no meio do curso

processual penal, sem que haja motivos fundados de que se o acusado continuar livre

prejudicará a prestação jurisdicional, são desnecessárias, já que há outras maneiras de

assegurar o processo, sem tratar o acusado de forma diferenciada somente pelo fato de uma

pronúncia ou sentença recorrível. O direito objetivo não pode se separar da noção de justiça,

sob pena de se tornar um falso direito, por isso, não se pode admitir que prisões revestidas de

um falso objetivo, que não cumpre a finalidade que lhe é atribuída, não devem sobreviver

dentro de um sistema processual penal baseado na restrição mínima de direitos individuais.

4. DAS PENAS E DA PRISÃO

Fazendo este breve caminho de volta à história nasce a capacidade de se compreender

que hoje a prisão se constitui uma punição dolorosa ao privar o homem de seu direito de ser

livre. Mas, o que dá ao Estado esse poder de retirar do homem sua própria liberdade? Para

uma conclusão coerente, convém retroceder nos conceitos de pena e prisão.

Até mesmo na era primitiva, onde a pena pode ser tratada como um sinônimo de

vingança particular, chamada na realidade pelos historiadores como vingança privada, os

crimes sempre eram punidos, como se fosse um dever que recaia sobre um determinado grupo

de vingar a morte de um dos seus indivíduos, nada mais natural para um ser movido pelos

instintos que a vingança de sangue. Porém, a sanção era desproporcional à ofensa,

respondendo o indivíduo e toda sua família pelo crime cometido. Mas, se o indivíduo

pertencesse ao mesmo grupo da vítima, sua pena seria o banimento, seria excluído da

participação naquela comunidade, ficando só, sendo alvo fácil para os grupos inimigos, era

como uma pena de morte indireta. Esta fase da história das penas é marcada pela extrema

importância dada ao direito à vida, não importando os meios e medidas utilizados para

assegurá-la. O Código de Hamurabi é prova viva de que até mesmo no séc. XVIII a.C. os

homens sentiam a necessidade de punir aqueles que, de alguma forma, atentassem contra a

vida e o patrimônio dos outros indivíduos. Eram leis marcantemente brutais, com excessivas

punições corporais, passando por flagelos, fogueiras, forca, afogamento, lapidação,

precipitação, inanição, crucificação, degolamento, enfossamento, roda, guilhotina ou até

mesmo empalação. Porém, foi através do aparecimento dessas primeiras leis de Talião, que se

iniciou o processo de equilíbrio das penas, uma relativa correspondência entre o crime e a

pena merecida e justa.

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Estas práticas tortuosas foram utilizadas durante muitos séculos e também eram

previstas em tábuas de lei como a Lei Mosaica, O Código de Manu e no mais antigo código

de leis, o recém-descoberto Código de Ur-Namu. Houve a previsão também da chamada

composição, onde o infrator comprava o direito de represália para recompensar o dano; o

pagamento era efetuado com animais, peles, moedas ou armas, tornando-se uma das mais

arcaicas, senão a primeira forma de composição civil do dano penal e multa penal.

Em uma segunda visão, numa época predominantemente religiosa, as leis são laicizadas.

Como exemplo, temos A Lei das Doze Tábuas, um período em que a punição era vista como

um castigo divino, uma ira dos deuses, onde o indivíduo respondia com seus direitos senão

com a própria vida, como uma forma de oferenda para remissão dos pecados. A pena era

medida na proporção do tamanho do deus ofendido e proclamada por um órgão sacerdotal.

Em um outro momento, quando a noção de Estado começa a se difundir, nasce a consciência

de que as penas sejam criadas e aplicadas por um terceiro indivíduo, responsável em assegurar

a liberdade e a igualdade de toda a comunidade. Conforme René Ariel Dotti, que consegue

traduzir em sua obra a necessidade do homem em instituir a chamada pena pública e não a

vingança com o propósito de manter a harmonia da vida social,

[...] a idéia da pena como instituição de garantia foi obtendo disciplina através da evolução política da comunidade (grupo, cidade, Estado) e o reconhecimento da autoridade de um chefe a quem era deferido o poder de castigar em nome dos súditos. É a pena pública que, embora impregnada pela vingança, penetra nos costumes sociais e procura alcançar a proporcionalidade através das formas do talião e da composição. A expulsão da comunidade é substituída pela morte, mutilação, banimento temporário ou perdimento de bens (1998, p. 31). Ainda assim, a pena se tornou um meio cruel de punição e muitas vezes injusta,

momento em que as revoltas se tornaram constantes, e com o Iluminismo, nasce o período

humanitário, que transcorreu no final do século XVIII, cercado de ideais anti-absolutistas.

Como precursor, Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria, imbuído dos princípios

iluministas, escreveu, a respeito da proporção entre os delitos e as penas, que:

Não somente é de interesse comum que não se cometam delitos, mas também que sejam mais raros relativamente à proporção de males que causam à sociedade. Mais fortes, pois, devem ser os obstáculos que afastam os homens dos delitos, na medida em que estes são contrários ao bem público, e na medida dos impulsos que levam os homens a cometê-los. Deve haver assim, uma proporção entre os delitos e as penas. Se o prazer e a dor são os motores dos seres sensíveis, se entre os motivos que impelem os homens às mais sublimes ações foram destinados pelo invisível Legislador o prêmio e a pena, da inexata distribuição destes nascerá aquela contradição tão menos observada, quanto mais comum é, de que as

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penas punam os delitos que elas fizeram nascer. Se uma pena igual é destinada a dois delitos que ofendam desigualmente a sociedade, os homens não encontrarão um obstáculo mais forte que os impeça de cometer o delito maior, se a este encontrarem unida uma vantagem maior. Qualquer pessoa que vir estabelecida a mesma pena a de morte por exemplo para quem mata um faisão e para quem assassina um homem ou falsifica um escrito importante, não fará nenhuma diferença entre esses delitos, destruindo-se, desta maneira, os sentimentos morais, obras de muitos séculos e de muito sangue, lentíssimos e difíceis de se produzirem no espírito humano, para cujo o nascimento acreditou-se necessária a ajuda dos mais sublimes motivos e um aparato de solenes formalidades (1979, p. 82-3).

A partir deste pensamento, o homem percebeu a necessidade das leis e das penas

mensuradas, conforme a gravidade de cada delito, vistas de forma exclusiva e individualizada.

Assim nasceu o “jus puniend” do Estado: o direito de punir do Estado. Em sua obra, Beccaria

demonstra a necessidade de um novo objetivo à justiça penal: a moralização do homem

através da educação, pois somente pela educação pode-se promover a dignidade humana, fato

que se transformou em um marco na defesa dos desafortunados e desfavorecidos que sentiam

na pele as injustiças cometidas pelo sistema penal vigente na época. Cria-se uma primeira

grande repercussão acerca dos direitos humanos dos presos, acusados, réus e condenados.

Hoje, como já apregoava as idéias iluministas, o objetivo das prisões não é somente

punir. Mas com a chegada do século XIX, nasceu um novo objetivo prisional: o de punir

privando o indivíduo da liberdade e transformando-o, trabalhando sua ressocialização, sua

reabilitação, para que possa voltar a participar da vida em sociedade. Conforme Área Leão

Junior,

a sanção penal é em essência retributiva porque opera causando um mal ao transgressor em virtude de haver violado a norma jurídica. Mas o magistério punitivo do Estado não se funda na retribuição, no castigo, porquanto a pena deve ter por escopo a ressocialização do condenado, para reincorpora-lo na sociedade e não infligir-lhe sofrimento. Os tratadistas se inclinam a afirmar que a pena deve ser tanto uma medida de defesa da sociedade como deve ter um fim humanístico de correção dos criminosos (2000).

Conclui-se que o homem é livre para fazer tudo aquilo que deseja, mas será livre na

medida em que puder responder pelos excessos de sua liberdade, pois seria fácil acreditar na

teoria de Rousseau, que já há muito dizia que o homem é bom, se assim não o for, o problema

estará no meio em que ele vive, que não é adequado à sua natureza; difícil é crer na verdade

de que o homem sempre esteve acompanhado pelo crime, não há como falar do homem sem o

direito penal, pois cometem-se delitos até mesmo no silêncio da insignificante maldade de

cada um, é como se fosse algo inerente à própria vida do ser humano. A inveja, a má-fé e a

omissão são alguns dos sentimentos que, com certeza, todos fomentam dentro de si, mesmo

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que inconscientemente ou sem intenção. A diferença é que uns controlam-se (sabem que

realmente não são livres na sua individualidade e sim na totalidade da vida em comunidade)

enquanto outros não conseguem se controlar e, no ímpeto de sua liberdade, fazem o que

realmente sentem vontade.

Muitas críticas surgem a respeito deste direito de punir pertencente ao Estado: do que se

depreende que então não se é livre, e sim obediente a uma organização superior; mas, como

declara o mestre Tobias Barreto, há homens que sabem fazer um mero e simples conceito se

transformar em uma esfinge de sete cabeças: são os metafísicos do direito, que vagam pelos

caminhos da discussão de problemas insolúveis, já que se este tema for discutido, haverá

sempre uma questão: se há liberdade, porque permitir que o Estado tolha este direito? Então,

não se é livre? Porém, há de ser coerente a reflexão na seguinte posição: à medida em que a

sociedade cresce, torna-se difícil manter a harmonia e a paz jurídica que todos necessitam

para viver, visto que o ser humano é instável, cheio de emoções e reações que variam de um

para outro, e não há condições de conviver com esta insegurança, com o medo da ação/reação

do outro.

Neste instante nasce a justificativa do “jus puniendi”, o dever de impedir o delito,

aplicando a pena e concretizando o direito. Tobias Barreto, em Estudos de Direito, trata sobre

o assunto da seguinte forma:

Todo sistema de forças vai atrás de um estado de equilíbrio; a sociedade é também um sistema de forças, e o estado de equilíbrio que ela procura é justamente um estado de direito, para cuja consecução ela vive em contínua guerra defensiva, empregando meios e manejando armas, que não são sempre forjadas, segundo os rigorosos princípios humanitários, porém que devem ser sempre eficazes. Entre estas armas está a pena (2000, p. 180).

Desta forma, o direito penal e o processual penal fazem parte da essência humana, assim

como a liberdade, de sua existência. O Estado tem a função de garantir, de tutelar os direitos

fundamentais, daí nasce a razão de ser do direito de punir.

4.1 JUS PUNIENDI

O Estado é o único detentor do direito de punir os infratores da lei penal. Se a lei penal

for violada pela prática de um crime, nasce a partir deste momento a possibilidade do Estado

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impor ao infrator uma reprimenda, isto porque o crime não ofende somente direitos

individuais, mas sim direitos sociais que pesam sobre a segurança e a estabilidade de toda

sociedade.

Como já salientado, a história do poder punitivo é desumana e cruel, já que, além de

recair sobre a liberdade do indivíduo, muitas vezes custa-lhe a própria vida. Mas, atualmente,

o poder de punir do Estado deve ser exercido de forma justa e coerente, sob pena de se tornar

inválido, já que atualmente a execução deste poder “objetiva o retorno do condenado à pena

de prisão à vida em liberdade, ou seja, extra murus; portanto, toda e qualquer ação

institucional que vise diminuir as diferenças existentes entre a comunidade livre e a sociedade

reclusa, juridicamente encontra-se autorizada [...]” (MAIA NETO, 1998, p. 19).

Ou seja, hoje em dia, o jus puniendi só é permitido com o objetivo de ressocialização do

indivíduo criminoso, respeitando-se ao máximo os seus direitos humanos.

4.1.1 No Direito Processual Brasileiro

Concebe-se desde o início da aplicação de leis no país, o conhecimento do “jus

puniendi”, do poder público sobre os cidadãos. Muitas vezes, este direito de punir foi

exercido com excessos e extremas crueldades, hoje banidas do sistema processual brasileiro.

O Brasil, na época em que era uma colônia, herdou um sistema jurídico já estabelecido em

Portugal onde vigiam, inicialmente em 1521, as Ordenações Afonsinas. Houve três

Ordenações portuguesas, na seguinte ordem: Ordenações Afonsinas (1446-1521), Ordenações

Manuelinas (1521-1603) e Ordenações Filipinas (1603-1867).

As Ordenações Filipinas foram aplicadas dentro do Brasil a partir de 1603. Essas

Ordenações do Reino eram compilações das leis de Portugal e fundamentavam a estrutura

judiciária do Ancien regime. Reproduziam as regras do direito canônico, visto a extrema

influência da Igreja na vigência do regime monárquico. Seu Livro V (quinto) era totalmente

dedicado à previsão dos delitos e das penas. Porém, o direito era algo muito embaraçoso,

mesclado por dificuldades e conceitos canônicos, romanos e bárbaros. Para que se pudesse ser

advogado, eram necessários oito anos de estudo de Direito e somente nos grandes centros de

Portugal.

Essas ordenações portuguesas mantinham penas cruéis, como pena capital por

enforcamento, fogo, esquartejamento, açoites, trabalhos forçados e torturas infindáveis. Fato

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histórico que comprova tais afirmações é o pequeno trecho da sentença que condenou

Tiradentes. Assinada no Rio de Janeiro, em 19 de abril de 1792, este foi o trecho da sentença

do Tribunal de Alçada relativo ao alferes José Joaquim da Silva Xavier, onde o rigor

excessivo revela a intenção das autoridades em fazer dela uma punição exemplar:

[...] Portanto condenam o réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, alferes que foi da tropa paga da capitania de Minas, a que com baraço e pregão seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada à cabeça e levada a Vila Rica, aonde em o lugar mais público dela será pregada em um poste alto até que o tempo a consuma; o seu corpo será dividido em quatro quartos e pregados em postes pelo caminho de Minas, no sítio da Varginha e de Cebolas, aonde o réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações, até que o tempo também os consuma. Declaram ao ré infame, e infames seus filhos e netos, tendo-os, e seus bens aplicam para o fisco e câmara real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, e que nunca mais no chão se edifique, e não sendo próprias, serão avaliadas e pagas ao seu dono pelos bens confiscados, e no mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável réu (SANTOS, 1927, p. 59) Porém, com a vinda da família real ao Brasil, as leis começaram a ser editadas aqui,

incluindo Decretos e Alvarás, onde se concediam perdão e comutavam as penas. Não houve

aqui no Brasil a instalação do Tribunal do Santo Ofício, nem seus chamados autos-de-fé, que

eram na realidade verdadeiros espetáculos onde se queimavam as pessoas condenadas pela

Igreja. Porém, sempre apareciam no Brasil, enviados da Santa Inquisição que, ou levavam os

presos para Portugal ou os submetiam à autoridade local, para que fossem punidos. Nessa

época, havia uma maior preocupação com os crimes sexuais, contra o judaísmo e as heresias.

Quando as visitações acabaram, por volta do século XVII, os missionários da Igreja que

estavam na colônia continuaram a realizar o trabalho de punição constante dos crimes e

pediam que aqueles que tivessem cometido algum crime confessassem seus pecados ou

delatassem alguém que sabia ter pecado. Aquele que assim procedia muitas vezes não era

condenado a penas corporais. Assim foi o direito criminal no Brasil colônia, com uma

investigação criminal secreta, recebimento e consideração de notícias imprecisas e a confissão

era tida como prova máxima, obtida, na maioria das vezes mediante tortura. Com a

Declaração dos Direitos do Homem e a expansão dos ideais Humanistas e Iluministas, o

Brasil também começava a sonhar com sua independência. E, em 1824, tem-se a primeira

Constituição Federal do Brasil, outorgada por Dom Pedro I, após a dissolução da Constituinte.

A Constituição imperial consagrou os principais direitos humanos, mas nem por isso

deixou de ser autoritária, já que concentrava grandes poderes nas mãos do imperador. Previu a

Constituição Imperial, em relação ao direito criminal e ao processo penal: a proibição de

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prisão sem culpa formada, exceto nos casos declarados em lei, exigindo-se, contudo, nesta

última hipótese, nota de culpa assinada pelo juiz; exigência de ordem escrita da autoridade

legítima para a execução da prisão, exceto flagrante delito; punição da autoridade que

ordenasse prisão arbitrária, bem como de quem a tivesse requerido; exigência de lei anterior e

autoridade competente, para sentenciar alguém; abolição dos açoites, tortura, marca de ferro

quente e todas as demais penas cruéis; proibição de passar a pena da pessoa do delinqüente e,

em conseqüência, proibição do confisco de bens e da transmissão da infâmia a parentes;

garantia de cadeias limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para a separação dos réus,

conforme suas circunstâncias e natureza de seus crimes.

Em 1830, foi editado o Código Criminal do Império, sendo que as Ordenações Filipinas

continuariam vigentes toda vez que não contrariassem os preceitos constitucionais até vir a ser

editado um Código de Processo Criminal em 1832, cuja elaboração já tinha sido determinada

no texto constitucional, que se denominava Código de Processo Criminal de Primeira

Instância, o qual era marcado pelo espírito liberal, já que oferecia muitas garantias de defesa

aos acusados, porém elas se mostravam inúteis e ineficazes. Valorizava os magistrados,

conferindo-lhes funções importantes. O Código de Processo Criminal, seguindo o código

Criminal, distinguia os modos de proceder para os crimes públicos e para os particulares. Os

primeiros davam causa à ação penal promovida pelo promotor público ou por qualquer

cidadão (quando cabível a ação penal popular), entre eles estavam incluídos os crimes

políticos. Já os crimes contra os particulares conferiam ao ofendido a possibilidade de

promover a ação penal, até mesmo o homicídio era considerado particular, pois ofendia a

segurança individual. Este código processual foi alterado duas vezes no ano de 1841, seguido

de várias modificações, se mostrou um código cheio de falhas e omisso na maioria das vezes.

Com a chegada da República, o país sente-se livre e, em 1891, é promulgada a nova

Constituição Federal, exaltando o federalismo e a descentralização do poder, extinguindo do

cenário brasileiro a pena de morte, exceto em casos de guerra. A legislação penal de 1890

prevê em seu artigo 41 que não mais haveria penas infamantes e que a privação da liberdade

não poderia exceder o limite de 30 anos.

No período de 1930 a 1945, há pela primeira vez o reconhecimento dos direitos

subjetivos do condenado, ainda que de forma superficial; algumas inovações foram realizadas

na legislação penal brasileira, como a previsão da chamada “prisão simples” para apenar as

contravenções penais, a aplicação da pena de multa e a criação das penas “acessórias”, como a

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perda de função pública e a interdição de direitos. Além disso, o Código Penal de 1940

instituiu o sistema duplo binário, prevendo a medida de segurança.

Sobre a história da prisão e da pena privativa de liberdade, é de grande interesse citar as

palavras de Adolfo Theodoro Naujorks Neto, em artigo dedicado ao tema. Para ele,

[...] a prisão antecede a pena privativa de liberdade, e, no período colonial, como no resto do mundo ocidental, era utilizada como meio de contenção do delinqüente, mantendo-o seguro até o fim do processo para a derradeira execução da pena que lhe fosse aplicada. 5- A pena privativa de liberdade no Período Imperial A prisão como pena surge com o Código Criminal do Império. Este Código foi profundamente avançado para sua época, merecendo elogios dos penalistas de então. (...) A pena de morte era executada com a forca. A mulher grávida que fosse condenada à morte somente seria enforcada após quarenta dias do parto. Os corpos dos enforcados eram entregues aos parentes ou amigos, que não poderiam enterrá-los com pompa, sob pena de prisão por um mês a um ano. A pena de prisão estava dividida em três modalidades: a prisão perpétua com trabalhos forçados, a prisão com trabalhos forçados e a prisão simples. A pena de prisão perpétua condenava o criminoso ao recolhimento celular até o fim da vida, encerrando-se com a morte. A pena de prisão simples obrigava os criminosos a ficarem recolhidos nas prisões públicas, de preferência próximas ao lugar do delito. Já a pena de prisão com trabalho obrigava os condenados a ocuparem-se diariamente com o trabalho que lhes era destinado dentro das prisões, na conformidade das sentenças e dos regulamentos policiais das respectivas prisões. A Consolidação das Leis Penais modificou a alínea “b” do art. 43 do Código de 1890, abolindo a pena de banimento e criando a pena de prisão correcional. A pena de prisão correcional deveria ser cumprida em colônias a serem fundadas pela União e Estados, a fim de reabilitar, pelo trabalho e instrução, os mendigos válidos, vagabundos ou vadios, capoeiras e desordeiros. 7- A pena privativa de liberdade no Código Penal de 1940 Em 1940, com o Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro, o Presidente Getúlio Vargas deu um novo Código Penal ao país. O Código Penal de 1940 restringia as penas principais a três espécies: reclusão, detenção e multa. A reclusão e a detenção, ambas penas privativas de liberdade, eram temporárias e não poderiam ultrapassar o limite de trinta anos. A penas privativas de liberdade eram executadas de acordo com um sistema progressivo, dividido em períodos, no total de quatro. O inicial, em que o condenado era submetido a isolamento diurno e noturno, passando para um segundo período em que o condenado passava a trabalhar dentro ou fora do estabelecimento. No terceiro período, o apenado podia ser transferido para colônia penal. E no quarto e último período, o apenado poderia beneficiar-se com o livramento condicional. A transferência para a colônia penal exigia cumprimento de metade da pena quando esta não fosse (...) Com a Lei de Execuções Penais, jurisdicionalizou-se em definitivo a execução da pena, mormente a pena privativa de liberdade. Sidnei Beneti comenta que “implantou-se a jurisdicionalização da execução em termos absolutos, em moldes que não havia antes, em que pesem a tradição de jurisdicionalização e a normação constante do regime do Código de Processo Penal”. A jurisdição passou a ter total controle da execução da pena. (...) Os condenados no regime aberto deverão cumprir a pena em casa de albergado, localizado o estabelecimento em centro urbano, sem qualquer obstáculo que impeça ou dificulte a fuga. Quanto à prisão simples, prevista na vetusta Lei de Execuções Penais, continua a ser cumprida em estabelecimento especial separado dos presos condenados à reclusão ou detenção. Entretanto, modernamente, a prisão simples encontra-se em desuso em face das várias alternativas de substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos1.

No ano de 1984, entra em vigor a Lei nº 7.210, que tratava da Execução Penal,

ampliando os direitos dos réus, mas que, na prática, não trouxe tanta significância quanto

pretendia em seu corpo, tal fato pode ser demonstrado pelo trecho retirado do texto:

1 Adolfo Theodoro NAUJORKS NETO, A Pena privativa de liberdade no Brasil: seu passado, o presente e as

perspectivas para o futuro, 29 de junho de 2005.

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EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS 213, DE 9 DE MAIO DE 1.983: [...] 13. Contém o art.1º duas ordens de finalidades: a correta efetivação dos mandamentos existentes nas sentenças ou outras decisões, destinados a reprimir e a prevenir os delitos, e a oferta de meios pelos quais os apenados e os submetidos às medidas de segurança venham a ter participação construtiva na comunhão social. [...] 100. É de conhecimento geral que ”grande parte da população carcerária está confinada em cadeias públicas, presídios, casas de detenção e estabelecimentos análogos, onde prisioneiros de alta periculosidade convivem em celas superlotadas com criminosos ocasionais, de escassa ou nenhuma periculosidade, e pacientes de imposição penal prévia (presos provisórios ou aguardando julgamento), para quem é um mito, no caso, a presunção de inocência. Nestes ambientes de estufa, a ociosidade é a regra; a intimidade, inevitável e profunda. A deterioração do caráter, resultante da influência corruptora da subcultura criminal, o hábito da ociosidade, a alienação mental, a perda paulatina para a aptidão ao trabalho, o comprometimento da saúde, são conseqüências deste tipo de confinamento promíscuo, já definido alhures como “sementeiras de reincidências” dados os seus efeitos criminógenos. (cf. o nosso Relatório à CPI do Sistema Penitenciário, loc. cit., p. 2) Ou seja, já estávamos vivendo com um sistema de execução penal falido e ineficaz em

seus propósitos na maioria das vezes. Criou-se a lei de Execução Penal para melhorar esta

situação caótica, porém, a realidade não acompanhou a intenção legislativa, e temos hoje no

Brasil, um sistema penitenciário criticado pelo mundo todo, e que está muito longe de

combater a criminalidade e ressocializar o indivíduo. Nota-se esta disparidade, entre a

realidade e a ficção legislativa, através de uma breve passagem nos principais artigos da lei

em questão:

LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984. Institui a Lei de Execução Penal. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: [...] Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política. [...] CAPÍTULO I Da Classificação Art. 5º Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal. [...] Dos Direitos Art. 40 - Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios. Art. 41 - Constituem direitos do preso: I - alimentação suficiente e vestuário; II - atribuição de trabalho e sua remuneração;

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III - Previdência Social; IV - constituição de pecúlio; V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado; X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI - chamamento nominal; XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes. XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. (Incluído pela Lei nº 10.713, de 13.8.2003) Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento. [...] Dos Estabelecimentos Penais CAPÍTULO I Disposições Gerais Art. 82. Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso. § 1° A mulher e o maior de sessenta anos, separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal. (Redação dada pela Lei nº 9.460, de 04/06/97) § 2º - O mesmo conjunto arquitetônico poderá abrigar estabelecimentos de destinação diversa desde que devidamente isolados. Art. 83. O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva. § 1º Haverá instalação destinada a estágio de estudantes universitários. (Renumerado pela Lei nº 9.046, de 18/05/95) § 2º Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam amamentar seus filhos. (Incluído pela Lei nº 9.046, de 18/05/95) Art. 84. O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado. § 1° O preso primário cumprirá pena em seção distinta daquela reservada para os reincidentes. § 2° O preso que, ao tempo do fato, era funcionário da Administração da Justiça Criminal ficará em dependência separada. Art. 85. O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade. [...] Da Penitenciária Art. 87. A penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado. Parágrafo único. A União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios poderão construir Penitenciárias destinadas, exclusivamente, aos presos provisórios e condenados que estejam em regime fechado, sujeitos ao regime disciplinar diferenciado, nos termos do art. 52 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003) Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular: a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana; b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados). Art. 89. Além dos requisitos referidos no artigo anterior, a penitenciária de mulheres poderá ser dotada de seção para gestante e parturiente e de creche com a finalidade de assistir ao menor desamparado cuja responsável esteja presa. Art. 90. A penitenciária de homens será construída, em local afastado do centro urbano, à distância que não restrinja a visitação.

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CAPÍTULO III Da Colônia Agrícola, Industrial ou Similar Art. 91. A Colônia Agrícola, Industrial ou Similar destina-se ao cumprimento da pena em regime semi-aberto. Art. 92. O condenado poderá ser alojado em compartimento coletivo, observados os requisitos da letra a, do parágrafo único, do artigo 88, desta Lei. Parágrafo único. São também requisitos básicos das dependências coletivas: a) a seleção adequada dos presos; b) o limite de capacidade máxima que atenda os objetivos de individualização da pena. CAPÍTULO IV Da Casa do Albergado Art. 93. A Casa do Albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime aberto, e da pena de limitação de fim de semana. Art. 94. O prédio deverá situar-se em centro urbano, separado dos demais estabelecimentos, e caracterizar-se pela ausência de obstáculos físicos contra a fuga. Art. 95. Em cada região haverá, pelo menos, uma Casa do Albergado, a qual deverá conter, além dos aposentos para acomodar os presos, local adequado para cursos e palestras. Parágrafo único. O estabelecimento terá instalações para os serviços de fiscalização e orientação dos condenados. (...) CAPÍTULO VII Da Cadeia Pública Art. 102. A cadeia pública destina-se ao recolhimento de presos provisórios. Art. 103. Cada comarca terá, pelo menos 1 (uma) cadeia pública a fim de resguardar o interesse da Administração da Justiça Criminal e a permanência do preso em local próximo ao seu meio social e familiar. Art. 104. O estabelecimento de que trata este Capítulo será instalado próximo de centro urbano, observando-se na construção as exigências mínimas referidas no artigo 88 e seu parágrafo único desta Lei. [...] Pode-se constatar que tais artigos são mal cumpridos e observados atualmente, mesmo

ante inúmeros instrumentos protetivos dos direitos dos homens. Com a Constituição Federal

de 1988, é dada mais ênfase ainda ao direito de liberdade, principalmente do acusado,

conforme dispõe o art. 5º, inciso LIV, in verbis: "ninguém será privado da liberdade ou de

seus bens sem o devido processo legal", que materializa o princípio do devido processo legal.

