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Introdução ao Estudo do Direito LIVRO UNIDADE 3

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Introdução ao Estudo do Direito

LIVRO

UNIDADE 3

Sérgio Pacheco

Fundamentos filosóficos e sociológicos do direito

© 2016 por Editora e Distribuidora Educacional S.A

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e

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Unidade 3 | Fundamentos filosóficos e sociológicos do direito

Seção 3.1 - Direito positivoSeção 3.2 - Teoria tridimensional do direitoSeção 3.3 - Fundamentos da sociologia do direito Seção 3.4 - Grandes teóricos da sociologia do direito

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Sumário

Unidade 3

FundamentoS FiloSóFicoS e SociológicoS do direito

Prezado Aluno,

Passaremos agora ao estudo da Unidade 3 − Fundamentos Filosóficos e Sociológicos do Direito. Na Seção 3.1 – Direito Positivo, onde teremos a oportunidade de conhecer o conceito e as características do Direito Positivo; a definição de Direito Objetivo e Subjetivo; Ato lícito e ilícito; e a Divisão do Direito Positivo. Por sua vez, na Seção 3.2 – Teoria Tridimensional do Direito, estudaremos a principal contribuição do jurisfilósofo brasileiro Miguel Reale (1910-2006), que alcançou projeção mundial como principal nome da Teoria Tridimensional do Direito. Estudaremos o conceito, as características e sua aplicação no Direito Positivo brasileiro.

A Seção 3.3 – Fundamentos da Sociologia do Direito será dedicada ao estudo dos Métodos da Sociologia do Direito (indutivo, positivista, compreensivo, dialético, estruturalista, funcionalista e desconstrutivista). Serão abordados, também, o conceito e suas características (científica, empírica, zetética, causal). Finalmente, na Seção 3.4 – Grandes Teóricos da Sociologia do Direito, teremos a oportunidade de estudar o Positivismo Científico de Augusto Comte; a Escola Objetiva Francesa de Émile Durkheim; o materialismo histórico-dialético de Karl Marx e o Culturalismo sociológico de Max Weber.

Vejamos, então, a seguinte SGA: O Sr. João da Silva comprou com muito esforço um terreno localizado na periferia da cidade e começou a construir sua sonhada casa própria. Entretanto, a área do loteamento encontra-se em uma Área de Preservação Permanente (APP), devido à presença de nascentes de um rio, sendo que a abertura do loteamento não foi aprovada pelo órgão ambiental municipal. Por meio de denúncia de uma Organização Não Governamental (ONG) de defesa do meio ambiente, que alega desrespeito ao princípio constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado, a Polícia

Convite ao estudo

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Ambiental esteve no local, tendo sido iniciado um procedimento de inquérito penal, seguindo às normas de Direito Penal, para apurar possível crime ambiental. Acionado, o Ministério Público iniciou, também, o procedimento de inquérito civil, para apurar possíveis danos ao meio ambiente e propor o ressarcimento desses danos, em consonância com as normas do Direito Civil. O Município, por sua vez, por meio de procedimento administrativo, afeto às regras do Direito Administrativo, autuou o dono do loteamento, bem como embargou a obra de construção da moradia. O Sr. João da Silva alega que essa situação fere o seu direito de propriedade, o direito à moradia e a dignidade da pessoa humana. Assim, procurou você e contratou-o como advogado, no intuito de defender seus interesses e emitir um parecer jurídico com orientações sobre o assunto.

Estamos diante de um fenômeno jurídico como parte da vida social. Entender as regras do Direito Positivo e os institutos jurídicos aplicáveis nos obriga a pesquisar a estrutura ontológica, a natureza e o caráter dos ordenamentos jurídicos à luz dos fundamentos filosóficos e sociológicos do Direito.

Ao final desta unidade, você será capaz de compreender que o conjunto de normas vigentes representa o Direito Positivo de um Estado. Será possível, na conclusão, evidenciar a importância dos fundamentos filosóficos e sociológicos do Direito para a contextualização das situações jurídicas concretas, as quais você, profissional do Direito, estará sujeito.

Com o estudo da unidade, poderemos esclarecer algumas perguntas: considerando a existência de várias normas de Direito Positivo aplicáveis a esse caso concreto e que há um aparente conflito entre essas normas, qual situação deve prevalecer: o direito subjetivo do proprietário do imóvel ou o direito do Município em promover o embargo da obra e aplicar multas? O fenômeno jurídico é algo fixo e acabado, é só a norma, como diria Kelsen, ou o Direito admite a mudança, um vir a ser histórico? O que dizem os grandes teóricos da Sociologia do Direito?

E, então? Vamos começar?

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Seção 3.1

Direito positivo

Continuemos a nossa caminhada na Seção 3.1 – Direito Positivo, onde estudaremos o conceito, as características e a divisão do Direito Positivo e, também, a distinção entre Direito Objetivo e Subjetivo. Estudaremos o conceito, as características e a divisão do Direito Positivo e, também, a distinção entre Direito Objetivo e Subjetivo, para respondermos à seguinte situação-problema:

Você, então, na condição de advogado, é contratado pelo Sr. João da Silva para defender seus interesses e emitir um parecer jurídico sobre o assunto. Você se vê diante de uma situação bastante complexa, o que o leva à seguinte reflexão, situação-problema (SP) de nossa primeira seção: (i) Quais são os possíveis ramos do Direito envolvidos nessa questão? (ii) Qual, efetivamente, é o Direito Subjetivo a ser pleiteado pelo proprietário do imóvel? (iii) O proprietário está a cometer alguma ilicitude? (iv) Qual o fundamento legal de Direito Positivo?

Para responder à SP da primeira seção, o aluno deverá: (i) Compreender o conceito e as características do Direito Positivo; (ii) Identificar a divisão das normas do Direito Positivo; (iii) Entender e classificar o que são Direitos Objetivos e Subjetivos; (iv) Estudar as teorias do Direito; (v) Estudar os fundamentos sociológicos e teorias da sociologia do Direito.

Diálogo aberto

Conceito e Características do Direito Positivo

Vários autores buscam a definição do Direito Positivo. Conforme nos ensina

Paulo Nader, ao se falar em Direito, é comum associar o termo ao Direito Positivo

ou ao Direito Natural, que consistem em duas ordens distintas. O Direito Natural é

o direito que adquirimos ao nascer, e ninguém pode modificar, “não é escrito, não

é criado pela sociedade, nem é formulado pelo Estado”. Direito Positivo é o Direito

Não pode faltar

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“institucionalizado pelo Estado. É a ordem jurídica obrigatória em determinado lugar e

tempo” (NADER, 2015, p. 79).

Para Maria Helena Diniz, citando as expressões de Rudolf von Ihering, “o Direito

Positivo é o conjunto de normas, estabelecidas pelo poder político, que se impõem

e regulam a vida social de um dado povo em determinada época” (DINIZ, 2008, p.

244). É mediante as normas que o Direito pretende obter o equilíbrio social impedindo

a desordem e os delitos. No entanto, esclarece a autora, o Direito não é somente

normas. “As normas não esgotam o Direito Positivo, que também está vinculado a

fenômenos socioaxiológicos.” (DINIZ, 2008, p. 245).

No que tange às características do Direito Positivo, Miguel Reale (2009, p. 95)

destaca que “o que efetivamente caracteriza uma norma jurídica, de qualquer espécie,

é o fato de ser uma estrutura proposicional enunciativa de uma forma de organização

ou de conduta, que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória”.

Para Nader (2015), como na opinião predominante dos autores, estão presentes

nas diversas categorias de normas jurídicas as seguintes características: bilateralidade,

generalidade, abstratividade, imperatividade, coercibilidade.

Segundo Paulo Nader (2015), na bilateralidade o Direito existe sempre vinculando

duas ou mais pessoas, atribuindo poder a uma e impondo um dever a outra. O princípio

da generalidade revela que a norma jurídica é preceito de ordem geral, obrigatório a

todos que se acham em igual situação jurídica. Na abstratividade, visando a atingir o

maior número possível de situações, a norma jurídica é abstrata, regulando os casos

dentro do seu denominador comum, ou seja, como ocorrem de modo geral. No que

diz respeito à imperatividade, para garantir efetividade à ordem social, o Direito se

manifesta através de normas que possuem caráter imperativo. O caráter imperativo da

norma significa imposição da vontade, e não mero aconselhamento. Já a coercibilidade

quer dizer possibilidade do uso da coação. Essa possui dois elementos: psicológico e

material, sendo que o elemento psicológico exerce a intimidação e o material a força

propriamente dita. A coação é uma reserva de força a serviço do Direito, enquanto a

sanção é, geralmente, uma medida punitiva para a hipótese de violação das normas.

Classificação do Direito Positivo

Diferentes autores propõem classificar as diversas espécies de leis e normas.

Dentro dessa perspectiva, são as seguintes principais classificações: quanto ao

sistema a que pertencem (podem ser nacionais, estrangeiras e de Direito uniforme);

quanto à fonte (legislativas, consuetudinárias e jurisprudenciais); quanto aos diversos

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âmbitos de validez (âmbito especial de validez: gerais e locais; âmbito temporal de

validez: de vigência por prazo indeterminado e de vigência por prazo determinado;

âmbito material de validez: normas de Direito Público e de Direito Privado; âmbito

pessoal de validez: genéricas e individualizadas); quanto à hierarquia (dividem-se

em: constitucionais, complementares, ordinárias, regulamentares e individualizadas);

quanto à sanção (dividem-se em: leges perfectae, leges plus quam perfectae, leges

minus quam perfectae, leges imperfectae); quanto à qualidade (podem ser: positivas

(ou permissivas) e negativas (ou proibitivas); quanto às relações de complementação

(primária e secundária) As normas jurídicas primárias são aquelas cujo sentido é

complementado por outras, que recebem o nome de secundárias. As secundárias

são as espécies: a) de iniciação, duração e extinção da vigência; b) declarativas ou

explicativas; c) permissivas; d) interpretativas; e) sancionadoras); quanto à vontade das

partes (dividem-se em taxativas e dispositivas) (MONTORO, 2015).

Direito Objetivo e Subjetivo

A análise dos institutos do Direito Objetivo e do Direito Subjetivo possui inegável

importância pragmática, notadamente no que diz respeito à proteção dos direitos

individuais frente ao papel do Poder Público na consecução do bem comum.

Conforme estabelece Tércio Sampaio Ferraz Jr. (2003, p. 145), a distinção parece

exigida pela ambiguidade da palavra direito, o que já foi discutido anteriormente, A

dicotomia pretende realçar que o direito é um fenômeno objetivo, que não pertence

a ninguém socialmente, que é um dado cultural, composto de normas, instituições,

mas que, de outro lado, é também um fenômeno subjetivo, visto que faz dos sujeitos

titulares de poderes, obrigações, faculdades, estabelecendo entre eles relações.

Assim, quando falamos no direito das sucessões, significamos algo objetivo, quando

mencionamos o direito à sucessão de um herdeiro, mencionamos algo que lhe

pertence. Para clarificar, lembramos que o inglês em duas palavras diferentes para

enunciar os dois termos: law Direito Objetivo) e right (Direito Subjetivo). Tanto é que

Miguel Reale (2009, p. 95) destaca que Direito Objetivo e Subjetivo se complementam,

“um impensável sem o outro”.

Assim, o Direito Objetivo é conjunto de regras jurídicas obrigatórias, em vigor no

país, numa dada época. Essas leis e normas jurídicas que compreendem o Direito

Objetivo devem ser obedecidas rigorosamente por todos os homens pertencentes

àquela sociedade. Seu descumprimento implica em sanções (CRETELLA JÚNIOR,

2005).

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No que tange ao Direito Subjetivo, destaca o autor que é a faculdade ou possibilidade

que tem uma pessoa de fazer prevalecer em juízo a sua vontade, consubstanciada

num interesse (CRETELLA JÚNIOR, 1984). O Direito Subjetivo é a capacidade de agir

em defesa de seus próprios interesses, invocando o cumprimento de normas jurídicas

existentes para que venham proteger seus objetivos. O Direito Subjetivo, por sua vez,

constitui-se de permissões dadas por meio do Direito Objetivo.

O aprofundamento teórico do assunto é de grande relevância para seu aprendizado.

Assim, daremos a dica de boas leituras para aprofundamento do tema:

Divisão do Direito Positivo

Existe uma grande variedade de normas jurídicas vigentes em um país. Dessa

forma, a organização em classes e ramos é uma iniciativa da Ciência do Direito ou

Dogmática Jurídica para organizar o Direito Positivo e, assim, melhor estudá-lo. Aqui

se abordará apenas os ramos tradicionais, aqueles que formam disciplinas integrantes

dos cursos de Direito.

Conforme doutrina de Diniz (2015), Montoro (2015) e Nader (2015), o critério

tradicional adotado na classificação dos ramos jurídicos parte da concepção dos dois

grandes ramos do Direito Positivo: o Direito Público e o Direito Privado.

