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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA CURSO DE DOUTORADO INTERINSTITUCIONAL OFICINA DE ANÁLISES E PRODUÇÃO DE ARTIGOS SOBRE DADOS QUALITATIVOS MATERIAL DIDÁTICO PROF. DR. ROMEU GOMES SETEMBRO DE 2012

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA

CURSO DE DOUTORADO INTERINSTITUCIONAL

OFICINA DE ANÁLISES E PRODUÇÃO DE

ARTIGOS SOBRE DADOS QUALITATIVOS

MATERIAL DIDÁTICO

PROF. DR. ROMEU GOMES

SETEMBRO DE 2012

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INDÍCE

I – Plano da oficina 03

II – O método das narrativas: perspectiva socioantropológica 05

III – Narrativas sobre a experiência sexual de homens 07

IV – O método de interpretação de sentidos 16

V – Material sobre o método de interpretação de sentidos 22

VI – Artigos qualitativos 27

VII – Sugestão de ficha de avaliação de artigos 31

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I – PLANO DA OFICINA (20 HORAS)

1 – OBJETIVOS

Ao final da oficina, espera-se que os participantes sejam capazes de utilizar:

a) Princípios do método das narrativas em análises de dados qualitativos b) Princípios do método de interpretação dos sentidos em análise de dados

qualitativos c) Princípios para a avaliação de artigos qualitativos.

2 – METODOLOGIA

O desenvolvimento da oficina ocorrerá baseado na articulação entre teoria e prática. Nesse sentido, após as exposições com debates acerca dos assuntos, serão realizados exercícios visando ilustrar os temas das discussões. No final da oficina, será realizada uma avaliação.

3 – SÍNTESE DO CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

(1) O Método das Narrativas sob enfoque socioantropológico: princípios e usos no campo da saúde. (2) O Método da Interpretação de Sentidos: princípios hermenêutico-dialéticos e trajetória analítico-interpretativa. (3) princípios para a

elaboração de artigos relacionados a pesquisas qualitativas.

4 – CRONOGRAMA: SETEMBRO DE 2012

DIA TURNO CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

ATIVIDADE

03 Manhã 1 Exposição e debate

04 Manhã 1 Exercício em grupo

04 Tarde 2 Exposição e debate

05 Manhã 2 Exercício em grupo

06 Manhã 3 Exposição e debate

5 – BIBLIOGRAFIA BÁSICA

Bury M. Illness narratives: fact or fiction? Sociology of Health & Illness, 23(3): 263-285, 2001. Disponível em: http://www.blackwell-synergy.com/toc/shil/19/1 Good B.J. The narrative representation of illness. In: Medicine, rationality and Experience. An anthropological perspective, pp. 135-165. Cambridge University Press, 1996. Gomes R. Mendonça E. A.. A representação e a experiência da doença: princípios para a pesquisa qualitativa em saúde. In: Minayo M. C. de S., Deslandes S. F. (orgs.). Caminhos do pensamento: epistemologia e método. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2002. p. 109-132 Gomes R, Souza ER, Minayo MCS, Silva CFR. Organização, processamento, análise e interpretação de dados: o desafio da triangulação. In: Minayo MCS, Assis SG, Souza ER, organizadoras. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Editora Fiocruz, Rio de Janeiro, 2005, p. 185-221. Gomes R. Análise e interpretação de dados de pesquisa qualitativa. In: Minayo MCS (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Editora Vozes, 2007.

p. 79-108.

Bruna Camarotti
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Gomes R, Souza ER, Minayo MCS, Silva CFR. Organização, processamento, análise e interpretação de dados: o desafio da triangulação. In: Minayo MCS, Assis SG, Souza ER (orgs.). Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005. p. 185-221. Hydén L. C. Illness and narrative. Sociology of Health and Illness. 19(1): 48-69, 1997. Minayo M. C. S. Hermenêutica-dialética como caminho do pensamento social. In: Minayo M.C. S & Deslandes S.F. (orgs.) Caminhos do pensamento: epistemologia e método. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2002. p. 83-107.

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II – O MÉTODO DAS NARRATIVAS: PERSPECTIVA SOCIOANTROPOLÓGICA

1 – Introdução

(Gomes & Mendonça, 2002a, 2002b)

A narrativa se caracteriza, principalmente, por uma forma linguística em que se apresenta uma sequência finita e longitudinal de tempo, pressupondo a existência de um narrador e de um ouvinte, perpassada por visões de mundo presentes na forma como as histórias são contadas.

Durante a narrativa, o passado, o presente e o futuro se articulam. A narrativa não é neutra, uma vez que sempre se destina a alguém e busca

algum objetivo subjacente. A narrativa é um espaço privilegiado de encontro entre a vida íntima de um

individuo e a sua inscrição numa história social e cultura. Através da narrativa pode-se aprender sobre a experiência das pessoas sobre

o que lhe aconteceram ou sobre o que lhe aconteceu ao seu redor. A narrativa é um espaço possível em que representações culturais e

experiência se articulam. Através da narrativa, criam-se e atribuem-se significado à realidade social. No campo da pesquisa, o foco nas narrativas recai na forma como as pessoas

falam sobre um evento e não apenas no que ela diz. O discurso narrativo é perpassado pelo o que dito (sentido da narrativa) e por

aquilo acerca do que se diz (a referência do discurso). 2 – A Entrevista Narrativa: etapas

(Jovchelovitch & Bauer, 2002)

Explicações sobre a pesquisa ao informante. Inicia-se com questões chamadas “exmanentes”, de interesse do pesquisador,

a fim de iniciar um roteiro de investigação. Assim, para começar a entrevista, lança-se mão de um tópico inicial que servirá como gatilho para o desencadeamento da narrativa do informante.

A narração não deve ser interrompida até que haja uma clara indicação (coda), significando que o entrevistado se detém e dá sinais de que a história terminou.

Quando o informante indicar o coda no final da história, poderá ser perguntado se há mais alguma coisa que ele gostaria de dizer.

Quando a narração chegar a um fim “natural”, surge a fase de questionamento. As perguntas que foram formuladas com base no interesse da pesquisa – questões exmanentes – deverão ser traduzidas em questões imanentes – temas, tópicos e relatos de acontecimentos que surgiram durante a narração - com o emprego da linguagem do informante, buscando completar as lacunas da história.

No final da entrevista, com o gravador desligado, poderão acontecer discussões interessantes na forma de comentários informais que poderão ser importantes para a interpretação da narração no seu contexto. No sentido de não perder esta informação, poderá ser utilizado o recurso do diário de campo.