Muitos mecanismos de proteção dos direitos humanos dos presos, provisórios e definitivos,

surgiram no cenário mundial. Pode-se citar como um dos mais importantes nesta seara o

seguinte documento das Nações Unidas:

Princípios básicos relativos ao tratamento de reclusos Doc. das Nações Unidas n. A/45/49 ( 1990) A Assembléia Geral, Tendo o presente interesse permanente da Organização das Nações Unidas na humanização da justiça penal e na proteção dos direitos do homem. Tendo igualmente presente que medidas coerentes de prevenção do crime e de luta contra a delinqüência são indispensáveis a uma planificação viável do desenvolvimento econômico e social.

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Reconhecendo que as Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos adotadas pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento de Delinqüentes, são de grande interesse e influência para a elaboração de uma política e de uma prática penais. Tendo em consideração a preocupação expressa nos precedentes Congressos para a prevenção do crime e o tratamento dos delinqüentes, no que se refere aos obstáculos diversos que entravam a plena aplicação das Regras Mínimas. Convencida que a plena aplicação das Regras Mínimas seria facilitada pela enunciação de princípios básicos nos quais elas se inspiram. Relembrando a Resolução 10, relativa à situação dos reclusos, e a Resolução 17, relativa aos direitos dos reclusos, adotadas pelo Sétimo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes. Relembrando igualmente a declaração apresentada ao Comitê para a Prevenção do Crime e a Luta contra a Delinqüência, na sua décima sessão, pela Aliança Universal das Uniões Cristãs de Jovens, a Associação Internacional de Educadores para a Paz Mundial, a Associação Internacional de Ajuda aos Prisioneiros, a Caritas Internacional, a Comissão de Igrejas para os Negócios Internacionais do Conselho Ecumênico das Igrejas, o Conselho Internacional de Educação de Adultos, o Conselho Mundial dos Povos Indígenas, a Federação Internacional dos Direitos do Homem e a União Internacional de Estudantes, organizações não governamentais dotadas de estatuto consultivo junto do Conselho Econômico e Social, categoria II. Relembrando por outro lado as recomendações relevantes que figuram no relatório da Reunião Preparatória Inter regional do Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes, sobre o tema II, denominado "As políticas de justiça penal e os problemas das medidas privativas da liberdade, as outras sanções penais e as medidas de substituições". Consciente de que o Oitavo Congresso coincide com o Ano Internacional da Alfabetização, proclamado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, na sua Resolução 42/104, de 7 de Dezembro de 1987. Desejando dar relevo à observação do Sétimo Congresso de que a função do sistema de justiça penal consiste em contribuir para salvaguarda de valores e normas fundamentais da sociedade. Reconhecendo a utilidade de elaborar uma declaração sobre os direitos dos reclusos, Afirma os Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Reclusos, que figuram em anexo à presente resolução, e solicita ao Secretário Geral que chame a tenção dos Estados membros para estes princípios. Anexo 1. Todos os reclusos devem ser tratados com o respeito devido à dignidade e ao valor inerentes ao ser humano. 2. Não haverá discriminações em razão de raça, sexo, cor, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou outra condição. 3. É, no entanto, desejável respeitar as convicções religiosas e preceitos culturais do grupo ao qual pertencem os reclusos sempre que assim o exijam as condições do local. 4. A responsabilidade das prisões pela guarda dos reclusos e pela proteções da sociedade contra a criminalidade, deve ser cumprida em conformidade com os demais objetivos sociais do Estado e com sua responsabilidade fundamental de promoção do bem estar e de desenvolvimento de todos os membros da sociedade. 5. Exceto no que se refere às limitações evidentemente necessárias pelo fato da sua prisão, todos os reclusos devem continuar a gozar sai direitos do homem e das liberdade fundamentais, enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e, caso o Estado interessado neles seja parte, no Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e no Protocolo Facultativo que o acompanham bem como de todos os outros direitos enunciados em outros instrumentos das Nações Unidas. 6. Todos os reclusos devem ter o direito de participar das atividades culturais e de beneficiar de uma educação visando o pleno desenvolvimento da personalidade humana. 7. Devem empreender-se esforços tendentes à abolição ou restrição do regime de isolamento, como média disciplinar ou de castigo. 8. Devem ser criadas condições que permitam aos reclusos ter um emprego útil e remunerado, o qual facilitará a sua integração no mercado de trabalho dos país e lhes permitirá contribuir para sustentar as suas próprias necessidades financeiras e as das suas famílias. 9. Os reclusos devem ter acesso aos serviços de saúde existentes no país, sem discriminação nenhuma decorrente do seu estatuto jurídico.

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10. Com a participação e ajuda da comunidade e das instituições sociais, e com o devido respeito pelos interesses das vítimas devem ser criadas condições favoráveis à reinserção do antigo recluso na sociedade, nas melhores condições possíveis. 11. Os princípios acima referenciados devem ser aplicados de forma imparcial. Ou seja, exceto o direito do preso em estar livremente convivendo no meio da

sociedade, os demais direitos não atingidos pela pena imposta a ele devem ser respeitados

integralmente. Porém, o preso no Brasil está muito distante de ver seus direitos e,

principalmente, sua dignidade humana respeitados. Outro documento muito significativo

sobre o assunto é o:

Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer forma de Detenção ou Prisão. Doc. das Nações Unidas n. [8] 43/173 A Assembléia Geral, Lembrando a sua Resolução 35/177 de 15 de Dezembro de l980 confiava à 6a Comissão a tarefa de elaborar o projeto de Conjunto Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer forma de Detenção ou Prisão e decidia instituir um Grupo de Trabalho aberto esse fim: Tomando conhecimento do relatório do Grupo de Trabalho que reuniu durante a 43ª sessão da Assembléia Geral e completou a elaboração do projeto de Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão. Considerando que o Grupo de Trabalho decidiu submeter o texto do projeto de Conjunto de Princípios à 6a Comissão para consideração adoção. Convencida de que a adoção do projeto do Conjunto de Princípios representaria uma importante contribuição para a proteção dos direitos do homem. Considerando a necessidade de assegurar uma ampla divulgação do texto do Conjunto de Princípios. 1. Aprova o Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, cujo texto figura, em anexo à presente Resolução. 2. Exprime o seu reconhecimento ao Grupo de Trabalho relativo ao Projeto de Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas. Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, pela sua importante contribuição para a elaboração do Conjunto de Princípios. 3 Solicita ao Secretário Geral que informe os Estados membros das: Nações Unidas ou os membros de Agências Especializadas da adoção do Conjunto de Princípios. 4 Solicita vivamente o desenvolvimento de todos os esforços de forma a que o Conjunto de Princípios seja universalmente conhecido e respeitado. 76a Sessão plenária - 9 de Dezembro de 1988 ANEXO Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão. Âmbito do Conjunto de Princípios. Os presentes Princípios aplicam-se para a proteção de todas as pessoas sujeitas a qualquer forma de detenção ou prisão. Terminologia Para efeitos do Conjunto de Princípios: a) "captura" designa o ato de deter um indivíduo por suspeita da prática de infração ou por ato de uma autoridade. b) "pessoa detida" designa a pessoa privada de sua liberdade, exceto se o tiver sido em conseqüência de condenação pela prática de uma infração.

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c) "pessoa presa" designa a pessoa privada da sua liberdade conseqüência de condenação pela prática de uma infração. d) "detenção" designa a condição das pessoas detidas nos acima referidos. e) "prisão" designa a condição das pessoas presas nos termos acima referidos. f) A expressão "autoridade judiciária ou outra autoridade" designa autoridade judiciária ou outra autoridade estabelecida nos termos cujo estatuto e mandato ofereçam as mais sólidas garantias de competência, imparcialidade e independência. PRINCÍPIO 1 A pessoa sujeita a qualquer forma de detenção ou prisão deve ser tratada com humanidade e com respeito da dignidade inerente ao ser humano. (...) PRINCÍPIO 9 As autoridades que capturem uma pessoa, mantenham-na detida ou investiguem o caso: devem exercer estritamente os poderes conferidos por lei, sendo o exercício de tais poderes passível de recurso perante uma autoridade judiciária ou outra autoridade. PRINCÍPIO 10 A pessoa capturada deve ser informada, no momento da captura, dos motivos desta e prontamente notificada das acusações contra si formuladas. 1. Ninguém será mantido em detenção sem ter a possibilidade efetiva de ser ouvido prontamente por uma autoridade judiciária ou outra autoridade. A pessoa detida tem o direito de se defender ou de ser assistida por um advogado nos termos da lei. 2. A pessoa detida e o seu advogado, se o houver, devem receber notificação, pronta e completa da ordem de detenção, bem como dos seus fundamentos. 3. A autoridade judiciária ou outra autoridade devem ter poderes para apreciar, se tal se justificar, a manutenção da detenção. PRINCÍPIO 12 1. Serão devidamente registrados: a) As razões da captura. b) o momento da captura, o momento em que a pessoa capturada foi conduzida a um local de detenção e o da sua primeira comparecia perante uma autoridade judiciária ou outra autoridade. c) A identidade dos funcionários encarregados de fazer cumprir a lei que hajam intervindo. d) Indicações precisas sobre o local de detenção. 2. Estas informações devem ser comunicadas à pessoa detida ou ao seu advogado, se houver, nos termos prescritos pela lei. (...) PRINCÍPIO 17 1. A pessoa detida pode beneficiar da assistência de um advogado. A autoridade competente deve informá-la desse direito prontamente após a sua captura e proporcionar-lhe meios adequados para o seu exercício. 2. A pessoa detida que não tenha advogado da sua escolha, tem direito a que uma autoridade judiciária ou outra autoridade lhe designem um defensor oficioso sempre que o interesse da justiça o exigir e a título gratuito no caso de insuficiência de meios para o remunerar. (...) PRINCÍPIO 21 1. É proibido abusar da situação da pessoa detida ou presa para a coagir a confessar, a incriminar-se por qualquer outro modo ou a testemunhar contra outra pessoa. 2. Nenhuma pessoa detida pode ser submetida, durante o interrogatório, a violência, ameaças ou métodos de interrogatório suscetíveis de comprometer a sua capacidade de decisão ou de discernimento. PRINCÍPIO 22 Nenhuma pessoa detida ou presa pode, ainda que com o seu consentimento, ser submetida a experiências médicas ou científicas suscetíveis de prejudicar a sua saúde. (...) PRINCÍPIO 28 A pessoa detida ou presa tem direito a obter, dentro do limite dos recursos disponíveis, se provierem de fundos públicos, uma quantidade razoável de material educativo, cultural e informativo, sem prejuízo das condições razoavelmente necessárias para assegurar a manutenção da segurança e da boa ordem no local de detenção ou de prisão. PRINCÍPIO 29

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1. A fim de assegurar a estrita observância das leis e regulamentos pertinentes, os lugares de detenção devem ser inspecionados regularmente por pessoas qualificadas e experientes, nomeadas por uma autoridade competente diferente da autoridade diretamente encarregada da administração do local de detenção ou de prisão e responsáveis perante ela. 2. A pessoa detida ou presa tem o direito de comunicar livremente e em regime de absoluta confidencialidade com as pessoas que inspecionam os lugares de detenção ou de prisão, nos termos do n.º

1, sem prejuízo das condições razoavelmente necessárias para assegurar a manutenção da segurança e da boa ordem nos referidos lugares. (...) PRINCÍPIO 36 1)A pessoa detida, suspeita ou acusada da prática de infração penal presume-se inocente, devendo ser tratada como tal até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida no decurso de um processo público em que tenha gozado de todas as garantias necessárias à sua defesa. 2)Só se deve proceder à captura ou detenção da pessoa assim suspeita ou acusada, aguardando a abertura da instrução e julgamento quando o requeiram necessidades da administração da justiça pelos motivos, nas condições e segundo o processo prescritos por lei. É proibido impor a essa pessoa restrições que não sejam estritamente necessárias para os fins da detenção, para evitar que dificulte a instrução ou a administração da justiça, ou para manter a segurança e a boa ordem no local de detenção. PRINCÍPIO 37 A pessoa detida pela prática de uma infração penal deve ser apresentada a uma autoridade judiciária ou outra autoridade prevista por lei, prontamente após sua captura.Essa autoridade decidirá sem demora da legalidade e necessidade da detenção. Ninguém pode ser mantido em detenção aguardando a abertura da instrução ou julgamento salvo por ordem escrita de referida autoridade. A pessoa detida quando presente a essa autoridade, tem o direito de fazer uma declaração sobre a forma como foi tratada enquanto detenção. PRINCÍPIO 38 A pessoa detida pela prática de infração penal tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de aguardar julgamento em liberdade.2 PRINCÍPIO 39 Salvo em circunstâncias especiais previstas por lei, a pessoa detida pela prática de infração penal tem direito, a menos que uma autoridade judiciária ou outra autoridade decidam de outro modo no interesse da administração da justiça, a aguardar julgamento em liberdade sujeita às condições impostas por lei. Essa autoridade manterá em apreciação a questão da necessidade de detenção. Cláusula Geral Nenhuma disposição do presente conjunto de Princípios será interpretada no sentido de restringir ou derrogar algum dos direitos definidos pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. (grifos nossos) Pode-se citar também as Regras mínimas para tratamento dos reclusos adotada pela

ONU, que em muito influenciou a Resolução que versa sobre o mesmo assunto, criada pelo

Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Brasil:

Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos Adotadas pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes, realizado em Genebra em 1955, e aprovadas pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas através das suas resoluções 663 C (XXIV), de 31 de Julho de 1957 e 2076 (LXII), de 13 de Maio de 1977. Resolução 663 C (XXIV) do Conselho Econômico e Social

2 Este princípio consagrado pela ONU acabou por ser inserido na Constituição Federal de 1988 através da Emenda Constitucional nº 45/2004.

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O Conselho Econômico e Social 1. Aprova as Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos, adotadas pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes (37); 2. Chama a atenção dos Governos para o Conjunto destas regras e recomenda: a) Que a sua adoção e aplicação nos estabelecimentos penitenciários e correcionais seja favoravelmente encarada; b) Que o Secretário-Geral seja informado de cinco em cinco anos dos progressos feitos relativamente à sua aplicação; c) Que os Governos adotem as medidas necessárias para dar a mais ampla publicidade possível às Regras Mínimas, não apenas junto dos organismos públicos interessados, mas também junto das organizações não governamentais que se ocupam da defesa social; 3. Autoriza o Secretário-Geral a adotar os procedimentos necessários para assegurar, em termos adequados a publicação das informações recebidas nos termos da alínea b) do parágrafo 2, supra, e a pedir, se necessário, informações suplementares. Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos Resolução adotada a 31 de Agosto de 1955 O Primeiro Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes, Tendo adotado as Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos, anexas à presente resolução, 1. Solicita ao Secretário-Geral que, de acordo com a alínea d) do anexo à Resolução 415 (V) da Assembléia Geral das Nações Unidas, submeta estas Regras à aprovação da Comissão dos Assuntos Sociais do Conselho Econômico e Social; 2. Confia em que estas Regras sejam aprovadas pelo Conselho Econômico e Social e, se o Conselho considerar oportuno, pela Assembléia Geral, e que sejam transmitidas aos Governos com a recomendação de (a) que examinem favoravelmente a sua adoção e aplicação na administração dos estabelecimentos penitenciários, e (b) que o Secretário-Geral seja informado de três em três anos dos progressos realizados no que respeita à sua aplicação; 3. Expressa o desejo de que, para manter os Governos informados dos progressos realizados neste domínio, se solicite ao Secretário-Geral que publique na Revista Internacional de Política Criminal as informações enviadas pelos Governos, em cumprimento do disposto no parágrafo 2, e que autorize o pedido de informação suplementar, se necessário; 4. Expressa ainda o desejo de que se solicite ao Secretário-Geral que tome as medidas necessárias para assegurar que a mais ampla publicidade seja dada a estas Regras. ANEXO Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos* OBSERVAÇÕES PRELIMINARES 1. As regras que se seguem não pretendem descrever em pormenor um modelo de sistema penitenciário. Procuram unicamente, com base no consenso geral do pensamento atual e nos elementos essenciais dos mais adequados sistemas contemporâneos, estabelecer os princípios e regras de uma boa organização penitenciária e as práticas relativas ao tratamento de reclusos. 2. Tendo em conta a grande variedade das condições legais, sociais, econômicas e geográficas do mundo, é evidente que nem todas as regras podem ser aplicadas indistinta e permanentemente em todos os lugares. Devem, contudo, servir como estímulo de esforços constantes para ultrapassar dificuldades práticas na sua aplicação, na certeza de que representam, em conjunto, as condições mínimas aceites pelas Nações Unidas. 3. Além disso, os critérios que se aplicam às matérias tratadas por estas regras evoluem constantemente. Não se pode excluir a possibilidade de experiências e da adoção de novas práticas, desde que estas se ajustem aos princípios e objetivos que informaram a adoção das regras. De acordo com este princípio, pode a administração penitenciária central autorizar exceções às regras. 4. [...] 1) A primeira parte das regras trata das matérias relativas à administração geral dos estabelecimentos penitenciários e é aplicável a todas as categorias de reclusos, dos foros criminal ou civil, em regime de prisão preventiva ou já condenados, incluindo os que estejam detidos por aplicação de medidas de segurança ou que sejam objeto de medidas de reeducação ordenadas por um juiz. 2) A segunda parte contém as regras que são especificamente aplicáveis às categorias de reclusos de cada secção. Contudo as regras da secção A, aplicáveis aos reclusos condenados, serão também aplicadas às categorias de reclusos a que se referem às secções B, C e D, desde que não sejam contraditórias com as regras específicas destas secções e na condição de constituírem uma melhoria de condições para estes reclusos.

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5. [...] 1) Estas regras não têm como objetivo enquadrar a organização dos estabelecimentos para jovens delinqüentes (estabelecimentos Borstal, instituições de reeducação, etc.). Contudo, e na generalidade, deve considerar-se que a primeira parte destas regras mínimas também se aplica a esses estabelecimentos. 2) A categoria de jovens reclusos deve, em qualquer caso, incluir os menores que dependem da jurisdição dos Tribunais de Menores. Como norma geral, não se deveriam condenar os jovens delinqüentes a penas de prisão. PARTE I Regras de aplicação geral Princípio básico 6. [...] 1) As regras que se seguem devem ser aplicadas imparcialmente. Não haverá discriminação alguma com base em raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, meios de fortuna, nascimento ou outra condição. 2) Por outro lado, é necessário respeitar as crenças religiosas e os preceitos morais do grupo a que pertença o recluso. Registro 7. [...] 1) Em todos os locais em que haja pessoas detidas, haverá um livro oficial de registro, com páginas numeradas, no qual serão registrados, relativamente a cada recluso: a) A informação respeitante à sua identidade; b) Os motivos da detenção e a autoridade competente que a ordenou; c) O dia e a hora da sua entrada e saída. 2) Nenhuma pessoa deve ser admitida num estabelecimento penitenciário sem uma ordem de detenção válida, cujos pormenores tenham sido previamente registrados no livro de registro. Separação de categorias 8. As diferentes categorias de reclusos devem ser mantidas em estabelecimentos penitenciários separados ou em diferentes zonas de um mesmo estabelecimento penitenciário, tendo em consideração o respectivo sexo e idade, antecedentes penais, razões da detenção e medidas necessárias a aplicar. Assim: a) Na medida do possível, homens e mulheres devem estar detidos em estabelecimentos separados; nos estabelecimentos que recebam homens e mulheres, a totalidade dos locais destinados às mulheres será completamente separada; b) Presos preventivos devem ser mantidos separados dos condenados;3 c) Pessoas presas por dívidas ou outros reclusos do foro civil devem ser mantidos separados de reclusos do foro criminal; d) Os jovens reclusos devem ser mantidos separados dos adultos. Locais de reclusão 9. [...] 1) As celas ou locais destinados ao descanso notório não devem ser ocupados por mais de um recluso. Se, por razões especiais, tais como excesso temporário de população prisional, for necessário que a administração penitenciária central adote exceções a esta regra, deve evitar-se que dois reclusos sejam alojados numa mesma cela ou local. 2) Quando se recorra à utilização de dormitórios, estes devem ser ocupados por reclusos cuidadosamente escolhidos e reconhecidos como sendo capazes de serem alojados nestas condições. Durante a noite, deverão estar sujeitos a uma vigilância regular, adaptada ao tipo de estabelecimento prisional em causa. Locais destinados aos reclusos 10. As acomodações destinadas aos reclusos, especialmente dormitórios, devem satisfazer todas as exigências de higiene e saúde, tomando-se devidamente em consideração as condições climatéricas e especialmente a cubicagem de ar disponível, o espaço mínimo, a iluminação, o aquecimento e a ventilação. C. Reclusos detidos ou aguardando julgamento 84. [...]

3 Muita discussão pode ser gerada a respeito deste tema, visto a freqüência de presos definitivos estarem

cumprindo pena em carceragem de delegacias destinadas a acolher presos provisórios. Ainda que este órgão supremo, destinado a zelar pelos direitos humanos de todos os cidadãos deste mundo, seja claro e sereno ao explicitar tal necessidade de separação, não se consegue cumprir tal direito no cenário político penitenciário brasileiro.

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1) Os detidos ou presos em virtude de lhes ser imputada à prática de uma infração penal quer estejam detidos sob custódia da polícia, quer num estabelecimento penitenciário, mas que ainda não foram julgados e condenados, são a seguir designados por "preventivos não julgados" nas disposições seguintes. 2) Os preventivos presumem-se inocentes e como tal devem ser tratados. 3) Sem prejuízo das disposições legais sobre a proteção da liberdade individual ou que prescrevem os trâmites a ser observados em relação a preventivos, estes reclusos devem beneficiar de um regime especial cujos elementos essenciais são os seguintes. 85. [...] 1) Os preventivos devem ser mantidos separados dos reclusos condenados. 2) Os jovens preventivos devem ser mantidos separados dos adultos e ser, em princípio, detidos em estabelecimentos penitenciários separados. 86. Os preventivos dormirão sós em quartos separados sob reserva de diferente costume local relativo ao clima. 87. Dentro dos limites compatíveis com a boa ordem do estabelecimento, os preventivos podem, se o desejarem, mandar vir alimentação do exterior a expensas próprias, quer através da administração, quer através da sua família ou amigos. Caso contrário à administração deve fornecer-lhes a alimentação. 88. [...] 1) O preventivo é autorizado a usar a sua própria roupa se estiver limpa e for adequada. 2) Se usar roupa do estabelecimento penitenciário, esta será diferente da fornecida aos condenados. 89. Será sempre dada ao preventivo oportunidade para trabalhar, mas não lhe será exigido trabalhar. Se optar por trabalhar, será remunerado. 90. O preventivo deve ser autorizado a obter a expensas próprias ou a expensas de terceiros, livros, jornais, material para escrever e outros meios de ocupação compatíveis com os interesses da administração da justiça e a segurança e boa ordem do estabelecimento. 91. O preventivo deve ser autorizado a ser visitado e tratado pelo seu médico pessoal ou dentista se existir motivo razoável para o seu pedido e puder pagar quaisquer despesas em que incorrer. 92. O preventivo deve ser autorizado a informar imediatamente a sua família da detenção e devem ser-lhe dadas todas as facilidades razoáveis para comunicar com a sua família e amigos e para receber as suas visitas sob reserva apenas das restrições e supervisão necessárias aos interesses da administração da justiça e à segurança e boa ordem do estabelecimento. 93. Para efeitos de defesa, o preventivo deve ser autorizado a pedir a designação de um defensor ofícios onde tal assistência exista, e a receber visitas do seu advogado com vista à sua defesa, bem como a preparar e entregar-lhe instruções confidenciais. Para estes efeitos ser-lhe-á dado, se assim o desejar, material de escrita. As entrevistas entre o recluso e o seu advogado podem ser vistas, mas não ouvidas por um funcionário da polícia ou do estabelecimento. [...] Nota-se que o preso provisório deve ter um tratamento que lhe permita conservar o respeito à sua presunção de inocência e dignidade moral e física, já que a prisão provisória é uma exceção à esta regra geral, devendo desta forma, ser tratada da maneira mais especial possível, a fim de evitar-se qualquer dano aos direitos humanos do acusado e da sociedade à qual ele pertence. Com o objetivo de assegurar que estes direitos dos presos fossem respeitados em no Brasil, de maneira a solidificá-los ainda mais, o órgão denominado Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária cria, dentro do cenário jurídico, inúmeras resoluções e outros instrumentos de grande valor para o preso e toda sociedade, porque se as normas aqui citadas fossem seguidas, obviamente se teria um sistema penitenciário eficaz, que trataria com dignidade os presos provisórios e com aptidão à reintegrar o condenado à vida em sociedade. DIRETRIZES BÁSICAS DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA RESOLUÇÃO N.º 16, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2003 Dispõe sobre as Diretrizes Básicas de Política Criminal quanto à prevenção do delito, administração da justiça criminal e execução das penas e das medidas de segurança. O Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, no uso de suas atribuições legais e em conformidade com a decisão, adotada à unanimidade, do plenário do CNPCP, reunido em 01 e 02/12/2003,

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CONSIDERANDO que, conforme o disposto no artigo 64, I, da Lei de Execução Penal, é atribuição deste Conselho a propositura de diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito, administração da justiça criminal e execução das penas e das medidas de segurança; CONSIDERANDO a necessidade de atualizar os termos da Resolução do CNPCP nº 5, de 19 de julho de 1999, em face das novas demandas da sociedade, sobretudo no âmbito da segurança; CONSIDERANDO que tais demandas, embora exijam uma ampla abordagem, recebem, por vezes, respostas simplistas que reduzem a complexidade da questão ao mero endurecimento das sanções penais; CONSIDERANDO que as estratégias de prevenção e de combate à criminalidade englobam políticas públicas de caráter social bem como a atuação do sistema de justiça criminal e que seus princípios basilares devem estar explicitados para que possam guardar profunda coerência; CONSIDERANDO que essa coerência advém da vinculação de tais princípios aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, nomeadamente a dignidade da pessoa humana vista na sua individualidade e na sua dinâmica inserção social; CONSIDERANDO a superação científica do paradigma positivista que tratava a questão da criminalidade apenas na esfera do comportamento individual e o seu enquadramento contemporâneo como problema social de raízes multicausais, a ser enfrentado pelo conjunto da sociedade; RESOLVE, Art. 1º. As Diretrizes do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária constituem o conjunto de orientações deste Colegiado destinadas aos responsáveis pela concepção e execução de ações relacionadas à prevenção da violência e da criminalidade, à administração da justiça criminal e à execução das penas e das medidas de segurança. Parágrafo único: A observância das Diretrizes poderá ser especialmente considerada quando da avaliação de proposições e destinação de recursos do Ministério da Justiça. Art. 2º. Os princípios norteadores das Diretrizes do CNPCP, além daqueles adotados pela Constituição Federal e pelos Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil, são: I – respeito à vida e à dignidade da pessoa humana; II – concepção do Direito Penal como última instância de controle social; III – valorização da criatividade na busca de alternativas à prisão; IV – articulação e harmonização dos órgãos que compõem o sistema de justiça criminal; V – absoluto respeito à legalidade e aos direitos humanos na atuação do aparato repressivo do Estado; VI – humanização do sistema de justiça criminal; VII – comprometimento com a qualidade na prestação do serviço, para incremento da eficiência e da racionalidade do sistema de justiça criminal. ... Art. 4º. São diretrizes referentes à administração da justiça: I – agilização da prestação jurisdicional, com respeito aos institutos do devido processo legal e da ampla defesa; II – estabelecimento de mecanismos que contribuam para a aproximação entre o Poder Judiciário e a população carente, tais como a Justiça Itinerante e os Centros Integrados de Cidadania; III – fortalecimento da prestação de assistência jurídica integral à população carente com criação e valorização das Defensorias Públicas em todos os Estados; IV – criação de varas especializadas para execução de penas e medidas alternativas e transformação das centrais de execução em Juízos igualmente especializados. ... Art. 6º. São diretrizes referentes à administração penitenciária:

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I – construção preferencial de unidades, com no máximo 500 vagas, buscando–se evitar a permanência de presos condenados e provisórios em delegacias de polícia; II – cumprimento de pena privativa de liberdade em estabelecimentos prisionais próximos à residência da família do condenado; III – promoção permanente de assistência jurídica aos presos provisórios, internados e egressos, prioritariamente pelas Defensorias Públicas, e, secundariamente, pelos Cursos e pelas Faculdades de Direito, pelos Serviços de Assistência Judiciária da OAB e por instituições congêneres; IV – realização de Programas e Projetos Especiais de Prevenção e Tratamento de DST/AIDS, Tuberculose e Dependência Química nas unidades penais e hospitalares; V – desenvolvimento de ações médico-psico-odontológicas e sociais em todos os ambulatórios das unidades penais; VI – classificação inicial dos condenados para orientar a execução da pena e sua submissão a exame admissional de saúde. Art. 9º. Esta Resolução entra em vigor a data de sua publicação e revoga especialmente a Resolução nº 5 de 19 de julho de 1999. ANTÔNIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA Presidente Publicada no DOU n.º 248, 22/12/2003, seção 1 pág. 34/35 (Grifos nossos) Como visto, há uma preocupação com os presos provisórios e toda população carcerária

em si, mas essas preocupações tendem a permanecer só no papel, não fazendo parte da

realidade brasileira. A busca de novas medidas para suprimir esta fase decadencial do sistema

penitenciário é constante. A Resolução nº 16 do Conselho Nacional de Política Criminal e

Penitenciária demonstra, com clareza em suas considerações, a fatídica realidade:

RESOLUÇÃO Nº 16, DE 12 DE DEZEMBRO DE 1994. O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA, no uso de suas atribuições legais, regimentais e CONSIDERANDO a decisão, por unanimidade, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, reunido em 12 de dezembro de 1994, com o propósito de estabelecer as DIRETRIZES PARA ELABORAÇÃO DE PROJETOS E CONSTRUÇÃO DE UNIDADES PENAIS NO BRASIL; CONSIDERANDO que os dados obtidos com o Censo Penitenciário Nacional de 1994 (275.000 mandados de prisão não cumpridos; 42.954 presos cumprindo pena em delegacias ou cadeias; déficit de 59.954 vagas nos estabelecimentos penais) demonstram a precariedade do sistema penitenciário brasileiro; CONSIDERANDO que seriam necessários 130 novos estabelecimentos penais para eliminar a superpopulação carcerária existente, hoje, no País; CONSIDERANDO que tem sido preocupação sistemática do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária preservar o cumprimento da Lei n.7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), tendo em vista seu caráter humanizador, procurando adequá-la à realidade brasileira que, em verdade, não tem comportado a construção de estabelecimentos penais indispensáveis, em face do seu elevado custo; CONSIDERANDO que devem ser desenvolvidos modelos de penitenciárias com projetos de maior funcionalidade e menor custo, como, por exemplo, as de Londrina e Maringá, no Estado do Paraná, recomendadas como Alternativa viável pelos Senhores Secretários de Justiça e Cidadania por ocasião do XVI Fórum Nacional, realizado em 16 de setembro de 1994, na Cidade de Londrina; CONSIDERANDO que a Organizações das Nações Unidas - ONU, ao estabelecer as Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos, observou que a grande variedade de condições jurídicas, sociais,

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econômicas e geográficas, existentes no mundo, torna impossível aplicá-las, indistintamente, em todas as partes e em todo o tempo; CONSIDERANDO contido no documento aprovado, por unanimidade, pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – REGRAS ESSENCIAIS PARA A CONSTRUÇÃO, ARQUITETURA E LOCALIZAÇÃO DE ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS, que teve como Relator o Conselheiro LUIZ FLÁVIO BORGES D’URSO. RESOLVE: Art.1º – Ficam fazendo parte integrante da presente Resolução os anexos de n. I, II e III, das DIRETRIZES PARA ELABORAÇÃO DE PROJETOS E CONSTRUÇÃO DE UNIDADES PENAIS NO BRASIL, compreendendo: ANEXO I – orientação para o Departamento de Assuntos Penitenciários – DEPEN do Ministério da Justiça coordenar a elaboração de projetos, orçamentos e supervisionar a construção de unidades penais; ANEXO II - normas para a elaboração de convênios, projetos e construção de unidades penais; ANEXO III – conceituação dos projetos de arquitetura e engenharia para unidades penais. Art.2º – Recomendar que os recursos orçamentários da União e os provenientes do Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN sejam alocados em obras federais ou repassados às Unidades Federativas e Municípios, através de convênios, se os projetos e orçamentos dos estabelecimentos penais a serem construídos, reformados, ampliados ou concluídos, estiverem em conformidade com as exigências da presente Resolução. Art.3º – O Departamento de Assuntos Penitenciários – DEPEN adotará as providências necessárias ou complementares ao cumprimento das regras estabelecidas nesta Resolução. Art.4º – Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação. EDMUNDO ALBERTO BRANCO DE OLIVEIRA Presidente PUBLICADO NO DOU DE 20/12/94.

Infelizmente, a realidade do cárcere brasileiro é imoral e indigna com os direitos

humanos de qualquer cidadão que, todo dia, convive dentro do sistema penitenciário, seja ele

condenado, acusado, agente penitenciário, diretor ou delegado, a própria sociedade em si é

uma das maiores prejudicadas por esta realidade, que ao contrário de ressocializar o

criminoso, o deixa mais impróprio ao convívio em sociedade. Pode-se constatar esta situação,

ao analisar o parecer emitido pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

sobre as precárias condições dos estabelecimentos penitenciários brasileiros:

PARECER DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA Relatório referente à reunião comemorativa aos 80 anos da criação dos Conselhos Penitenciários dos Estados”, realizada em novembro de 2004. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária Brasília, de dezembro de 2004. Exmo. Senhor DR. ANTONIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA DD. Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária Assunto: Reunião comemorativa aos 80 anos da criação dos Conselhos Penitenciários – Brasília: novembro de 2004. Senhor Presidente: Designados por V. Exa., por meio da Portaria nº 03 de 18 de agosto de 2003, para organizar evento relacionado à Reunião comemorativa dos 80 anos de existência dos Conselhos Penitenciários no Brasil, apraz-nos comunicar que o ato em questão realizou-se em Brasília nos dias 8 e 9 de novembro do corrente ano, conforme detalhamentos contidos na Ata da 305ª Reunião deste Conselho Nacional e esclarecimentos que seguem.

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Consoante delineado na pauta específica, objetivou-se colher dados pormenorizados a respeito dos seguintes itens: 1. Realidade carcerária do Estado representado; 2. Conselhos Estaduais e os Patronatos; 3. Conselhos Estaduais e os Conselhos de Comunidade; 4. Órgãos existentes quanto ao treinamento e aperfeiçoamento do pessoal penitenciário (Escolas Penitenciárias); 5. Alterações efetivadas na Execução Penal por força da Lei nº 10.792/03 e sua repercussão nas Unidades Federativas. 2 A Reunião com os componentes dos Conselhos que se fizeram representar foi desdobrada em duas oportunidades. A primeira, realizada no dia 8, às 17,00 horas, na Sala de Reuniões deste Ministério, oportunidade na qual foram traçadas as estratégias para oportunizar a todas as Unidades representadas discorrer a respeito dos itens mencionados. No dia 9, a partir das 9:00 horas, presidido por V.Exa., foi realizado o evento, quando se deu destaque especial aos Conselhos Penitenciários e sua importância como órgãos da Execução Penal. O simples fato de existirem há 80 anos, criados que foram em sua maioria logo após a edição do Decreto regulamentador do instituto do Livramento Condicional, persiste a formação deste órgãos nas Unidades que compõem a República Federativa do Brasil, com exceção do Estado de Rondônia, posto que as atividades do Conselho se encontram suspensas. Há de consignar, todavia, que nem todos os Estados vieram com os dados mencionados, daí porque foram enfatizados os aspectos concernentes a existência de Patronatos e Conselhos de Comunidade, haja vista a atenção especial que vem sendo dedicada a estes órgãos da Execução Penal. (...) Aproveitamos o ensejo para externar a V.Exa. e dignos pares deste Conselho nossas cordiais saudações. Atenciosamente, Maurício Kuehne Carlos Weis Mário Júlio Pereira da Silva Presidente da Comissão Membro 4 ANEXO I RESOLUÇÃO N.º 15, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2003 Dispõe a respeito da criação da CENAE – Central Nacional de Apoio ao Egresso, no âmbito do CNPCP – Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. O CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA, reunido em sessão ordinária aos dois dias do mês de dezembro do ano de dois mil e três, na cidade de Brasília, Considerando o que dispõe a Resolução de nº 04/01, deste Conselho; Considerando que é dever fundamental do Estado garantir assistência ao egresso como previsto na Lei de Execução Penal; Considerando que o número de Patronatos e de outras experiências de assistência ao egresso existentes no território nacional precisa ser ampliado; Considerando que a liberação de recursos por parte do DEPEN/MJ, conforme disposto na Resolução de n.º 02/01 deste Conselho, está condicionada à apresentação pelos Estados de objetivos a alcançar, dentre os quais a criação de Patronatos conforme artigos 78 e 79 da Lei de Execução Penal; Considerando o baixo índice de reincidência que se constata nas localidades onde há efetiva assistência ao egresso; Considerando o disposto nas Diretrizes de Política Criminal e Penitenciária, editadas por este Conselho; Considerando, finalmente, que este Conselho Nacional vem dando especial atenção ao tema, objeto que foi, inclusive, de concurso nacional de monografias; RESOLVE: Art. 1º. Aprovar a proposta de criação da CENAE – Central Nacional de Apoio ao Egresso. Art. 2º. Determinar o encaminhamento da proposta e minuta de Portaria de criação ao Exmo. Sr. Ministro da Justiça. Art. 3º. Esta Resolução entra em vigor a partir da data de sua publicação. ANTONIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA Presidente (Publicada no DOU n.º 244 de 16/12/2003, seção 1, pág. 28).

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A liberdade humana, por se tratar de direito magnânimo, deve ser considerada de

maneira digna, sendo que sua restrição deve ser realizada de forma a evitar maiores danos ao

penalizado. Como é notório, a lei processual penal e até mesmo a Constituição Federal do

Brasil permite a restrição da liberdade do indivíduo, como preceitua o artigo 5º, inciso LXI,

da Magna Carta, in verbis: “Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem

escrita e fundamentada pela autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão

militar ou crime propriamente militar definidos em lei”.

E são estes casos, em que a lei permite a prisão processual penal, que serão analisados

neste trabalho. Convém primeiramente compreender o porquê da criação das penas e sua

natureza jurídica, para que possa absorver a concepção destas prisões processuais penais

como medidas acauteladoras do processo e não como uma pena antecipada à condenação.

4.2 TEORIAS DA PENA

Muitas teorias discutem a finalidade e os objetivos da aplicação da pena. A teoria

absoluta encontra fundamento no princípio de que a pena deve ser aplicada mesmo que

desnecessária ao bem social, uma vez que serve como instrumento propagador da justiça,

tornando sublime os dizeres: punitur quia peccatun est, ou seja, pune-se porque cometeu

crime. Esta teoria consigna que o criminoso deve ser punido meramente por ter infringido a

lei penal, sem que se leve em consideração a utilidade desta pena para o delinqüente ou para a

sociedade. Apregoa assim que a pena é um mal justo que deve ser aplicado a um mal injusto,

malum passionis quod inflingitur ob malum actionis, independente de seu caráter divino,

moral ou jurídico. O mestre Julio Fabbrini Mirabete ensina que, para as teorias chamadas

absolutas ou retributivas, “o fim da pena é o castigo, ou seja, o pagamento pelo mal praticado.

O castigo compensa o mal e dá reparação à moral, sendo a pena imposta por uma exigência

ética em que não se vislumbra qualquer conotação ideológica” (2000, p. 22). Déa Carla

Pereira Nery conclui que:

[...] a pena retributiva esgota o seu sentido no mal que se faz sofrer ao delinqüente como compensação ou expiação do mal do crime; nesta medida é uma doutrina puramente social-negativa que acaba por se revelar estranha e inimiga de qualquer tentativa de socialização do delinqüente e de restauração da paz

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jurídica da comunidade afetada pelo crime. Em suma, inimiga de qualquer atuação preventiva e, assim, da pretensão de controle e domínio do fenômeno da criminalidade4 A respeito das Teorias absolutistas ou retributivas da pena, Carmen Silvia de Moraes

Barros, ensina que “a pena é justa retribuição ao fato cometido da idéia metafísica de que a

culpa do agente é compensada pelo cumprimento da pena” (2001, p. 54), ou seja, ao mal do

crime, deve-se aplicar o mal da pena, imperante entre eles a igualdade. Já sobre as Teorias

relativas de prevenção da pena, Julio Fabbrini Mirabete ensina que “dava-se à pena um fim

exclusivamente prático, em especial o de prevenção geral (com relação a todos) ou especial

(com relação ao condenado)” (2000, p. 22). Acrescenta ainda o autor que “na Escola Positiva,

em que o homem passava a centrar o Direito Penal como objeto principal de suas

conceituações doutrinárias, a pena já não era um castigo, mas uma oportunidade para

ressocializar o criminoso, e a segregação deste era um imperativo de proteção à sociedade,

tendo em vista sua periculosidade” (2000, p. 22). Eram fundadas no ideal de inibir o

surgimento de outros delitos incutindo temor geral pela repressão punitiva.

Segundo esta teoria, a punição deve ter caráter de prevenção geral, coagindo

psicologicamente a sociedade através da intimidação e impondo respeito ao Direito. Por outro

lado, visa atender à prevenção específica, ressocializando e reabilitando as pessoas que

chegaram a delinqüir.

As Teorias Relativas da pena ou preventivas podem ser subdivididas em:

a. Teoria Preventiva Geral: que, como o próprio nome já diz, é uma forma de

intimidação geral, dirigida a todos os cidadãos através da ameaça de uma pena. Por sua vez,

esta prevenção geral poderá ser negativa ou positiva, fazendo-se mister neste momento

reproduzir as colocações de Déa Carla Pereira Nery:

[...] por uma parte, a pena pode ser concebida como forma acolhida de intimidação das outras pessoas através do sofrimento que com ela se inflige ao delinqüente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem fatos criminais (prevenção geral negativa ou de intimidação). Por outra parte, a pena pode ser concebida, como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, apesar de todas as violações que tenham tido lugar (prevenção geral positiva ou de integração)5 (grifos nossos).

4 Opiniões Científicas sobre a pena, Acesso em 24 jul.2005.

5 Opiniões Científicas sobre a pena, Acesso em 24 jul.2005.

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b. Teoria Preventiva Especial: que é voltada especificamente ao delinqüente, ou seja ,

tem como único e principal objetivo prevenir que o criminoso volte a delinqüir. Como explica

Déa Carla Pereira Nery, pode-se compreender através desta teoria a busca do impedimento da

reincidência já que:

Essa teoria não busca retribuir o fato passado, senão justificar a pena com o fim de prevenir novos delitos do autor. Portanto, diferencia-se, basicamente, da prevenção geral, em virtude de que o fato não se dirige a coletividade. Ou seja, o fato se dirige a uma pessoa determinada que é o sujeito delinqüente. Deste modo, a pretensão desta teoria é evitar que aquele que delinqüiu volte a delinqüir6 Da mesma forma, esta teoria se subdivide em prevenção especial positiva e negativa

que, para a professora:

podem ser: prevenção positiva (ou ressocializadora) e prevenção negativa (ou inocuizadora). A prevenção positiva persegue a ressocialização do delinqüente, através , da sua correção. Ela advoga por uma pena dirigida ao tratamento do próprio delinqüente, com o propósito de incidir em sua personalidade, com efeito de evitar sua reincidência. A finalidade da pena-tratamento é a ressocialização. Por outro lado, a prevenção negativa, busca tanto a intimidação ou inocuização através da intimidação – do que ainda é intimidável - , como a inocuização mediante a privação da liberdade – dos que não são corrigíveis nem intimidáveis. Ou seja, a prevenção especial negativa tem como fim neutralizar a possível nova ação delitiva, daquele que delinqüiu em momento anterior, através de sua “inocuização” ou “intimidação”. Busca evitar a reincidência através de técnicas, ao mesmo tempo, eficazes e discutíveis, tais como, a pena de morte, o isolamento etc. 7 Por sua vez, a teoria eclética ou mista une em sua formação os ideais retributivos da

teoria absoluta e preventivos da teoria relativa. Estabelece que o legislador deve estipular os

bens jurídicos protegidos e fixar o quantum penal, devendo a pena ser justa e proporcional,

por traduzir a retribuição à culpabilidade do delinqüente. Quanto à prevenção especial, é

remetida à fase da execução penal, ressocializando o condenado de maneira individualizada,

tornando-se a pena um bem para o delinqüente e para a sociedade. Ou seja, é a dupla

finalidade da lei punir e proteger a sociedade, e de outro lado ressocializar o condenado. Na

legislação brasileira atual, a teoria mista é a que vige, embora seus objetivos de prevenção

geral e especial nem sempre sejam alcançados, pois a cada dia que passa o sistema prisional

6 Op. cit.

7 Op. cit.

46

não consegue nem ao menos manter os acusados e criminosos sob sua guarda, com fugas e

rebeliões constantes, quanto menos reeducar este criminoso, trazendo oportunidades de que

ele volte ao seio da sociedade e consiga viver em paz e harmonia social. Cândido Furtado

Maia Neto, em relação ao tratamento dado aos presos dentro dos estabelecimentos penais

brasileiros, considera que:

Sabemos que o encarceramento torna-se cruel e desumana, em face aos maus-tratos resultantes do modus vivendi oferecido pelo Estado aos presos colocados à disposição da administração da Justiça criminal, inclua-se, desde o próprio gerenciamento como atribuição do Poder Executivo e até a fiscalização da correta aplicação da lei, por parte do Ministério Público e do Poder Judiciário. Diante do exposto, é de se concluir que os senhores magistrados estão autorizados ex-offício ou a requerimento dos membros do Ministério Público, e representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, para criarem uma jurisprudência progressiva -alternativa-, dentro da ótica do Estado democrático Social de Direito, em respeito aos princípios humanitários da execução penal ,fundamentais à coletividade intra murus, afim de que os apenados que se encontram submetidos a cruel e indigna realidade oferecida nas enxovias, recebam antecipadamente o benefício da liberdade condicional e/ou o direito de progressão de pena para o regime mais brando; sempre na hipótese de inexistência de estabelecimentos penais que não possuam instalações condignas à pessoa humana do recluso, conforme determina a Lei nº 7.210/84, e ainda, comutando-se a execução da pena privativa de liberdade com o cumprimento da restrição da liberdade(do direito de ir e vir) em domicílio particular. Reza o Código Penal brasileiro ex vi do art. 38 ( Lei nº 7.209/84): “O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se as autoridades o respeito à sua integridade física e moral” (1998, p. 85-6). Sendo este o entendimento, já que o preso não deve ser punido pela impossibilidade do

governo de garantir o respeito aos seus direitos; já que se estaria admitindo desta forma, a

pena em dobro, ou seja, seria a aceitação de uma pena suportada por pessoas que não possuem

o ônus de carregá-las, o que é improvável de ocorrer em um Estado Democrático Social de

Direito.

47

5. DAS PRISÕES PROCESSUAIS PENAIS

Prisões processuais penais são prisões penais decretadas pela justiça penal, mas que não

são penas e sim medidas cautelares que, não possuindo esta finalidade, também não possuem

caráter retributivo e sim processual. Pode-se conceituá-las como a prisão cautelar de natureza

processual. São prisões provisórias de caráter cautelar:

[...] a prisão provisória é toda aquela que não é definitiva, isto é, não decorre de sentença condenatória. Prisão provisória é gênero de que a prisão preventiva é uma das espécies. Apesar da redação não muito clara do art. 34 do Código Penal, em que a prisão provisória e a prisão preventiva aparecem no mesmo plano, e não obstante a separação feita pelo art. 672 do Código de Processo Penal, a verdade é que a prisão preventiva, a prisão em flagrante, à prisão administrativa, a prisão em virtude de pronúncia, a prisão civil e qualquer outra prisão autorizada em lei antes da condenação são provisórias (TORNAGHI, 1990, p. 325-6). Porém, essas prisões necessitam da presença de requisitos essenciais para sua possível

decretação, que são o fumus commissi delicti e o periculum libertatis, sob pena de ferir o

princípio da presunção de inocência, consagrado pela Constituição Federal de 1988. Além do

princípio da presunção de inocência, a prisão processual deve respeitar os princípios relativos

a ela que estão inseridos na Carta Magna:

48

Art. 5°: LIV: ninguém será privado de sua liberdade sem o devido processo legal; [...] LXI: ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente; LXII: a prisão de qualquer pessoa e o lugar onde se encontra será imediatamente comunicado ao juízo, a família ou a outra pessoa indicada pelo preso; [...] LXV: a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXVI: ninguém será levado à prisão ou nela mantido quanto a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. São espécies de prisão processual penal a prisão em flagrante, prisão temporária, prisão

preventiva, prisão decorrente de pronúncia, prisão decorrente de sentença condenatória

recorrível. Neste estudo, será realizada a análise individual de seus fundamentos e objetivos.

6. DA PRISÃO EM FLAGRANTE

No Brasil, a prisão em flagrante foi prevista desde o Império, quando D. Pedro ordenou,

através de Decreto, que nenhuma pessoa livre no país poderia jamais ser presa sem ordem

judicial, exceto nos casos de flagrante delito, onde qualquer pessoa do povo poderia prender o

delinqüente.

O Código de Processo Criminal de 1832 estabeleceu que qualquer pessoa do povo

poderia prender e os Oficiais de Justiça seriam obrigados a prender e levar à presença do Juiz

de Paz a pessoa que fosse encontrada cometendo algum delito, ou enquanto fugisse

perseguida pelo clamor público, ou seja, em flagrante delito.

A Constituição de 1891, por sua vez, declarava que a prisão não poderia executar-se

senão depois de pronúncia do indiciado e mediante ordem escrita da autoridade competente,

salvo nos casos de flagrante delito. Atualmente, esta figura processual penal está prevista no

Código de Processo Penal nos artigos 301 a 310 e pode ser definida como a faculdade do

particular e o dever da autoridade ou agente policial de prender a pessoa em flagrante delito,

independente de ordem escrita do juiz competente. Mas o que seria esse flagrante delito? O

próprio código processual caracteriza como flagrante delito quem está cometendo a infração

penal, acaba de cometê-la, é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou

qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração ou é encontrado, logo

após, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da

infração. Há também os casos de infrações permanentes. Entende-se o agente em flagrância

enquanto o delito não cessar. Hélio Tornaghi já dizia que “flagrante é, portanto, o que está a

queimar, e em sentido figurado, o que está a acontecer” (1990, p. 48).

50

A doutrina distingue basicamente três espécies de flagrante delito: o flagrante real ou

próprio, o flagrante impróprio ou quase-flagrante e o flagrante presumido. O Flagrante

próprio ocorre quando o agente é surpreendido cometendo o delito ou quando acaba de

cometer a infração penal, há que se haver neste caso a presença da imediatidade. O sujeito

deve ser encontrado logo após o cometimento do crime.

Já no flagrante impróprio, o agente é perseguido, logo após cometer o ilícito, em situação que faça presumir que ele é o autor do delito.

Nos casos de flagrante presumido, o agente é preso logo depois de cometer a infração,

com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor do delito.

Nota-se que aqui o legislador utilizou a expressão “logo depois”, que admite um lapso

temporal muito maior que o “logo após” utilizado no flagrante impróprio.

Convém ressaltar também o significado do flagrante preparado ou provocado, que é

aquele em que ocorre um crime putativo devido à incitação criminosa de um agente

provocador que, ao mesmo tempo, toma medidas para impedir que este crime se consuma.

Desta maneira, pode-se observar que trata de crime impossível, já que os meios são idôneos,

mas há circunstâncias previamente estabelecidas que eliminam a possibilidade deste crime

trazer resultados. A Súmula 175 do STF consubstancia que “Não há crime, quando a

preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. Ou seja, há um

crime somente na aparência, verificando-se a presença do elemento subjetivo, mas a ausência

do elemento objetivo, que é a violação da lei.

Um dos direitos que mais causam polêmica a respeito da prisão em flagrante é o

respeito ao princípio constitucional da inviolabilidade do domicílio. Se houver apenas uma

suspeita de que na casa esteja ocorrendo um crime é necessário um mandato judicial de busca

domiciliar, para se penetrar no local, que só pode ser realizada durante o dia, nunca no

período noturno. Porém, se houver a certeza do cometimento do delito, pode-se penetrar na

casa em qualquer hora do dia ou da noite para se prender alguém em flagrante delito, sem

necessidade de mandato judicial. Porém, não será permitido o emprego de força, salvo a

indispensável, no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso. É condenado o uso

abusivo de algemas, exposição desnecessária do preso à situação vexatória, espancamentos,

ou qualquer outra forma desnecessária e bestial para a procedência da prisão em flagrante,

respondendo os responsáveis administrativamente e penalmente.

51

Entende-se que quando o preso chegar à delegacia ser-lhe-á dado oportunidade de

telefonar para alguém da família, advogado, ou qualquer outra pessoa que possa lhe dar

assistência. Assim como deverá ser informado do seu direito de permanecer calado, sem que

isto lhe acarrete qualquer prejuízo, e de ter a presença de seu advogado na lavratura do Auto

de prisão em flagrante, esperando-se a chegada do mesmo por um tempo plausível.

Roberto Delmanto Júnior, a respeito da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante,

ensina que:

A primeira e sempre necessária pessoa a ser ouvida pelo delegado é o condutor (art.304, caput, do Código de Processo Penal), não se exigindo, necessariamente, que tenha presenciado os fatos. Podemos imaginar, por exemplo, a hipótese de um policial chegar ao local somente após capturado por cidadãos comuns o indigitado infrator, limitando-se a conduzi-lo.O ideal é que haja testemunhas e, se possível, que esteja também presente no momento da lavratura do auto de flagrante a vítima. Porém, a ausência delas, segundo o art. 304, parágrafo 2º do Código de Processo Penal, não inviabilizaria a sua lavratura. As testemunhas por serem ainda desconhecidas ou por não terem acompanhado a perseguição do flagrado; a vítima, por já estar morta, ferida ou, por outro motivo médico, impossibilitada de acompanhar todos até o distrito policial. Em não havendo testemunhas da infração, nossa lei processual manda que a autoridade ouça duas testemunhas da apresentação do preso á sua pessoa.Todavia a extrema fragilidade probatória das hipóteses de não existência ou localização de testemunhas, sequer do ato da captura, e tampouco de declarações da vítima, impede a lavratura do auto de prisão em flagrante acompanhada de subseqüente recolhimento à prisão, uma vez que, como já mencionado, lembrando a lição de Francesco Carnelutti, o flagrante não é ‘um modo de ser do delito em si, mas do delito em face de alguma pessoa, e, por isso mesmo, qualidade absolutamente relativa; (...) o flagrante não é atualidade e sim visibilidade do delito.’ Com efeito, para que seja dada voz de prisão pela autoridade policial, pelo menos o condutor há que ter presenciado a infração, perseguindo o indigitado autor ou, ainda, flagrado o acusado com os instrumentos do crime, logo após o seu cometimento, ornando-se, ao mesmo tempo, testemunha.Aliás, nessa esteira encontra-se o parágrafo primeiro, do art. 304 do Código de Processo Penal que vincula a determinação de recolhimento do flagrado à prisão, à existência de fundada suspeita de culpabilidade contra o acusado, oriunda da própria oitiva do condutor e das testemunhas, bem como do interrogatório do acusado, ‘apoiada em motivo real, em dados concretos, de maneira a não haver dúvida forte e séria quanto à prática da infração penal e à autoria atribuída ao acusado (preso em flagrante)’, como anota Inocêncio Borges da Rosa.Desta feita, ‘se as provas forem falhas, não justificando fundada suspeita de culpabilidade, a autoridade, depois da lavratura do auto de prisão em flagrante, fará pôr o preso em liberdade’ como adverte António Luiz da Câmara Leal (1998, p. 99-100).