Exemplificando

Você realiza a compra de um telefone celular, mas ao chegar em casa constata defeito na carga da bateria. Há normas no Código de Defesa do Consumidor (Direito Objetivo), aos quais você pode recorrer, através de uma ação, para fazer valer seu direito e exigir a reparação do aparelho. Você está utilizando seu Direito Subjetivo de utilizar a regra jurídica do Direito Objetivo para garantir seu interesse atingido.

MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 32. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 495-505.

FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 145.

Pesquise mais

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O Direito Público regula as relações entre os sujeitos e o Estado. Protege os

interesses gerais com o objetivo no fim social. O Direito Público pode ter sua área de

atuação direcionada ao público interno e ao público interno.

Pertencem ao Direito Público Interno, entre outros, os seguintes ramos do Direito:

Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Financeiro,

Direito Processual, Direito Penal e Direito Previdenciário.

No caso da classificação como Direito Público Externo, apresenta-se o Direito

Internacional que poderá ser público ou privado. Considera-se Direito Internacional

Público o ramo de Direito que disciplina as relações entre os Estados soberanos e

os organismos análogos. São fontes principais desse direito os tratados e costumes

internacionais. Constituem matéria de Direito Internacional Público, por exemplo,

Direito Marítimo, Direito Aéreo, Direito de Guerra, regras de solução pacífica das

pendências, etc., e de outra parte Organizações Internacionais, como a ONU, Unesco,

FAO, etc.

Conforme destaca Maria Helena Diniz (2008, p. 266), o Direito Internacional

Privado regulamenta as relações do Estado com cidadãos pertencentes a outros

Estados, dando soluções aos conflitos de leis no espaço ou aos de jurisdição. Um

conjunto de princípios e regras que coordena relações de Direito Civil e Criminal no

território de um Estado estrangeiro. Como exemplo cita-se as questões de conflito

e uniformização das leis, questões de comércio internacional, questões referentes

à nacionalidade, à condição jurídica do estrangeiro, bem como o reconhecimento

internacional dos direitos adquiridos pelos países.

Exemplificando

Um bom exemplo de convergência para a prevalência do Direito Internacional Privado é a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado (HCCH) que trabalha, desde 1893, para a unificação progressiva do Direito Internacional Privado (DIPr), essencialmente por meio da elaboração e acompanhamento da aplicação de convenções internacionais em três grandes domínios: a) proteção internacional de menores, relações familiares e patrimoniais de caráter internacional; b) cooperação jurisdicional e administrativa internacional; c) Direito Comercial e Financeiro internacional.

Para saber mais sobre o assunto, leia o artigo: “A Conferência da Haia de Direito Internacional Privado como fonte de direito uniforme para os processos regionais de integração econômica”. Disponível em: <http://goo.gl/nE2CbP>. Acesso em: 26 jan. 2016.

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Quanto ao Direito Privado, este rege os bens individuais ou particulares, os

interesses fundamentais do homem. Os sujeitos contemplados são a pessoa física ou

jurídica.

Pertencem ao Direito Privado, entre outros, os seguintes ramos do Direito: Direito

Civil, Direito Comercial ou Empresarial e Direito do Consumidor. Sobre o Direito do

Trabalhador, majoritariamente, é considerado pertencente ao Direito Privado.

Ato lícito e ato ilícito

As normas jurídicas regulam comportamentos dentro da sociedade. O homem

social está sempre em interação, influenciando a vida dos outros homens, constituindo

as relações sociais que, disciplinadas pelas normas jurídicas, transformam-se em

relações de direito.

O negócio jurídico apresenta-se como uma norma concreta estabelecida entre

as partes. Não obstante, para sua concepção não basta somente a manifestação da

vontade para aquisição de um direito. É necessário que o Direito Subjetivo almejado

esteja conforme a norma jurídica.

O ato jurídico é o que gera consequências jurídicas. Segundo Silvio Salvo Venosa:

Entende-se como atos lícitos aqueles expedidos em conformidade com a lei.

Conforme estabelece o Código Civil: “Art. 185. Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam

negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior”.

Imagine a seguinte situação: Pode um empresário dono de uma fábrica de roupas na cidade de São Paulo contratar imigrantes bolivianos para sua oficina utilizando as normas de trabalho da China?

Reflita

(...) os atos jurídicos dividem-se em atos lícitos e ilícitos. afasta-se, de plano, a crítica de que o ato ilícito não seja jurídico. nessa classificação, como levamos em conta os efeitos dos atos para melhor entendimento, consideramos os atos ilícitos como parte da categoria de atos jurídicos, não considerando o sentido intrínseco da palavra, pois o ilícito não pode ser jurídico (VenoSa, 2004, p. 378).

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Já o ato ilícito é considerado a conduta humana violadora da ordem jurídica, e está

previsto nos artigos 186 e 187 do Código civil:

A ilicitude tem como consequência direta e imediata uma sanção. Conforme

estabelece a legislação nacional, os ilícitos penais serão coibidos por sansões previstas

nas normas penais. Caberão sanções civis (indenização, restituição, multa civil, entre

outros) quando se tratar de um ilícito civil. As sanções de natureza administrativa

(suspensão e demissão de funcionários, v.g.) serão impostas ao ilícito administrativo.

Os ilícitos tributários ficarão sujeitos às sanções tributárias (multa tributária, acréscimos,

etc.)

art. 186. aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.art. 187. também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Assimile

Neste ponto vale uma explicação sucinta sobre o que seja Negócio Jurídico, Ato Jurídico Sentido Amplo, Ato Jurídico Stricto Sensu e Ato Ilícito, uma vez que isso será estudado pormenorizadamente na Teoria dos Fatos Jurídicos, mas é muito importante que você saiba diferenciá-los:

• Negócio Jurídico: É o poder de autorregulação dos interesses que contém a enunciação de um preceito, independentemente do querer interno.

• Ato Jurídico Sentido Amplo: É o acontecimento, previsto em norma jurídica, em razão do qual nascem, se modificam, subsistem e se extinguem relações jurídicas.

• Ato Jurídico Stricto Sensu: É o que surge como mero pressuposto de efeito jurídico preordenado pela lei sem função e natureza de autorregulamento.

• Ato Ilícito: É o ato praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando Direito Subjetivo individual, causando dano a outrem, criando o dever de reparar tal prejuízo (CC, art. 186 e 927).

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Faça você mesmo

Procure definir com suas palavras o que você entende como Direito Objetivo e como Direito Subjetivo. Pesquise 3 (três) normas legais de Direito Objetivo. Compartilhe a pesquisa com seus colegas.

E então? A partir de tudo que estudamos vamos responder ao problema que

expusemos no início da seção?

SEm mEDO DE ERRAR

Neste momento, concluídos os estudos introdutórios previstos na etapa “Não

Pode Faltar!”, convidamos você a refletir e buscar soluções à Situação-Problema (SP)

apresentada no “Diálogo Aberto”. Recorda-se dela? Passemos à solução da Situação-

Problema (SP):

(i) Quais são os possíveis ramos do Direito envolvidos nessa questão? Estamos diante

de normas jurídicas de Direito Público e Privado. Os ramos de Direito identificados

na situação concreta são: Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Administrativo e

Direito Ambiental.

(ii) Qual, efetivamente, é o Direito Subjetivo a ser pleiteado pelo proprietário do

imóvel? O Direito Subjetivo em questão é o direito de propriedade, ou seja, a faculdade

de usar, gozar e dispor da coisa, e do direito de reavê-la do poder de quem injustamente

a possua ou detenha, nos termos do art. 1.228 do Código Civil. O poder legal de usar,

gozar e dispor dos seus bens, ou seja, as faculdades do direito de propriedade, na sua

acepção mais ampla, é que fundamenta o direito de construir. Assim, o proprietário

tem o direito de transformar, edificar, beneficiar, enfim, realizar todas as obras que lhe

favoreçam a utilização do seu bem imóvel.

(iii) O proprietário está a cometer alguma ilicitude? Qual o fundamento legal de

Direito Positivo? No que tange à ilicitude do ato do proprietário, considerando ilícito o

ato praticado em desacordo com a ordem jurídica, podemos dizer que a ocupação

de área ambiental somente será possível mediante autorização do poder público, nos

casos de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental, nos

termos do art. 8º da Lei nº 12.651/2012, o novo código florestal brasileiro.

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Atenção!

Ainda sobre o direito positivado no caso concreto analisado no SGA é importante destacarmos:

O direito de propriedade é uma norma de Direito Constitucional e está inserido no rol dos direitos e garantias fundamentais previstos na CF/1988. A própria Constituição impôs limites ao direito de construir, ao outorgar ao Município competência para promover o ordenamento do solo urbano, mediante o controle de seu parcelamento, uso e ocupação (art.30, VII), com vista ao interesse comum.

As normas de Direito Administrativo ganham força com o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), que vai estabelecer instrumentos jurídicos e políticos para serem utilizados na efetividade da função social da propriedade e, consequentemente, na melhoria das condições de vida na cidade. No que tange ao Direito Ambiental, o artigo 225, caput da CF/1988 estabeleceu, em regra, genericamente, o princípio da função social da propriedade ao dispor que o meio ambiente é bem de uso comum do povo, sendo dever do Poder Público e da coletividade preservá-lo e defendê-lo.

Lembre-se de que o significado dos Direitos Subjetivos é tão amplo, que se pode dizer, ainda, que o próprio Direito Positivo é instituído para defini-los e para determinar a sua forma de aquisição e proteção. Essa é a dimensão da importância do presente capítulo de estudo. Para aprofundamento, vale a pena a consulta nas dicas de leitura mencionadas ao longo do texto.

Lembre-se

Avançando na prática

Pratique mais

InstruçãoDesafiamos você a praticar o que aprendeu transferindo seus conhecimentos para novas situações que pode encontrar no ambiente de trabalho. Realize as atividades e depois as compare com as de seus colegas.

O direito à saúde e o cancelamento do plano de saúde por fraude cometida pelo usuário − Ne-cessidade do cumprimento das regras administrativas.

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1. Competências de Fundamento de área

Conhecer o conceito do Direito Positivo, relacionando as prováveis normas de Direito Objetivo e o Direito Subjetivo aplicáveis no caso concreto.

2. Objetivos de aprendizagem

Possibilitar ao aluno refletir, a partir da análise do caso concreto, sobre a complexidade do ordenamento jurídico vigente e identificar alguns ramos do Direito Positivo e suas interações.

3. Conteúdos relacionados Normas jurídicas; Aplicação do Direito; Relação jurídica.

4. Descrição da SP

João contratou um seguro saúde particular em 2013. Ao buscar atendimento médico em maio de 2015, constatou-se contaminação pelo vírus HIV. Na ocasião informou que já sabia do fato desde 2012. Essa informação foi registrada no prontuário, tendo sido rescindido imediatamente o contrato pela operadora, sob o argumento de fraude e omissão de doença preexistente.João procura o escritório de advocacia que você trabalha e pede para ajuizar ação e lutar pelo seu direito de ser atendido pelo Plano de Saúde alegando que não tinha ciência da contaminação na época da contratação e que não foi realizado exame médico prévio. Na qualidade de estagiário do escritório de advocacia, prepare os argumentos para subsidiar uma petição inicial. Você deverá analisar a situação e identificar quais os ramos de Direito envolvidos, o Direito Subjetivo em pauta e as possíveis normas de Direito Objetivo aplicáveis à situação.

5. Resolução da SP

Qualquer que seja a linha de argumentação a ser utilizada para buscar a solução da questão exige-se do advogado o conhecimento dos fundamentos do Direito estudados ao longo dessa seção, cujo tema é o Direito Positivo. Estamos diante de um Direito Subjetivo do autor da ação. As normas contratuais são matéria de Direito Civil e estão previstas no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. As regras processuais são matéria de Direito Processual Civil, previstas no CPC. No caso dos seguros de saúde há normas de Direito Administrativo específicas, previstas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A operadora não poderia rescindir o contrato sem a existência de prévio processo administrativo a ser conduzido pela própria ANS, conforme determina a Resolução ANS nº 162/2007.

Direito Positivo − Conjunto de normas vigentes em um determinado Estado, que pode ser classificado em Direito Objetivo e Direito Subjetivo. O Direito Objetivo consiste no conjunto de regras jurídicas obrigatórias, em vigor no país, numa dada época. Já o Direito Subjetivo consiste na capacidade de agir em defesa de seus próprios interesses, invocando o cumprimento de normas jurídicas existentes para que venham proteger seus objetivos.