3 – Análise e Interpretação das Narrativas

(Gomes & Mendonça, 2002b) Perspectiva metodológica: hermenêutica-dialética

Compreensão do contexto das narrativas:

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o Instituições sociais onde se situam o Condições sociais culturais da produção, circulação e recepção o Campo de interações em que se situam

Desvendamento dos aspectos estruturais das narrativas

o Ponto inicial da narrativa o Eventos o Personagens o Enredo o Nexos entre história da doença e história de vida o Ancoragem cultural

Síntese interpretativa

o Movimento que se eleva do empírico para o teórico e vice-versa o Aspectos que sintetizam o diálogo entre a narrativa e o contexto

sociocultural o Na perspectiva socioantropológica, a síntese pode terminar com a

elaboração de uma meta-narrativa

Referências: Jovchelovitch S, Bauer MW. Entrevista narrativa. In. Bauer MW & Gaskell G (orgs). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Um manual prático. Petrópolis. Rio de Janeiro: Editora Vozes; 2002 . p. 90 -113. Gomes R, Mendonça EA, Pontes ML. Representações sociais e experiência de doença. Cad. Saúde Pública. 18(5): 1207-1214, 2002a. Gomes R & Mendonça EA. A representação e a experiência da doença: princípios para a pesquisa qualitativa em saúde. In: Minayo MCS & Deslandes SF (orgs.). Caminhos do pensamento: epistemologia e método. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2002b. p. 109-132.

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III – NARRATIVAS SOBRE A EXPERIÊNCIA SEXUAL DE HOMENS

1 – PRIMEIRA NARRATIVA

CARACTERIZAÇÃO DO ENTREVISTADO

1 Código do Entrevistado: H/A 2 Data da Entrevista: 25/09/2003 3 Idade: 41 anos 4 Raça/etnia: branca 5 Escolaridade: ensino superior 6 Profissão: professor de educação física 7 Bairro em que reside: Botafogo 8 Estado civil: solteiro [disse que mora com uma moça por mais de 1 ano] 9 Rendimento Familiar Mensal: mais ou menos R$ 3.000,00

PARTE DA NARRATIVA E: Você poderia me contar como foi a história da sua sexualidade? Como foi o seu despertar para o sexo? Como aconteceu a sua experiência sexual e como veio acontecendo? HA:- É. Vê se eu entendi a pergunta não é? Bom, primeiro quando eu tinha assim mais ou menos uns oito anos eu me mudei pra... para o Leme onde eu conheci um...uns amigos que estavam sempre... a gente brincava muito com... com uns meninos e mais esses amigos e ele estava sempre me dizendo que: - Não... você está ali de olho nela. E, pô, inocentemente eu nem sabia de nada, não é? Até que um dia ele me chamou para ir para um... para um corredor lá da... ali no Leme, no prédio, que levou a menina junto aí começamos... começaram a transar lá e eu também entrei no meio para transar aí foi como eu conheci a situação. Aí depois começou... eu me lembro de muito assim de... de banda do Leme, de... aquelas morenas rebolando e a gente doido para pegar alguém ali que a gente não... não tinha essa... era uma façanha né, conseguir pegar. Então tinha uns amigos que pegavam a empregada e eu sempre tinha na minha cabeça “-Calma, porque teu dia vai chegar.” (risos) E daí foi partindo... eu conheci uma... uma mulher mais velha e... se apaixonou lá por mim, eu era um garoto muito bonito e tal e foi minha primeira... minha primeira transa assim mesmo... completa. Isso eu devia ter o quê? Uns treze anos de idade, mais ou menos. E depois eu comecei a namorar com uns quinze anos aí eu conheci minha namoradinha mesmo, que eu era apaixonado por ela. Aí começou a ter aquele... aquele envolvimento mais sentimental, né, o sexo veio assim com mais... mais carinho. E comecei a... nós transamos juntos aí foi a primeira vez é... uma primeira vez para mim mas foi assim como se fosse a primeira vez, né, um relacionamento apaixonado. Então aquilo foi... foi mais duradouro até que ela viajou... aí eu... aí eu fiquei muito apaixonado não queria saber de nada, aí... mas eu conheci uma turminha lá do Leme, né, uns amigos que estavam sempre botando pimenta nas coisas, empurrando a gente para as situações e eu comecei a... a noite, saía muito à noite, conhecia as meninas e tal. E... e eu tive um tio que era tipo um irmão mais velho que me... me orientava muito. Eu me lembro que até hoje isto está na minha cabeça. “- R. antes tarado do que viado.” (risos). Então era a minha... o meu lema ali da... e a minha turma era conhecida ali como... existia a turma dos brigões que era mais para o final do Leme, a turma dos viciados e a nossa turma era a turma das garotinhas, que queria pegar as garotinhas, então eu sempre vivi nesse meio. E eu... acabei tendo muitas namoradas, até hoje meus amigos falam que “- Pô, R. , aquele namorador, não sei o quê.” Então eu criei uma fama assim que às vezes até me atrapalhava. Mas eu

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conheci muitas meninas... bom, até hoje a minha vida com esses quatro casamentos que eu passei, isso não demonstra assim muita liberdade para eu largar uma para conhecer outra, sabe? Eu não...nunca tive medo assim de... de acabar um relacionamento porque eu senti muita confiança em começar um outro. Acho que devo sei lá, facilidade da minha parte. Mas eu... eu agora eu estou com a minha namorada que... que é minha mulher, que vive comigo, ela é bem mais nova que eu, tem dezessete anos à menos. Antes dela eu tive uma... uma outra que eu convivi durante dois anos que foi uma coisa bem apimentada que foi um sexo muito forte penúltima ligação. Não de pessoa com personagem, a parte sexual era estrondosa. E agora não, agora eu tenho uma relação bem equilibrada, além de tudo uma pessoa muito bacana, apesar de ter dezessete anos a menos que eu mas o nosso relacionamento não é tão apimentado assim mas é uma coisa meio equilibrada, uma coisa mais... para um estilo mais saudável, né, não é tão doente quanto era a outra. (risos). Apimentado era que, porra, era sexo todo dia, toda hora e a gente entrava dentro de casa, não conseguia nem chegar dentro... no elevador, já estava rolando. (risos) Então era o tempo todo. Era uma coisa impressionante. Eu cheguei a ficar que nem cachorro no cio, né, ficar magro, esquelético, a gente saí, era o tempo todo aquilo, a gente só pensava nisso, não é? Então foram dois anos assim de... mais tarde eu vim até fazer uma análise no psicólogo e talvez isso tudo era uma busca de uma conquista que parecia que era insaciável, não é? Pelo menos eu queria conquistá-la. Parecia que aquilo... era como se não eu conseguisse segurá-la. Aí ela me desafiava o tempo todo. Então se tornava uma coisa obcecada, uma coisa sem... sem fim não é? Até que um dia é... conheci umas outras pessoas e ela também e... acabou. Acho que é por aí. E:- E nessa história você alguma vez se sentiu limitado dentro da sua sexualidade, você sentiu algum limite, alguma ameaça? Ou não?