Porém, há casos em que a presença do conduzido possa se tornar impossível, devido a

seu estado (embriaguez, hospitalização etc.), o que não obsta sua prisão em flagrante, sendo

que seu interrogatório deverá ser realizado quando possível, e, se for menor de 21 anos,

deverá ser-lhe nomeado curador sob pena de relaxamento da prisão.

Após a lavratura, deve ser procedida a leitura do auto na presença de todos e se o preso

se recusar a assinar ou não souber ou não ter possibilidades de assinar, outras duas

testemunhas poderão fazê-lo em seu lugar, desde que presenciem a mencionada da leitura. Se

a prisão não tiver sido comunicada ao juiz até este momento, a autoridade policial deverá

tomar providências e fazê-lo imediatamente. Após o recolhimento do flagrado à prisão, ele

52

deverá receber a nota de culpa em 24 horas, contendo os motivos de sua prisão, identificação

do condutor e testemunhas e assinado pela autoridade. O inquérito instaurado mediante Auto

de Prisão em Flagrante deve ser concluído em no máximo 10 dias e remetido ao Poder

Judiciário.

O auto deverá obedecer aos requisitos formais exigidos pela lei, já que sua

desobediência acarreta efeitos nas garantias da segurança social, no direito de defesa e da

liberdade individual do acusado. Por isso, a prisão em flagrante deve ser realizada de modo a

evitar erros, incertezas e abusos, pois só assim cumprirá seu real e fundamental objetivo.

Porém, aquele que se apresenta espontaneamente à autoridade policial não poderá ser

preso em flagrante, a não ser que já estivesse sendo perseguido pela vítima, por agentes

policiais ou por qualquer pessoa do povo; porém, isto não impede que seja decretada a prisão

preventiva nos casos em que a lei a autorize. Já as infrações apenadas com a prisão simples ou

detenção de até 3 meses, o autuado se livra, é solto, independente de fiança. Devendo então,

após ser lavrado o auto de flagrante, o indiciado ser posto em liberdade. Não será concedida

fiança nos crimes punidos com reclusão em que a pena mínima cominada seja superior a dois

anos; nas contravenções tipificadas nos artigos 59 e 60 da lei de Contravenções penais (que é

prejudicado pela lei nº 9.099/95; nos crimes dolosos punidos com pena privativa da liberdade;

se o réu já tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado;

em qualquer caso, se houver no processo prova de ser o réu vadio; nos crimes punidos com

reclusão, que provoquem clamor público ou que tenham sido cometidos com violência contra

as pessoas ou grave ameaça; aos que no mesmo processo, tiverem quebrado fiança

anteriormente concedida ou infringindo, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se

refere o art. 350 do CPP; em caso de prisão por mandado do juiz do cível, de prisão

disciplinar, administrativa ou militar; ao que estiver no gozo de suspensão condicional da

pena ou livramento condicional, salvo se processado por crime culposo ou contravenção que

admita fiança e quando presentes os requisitos que autorizam a prisão preventiva.

Com o advento da Lei nº 9.099/95, não poderá haver prisão em flagrante do indigitado

autor de contravenção penal ou de crime que a lei comine pena máxima não superior a um

ano, se a lavratura do termo for encaminhada diretamente ao Juizado ou, neste, o flagrado

assuma o compromisso de comparecer, exceto os casos em que a lei preveja procedimento

especial. Porém, com o advento da Lei dos Juizados Especiais Federais, são considerados

53

crimes de menor potencial ofensivo os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a

dois anos, ou multa, sendo que deixou de excepcionar "os casos em que a lei preveja

procedimento especial”, deixando à tona, a oportunidade para que muitos doutrinadores

criassem uma corrente que defende a aplicação, o reflexo deste conceito na esfera estadual,

com fulcro no princípio da isonomia. Estendendo-se então a proibição da prisão em flagrante

nos casos em que a lei comine pena máxima não superior a 2 anos.

A Jurisprudência é clara a respeito do assunto:

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Acórdão: Recurso Especial - RESP 520369/MG Relator: Ministro Gilson Dipp Julgamento: 18.09.03 - Quinta Turma Publicação: DJ 20.10.03 Ementa: Criminal. Recurso Especial. Infração de menor potencial ofensivo. Lei dos Juizados Especiais Federais. Alteração do limite de pena máxima. Uso de entorpecentes. Competência dos juizados especiais criminais ainda que o delito possua rito especial. Modificação da interpretação dada ao artigo 61 da Lei no 9.099/95. Recurso provido. 1- Com o advento da Lei no 10.259/01 - que instituiu os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito da Justiça Federal – foi fixada nova definição de delitos de menor potencial ofensivo, cujo rol foi ampliado devido a alteração para dois anos o limite de pena máxima. 2 - Em aplicação ao princípio constitucional da isonomia, houve derrogação tácita do artigo 61 da Lei no 9.099/95. 3 - Não tendo a nova lei feita qualquer ressalva acerca dos delitos submetidos a procedimentos especiais, todas as infrações cuja pena máxima não exceda a dois anos, inclusive as de rito especial, passaram a integrar o rol dos delitos de menor potencial ofensivo, cuja competência é dos Juizados Especiais. 4 - O julgamento do delito de posse de droga para uso próprio (artigo 16 da Lei no 6.368/76) deve ser realizado perante o Juizado Especial Criminal. Resultado: Recurso provido. Acórdão: Recurso Ordinário em Habeas Corpus - RHC 14522/SP Relatora: Ministra Laurita Vaz Julgamento: 02.09.03 - Quinta Turma Publicação: DJ 06.10.03 Ementa: Recurso ordinário em habeas

corpus. Penal e Processual Penal. Porte Ilegal de arma. Artigo 10, caput, da Lei no 9.437/97. Infração de Menor potencial ofensivo. Artigo 2º, § único, da Lei no 10.259/01. Transação penal. Possibilidade. Lei posterior mais Benéfica. Retroação. 1- O § único do artigo 2º da Lei no 10.259/01 ampliou a definição de crimes de menor potencial ofensivo, porquanto, além de ausentes as exceções elencadas no artigo 61 da Lei no 9.099/95, foi alterado o limite da pena máxima abstratamente cominada para 02 (dois) anos, sem distinção entre crimes da competência da Justiça Estadual ou Federal. Precedentes do STJ. 2- Tendo-se em conta que o delito imputado ao ora paciente é o capitulado no artigo 10, “caput”, da Lei no 9.437/97, cuja pena é de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e pagamento de multa, tido, pois, como de menor potencial ofensivo, há de se abrir a possibilidade de, consoante o artigo 76, da Lei no 9.099/95, ser-lhe oferecido o benefício da transação penal, apesar de já existir a concordância do paciente com a proposta de suspensão do processo. 3- É que, na presente hipótese, estando o ora paciente se submetendo ao período de prova do sursis processual, torna-se mais benéfico o instituto da transação, devendo, assim, a lei posterior mais benéfica retroagir, sob pena de ofensa ao artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal. 4- Recurso provido. Resultado: Recurso provido.

54

Da mesma forma, prevê a Lei nº 9.503/97, em seu art. 301, que o condutor de veículo,

nos casos de acidente de trânsito de que resulte vítima, não se imporá a prisão em flagrante,

nem se exigirá fiança, se prestar socorro pronto e integral à vítima.

Nos casos de crime de ação pública condicionada ou privada, a instauração de inquérito

dependerá de pedido do ofendido ou de seu representante legal, neste caso, se o autor do

delito for preso em flagrante, a autoridade tomará a cautela, antes de iniciar a lavratura do

auto de flagrante, provocar a manifestação do ofendido ou de seu representante legal e, se o

particular não solicitar o seu procedimento, restituirá imediatamente o autor do fato à

liberdade. Porém, após a denúncia, a representação será irretratável.

Se algumas de suas formalidades ou se a prisão em flagrante houver sido realizada com

violação das garantias constitucionais, tornando-a processualmente ilegal, a prisão deve ser

relaxada pelo juiz, de imediato. Mas, se não houver falhas e ainda estiverem presentes os

requisitos da prisão preventiva, o juiz poderá mantê-la.

A respeito da incomunicabilidade do preso, convém ressaltar que o artigo 5º, III, da

Constituição Federal, veda a incomunicabilidade do preso. Segundo Paulo Alves Franco,

Apesar da incomunicabilidade do indiciado ter sido suprimida, não deverá, todavia, essa supressão de constituir em causa relevante da diminuição do sucesso da investigação criminal, porque, se a finalidade da incomunicabilidade era evitar o contato do preso com estranhos aos quadros policiais e, por interpostas pessoas, que ele procurasse desaparecer com provas, hoje ela é obstaculizada pela ressalva introduzida pelo art. 89, III, da Lei nº 4205 de 27 de abril de 1963 (Estatuto dos Advogados do Brasil), por meio do qual é direito do advogado comunicar-se com o preso de forma pessoal e reservada, ainda quando recolhido em estabelecimento civil ou militar, mesmo incomunicável. À vista do exposto, a postulação judicial dessa medida é absolutamente inútil (1999, p. 185).

Assim sendo, é compreensível que o art. 21 do Código de Processo Penal não tem

qualquer validade jurídica.

Alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça merecem ser citados por sua coerente

fundamentação, capaz de demonstrar a necessidade de tratamento delicado que requerem

estas prisões:

Prisão em flagrante. Liberdade provisória. Fundamentação (falta). 1. Toda medida cautelar que afete pessoa haverá de conter os seus motivos, por exemplo, a prisão preventiva terá que ser sempre fundamentada, quando decretada e quando denegada (Cód. de Pr. Penal,art. 315).2. Sendo lícito ao juiz, no caso de prisão em flagrante, conceder ao réu liberdade

55

provisória (Cód. de Pr. Penal, art. 310, parágrafo único), o seu ato, seja ele qual for, não prescindirá de fundamentação. 3. Tratando-se de ato (negativo) sem suficiente fundamentação, é de se reconhecer, daí, que o paciente sofre a coação ensejadora do habeas corpus. 4. Ordem concedida, deferindo-se ao paciente a liberdade provisória (Cód. de Pr. Penal, art. 310). HC 38877 / MG.Rel.Ministro NILSON NAVES.T6 - SEXTA TURMA. DJ 11.04.2005 p. 393 PENAL E PROCESSUAL. ROUBO. PRISÃO EM FLAGRANTE. MOTIVAÇÃO CAUTELAR. INEXISTÊNCIA. LIBERDADE PROVISÓRIA. CONCESSÃO. A gravidade do crime de roubo, per se, não configura motivo suficiente para obstar liberdade provisória, se inexistentes, de modo concreto, quaisquer das hipóteses autorizadoras da prisão preventiva. Vigente a presunção de não culpabilidade, não deve o acusado ser mantido preso, quando não registra antecedentes criminais e comprova domicílio certo e ofício lícito. "Os requisitos da prisão preventiva, ainda que a custódia decorra de flagrante delito, devem ser expostos e justificados sob a luz da relação dos fatos e do direito postos na pretensão, sob pena de relegar ao arbítrio toda e qualquer restrição à liberdade do indivíduo" (HC 18.965/RJ, Relator o Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 19.12.2002, pág. 435)Ordem concedida, para conceder liberdade provisória ao paciente,mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação (art. 310, CPP).HC 34609 / SC.HABEAS CORPUS 2004/0044051-8.Rel.Ministro PAULO MEDINA. T6 - SEXTA TURMA. DJ 16.08.2004 p. 290

Referentes julgados são provas de que a prisão em flagrante, por ser uma prisão

cautelar, deve ser obrigatoriamente fundamentada na lei e imprescindível ao caso em questão.

Infelizmente, ainda hoje, muitas decisões utilizam o próprio princípio da razoabilidade como

fundamentação de legalidade de prisões cautelares excessivas, que extrapolam todos os prazos

admissíveis em um estado democrático social de direitos, ou seja, fazem uso de um princípio

constitucional para legalizar a inconstitucionalidade de prisões constrangedoras e

desnecessárias. Não há que se falar em razoabilidade na demora da formação da culpa, pois o

preso não é obrigado a ter seus direitos tolhidos pela ineficiência estatal em não cumprir os

prazos concedidos pela lei processual penal brasileira, tem-se que ter razoabilidade na

decretação destas prisões.

Com a lei nº 8.072/90, em seu Art. 2°, os presos, ainda que provisórios, que praticarem

os crimes consideradas pela referida lei como hediondos, não terão o benefício da liberdade

provisória, conforme segue “Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de

entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

(...)

II — Fiança e liberdade provisória”.

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Desta forma, a maioria da jurisprudência caminha no sentido de considerar essa

restrição como constitucional, porém, muitas vezes, são prisões desnecessárias, que não

possuem todos os requisitos exigidos pela lei processual penal para que sobreviva, mas que é

prolongada pelo fato de ser o preso acusado de prática de crime hediondo. Veja-se:

HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. PRISÃO CAUTELAR DECORRENTE DE FLAGRANTE DELITO. CRIME HEDIONDO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. SUPERVENIÊNCIA DE PRONÚNCIA. PRESERVAÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR. PRISÃO OBRIGATÓRIA. 1. O réu pronunciado por crime hediondo, de tortura, terrorismo, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, preso cautelarmente em razão de flagrante delito, não tem direito a responder o processo em liberdade, eis que o inciso II do artigo 2º da Lei 8.072/90, dando cumprimento à Constituição da República (artigo 5º, inciso XLIII), vedou-lhe a liberdade provisória, com ou sem fiança. 2. Em casos tais, a prisão do réu decorre de imperativa determinação legal e constitucional, fazendo-se despicienda toda e qualquer motivação a respeito da necessidade da custódia, que ainda é de natureza cautelar e de necessidade presumida de forma absoluta pela lei. 3. A edição superveniente da pronúncia do paciente, novo título legal de sua prisão, impugnável perante a Corte Estadual de Justiça, prejudica o habeas corpus em que se visa à desconstituição da custódia cautelar. 4. Pedido prejudicado. (Habeas Corpus nº 25955 – MG, 6ª Turma, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, j. 20/05/2003, D.J.U. de 30/06/2003, p. 318). HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. FUNDAMENTAÇÃO SUCINTA QUE NÃO SE CONFUNDE COM DESFUNDAMENTAÇÃO. CRIME EQUIPARADO A HEDIONDO. INSUSCETIBILIDADE DE LIBERDADE PROVISÓRIA. ORDEM DENEGADA. 1. A inafiançabilidade do delito é expressão legal, no sistema normativo processual penal em vigor, de custódia cautelar de necessidade presumida juris tantum, cuja desconstituição admitida reclama prova efetiva da desnecessidade da medida, a demonstrar seguras a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal, sendo desenganadamente do réu o ônus de sua produção (Código de Processo Penal, artigos 310, parágrafo único, 323 e 324). 2. Trata-se de hipótese legal diversa daqueloutra do artigo 594 do Código de Processo Penal, em que, em se cuidando de primário e de bons antecedentes, a necessidade da custódia do réu deve emergir dos elementos existentes nos autos e ser demonstrada pelo Juiz. 3. Daí por que a liberdade provisória, no caso de prisão em flagrante, está subordinada à certeza da inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva (Código de Processo Penal, artigo 310, caput e parágrafo único), decorrente dos elementos existentes nos autos ou de prova da parte onerada. 4. Na letra do artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.072/90, são os crimes hediondos e os a estes equiparados insuscetíveis de fiança e liberdade provisória. 5. Ordem denegada. (Habeas Corpus nº 24486 – MT, 6ª Turma, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, j. 18/12/2002, D.J.U. de 19/05/2003, p. 257).

Júlio Fabbrini Mirabete ensina que, conforme os termos da Lei Especial, se autuado em

flagrante pela prática dos crimes definidos como hediondos, “o acusado deve permanecer

preso durante a instrução ainda que primário e de bons antecedentes e mesmo que não ocorra

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na espécie hipótese de prisão preventiva”, ou seja, inadmissível a liberdade provisória, ainda

que não esteja presente os requisitos autorizadores da prisão preventiva.

Por outro lado, há julgados desta respeitável Corte que refletem o nosso entendimento:

Processual Penal. Prisão processual. Crime hediondo. Motivação única. Insuficiência. A negativa do direito de recorrer em liberdade sob fundamento único de tratar-se de crime capitulado como hediondo representa constrangimento ilegal, porque o Juiz deve demonstrar in concreto a necessidade de confinamento antes da decisão condenatória definitiva. Precedentes do STJ - RHC 2.472/SP e RHC 4.261-3/SP. Recurso de habeas corpus provido." (6ª T., RHC 5.723/PR, rel. Min. Fernando Gonçalves, j, 17.09.96, v.u.-, DJU 03.02.97, pág. 784 Liberdade provisória - Crime hediondo – Prisão decretada na fase de pronúncia - Ausência de fundamentação válida e substanciosa a justificar a necessidade da custódia - Beneficio concedido. Os Juízes e Tribunais estão sujeitos, expressamente, ao dever de motivação dos atos constritivos do status libertatis do acusado, devendo sempre fundamentar a decisão que decretar, revogar ou deixar de ordenar a prisão provisória do réu; assim, a prisão decretada na sentença de pronúncia, ainda que se trate de crime classificado como hediondo, não impede, por si só, a liberdade provisória se demonstrado que a decisão da custódia carece de fundamentação válida e substanciosa a justificar a sua necessidade." (6ª T.; HC n.° 5.247-RJ; rel. Min. Willian Patterson; j. 16. 12. 1997; v. u. ).

TACRSP: “Se o parágrafo único, do artigo 310, do CPP, estabelece que será adotado o mesmo critério para liberdade provisória, quando inocorram as hipóteses que autorizam a prisão preventiva, estabelece uma regra obrigatória, através da expressão será adotado. Não serão suficientes, aliás, meras conjecturas de que o réu poderá fugir ou impedir a ação da Justiça. Assim, a fundamentação não pode se basear em proposições abstratas, com simples ato formal, mas resultar de fatos concretos (JTACRESP 170/135).

Conforme o entendimento de Antônio Magalhães Gomes Filho sobre a matéria,

não se concebem quaisquer formas de encarceramento ordenadas como antecipação da punição, ou que constituam corolário automático da imputação, como sucede nos casos de prisão obrigatória, em que a imposição da medida independe de verificação concreta do "periculum libertatis” (1991, p. 65-6).

Em recente julgado do STJ, abriu-se ampla discussão sobre a prisão cautelar e os crimes

hediondos, tornando-se conveniente destacar a impossibilidade de manter o acusado preso

provisoriamente sem fundamentação legal:

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas-corpus a Ângelo Alexandre Cysne Furquim, permitindo que ele responda em liberdade ao processo no qual é acusado de tráfico de drogas. A decisão baseou-se em julgamentos anteriores da Corte Superior que firmaram o entendimento de ser possível conceder liberdade provisória a quem pratica crime hediondo se a necessidade da prisão preventiva não foi claramente demonstrada pelo juiz ou tribunal que a decretou.

58

A Lei de Crimes Hediondos (nº 8.072/90) veda a possibilidade de concessão de liberdade provisória a autores de delitos dessa natureza ou a eles equiparados. Foi essa proibição que fundamentou as decisões da primeira e segunda instâncias da Justiça do Distrito Federal que negaram a Furquim o direito de responder à ação penal em liberdade. Essa posição, no entanto, é contrária à do STJ, que exige, para a manutenção da prisão preventiva, o atendimento aos requisitos estabelecidos no artigo 312 do Código de Processo Penal: garantia da ordem pública ou econômica, conveniência da instrução criminal ou garantia da aplicação da lei penal. Ao julgar o habeas-corpus, o relator do caso no STJ, ministro José Arnaldo da Fonseca, sustentou que a manutenção da prisão preventiva do acusado se valeu unicamente do fato de ele ter cometido um crime classificado como hediondo pela legislação. Para o ministro, as decisões da Justiça do Distrito Federal nada disseram sobre a pessoa do acusado e sobre o que ele chamou de "circunstâncias anormais do crime". As informações colhidas do processo demonstram que, ao ser preso, Furquim não portava droga alguma. A maconha que pertenceria ao acusado foi apreendida na casa dele, dentro de uma jaqueta, no momento em que ele se encontrava no trabalho. Para conceder liberdade provisória a Furquim, os ministros consideraram também o fato de ele ser primário e ter bons antecedentes. "(...) a manutenção da prisão deve ser fundada em fatos concretos que indiquem sua necessidade, atendendo aos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal e da jurisprudência dominante", destacou o relator em seu voto8.

O que se necessita é de prisões cautelares fundamentadas, imprescindíveis, pois

somente estas prisões poderão prevalecer sobre a restrição dos direitos do acusado e não

prisões cercadas de dúvidas que ensejem sua revogação. Desta forma, a regra de que todo

acusado de crime hediondo é obrigado a permanecer em prisão cautelar, independentemente

de fundamentação, por apenas se tratar de crime desta natureza, é uma afronta aos princípios

constitucionais e aos direitos humanos de toda pessoa submetida a processos. E o Brasil,

como um Estado Democrático Social de Direitos jamais pode admitir a mitigação de cláusulas

pétreas e dos direitos humanos que garantem acima de tudo a dignidade humana, prevista

como fundamento da Magna Carta, em seu artigo 1º, inciso III.

8 Direitonet, Acesso em 24 jul 2005.

7. DA PRISÃO TEMPORÁRIA

Foi instituída pela Lei nº 7.958, de 21 de dezembro de 1989, e é considerada como a

legalização de uma prática odiosa de prisão para averiguação, que pode ser realizada, se

presentes os seguintes requisitos: imprescindibilidade para a investigação criminal, não ter o

indiciado residência fixa ou não fornecer elementos para sua identificação e existir fundadas

razões de autoria ou participação em uma série de crimes: homicídio doloso, seqüestro ou

cárcere privado, roubo, extorsão, extorsão mediante seqüestro, estupro, atentado violento ao

pudor, rapto violento, epidemia cujo resultado seja a morte, envenenamento de água potável

ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte, quadrilha ou bando, genocídio,

tráfico de drogas e crimes contra o sistema financeiro, assim como nos crimes descritos na Lei

de Crimes Hediondos.

Só poderá ser decretada pela autoridade Judiciária e tem por objetivo possibilitar o

normal e ágil prosseguimento das investigações durante o inquérito policial de crimes graves.

O entendimento que aqui se defende é de que a decretação desta prisão deve estar

acompanhada de fundadas suspeitas sobre a autoria de qualquer um dos delitos previstos na

enumeração legal e que esteja presente o periculum in mora, ou seja, se a medida for mesmo

imprescindível ao inquérito ou que o indiciado não tenha endereço ou identificação certa.

O prazo de sua duração é de cinco dias, prorrogáveis por mais cinco, no caso de extrema

necessidade. Assim sendo, a prisão temporária que ultrapassar 10 (dez) dias será considerada

abusiva e inaceitável. No caso de crimes hediondos ou previstos na Lei nº 8.072/90

(homicídio qualificado; homicídio praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda

que cometido por um só agente; latrocínio; extorsão qualificada pelo resultado morte;

extorsão mediante seqüestro na forma simples ou qualificada; estupro; atentado violento ao

60

pudor, na forma simples ou qualificada; epidemia cujo resultado seja a morte; genocídio;

tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins; terrorismo e tortura), o prazo para a prisão

temporária é de 30 dias, prorrogáveis por mais trinta em caso de extrema e comprovada

necessidade. Decorrido o prazo legal da duração da prisão temporária e não tiver sido

decretada sua prisão preventiva, o preso deverá ser posto em liberdade, sendo que o período

em que permanecer recluso deverá passar, obrigatoriamente, separado dos demais detentos.

Esta prisão não pode ser decretada de ofício pelo juiz, mas somente através de

representação da autoridade policial (onde, nestes casos, o juiz deve ouvir o Ministério

Público antes de decidir) ou a requerimento do Ministério Público, devendo fundamentar sua

decisão em 24 horas. O mandado de prisão deve ser expedido em duas vias, sendo que uma

será entregue ao indiciado, servindo como nota de culpa. E, ao ser efetuada a prisão, o preso

deverá ser informado de seu direito de permanecer em silêncio.

O presente estudo considera ser esta prisão uma modalidade desnecessária, que só

origina dúvidas a respeito da verdadeira objetividade das prisões cautelares ou processuais,

pois se seu objetivo é a prisão do acusado imprescindível ao inquérito policial, de nada

adiantaria, pois o preso tem como direito constitucional não produzir provas contra si mesmo

e de permanecer calado, resguardando-se no direito de só se manifestar em juízo. E, se o fato

que a impulsiona é a não residência fixa ou reconhecimento do acusado, já existe no

ordenamento processual penal remédio para estes casos, sendo desta forma, uma prisão

totalmente inútil, trazendo como conseqüência o total desrespeito ao princípio do devido

processo legal e à presunção de inocência.

Mas, já que está prevista e em plena aplicação no direito brasileiro, cabe ao juiz

verificar de forma cautelosa todos os seus requisitos e elementos presentes para salvaguardar

o respeito aos direitos fundamentais do preso, principalmente porque a realidade das

delegacias brasileiras não permite, pelo contrário, prejudica o cumprimento da própria lei que

exige que o preso temporário não seja colocado junto aos demais detentos. Merecido o

destaque outorgado aos julgados do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto:

Inquérito policial. Prisão temporária (desnecessidade). 1. Cabe a prisão temporária quando imprescindível às investigações do inquérito policial (Lei nº 7.960/89, art. 1º, I).

61

2. Se não configurado claramente o seu pressuposto, recomenda-se seja evitada a prisão.3. Liminar deferida. Ordem afinal concedida HC 36388 / MS. HABEAS CORPUS 2004/0088930-2.Rel. Ministro NILSON NAVES. T6 - SEXTA TURMA. DJ 09.02.2005 p. 223 Prisão (temporária e preventiva). Instrução criminal (fases). Interrogatório do réu (audiência). Prazo (excesso). 1. A instrução é uma seqüência de atos destinada a colher elementos de convicção. Certamente que há prazos para a realização desses atos. 2. A lei processual penal admite se excedam prazos, desde que por motivo justo. Inexiste, nos autos, justificativa para um excesso significativo. 3. Caso em que há evidente excesso de prazo, porquanto marcada audiência para o interrogatório do réu, o primeiro dos atos da instrução processual, mais de 6 (seis) meses após a designação. 4. Ordem de habeas corpus concedida. HC 37803 / SE. HABEAS CORPUS 2004/0118783-7.Rel. Ministro NILSON NAVES. T6 - SEXTA TURMA. DJ 09.02.2005 p. 224 PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 155 DO CP. PRISÃO TEMPORÁRIA. RECURSO DE HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. PRISÃO TEMPORÁRIA. GRAVIDADE DO CRIME. COAÇÃO DISFARÇADA PARA FORNECER MATERIAL BIOLÓGICO. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS CONCRETOS. IMPRESCINDIBILIDADE. INEXISTÊNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE DO DELITO. SUBMISSÃO A EXAME DE ADN. INEXISTÊNCIA DE MOTIVOS AUTORIZANTES. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. LIBERDADE PROVISÓRIA. INADMISSIBILIDADE EM CRIMES HEDIONDOS. INCONSTITUCIONALIDADE. DENEGAÇÃO. OBRIGATORIEDADE DE FUNDAMENTAÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. Para a decretação da prisão temporária, quando investigados quaisquer dos delitos constantes do inciso III, do art. 1º, da Lei 9.760/89, deve haver a imprescindibilidade da medida e obrigatoriedade de fundamentação da decisão; 2. A prisão preventiva deve, necessariamente, ser calcada em um dos motivos constantes do art. 312 do Código de Processo Penal e, por força do art. 5º, XLI e 93, IX, da Constituição da República, o magistrado deve apontar os elementos concretos ensejadores da medida; 3. É inconstitucional qualquer decisão judicial contrária ao princípio nemo tenetur se detegere. Inteligência do art. 5º, LXIII, da Constituição da República e art. 8º, § 2º, g, do Pacto de São José da Costa Rica; 4. Não foi dado ao legislador ordinário legitimidade constitucional para vedar, de forma absoluta, a liberdade provisória quando em apuração crime hediondo e assemelhado. Inconstitucionalidade do art. 2°, II, da Lei 8.072/90. 5. Ainda que o delito apurado em processo criminal seja catalogado como hediondo ou equiparado, o magistrado está obrigado a fundamentar a decisão que denega a liberdade provisória a partir dos motivos que autorizam a prisão preventiva, dada a natureza cautelar da prisão em flagrante. 6. Recurso provido. RHC 15316 / SP ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2003/0207405-7.Rel.Ministro Paulo Medina. T6 - SEXTA TURMA. DJ 16.08.2004 p. 283

Assim sendo, conclui-se que a prisão temporária somente será admitida nos casos

taxativos pela lei e sem qualquer exceção legal.