Lembre-se

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Faça você mesmo

Agora que você concluiu o estudo introdutório sobre Direito Positivo, convidamos para imaginar pelos ao menos 3 (três) relações jurídicas comuns do nosso dia a dia. Por exemplo: a) uma criança encontra-se fora da escola, pois não havia mais vagas na escola pública do seu bairro; b) ao tentar realizar compra parcelada, um consumidor tem seu pedido de crédito negado pelo fato de seu nome encontrar-se no SPC, devido ao não pagamento da conta de energia elétrica. Porém, essa conta encontra-se devidamente quitada pelo consumidor; c) o serviço de tratamento de água do município fica impedido de captar água do rio em função de acidente ambiental que contaminou o recurso hídrico.

Identifique para cada situação imaginada as hipóteses de incidência de um “Direito Subjetivo” que poderá ser pleiteado e a respectiva norma de “Direito Objetivo” correspondente que fundamenta o pedido.

Faça valer a pena!

1. O que é Direito Positivo?

a) Conjunto de leis vigentes em um determinado Estado, aplicáveis pela autoridade pública.

b) É o direito previsto na Constituição da República e no conjunto de leis federais vigentes em determinado Estado e aplicável pela autoridade pública, como o Código Civil e o Código Penal no Brasil.

c) É o Direito previsto nas normas e leis vigentes em determinado Estado, que tem conteúdo positivo, ou seja, que determina o que deve ser feito pelos cidadãos.

d) Direito Positivo é poder fazer tudo o que a lei não proíbe.

e) Conjunto de normas vigentes em um determinado Estado, abrangendo as leis votadas pelo poder competente, os regulamentos, as disposições normativas de qualquer espécie, aplicáveis pela autoridade pública.

2. São considerados ramos do Direito Positivo Público:

a) Direito Penal, Direito Administrativo e Direito Agrário.

b) Direito Administrativo, Direito Civil e Direito Constitucional.

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c) Direito Civil, Direito Comercial e Direito Fiscal.

d) Direito Tributário, Direito Constitucional e Direito Penal.

e) Direito Constitucional, Direito do Trabalho e Direito do Consumidor.

3. O Direito Constitucional é ramo do Direito Público que tem como objetivo regular a estrutura básica do Estado. Não compreende objeto dessa regulação constitucional no Brasil:

a) A religião adotada pelo Estado.

b) A organização dos Poderes do Estado e sua competência.

c) A definição dos direitos fundamentais dos cidadãos.

d) A organização e competência do poder judiciário.

e) A forma do Estado e seu regime político.

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Seção 3.2

Teoria tridimensional do direito

Continuemos a nossa caminhada na disciplina de Introdução ao Estudo do Direito. Na Seção 3.1, fizemos o estudo sobre o Direito Positivo, conhecendo o seu conceito, características e a distinção entre o Direito Objetivo e Subjetivo. Neste momento teremos a oportunidade de conhecer a principal contribuição do jurisfilósofo brasileiro Miguel Reale (1910-2006), a Teoria Tridimensional do Direito, estudando seu conceito, características e aplicação no Direito Positivo brasileiro.

Você se recorda da nossa SGA, descrita no início da Unidade, certo? Nela, apresentamos a você o caso do embargo das obras de construção de moradia realizado pelo poder público, sob o argumento da falta de licença do município, pois no local há restrições ambientais para edificação. Agora é hora de discutirmos uma nova Situação-problema para a Seção 3.2. Vamos lá?

Você conhece o termo latino: “Cuius est solum, eius est usque ad coelum et ad ínferos”? Esta expressão significa: “Para quem é dono do solo, é dele para o céu e para o inferno”. Este é um ponto de partida tradicional do Direito de Propriedade levado ao extremo. A liberdade de construir, como regra, deriva do Direito de Propriedade. Este direito está presente nas principais constituições dos Estados democráticos no mundo todo, inclusive nas brasileiras.

Como explicar, então, a mudança de um paradigma da norma jurídica ao longo do tempo, neste caso o Direito de Propriedade original, na forma onipotente, para um Direito subjugado à função social da propriedade? Como explicar que a própria Constituição Federal de 1988, por exemplo, bem como o Novo Código Civil de 2002, no seu art. 1.228, § 1º, passem a impor restrições ao uso privado da propriedade em favor das necessidades e usos comuns pela população, mais especificamente, em favor das “finalidades econômicas e sociais” e da preservação do meio ambiente?

Vamos filosofar sobre o assunto?

Para responder à SP dessa Seção 3.2 e entender a dinâmica da experiência jurídica, recorreremos à perspectiva da filosofia do Direito. Propomo-nos a estudar a Teoria Tridimensional do Direito, enquanto concepção integral do fenômeno jurídico.

Diálogo aberto

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miguel Reale (1910-2006)

Muito embora tenha em seu currículo uma infinidade de obras como filósofo, jurista, cientista político, poeta e memorialista, Miguel Reale alcançou a notoriedade e projeção mundial, notadamente, por sua famosa Teoria Tridimensional do Direito (1967). Pertencente à corrente culturalista que enfatizava fortemente o Direito como fator cultural.

A Teoria Tridimensional do Direito (conceito e características)

Antes de adentrarmos no conceito e nas características da Teoria Tridimensional do Direito é importante delimitar que sua formulação decorre da principal manifestação do culturalismo jurídico de Miguel Reale. O culturalismo jurídico surge para contestar positivismo. De acordo com sua proposta, o homem não é fruto do determinismo, mas é parte integrante do mundo cultural.

Conforme destaca Miguel Reale (2003, p. 8), o culturalismo é “uma concepção do Direito que se integra no historicismo contemporâneo e aplica, no estudo do Estado e do Direito, os princípios fundamentais da Axiologia, ou seja, da teoria dos valores em função dos graus de evolução social”. Reale demonstra que a essência do fenômeno jurídico é sempre e necessariamente valorativa e, portanto, cultural.

Não pode faltar

Para que você entenda um pouco mais sobre o Professor Miguel Reale e suas influências nos rumos do ordenamento jurídico do Brasil, indicamos a leitura dos textos abaixo:

NADER, Paulo. Filosofia do Direito. 19. ed. São Paulo: Forense, 2010. p. 328-332.

______. Introdução ao Estudo do Direito. 33. ed. São Paulo: Forense, 2011. p. 391.

NASCIMENTO, Sílvio Firmo do. A importância da Teoria Tridimensional do Direito e sua aplicabilidade nos Cursos de Direito: um estudo bibliográfico sobre Miguel Reale no período de 1986 a 2006. Disponível em: <http://www.iptan.edu.br/publicacoes/saberes_interdisciplinares/pdf/revista03/TRIDIMENSIONAL.pdf>. Acesso em: 8 jan. 2016.

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Assim, a Teoria Tridimensional do Direito é uma concepção de Direito formulada pelo jusfilósofo brasileiro Miguel Reale em 1968. Na verdade, Reale não foi o primeiro filósofo a postular uma Teoria Tridimensional do Direito. Autores como Werner Goldschmidt, Emil Lask, Gustav Radbruch, Roscoe Pound e Wilhelm Sauer já trabalhavam com a tridimensionalidade jurídica. Porém, a abordagem de Miguel Reale inaugurou uma forma absolutamente revolucionária e inovadora de se abordar as questões da ciência jurídica.

Para o jurista, pela análise fenomenológica da experiência jurídica, a estrutura do direito é tridimensional, ou seja, “um elemento de fato, ordenado valorativamente, em um processo normativo”. Fato, valor e norma são o que Reale denomina de dimensões essenciais: o “fato” – uma dimensão do Direito − é o acontecimento social referido pelo Direito objetivo; o “valor” é o elemento moral do Direito, é o ponto de vista da justiça; a “norma” consiste no padrão de comportamento social, que o Estado impõe aos indivíduos, que devem observá-la em determinadas circunstâncias.

Para aprofundamento no estudo do Culturalismo Jurídico no Brasil, indicamos o artigo:

NORTE, Janaina Braga. O fenômeno da positivação do culturalismo no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/004.pdf>. Acesso em: 8 jan. 2016..

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Fonte: O autor

Figura 3.1 − Estrutura da Teoria Tridimensional do Direito

FATO NORMA

VALOR

ESTRUTURA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO(MIGUEL REALE)

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Assimile

Os elementos da Teoria Tridimensional do Direito:

Fato: é o acontecimento social referido pelo Direito objetivo.

• Valor: é o elemento moral do Direito, é o ponto de vista da justiça.

• Norma: consiste no padrão de comportamento social, que o Estado impõe aos indivíduos, que devem observá-la em determinadas circunstâncias.

Segundo Reale (2009), não há como separar o “fato” da conduta, nem o “valor” ou finalidade a que a conduta está relacionada, nem a “norma” que incide sobre ela. Dessa forma, assume um tridimensionalismo concreto, dinâmico e dialético. Fato, valor e norma, como elementos do Direito, estão em permanente atração polar, já que fato tende a realizar valor, mediante a norma.

Exemplificando

O fato, o valor e a norma.

A CF/1988 estabeleceu no art. 5°, inciso XLIII, que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insusceptíveis de graça ou anistia a prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos (...)”.

A ideia do constituinte original era punir com maior rigor crimes de tráfico de drogas, tortura e terrorismo. Coube ao legislador ordinário, por meio de legislação específica, determinar quais seriam os chamados “crimes hediondos”.

Antecedendo a regulamentação dos “crimes hediondos”, que somente ocorreu com a publicação da Lei n° 8.072/1990, ocorreram fatos de grande repercussão na imprensa na época que comoveram a sociedade brasileira: o assassinato da atriz “global” Daniela Perez e os episódios de extorsão mediante sequestro do empresário Abílio Diniz, dono da empresa Pão de Açúcar, e contra Roberto Medina, irmão do deputado Federal, Rubens Medina.

No exemplo teremos:

• O fato: a comoção social com a divulgação do assassinato e dos sequestros;

• O valor: crimes considerados hediondos, ou seja, crime considerado de extrema gravidade.

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Ainda conforme Reale, “O Direito é um processo aberto exatamente porque é próprio dos valores, isto é, das fontes dinamizadoras de todo o ordenamento jurídico, jamais se exaurir em soluções normativas de caráter definitivo” (REALE, 2009, p. 574).

Conforme destaca Paulo Nader, a originalidade do pensamento de Miguel Reale decorre da maneira como descreve o relacionamento entre os três componentes.

Maria Helena Diniz acrescenta:

Com essa teoria integrativa, Reale rejeita todas as concepções setorizadas do Direito, conciliando e superando as intermináveis disputas de jusnaturalistas, historicistas, sociologistas e normativistas. Nas palavras desse jusfilósofo brasileiro:

• A norma: Art. 5º, XLIII, da CF e a Lei n° 8.072/1990, que considera como crimes hediondos a extorsão mediante sequestro e na forma qualificada e o homicídio qualificado.

direito não é só norma, como quer Kelsen; direito, não é só fato como rezam os marxistas ou os economistas do direito, porque direito não é economia. direito não é produção econômica, mas envolve a produção econômica e nela interfere; o direito não é principalmente valor, como pensam os adeptos do direito natural tomista, por exemplo, porque o direito ao mesmo tempo é norma, é fato e é valor (reale, 2003, p. 91).

enquanto para as demais fórmulas tridimensionalistas, denominadas por reale genéricas ou abstratas, os três elementos se vinculam como em uma adição, quase sempre com prevalência de algum deles, em sua concepção, chamada específica ou concreta, a realidade fático-axiológico-normativa se apresenta como unidade, havendo nos três fatores uma implicação dinâmica. cada qual se refere aos demais e por isso só alcança sentido no conjunto. as notas dominantes do fato, valor e norma são, respectivamente, na eficácia, fundamento e vigência (nader, 2015, p. 391).

Para miguel reale, a ciência do direito é uma ciência histórico-cultural e compreensivo-normativa, por ter por objeto a experiência social na medida, enquanto esta normativamente se desenvolve em função de fatos e valores, para a realização ordenada da convivência humana. logo, os modelos do direito

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Acrescenta Tércio Sampaio Ferraz Júnior que o tridimensionalismo de Miguel Reale “propõe para a ciência jurídica, nos termos do culturalismo, uma metodologia própria, de caráter dialético, capaz de dar ao teórico do direto os instrumentos de análise integral do fenômeno jurídico, visto como a unidade sintética de três dimensões básicas: a normativa, a fática e a valorativa” (FERRAZ JÚNIOR, 2003).

Aplicação da Teoria Tridimensional do Direito Positivo brasileiro

Como observado anteriormente, Miguel Reale – e a teoria tridimensional por ele trabalhada – influenciou de maneira substancial o ordenamento jurídico brasileiro. Em específico, no campo do Código Civil de 2002, temos uma mudança da rígida estrutura, foram do Código de Beviláqua para alguns inovadores, Código Civil Brasileiro de 2002.

Caso você faça análise detida de alguns dos dispositivos constantes no CC/2002, verificará que vários dos institutos ali presentes foram influenciados por suas ideias. Destaca-se: a boa-fé objetiva nos contratos; as inovações sobre a teoria da imprevisão; as resoluções sobre onerosidade excessiva; o acolhimento do instituto da equidade em vários artigos do Código Civil (por exemplo, no art. 479), entre outros.