HA:- Com as outras... a gente... eu sempre tinha assim um certo limite mas por ela também ser... pô, a primeira vez que a gente saiu que a gente teve uma transa assim num lugar mais fechado, ela pedia para eu dar na cara dela, e tudo. Então, pô, aquilo me deixou um pouco apavorado, não é? E eu quis mostrar para ela que eu era pior que ela. (risos) Então aí começou um negócio assim meio... uma competição ali que foi rolando e... ali nós... a gente se livrou de tudo, ela mesma dizia que pô, ela comigo ela fazia tudo que queria, tinha os sonhos todos que ela... (>>>) ela se realizava. E nós tínhamos uma liberdade muito grande mesmo com relação a sexo, não tinha preconceito, não tinha nada disso. E a gente ia até os extremos que de vez em quando a gente parava e falava: - Caramba! Acho que a gente passou um pouco do limite aí... Sentia assim um certo... acho que o pudor doía um pouco na gente , que a gente tinha ultrapassado aquele limite mas... Mas depois voltava tudo ao normal e... a gente aprender que não existe muito limite nessas coisas. (risos) E:- É. Você acha que foi a idade que mudou isso ou foi o tipo de relacionamento? HA:- Eu acho que... deve ter sido. A idade também ajudou por eu ter... eu era mais, eu era dez anos mais velho que ela e ela era... quando eu a conheci acho que ...ela falou que gostava muito do esporte. Então pô, foi um... sei lá, uma tentativa de mostrar para ela que eu era mais que ela estava pensando. E isso fez com que a gente saísse abrindo caminho pelos... pelo meio do mato e chegamos longe. Aí depois... aí... depois o engraçado é que quando terminou eu tive que me afastar dela porque não podia ficar vendo, não podia... não sei se era... até um... sabe? Ter passado os limites com ela, que aquilo me afetava e ela também. Então a gente conseguiu entrar muito... um por dentro do outro e a gente sabia muita coisa um do outro então foi preferível a gente... desde aí nunca mais a vi. Eu acho que ficou ótimo assim. (risos). Mas eu acho que a idade também teve porque a... o amadurecimento, né, causou uma certa segurança em relação a isso tudo... o conhecimento que eu já tinha. Eu não sentia agredido por... por nada não, porque já estava meio cabeça feita em relação a isso tudo.

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E:- Certo. Sobre essa primeira experiência que você teve, você lembra de algum sentimento que você teve? Você era muito novo, não é?

HA:- Olha, sentimento não. Essa primeira vez era uma curiosidade muito grande. Era... curiosidade e aquele negócio “- Pô, consegui!” ? Sabe? De ter feito, ter ... falar com os amigos: -Pô, eu já fiz e tal! Consegui! Descobri o quê que era! E agora vou... vou ser melhor, cada dia melhor, quero fazer melhor. Aí a busca era de tentar dar prazer ao outro da melhor forma para receber elogios, para... né, uma certa vaidade mesmo, nesse campo. Mas sentimento assim, só rolou mesmo com a minha namoradinha. É. Aí foi paixão mesmo. E:- Como é que foi essa primeira relação? HA:- Ontem mesmo eu estava pensando nisso, que na... na primeira relação... na primeira relação eu fui com muita sede ao pote e acabei antes do tempo aí depois ela chegou: -Pô, tu é muito garoto ainda, vem cá que eu vou te ensinar e tal... Aí fez tudo aí... aí ela tomou a frente da situação e fez tudo como devia ser aí eu... eu fiquei de boca aberta aprendendo como é que era tudo, não é? E:- Certo. Você aprendeu mais com ela do que com os amigos. HA:- Ah! Sem dúvida. Sem dúvida. E:- Eles falavam antes para você. Você disse que incentivavam.

HA:- Uma palavra... a gente nunca comentou como é que era. E:- Hum. HA:- A gente dizia: - Não, fiz isso. – Fiz aquilo. Entendeu? Mas o ato mesmo como que era melhor e tal. E:- A experiência. HA:- E eu tive um... um amigo que me emprestou um livro... E:- Hum...

HA- ... que era as massagistas. E ali tinha tudo. Então eram aquelas... todas as experiências daquela massagista estavam na minha cabeça. (risos) E:- (risos)

HA:- E eu tentava realizar aquilo tudo, quer dizer, passar a teoria toda que eu aprendi para a prática. E:- Para a prática.

HA:- Agora é um livro bem completo em relação a isso tudo. E:- Certo. HA:- Então eu tive uma facilidade de... de execução porque eu já tinha estudado bastante em casa. (risos) E:- Já tinha feito a lição.

HA:- É. E:- E filho, você chegou a ter?

HA:- Eu tenho dois filhos. Tenho um de dezesseis anos e uma de treze anos. E:- Hum, hum. HA:- A primeira foi o ... o primeiro foi com a minha... como eu tinha vinte quatro anos... vinte e poucos anos, eu fiquei... trabalhar com ginástica, essas coisas eu sempre tive muita menina a minha volta. Então chegou numa hora assim que era muito fácil namorar, ter uma menina aqui, outra menina ali, meninas muito bonitas. Então me surgiu uma curiosidade de uma mulher mais velha que eu conheci, que eu decidi aprender com ela para mais tarde eu... eu poder, né, ter uma canja maior... mais... e viver melhor para as pessoas que eu fosse escolher e nós vivemos, tal, depois de um ano eu cansei... quando eu fui sair essa... essa pessoa se demonstrou muito sentida, os meus amigos ficaram dizendo que ela estava muito chateada e tal e nós voltamos, namorando assim, de repente ela engravidou. Aí nasceu meu filho, eu tentei ficar com ela durante mais um ano mas não deu certo aí foi cada um para um lado. E:- Hum, hum.

HA:- Aí meu filho nasceu. Depois eu conheci a mãe da minha filha logo em seguida. Primeira semana eu já morava sozinho numa casa da Gávea, ganhando muito bem,

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tudo estruturado e ela era uma pessoa que não tinha família, não tinha ninguém aí... primeira semana ela já estava morando comigo. Aí passou um ano assim, depois... quando eu resolvi sair fora ela engravidou. Aí ela continuou comigo mais quatro anos mas vivendo separadamente. Era um inferno dentro de casa. Ela tinha uma vida separada da minha mas a gente convivia por causa da filha. E eu tentava muito recuperar aquela situação toda mas não consegui porque ela era uma pessoa muito intransigente. Nós vivemos quase três anos sem um tocar no outro. Aí depois eu consegui me livrar, consegui sair dessa situação. A minha filha ficou no Rio, né, comigo. Foram esses dois filhos que eu tive. Hoje em dia ela mora comigo e o meu filho morou comigo um tempinho, foi com a mãe porque não aguentou... não me aguentou. E:- E sobre o uso de camisinha. Você usa camisinha?

HA:- Quando... eu pratico alguma coisa fora do meu esquema eu... uso. Mas dentro de casa não. Com a minha mulher não. E:- Porque que você não usa?

HA:- Com a minha mulher? Ah! Primeiro que é horrível, não é? E depois eu acho que o prazer de sentir a pele da outra pessoa é uma coisa... ainda mais a minha, não é? Eu acho uma delícia muito grande. Fora, eu utilizo. E aí às vezes assim quando tem uma situação meio desregrada que não tenho nada e tal. Aí porra, fica aquela culpa danada que não ter usado, não é? (risos) De não ter usado a camisinha. E:- Mas é por conta de quê? Por causa de uma possível gravidez, ou uma doença?