8. DA PRISÃO PREVENTIVA

É a prisão decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, do

querelante ou mediante representação da autoridade policial, durante o inquérito policial ou

processo criminal, antes do trânsito em julgado e sempre que estiverem presentes os

elementos necessários para sua concretização.

Seu principal objetivo é garantir a eficácia de um futuro provimento jurisdicional, que

poderá se tornar sem efeitos caso o acusado permaneça em liberdade durante o processo.

Porém, como é também uma medida acautelatória, “a prisão provisória é medida de extrema

exceção. Só se justifica em casos excepcionais, onde a segregação preventiva, embora um

mal, seja indispensável. Deve, pois, ser evitada, porque é uma punição antecipada” (RT,

531/301).

Fernando da Costa Tourinho Filho, ao citar o pensamento de Luis Flávio Gomes,

lembra que:

O eixo, a base, o fundamento de todas as prisões cautelares no Brasil residem naqueles requisitos da prisão preventiva. Quando presentes, pode o juiz fundamentadamente decretar qualquer prisão cautelar; quando ausentes, ainda que se trate de reincidente ou de quem não tem bons antecedentes, ou de crime hediondo ou de tráfico, não pode ser decretada a prisão antes do trânsito em julgado da decisão9.

9 Da prisão e da liberdade provisória, p.73.

63

Os pressupostos para a decretação desta prisão são a prova da materialidade delitiva e a

probabilidade de autoria do delito, ainda que sejam meros indícios, já que na dúvida a lei é em

favor da sociedade. E é clara a presença do periculum in mora, conforme previsto no art. 312,

do Código de Processo Penal: “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da

ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para

assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício

suficiente de autoria”. E será decretada nos casos de crimes dolosos punidos com reclusão,

podendo a mesma ser decretada para aqueles que se suspeita inimputável por doença mental

ou com desenvolvimento mental retardado, nos casos de semi-imputabilidade.

Não é aplicada nos casos de mera contravenção ou de crimes apenados com detenção,

salvo se o acusado for vadio ou não forneça elementos que comprovem de maneira certa sua

identidade, ou, ainda, quando tiver sido o acusado condenado por sentença irrecorrível pela

prática de outro crime doloso (excetuando-se os cinco anos após cumprimento ou extinção da

pena). Dessa forma, a prisão preventiva não deve ter por base apenas suposições, devendo

apontar fatos concretos que demonstrem que as atitudes do acusado são contrárias aos

interesses da instrução.

Não basta desta forma, um temor genérico de fuga, sendo que a mera possibilidade de o

réu continuar em liberdade possa causar embaraços à justiça também não justifica a

decretação da prisão preventiva. Pois, para tanto, é necessário provas e atos inequívocos, que

indiquem a necessidade de sua decretação. Este requisito é fundamental, já que a prisão

preventiva muitas vezes oculta interesses diversos, visto que o legislador foi omisso ao não

prever seu prazo de duração, permitindo que réus “mofem” na cadeia até o trânsito em

julgado de suas sentenças.

No decorrer do processo, o juiz poderá revogar a prisão preventiva, se verificar a falta

de motivo que a faça subsistir. Atualmente, inúmeras prisões preventivas são decretadas

inutilmente e só contribuem para alimentar o instinto de criminalidade do acusado e lotar as

cadeias públicas, que se encontram em situações precárias e, muitas vezes, abrigando presos

condenados. Tais abusos em relação à esta modalidade de prisão processual devem-se ao fato

da inexistência de um prazo de duração máxima da prisão preventiva, prevista pelo legislador.

Mas, em contrapartida, com o objetivo de suprir a lacuna da lei, a doutrina e a jurisprudência,

através de uma analogia ao art. 648 do Código de Processo Penal, que disciplina o Habeas

64

Corpus, fixou o prazo máximo da prisão preventiva em 81 dias, visto que é a soma dos prazos

para cumprimento dos atos processuais da instrução criminal no caso de réu preso: 10 dias

para conclusão do inquérito (art. 10); 5 dias para a denúncia (art. 46); 3 dias para a defesa

prévia (art. 395); 20 dias para inquirição de testemunhas (art. 401); 2 dias para diligências do

art. 499; 10 dias para o despacho do requerimento feito por ocasião do art. 499; 6 dias para

alegações finais (art. 500); 5 dias para diligências ex-officio (art. 502); e 20 dias para a

sentença.

Assim, os 81 dias só criam constrangimento ilegal durante a instrução criminal. A

Súmula 52 do STJ esclarece este fato ao prever que “encerrada a instrução criminal, fica

superada a alegação de constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo”, e, reforçando

esta premissa, com o objetivo de evitar que seja utilizado este benefício do excesso de prazo

por má-fé, a Súmula 64 do STJ diz que, “não constitui constrangimento ilegal o excesso de

prazo na instrução provocado pela defesa”, que são aqueles casos em que a própria defesa

dilata o prazo da instrução requerendo diligências em demasia ou que necessitam de um prazo

longo para serem cumpridas.

Notório é que este prazo de 81 dias, na maioria das vezes, não é respeitado, por

impossibilidade e até mesmo falta de recursos por parte do efetivo da Polícia e do Poder

Judiciário. Desta forma, conclui-se que o preso sempre tem que ser razoável com as

dificuldades do sistema penitenciário e judiciário, porém, não há reciprocidade de tratamento

para com eles, que são obrigados a esperar por seus direitos, devido a um problema cuja

solução não lhes compete. O que se sabe é que todo preso tem o direito a um julgamento

eqüitativo e dentro de um prazo razoável, se a lei estabelece o prazo máximo de 81 dias para

que seja dada a sentença no processo de réu preso, ainda que sejam admitidas as dilações

permitidas na própria lei, há que ser respeitado este prazo e suas prorrogações legais, mas não

ser conivente com prisões preventivas que duram anos, para evitar que este instituto tão

protetivo da prestação jurisdicional seja colocado em dúvida pela ineficiência dos órgãos

responsáveis por sua decretação e manutenção.

Miguel Reale Junior, em artigo sobre as prisões, colaciona que:

Apenas se legitima essa custódia preventiva se, diante de indícios precisos de ser o réu o autor do crime, considera-se a prisão imprescindível para impedir que se exima do processo e da condenação ou que interfira na realização de provas, intimidando testemunhas ou surrupiando dados, a partir de receios

65

concretos. Não pode ser decretada como exemplaridade, para intimidação da sociedade, pois assim se instrumentaliza a pessoa, encarcerada não por ser preciso, mas para que sua prisão demova outros de cometer crimes. A prisão preventiva, de outra parte, não se justifica tão-só em face da gravidade do crime, visto não ter por finalidade punir antecipadamente, pois seria afronta à presunção de inocência. Nem o clamor público ou a repercussão do fato na mídia a justifica, o que igualmente seria um julgamento antecipado da opinião pública. Deve-se no decreto de prisão preventiva fundamentar motivadamente a necessidade da medida, com base em dados de fato e não em conjeturas, pelo que é insuficiente a mera repetição dos termos legais, afirmando ser a prisão "conveniente para a instrução criminal". Ademais, como o réu está preso, o processo há de ter tramitação rápida, mesmo porque pode sobrevir uma sentença absolutória. Por fim, diante das recentes blitze espalhafatosas da Polícia Federal, cumpre realçar que o uso de algema, medida de força e aviltante, apenas se legitima se houver desobediência ou resistência, conforme estabelece a lei.Em suma, em face dos direitos fundamentais acima referidos, deve-se proclamar a absoluta necessidade da prudência e da razoabilidade na aplicação de medidas antecipadas de constrição da liberdade, a melhor maneira de prevenir a arbitrariedade estatal e afastar a tentação de extrapolar os limites do uso legítimo da força pelo abuso de autoridade.10

Como já mencionado, somente através de uma racionalização na aplicação destas

medidas é que se conservará o real propósito do legislador ao criar estas prisões cautelares,

um propósito justo e necessário.

10 Miguel REALE JUNIOR, Para entender prisões e ações policiais, p. 03.

9. DA PRISÃO DECORRENTE DE PRONÚNCIA

O art. 408 do Código de Processo Penal prevê que, caso o juiz se convença da existência

do crime e houver indícios que levam a crer que o Réu seja o autor do delito, procederá sua

pronúncia que, nas palavras de Rogério Lauria Tucci, “consiste ... tão-só, na decisão

interlocutória mediante a qual aquele magistrado declara a viabilidade de acusação, por se

convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor” (1980, p. 144,

grifo do autor).

O supracitado artigo em seu parágrafo 2°, prevê a faculdade de o juiz decretar ou

revogar a prisão do réu.

Entretanto, este “poderá” é considerado dever do juiz, já que a prerrogativa de

responder ao processo em liberdade é um direito subjetivo do acusado. Utilizando,

oportunamente, as palavras de Roberto Delmanto Junior,

[...] ou o acusado já está preso preventivamente, quando proferida a pronúncia, não havendo, então, a necessidade da decretação desta outra modalidade de prisão, desde que continuem presentes os motivos autorizadores da prisão preventiva, ou está respondendo ao processo em liberdade e é, automaticamente, recolhido ao cárcere, bastando que seja reincidente ou que tenha maus antecedentes.Nessa última situação, ou seja, tendo o acusado respondido ao processo em liberdade, parece-nos estreme de dúvida que, com a promulgação da Constituição da República de 1988, e com a ratificação interna do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que garantem não só a desconsideração prévia de culpabilidade, mas também a presunção de inocência, esta modalidade de prisão tornou-se inaplicável.É que toda prisão provisória, para não se confundir com punição antecipada, tem que ser cautelar, ou seja, há que se fundamentar na necessidade de preservar o bom andamento da instrução criminal (cautela instrumental) ou na imperiosidade de se garantir a sua eficácia (cautela final).O que ocorre, na espécie, é que o simples fato de o acusado ser reincidente ou não possuir bons antecedentes não tem o condão de justificar, cautelarmente, a sua prisão (1990, p. 167-168).

67

Considera-se, respeitando as posições em contrário, ser esta modalidade de prisão

inaceitável dentro do processo penal brasileiro, pois, ao contrário de ser uma medida cautelar,

é uma prisão automática. Ou seja, se houver a pronúncia, automaticamente será decretada a

prisão do Réu que não possuir bons antecedentes ou ser primário. O que não pode ser

admitido, sob pena de ferir o princípio da presunção de inocência. O necessário, para evitar a

decretação de prisões desnecessárias e que só fomentam a criminalidade e as superlotações

das cadeias, é que as prisões cautelares sejam realizadas para realmente cumprirem seu papel,

ou seja, servirem para proteger a instrução e o processo, com base em fatos atuais e não

anteriores ao delito. Se o acusado demonstra que não irá interferir na investigação ou

tumultuar o processo e não se esquivar da pena que lhe será imposta, torna-se desnecessária a

prisão, seja ele ou não reincidente, tenha ou não bom comportamento.

Ao fundamentar sua necessidade para assegurar a realização do julgamento ou para não

frustrar a execução da pena, seria redundância, já que há espécie de prisão cautelar prevista no

Código de Processo Penal, que serve de maneira fiel a este propósito. E, se a prisão preventiva

não foi decretada até o momento da pronúncia, porque deveria ser obrigatória neste momento,

o que a justifica? Porque o perigo de fuga tem que ser comprovado, não basta o simples receio

de que a pessoa se ofuscará da justiça, e se não o fez até o momento, porque exigir sua prisão?

A reincidência marcará para todo o sempre a vida de um homem? Indubitavelmente não,

porque seria o mesmo que admitir duas punições para um mesmo crime.

Não há como conceber esta prisão automática em um sistema processual calcado nos

princípios constitucionais. Sábia a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ao

solidificar que:

CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. PRONÚNCIA. AUSÊNCIA DE PROVAS. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA. RÉU SOLTO DURANTE TODA A INSTRUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE SUFICIENTE FUNDAMENTAÇÃO PARA A CUSTÓDIA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E CONCEDIDA. I. Hipótese na qual se alega ausência de provas para a prolação da sentença de pronúncia, em relação ao paciente, e ausência de concreta fundamentação da custódia cautelar decretada naquela ocasião. II. Não se conhece da impetração, quanto à ausência de provas para a decisão de pronúncia, pois, para a desconstituição do julgado, haveria a necessidade de valoração do contexto fático-probatório, inviável na via eleita. III. Tratando-se de réu que permaneceu solto durante toda a instrução, sem criar qualquer obstáculo ao regular andamento do feito, e diante da inexistência de suficiente fundamentação quanto à necessidade da custódia, deve ser reconhecido o seu direito de aguardar em liberdade o julgamento pelo Júri.

68

IV. Exige-se concreta e adequada motivação para a negativa de o réu solto aguardar em liberdade o julgamento do Tribunal Popular, tendo em vista a excepcionalidade da custódia cautelar e diante das próprias peculiaridades da hipótese – réu solto durante toda a instrução e possuidor de condições favoráveis, como ausência de maus antecedentes e domicílio na Comarca. V. Deve ser revogada a prisão preventiva do paciente, expedindo-se alvará de soltura em seu benefício, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta. VI. Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, concedida, nos termos do voto do Relator. HC 39089 / SP ; HABEAS CORPUS 2004/0150760-7.Rel. Ministro GILSON DIPP. T5 - QUINTA TURMA. DJ 18.04.2005 p. 358. Constitucional e processual penal – Crime hediondo (tráfico de drogas) – Sentença condenatória – Apelar solto – Súmula 9/STJ – Princípios constitucionais da presunção de inocência e da liberdade provisória – Interpretação da lei ordinária de acordo com a Constituição, e não vice-versa – Necessidade de fundamentação da prisão, mesmo em se tratando de crime hediondo – Recurso Ordinário conhecido e provido. "O paciente, que respondeu a todo o processo em liberdade, foi condenado por tráfico de drogas. O Juiz , na sentença, não motivou porque o paciente teria que recolher-se preso para poder apelar. O tribunal, ao denegar o pedido de habeas corpus, invocou a Súmula 9/STJ. Não se pode interpretar a Constituição conforme lei ordinária (gesetzeskonformen Vefassungsinterpretation). O contrário é que se faz. A lei de Crimes Hediondos (art. 9º) é que tem de se amoldar à Constituição. Nossa Constituição, por inspiração constitucional lusa (art. 32:2), consagrou o princípio da presunção da inocência e, por influência norte-americana (Emendas ns. XIV e XV), o princípio do devido processo legal. Ambos os princípios têm conexão com o princípio da liberdade provisória (art. 5º, LXVI). Assim, todo indiciado, ou acusado, se presume inocente até que seja irrecorrivelmente apenado. Desse modo, cabe ao juiz, em qualquer circunstância, fundamentar, mesmo em se tratando de crime hediondo, a razão de o condenado ter de ficar preso para poder apelar. A regra geral é recorrer em liberdade (CF, art. 5º , LXVI); a excepcional, recorrer preso. A Súmula 9/STJ não briga com tais princípios, pois apenas assevera que a exigência da prisão provisória para apelar não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência. Em outras palavras, só afirma que não se tem de aguardar a formação da coisa julgada para poder ser recolhido à prisão. Recurso ordinário conhecido e provido" (STJ – RHC 4.365-2 – Rel. Adhemar Maciel).

10. DA PRISÃO DECORRENTE DE SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRÍVEL

A Constituição Federal Brasileira assegura a todos o direito ao duplo grau de jurisdição,

direito este que deve ser exercido sem nenhuma restrição. Porém, o Código de Processo

Penal, em seu art. 594, diz que o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão ou prestar

fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença

condenatória ou condenado por crime de que se livre solto. Percebe-se a discrepância deste

artigo ao exigir do réu que pague e, caso não tenha condições, se recolha à prisão para poder

exercer seu direito constitucional de recorrer da sentença. É uma outra forma de prisão

automática, que deve ser renegada pelo processo penal e varrida dos códigos de leis dos

Estados Democráticos de Direito.

O STJ, através da Súmula nº 9, in verbis, dispõe que "A exigência da prisão provisória,

para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência".

Porém, a questão, neste caso, não é a presunção de inocência e sim a necessidade de se

impor a prisão ao apelante que até o momento não representou nenhum obstáculo ao processo

porque é obvio que, se o Réu tivesse demonstrado perigo à continuidade do processo e da

execução da prestação jurisdicional, com certeza sua liberdade já teria sido atingida por outro

meio de prisão cautelar, sendo totalmente injusta esta exigência. Não é intenção deste trabalho

defender a impunidade, mas demonstrar que se o indivíduo não age de forma a gerar a

necessidade da prisão processual, esta, sem dúvida, não deve ser nem ao menos cogitada.

Aduz Luiz Flávio Gomes, em monografia sobre o tema, o seguinte:

70

[...] tendo-se presente o princípio da presunção de inocência - que proíbe a utilização da pena de prisão como castigo antecipado - bem como a exigência constitucional de motivação explícita de toda prisão (ressalvado o flagrante), é evidente que só existe uma interpretação possível para tentar salvar (preservar) o art.594 do CPP: consiste em encarar a prisão decorrente da sentença recorrível como de natureza cautelar. Mas assim considerando-a, torna-se absolutamente indispensável à exigência de sua motivação explícita, não servindo para tanto nem a exigência (exclusiva) da condenação (que só reconhece o fumus boni iuris) nem 'presunções legais'. Pouco importa se se trata de condenado primário ou reincidente, com bons ou maus antecedentes, crime hediondo ou não: desde que o juiz 'motive adequadamente' a medida cautelar, demonstrando sua necessidade real (não presumida), justificada resulta a medida coercitiva. Do contrário, não. Essa é, repita-se, a única interpretação que salva o art. 594 frente ao princípio da presunção de inocência (1994, p. 40).

Os Tribunais têm entendido coerentemente que:

[...] se durante a instrução criminal o réu manteve a liberdade, porque a custódia era desnecessária, impossível a prisão durante o recurso baseada simplesmente em maus antecedentes reconhecidos na sentença (TACrim-SP, RT 658/297). Segundo revelam os autos, o paciente, embora não tenha bons antecedentes, permaneceu em liberdade durante toda a instrução. Não foi preso em flagrante e não se entendeu necessária sua prisão preventiva. E, em liberdade, não deu causa a qualquer embaraço quanto ao processamento da ação penal. De justiça, portanto, deferir-se a ele, pelo menos, o direito de continuar em liberdade até o julgamento definitivo da ação penal (TACrim-SP, HC 198.476-7). Se o acusado é tecnicamente primário, se teve assegurado o direito de permanecer solto durante todo o processo, numa clara indicação de que seu encarceramento não era reclamado pela garantia da ordem pública, pela conveniência da instrução ou pela necessidade de se assegurar à aplicação da lei penal, a mingua de fatos posteriores que modificassem o quadro autorizador da liberdade antes preservada, deve esta, ainda, persistir (TJSP, HC 94.619-3).

Assim sendo, defende-se o pensamento de que a prisão por sentença recorrível torna-se

incompatível com os ideais de justiça.

Em razão do advento da lei de crimes hediondos, que proíbe a concessão de liberdade

provisória aos que cometerem crimes elencados na lei, a jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal, em sua maioria, reconhece como obrigatória a prisão do condenado para que possa

apelar:

A Lei 8.072, de 25.7.90, proíbe, nos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na linha de disposição constitucional inscrita no inc. XLIII do art. 5º da CF, a liberdade provisória". (STF – HC 68514 – Rel. Marco Aurélio – DJU 19.6.92, p. 9.520). Homicídio qualificado – Crime Hediondo – Apelo em liberdade – Lei 8.072/90. "É inadmissível o benefício de apelar em liberdade ao condenado por crime de homicídio qualificado que, alçado à categoria de crime hediondo pela Lei 8.072/90, é insuscetível de fiança ou liberdade provisória. Recurso improvido" (STF – RHC 6675 – Rel. Cid Flaquer Scartezzini).

71

Da mesma forma, a Lei nº 9.034/95, que versa sobre a utilização de meios operacionais

para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas (ações

praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer

tipo), prevê, em seu corpo, que “O réu não poderá apelar em liberdade, nos crimes previstos

nesta lei” (Art. 9º).

Porém, a proibição da liberdade provisória não é autorização para a manutenção de

prisão cautelar desnecessária e injustificável.

11. DO SISTEMA PENITENCIÁRIO

Não há como tratar da prisão sem entender a origem do sistema penitenciário. Tem-se

que compreender como é o sistema carcerário, para conseguir mensurar os efeitos que

provoca sobre a vida de um réu ao ser inserido dentro dele por uma das espécies de prisão

cautelar. Quais os resultados positivos desta prisão? O que se pode esperar de um indivíduo

após sua saída deste sistema?

Sabe-se da necessidade de se ter um local apropriado para a prisão dos acusados e

condenados, entretanto, cumpre ressaltar as diferentes formas de sistemas prisionais.

Primeiramente, tratar-se-á das características do sistema celular, um sistema carcerário que é

fundado no isolamento completo dos condenados para permitir a reflexão e o arrependimento.

Este sistema mostrou-se ineficaz por constituir verdadeiro sepulcro em vida, era o verdadeiro

morto enterrado vivo, não podia conversar com ninguém, ou seja, além de sua pena, era

condenado ao silêncio angustiante e desesperador; o recluso perdia toda referência de

convívio com a família e com os amigos, tornando a punição desumana e dispendiosa,

levando-o à loucura e à impossibilidade de retornar à sociedade, já que a prisão lhe marcaria

de forma absurda e lhe retirava qualquer possibilidade de retornar ao convívio em sociedade.

Desta forma, não poderia vigorar este tipo de prisão, a não ser que o preso ficasse naquela

condição eternamente, pois sem uma reeducação, ressocialização, jamais teria condições de

sair da prisão arrependido, consciente do certo e errado.

Com o objetivo de superar as limitações e deficiências do sistema celular, surge o

sistema auburniano que, lamentavelmente, não trouxe tantas inovações ao sistema carcerário,

permanecendo apenas no estabelecimento do labor comunitário, continuando em vigência a

regra do silêncio. Somente se permitia aos detentos que falassem com seus superiores

73

hierárquicos mediante autorização prévia e em voz baixa, jamais era permitida a conversa

com os companheiros de prisão. Este sistema, da mesma forma que o sistema celular, se

mostrou falível, já que, na realidade, seu único objeto e finalidade era transformar o

condenado num operário disciplinado e subordinado ao poder do Estado, não constituindo um

tratamento, mas uma forma de moldar o delinqüente como elemento útil e produtivo,

revelando a inspiração econômica do sistema. O preso tinha que trabalhar constantemente e

não lhe era permitido o contato com os demais presos.

Com o advento do século XIX, nasceu a necessidade de reabilitar o recluso, ou seja,

com a evolução das idéias iluministas e maior preocupação humanitária, nasce o sistema

progressivo. Esse sistema trabalha com a verificação da vontade do recluso em reabilitar-se,

condicionando a concessão de benefícios da execução penal e o retorno ao convívio social, ao

bom comportamento carcerário e à progressiva reforma moral do condenado. Em vigor

atualmente, este sistema enfrenta críticas e questionamentos, em face dos argumentos de que

constitui verdadeira dominação-subordinação, pois se chega a um ponto em que não se sabe

se o detento quer reabilitar-se ou tem o bom comportamento por uma imposição, uma coação

exercida psicologicamente ou até mesmo fisicamente.

11.1 SISTEMA PENITENCIÁRIO NO BRASIL

Até o início do século XVII, a prisão no Rio de Janeiro se localizava no antigo núcleo

de povoamento do Morro do Castelo; sua sede era um prédio onde também estava instalado o

senado da Câmara. Ainda que as condições fossem precárias, já que as fugas eram constantes,

os fatos históricos datam que apenas em 1631 os vereadores fizeram as primeiras solicitações

para a construção de uma nova sede. E somente em 1639 a metrópole autorizou a construção

de uma nova cadeia, a conhecida “Cadeia Velha”. Na Cadeia Velha havia uma sala

especialmente feita para os nobres, a fim de não os deixarem juntos com os presos comuns, na

maioria escravos. E também foi feito um oratório, que na época de execuções era todo forrado

de preto para dar passagem aos condenados que seriam reconfortados espiritualmente. Foi na

Cadeia Velha que ocorreu o julgamento de Tiradentes. Mas, com a vinda da família real para

o Brasil, foi exigido que a cadeia desse espaço para acomodar a criadagem da rainha,

74

transferindo-se todos os presos para a prisão Aljube, que na época servia para aprisionar

aqueles que haviam cometidos crimes contra a Igreja.

Desde a Carta Régia de 1769, foi ordenada a construção de uma Casa de Correção para

homens e mulheres, mas somente em 1834, é que se iniciaram as obras desta prisão, e o foi

com muita cautela, já que o objetivo era acompanhar o sistema penitenciário de países

modelos, a fim de que se pudesse recuperar o criminoso e oferecer a devida segurança à

sociedade.

Com a chegada das idéias reformistas, o Império Brasileiro decidiu tentar reprimir e

reabilitar o criminoso, impondo a pena de prisão com trabalho. E já na construção da Casa de

Correção, muitos presos trabalharam como pedreiros e ajudantes. Esta construção foi

desenhada com base no modelo panóptico, com o objetivo de controlar o indivíduo

permanentemente, havendo uma torre no centro da prisão que permitiria uma visão ampla de

toda a cadeia e seus pavimentos. Havia, nesta época, também as prisões na Ilha da Cobra,

onde eram recolhidos os militares e, futuramente, presos civis também; Ilha de Santa Bárbara,

onde eram recolhidas mulheres; Fortaleza de São Sebastião no Morro do Castelo, onde eram

levados os escravos; Prisão do Calabouço.

Na Casa de Correção reinava a lei do silêncio, foi adotado o sistema de tranca durante a

noite e o de trabalho em comum durante o dia. Os presos pobres eram sustentados pelo poder

público, não podiam receber nada de fora e, se quisessem, poderiam trabalhar, mas não era

obrigatório. Os castigos para os presos não-escravos foram abolidos, mas quem infringisse

alguma norma sofreria penas disciplinares. No primeiro raio da Casa de Correção funcionava

a Casa de Detenção, instituída em 02 de julho de 1856, através do Decreto nº 1774, e era

destinada a presos legalmente enviados pela polícia judiciária e administrativa. Estes presos

podiam conversar até o momento do silêncio geral, sem perturbarem as outras celas, sendo

que eles não davam nenhuma despesa ao Estado, eles mesmos se mantinham e podiam

receber comida externa. Em 1861, foi instituído na Casa de Correção um Instituto de Menores

Artesãos; em 1941, transformou-se na Penitenciária Central do Distrito Federal através de um

decreto-lei; em 1957, foi transformada na atual Penitenciária Professor Lemos Brito.