Outra grande referência da influência da Teoria Tridimensional do Direito é o acolhimento da teoria da função social da propriedade. Pela regra Constitucional do art. 5º, inciso XXIII, a propriedade atenderá sua função social.

Os fatos, sejam eles econômicos, políticos, religiosos ou sociais, provocam mudanças na sociedade. Essas mudanças orientam novos comportamento e novos valores (sejam na família, no trabalho, na escola, na política, ou na própria estrutura e organização do Estado). As normas surgem para sustentar esses novos valores.

Reflita

Faça você mesmo

Você consegue pensar em alguns outros institutos? Pesquise e identifique 3 (três) institutos jurídicos presentes no Código Civil Brasileiro de 2002 que foram influenciados pela Teoria Tridimensional do Direito.

ou dogmáticos, elaborados no âmbito da ciência do direito, são estruturas teórico-compreensivas do significado dos modelos jurídicos e de suas condições de vigência e de eficácia na sistemática do ordenamento jurídico (diniZ, 2015, p. 143).

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Da mesma forma, o art. 170, inciso III, da CF/1988 determina que a ordem econômica observe a função da propriedade, impondo limites à atividade empresarial. Já o Código Civil de 2002 ratificou o comando constitucional ao afirmar que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas “finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas” (art. 1.228 do CC). Entender a influência da Teoria Tridimensional do Direito sobre a relativização do Direito de Propriedade é fundamental para a solução da Situação-Problema (SP) proposta no início dessa Seção 3.2.

Encontramos, ainda, o que a nosso ver constitui a maior inovação introduzida no Código Civil Brasileiro que recebe a influência direta da Teoria Tridimensional do Direito, o instituto da função social do contrato, expresso no artigo 421, segundo o qual: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato".

Semelhante à função social da propriedade, a função social do contrato possui grande importância devido ao fato de vigorar numa economia de livre mercado, o que a princípio pode parecer ser um paradoxo. Na verdade, a incorporação desses institutos reflete o amadurecimento do Estado democrático social de direito e o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, fundamentos primordiais da Constituição brasileira. Significa que o legislador contextualiza os valores sociais e busca dar equilíbrio, ao possibilitar a intervenção estatal para mitigar abusos do poder econômico, integrando o instituto do contrato e as partes contratantes aos valores do bem comum e da finalidade social da lei. Pretende, ainda, que o abuso econômico não venha a causar malefícios à população em geral e ao meio ambiente.

O estudo da aplicação da Teoria Tridimensional do Direito Positivo brasileiro é de grande relevância para seu aprendizado. Assim, daremos algumas dicas de boas leitura para o aprofundamento do tema:

Para enriquecer o conhecimento sobre o assunto, indicaremos os seguintes artigos científicos:

• GONZALEZ, Everaldo Tadeu Quilici. A Teoria Tridimensional do Direito de miguel Reale e o novo Código Civil brasileiro. Disponível em <http://www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/4mostra/pdfs/145.pdf>. Acesso em: 8 jan. 2016.

• SALGADO, Gisele Mascarelli. Função social do contrato: e a teoria do Direito de miguel Reale. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,funcao-social-do-contrato-e-a-teoria-do-direito-de-miguel-reale,36481.html>. Acesso em: 8 jan. 2016.

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Para uma visão da Teoria Tridimensional do Direito convidamos a enriquecer o seu vocabulário:

• Fenomenologia: é o estudo da essência das coisas. O conceito e o termo foram criados pelo matemático, cientista, pesquisador e professor das faculdades de Göttingen e Freiburg im Breisgau, Edmund Husserl (1859-1938). Para o pensador, os fenômenos do mundo deveriam ser pensados pela óptica das percepções mentais de cada indivíduo, daí a importância de se estudar a essência das coisas. (Fonte: <http://conhecimentopratico.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/29/artigo213967-1.asp>.)

• Fenômeno Jurídico: é qualquer acontecimento exterior ao homem, dependente ou não de sua vontade e capaz de produzir o efeito jurídico. O fenômeno jurídico, enfim, nos traz dimensões amplas, tais como: a política, na qual a comunidade jurídica valora os fatos da vida; a normativa, onde o Direito passa a ser tratado em razão de seus comandos; e a sociológica, onde a regra jurídica somente se realiza quando, além da coloração, que resulta da incidência, os fatos ficam efetivamente subordinados a ela. (Fonte: <http://costacavalcantimanso.blogspot.com.br/2010/12/fenomeno-juridico-segundo-concepcao-de.html>.).

• Concepção Culturalista do Direito: concebe o Direito como um objeto cultural, ou seja, criado pelo homem e dotado de um sentido de conteúdo valorativo. Para esta corrente filosófica, a ciência jurídica é uma ciência cultural, que estuda o direito através da compreensão, enfatizando os valores jurídicos.

• A “Teoria Tridimensional do Direito” apareceu em 1940. Na época, o jurista Hans Kelsen já era o grande destaque no cenário internacional. Na visão de Kelsen o Direito é apenas uma norma.

Vocabulário

E então? A partir de tudo que estudamos vamos responder ao problema que expusemos no início da seção?

Agora é hora de discutirmos a Situação-Problema proposta no início dessa seção: Como explicar, então, a mudança de paradigma da norma jurídica, ou seja, o Direito de Propriedade original, na forma onipotente, para um Direito subjugado à função social da propriedade? Em outras palavras, o que leva à mudança da norma legal

SEm mEDO DE ERRAR

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com a introdução de limites ao Direito de Propriedade ao longo do tempo? Como explicar que a própria Constituição Federal de 1988, por exemplo, bem como o Novo Código Civil de 2002, no seu art. 1.228, § 1º, passem a impor restrições ao uso privado da propriedade em favor das necessidades e usos comuns pela população, mais especificamente, em favor das “finalidades econômicas e sociais” e da preservação do meio ambiente?

Passemos à solução das perguntas:

Consoante com a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale, as normas jurídicas são portadoras de conteúdo móvel, que se refaz durante a vigência por imposição das mutações sociais, enriquecedoras de sua experiência.

Então vejamos: o Direito de Propriedade tem se relativizado ao longo do tempo em função dos novos desafios da vida em sociedade. Historicamente, foram se alterando as formas de ocupação espacial, alterando os valores de convívio social e, consequentemente, as normas jurídicas se adaptaram para garantir o Direito Individual e Coletivo.

Mais especificamente, no caso das mudanças da norma jurídica brasileira sobre o tema, a CF/1998 refletiu as mudanças da sociedade e a preocupação com a formação de um Estado social democrático e de direito, que garantisse a proteção do Direito da Propriedade e sua função social. O Código Civil de 2002 regulamenta esse princípio constitucional da função social da propriedade.

Atenção!

De acordo com a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale, o fenômeno jurídico, qualquer que seja a sua forma de expressão, necessita da participação dialética do “fato”, do “valor” e da “norma”.

“Direito não é só norma, como quer Kelsen, Direito não é só fato como rezam os marxistas ou os economistas do Direito, porque Direito não é economia. Direito não é produção econômica, mas envolve a produção econômica e nela interfere; o Direito não é principalmente valor, como pensam os adeptos do Direito Natural tomista, por exemplo, porque o Direito ao mesmo tempo é norma, é fato e é valor” (REALE, 2003, p. 91).

Lembre-se

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“O Direito é um processo aberto exatamente porque é próprio dos valores, isto é, das fontes dinamizadoras de todo o ordenamento jurídico, jamais se exaurir em soluções normativas de caráter definitivo” (REALE, 2000, p. 574).

Avançando na prática

Pratique mais

InstruçãoDesafiamos você a praticar o que aprendeu transferindo seus conhecimentos para novas situações que pode encontrar no ambiente de trabalho. Realize as atividades e depois as compare com as de seus colegas.

Contextualizando a teoria tridimensional do direito − Exigência de apresentação de regular-ização fiscal para fins de concessão do benefício da recuperação judicial previsto na Lei nº

11.101/2005

1. Competências de fundamento de área

Conhecer e relacionar os conceitos e fundamentos filosóficos e teóricos do Direito.

2. Objetivos de aprendizagemPossibilitar ao aluno refletir, a partir da análise do caso concreto, sobre a aplicação dos fundamentos filosóficos da Teoria Tridimensional do Direito.

3. Conteúdos relacionados Normas jurídicas; Aplicação do direito; Relação jurídica.

4. Descrição da SP

Na qualidade de advogado você é contratado para emitir um parecer jurídico e apontar argumentos para a defesa administrativa e judicial de uma empresa que se encontra em grave crise financeira e não está conseguindo apresentar o atestado de regularização fiscal (certidões negativas de débitos tributários) para fins de concessão do benefício da recuperação judicial. Argumente, levando em consideração teoria tridimensional proposta por Miguel Reale.

5. Resolução da SP

Conforme estudamos ao longo dessa Seção 3.1, segundo a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale, “O Direito é um processo aberto exatamente porque é próprio dos valores, isto é, das fontes dinamizadoras de todo o ordenamento jurídico, jamais se exaurir em soluções normativas de caráter definitivo” (REALE, 2000, p. 574). No caso em questão está em jogo a sobrevivência da empresa, via recuperação judicial. A falência implicará em grande prejuízo social, na medida que extingue empregos e rendas. Por outro lado, há a exigência legal de apresentação das certidões negativas, conforme determina o art. 191-A do Diploma Tributário Nacional e o art. 57 da Lei nº 11.101/2005.A nosso ver, à luz da Teoria Tridimensional do Direito, as normas aplicáveis estão em desacordo com os fatos e valores sociais. Nesse sentido, o comando legal deveria ser flexibilizado, pois a empresa recorre à tutela jurisdicional para a superação da crise e manutenção de suas atividades.

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Conforme a Teoria Tridimensional do Direito, a análise fenomenológica da experiência jurídica leva-se sempre em conta a estrutura tridimensional do direito, cujos elementos são: Fato (o acontecimento social), o Valor (o ponto de vista da justiça) e a Norma (o padrão de comportamento social exigido pelo Estado aos indivíduos).

Lembre-se

Faça você mesmo

Agora que você concluiu o estudo introdutório sobre a Teoria Tridimensional do Direito, convidamos para pesquisar pelos ao menos 3 (três) jurisprudências do STJ e STF sobre os seguintes temas: “Função social do contrato” e a “Função social da propriedade”.

Faça valer a pena!

1. Acerca da Concepção Culturalista do Direito, é correto afirmar:

a) O movimento filosófico do Culturalismo surgiu para defender as ideias de Kant e do neokantismo.

b) Para esta corrente filosófica, a ciência jurídica é uma ciência cultural, que estuda o Direito através da compreensão, não enfatizando os valores jurídicos.

c) Miguel Reale, ligado ao neokantismo da Escola de Marburgo, era um forte opositor às ideias culturalistas.

d) O embasamento filosófico do atual Código Civil Brasileiro desprezou a Concepção Culturalista do Direito.

e) Concebe o direito como um objeto cultural, ou seja, criado pelo homem e dotado de um sentido de conteúdo valorativo.

2. Sobre os argumentos propostos por Miguel Reale para justificar a Teoria Tridimensional do Direito podemos mencionar, exceto:

a) A Teoria Tridimensional do Direito é a filosofia que concebe o Direito como um sistema em que fato, valor e norma estão sempre presentes e correlacionados em qualquer expressão da vida jurídica.

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b) A tridimensionalidade específica é resultado de uma análise prévia da correlação essencial dos elementos constitutivos do Direito (Fato, Valor e Norma), mostrando que eles sempre se implicam, numa conexão necessária.

c) Na tridimensionalidade genérica do Direito procura-se combinar os três pontos de vista unilaterais (Fato, Valor e Norma). Cabe ao jusfilósofo sintetizar os resultados analisados separadamente por ciências distintas.

d) Segundo Miguel Reale, é fundamental que os filósofos, juristas e sociólogos estudem e analisem os elementos “fato”, “valor” e “norma” de forma isolada, pois somente assim compreenderão o Direito.

e) A originalidade da Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale decorre do fato de que para ele “o Direito, como qualquer ciência, é dialético e sempre sujeito à complementaridade, pois todo conhecimento está sempre aberto a novas possibilidades em decorrência de seu caráter dialético e, por isso, de natureza relacional".

3. Considera-se que a concepção tridimensional do Direito tenha influenciado na elaboração de vários artigos e institutos jurídicos presentes no Código Civil Brasileiro de 2002. Entre esses institutos jurídicos, podemos citar:

a) Casamento, Teoria da Imprevisão, Prisão Provisória.

b) Boa-fé Objetiva, Divórcio, Habeas Corpus.

c) Teoria da Imprevisão, Mandado de Segurança, Onerosidade Excessiva.

d) Função Social do Contrato, Função Social da Propriedade, Teoria da Imprevisão.

e) Onerosidade Excessiva, Domicílio, Mandado de Segurança.