HA- Doença. A doença. É. Que a gravidez a gente já pode evitar fazendo fora não é? Agora a doença não tem como. Pô, isso dá muita paranoia. E:- Dessa história aí da sua sexualidade, você queria destacar mais alguma coisa?

HA:- Ah! O que eu ia falar. É que eu estava pensando que eu tive umas namoradas que no início eram como essa que eu falei de... de impacto, que era uma coisa forte. E eu sempre procurei ensinar para elas que... eu sempre fui do meu jeito assim, de ser carinhoso, de ter... eu acho que esse caminho do carinho, da ternura, da ... de fazer uma coisa com mais emoção, com mais sentimentos. Eu acho que tem um resultado muito melhor. Então eu acho que também isso me ajudava muito a... a conquistar a pessoa. Porque fazer o sexo sem carinho, sem amor, sem uma energia, né, um ritual todo, isso ficava meio vazio. Então enganei... depois não... não tinha por que voltar. Era só uma coisa mecânica. E isso nunca me atraiu muito. Então... eu sempre procurei mostrar para as pessoas que eu estava a fim que desse jeito era melhor. Nem que depois que passasse por isso pegasse uma sessão selvagem, não é? Mas... (risos) Mas tinha que ser um selvagem com carinho. Uma coisa mais... com mais emoção. E:- E você consegue colocar isso na prática?

HA:- Eu con... sempre consegui, consegui. Atualmente que eu estou muito ligado no meu trabalho, cara. É. Eu estou... sabe? Eu acho que aquela... toda aquela segurança, toda a parte de curiosidade, de conquista, isso tudo está muito canalizado para o meu trabalho, porque eu acho que eu tenho que conseguir muita coisa que... eu me sinto até atrasado de não ter conseguido antes. Então eu estou... isso foi até conversado com a mulher que eu estou vivendo para que a gente... ia... não ia sair mais, que a gente ia ficar dentro de casa, que ia ter uma empregada para não comer na rua, sabe? Para fazer uma economia um... como se fosse uma... um time que está concentrado para conseguir uma vitória. Então a gente está... sabe? Eu chego em casa cansado e durmo. Ela dorme do meu lado, ela está me acompanhando. Então às vezes assim quando a gente consegue sair da nossa rotina é que aparece uma coisa mais confortável para a gente fazer isso. Atualmente eu estou muito dedicado ao meu... aos meus objetivos. Mudou bastante. É. (>>>) É. Não só a sexualidade, mas também eu acho que muita coisa da minha vida. Porque eu antes eu era doido para sair do meu trabalho para ir para praia. Agora não, eu saio do trabalho para descansar. Eu acho

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que... talvez seja a idade, os hormônios todos dentro de mim, né? Modificando essas coisas todas que eu estou... as minhas energias estão canalizadas para uma outra coisa. Agora vai... eu não preciso ter mais aquela conquista, aquela curiosidade, aquela é... a liberação de energia por esse lado. Então... eu estou...Às vezes eu fico preocupado com isso. (risos) É... fico: - Pô, ela é novinha e tal. Está numa idade assim... mas ela quando também está querendo alguma coisa, ela me procura. Às vezes eu até não consigo, não tenho disposição, não estou a fim. E a gente sempre conversa e ela me entende, eu entendo ela também quando ela quer... quer dizer eu acho que eu e ela nos entendemos muito bem. Ela ... é uma relação muito prazerosa em relação a muita coisa de conforto em casa, de... de ter uma pessoa companheira, uma pessoa amiga é... sexualmente não é ruim. Mas só que não é naquele pique de todo dia é... como era antigamente. Volta e meia acontece, mas... não da mesma maneira que era... E:- Dessa história, você queria destacar mais alguma coisa?

HA:- Não. Só isso mesmo. E:- Bom. Se quiser depois a gente volta. HA:- Hum, hum.

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2 – SEGUNDA NARRATIVA CARACTERIZAÇÃO DO ENTREVISTADO

1 Código do Entrevistado: H/G 2 Data da Entrevista: 28/09/2004 3 Idade: 44 anos 4 Raça/etnia: parda 5 Escolaridade: ensino superior 6 Estado civil: casado 7 Rendimento Familiar Mensal: mais ou menos 10 salários mínimos mensais 8 Profissão ou ocupação: professor universitário (sociologia e filosofia) 9 Bairro do Município do Rio de Janeiro em que reside: Taquara PARTE DA NARRATIVA

E: Você poderia me contar como foi a história da sua sexualidade? Como foi o seu despertar para o sexo? Como aconteceu a sua experiência sexual e como veio acontecendo? G:- É assim, no sentido que eu lembro ela começa a se aguçar mesmo... na fase que nós poderíamos é estar chamando hoje né, assim essa saída da infância para pré-adolescência, o primeiro momento que se dá mesmo é em relação à sonhos, as primeiras discussões mesmo com os colegas na escola em determinadas coisas assim, e como eu te coloquei o fato de ser retirante do nordestino, eu exatamente eu nasci em uma comunidade, e a visão que eu tenho do local, eu no meu entender, isso criou determinadas facilidades também, no sentido de que eu vejo que além de ser uma comunidade ampla, mas também a minha visão é de que as coisas ali acontecem de maneira mais fáceis, por assim dizer, você não tem o controle social tão rígido quanto as pessoas que não são oriundas de comunidades, talvez. Eu... eu não afirmo isso com total certeza, mas é a minha visão, na minha visão isso se dá com uma facilidade maior para aqueles de comunidade, e à partir dali ela foi se desenvolvendo, foi assim... a minha primeira relação, ela se deu assim em torno de treze, quatorze anos... e assim... com uma garota, também virgem, era namoradinha né, e assim ela... depois é... é... não... não... uma continuidade por assim dizer com ela, né... houve um determinado momento que nós é... rompemos e até por conta é de uma mudança, eu mudei de uma comunidade pra outra... saí da Rocinha e fui pra Cidade de Deus (risos) e aí quer dizer, aí você tem é... conhece outras pessoas tudo, conhece outras pessoas, é... no momento seguinte é... eu mudei do Rio por conta exatamente de estudo, eu fui estudar em Guaratinguetá, uma escola exclusivamente masculina naquele momento, e aí é onde eu tenho o primeiro momento é de... ter o contato com é... não é exatamente o que eu chamo de sexo pago né, pra assim dizer, que é algo que... numa sociedade hoje com na Cidade do Rio de Janeiro eu não vejo necessidade das pessoas fazerem a opção, essa opção, é certo que assim muitas pessoas as fazem mas assim... aquele foi o meu primeiro momento...isso, em setenta e oito. Depois eu não continuei nessa escola, retornei pro Rio de Janeiro e a partir daí houve... foi uma série de... namoros, de... várias namoradas, inclusive é... no momento posterior reencontrei essa primeira namorada... é assim... ela... ela estava com outra pessoa, mas nós é... resgatamos um pouco a nossa história, estivemos juntos também por um tempo, e depois ela retornou pra essa pessoa né, e tive algumas outras namoradas até o momento que casei né, casei... é isso também não impediu que em alguns momentos eu tivesse alguns relacionamentos fora do casamento, até posteriormente , novamente me relacionei com essa primeira namorada lá, assim... e... mas basicamente eu sou, por assim dizer, é... sossegado, assim eu sou casado, tenho