A Casa de Detenção transformou-se, em 1941, em Presídio do Distrito Federal e atual

Penitenciária Milton Dias Moreira, regulamentada, em 1948, pelo Decreto nº 25.945, com a

finalidade de recolher presos provisórios ou preventivos.

75

Hoje, pode-se afirmar com precisão que o país possui um sistema de execução penal

falido e constantemente criticado. Convive-se com um sistema que é alvo de constantes

rebeliões e fugas, ocasionando o medo e a insegurança na sociedade, sendo gritante a

realidade de que o tratamento inadequado, a ociosidade em muitas prisões, a falta de higiene,

a violência entre os próprios presos, estão longe de serem os fatores que conduzirão o preso a

se reabilitar e a se sentir apto para voltar ao seio da sociedade.

A ONU, há anos, tece comentários sobre a precariedade do sistema prisional do Brasil

que, na última publicação de dados estatísticos, afirmou estar com aproximadamente 230.000

presos, dos quais 34% detentos provisórios. Acontecem chacinas dentro das próprias prisões,

como a de outubro de 1992, que culminou com a morte de 111 presos no Carandiru. No

relatório O BRASIL ATRÁS DAS GRADES, escrito pela diretora jurídica adjunta da Human

Rights Watch, Joanne Mariner, a situação do sistema prisional e dos presos fica totalmente

evidenciada como desumana e imprópria ao real fim e objetivo da pena: a ressociliação do

criminoso:

A população carcerária do Brasil está distribuída em vários estabelecimentos de diferentes categorias, incluindo penitenciárias, presídios, cadeias públicas, cadeiões, casas de detenção e distritos ou delegacias policiais. A LEP estabelece que as várias categorias de estabelecimentos sejam identificáveis por características específicas e que sirvam a tipos específicos de presos. Na prática, no entanto, essas categorias são muito mais maleáveis e a troca de presos das várias classificações entre os diversos estabelecimentos, muito maiores do que a lei sugere. Em teoria, a rota de um preso pelo sistema penal deveria seguir um curso previsível: logo após ser preso, o suspeito criminoso deveria ser levado à delegacia de polícia para registro e detenção inicial. Dentro de poucos dias, caso não fosse libertado, deveria ser transferido para uma cadeia ou casa de detenção enquanto aguardasse julgamento e sentenciamento. Se condenado, ele deveria ser transferido para um estabelecimento específico para presos condenados. Ele talvez passasse suas primeiras semanas ou meses num centro de observação, onde especialistas estudariam seu comportamento e atitudes entrevistando-o, aplicando exames de personalidade e "criminológicos" e obtendo informações pessoais sobre ele para selecionar o presídio ou outro estabelecimento penal melhor equipado para reformar suas tendências criminosas. Segundo a LEP, estabelecimentos para presos condenados seriam divididos em três categorias básicas: estabelecimentos fechados, i.e., presídios; semi-aberto, que incluem colônias agrícolas e industriais; e estabelecimentos abertos, i.e., casa do albergado. Um preso condenado seria transferido para um desses estabelecimentos segundo o período de sua pena, o tipo de crime, periculosidade avaliada e outras características. No entanto, se ele iniciasse o cumprimento de sua pena em um presídio, ele deveria normalmente ser transferido para um do tipo menos restritivo antes de servir toda sua pena, permitindo assim que ele se acostumasse com uma liberdade maior e, de forma ideal, ganhasse noções úteis antes de retornar à sociedade. Como este relatório descreve, a realidade no Brasil passa longe das descrições da lei. Primeiro, o sistema penal do país sofre a falta de uma infra-estrutura física necessária para garantir o cumprimento da lei. Em muitos estados, por exemplo, as casas dos albergados simplesmente não existem; em outros, falta capacidade suficiente para atender o número de detentos. Colônias agrícolas são igualmente raras. De fato, como será descrito de forma pormenorizada abaixo, não existem vagas suficientes nos presídios para suportar o número de novos detentos, forçando muitos presos condenados a permanecerem em delegacias durante anos. Os estabelecimentos penais brasileiros espalham-se por todo o país, mas estão mais concentrados nos arredores das zonas urbanas e regiões mais populosas. São Paulo, o estado mais populoso do Brasil, tem de longe a maior população carcerária. De fato, só o estado de São Paulo mantêm

76

cerca de 40% dos presos do país, uma população carcerária maior do que a da maioria dos países latino-americanos11 .

Ainda considera que, em relação às condições atuais de superlotação das prisões, há que

serem tomadas medidas imediatas, pois, atualmente, é comum ver nas prisões, reclusos que

dormem no chão de suas celas, às vezes, no banheiro, sendo que nos estabelecimentos mais

lotados, onde não existe espaço livre nem no chão, presos dormem amarrados às grades das

celas ou pendurados em redes, enquanto a Lei de Execução Penal prevê que os presos

deveriam ser recolhidos em celas individuais de pelo menos seis metros quadrados:

A falta de vagas nas prisões é particularmente dramática quando se considera o enorme número de acusados que se livraram de cumprir suas penas, deixando essas penas pendentes. O Ministério da Justiça estimou, em 1994, que havia 275.000 mandados incumpridos, significativamente mais do que o número de presos detidos. Apenas em Brasília, o Ministério Público anunciou, neste ano, que dos 15.077 mandados de prisão foram autorizados em sua jurisdição nos últimos três anos, somente um terço foi de fato cumprido. Os acusados nos demais casos continuam foragidos. Obviamente, caso esses acusados fossem repentinamente encontrados e presos, as prisões explodiriam12.

Outro fator que merece ser lembrado é a progressão de pena, que é tratada de forma

desmerecida, até mesmo pelas condições do sistema atual, ou seja, pela ausência de juízes que

já possuem processos em demasia e acúmulo de trabalho, pela falta de assistência jurídica aos

presos, já que muitos não possuem meios de prover um advogado; e, principalmente, a

pequena quantidade ou até mesmo a ausência de estabelecimentos destinados aos regimes

aberto ou semi-aberto.

As delegacias, que deveriam servir para manter os presos suspeitos ou por curto

período, são na realidade prisões permanentes. Mas não foram feitas para isso, não possuem

estrutura para tanto, atrapalhando desta forma a própria polícia investigativa e o acusado, que

se vê sem estruturas para uma reabilitação e cumprimento da pena.

De acordo com o relatório da Human Rights Watch:

11 Joanne MARINER, Relatório: O Brasil Atrás das Grades, Acesso em 17 de maio 2005.

12 Op. cit.

77

Além das condições físicas das delegacias provarem que estas não suportam nada a mais do que detenção de curto prazo de suspeitos criminosos, a possibilidade na verdade, a probabilidade de tortura por policiais constitui mais uma importante razão para a transferência dos presos para o sistema penitenciário o mais rápido possível. Como a Human Rights Watch descreveu em seu primeiro relatório sobre o assunto no Brasil, que focalizava as delegacias em São Paulo e Rio de Janeiro, a "tortura de suspeitos comuns, não apenas com espancamentos mas com métodos relativamente mais sofisticados, é endêmica." A polícia no Brasil freqüentemente vale-se da tortura como meio de interrogatório de suspeitos criminosos. Segundo grupos brasileiros de direitos humanos, um número significativo de delegacias policiais no Brasil, talvez até mesmo a maioria delas, possui uma cela de tortura. Essa cela é normalmente chamada de sala do pau, em referência à técnica de tortura mais utilizada pela polícia brasileira, o pau de arara. Este consiste de uma barra na qual a vítima é suspensa por trás dos joelhos com as mãos amarradas aos tornozelos. Uma vez no pau de arara, a vítima, normalmente despida, sofre espancamentos, choques elétricos e afogamentos. Afogamento, por sua vez, é uma técnica de tortura na qual a cabeça da vítima é imersa em um tanque de água, ou água é jogada na boca e narinas da vítima causando a sensação de afogamento. Segundo aqueles que passaram por tal forma de tortura, a experiência produz uma sensação terrível de morte iminente. Durante a pesquisa, a Human Rights Watch entrevistou dezenas de presos que, de forma convincente, descreveram a tortura em delegacias nos primeiros momentos de suas detenções. Um preso em Manaus, condenado por tráfico de drogas, descreveu como fora torturado em uma delegacia, pendurado de cabeça para baixo por mais de três horas e espancado com paus até a fratura de suas costelas. Em São Paulo, presos da carceragem do Depatri descreveram que foram levados à sala de torturas num andar superior onde retalhos de pano foram postos em suas bocas enquanto sofriam choques elétricos nas orelhas, pescoços e debaixo dos braços. Mas foi no estado de Minas Gerais onde ouvimos as mais consistentes e convincentes denúncias de tortura. Com freqüência, os presos entrevistados permaneciam nas mesmas delegacias onde sofreram os abusos, expostos ao contínuo contato com seus torturadores13.

Sem ao menos condições físicas dignas, imagina-se como são as condições de

assistência médica numa população carcerária onde há propagação de doenças sexualmente

transmissíveis, inclusive a AIDS, tuberculose, doenças digestivas e de trato respiratório, que

preocupam não só os presos, mas também os agentes e trabalhadores penitenciários que estão

em contato com os presos e com o mundo exterior, podendo ocasionar uma transmissão de

doenças a toda sociedade. Sem mencionar que, se necessário tratamento fora da prisão, há que

se ter uma autorização judiciária, cada vez mais morosa de se obter e sem eficácia alguma, já

que os hospitais públicos se encontram abarrotados.

Indo adiante, não em críticas, mas na realidade das prisões brasileiras, hoje consideradas

escolas do crime, já que não classificam os presos, deixando literalmente ”ladrões de

galinha”, presos provisórios e preventivos junto com condenados de alta periculosidade,

traficantes, assassinos, entre outros. Com isso, gera-se a crescente violência cometida entre

eles mesmos que, hoje em dia, criam suas lei próprias, seu próprio sistema legal, onde julgam

e condenam os próprios companheiros do crime.

13 Joanne MARINER, Relatório: O Brasil Atrás das Grades, Acesso em 17 de maio 2005.

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Com o déficit de agentes penitenciários, as vigilâncias são mínimas ante o poder dos

presos, gerando uma insegurança aos próprios trabalhadores. A educação e a ociosidade não

oferecem oportunidades para que o preso, ao sair da prisão, seja recebido pelo mercado de

trabalho, cada vez mais exigente. Desta forma, o preso sofre uma dupla punição: o

cumprimento de sua pena e, ao sair da prisão, a exclusão pela sociedade. O Relatório é claro

ao reproduzir que:

De acordo com a LEP, todos os presos condenados devem trabalhar. É preciso notar, porém, que as obrigações legais com relação ao trabalho prisional são recíprocas: os detentos têm o direito de trabalhar e as autoridades carcerárias devem, portanto, fornecer aos detentos oportunidades de trabalho. Apesar das determinações legais, entretanto, os estabelecimentos penais do país não oferecem oportunidades de trabalho suficientes para todos os presos. Embora a proporção de detentos que se dedicam a alguma forma de trabalho produtivo varie significativamente de prisão para prisão, apenas em algumas prisões femininas encontramos de fato oportunidades de trabalho abundantes14.

Com fundamentos na realidade, a única conclusão que se permite é que o sistema

prisional brasileiro precisa ser repensado, necessita de normas auto-executáveis, que

transformem este quadro fatídico em que se encontram as prisões brasileiras. Para tanto, há

que se aumentar o número de presídios, os agentes penitenciários e, inclusive, o número de

juízes que compõem atualmente o Poder Judiciário. Que sejam feitas as oficinas de trabalho e,

com o fruto da venda dos produtos fabricados pelos detentos, seja feita a manutenção dos

mesmos dentro do estabelecimento prisional. Não é utopia, isto pode ser uma realidade.

Leis e normas administrativas há aos montes, porém, não há cumprimento das mesmas,

maior prova disto é a Resolução nº 14, de 11 de novembro de 1994, do Conselho Nacional de

Política Criminal e Penitenciário, que dispõe sobre as regras mínimas para tratamento do

preso no Brasil, que chega a ser um sonho muito longe de se concretizar ante a realidade dos

fatos, como se pode concluir ao se analisar o corpo legislativo desta resolução:

RESOLUÇÃO Nº 14, DE 11 DE NOVEMBRO DE 1994 O Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), no uso de suas atribuições legais e regimentais e; Considerando a decisão, por unanimidade, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, reunido em 17 de outubro de 1994, com o propósito de estabelecer regras mínimas para o tratamento de Presos no Brasil;

14 Joanne MARINER, Relatório: O Brasil Atrás das Grades, Acesso em 17 de maio 2005.

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Considerando a recomendação, nesse sentido, aprovada na sessão de 26 de abril a 6 de maio de 1994, pelo Comitê Permanente de Prevenção ao Crime e Justiça Penal das Nações Unidas, do qual o Brasil é Membro; Considerando ainda o disposto na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal); Resolve fixar as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil. TÍTULO I REGRAS DE APLICAÇÃO GERAL CAPÍTULO I DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS Art. 1º. As normas que se seguem obedecem aos princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem e daqueles inseridos nos Tratados, Convenções e regras internacionais de que o Brasil é signatário devendo ser aplicadas sem distinção de natureza racial, social, sexual, política, idiomática ou de qualquer outra ordem. Art. 2º. Impõe-se o respeito às crenças religiosas, aos cultos e aos preceitos morais do preso. Art. 3º. É assegurado ao preso o respeito à sua individualidade, integridade física e dignidade pessoal. Art. 4º. O preso terá o direito de ser chamado por seu nome.

O que o Ministério da Justiça, através do Conselho Nacional de Política criminal e

Penitenciária, quis enfatizar, desde o princípio, é que todo preso deve ser tratado com

igualdade e ter seus costumes, crenças e moral respeitados. Porém, muito distante está esta

igualdade, já que, até mesmo na fase processual, muitos não “afortunados” já sofrem o

preconceito por serem pobres. Prova disto é a impossibilidade econômica de poder contratar

um advogado, sendo amparado pela justiça gratuita que, infelizmente, se encontra insuficiente

para promover uma defesa digna e justa ao acusado de baixa renda; presos sem grau de

escolaridade que são jogados nos amontoados humanos, enquanto os criminosos de colarinho

branco, “quando” permanecem na prisão, possuem tratamento diferenciado. Até mesmo a

igualdade dos presos é um direito não atingido pela realidade jurídica brasileira. Na

seqüência, em seu Capítulo II, a Resolução diz:

CAPÍTULO II DO REGISTRO Art. 5º. Ninguém poderá ser admitido em estabelecimento prisional sem ordem legal de prisão. Parágrafo Único. No local onde houver preso deverá existir registro em que constem os seguintes dados: I – identificação; II – motivo da prisão; III – nome da autoridade que a determinou; IV – antecedentes penais e penitenciários; V – dia e hora do ingresso e da saída. Art. 6º. Os dados referidos no artigo anterior deverão ser imediatamente comunicados ao programa de Informatização do Sistema Penitenciário Nacional – INFOPEN, assegurando-se ao preso e à sua família o acesso a essas informações.

Reitera, portanto, a proibição da prisão ilegal e arbitrária ao mencionar que ninguém

poderá ser levado a estabelecimento prisional sem ordem legal e devem ser registrados todos

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os dados de sua prisão, seus antecedentes e sua identificação, sendo remetidos ao INFOPEN,

sendo de livre acesso estas informações ao preso e a sua família.

CAPÍTULO III DA SELEÇÃO E SEPARAÇÃO DOS PRESOS Art. 7º Presos pertencentes a categorias diversas devem ser alojados em diferentes estabelecimentos prisionais ou em suas seções, observadas características pessoais tais como: sexo, idade, situação judicial e legal, quantidade de pena a que foi condenado, regime de execução, natureza da prisão e o tratamento específico que lhe corresponda, atendendo ao princípio da individualização da pena. § 1º. As mulheres cumprirão pena em estabelecimentos próprios. § 2º. Serão asseguradas condições para que a presa possa permanecer com seus filhos durante o período de amamentação dos mesmos. (grifo nosso)

Esta é uma das maiores preocupações que este trabalho tenta esmiuçar a respeito dos

presos provisoriamente, já que atualmente os presos não são separados por idade, grau de

pena, de periculosidade; são simplesmente alojados de maneira precária, presos provisórios

com presos já condenados, homicidas com estelionatários e assim vai a disparidade das

prisões brasileiras.

CAPÍTULO IV DOS LOCAIS DESTINADOS AOS PRESOS Art. 8º: Salvo razões especiais, os presos deverão ser alojados individualmente. § 1º: Quando da utilização de dormitórios coletivos, estes deverão ser ocupados por presos cuidadosamente selecionados e reconhecidos como aptos a serem alojados nessas condições. § 2º. O preso disporá de cama individual provida de roupas, mantidas e mudadas correta e regularmente, a fim de assegurar condições básicas de limpeza e conforto. Art. 9º. Os locais destinados aos presos deverão satisfazer as exigências de higiene, de acordo com o clima, particularmente no que ser refere à superfície mínima, volume de ar, calefação e ventilação. Art. 10º O local onde os presos desenvolvam suas atividades deverá apresentar: I – janelas amplas, dispostas de maneira a possibilitar circulação de ar fresco, haja ou não ventilação artificial, para que o preso possa ler e trabalhar com luz natural; II – quando necessário, luz artificial suficiente, para que o preso possa trabalhar sem prejuízo da sua visão; III – instalações sanitárias adequadas, para que o preso possa satisfazer suas necessidades naturais de forma higiênica e decente, preservada a sua privacidade. IV – instalações condizentes, para que o preso possa tomar banho à temperatura adequada ao clima e com a freqüência que exigem os princípios básicos de higiene. Art. 11. Aos menores de 0 a 6 anos, filhos de preso, será garantido o atendimento em creches e em pré-escola. Art. 12. As roupas fornecidas pelos estabelecimentos prisionais devem ser apropriadas às condições climáticas. § 1º. As roupas não deverão afetar a dignidade do preso. § 2º. Todas as roupas deverão estar limpas e mantidas em bom estado. § 3º. Em circunstâncias especiais, quando o preso se afastar do estabelecimento para fins autorizados ser-lhe-á permitido usar suas próprias roupas. (grifos nossos)

81

O capítulo III estabelece como devem ser as celas dos presos, especificando que a regra

geral é que cada preso seja alojado individualmente e, somente em grupos, como uma

exceção; porém, infelizmente, na realidade, a exceção é que se torna a regra geral, visto que

nossos estabelecimentos penais se encontram abarrotados, são realmente “depósitos de lixo

humano”, já que é assim que os presos são tratados. Simplesmente, não há como se falar no

cumprimento desta lei, pois, ao invés de camas individualizadas, estabelecimentos com

ventilação e luz natural, roupas limpas e em bom estado, instalações sanitárias para a higiene

do preso, de forma adequada e adaptadas às condições climáticas, encontram-se colchões

improvisados, presos dormindo com o rosto próximo à latrina, uns sobre os outros, sem roupa

de cama, quanto mais roupas pessoais fornecidas pelo estabelecimento.

CAPÍTULO V DA ALIMENTAÇÃO Art. 13. A administração do estabelecimento fornecerá água potável e alimentação aos presos. Parágrafo Único – A alimentação será preparada de acordo com as normas de higiene e de dieta, controlada por nutricionista, devendo apresentar valor nutritivo suficiente para manutenção da saúde e do vigor físico do preso. Neste capítulo, o Ministério da Justiça demonstra a importância de se fornecer ao preso uma alimentação adequada e estabelecida por um especialista na área, feita em condições higiênicas, assim como o fornecimento de água potável. CAPÍTULO VI DOS EXERCÍCIOS FÍSICOS Art. 14. O preso que não se ocupar de tarefa ao ar livre deverá dispor de, pelo menos, uma hora ao dia para realização de exercícios físicos adequados ao banho de sol. CAPÍTULO VII DOS SERVIÇOS DE SAÚDE E ASSISTÊNCIA SANITÁRIA Art. 15. A assistência à saúde do preso, de caráter preventivo curativo, compreenderá atendimento médico, psicológico, farmacêutico e odontológico. Art. 16. Para assistência à saúde do preso, os estabelecimentos prisionais serão dotados de: I – enfermaria com cama, material clínico, instrumental adequado a produtos farmacêuticos indispensáveis para internação médica ou odontológica de urgência; II – dependência para observação psiquiátrica e cuidados toxicômanos; III – unidade de isolamento para doenças infecto-contagiosas. Parágrafo Único - Caso o estabelecimento prisional não esteja suficientemente aparelhado para prover assistência médica necessária ao doente, poderá ele ser transferido para unidade hospitalar apropriada. Art. 17. O estabelecimento prisional destinado a mulheres disporá de dependência dotada de material obstétrico. Para atender à grávida, à parturiente e à convalescente, sem condições de ser transferida a unidade hospitalar para tratamento apropriado, em caso de emergência. Art. 18. O médico, obrigatoriamente, examinará o preso, quando do seu ingresso no estabelecimento e, posteriormente, se necessário, para: I – determinar a existência de enfermidade física ou mental, para isso, as medidas necessárias; II – assegurar o isolamento de presos suspeitos de sofrerem doença infecto-contagiosa; III – determinar a capacidade física de cada preso para o trabalho; IV – assinalar as deficiências físicas e mentais que possam constituir um obstáculo para sua reinserção social. Art. 19. Ao médico cumpre velar pela saúde física e mental do preso, devendo realizar visitas diárias àqueles que necessitem.

82

Art. 20. O médico informará ao diretor do estabelecimento se a saúde física ou mental do preso foi ou poderá vir a ser afetada pelas condições do regime prisional. Parágrafo Único – Deve-se garantir a liberdade de contratar médico de confiança pessoal do preso ou de seus familiares, a fim de orientar e acompanhar seu tratamento.

Mais uma vez, garantindo o bem-estar do preso que não realizar durante o dia nenhuma

atividade ao ar livre, é seu direito permanecer pelo menos 1 (uma) hora em local aberto para

realizar exercícios. Dispõe que cada estabelecimento deverá estar equipado para atender

enfermos e mulheres grávidas, em caso de emergência, e dar assistência médica, psiquiátrica,

odontológica e farmacêutica a todos os presos, sendo direito de todos contratar um médico da

família para orientar o tratamento e acompanhá-lo em sua constância.

CAPÍTULO VIII DA ORDEM E DA DISCIPLINA Art. 21. A ordem e a disciplina deverão ser mantidas, sem se impor restrições além das necessárias para a segurança e a boa organização da vida em comum. Art. 22. Nenhum preso deverá desempenhar função ou tarefa disciplinar no estabelecimento prisional. Parágrafo Único – Este dispositivo não se aplica aos sistemas baseados na autodisciplina e nem deve ser obstáculo para a atribuição de tarefas, atividades ou responsabilidade de ordem social, educativa ou desportiva. Art. 23 . Não haverá falta ou sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar. Parágrafo Único – As sanções não poderão colocar em perigo a integridade física e a dignidade pessoal do preso. Art. 24. São proibidos, como sanções disciplinares, os castigos corporais, clausura em cela escura, sanções coletivas, bem como toda punição cruel, desumana, degradante e qualquer forma de tortura. Art. 25. Não serão utilizados como instrumento de punição: correntes, algemas e camisas-de-força. Art. 26. A norma regulamentar ditada por autoridade competente determinará em cada caso: I – a conduta que constitui infração disciplinar; II – o caráter e a duração das sanções disciplinares; III - A autoridade que deverá aplicar as sanções. Art. 27. Nenhum preso será punido sem haver sido informado da infração que lhe será atribuída e sem que lhe haja assegurado o direito de defesa. Art. 28. As medidas coercitivas serão aplicadas, exclusivamente, para o restabelecimento da normalidade e cessarão, de imediato, após atingida a sua finalidade. CAPÍTULO IX DOS MEIOS DE COERÇÃO Art. 29. Os meios de coerção, tais como algemas, e camisas-de-força, só poderão ser utilizados nos seguintes casos: I – como medida de precaução contra fuga, durante o deslocamento do preso, devendo ser retirados quando do comparecimento em audiência perante autoridade judiciária ou administrativa; II – por motivo de saúde, segundo recomendação médica; III – em circunstâncias excepcionais, quando for indispensável utiliza-los; Em razão de perigo eminente para a vida do preso, de servidor, ou de terceiros. Art. 30. É proibido o transporte de preso em condições ou situações que lhe importam sofrimentos físicos. Parágrafo Único – No deslocamento de mulher presa a escolta será integrada, pelo menos, por uma policial ou servidor pública. CAPÍTULO X DA INFORMAÇÃO E DO DIREITO DE QUEIXA DOS PRESOS

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Art. 31. Quando do ingresso no estabelecimento prisional, o preso receberá informações escritas sobre normas que orientarão seu tratamento, as imposições de caráter disciplinar bem como sobre os seus direitos e deveres. Parágrafo Único – Ao preso analfabeto, essas informações serão prestadas verbalmente. Art. 32. O preso terá sempre a oportunidade de apresentar pedidos ou formular queixas ao diretor do estabelecimento, à autoridade judiciária ou outra competente.

Trata da imposição de ordens e manutenção da disciplina nos estabelecimentos

prisionais de forma comedida, razoável e proporcional ao fim objetivado, que devem ser

cessadas logo após cumprir sua finalidade. Não é permitido obrigar o preso a cumprir tarefa

por indisciplina, nem sanção sem prévia lei que a defina, sabendo-se que as sanções jamais

poderão ferir a honra e a integridade física do preso, proibindo-se qualquer forma de tortura,

castigo corporal, cela sem iluminação e castigos coletivos. As algemas, camisas de força e

correntes são proibidas, só sendo admitido o seu uso no rol taxativo desta resolução. Convém

enfatizar o direito que o preso tem de se defender no caso de alguma infração lhe ser atribuída

e seu direito de queixa ou pedidos perante as autoridades competentes.

CAPÍTULO XI DO CONTATO COM O MUNDO EXTERIOR Art. 33. O preso estará autorizado a comunicar-se periodicamente, sob vigilância, com sua família, parentes, amigos ou instituições idôneas, por correspondência ou por meio de visitas. § 1º. A correspondência do preso analfabeto pode ser, a seu pedido, lida e escrita por servidor ou alguém opor ele indicado; § 2º. O uso dos serviços de telecomunicações poderá ser autorizado pelo diretor do estabelecimento prisional. Art. 34. Em caso de perigo para a ordem ou para segurança do estabelecimento prisional, a autoridade competente poderá restringir a correspondência dos presos, respeitados seus direitos. Parágrafo Único – A restrição referida no "caput" deste artigo cessará imediatamente, restabelecida a normalidade. Art. 35. O preso terá acesso a informações periódicas através dos meios de comunicação social, autorizado pela administração do estabelecimento. Art. 36. A visita ao preso do cônjuge, companheiro, família, parentes e amigos, deverá observar a fixação dos dias e horários próprios. Parágrafo Único - Deverá existir instalação destinada a estágio de estudantes universitários. Art. 37. Deve-se estimular a manutenção e o melhoramento das relações entre o preso e sua família. CAPÍTULO XII DAS INSTRUÇÕES E ASSISTÊNCIA EDUCACIONAL Art. 38. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso. Art. 39. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação e de aperfeiçoamento técnico. Art. 40. A instrução primária será obrigatoriamente ofertada a todos os presos que não a possuam. Parágrafo Único – Cursos de alfabetização serão obrigatórios para os analfabetos. Art. 41. Os estabelecimentos prisionais contarão com biblioteca organizada com livros de conteúdo informativo, educativo e recreativo, adequados à formação cultural, profissional e espiritual do preso. Art. 42. Deverá ser permitido ao preso participar de curso por correspondência, rádio ou televisão, sem prejuízo da disciplina e da segurança do estabelecimento.