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Seção 3.3

Fundamentos da sociologia do direito

Continuemos a nossa caminhada na disciplina de Introdução ao Estudo do Direito.

Nosso próximo passo é entender os “Fundamentos da Sociologia do Direito”, que estudaremos na presente Seção 3.3. Nesta Seção, veremos o conceito de Sociologia do Direito, quais os seus métodos, características relevantes e sua importância para o conhecimento jurídico em geral.

Você se lembra que nossa SGA trata do caso do embargo pelo poder público das obras de construção de uma casa localizada em área de preservação ambiental sem que o proprietário tivesse a respectiva licença ambiental. E você, como advogado, atua para emitir um parecer ao Sr. João. Nesse momento, vamos propor uma nova SP para essa Seção. Vamos lá?

O embargo da construção da casa localizada em Área de Preservação Permanente (APP), conforme relatado no SGA, tem como fundamento legal o descumprimento de norma jurídica prevista no Código Florestal Brasileiro, a Lei nº 12.651/2012. Esta lei entrou em vigor em maio de 2012, após extensa discussão entre os parlamentares. A nova lei substituiu o antigo Código Florestal de 1965. Segundo seus defensores, essa lei é considerada uma legislação moderna, que concilia a preservação ambiental sem deixar de lado o desenvolvimento, principalmente por introduzir parâmetros mais reduzidos de APP nas áreas urbanas. Seus críticos, os ambientalistas, por outro lado, alegam que a nova lei é um atraso em relação à proteção ao meio ambiente, pois reduz a extensão e altera parâmetros dessas áreas consideradas de grande interesse ecológico, possibilitando a legalização da ocupação humana realizada de forma clandestina e a exploração dessas áreas anteriormente protegidas.

Temos, nesse caso, visões diferentes sobre as consequências da nova norma jurídica na sociedade. Se já existia uma lei anterior, quais seriam as razões genéricas para justificar uma nova lei para o Código Florestal? Segundo as percepções dos dois grupos, a favor e contra a nova lei, quais as prováveis consequências do Direito na vida social?

Vamos filosofar sobre o assunto? Para responder à SP dessa Seção 3.3 e entender a influência dos fatores sociais sobre o Direito e compreender como as normas jurídicas influenciam os comportamentos sociais, propomo-nos estudar os Fundamentos da Sociologia do Direito.

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O Conceito da Sociologia do Direito

A Sociologia Jurídica é uma ciência que estuda a influência dos fatores sociais sobre o Direito. Conforme acentua Montoro (2015, p. 584), constitui objeto da Sociologia Jurídica a focalização do Direito como fato social, em seu relacionamento concreto com os demais aspectos da realidade coletiva. Já para Maria Helena Diniz (2008, p. 227), a Sociologia do Direito “estuda como se forma e transforma o Direito, verificando qual é sua função no seio da coletividade e como influi na vida social, sem ter a preocupação de elaborar normas e de interpretar as que vigoram numa determinada sociedade”.

Em outras palavras, partindo da premissa de que a sociabilidade é uma condição do ser humano, a Sociologia Jurídica analisa os modos de criação e organização das relações e instituições, abordando as conexões e os elementos de interdependência entre o social e o jurídico.

As duas grandes contribuições do enfoque sociológico são: auxiliar a compreensão de como o Direito é formado; e entender as consequências das normas jurídicas na vida social. Conforme destaca Montoro (2015, p. 585), “a abordagem sociológica é a do sociólogo do direito, que foca seu estudo no fenômeno jurídico como fato social, buscando os múltiplos aspectos da realidade jurídica, em interação com os demais fatores sociais”. O enfoque sociológico do Direito não se opõe à perspectiva do jurista na Dogmática Jurídica ou Ciência do Direito, que se ocupa da norma jurídica e sua aplicação no caso concreto. Também não se opõe à perspectiva da Filosofia do Direito, cujo foco é investigar os princípios do Direito. Pelo contrário, essas perspectivas se complementam e contribuem para a compreensão da realidade jurídica em suas múltiplas dimensões.

Não pode faltar

A Sociologia Jurídica ainda está engatinhando no caminho da ciência. Apesar da importância e do interesse que vem despertando suas investigações, ainda não há uma definição nítida dos seus problemas e objetos de estudo. Imagine qual seria, no seu ponto de vista, o melhor método e técnica de pesquisa para compreender como se forma e transforma o Direito e como influi na vida social.

Reflita

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Características da Sociologia do Direito

A Sociologia Jurídica caracteriza-se como um estudo que apresenta um saber científico, empírico, zetético e causal. Considera-se um saber científico, quando a Sociologia Jurídica utiliza o raciocínio sistemático e metódico para desvendar as conexões presentes no fenômeno jurídico e na realidade social. Por sua vez, o saber empírico é demonstrado a partir da análise do fenômeno jurídico como um fato social, real e concreto, das interações comportamentais. Nesse caso, fica afastada a abordagem idealista ou metafísica.

A classe de estudo zetético da Sociologia do Direito caracteriza-se pela busca crítica das relações mantidas entre o ordenamento jurídico e a sociedade. Conforme Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2003, p. 42), por meio da zetética empírica tem-se a investigação científica de característica especulativa, sem se preocupar se seus resultados deveriam ser ou não aplicados na realidade.

Por fim, a característica causal do estudo da Sociologia do Direito se revela quando se busca uma ligação entre o fenômeno jurídico e a realidade social e posterior formulação de seus modelos teóricos. Pode dizer, também, que a causalidade empregada pela Sociologia do Direito possui natureza probabilística, quando aponta a existência de tendências para determinadas condutas sociais e jurídicas.

André Franco Montoro (2015, p. 586-588) e Maria Helena Diniz (2015, p. 228-230) destacam a importância dos trabalhos de Georges Gurvitch, Recaséns Siches e Renato Treves para sistematização do campo de investigação da Sociologia Jurídica. Segundo eles, os problemas que constituem objeto de investigação correspondem aos três grandes ramos da Sociologia do Direito:

• Sociologia Jurídica analítica – ou microssociologia do Direito, que vai estudar os dados elementares ou microscópicos da realidade jurídica: das relações jurídicas fundamentais (direito interindividual, social e de integração, etc.); das camadas sedimentares ou níveis da realidade (direito organizado, direito espontâneo, etc.).

• Sociologia Jurídica diferencial – ou macrossociologia jurídica, que tem como objeto de estudo o ordenamento jurídico de grupos sociais particulares (família, sindicato, paróquia, clubes, etc.) e da sociedade global (nação, comunidades internacionais).

• Sociologia Jurídica genética – ou macrossociologia genética do Direito, que vai estudar as tendências e fatores de transformação do Direito dentro das diferentes sociedades, verificando os efeitos produzidos pelo Direito no meio social.

Em síntese, a Sociologia do Direito leva em consideração os fatos sociais relacionados à norma jurídica, com o objetivo de apreender como os homens se comportam, efetivamente, em relação à norma jurídica.

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Assimile

Neste ponto vale reforçar algumas características dos métodos e técnicas da Sociologia do Direito: I − Sociologia Jurídica analítica ou microssociologia do Direito: relações jurídicas; sedimentos jurídicos. II − Sociologia Jurídica diferencial ou macrossociologia jurídica: ordenamento jurídico; sistemas jurídicos. III − Sociologia Jurídica genética ou macrossociologia genética do Direito: ação da sociedade sobre o Direito; ação do Direito sobre a sociedade.

Exemplificando

O sociólogo do Direito adepto à Sociologia Jurídica analítica busca compreender como as normas jurídicas se apresentam efetivamente. Assim, por exemplo, partindo do estudo da influência da teoria tridimensional ao Direito Positivo brasileiro, ao decompô-la, chega aos elementos simples, ou seja, aos ordenamentos jurídicos particulares, no plano horizontal (como exemplo, as regras contratuais) e, no plano vertical, os sedimentos jurídicos que abrangem o Direito organizado (como exemplo, a lei do Código Civil). Ademais, ele enfoca os tipos de Direito correspondentes às diversas espécies de coletividades reais. Por exemplo, quando analisa o grupo social dos membros de um sindicato e sua tipologia jurídica (Direito Sindical).

Por fim, o sociólogo do Direito terá como foco as transformações jurídicas e seus efeitos produzidos no meio social. Por exemplo, as normas de Direito Ambiental que, aos poucos, vêm transformando a maneira como a sociedade produz e consome os bens necessários à sua sobrevivência sem comprometer a sobrevivência das gerações futuras.

métodos da Sociologia do Direito

Método científico é um conjunto de procedimentos intelectuais que envolvem regras básicas para permitir ao sujeito o desenvolvimento de uma experiência a fim de conhecer o seu objeto de pesquisa. A Sociologia do Direito faz uso de vários métodos para apreender seu objeto de conhecimento, que são as ligações existentes entre a sociedade e o ordenamento jurídico. Para fins do nosso estudo, destacaremos alguns desses métodos:

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a) O método indutivo – Parte-se da observação e posterior sistematização das situações particulares para, no segundo momento, estabelecer modelos conceituais genéricos. Na Sociologia do Direito implica em dizer que o cientista parte da observação do fato social concreto e particular para a formulação de leis ou teorias gerais e, portanto, de aplicação universal.

b) O método dedutivo – Raciocínio inverso da metodologia indutiva. Utiliza-se dos modelos conceituais genéricos para explicar os fatos sociais particulares.

c) O método positivista – O grande expoente é o filósofo francês Auguste Comte. Conforme acentua Cristina Costa (2010, p. 51), para a sociologia positivista a ordem social submete os indivíduos como força exterior a eles. O verdadeiro conhecimento sociológico é resultado da análise e descrição objetiva da realidade social e das relações jurídicas. Neste método, preserva-se o distanciamento do cientista do seu objeto de pesquisa, considerando a necessidade da neutralidade valorativa ou axiológica.

d) O método compreensivo – Desenvolvido por Max Weber. Diferentemente do método positivista, não existe oposição absoluta entre indivíduo e sociedade. As normas sociais só se tornam concretas quando se manifestam em cada indivíduo sob forma de motivação (COSTA, 2010, p. 51). Ao cientista compete compreender os significados dos valores sociais das instituições sociais presentes em cada cultura.

e) O método dialético – Platão, Hegel e Karl Marx são os expoentes da teoria dialética. A dialética é uma forma de diálogo visando analisar a realidade a partir da contraposição e contradição de ideias. Para a Sociologia Jurídica esse método caracteriza-se na busca de compreender a realidade social sob a ótica dos conflitos existentes, para então examinar a interferência na realidade da norma, das instituições e na ordem jurídica. De acordo com a teoria dialética, são três os momentos básicos para análise da realidade: existência de uma ideia pretensamente verdadeira (a tese); a contradição ou negação dessa tese (a antítese); e o resultado da confrontação de ambas as ideias (a síntese). Com a síntese inicia-se uma nova tese e um novo ciclo dialético.

f) O método estruturalista – Desenvolvido por Lévi-Strauss. De acordo com o método estrutural, existe uma estrutura única e imodificável de papéis ou funções sociais, os chamados “sistemas de significação”, presentes nas mais diversas sociedades, embora com diversas fisionomias culturais. Ao cientista caberia a função de explorar as inter-relações (as "estruturas") através das quais o significado é produzido e reproduzido em uma cultura.

g) O método funcionalista − Émile Durkheim é o grande nome representante da teoria funcionalista. Considera-se que a sociedade é uma representação de partes componentes, diferenciadas, inter-relacionadas e interdependentes. Cada parte exerce uma função fundamental para a vida social. O método funcionalista estuda a sociedade pelas perspectivas da função de suas unidades. Para a Sociologia do

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Direito a ordem jurídica é como um instrumento normativo e institucional que busca a harmonia social e o equilíbrio das expectativas de comportamento das pessoas.

h) O método desconstrutivista − Desenvolvida pelo filósofo francês Jacques Derrida, essa teoria caracteriza-se pela crítica à tradicional filosofia ocidental. Procura desmistificar os discursos ideológicos de justificação ou opor às estruturas de poder social e ao modo dominante. Dessa forma, coloca em evidência a incoerência das concepções ideológicas que justificar o conteúdo normativo e a atuação do ordenamento jurídico. Conforme adverte Jacques Derrida, “que o direito seja desconstruível, não é uma infelicidade. Pode-se mesmo encontrar nisso a chance política de todo o progresso histórico” (DERRIDA, 2007, p. 26). A corrente desconstrutivista influenciou diversos ramos do conhecimento, como a Sociologia, a Filosofia e a Arquitetura.

BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 344-411.

NADER, Paulo. Filosofia do Direito. 19. ed. São Paulo: Forense, 2010. p. 328-332.