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quase vinte anos de casamento, eu basicamente eu não procuro aventuras. Também não sou santo, por assim dizer, se ocorrer, eu... a não ser que seja algo que eu tenha em mente, que eu vou é estar colocando em jogo o meu casamento, alguma coisa que vá me comprometer, é claro que eu vou me portar, mas... se acontecer eu não me culpo. E:- Havia troca de experiências entre seus colegas? G:- É... eu lembro algo assim muito é... no sentido de que alguém estava colocando algo, no sentido de que ele sabia, tal qual ele era detentor daquela experiência e tudo o que não obrigatoriamente eu era, é... estavam colocando coisas que muitas das vezes eles queriam saber né, e isso não obrigatoriamente era a verdade, não era a realidade, por assim dizer. É, aquilo era mais uma questão, era um status no sentido de dizer eu sei disso, tal qual assim... eu passei por essa experiência, por isso que eu sei disso, elas teriam status ali no grupo, por assim dizer, mas que a medida que você cresce e se dá conta da realidade, você vê que há várias coisas erradas entre aquelas informações, por assim dizer que eles estavam colocando. E:- Nessa escola que você foi viver com homens, como é que a temática da sexualidade entrava? G:- Bom... era uma escola que tinha aproximadamente dois mil alunos. Era um quartel, por assim dizer, era uma escola militar, padrões rígidos mesmo, época da ditadura, então, por assim dizer, aquela questão e... e assim por não ter chance de todo final de semana vir pro Rio, ter aquela coisa mesmo de no final de semana e até porque, era uma escola que, no domingo dez horas da noite você tinha que estar lá e só tinha permissão pra sair sexta-feira cinco horas da tarde, numa idade de dezoito anos, no qual a sexualidade está aflorando mesmo, então quer dizer é... e exatamente onde eu digo dessa coisa de ter exatamente nesse primeiro momento buscado o sexo pago, porque exatamente é... nos primeiros momentos você tem o seguinte, primeiro final de semana lá, primeiro que nós chegamos de uma quarentena, quarenta... mais de quarenta dias que... não podia sair, na primeira vez que você sai é... isso numa turma de quinhentos, quando eu digo dois mil são quatro turmas de quinhentos, turma em relação ao ingresso, a medida que uma está no primeiro a outra está no quarto período. Então os quinhentos primeiros tem essa quarentena, quarenta dias sem poder sair né, você sabe que primeiro final de semana é claro que você vem pra casa, quer rever os parentes tudo, e assim... o final de semana posterior aí você vai conhecer a cidade e você percebe que a cidade é pequena, e que os próprios alunos de certa forma né, não são bem vistos por... pelas garotas direitas por assim dizer, porque aqueles alunos estão ali para passar um período, é... após se formarem serão transferidos para algum lugar do País, e que as garotas locais ali estariam apenas para suprir aquele período, e assim... então... o aluno de certa forma ele não era bem visto por algumas, por outras seria é... o caminho para uma ascensão né, agora... aí quando no primeiro final de semana você tem isso e você passa o primeiro final de semana e diz assim : - Pô, não consegui ninguém, aí no final de semana seguinte é claro que você descobre que alguns colegas já buscaram aquele outro, e aí você: - Não, no próximo final de semana me diz aí como é que eu chego lá, e você parte exatamente com isso, e... é interessante é... é... que num determinado momento você é... percebe que a maioria do público que está ali são colegas seus da escola né, tem essa coisa mesmo. Agora assim... padrões rígidos você não percebe casos de homossexualidade, até por... creio que exatamente também por conta do período, por conta das próprias bases da escola, por ser uma escola militar, tudo isso. Isso... com o tempo você até escuta que algum colega assim, mas, no (>>>) assim tão declarado que você... eu nunca vivenciei um caso assim.

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E:- Como você vê hoje a sua sexualidade? G:- Eu vejo o seguinte, é... uma das coisas que eu por assim dizer, num digo assim que já mapeei por assim né, mas assim... quando eu traço uma visão desse meu histórico é... eu percebo uma coisa também que assim eu vejo como algo um... um facilitador. Eu comecei trabalhar muito cedo, comecei trabalhar muito cedo e assim... exatamente nessa faixa de treze, quatorze anos, e quando você trabalha você tem acesso ao dinheiro, que te dá acesso a outras coisas e te dá acesso a algumas facilidades também, no sentido de que você é... nem sempre tem necessidade da dependência paterna ou materna e até é... em alguns momentos você pode é... buscar determinadas facilidades sem é... sem estar exatamente é... tendo que dar explicações por assim dizer. Então quer dizer, é... muitas vezes esse fato de já trabalhar, de ter um dinheiro, isso me permite ir ao Clube né, e estar em contato maior, buscando já essa socialização, é claro sim que o adolescente vai no Clube, ele vai na festa, buscando sim essas coisas. Por conta da minha socialização também naquele momento, eu vejo o seguinte... é claro que hoje eu não tenho a... uma vivência da Rocinha tal qual eu tinha naquele momento né, e vejo também por conta de não haver uma temeridade naquele momento quanto à essa criminalidade, essa periculosidade que hoje pode se dizer assim, tem na sociedade, é... eu lembro bem que é... havia um grupo de amigos que na hora assim... final de semana é... Tinha exatamente aquela questão de é... rodar o morro, era... essa era a expressão né, você é... Exatamente é... você conhecia bem, era conhecido e isso te fazia o seguinte, você estava numa pequena festinha e alguém passava: - Poxa! Tem festa também em tal lugar. Aí você se deslocava, assim em uma noite você é está em três, quatro festas e isso te possibilitava a namoros diferentes, não exatamente tal e qual os jovens tem hoje, essa coisa do ficar, mas assim... não obrigatoriamente o fato de você ter namorado alguém na primeira festa, e você disser não, eu desviei por aquela pessoa, não vou me deslocar, eu tenho que ir na outra tal, até por conta mesmo, e... e... a garota não poder ir até por... muitas vezes por conta de tem que estar ali perto do pai, isso de certa forma também favorecia a ter o novo momento e até muitas vezes no mesmo dia, por assim dizer. Bom, e isso na adolescência e assim... depois como te disse é... após a minha passagem por essa escola quando voltei pro Rio. Depois eu tive também... é assim... um momento também que é... eu fui trabalhar e... e fui trabalhar num ramo também que é...não dava um... um retorno satisfatório, então por conta disso também eu vejo que me trouxe diversas facilidades com o... com o sexo oposto. Primeiro momento, garoto de dezenove anos, pobre, com carro, daqui a pouco com um carro e uma moto, então quer dizer, isso também abre é... facilidades, por assim dizer. Não obrigatoriamente que você seja bonito, que você seja gostoso, mas também nós sabemos que em nossa sociedade algumas vezes é... o ter, ou a expectativa que alguém crê que você tem, também te trás facilidades.