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CAPÍTULO XIII DA ASSISTÊNCIA RELIGIOSA E MORAL Art. 43. A Assistência religiosa, com liberdade de culto, será permitida ao preso bem como a participação nos serviços organizado no estabelecimento prisional. Parágrafo Único – Deverá ser facilitada, nos estabelecimentos prisionais, a presença de representante religioso, com autorização para organizar serviços litúrgicos e fazer visita pastoral a adeptos de sua religião. CAPÍTULO XIV DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA Art. 44. Todo preso tem direito a ser assistido por advogado. § 1º. As visitas de advogado serão em local reservado respeitado o direito à sua privacidade; § 2º. Ao preso pobre o Estado deverá proporcionar assistência gratuita e permanente. CAPÍTULO XV DOS DEPÓSITOS DE OBJETOS PESSOAIS Art. 45. Quando do ingresso do preso no estabelecimento prisional, serão guardados, em lugar seguro, o dinheiro, os objetos de valor, roupas e outras peças de uso que lhe pertençam e que o regulamento não autorize a ter consigo. § 1º. Todos os objetos serão inventariados e tomadas medidas necessárias para sua conservação; § 2º. Tais bens serão devolvidos ao preso no momento de sua transferência ou liberação. CAPÍTULO XVI DAS NOTIFICAÇÕES Art. 46. Em casos de falecimento, de doença, acidente grave ou de transferência do preso para outro estabelecimento, o diretor informará imediatamente ao cônjuge, se for o ocaso, a parente próximo ou a pessoa previamente designada. § 1º. O preso será informado, imediatamente, do falecimento ou de doença grave de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão, devendo ser permitida a visita a estes sob custódia. § 2º . O preso terá direito de comunicar, imediatamente, à sua família, sua prisão ou sua transferência para outro estabelecimento. CAPÍTULO XVII DA PRESERVAÇÃO DA VIDA PRIVADA E DA IMAGEM Art. 47. O preso não será constrangido a participar, ativa ou passivamente, de ato de divulgação de informações aos meios de comunicação social, especialmente no que tange à sua exposição compulsória à fotografia ou filmagem. Parágrafo Único – A autoridade responsável pela custódia do preso providenciará, tanto quanto consinta a lei, para que informações sobre a vida privada e a intimidade do preso sejam mantidas em sigilo, especialmente aquelas que não tenham relação com sua prisão. Art. 48. Em caso de deslocamento do preso, por qualquer motivo, deve-se evitar sua exposição ao público, assim como resguardá-lo de insultos e da curiosidade geral. CAPÍTULO XVIII DO PESSOAL PENITENCIÁRIO Art. 49. A seleção do pessoal administrativo, técnico, de vigilância e custódia, atenderá à vocação, à preparação profissional e à formação profissional dos candidatos através de escolas penitenciárias. Art. 50. O servidor penitenciário deverá cumprir suas funções, de maneira que inspire respeito e exerça influência benéfica ao preso. Art. 51. Recomenda-se que o diretor do estabelecimento prisional seja devidamente qualificado para a função pelo seu caráter, integridade moral, capacidade administrativa e formação profissional adequada. Art. 52. No estabelecimento prisional para a mulher, o responsável pela vigilância e custódia será do sexo feminino. TÍTULO II REGRAS APLICÁVEIS A CATEGORIAS ESPECIAIS

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CAPÍTULO XIX DOS CONDENADOS Art. 53. A classificação tem por finalidade: I – separar os presos que, em razão de sua conduta e antecedentes penais e penitenciários, possam exercer influência nociva sobre os demais. II – dividir os presos em grupos para orientar sua reinserção social; Art. 54. Tão logo o condenado ingresse no estabelecimento prisional, deverá ser realizado exame de sua personalidade, estabelecendo-se programa de tratamento específico, com o propósito de promover a individualização da pena. CAPÍTULO XX DAS RECOMPENSAS Art. 55. Em cada estabelecimento prisional será instituído um sistema de recompensas, conforme os diferentes grupos de presos e os diferentes métodos de tratamento, a fim de motivar a boa conduta, desenvolver o sentido de responsabilidade, promover o interesse e a cooperação dos presos. CAPÍTULO XXI DO TRABALHO Art. 56. Quanto ao trabalho: I - o trabalho não deverá ter caráter aflitivo; II – ao condenado será garantido trabalho remunerado conforme sua aptidão e condição pessoal, respeitada a determinação médica; III – será proporcionado ao condenado trabalho educativo e produtivo; IV – devem ser consideradas as necessidades futuras do condenado, bem como, as oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho; V – nos estabelecimentos prisionais devem ser tomadas as mesmas precauções prescritas para proteger a segurança e a saúde dois trabalhadores livres; VI – serão tomadas medidas para indenizar os presos por acidentes de trabalho e doenças profissionais, em condições semelhantes às que a lei dispõe para os trabalhadores livres; VII – a lei ou regulamento fixará a jornada de trabalho diária e semanal para os condenados, observada a destinação de tempo para lazer, descanso. Educação e outras atividades que se exigem como parte do tratamento e com vistas a reinserção social; VIII – a remuneração aos condenados deverá possibilitar a indenização pelos danos causados pelo crime, aquisição de objetos de uso pessoal, ajuda à família, constituição de pecúlio que lhe será entregue quando colocado em liberdade. CAPÍTULO XXII DAS RELAÇÕES SOCIAIS E AJUDA PÓS-PENITENCIÁRIA Art. 57. O futuro do preso, após o cumprimento da pena, será sempre levado em conta. Deve-se anima-lo no sentido de manter ou estabelecer relações com pessoas ou órgãos externos que possam favorecer os interesses de sua família, assim como sua própria readaptação social. Art. 58. Os órgãos oficiais, ou não, de apoio ao egresso devem: I – proporcionar-lhe os documentos necessários, bem como, alimentação, vestuário e alojamento no período imediato à sua liberação, fornecendo-lhe, inclusive, ajuda de custo para transporte local; II – ajuda-lo a reintegrar-se à vida em liberdade, em especial, contribuindo para sua colocação no mercado de trabalho. CAPÍTULO XXIII DO DOENTE MENTAL Art. 59. O doente mental deverá ser custodiado em estabelecimento apropriado, não devendo permanecer em estabelecimento prisional além do tempo necessário para sua transferência. Art. 60. Serão tomadas providências, para que o egresso continue tratamento psiquiátrico, quando necessário. (grifos nossos)

Estes capítulos são verdadeiras utopias, já que não condizem com os fatos: garante-se ao

preso o direito de informação pelos meios de comunicação para não se desligar dos fatos

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sociais; direito a visitas e informações sobre a família; direito à educação, inclusive

profissionalizante, devendo haver biblioteca em cada estabelecimento para fornecer material

didático e cultural aos presos. É garantido o direito aos cultos, a separação dos presos

condenados por classificação e a recompensa por boa conduta, como forma de incentivo para

a ressocialização do preso. E o fundamental, ajuda para que o preso, ao sair da prisão, seja

reintroduzido no mercado de trabalho sem discriminações. Finalmente, o capítulo seguinte

trata do assunto que mais interessa neste trabalho:

CAPÍTULO XXIV DO PRESO PROVISÓRIO Art. 61. Ao preso provisório será assegurado regime especial em que se observará: I – separação dos presos condenados; II – cela individual, preferencialmente; III – opção por alimentar-se às suas expensas; IV – utilização de pertences pessoais; V – uso da própria roupa ou, quando for o caso, de uniforme diferenciado daquele utilizado por preso condenado; VI – oferecimento de oportunidade de trabalho; VII – visita e atendimento do seu médico ou dentista. (grifos nossos)

Neste momento, percebe-se que o preso provisório há de ter um tratamento

diferenciado, para evitar que a prisão se transforme em pena e não em meio de proteção à

efetividade da tutela jurisdicional. Assim, estes presos, atingidos pelas prisões processuais,

devem ser alojados individualmente, em celas separadas dos presos condenados; se quiserem,

poderão custear seu próprio alimento, receber atendimento de seu médico e dentista pessoal,

usar sua própria roupa ou, caso contrário, que o estabelecimento prisional lhes forneça

uniformes diferentes dos demais presos.

Mirabete, em relação à separação dos presos, ensina que “Evitam-se o mais que possível

contágio e as nocivas influências do condenado contumaz em relação ao primário, que os

pode levar à corrupção, a uma fácil integração à ‘subcultura carcerária’ e às maiores

dificuldades no caminho da reinserção social” (2000, 235-6).

Assim sendo, a manutenção de presos provisórios com presos já condenados, além de

afrontarem o próprio direito, é sinônimo de periculosidade para toda sociedade que, ao invés

de possuir um sistema carcerário que reabilite o condenado, permite que ele se transforme de

maneira negativa intra murus.

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CAPÍTULO XXV DO PRESO POR PRISÃO CIVIL Art. 62. Nos casos de prisão de natureza civil, o preso deverá permanecer em recinto separado dos demais, aplicando-se, no que couber, as normas destinadas aos presos provisórios. CAPÍTULO XXVI DOS DIREITOS POLÍTICOS Art. 63. São assegurados os direitos políticos ao preso que não está sujeito aos efeitos da condenação criminal transitada em julgado. CAPÍTULO XXVII DAS DISPOSIÇÕES FINAIS Art. 64. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária adotará as providências essenciais ou complementares para cumprimento das regras Mínimas estabelecidas nesta resolução, em todas as Unidades Federativas. Art. 65. Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação. EDMUNDO OLIVEIRA Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária HERMES VILCHEZ GUERREIRO Conselheiro Relator (grifo nosso)

Infelizmente, a realidade não condiz com a lei. No relatório feito pelo Departamento

Penitenciário Nacional, com o intuito de fazer um diagnóstico do mal que vem atingindo

nosso sistema penitenciário, foi detectado através de informes obtidos pelos Estados e Distrito

Federal, referência junho de 2004, que o sistema penitenciário brasileiro possuía 328.776

presos e internados, sendo 134.266 no regime fechado, 32.508 no regime semi-aberto, 78.523

na condição de presos provisórios e 3.827 cumprindo medida de segurança. Do total

mencionado, 249.124 estão propriamente no sistema penitenciário, enquanto que 79.652

encontram-se na segurança pública. Fazendo uma análise da inclusão e liberação de presos,

relativo ao segundo semestre de 2003, foi constatado que 9.391 presos eram incluídos por mês

no sistema, enquanto 5.897 eram liberados, dando um saldo de 3.494 presos por mês, ou seja,

mais 41.928 presos por ano. Conclusão, mais presos para cadeias e presídios já superlotados.

Este relatório destacou a falta de sintonia entre os órgãos da execução penal, cada vez mais

distanciados da realidade prisional e absorvidos pelo recrudescimento na aplicação de penas

privativas de liberdade e na busca por solucionar este problema, principalmente através da

prevenção especial. Porém, este relatório é observado por todos os cidadãos da sociedade,

diante das inúmeras rebeliões, fugas e crimes cometidos dentro das prisões, mas medidas

práticas para solucionar o problema, infelizmente, só ficam no papel.

De acordo com dados do Ministério da Justiça, há 25% de presos no sistema carcerário

brasileiro na condição de presos provisórios, que ainda não tiveram seu julgamento pela

justiça, mas que se encontram sob sua guarda através da decretação de alguma prisão

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processual, sendo que, nas delegacias, entre os presos provisórios, aproximadamente, 35%

deles são presos definitivos, repercutindo de maneira malévola no tratamento que deve ser

reservado àqueles reclusos, que estão ali para assegurar a eficácia da persecução penal, ainda

que não se saiba qual será seu resultado e não para serem tratados como verdadeiros

condenados, pois, acima de tudo, há que se respeitar o princípio do devido processo legal e da

presunção de inocência, de modo a se compreender que a previsão destas prisões pode ser

harmônica em relação aos princípios constitucionais, mas sua aplicação é que muitas vezes

pode atropelar sua legalidade e deixar seqüelas permanentes nos seus agredidos.

Assim sendo, devido ao estado das prisões brasileiras, agrava-se ainda mais a

decretação inútil de prisões processuais, que acabam por se tornarem “vestibulares” do crime

e que só tendem a aumentar o número de presos em situação precária no país, sendo que,

muitas vezes, o preso provisoriamente é mantido por prazos excessivos na prisão, ainda que

tenha o direito de estar livre, pelo fato do atravancamento da máquina judiciária através da

burocracia. O correto seria a tomada de medidas menos drásticas, que por si só assegurariam o

prosseguimento da instrução e do processo penal, ao invés de, na maioria das vezes,

recorrerem à prisão como forma de garantir todos os atos processuais.

Muitos ordenamentos jurídicos já demonstraram que medidas alternativas podem ser

muito mais eficientes do que prisões ineficazes e desnecessárias que, por sua vez, só geram

gastos ao governo. No Brasil, também se vivencia esta experiência, porém, em números

ínfimos, pois, se fosse dado mais oportunidade de tais medidas alternativas predominarem,

verificar-se-ia que na realidade trazem maiores benefícios à sociedade e ao próprio acusado.

11.2 SISTEMA PRISIONAL COMPARADO

Interessante analisar os métodos adotados e utilizados pelos países da América do Sul

que compõem o Mercosul. Sabe-se da influência do direito alienígena na formação e na

concepção de novos regimes jurídicos em diversos países. Com o Brasil não foi diferente,

assim como na maioria dos paises da América Latina. Fato que se acentua mais ainda, por

terem sido colônias exploradas por uma metrópole que obrigava a aceitar seus próprios

regimes.

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O Código Rocco, vigente na Itália fascista de Mussolini, que instituía a primeira fase

processual penal como inquisitória, onde as provas eram produzidas secretamente, sem

conhecimento do acusado, e somente na fase de juízo é que era garantido ao réu os princípios

da oralidade do contraditório, da publicidade e demais princípios e direitos inerentes a um

processo penal acusatório, influenciou o Código uruguaio de 1933 e o brasileiro de 1940.

Tem-se o Projeto Tejedor, que vigorou como lei em diversas províncias argentinas até a

promulgação do Código de 1886. Marcado por sua enorme influência; o mesmo projeto se

transformou no Código Penal do Paraguai em 1871. O código penal argentino de 1922, que

vige até hoje, foi fortemente inspirado no Código de Zanardelli, que é caracterizado por sua

fidelidade à concepção da pena retributiva e ao livre-arbítrio como fundamento da

culpabilidade do criminoso, assim como na negação de valor às medidas de segurança e aos

tratamentos, exceto no caso de incapazes. Baseou-se, também, no Código Penal Holandês.

Às vistas dos críticos, os sistemas penais destes países e do Brasil estão intimamente

relacionados, seja no aspecto negativo, seja na formação. Para isto, cabe aqui realizar uma

breve avaliação do sistema penal de cada um.

11.2.1 A prisão na Argentina

A começar pela Argentina, na sua última estatística prisional, em 2003, contava com

51.998 presos, sendo que a totalidade de seus presídios tem capacidade para suportar no

máximo 33.000 presos. Em diversos relatórios sobre o sistema carcerário, são descritas

situações semelhantes às vivenciadas pelo sistema prisional brasileiro. São inúmeras as

considerações feitas no sentido de que as prisões argentinas estão abarrotadas, com a maioria

dos estabelecimentos em condições sanitárias desumanas, sem roupa de cama e colchões,

sendo que é dado aos presos pedaços de espuma em péssimas condições, violência com o

tratamento dos presos, casos até mesmo da proibição pelo Secretário de Segurança Pública da

entrada de autoridades do Observatório Internacional de Prisões nos estabelecimentos

prisionais argentinos. Ou seja, o sistema carcerário argentino também se encontra em situação

precária, talvez, até mesmo pior que a realidade brasileira.

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O Código de Processo Penal Argentino, instituído pela Lei nº N° 23.984/91, prevê como

atribuições da polícia o uso da força pública quando necessário, mas deixa ao livre-arbítrio

das pessoas o real significado da necessidade de prender os presumidos culpados e de mantê-

los incomunicáveis, se assim entenderem, pelo prazo máximo de 10 horas; o artigo 192 deste

Código chega a ser motivo de riso, se não fosse tamanho o desprezo pelos direitos

constitucionais, ao prever que se o processo for realizado contra vários acusados e somente

um ou alguns deles gozarem de privilégio constitucional, o processo poderá formar-se e

prosseguir em relação aos outros, deixando à tona a conclusão de que na Argentina os direitos

constitucionais são passíveis de restrição e aplicação desigual.

O presente Código Processual permite, em seu artigo 205, a possibilidade da

incomunicabilidade do acusado decretada pelo juiz por um prazo máximo de 48 horas, que

poderá ser prorrogado por mais 24 horas; é permitido até mesmo que se prenda a testemunha

por até 24 horas se houver receio de que ela se oculta ou fuja; uma afronta ao direito de

liberdade.

No capítulo que trata a respeito da situação do imputado, é previsto que a apresentação

espontânea do acusado não impedirá a decretação de prisão se necessária, mas que a prisão

pessoal do acusado só será procedida de acordo com as disposições do código, nos limites

indispensáveis para a descoberta da verdade e do cumprimento da lei. É permitido, nos casos

em que várias pessoas concorreram para o crime, de modo que não se saiba quais ou qual seja

a responsável, e se a não realização implicar em prejuízo da instrução, a obrigatoriedade deles

não saírem do local e não se comunicarem antes de seus respectivos depoimentos, e até

mesmo ordenar a prisão dos acusados que, para eles, é denominada arresto, por não mais que

8 horas, que podem ser prorrogadas por igual período. Passado este prazo, se for o caso,

poderá ser ordenada a detenção do presumido culpado.

Se o réu, que não for obrigado a cumprir pena privativa de liberdade, for citado para

comparecer à alguma fase do processo e não o fizer e nem justificar sua ausência, terá sua

detenção ordenada de imediato. Sempre que houver motivo para que o acusado seja

interrogado pelo juiz, será expedida sua detenção através de ordem judicial. Porém, é

admitida pelos argentinos a prisão sem ordem judicial, nos casos de delito de ação pública que

culmine pena privativa de liberdade, no momento em que se está na iminência de cometê-lo;

os casos de fugitivos; as pessoas contra a qual há indícios veementes de culpabilidade e que

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haja perigo de iminente fuga e prejuízo à investigação penal; porém, esta prisão é feita

somente para condução do acusado perante o juiz responsável que resolverá a respeito de sua

detenção e, por fim, nos casos de flagrante de crime de ação pública, penalizado com pena

privativa de liberdade. Em se tratando de delito de ação privada, o detentor do direito será

informado do fato e, se não apresentar denúncia, o detido será posto em liberdade.

A prisão preventiva, no Código de Processo Penal argentino, é atribuída aos crimes que

culminem em pena privativa de liberdade, que não terá possibilidade de converter em

execução condicional; e nos casos de ser uma pena privativa de liberdade que permita a

execução condicional, mas que, por estar o fato acompanhado de elementos, tais como a

reincidência, a valoração das características do fato, as condições pessoais do imputado, o já

aproveitamento de uma pena alternativa não restritiva da liberdade, que levam a presumir que

o acusado tentará iludir a ação da justiça e entorpecer as investigações.

O flagrante é considerado pelo direito processual penal argentino como o momento em

que o autor de um crime é surpreendido em sua realização ou logo depois; ou quando é

perseguido pela força pública, pelo ofendido ou pelo clamor público; ou quando tem objetos

ou apresenta rastros que façam presumir que acaba de participar de um delito.

A prisão por sentença condenatória ocorre quando o acusado é condenado a pena

privativa de liberdade e, se ainda não estiver preso, será ordenada sua captura, salvo se a pena

não exceder a seis 6 (meses) e não exista suspeita de fuga. Neste caso, será notificado para

que se apresente e seja detido dentro de cinco 5 (cinco) dias. Se o condenado estiver preso ou

quando se apresentar para ser detido, será alojado na penitenciária correspondente em sua

sentença.

E, por fim, prevê o processo penal argentino a prisão domiciliar, que será precedida de

inspeção e vigilância da autoridade local e, se o condenado descumprir alguma regra, será

levado para cumprir a pena em local apropriado. Porém, esta breve análise é feita no código

nacional, pois na Argentina muitas províncias têm seu próprio Código de Processo Penal e até

mesmo de execução penal. Por exemplo, pode-se citar o Código Processual Penal da

Província de Buenos Aires, que prevê em seu artigo 157, a prisão preventiva quando

estiverem presentes conjuntamente os seguintes requisitos: que se encontre justificada a

existência do delito; que se tenha recebido declaração do imputado ou se ele tenha se negado

a prestá-la e que, presentes elementos de convicção suficientes ou indícios que sustentem que

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o imputado seja provavelmente autor ou participante do crime, seja responsável pelo fato.

Estes códigos provinciais se limitam a respeitar o Código nacional de processo penal, mas

sempre apresentam algumas modificações a fim de limitar a aplicação ou a forma da prisão.

11.2.2 A prisão no Uruguai

O Código de Processo Penal da República do Uruguai trata do flagrante como a situação

em que se surpreende uma pessoa no ato de cometer o crime ou imediatamente após se

surpreenda a pessoa ocultando-se ou em qualquer outra situação que faça presumir sua

participação em um delito e, ao mesmo tempo, seja identificada pela pessoa ofendida ou

testemunhas como participante no fato delitivo; ou ainda, quando após o crime é encontrado

com objetos, instrumentos ou armas procedentes do delito ou apresente indícios que

presumam firmemente que acaba de participar de um delito.

Em seu artigo 118, o Código assinala que ninguém pode ser preso a não ser nos casos de

delito em flagrante ou, havendo elementos de convicção suficientes sobre sua existência, por

ordem escrita do Juiz competente, admitindo-se, excepcionalmente, em casos de urgência, a

ordem verbal. Em ambos os casos o Juiz tomará do detido sua declaração dentro de vinte e

quatro horas.

Os funcionários da polícia poderão prender sem ordem judicial aquele que intentar um

delito, no momento em que se dispor a cometê-lo; os que fugirem estando legalmente detidos;

e os que sejam surpreendidos em flagrante. Da mesma forma, os particulares poderão

proceder à captura de criminosos nestes casos e apresentá-los perante a autoridade

competente.

Em casos de fatos delituosos terem sido praticados por várias pessoas ou terem sido

testemunhados por muitos, se o juiz achar necessário para a instrução, poderá dispor que

nenhuma das pessoas se ausente do local e poderá fazer o “arresto” dessas pessoas pelo prazo

máximo de 24 (vinte e quatro) horas, igualmente ao preceito legal argentino. No caso de preso

em flagrante ou nos casos permitidos pela lei, somente poderão ser colocados em estado de

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incomunicabilidade por ordem do Juiz e, se após sua declaração, se o juiz achar necessário

para a instrução manterá ele nesta situação por mais vinte quatro horas.

A prisão preventiva deve ser expedida pelo juiz e cumprida por um policial. E será

efetuada nos casos de crime com incidência de pena privativa da liberdade ou que se presuma

que a condenação será de pena de prisão e também nos casos de motivos fundados que façam

presumir que o imputado fugirá da ação da justiça; ou que sua liberdade é obstáculo para a

eficácia da instrução; por razões de segurança pública, tratar-se de reincidência ou em caso de

cidadão processado. Só haverá processo sem prisão, quando se tratar de faltas, de delitos

sancionados com penas de suspensão ou multa, de delitos culposos, quando presumido que

não recairá pena definitiva de Prisão. Da mesma forma, é possível o “arresto” da testemunha

por 24 (vinte e quatro) horas, nos casos de ausência de domicílio, possível fuga ou ocultação.

De forma lamentável, é descrita a situação dos presídios do Uruguai que, em 2003, era

composto por 24 presídios com capacidade para 3.266 presos, mas que já abrigavam 7.201.

Este ano foi marcado por diversas revoltas, já que faltava até mesmo comida aos presos, que

estavam se alimentando somente em dias alternados, sem contar os crescentes casos de

suicídios e mortes de presos. Segundo estatísticas do próprio Ministério do Interior, a cada

quatro horas, ingressava um novo preso nas prisões uruguaias. O presidente uruguaio, Tabaré

Vázquez, em 11 de abril de 2005, assinou uma resolução sobre o Protocolo Facultativo da

Convenção internacional contra a Tortura, que foi firmado em fevereiro de 1985, mas que só

agora criou uma comissão para verificar a situação dos presos nos presídios uruguaios.

11.2.3 A prisão no Paraguai

O Código paraguaio, por sua vez, já assegura ao acusado a garantia de só se pronunciar

e ser ouvido na presença de seu advogado, nomeado por ele próprio ou, na falta deste, pelo

defensor público. Sendo que este direito de declarar ou não é reforçado pela previsão, no

próprio código, de que o imputado não pode ser forçado a fazer juramento de dizer a verdade,

já que nada pode lhe prejudicar sua liberdade de decisão e, principalmente, de sua vontade.

É previsto o estado de rebeldia: quando o acusado é citado e não comparece sem

justificar-se, foge do local onde está detido, desobedece a uma ordem de apreensão ou

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ausenta-se de seu domicílio real sem avisar. Nestes casos, é expedida uma ordem de captura

pelo juiz. A única incomunicabilidade admitida é entre os vários participantes do delito, até

que sejam tomadas as suas respectivas declarações ou quando o juiz julgar necessária a

incomunicabilidade do réu por receio de prejudicar as investigações, porém, ele poderá

normalmente comunicar-se com seu defensor.

Em seu artigo 236, o Código Processual Penal trata da proporção da restrição da

liberdade do acusado durante o processo, que deverá ser proporcional à pena esperada. Em

nenhum caso poderá ser maior que a pena mínima aplicada ao fato, nem exceder o prazo que

fixa o Código para o término do processo e nem ser superior a dois anos.

Os fatos puníveis por iniciativa de ação privada, em que não comine pena privativa de

liberdade ou se esta for inferior a um ano de prisão, não poderá ser aplicada à prisão

preventiva, sem prejuízo das medidas alternativas, que poderão ser aplicadas dependendo das

circunstâncias do fato. Nem poderá ser decretada a prisão preventiva de maiores de 70

(setenta) anos; de mulheres nos últimos meses de gravidez e durante a lactação, ou de pessoas

afetadas por uma doença grave e terminal, devidamente comprovada. Se, em alguns casos, for

necessária a prisão, esta se converterá em um “arresto” domiciliar.

É permitido à Polícia Nacional prender, ainda que sem ordem judicial, toda pessoa que

seja surpreendida em flagrante, ou seja, perseguida após realizar um delito; quando tenha

fugido de algum estabelecimento prisional e quando existam fortes indícios sobre sua

participação em um delito e se trate de casos que é autorizada a prisão preventiva. Qualquer

pessoa do povo poderá prender em caso de flagrante e apresentar o acusado perante a

autoridade. Da mesma forma, é permitido ao Ministério Público mandar prender pessoa que

apresente fortes indícios de ser autor ou participante de um delito e sobre a qual recaia o

receio fundado de fuga ou ocultação da justiça; quando, no primeiro momento da

investigação, seja impossível individualizar os autores do delito e as testemunhas, e isso

causar prejuízo à instrução processual, para impedir que as pessoas deixem o local,

comuniquem entre si ou alterem o estado das coisas e do lugar, e quando para a investigação

de um fato punido como crime, seja necessária a declaração de uma pessoa e essa se negue a

fazê-lo. Porém, em 24 (vinte e quatro) horas, o juiz deve se manifestar após ouvir os detidos a

respeito de manter a prisão preventiva, aplicar uma medida substitutiva ou decretar sua

liberdade.

95

A prisão preventiva poderá ser decretada após depoimento do acusado, se preenchido

todos os requisitos, quais sejam, a existência de elementos de convicção suficientes de um

fato grave e punível, a presença indispensável do acusado e fatos que sustentem sua

participação ou autoria do fato punível e quando, pela apreciação das circunstâncias do caso,

existam fatos suficientes para supor a existência de fuga ou obstrução da justiça.