Pesquise mais

Faça você mesmo

Exercite um pouco seu pensamento sob o ponto de vista da Sociologia do Direito. Observe as regras sociais existentes no seu grupo social. Pode ser na Igreja, no Sindicato, na Associação do Bairro, na Escola. De onde vem essas regras de conduta? Busque identificar quais as possíveis normas jurídicas do Direito Positivo que subsidiam a elaboração das regras de convivência social nessas instituições.

Agora que já absorvemos as noções constantes no tópico “Não Pode Faltar!”, convidamos você a solucionar a situação-problema (SP) apresentada no “Diálogo Aberto”. Recorda-se dela?

Em síntese, relatamos que o caso apresentado na SGA vincula-se à polêmica sobre a entrada em vigor de uma nova lei alterando o antigo Código Florestal de 1965. Então,

SEm mEDO DE ERRAR

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desenvolvemos na SP que há visões diferentes sobre as consequências da nova norma jurídica na sociedade, percepções a favor e contra a nova lei. Pergunta-se: Se já existia uma lei anterior, quais seriam as razões genéricas para justificar uma nova lei para o Código Florestal? Quais as prováveis consequências do Direito na vida social, segundo essas percepções?

Responderemos às questões de acordo com os fundamentos da Sociologia do Direito, apresentados no decorrer da seção, mais especificamente, utilizaremos a perspectiva da Sociologia Jurídica genética do Direito, na qual o objeto investigado é a ação da sociedade sobre o Direito e a ação do Direito sobre a sociedade.

No caso concreto apresentado, verifica-se que o Código Florestal de 1965 foi elaborado no contexto histórico e de desenvolvimento social que, na época, privilegiava a expansão agropecuária e a exploração florestal. Contudo, as concepções sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável evoluíram no debate mundial. A realidade social e econômica do Brasil justifica, então, a reelaboração das normas jurídicas relativas ao tema, se adaptando às novas exigências da sociedade.

No caso das perspectivas divergentes quanto aos efeitos na nova norma jurídica, elas refletem as opiniões de diferentes grupos em uma sociedade democrática e de direito. Por um lado, o setor ruralista considera válida a redefinição de regras mais realistas, levando em conta a necessidade de compatibilizar o desenvolvimento agropecuário, como, por exemplo, a regularização da ocupação histórica de atividade de plantio de café em topos de morro. Por outro lado, os ambientalistas, que apesar de saber dos defeitos das normas antigas e da sua difícil aplicação, consideram que os novos parâmetros para preservação dos recursos naturais estão longe de propiciar o desenvolvimento sustentável.

Atenção!

Na perspectiva da Sociologia Jurídica genética do direito:

• O Direito emana da sociedade. Como resultante do poder social que o apoia e o impõe aplicando sanções aos transgressores, como reflexos dos objetivos, valores e necessidades sociais, pois procura assegurar o respeito aos valores que os membros da sociedade consideram necessários à convivência social.

• O Direito influencia a sociedade como um instrumento de controle social, reconhecido pela comunidade.

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Lembramos sempre que a abordagem do fato social e sua relação com a norma jurídica poderia ser realizada em outra perspectiva da Sociologia Jurídica. Depende do método científico escolhido e da visão de mundo do cientista.

A Sociologia Jurídica caracteriza-se como um estudo que apresenta um saber:

Lembre-se

Lembre-se

Avançando na prática

Pratique mais

InstruçãoDesafiamos você a praticar o que aprendeu transferindo seus conhecimentos para novas situações que pode encontrar no ambiente de trabalho. Realize as atividades e depois as compare com as de seus colegas.

O Brasil possui peculiaridades jurídicas que desafiam os profissionais do direito: há leis que pegam e leis que não pegam!

1. Competências de fundamento de área

Conhecer e relacionar os conceitos e fundamentos da Sociologia do Direito.

2. Objetivos de aprendizagemPossibilitar ao aluno a refletir, a partir da análise do caso concreto, sobre a aplicação dos fundamentos da Sociologia no Direito.

3. Conteúdos relacionados Direito Positivo; Culturalismo Jurídico; Filosofia do Direito.

4. Descrição da SP

No Brasil existem peculiaridades jurídicas: há leis que pegam e leis que não pegam! A utilização do cinto de segurança, por exemplo, chegou e ficou. A lei eleitoral, por outro lado, é frontalmente desrespeitada em vários pontos, sem que haja punição aos políticos faltosos. Outro exemplo: para muitos céticos, a nova Lei nº 13.140/2015, sobre Mediação, não vai pegar, pois “não é da cultura do brasileiro”. Qual a importância da Sociologia do Direito para nos auxiliar na análise dessa realidade jurídico-social?

5. Resolução da SP

Conforme estudamos ao longo dessa Seção 3.3, a Sociologia do Direito é uma ciência que utiliza métodos e técnicas de pesquisa para estudar as relações entre o Direito e a vida social. Ela leva em conta os fatos sociais relacionados à norma jurídica, procurando mostrar como os homens se comportam, efetivamente, em relação às normas jurídicas. A Sociologia Jurídica estuda o funcionamento dos tipos e mecanismos produtores dos fatos sociais e os fatores que influem na gênese e na configuração do Direito.

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I. Científico − utiliza o raciocínio sistemático e metódico para desvendar as conexões presentes no fenômeno jurídico e na realidade social.

II. Empírico − demonstrado a partir da análise do fenômeno jurídico como um fato social, real e concreto, das interações comportamentais.

III. Zetético − caracteriza-se pela busca crítica das relações mantidas entre o ordenamento jurídico e a sociedade.

IV. Causal − busca uma ligação entre o fenômeno jurídico e a realidade social e posterior formulação de seus modelos teóricos.

Faça você mesmo

Agora que você concluiu o estudo introdutório sobre a Sociologia do Direito, convidamos para pesquisar pelos ao menos 3 (três) grupos particulares (escola, clube, igreja, sindicato, associação) e identificar de onde vem as regras previstas nos seus respectivos regimentos internos, estatutos, etc., ou seja, quais as normas jurídicas positivadas que dão subsídio para a elaboração das normas internas desses lugares. Compartilhe sua resposta com seus colegas.

Faça valer a pena!

1. Sobre o conceito e as características da Sociologia do Direito, é correto afirmar, exceto:

a) A Sociologia do Direito estuda como se forma e transforma o Direito, verificando qual é sua função no seio da coletividade e como influi na vida social, sem ter a preocupação de elaborar normas e de interpretar as que vigoram numa determinada sociedade.

b) Constitui objeto da Sociologia Jurídica a focalização do Direito como fato social, em seu relacionamento concreto com os demais aspectos da realidade coletiva.

c) Partindo da premissa de que a sociabilidade é uma condição do ser humano, a Sociologia Jurídica analisa os modos de criação e organização das relações e instituições, abordando as conexões e os elementos de interdependência entre o social e o jurídico.

d) A Sociologia Jurídica é uma ciência que estuda a influência dos fatores sociais sobre o direito.

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e) Como ciência, a Sociologia do Direito encontra-se totalmente sistematizada, com um quadro definido de problemas e uma nítida caracterização de seu objeto.

2. Acerca da Sociologia do Direito, é correto afirmar:

a) O enfoque dogmático é o do jurista propriamente dito, que se relaciona com a norma jurídica como um fiel ou sacerdote diante do dogma.

b) A investigação está voltada aos princípios fundamentais que estão na origem do direito, quer como realidade, valor, norma, poder ou conhecimento.

c) O objeto é o foco do Direito como fato social, em seu relacionamento concreto com os demais aspectos da realidade coletiva.

d) A abordagem sociológica é a do sociólogo do Direito, que estuda os aspectos filosóficos e dogmáticos.

e) Interessa pelos problemas de axiologia jurídica e qual a significação e a importância dos valores implícitos na normativa jurídica.

3.. Sobre o método dialético de análise na Sociologia do Direito é correto afirmar, exceto:

a) A dialética é uma forma de diálogo visando analisar a realidade a partir da contraposição e contradição de ideias.

b) De acordo com a visão do método dialético, as normas jurídicas não cumprem a função de consolidar as relações sociais, econômicas e políticas e os objetivos de determinada sociedade.

c) Para a Sociologia Jurídica o método dialético caracteriza-se na busca de compreender a realidade social sob a ótica dos conflitos existentes, para então examinar a interferência na realidade da norma, das instituições e na ordem jurídica.

d) De acordo com a teoria dialética, são três os momentos básicos para análise da realidade: existência de uma ideia pretensamente verdadeira (a tese); a contradição ou negação dessa tese (a antítese); e o resultado da confrontação de ambas as ideias (a síntese). Com a síntese inicia-se uma nova tese e um novo o ciclo dialético.

e) A dialética materialista é uma das bases do pensamento marxista. Karl Marx entende a dialética no contexto da luta de classes. A burguesia representa a tese, o proletariado, sua antítese. O comunismo seria a síntese, ou seja, superação da sociedade de classes .

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Seção 3.4

Grandes teóricos da sociologia do direito

Continuemos a nossa caminhada na disciplina de Introdução ao Estudo do Direito.

No estudo da Unidade 3 − Fundamentos Filosóficos e Sociológicos do Direito, estudamos na Seção 3.1 o Direito Positivo e suas características. Na Seção 3.2, percorremos o caminho da Teoria Tridimensional do Direito e sua aplicação no Direito Positivo brasileiro.

A Seção 3.3 foi dedicada aos “Fundamentos da Sociologia do Direito”, suas características e os métodos de pesquisa utilizados. Finalmente, chegamos à Seção 3.4, onde estudaremos os principais teóricos da Sociologia do Direito.

No início da Unidade 3 foi proposta uma Situação Geradora de Aprendizagem (SGA) para referenciar os estudos. Lembra-se dela? Simulamos uma situação na qual ocorreu o embargo pelo poder público das obras de construção de uma casa do Sr. João da Silva localizada em uma área de preservação ambiental, sem que o proprietário tivesse a respectiva licença ambiental do órgão competente.

Nesse momento, vamos à Situação-Problema (SP) para nossa última Seção 3.4 − Grandes Teóricos da Sociologia do Direito. Vamos lá?

Imagine, agora, que você, que fora contratado para emitir um parecer sobre o assunto, tivesse o apoio teórico de grandes expoentes da Sociologia do Direito. Diante desse mesmo fato social apresentado, qual, provavelmente, seria a perceptiva de investigação, ou seja, qual seria o foco de análise dos teóricos como Auguste Comte, Émile Durkheim, Karl Marx, Max Weber e Niklas Luhmann?

Para responder à SP dessa Seção 3.4, convidamos você a conhecer um pouco mais sobre a perspectiva desses grandes teóricos da Sociologia do Direito. Será importante entender como organizam suas ideias ao propor a análise do mundo real.

Diálogo aberto

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O positivismo científico de Auguste Comte

As correntes do positivismo jurídico contemporâneo comunicam-se, em geral, a uma concepção filosófica, cujas raízes podem ser encontradas no pensamento sistematizado por Auguste Comte (1798-1857), especialmente por suas obras “Curso de Filosofia Positiva” (1830-1842) e “Sistema de Política Positiva” (1851-1854). Foi Comte o primeiro a definir o objeto da Sociologia e, a partir de sua sistematização, a Sociologia começa a ser considerada uma ciência independente e diversa das outras ciências.

A filosofia positiva de Auguste Comte acredita que há uma grande lei sobre o desenvolvimento da inteligência humana. A chamada “Lei dos três estados” é a ideia-chave do positivismo comtiano e demonstra a visão do desenvolvimento histórico da sociedade.

Segundo essa concepção, é fundamental considerar as “três etapas progressivas” pelas quais todo ser humano passa em relação às suas concepções e valorizações da vida: (i) o estado teológico ou fictício – no qual o espírito humano vê os fenômenos como produtos da ação direta e contínua de agentes sobrenaturais; (ii) o estado metafísico ou abstrato – no qual os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas, capazes de engendrar todos os fenômenos; (iii) o estado científico ou positivo – no qual, finalmente, o espírito humano não se preocupa mais com os motivos ou propósitos das coisas, mas passa a ater-se unicamente à descoberta de suas leis efetivas, isto é, suas relações invariáveis de sucessão e de semelhança. O ser humano passa a utilizar-se do raciocínio e da observação para entender como as coisas acontecem, ou seja, o processo.

O Positivismo defende a ideia de que o conhecimento científico consiste na única forma de conhecimento verdadeiro. Uma teoria somente pode ser considerada verdadeira se comprovada por meio de técnicas científicas válidas. Para Comte, a ideia do pensamento positivista foi sintetizada em sete termos e significados: real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático.

Conforme destaca Montoro (2015, p. 296), as aplicações do positivismo científico às disciplinas sociais e à ciência do Direito apresentam como características algumas posições fundamentais: reduzem a atividade humana e a atividade social a uma simples realidade física ou natural; identificam fundamentalmente as ciências humanas e sociais e, entre elas, a moral e o Direito, às ciências físicas e naturais; consideram a atividade humana sujeita ao mesmo determinismo rígido do mundo físico ou biológico; e negam, consequentemente, a existência da liberdade.