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IV – O MÉTODO DE INTERPRETAÇÃO DE SENTIDOS 1 – Considerações Iniciais

Antes da análise final de uma pesquisa qualitativa é importante:

a) Organizar o material disponível b) Avaliar o material

A finalidade de uma abordagem qualitativa (AQ) não é contar opiniões e pessoas.

AQ: volta-se, dentre outros focos, para a exploração do espectro de opiniões e as diferentes representações acerca de um assunto que se está estudando.

A exploração dos dados qualitativos não se consolida, necessariamente, a partir da extensão do material do qual se dispõe, uma vez que, em geral, o espectro de opiniões e versões, acerca de uma realidade, possui limites.

AQ se fundamenta em dois pilares: a. nos hábitos e laços culturais b. nas diferenciações de opiniões e crenças a respeito de determinado

tema em segmentos do mesmo meio social Uma estratégia para se garantir ao mesmo tempo a representatividade cultural

e a diversidade das segmentações na investigação, é abordar grupos que se formam naturalmente1, ao invés de privilegiar a construção de grupos estatísticos ou taxonômicos.

Num grupo organizado espontaneamente, as pessoas: (a) interagem conjuntamente; (b) partilham de um passado e projetam expectativas comuns pois (c) têm interesses e valores mais ou menos semelhantes. Os procedimentos para a formação desses grupos e as escolhas dos seus membros devem ser detalhados e justificados no relatório de pesquisa.

2 – Base do Método

O método é um caminho de análise de sentidos atribuídos dentro de uma perspectiva das correntes compreensivas das ciências sociais que analisa: (a) palavras; (b) ações; (c) conjunto de inter-relações; (d) grupos; (e) instituições; (f) conjunturas, dentre outros corpos analíticos.

Essa proposta se baseia em experiências de pesquisa adquirida ao longo de dez anos. Foi construída não só por meio de obras clássicas do campo da pesquisa qualitativa, mas também por meio da socialização dos acertos e limites, ocorrida no interior do grupo de pesquisadores do Claves/Ensp/Iff/Fiocruz.

3 – Sobre a Interpretação

Conceitos básicos que permitem precisar o significado atribuído ao termo interpretação: descrição, análise e interpretação dos dados.

1 Alguns autores chamam a esse tipo “grupos naturais”, mas aqui se evita nomeá-los assim, pela conotação que o termo natural contém. Para a sociologia nenhum grupo é natural. Pelo contrário, é organizado socialmente por afinidades afetivas,

por interesses, dentre outros motivos.

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Note
Método de análise de dados qualitativos Avaliar o material - Validar a transcrição: se é fidedigna, se não tem lacuna; o material é suficiente? representativo? Representa o todo? Representatividade de suficiência (saturação teórica ou saturação se sentidos)? Ao chegar no n (amostra) se faz uma avaliação do material.
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Note
Grupos que se formam naturalmente = estratégia para assegurar tanto a representatividade cultural como a diversidade de segmentações
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Note
Perspectiva hermenêutico-dialética
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Note
Esses conceitos refletem perspectivas analíticas diferentes
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Na descrição trabalha-se de forma que as opiniões dos diferentes informantes

sejam preservadas da maneira mais fiel possível. Nessa forma de apresentação, os dados são tratados como fatos. Subjacentemente a tal postura, existe a crença de que os “dados falem por eles mesmos".

Na análise procura-se ir para além do que é descrito. Traça-se um caminho

sistemático que busca, nos depoimentos, com localizadores-chave explícitos, as relações entre os fatores. Ela produz a decomposição de um conjunto de dados, buscando as relações entre as partes que o compõem. Uma das suas finalidades é a de expandir a descrição.

A interpretação pode ser uma sequência da análise e pode também ser desenvolvida após a descrição. Sua meta é a busca de sentidos das falas e das ações para alcançar a compreensão ou explicação para além dos limites do que é descrito e analisado. Na pesquisa qualitativa, a interpretação é o ponto de partida (porque se inicia com as próprias interpretações dos atores) e é o ponto de chegada (porque é a interpretação das interpretações).

Essas três categorias de tratamento de dados qualitativos não são mutuamente excludentes, nem possuem fronteiras claras entre si. São apenas perspectivas de tratamento de dados qualitativos que podem ou não coexistirem formalmente.

O resultado de um processo de tratamento de dados qualitativos deve refletir uma interpretação, sem necessariamente apresentar a descrição e análise.

Na prática, como caminho para a interpretação, pode-se contemplar sempre a descrição e a análise.

É importante buscar a compreensão do que denominam “a lógica interna” de

determinado grupo, frente ao tema que está sendo analisado. Há abordagens que se contentam com o primeiro nível de exposição dos

dados, apenas reafirmando as opiniões dos entrevistados. Essa visão inicial (necessária de ser levada em conta no processo, mas não

suficiente para configurar uma abordagem qualitativa), é denominada de “construto de primeira ordem”, enquanto o “construto de segunda ordem”, que constitui a interpretação, é um ônus que cabe ao investigador.

Outro conceito importante para a prática da interpretação é inferência que diz

respeito ao exercício para ultrapassar o nível de descrição das falas e das observações, e se chegar à interpretação.

Inferência é, pois, um conceito de mediação. Ele pode ser entendido como a

operação pela qual se aceita uma proposição em virtude de sua relação com outras anteriormente acatadas como verdadeiras.

As inferências podem ser construídas a partir de perguntas como: O que conduziu tal entrevistado a emitir determinado enunciado? Que consequências esse enunciado vai provavelmente provocar? São resultantes de uma indagação básica para qualquer investigação científica ou de outro tipo: “quem diz o que, a quem, como e com que efeito?”

A presente interpretação de sentidos se baseia numa perspectiva socioantropológica, tendo como foco o fenômeno cultural.

Segundo Geertz, o ser humano como “um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu”2 (p. 15).

Para o autor, a cultura são essas intrincadas teias e a sua interpretação pelos que a vivem e ao mesmo tempo produzem estruturas de significados socialmente estabelecidos.

2 Geerzt G. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Editora Livros Técnicos e

Científicos; 1989.