Por perigo de fuga, entende-se a falta de raiz, determinado por seu domicílio, residência

de sua família e de seus negócios ou trabalhos, sendo fácil abandonar definitivamente o país e

se ocultar; a pena que poderá ser imposta pelo processo; a importância do prejuízo causado e

a atitude que o imputado assume frente a ele e o comportamento do imputado durante o

processo; ou outro anterior, do qual se possa concluir a sua falta de vontade de sujeitar-se à

investigação ou submeter-se à persecução penal. Pode-se observar que aqui o que interfere na

possibilidade do acusado ir para a cadeia não é a reincidência dele, e sim o seu

comportamento durante processo anterior, o que se entende como a maneira mais lógica de se

evitar prisões desnecessárias e que ferem o direito do acusado.

Por perigo de obstrução da justiça, entende-se a grave suspeita de que o acusado

destruirá, modificará, ocultará, suprimirá ou falsificará elementos de prova; influirá para que

os outros participantes do delito, testemunhas e peritos informem falsamente ou se comportem

de maneira desleal, ou que induzirá os outros a efetuar tal comportamento. Se não estiverem

presentes esses dois requisitos, não há que se falar em prisão preventiva, mas sem prejuízo das

medidas alternativas que será a prisão domiciliar; a obrigação de submeter-se à vigilância de

uma pessoa ou instituição; de apresentar-se periodicamente perante o juiz; obrigação de

permanecer no país, na localidade onde resida ou no local do juízo competente; proibição de

permanecer em determinadas reuniões ou freqüentar certos lugares; proibição de conversar

com determinadas pessoas, desde que não afete seu direito de defesa e prestação de uma

caução real adequada, pelo imputado ou outra pessoa, através da entrega de dinheiro, bens ou

penhora, hipoteca e fiança de pessoa idônea. Uma decisão sábia e coerente, pois, nos crimes

de menor grau de potencialidade, esta seria a melhor opção, já que o acusado prestando uma

caução garantiria sua promessa em acompanhar corretamente o processo, sem prejuízo de seu

direito de respondê-lo em liberdade.

O Código Processual Penal Paraguaio é claro ao enfatizar em seu artigo 250, que o juiz

de ofício ou a pedido da parte colocará imediatamente em liberdade o acusado, quando não

96

estiverem presentes todos os pressupostos para a decretação da prisão preventiva. E o juiz

deverá examinar as medidas cautelares privativas de liberdade a cada 3 (três) meses e

substituí-las por outras menos gravosas ou colocar o imputado em liberdade.

Ainda sobre a prisão preventiva, dispõe o referido Código que a mesma deverá ser

revogada quando os elementos que a justificaram não mais estiverem presentes; quando sua

duração ultrapassar a pena mínima aplicada ao delito; se ultrapassar os prazos estabelecidos

pelo código e quando a restrição da liberdade do imputado tenha se caracterizado como uma

pena antecipada ou tenha provocado limitações que excedam a possibilidade de fuga. O que

realmente ocorre na maioria das prisões preventivas, a real intenção não é a de permitir o

curso normal do processo, e sim fazer com que o acusado já seja penalizado pelo fato que

cometeu.

Apesar de ser recente, no Código de Processo penal Paraguaio, muitas irregularidades

são constatadas, já que há muitos casos de prisão sem ordem judicial, casos de tortura, prisões

preventivas com prazos dilatados e péssimas condições carcerárias. Em relatório da Comissão

Interamericana de Direitos Humanos, é descrito que:

RELATÓRIO DE SEGUIMENTO DO CUMPRIMENTO DAS RECOMENDAÇÕES DA CIDH NO TERCEIRO RELATÓRIO SOBRE A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS EM PARAGUAI [...] No seu Terceiro Relatório, a Comissão manifestou sua preocupação com a situação na qual se encontram os internos das penitenciárias do país, devido a total falta de infra-estrutura de alojamento. Com efeito, a informação de que dispõe a CIDH demonstra que continua a superlotação como conseqüência da quantidade de internos processados, mas não condenados. 63. A CIDH também está preocupada com a deficiência na distribuição dos internos, já que não há padrões definidos para a localização dos mesmos dentro das penitenciárias. Igualmente preocupante é o déficit de oportunidades trabalhistas, a falta de pessoal capacitado e especializado na proporção de internos, e a insuficiência da atenção médica. 64. A Comissão foi informada que a o Estado do Paraguai conta com uma Penitenciária Nacional, superlotada com aproximadamente 1.781 presos, e nove penitenciárias regionais (Emboscada, Encarnação, Ciudad del Este, Coronel Oviedo, Concepção, Pedro Juan Caballero, Misiones, Villarrica e San Pedro), e dois centros correcionais de mulheres, um em Assunção e outro na Ciudad del Este. 65. O total da população presidiária no Paraguai é menor a 5.000, dos quais aproximadamente 558 são adolescentes e 170 mulheres. Os menores estão reclusos no Centro Educativo de Itagua e em menor número em algumas penitenciárias regionais. Um total de 17 internos estão no Centro Educativo La Salle. 66. O sistema penitenciário nacional está regulado pela Lei 210/70. O Estado reconheceu que a base jurídica requer uma urgente revisão e adequação as normas, princípios e regras mínimas sobre a matéria adotadas no âmbito internacional, a fim de dotar o sistema de uma sólida base normativa que promova uma reforma penitenciária integral. 67. O Estado também reconheceu que existe um sério déficit de infra-estrutura penitenciária que deve ser corrigido a curto e médio prazo a fim de melhorar as condições de vida dos reclusos e possibilitar a aplicação de programas sócio-educativos nas prisões. O atual sistema conta com centros penitenciários com infra-estrutura precária, com obsoletos mecanismos de segurança, com escasso pessoal e mal remunerado, e com limitações orçamentárias para atender a saúde e alimentação dos reclusos.

97

68. O problema de superlotação é extremamente grave em alguns centros penitenciários, como pôde ser constatado pela Comissão Interinstitucional de Visitas as Prisões. A Comissão foi informada que o Governo está acelerando os trabalhos para a breve habilitação dos novos centros penitenciários localizados em Concepção e Coronel Oviedo, cada um com capacidade para 600 reclusos. Na Penitenciária Regional de Coronel Oviedo existem aproximadamente 456 presos, enquanto em Concepção o número alcança 151. Existem outras duas penitenciárias em construção em Pedro Juan Caballero e Encarnação. 69. O Estado assinalou sua profunda preocupação pelas distintas áreas que englobam esta problemática e por isto informou que o Governo Nacional, através do Ministério de Justiça e Trabalho, se compromete a convocar, dentro do primeiro semestre de 2002, a consultores internacionais a fim de realizar um diagnóstico integral do sistema que abarque ademais de um marco regulador, a infra-estrutura dos centros de reclusão, pessoal, as condições de vida, saúde, educação, e atividades laborais, assim como a classificação dos reclusos segundo a situação processual e por idade. O Ministério de Justiça e Trabalho constituirá e integrará uma Comissão Técnica Inter-institucional, com representantes governamentais e da sociedade civil, com o mandato de estudar e propor ao Poder Legislativo um novo marco legal para o sistema penitenciário, que inclua a lei orgânica penitenciária, a lei de execução penal, a lei do estatuto do funcionário penitenciário e outras normas que regulem a matéria15.

Torna-se uma característica em comum a fragilidade do sistema de execução penal dos

países que compõem o Mercosul e de toda a América do Sul. Pois, se não há onde cumprir as

penas de forma digna e humana, não há que se falar em reabilitação, e sim na preparação do

indivíduo para ser pior do que era, e infelizmente isso acontece. Como se esperar a

ressocialização de um indivíduo que dorme com a cabeça dentro da latrina, que conhece o

lado mais imoral de um ser humano, que vive rodeado por lixos e esgotos que correm à céu

aberto? Que não tem condições de trabalho, ficando na ociosidade e alimentando suas idéias e

mentes criminosas? Deixam a própria máfia dos presos comandarem a vida na prisão,

permitindo que se reúnam, que formem “grupos” que constantemente ameaçam os outros,

mercantilizam drogas, bebidas, telefones, armas, tudo que precise vir de fora. A dominação

deles é tamanha que até mesmo os agentes penitenciários temem por suas vidas, pois estão em

constante perigo sem ao menos serem remunerados de forma justa. Há que ser cumprida a Lei

de Execução Penal, ser respeitada a forma estabelecida para alojamento dos presos de acordo

com o grau de criminalidade e tipo de prisão.

Conclui-se que sem a melhora da superlotação dos presídios não haverá solução para os

problemas. Há que ser construídos novos estabelecimentos penais, que abriguem um menor

número de pessoas e não essas verdadeiras cidades de presos, que tornam mais difícil a

fiscalização e vigilância do preso, e com certeza incentivar o trabalho prisional, que é

imprescindível para que ele saiba que está cumprindo sua pena, indenizando a sociedade com

15 RELATÓRIO Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Acesso em: mai.2005.

98

o seu trabalho e ainda aprendendo um ofício. Só isto lhe trará a oportunidade de compreender

o papel de todo ser humano dentro da sociedade, de poder cumprir sua pena e de se sentir útil

e apto à ressocialização e ao mercado de trabalho, bem como voltar ao convívio social ao sair

da prisão. Não se pode mais aceitar a socialização do indivíduo para permanecer na cadeia, e

sim readaptá-lo ao bom e moral convívio dentro da sociedade.

12. DA LUTA PELOS DIREITOS HUMANOS

Diz-se “luta” porque o homem, desde o momento em que concebeu que sua vida

necessitava estar acompanhada de certos requisitos, imprescindíveis para sua própria

sobrevivência natural, moral e social, passou a lutar para que esses seus direitos fossem

reconhecidos e respeitados. E, infelizmente, precisa-se constantemente estar à espreita de

inimigos, que a cada dia tolhem de cidadãos direitos indisponíveis e essenciais para a

dignidade humana. É uma guerra silenciosa e até mesmo fatal para aqueles que são

hipossuficientes. Prova disto é a própria realidade vivida pelos presos nos dias atuais. Não é

recente a previsão destes direitos, mas sua obediência é cada vez mais abolida.

É uma verdadeira desonra aos antepassados que tanto lutaram para ver esses direitos

humanos, inerentes à vida e tão essenciais quanto o ar respirado, se estabelecerem no mundo

social e jurídico. “As regras de Direitos Humanos são heranças culturais das civilizações”,

afirma Cândido Furtado Maia Neto; “seria ilógico renunciar ao que, com muita dificuldade já

se alcançou, nos contínuos e permanentes esforços político-jurídicos da humanidade. De outro

lado, também não é fácil exigir sua imediata, total e irrestrita aplicação; trata-se de uma

batalha de 3 milênios, como já nos referimos, desde muito anos antes de Cristo” (2003, p. 20).

Considera-se a Lei das Doze Tábuas como o primeiro grande marco na declaração de

direitos, já que tratava da liberdade, propriedade, posse, sucessão, indenização, pena de morte,

excludente da ilicitude e vários outros temas mantidos nos atuais ordenamentos jurídicos.

Desde há muitos séculos o homem escreve, idealiza, sonha com um mundo de

igualdades, onde todos tenham os mesmos direitos e sejam iguais não só perante a lei, mas

100

sim perante a sociedade e ao sistema capitalista. Um mundo em que todos tenham o direito e

tenham como concretizar o direito. É justamente isto que falta no ordenamento jurídico

brasileiro, principalmente em relação aos encarcerados: meios de se concretizar um direito

que há anos é apenas uma sombra.

Cândido Furtado Maia Neto, ao fazer um estudo sobre a história universal dos direitos

humanos, trata do assunto com a seguinte precisão temporal dos fatos:

Desde o Império Romano, séculos IV e V a luta foi pelo reconhecimento do status civitatis, contra a classificação do homem como escravo ou como pessoa livre. Entre os séculos VI e XII o direito concentrava-se nas mãos da nobreza e da igreja católica, onde a representatividade e a concepção da divindade guardavam estreita relação com o poder político-econômico da época. Nos fins do século XII a classe burguesa apresenta iniciais exigências políticas, e em 1.215, João Sem Terra (rei da Inglaterra) aceita a Magna Charta Libertatum, onde, na cláusula 29 expressa antecedentes do Juiz Natural, princípio da isonomia dos cidadãos perante os Tribunais. Trata-se da primeira declaração histórica dos direitos fundamentais civis e políticos do homem. No século XVII entre os anos de 1618 a 1648 as propostas foram de liberdade de pensamento e de ação, na reforma da Igreja e com o término da guerra dos 30 anos (Paz da Westefalia), a liberdade de opinião cristaliza o início do pluralismo religioso (2003, p. 20-1).

É nesta fase, de individualização, que o homem não se vê mais como o servo da Igreja,

o artesão que pertence a um determinado grupo, e sim o único que pode realizar as coisas por

si mesmo através de seu próprio trabalho. O homem descobre que a nobreza não vem só do

berço, como na época “ditatorial” da nobreza e do clero, mas principalmente pela força do seu

trabalho.

O marco contra as inquisições e torturas praticadas pela Igreja em nome do Senhor

Jesus é um longo caminho que se inicia com a assinatura da “Petition of Rights” assinada por

Carlo I, que funda na Inglaterra um Estado de Direito e, acima de tudo, proíbe as prisões

ilegais. Em 1679, surge a proteção ao direito de ir, vir e ficar de todo cidadão, o Habeas

Corpus, também utilizado contra as prisões ilegais e, em 1689, amplia-se este remédio. No

mesmo ano é implantada a monarquia parlamentar e inglesa, submetendo a mesma à

soberania popular, através da implantação da “Bill of Rights”, por Guilherme de Orange. E,

em 1701, para completar esses documentos, cria-se o Act Settlement, que exigia o

consentimento prévio do parlamento para declarar as guerras e não permitia que o rei

destituísse os magistrados.

Com a revolução iluminista, novos ideais são plantados nos anseios humanos, tornando

impossível o retrocesso na história dos direitos humanos. Colaborações imensuráveis foram

101

dadas para a história dos Direitos Humanos por filósofos como o Marquês de Beccaria,

Voltaire, Montesquieu, Rousseau. E, assim, em 1776, é consolidada a Declaração de Virgínia,

que estabelecia a soberania popular como o poder supremo de um Estado, bem como garantia

ao homem o direito de gozar a vida e a liberdade. Em julho do mesmo ano é redigida a

Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, que proclamava a igualdade de

todos os homens que receberam do Criador direitos inalienáveis e que, entre esses direitos,

deveria ser colocado em primeiro plano a vida, a liberdade e a busca da felicidade

O advento da Revolução Francesa faz surgir no cenário a Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão que proclamava, como imprescindível à vida, o direito à liberdade. Foi

essencialmente baseada nas idéias da igualdade e da liberdade original do homem. Após a 1ª

Grande Guerra Mundial, cria-se a Organização Internacional do Trabalho (1919) e a

Sociedade das Nações, em 1920. Já durante a 2ª Guerra Mundial, com a Carta do Atlântico e

o discurso das Quatro Liberdades (liberdade de expressão; liberdade de credo; liberdade do

medo e liberdade da necessidade), tenta-se criar uma nova esperança de respeito pelos direitos

humanos. E, finalmente, em 1945, 51 Estados assinam a Carta das Nações Unidas, criando a

ONU, que é ratificada pelo Brasil neste mesmo ano.

Enfim surge, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos que, para

Cândido Furtado Maia Neto, pode ser definido como um instrumento dotado de:

valor moral como princípios de direitos de liberdades fundamentais da pessoa. Por não ter passado pelo crivo da ratificação internacional não é um instrumento convencional (is not in terms a treaty instrument), mesmo assim, não se negam seus efeitos reais no âmbito do direito público dos Estados; muitas sentenças judiciais são por ela inspiradas; trata-se de um documento de esperança dos povos e de uma boa doutrina no campo do direito penal, enfim, fonte universalmente aceita pelo seu alto e evidenciado estágio de perfeição jurídica (2003, p.24).

A partir daí nascem muitos instrumentos importantes para a consagração dos Direitos

Humanos, inclusive no âmbito do direito processual penal, como o Pacto de San José da Costa

Rica, que proíbe o restabelecimento de pena de morte em países que tiverem abolido tal

medida, assim como sua previsão somente para delitos graves e após sentença julgada; assim

como prevê o pedido de indulto, anistia e comutação da pena. O respeito à integridade física,

inclusive daquele que estiver privado de sua liberdade, colaciona que as penas privativas de

liberdade devem ter como finalidade essencial a reforma e a readaptação social do condenado.

Proíbe a detenção arbitrária. Toda pessoa presa tem o direito de ter um julgamento em um

102

prazo razoável ou responder ao processo em liberdade, reafirma o princípio da presunção de

inocência e diversos outros princípios do direito.

12.1 Dos Direitos Humanos do Preso

Com o fito de se constituir um Estado detentor do poder, para assegurar a harmonia da

vida em sociedade, ao mesmo tempo, tem-se que criar mecanismos para evitar que todos

sejam esmagados por esse mesmo Estado, que promovam a igualdade jurídica do homem

perante esta força estatal. Assim sendo, muitos instrumentos humanitários, acatados pelo

direito brasileiro, surgiram no cenário do processo penal, com o objetivo de resguardar os

direitos do preso.

Sobre a cronologia da evolução dos direitos humanos daqueles que se encontram presos,

é imprescindível citar a exposição de Cândido Furtado Maia Neto:

Dentro da seleção legislativa dos documentos de Direitos Humanos, podemos destacar alguns mais: a) As Regras Mínimas para Tratamento dos Reclusos, aprovadas por Resolução 633 CI (XXIV) do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, em 31.07.57, em Assembléia Geral. No ano de 1977, uma nova Regra foi incluída a respeito dos presos sem condenação. Historicamente em 1929, a Comissão Internacional Penal e Penitenciária teve o mérito de estudar por primeira vez em nível internacional um corpo de Normas para Tratamento dos Reclusos, e em 1934, em Genebra foi aprovado e recomendado aos governos um “standard mínimo”. b) O Código de Condutas para Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei, adotado pela Assembléia-Geral da ONU, em 17.12.79, através da Resolução 34/169; e Princípios Básicos sobre o Emprego da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei, adotado em Havana/Cuba, no 8º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente, de 27 de agosto a 7 de setembro de 1990. c) Projeto de Conjunto de Princípios para Proteção de todas as Pessoas Submetidas a qualquer forma de Detenção ou Prisão, aprovado em 09.12.88, por Resolução 43/173 da ONU. d) Sobre a tortura citamos: a Convenção das Nações Unidas de 10.12.84; e da OEA de 09.12.85. Quanto à tortura, saliento que a Carta Magna brasileira (art.5º, inc. XLIII) considera-a crime inafiançável e insuscetível de clemência presidencial. A prática deste atroz delito que atenta contra a dignidade da pessoa humana, comum nas épocas dos governos militares, através das denominadas operações de repressão e caça ao comunismo, destacamos a “Operação Bandeirantes” e os Grupos Especiais treinados para torturar e matar presos políticos, sediados no Rio de Janeiro e São Paulo, no DOPS-Departamento de Ordem Política e Social e o DOI-CODI.Hoje, a tortura ainda existe e é praticada para arrancar confissões de presos ou obrigar a assinar interrogatórios pré-montados. Na triste memória do período pós-64, chegou-se ao ponto de os presos serem cobaias para aulas de tortura, das quais participaram alunos das Forças Armadas, relata o livro: Brasil:Nunca Mais, trabalho de pesquisa coordenado pela Arquidiocese de São Paulo (Ed.Vozes, 1985) (2003, p. 25-6).

103

Estes direitos humanos são garantidos aos presos, no Brasil, pela Resolução nº 14, de 11

de novembro de 1994, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciário, já citada

oportunamente, os quais são entendidos como utópicos, já que muitas leis prescrevem o sonho

de todo sistema prisional, mas que está longe de ser uma realidade. Pois, em uma breve visita

a estabelecimentos prisionais constata-se que não há o efetivo cumprimento de regras como a

separação de categorias de reclusos, a individualidade das celas, a higiene e o atendimento

médico, odontológico e psicológico são precários, dentre outras inúmeras atrocidades

cometidas contra os direitos humanos. Os presos provisórios, além de sofrerem uma

perturbação de seus direitos constitucionais de forma antecipada, são constantemente violados

em seus direitos quando permanecem encarcerados junto com outros presos já condenados e

que apresentam um maior grau de periculosidade, já que, conforme Cândido Furtado Maia, in

Direitos Humanos do Preso, “o preso provisório sempre estará na expectativa de receber

sentença absolutória, e ainda porque os presos já condenados abusam,violentam e fazem

pressão psicológica sobre os presos preventivos,por serem estes na maioria das vezes

inexperientes” (2003, p. 141).

Mas, o interesse maior deste breve estudo sobre a criminologia, as penas e o sistema

prisional do Brasil, foi demonstrar a verdadeira finalidade da pena, para que se compreendam

as diferentes formas de prisões acolhidas e praticadas em nosso sistema processual penal e se

realmente elas cumprem o seu objetivo.

Infelizmente, o cenário das prisões processuais no Brasil não é dos melhores, já que

constantemente há prisões em flagrante abusivas, prisões preventivas desnecessárias, sem a

menor lógica de estar sendo decretada pela insignificância do crime ou não periculosidade do

agente; porém, esses “antecipadamente apenados” são hipossuficientes, muitas vezes

defendidos por defensores públicos (que se encontram abarrotados de serviço), já que não

possuem capacidade financeira para nomearem defensores particulares, perdurando desta

forma, prisões cautelares com prazos dilatados e abusivos. Outro fator importantíssimo é o

pouco número de juízes da execução, que acabam por ter dificuldades em analisar todos os

casos de prisões processuais com tempo hábil e necessário.

Por fim, em vista da ausência de respeito à Lei de Execução penal e da situação atual

dos estabelecimentos prisionais, que são chamados de “escola da marginalidade”, onde o

criminoso entra como réu primário e sai com especialização em criminologia, a prisão

104

processual deve ser tratada de forma mais especial ainda. Desta forma, reitera-se mais uma

vez, que estas prisões devem ser decretadas de maneira cautelosa e imprescindível. Assim,

afirma Cândido Furtado Maia Neto que:

A questão primordial não é a construção de mais presídios, mas sim a de usar a prisão ou a pena privativa de liberdade com mais racionalidade, ou seja, como ultima ratio das medidas repressivas do Estado. Analisemos que aproximadamente 50% dos presos no Brasil poderiam estar em liberdade provisória ou receber medidas alternativas ao encarceramento (liberdade condicional), em face de serem autores de “crimes de bagatela”, “delitos sem vítima” ou ainda, porque foram condenados a penas brandas que permitem o cumprimento em regime aberto; assim teríamos solucionado o problema do déficit de vagas do sistema penitenciário brasileiro sem dispor de nenhum recurso financeiro para o setor. 65% da população carcerária é constante, entra e sai, composta essencialmente por detentos primários, somente 35% dos presos oferecem algum tipo de risco ou alto potencial de perigo à sociedade. Se faz necessário conscientizar os juízes de direito e promotores de justiça para que usem com a racionalidade a prisão,que condenem ou quando solicitem a condenação, respectivamente, a pena privativa de liberdade, somente o façam naqueles casos cuja situação não permita outra alternativa (2003, p. 238-39)

É conveniente concluir este trabalho com as ilustres palavras do referido mestre:

Necessita-se urgentemente no Brasil (e na América Latina): de estudantes do direito e não da direita; de magistrados conscientes e não apolíticos; de promotores de justiça e não de acusação; de advogados e não de defensores apáticos; e de policiais de cidadania e não do governo.(2003)

Assim sendo, defende-se a necessidade de uma conscientização urgente por parte de

todos os que participam direta ou indiretamente no processo penal; a presença coerente do

princípio da proporcionalidade das decisões que decretarem a prisão provisória do acusado; a

razoabilidade de um prazo justo para julgamento do preso, uma aproximação maior dos

magistrados e dos promotores de justiça dentro da realidade social da maioria da população

brasileira, e, principalmente, dentro dos estabelecimentos penitenciários; um incentivo do

governo para que, nos lugares onde não se encontrem defensores públicos, advogados

particulares possam ser contratados pelos presos de baixa renda para defendê-los de maneira

justa e eficiente. Só assim, se começará a dar real sentido e objetividade às prisões processuais

admitidas no ordenamento processual penal e modificar, aos poucos, o quadro imoral do

sistema penitenciário brasileiro.

CONCLUSÃO

Em virtude do princípio constitucional da não-culpabilidade, do devido processo legal e

da razoabilidade, a custódia acauteladora há de ser tomada como exceção. Cumpre interpretar

os preceitos que a regem de forma estrita, reservando-a para situações em que a liberdade do

acusado coloque em risco os cidadãos, caso contrário, incorrer-se-á na total desobediência e

desrespeito aos direitos humanos do preso, que não podem ser passíveis de suspensão, já que

o Brasil é um Estado democrático social de direitos. Somente poderá sobrevir uma prisão

processual se realmente necessária ao bom andamento do processo e se não existirem

maneiras menos agressivas que assegurem este status, jamais uma prisão processual poderá

ultrapassar sua real intenção, já que a liberdade individual é uma regra geral, reforçada pela

presunção de inocência enquanto não houver uma sentença condenatória transitada em

julgado.

Ao admitir a possibilidade de manutenção de prisões automáticas e desnecessárias, ao

invés de se caminhar rumo ao direito, se estará ajudando a prosperar o sentimento de

desigualdade, injustiça e desumanidade. Pois os estabelecimentos penitenciários devem ser

utilizados para cumprir o papel para o qual foram criados, e não para servir de depósitos

humanos em condições inaceitáveis, abrigando presos provisórios e presos já condenados.

Assim como as prisões processuais também só devem ser utilizadas como última ratio, em

extrema necessidade, sob pena de ferir um dos maiores direitos do homem, poder-se-ia dizer,

a mola propulsora da vida humana: a liberdade.

Para tanto, é necessário que se cumpra a Lei de Execuções Penais, os Documentos da

ONU relativos às pessoas presas, as resoluções do Conselho Nacional de Política Criminal e

Penitenciária, em especial as que dispõem sobre As Regras Mínimas para Tratamento do

Preso no Brasil. Que sejam respeitados os direitos do preso provisório, para que sua prisão

não se converta automaticamente em uma pena antecipada e destitua por si só os princípios de

direito que fundamentam a sua própria existência. Urge reverter este quadro falido e criticado

em que se encontra o sistema penitenciário. O objetivo deste trabalho é demonstrar que as

prisões provisórias devem ter um tratamento especial e diferenciado, para se evitarem falhas,

críticas e desmoralizações do Poder Judiciário, erros, abusos.

106

Há que se consertar este mundo paralelo nocivo aos ideais de justiça e direito, caso

contrário, corre-se o risco de se tornar tão comum e aceitável os desmandos, as injustiças.

Para tanto, há que se lutar! Assim como os antepassados lutaram, ontem, pela

“LIBERDADE”, hoje, tem-se que lutar pelo zelo e pelo reconhecimento digno deste direito,

inclusive do preso, ainda que provisório, pois houve uma constrição de sua liberdade perante

a sociedade, mas sua vida, seus direitos, suas crenças, continuam a viver dentro dele, ainda

que numa cela, e esta sua liberdade, ninguém pode retirar dele; pelo contrário, há que ser

respeitada, para incutir em sua consciência que ele é um ser dotado de direitos e que, assim

como foi respeitado sua liberdade, garantias e direitos, há que ter reciprocidade dele no

tratamento de seu próximo. E, somente um trabalho conjunto entre juízes, promotores,

defensores públicos, estudantes, advogados, de toda sociedade, é que poderá transformar esta

situação calamitosa em que se encontram os presos, inclusive provisórios. A conscientização

é o melhor caminho, e a análise dos erros é o primeiro passo desta jornada, que deve ser

prosseguida até que se encontre a solução de todos os equívocos, para que o direito objetivo

nunca se desligue do direito justo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Império (1830). Teresina: Jus Navigandi, 2000. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=973>. Acesso em: 17 mai. 2005.

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