Ademais, no âmbito da Filosofia Jurídica, a doutrina positivista se apresenta contrária às correntes idealistas, especialmente as que fundamentam a existência do Direito

Não pode faltar

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Natural. No âmbito jurídico, o positivismo jurídico, apesar de ligar-se à mesma linha de pensamento, não se confunde com o positivismo filosófico e o positivismo científico. Trata-se de direito imposto pela vontade do ser humano, o Direito Positivo exercido de forma objetiva.

A escola objetiva francesa de Émile Durkheim

Diretamente inspirada pelo positivismo de Auguste Comte, a Escola Sociológica Francesa, fundada por David Émile Durkheim (1857-1917), retoma o estudo científico da sociedade. A difusão do socialismo, o vigor do movimento operário e a crise da República Francesa estimularam seu estudo das bases da ordem social e do pacto entre os cidadãos.

Para a escola objetiva francesa, as ciências da sociedade devem limitar-se ao estudo dos fatos sujeitos ao método experimental. Os fatos sociais são da mesma natureza que os fenômenos físicos e regidos pelo mesmo determinismo, consequentemente, a ciência social é uma física social. Não existem ciências normativas, por que o espírito humano não pode descobrir verdades fora da observação e da experimentação; valores como justiça, moral, direito natural, etc., estão fora do campo científico.

Como ensina Durkheim, o indivíduo é fruto do meio em que vive e a ele está interligado. Assim, qualquer alteração na sociedade vai surtir efeitos sobre seus indivíduos. Aplicando a definição de Durkheim à Sociologia Jurídica, as leis são consideradas fatos sociais e impõem a cada um o dever de cumpri-las. Quem não segue certas leis é posto para fora da sociedade, ou seja, o Direito funciona para orientar o comportamento dos homens. O pensamento de Durkheim influenciará decisivamente a Sociologia do Direito.

O materialismo histórico-dialético de Karl marx

A síntese do pensamento sociológico de Karl Heinrich Marx (1818-1883) decorre de sua tentativa de compreender e explicar a sociedade moderna por meio da crítica ao sistema capitalista de produção. Suas ideias estão impressas em suas principais obras: “Manifesto do partido comunista”, “A luta de classes em França” e “O Capital”.

Contudo, é no seu livro “Para a crítica da economia política” que encontraremos um fio condutor para entender a filosofia Marxista e a relação do homem com a sociedade: “Na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura

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jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência (MARX, 1974, p. 135).

A concepção marxista parte do diagnóstico de que a sociedade se acha estruturada economicamente de forma injusta, com a preponderância do capital sobre o trabalho. Na sociedade capitalista aqueles que detêm os meios de produção tem amplo domínio sobre os operários. Já o Direito “desempenha um papel ideológico, pois sob o pretexto de instrumentalizar a justiça é meio utilizado para conservar a exploração da classe dominante. Como elemento integrante da superestrutura, é condicionado pelo fator econômico” (NADER, 2015, p. 262).

A teoria marxista sustenta que as sociedades humanas progridem através da luta de classes. Assim, juntamente com Friedrich Engels, escrevem o “Manifesto do Partido Comunista” (1848), convocando todos os trabalhadores, independentemente de suas nacionalidades, para se unir contra o capitalismo.

A experiência das ideias marxistas colocadas em prática ao longo da história sofreu várias críticas. Porém, a grande contribuição do pensamento marxista à Sociologia Jurídica é o despertar da consciência ética dos homens quanto ao grau de desigualdade do sistema capitalista. É inegável a influência das estruturas econômicas no tipo de Estado e nas instituições jurídicas. A experiência histórica permite dizer que somente em uma sociedade plural e democrática é possível que os indivíduos influenciem no destino da política e na consolidação de normas jurídicas justas.

Culturalismo sociológico de max Weber

A Sociologia de Max Weber (1864-1920) tem como traços característicos o fato de que a pesquisa de cunho histórico é essencial para a compreensão das sociedades, pois permite o entendimento das diferenças sociais (contradições sociais), que seriam de gênese e formação, e não de estágios de evolução. Assim, o caráter particular e específico de cada formação social deve ser respeitado (COSTA, 2010, p. 51). Na obra “Economia e sociedade”, Weber identifica três diferentes tipos de ação social, de acordo com suas diversas motivações:

• Ação tradicional: orientada pelo costume, tradição ou hábitos familiares.

• Ação afetiva: resultante das pulsões e paixões.

• Ação racional: guiada por um valor de ordem ética, estética ou religiosa.

Conforme destaca Cristina Costa (2010, p. 52), “ao cientista compete compreender o sentido das diferentes ações sociais e prever as suas consequências, muitas das quais imperceptíveis para os próprios agentes. É preciso decompor a ação social

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em diferentes etapas desvendando suas conexões”. Observam Jean-Cassien Billier e Maryioli (2005, p. 290-291), “a sistematização do Direito pela ciência do Direito, baseada na interpretação lógico-linguística das regras jurídicas para determinar seu campo de aplicação, está estreitamente ligada, tanto em Max Weber quanto em Hans Kelsen, à neutralidade axiológica que constitui para ambos a principal qualidade de um verdadeiro trabalho científico”.

Entre as grandes contribuições de Weber para a sociologia destaca-se a ideia do indeterminismo histórico. Contrariando seus predecessores, não admitia a preexistência de leis regulando o desenvolvimento social, o que permitiu entender as formações sociais na sua época, partindo das singularidades, em especial a formação da jovem nação alemã que surgia. Com isso, contribui para a formação de um pensamento alemão crítico, histórico e característico com a sua época.

O Sociologismo Jurídico: séculos XIX e XX

A Sociologia Jurídica desenvolve-se segundo as condições históricas que a criaram como consequência do desenvolvimento do capitalismo ocidental, do trabalho, da expansão das sociedades urbanas e do aumento da produção em massa. A necessidade de planejamento e a revolução técnico-científica são acompanhadas de novas concepções de abordagens entre cientistas sociais e filósofos para explicar a realidade social e o comportamento coletivo, e influenciadas pelo desenvolvimento de outras disciplinas como a psicologia, a psicanálise, a linguística e a semiótica. Assim, os estudiosos da sociologia contemporânea, em vez de buscar a especificidade da disciplina, vão buscar incorporar novos pressupostos teóricos e diferentes métodos de pesquisa, fazendo com que a sociologia se torne mais interdisciplinar.

O modelo clássico das teorias sociológicas desenvolvidas no século XX procuraram resolver a oposição entre sociedade e indivíduo. Para os autores contemporâneos essa polaridade parece um equívoco: a sociedade está mais do que presente nos comportamentos e discursos dos indivíduos. O que as pessoas pensam sobre a sua realidade e as representações que fazem sobre o momento é parte da realidade vivida, não uma referência falsa e enganadora. Sendo assim, cabe ao cientista social ouvir e interpretar essas formas simbólicas e linguísticas.

Exemplificando

A Sociologia Jurídica contemporânea rejeita a postura de imparcialidade proposta por Durkheim. Agora, o estudo científico está orientado para a intervenção na sociedade para, por exemplo, solucionar conflitos como criminalidade, violência e discriminação.

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Um pesquisador pode, por exemplo, chegar ao seu bairro, perguntar e registrar em uma planilha informações sobre a renda familiar, a qualidade de moradia, o meio de transporte utilizado, a sua percepção sobre a corrupção, sobre a qualidade dos serviços de saúde, etc. Finalizado o levantamento, o pesquisador poderá fazer um relatório descritivo das características dos moradores daquela região.

O sociólogo, ao analisar os aspectos e traços de uma sociedade, busca produzir um retrato dessa sociedade.

Muitos sociólogos contemporâneos, rejeitando a postura de imparcialidade proposta por Durkheim, vão optar pelo estudo científico orientado para a intervenção na sociedade para, por exemplo, solucionar conflitos como criminalidade, violência e discriminação. Utilizam metodologia que inclui procedimentos qualitativos e análise interpretativa, fazendo uso da história oral e análise de correspondências, valorizando os processos simbólicos e expressivos. Dois problemas em especial vão ser objeto da análise da sociologia contemporânea: a globalização e a pobreza.

Considerando os limites dessa nossa introdução ao pensamento filosófico e sociológico do Direito, destacaremos as escolas de pensamento sociológico e os principais autores que emergiram na primeira metade do século XX.

I. A Escola de Chicago – Surge com a preocupação de um grupo de intelectuais com o acelerado processo de desenvolvimento urbano e demográfico da Chicago no início do século XX, que será acompanhado com o surgimento de fenômenos sociais urbanos, como aumento da pobreza, da criminalidade e da delinquência juvenil, com a formação de comunidades segregadas (os guetos). Os representantes desta escola são William I. Thomas, Florian Znaniecki, Robert E. Park, Louis Wirth, Ernest Burgess, Everett Hughes e Robert McKenzie.

II. A Escola de Frankfurt – Também conhecido como Teoria Crítica na primeira metade do século XX. Destacam-se entre eles Max Horkheimer e Walter Benjamim. Inspirados nas consequências e rumos da prática marxista do passado dedicaram-se ao estudo dos problemas tradicionais do movimento operário, unindo trabalho empírico e análise teórica. Nome de relevo da Teoria Crítica é o de Jurguen Habemas. Suas preocupações estão centradas nas dimensões ideológicas do conhecimento e na identificação de seus múltiplos condicionamentos. Desenvolve o conceito de ação comunicativa, segundo a qual “as pessoas interagem por meio da linguagem, buscando se organizar socialmente pelo consenso, sem se submeter a coações internas e externas” (COSTA, 2010, p. 111).

III. Pierre Bourdieu (1930-2002) – Principal nome da sociologia contemporânea francesa, destaca-se pela formulação do chamado “construtivismo estruturalista”, que diz respeito aos “esquemas mentais de percepção, pensamento e ação que

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caracterizam o comportamento dos indivíduos e que ele chamou de habitus” (COSTA, 2010, p. 112).

IV. Norbert Elias (1897-1990) – Judeu alemão, “concebia a sociedade como um tecido que liga os indivíduos numa teia de interdependência em permanente mudança e movimento – a cada ação numa direção, todo o tecido se organiza” (COSTA, 2010, p. 113).

V. Manuel Castells (1942) – Dedicou-se ao estudo da sociedade pós-moderna, na qual predominam as redes informáticas de comunicação. O autor busca adaptar os conceitos da economia política marxista às novas trocas econômicas e simbólicas que acontecem na comunicação mediada por computadores. Destaca a revolução promovida pela informática nas relações econômicas, de trabalho, no mercado e nas relações nacionais e internacionais.

O funcionalismo sociológico de Niklas Luhmann

A grande contribuição de Niklas Luhmann (1927-1998) à Sociologia insere-se no desenvolvimento da teoria da sociedade como um sistema autopoiético. Esse termo é derivado de outro termo criado pelos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela na década de 1970, para explicar a “teoria da autopoiesis dos sistemas vivos”, aplicada ao mundo natural, que seria a capacidade dos seres vivos de produzirem a si próprios.

Segundo a ideia central dessa teoria mecanicista, “a vida de todos os seres somente pode ser explicada por sua organização interna, por elementos ligados à sua autorreprodução, ao seu funcionamento e relação com o meio ambiente” (NADER, 2010, p. 227). Luhmann vai inovar ao transformar a teoria autopoiética em um método de observação das ciências sociais. Ele reconhece que a autopoiese possui três momentos interdependentes: a autorreferência – significa que os elementos do sistema são produzidos e reproduzidos pelo próprio sistema, mediante interação circular e fechada; a reflexividade – também denominada autorreferência processual, entende-se a referência que um processo faz de si mesmo, com a decisão de decidir ou a normatização da normatização; a reflexão – significa que é o próprio sistema como um todo que se apresenta na operação autorreferencial, não apenas os elementos ou processos sistêmicos.

Para Niklas Luhmann a autonomia do sistema se aplica pela forma independente de se reproduzir. O sistema autopoiético do Direito, por exemplo, como qualquer outro subsistema social, não constitui apenas um sistema fechado de normas, mas o modo pelo qual pode ser criado pelo próprio Direito, ou seja, possuindo seu código binário (legal/ilegal), sua forma própria de operação, é o Direito que diz o que é o Direito, que fixa os critérios de validade do Direito.

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Assim, destaca Nader (2010, p. 229), a teoria autopoiética considera o Direito um sistema fechado, autoproduzido, pois o método de elaboração dos institutos jurídicos é por ele próprio definido.

Vamos aprofundar nossos conhecimentos? Procure os artigos abaixo.

ALVES, Sérgio Reis et al. Pensando em sociedade. Disponível em: <http://www.atenas.edu.br/faculdade/arquivos/NucleoIniciacaoCiencia/Rev is taCient i f ica/REVISTA%20CIENTIF ICA%202008/9%20PENSANDO%20EM%20SOCIEDADE%20-%20S%C3%A9rgio.pdf>. Acesso em: 13 fev. 2016.