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Discurso de primeira ordem. Relato. Ser o mais fiel possível ao que ouvir e ver.
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Pesquisa social. Decompor um conjunto para descobrir outros elementos que estruturam esse conjunto. Análise de conteúdo / Análise de Discurso Análise já é ciência. Se busca também o que não está explícito.
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Referencial teórico, abordagem do pesquisador - domínio teórico do pesquisador.
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é fazer a interpretação de algo a partir de uma teoria já tida como verdadeira.
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A interpretação seria, portanto, a compreensão dessas estruturas, dentro de sua base social e material. A dialética entre as interpretações e reinterpretações dos diferentes atores sociais que interagem dentro das condições objetivas em determinado espaço e tempo é a contextualização.

Para Thompson3 (1998), interpretar a cultura significa trabalhar com formas simbólicas que possuem, pelo menos, cinco características:

a. são intencionais: expressam relações entre sujeitos, dentro de objetivos

e propósitos e expressam intencionalidade; b. são convencionais: ressaltam a produção, a construção ou o emprego

das formas simbólicas, bem como a sua interpretação, dentro de regras, códigos e convenções de vários tipos;

c. são estruturais: expressam modelos articulados de inter-relações entre

os sujeitos; d. são referenciais: elas sempre representam e dizem algo sobre alguma

coisa, diferentes de si próprias; e. são contextuais: estão sempre inseridas em processos e construções

sociohistóricas específicas, a partir dos quais são produzidas, transmitidas e recebidas.

Princípios hermenêuticos-dialéticos para a interpretação de significados: a. compreender o contexto em que os dados são gerados; b. levar a sério os textos (relatos, entrevistas, histórias de vida, biografias,

documentos escritos e outros) que se pretenda interpretar, supondo sempre que eles têm um teor de racionalidade e de sentido;

c. buscar compreender as razões que o autor do texto teria para elaborá-lo ou pronunciá-lo da forma como o fez;

d. assumir uma posição em relação aos textos, sem achar que em algum momento existirá uma última palavra;

e. trabalhar com a expectativa de que o autor do texto poderia compartilhar de explicação elaborada se pudesse penetrar também no mundo do pesquisador.

4 - Caminho para a interpretação

Primeira Etapa

O primeiro passo a ser dado para a interpretação dos dados é a leitura compreensiva do material selecionado.

Essa leitura ocorre antes e depois de se montarem as estruturas de análise. Por meio dela, os investigadores visam a:

a. impregnar-se pelo conteúdo do material, b. ter uma visão de conjunto, c. apreender as particularidades presentes nessa totalidade parcial.

Um dos critérios para se avaliar se foi realizada uma leitura de boa qualidade é a capacidade de descrever as falas, as ações e os fatos a partir da perspectiva dos atores.

Para isso, é de fundamental importância se colocar no lugar deles, em seu tempo e em suas circunstâncias e ancorar a leitura do material em conceitos ou referenciais teóricos e contextualizações que orientem o olhar sobre os dados.

3 Thompson JB. Ideologia e cultura moderna: teoria social e crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Editora Vozes; 1998.

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Características das formas simbólicas
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Parece com a Análise Temática de Bardin - que é técnica e não método
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Para um diálogo entre a leitura compreensiva e a teoria adotada, apresentam-se algumas orientações, sustentadas a partir da próxima etapa.

Segunda Etapa

Este momento pressupõe que as estruturas de análise, (tratadas no tópico referente à organização de dados), já tenham sido realizadas.

É fundamental, então, ir além das falas e dos fatos descritos. Para isso, deve-se buscar as ideias que estão por trás dos textos (transcrições de falas, registros de observação, e organização de outros materiais secundários). Esta é a etapa da construção de inferências.

Nesta etapa, pode-se adotar a seguinte trajetória: (a) identificação e problematização das ideias explícitas e implícitas no

texto: (b) busca de sentidos mais amplos (socioculturais) atribuídos às ideias; (c) diálogo entre as ideias problematizadas, informações de outros estudos

acerca do assunto e referencial teórico da pesquisa.

Terceira Etapa

Esta etapa consiste na interpretação propriamente dita. Na realidade, realiza-se uma reinterpretação. Trabalha-se com desvelamento de modelos subjacentes às ideias. Além de se voltar para o que está sendo representado, procura-se dar conta

dos conflitos relacionados ao próprio processo de interpretação. Trata-se, principalmente, de uma síntese entre:

(a) dimensão teórica e dados empíricos (b) textos e contextos

Observação: As etapas, necessariamente, não são excludentes mutuamente e nem

sequenciais. Nesse caminho, em sua descrição, há que se separar para explicar, mas,

na prática as diferentes etapas se interpenetram.

5 – Exemplo de uma interpretação de dados de uma pesquisa qualitativa4

A título de exemplificarmos as etapas do método de interpretação de sentidos,

apresentamos parte de depoimentos de uma pesquisa (Gomes, 2004) realizada na

cidade do Rio de Janeiro com homens de baixa escolaridade e homens com o ensino

superior. Neste recorte da pesquisa, destacamos como objetivo analisar os sentidos

atribuídos a ser homem. A nossa base conceitual para essa análise foi desenvolvida

em torno do conceito de masculinidade hegemônica (modelo predominante numa

determinada cultura). Nosso pressuposto inicial era que, independentemente do seu

grau de instrução, homens lançam mão de um modelo de masculinidade que circula

no senso comum para definir o que é ser homem ou para se contrapor a esse modelo.

4 Transcrito de Gomes R. Análise e interpretação de dados de pesquisa qualitativa. In:

Minayo MCS (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Editora Vozes; 2007. p. 102-105.

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Síntese - busca de modelos culturais mais amplos, ou seja, indo para além das falas, para o imaginário social.
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Em termos de coleta de informações, trabalhamos com entrevista semiestruturada e

narrativas. Aqui vamos exemplificar o nosso método com algumas respostas para a

questão o que é ser homem.

Primeira etapa – Fizemos uma leitura compreensiva, visando: impregnação dos

depoimentos, visão de conjunto e apreensão das particularidades do material da

pesquisa original. Após essa leitura, identificamos temas que poderiam expressar os

depoimentos dos entrevistados. Aqui só vamos exemplificar com um tema (“ser

homem”).

Segunda etapa – Com base na estrutura de análise montada por temáticas,

recortamos trechos de depoimentos e identificamos as ideias explícitas e implícitas

nos depoimentos do texto. Assim, teríamos a seguinte estrutura de análise para o

tema “ser homem”.

Grupo I (Homens com nenhuma ou baixa escolaridade)

Depoimentos (nomes fictícios) Ideias

“Ele tem que procurar mulher” (Alberto). “Têm homens (...) delicados e outros não (...) Tem homem amoroso [e] tem um que não é (...) Tem homem que é agressivo (...) outro já é mais calmo” (Almir). “[Tem que ter] responsabilidade (...) nas suas tarefas, suas atitudes (...) ter palavra, ter moral” (Almir)

Procura de mulher Amor Delicadeza Agressividade Calma Responsabilidade Moral

Grupo II (Homens com ensino superior)

Depoimentos (nomes fictícios) Ideias

“Eu não descarto até que eu tenha essa parte feminina (...) eu acho que todo homem tem e tem que (...)” (Marcelo). “A constituição física é diferente (...) os hormônios que correm são diferentes (...) por isso (...) algumas sensações também são diferentes” (Marcos) “A reação masculina (...) é muito mais física em situações de limite do que a feminina” (Mário). “Eu descobri que o homem podia chorar (...) podia ter sentimentos (...) mas dentro de uma ação (...) de natureza sigilosa” (Miguel). “[Ter] um companheiro igual a ele mesmo (...) não deixa de ser homem também (...) Mas tem a vida deles (...) meio isolada” (Maurício). “ter um comportamento ético” (Mário).