MOURA, Bruno de Oliveira; MACHADO, Fábio Guedes de Paula; CAETANO, Matheus Almeida. O Direito sob a perspectiva da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. Disponível em: <http://www.sociologiajuridica.net.br/numero-9/227-o-direito-sob-a-perspectiva-da-teoria-dos-sistemas-de-niklas-luhmann>. Acesso em: 13 fev. 2016.

Pesquise mais

Ao longo dessa Seção 3.4 nos dedicamos a recordar os principais autores e seus modelos propostos, os conceitos e metodologia de análise da vida social. É importante refletir sobre a contribuição da chamada sociologia clássica, que foi fundamental para descobrir os princípios de uniformidade do comportamento coletivo. Esse é um dos mais importantes e originais esforços de sistematização do pensamento sociológico: descobrir a especialidade da disciplina e diferenciá-la conceitualmente das outras ciências. Da mesma forma, merece grande destaque a teoria marxista para o desenvolvimento da sociologia: pelo estímulo à ação política transformadora e pela perspectiva sociológica para as diferenças e desigualdades sociais e pelo desenvolvimento de teorias científicas que transcendem o tempo e o espaço.

Reflita

Assimile

Neste ponto vale reforçar algumas características da sociologia estudada ao longo do texto:

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I. O positivismo científico de Auguste Comte − O conhecimento científico consiste na única forma de conhecimento verdadeiro.

II. A escola objetiva francesa de Émile Durkheim − O indivíduo é fruto do meio em que vive e a ele está interligado.

III. O materialismo histórico-dialético de Karl Marx − O Direito desempenha um papel ideológico, pois sob o pretexto de instrumentalizar a justiça é meio utilizado para conservar a exploração da classe dominante. Como elemento integrante da superestrutura, é condicionado pelo fator econômico.

IV. O culturalismo sociológico de Max Weber − Ao cientista compete compreender o sentido das diferentes ações sociais e prever as suas consequências, muitas das quais imperceptíveis para os próprios agentes. É preciso decompor a ação social em diferentes etapas desvendando suas conexões.

V. O funcionalismo sociológico de Niklas Luhmann − A vida de todos os seres somente pode ser explicada por sua organização interna, por elementos ligados à sua autorreprodução, ao seu funcionamento e relação com o meio ambiente.

VI. O Sociologismo Jurídico: séculos XIX e XX − O que as pessoas pensam sobre a sua realidade e as representações que fazem sobre o momento é parte da realidade vivida, não uma referência falsa e enganadora. Sendo assim, cabe ao cientista social ouvir e interpretar essas formas simbólicas e linguísticas.

Faça você mesmo

Para que você possa começar a identificar como as teorias da Sociologia Jurídica influenciam a atuação do profissional do Direito, propomos que realize uma breve pesquisa, que poderá ser realizada por consulta na internet. Vá ao site da OAB de sua região e verifique se ela instituiu comissões especializadas, como, por exemplo, de Direitos Humanos, Meio Ambiente, Defesa do Consumidor, cujo objetivo é discutir os problemas específicos relacionados às áreas do Direito e apoiar a atuação dos advogados. Procure saber como elas atuam e se, efetivamente, têm produzido algum resultado. Como elas atuam na sociedade?

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E então? A partir de tudo que estudamos vamos responder ao problema que expusemos no início da seção?

E agora? Como responderíamos a nossa SP para auxiliar o Sr. João da Silva a partir da análise dos nossos teóricos da sociologia do Direito?

Na análise positivista de Auguste Comte o que vale é o fato objetivo, ou seja, não há de se falar em Direito natural. A linha de defesa dos interesses do Sr. João pode consistir em demonstrar a aquisição regular do terreno, de forma a garantir o direito de construir, como extensão do seu Direito de Propriedade. Já para Émile Durkheim, as leis são consideradas fatos sociais e impõem a cada um o dever de cumpri-las. Nessa perspectiva, deve-se verificar se a situação se enquadram hipóteses previstas na lei como regras de exceção para ocupação de áreas ambientais permanentes, ou seja, nos casos de ocupação antiga e consolidada; área a ser ocupada por motivo de utilidade pública ou de interesse social. Caso se enquadre nos termos legais, poderá ser pleiteado o desembargo das obras e a permanência no local. Caso contrário, não há possibilidade de êxito na defesa do Sr. João.

Por sua vez, na perspectiva de Karl Marx, trata-se de situação de conflito entre o Estado e o indivíduo, resultado da especulação imobiliária e da exclusão das classes menos favorecidas. Por outro lado, existe a falsa ideia de defesa da natureza, se esquecendo das necessidades do homem e de sua família. Assim, as regras jurídicas devem ser questionadas, pois não respeitam o direito humano de construir sua moradia e sobreviver. Caso não tenha êxito jurídico, a única solução é resistir à retirada compulsória.

Na visão da sociologia de Max Weber, a estratégia de defesa é considerar que o fato social requer melhor compreensão. Assim, qualquer decisão precisa ser justificada após se conhecer os antecedentes históricos da ocupação do espaço para permitir o entendimento das diferenças sociais (contradições sociais) do presente. Por fim, Niklas Luhmann pensaria o fato social concreto na perspectiva do sistema autopoiético do direito. Dessa forma, as possibilidades devem ser colocadas à prova dentro dos parâmetros e regras existentes no próprio sistema do Direito. A inexistência de licença ambiental por si só não justificaria o embargo, ou seja, deve-se verificar no caso concreto, até que ponto o direito à moradia interfere no direito ao meio ambiente equilibrado.

SEm mEDO DE ERRAR

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Atenção!

Os sociólogos contemporâneos rejeitam a postura de imparcialidade proposta por Durkheim. Para eles, o estudo científico deve ser orientado para a intervenção na sociedade para, por exemplo, solucionar conflitos como criminalidade, violência e discriminação. Utilizam metodologia que inclui procedimentos qualitativos e análise interpretativa, fazendo uso da história oral e análise de correspondências, valorizando os processos simbólicos e expressivos.

A organização dessa Seção 3.4 buscou resgatar o modelo clássico das teorias sociológicas desenvolvidas nos séculos XIX e XX onde os autores procuraram resolver a oposição entre sociedade e indivíduo. Iniciamos, também, a abordagem dos autores contemporâneos, onde essa polaridade parece um equívoco: a sociedade está mais do que presente nos comportamentos e nos discursos dos indivíduos.

Lembre-se

Avançando na prática

Pratique mais

InstruçãoDesafiamos você a praticar o que aprendeu transferindo seus conhecimentos para novas situações que pode encontrar no ambiente de trabalho. Realize as atividades e depois as compare com as de seus colegas.

Visões de mundo diferentes, atuação profissional distintas

1. Competências de fundamentos de área

Conhecer os grandes teóricos clássicos da Sociologia Jurídica e relacionar os conceitos e fundamentos que utilizam para a apreensão do fato social.

2. Objetivos de aprendizagemPossibilitar ao aluno refletir acerca da existência de pontos de vista diferentes sobre um mesmo fato social, verdadeiras visões de mundo, que caracterizam a atuação profissional.

3. Conteúdos relacionados Filosofia do Direito; Sociologia do Direito.

4. Descrição da SP

Pedro está terminando o Curso de Bacharelado em Direito. Entusiasmado com o que aprendeu, ele já está estagiando e pretende realizar o exame da OAB o mais rápido possível, para que possa atuar junto a uma ONG de defesa dos direitos humanos. Eduardo, por sua vez, pretende terminar o Curso de Direito, conquistar a inscrição na OAB e se dedicar ao trabalho no escritório de advocacia da sua família, que atua exclusivamente, para a defesa dos interesses de empresas do setor bancário. Identifique alguns aspectos da Sociologia Jurídica que podem auxiliá-los no desenvolvimento de suas carreiras.

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5. Resolução da SP

Os dois estudantes têm muito que aprender com os pensadores clássicos da Sociologia Jurídica que, em determinado momento histórico, procuravam fórmulas para entender o funcionamento da vida social de sua época. Cada um dos estudantes, à sua maneira, está fazendo opções de atuação social de acordo com a visão de como percebem o mundo e como devem intervir na sociedade. Pedro tem uma clara inquietação com os problemas sociais, o que lhe atribui uma visão crítica do Direito e uma atuação em prol àquelas pessoas que possam ter seus direitos humanos comprometidos, próprio das ideias marxistas. Já Eduardo pretende atuar para garantir a estabilidade e o funcionamento das regras do sistema capitalista para gerar os lucros dos estabelecimentos bancários que vai representar, próprio da atuação do positivismo jurídico.

Conforme estudado anteriormente, muitos sociólogos contemporâneos, rejeitando a postura de imparcialidade proposta por Durkheim, vão optar pelo estudo científico orientado para a intervenção na sociedade para, por exemplo, solucionar conflitos como criminalidade, violência e discriminação. A postura do estudante que pretende atuar na defesa dos direitos sociais é característica do pensamento sociológico dos teóricos das Escolas de Chicago e Escola de Frankfurt.

Lembre-se

Faça você mesmo

Agora que você concluiu o estudo sobre os grandes teóricos da Sociologia do Direito, convidamos você a observar a atuação de alguns profissionais Advogados. Procure identificar: Qual o ramo do direito eles atuam? Quem são os clientes que atendem no escritório (empresas, famílias, empregados, etc.)? Quais os fatos sociais (tipos de problemas) estão sendo tratados? Qual é a solução para os problemas (demandas judiciais, mediação/conciliação)? Compartilhe sua resposta com seus colegas.

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Faça valer a pena!

1. Sobre o positivismo científico de Auguste Comte, é correto afirmar, exceto:

a) A filosofia positiva de Auguste Comte acredita que há uma grande lei sobre o desenvolvimento da inteligência humana. A chamada “Lei dos três estados” é a ideia-chave do positivismo comtiano e demonstra a visão do desenvolvimento histórico da sociedade.

b) O Positivismo defende a ideia de o conhecimento científico consistir na única forma de conhecimento verdadeiro. Uma teoria somente pode ser considerada verdadeira se comprovada por meio de técnicas científicas válidas.

c) Para Comte, a ideia do pensamento positivista foi sintetizada em sete termos e significados: real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático.

d) Os princípios e os métodos da doutrina positivista foram amplamente aplicados em diversos setores da ciência.

e) No âmbito da Filosofia Jurídica, a doutrina positivista se representa nas correntes idealistas, especialmente as que fundamentam a existência do Direito Natural.

2. Acerca da escola objetiva francesa de Émile Durkheim, é correto afirmar:

a) De acordo com as ideias refletidas na escola objetiva francesa, as ciências da sociedade não devem limitar-se ao estudo dos fatos sujeitos ao método experimental.

b) O indivíduo é fruto do meio em que vive e a ele está interligado. Assim, qualquer alteração na sociedade vai surtir efeitos sobre seus indivíduos.

c) Os fatos sociais são totalmente contrários à natureza que os fenômenos físicos e regidos pelo mesmo determinismo, consequentemente, a ciência social não é uma física social.

d) Segundo as ideias Durkheim, o espírito humano pode descobrir verdades fora da observação e da experimentação; valores como justiça, moral, direito natural, etc., estão dentro do campo científico.

e) Se tomarmos a definição de Durkheim e aplicarmos à Sociologia Jurídica, as leis deixam de ser consideradas fatos sociais e não há dever de cumpri-las.

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3. Assinale a alternativa que não reflete as características do pensamento do materialismo histórico-dialético de Karl Marx:

a) A síntese do pensamento sociológico de Marx decorre de sua tentativa de compreender e explicar a sociedade moderna por meio da crítica ao sistema capitalista de produção.

b) A concepção marxista parte do diagnóstico de que a sociedade real se acha estruturada economicamente de forma justa, com equilíbrio entre o capital e o trabalho.

c) O Direito desempenha um papel ideológico, pois sob o pretexto de instrumentalizar a justiça é o meio utilizado para conservar a exploração da classe dominante. Como elemento integrante da superestrutura, é condicionado pelo fator econômico.

d) Na sociedade capitalista aqueles que detêm os meios de produção têm amplo domínio sobre os operários.

e) A experiência histórica permite dizer que somente em uma sociedade plural e democrática é possível que os indivíduos influenciem no destino da política e na consolidação de normas jurídicas justas.

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Referências

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CRETELLA JUNIOR, José. Primeiras Lições do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

DERRIDA, Jaques. Força de lei: o fundamento místico da autoridade. Traduzido por Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à Ciência do Direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

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FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

MARX, Karl. Para a crítica da economia política. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974.

MIRANDA, Rosa. Sociologia do Direito. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.

MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 32. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 37. ed. São Paulo: Forense, 2015.

PINHO, Ruy Rebello; NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Instituições de Direito Público e Privado: introdução ao estudo do Direito: noções de ética profissional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. v. 1, 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.