Feminino no masculino Diferença do feminino Agressividade Sentimento Gosto por outro homem Ética

Após identificarmos as ideias presentes nos depoimentos, fizemos questionamentos

no sentido de problematizar as ideias: (a) As ideias se diferenciam por grupos? (b) Há

pontos comuns entre os grupos? (c) Há contradições entre eles? Na pesquisa havia

outras questões. As respostas para essas questões nos permitiram encontrar eixos

orientadores para a interpretação. Com essas questões estaríamos fazendo

inferências para chegarmos à interpretação dos sentidos atribuídos ou subjacentes às

ideias.

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Terceira etapa – Neste momento, buscamos sentidos mais amplos que articulam

modelos subjacentes às ideias. Para isso fizemos diálogos entre: (a) a fundamentação

teórica adotada, informações provenientes de outros estudos acerca do assunto e os

depoimentos; (b) os depoimentos e seus contextos; (c) depoimentos e observações

que registramos no trabalho de campo; (d) objetivo/pressuposto da pesquisa e ideias

presentes nos depoimentos. Ilustrando o resultado dessa etapa, apresentamos o

seguinte texto (resumo da nossa síntese interpretativa acerca do que é ser homem):

Em geral, independentemente do grau de instrução, os sujeitos revelam uma certa ambiguidade, oscilando entre ideias do senso comum acerca da masculinidade e críticas dessas ideias para elaborarem seus discursos sobre ser homem. Seguindo essa lógica, de um lado, trazem em suas falas que homens são diferentes da mulher, devem procurá-las sexualmente, são fortes e agressivos. Por outro lado, apontam para diferentes estilos de masculinidade, considerando que na instância do masculino também há sentimentos associados ao feminino, ainda que a expressão desses sentimentos possa sofrer interdições. O ser homem também se associa a valores moral e ético. Entre os entrevistados com o ensino superior, a homossexualidade é mais tolerada, embora nem sempre se consiga vivê-la socialmente. Em síntese, os homens dos dois grupos apresentam ideias alternativas àquelas predominantes no senso comum sobre o ser homem. Eles reforçam a existência das masculinidades, no plural, apontando para uma coexistência entre a masculinidade hegemônica e as masculinidades alternativas.

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Note
Síntese - relação entre o referencial teórico e os dados
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V – MATERIAL PARA O EXERCÍCIO SOBRE O MÉTODO DE INTERPRETAÇÃO DE

SENTIDOS 1 – CONTEXTO DO MATERIAL

Projeto de Pesquisa de Doutorado (IFF/FIOCRUZ): REPRESENTAÇÕES DAS EXPERIÊNCIAS SOBRE A SEXUALIDADE MASCULINA JUVENIL Doutoranda: Elaine Ferreira do Nascimento Orientador: Romeu Gomes

Objeto: O objeto de estudo da pesquisa consistiu em analisar as representações das

experiências da sexualidade juvenil masculina em meio à vulnerabilidade social. Objetivo Geral:

Problematizar as representações das experiências acerca da sexualidade masculina sob a ótica de jovens homens em meio à vulnerabilidade social. Objetivos Específicos: Analisar as representações da sexualidade masculina dos jovens homens. Analisar, com base na ótica dos sujeitos e articulado à teoria, como se

relaciona a esfera da representação com a da experiência no campo da sexualidade masculina.

Compreender a articulação entre sexualidade, saúde e vulnerabilidade a que estão submetidos os jovens homens.

Referencial Teórico:

O referencial teórico se pautou em eixos que abordam uma perspectiva interligada entre: sexualidades, masculinidades, juventudes e experiências. Nesse sentido, o processo do jovem de se sentir indivíduo, dono de suas decisões surge do agenciamento das emoções, da sensibilidade que diferentes falas, discursos e práticas despertam compondo assim a ideia de unicidade e subjetividade (Duarte, 1999). Em uma dinâmica de relações consigo e com outros, a sexualidade se vai processando, colaborando para demarcar fases, trajetórias individuais e formas de ser e estar no mundo. Nessa perspectiva, problematizar as questões acerca da sexualidade masculina juvenil, pressupõe compreendê-las a partir de um cenário de “casa dos homens”, ou seja, de acordo com Welzer-Lang (2001), os espaços de forja das masculinidades dos homens se dão à custa de muito sofrimento e dor, o autor se refere a estes espaços como a “casa dos homens”, onde são produzidas e consolidadas formas cerceadoras e dolorosas de ser homem. Bozon (2004), também problematiza que a entrada dos jovens na sexualidade se faz através do olhar e do controle dos parentes e dos mais velhos, os quais estabelecem regras nas quais os jovens (ambos os sexos) começam a ter acesso e informações sobre as nuances da vida de adulto. “Em todas as culturas, a iniciação sexual é uma etapa marcante para a construção social do masculino e do feminino” (p. 27).

O significado, portanto, do exercício da sexualidade é construído pelos sujeitos que a vivenciam tendo como base noções e valores através das quais os sujeitos interpretam, dando forma e sentido a sua experiência, elaborando então neste processo uma realidade social coletivamente compartilhada.

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Pressuposto:

Partimos do pressuposto que, as representações da experiência acerca da sexualidade masculina para jovens homens podem se constituir em uma armadilha na medida em que as estruturas de masculinidades, nos espaços monossexuados, são forjadas à base de sofrimento e interdições do campo da subjetividade (Welzer-Lang).

Desenho Metodológico: O desenho metodológico adotado se caracterizou por um estudo de caso sob a

perspectiva das ciências sociais, buscando identificar as principais marcas identitárias do caso; (b) características das identidades; (c) inter-relações entre as marcas identitárias; (d) modelos estruturantes; (e) relações com o contexto. O caso estudado foi o Curso de capacitação de jovens para o mercado de trabalho, promovido pela Organização Não Governamental Rede de Capacitação e Qualificação RECOFIAT. Essa fundação visa preparar jovens, moradores da cidade do Rio de Janeiro, em situação de vulnerabilidade social para o mercado de trabalho na área de mecânica de automóveis. A RECOFIAT, em parceria com a Rede de Concessionária FIAT, atua na comunidade do Caju - Rio de Janeiro há mais de 10 anos, com capacitação (na área de mecânica de automóveis) e colocação no mercado de trabalho de jovens de comunidade. Os jovens entrevistados compuseram um grupo de 19 rapazes com idades entre 15 e 17 anos, sendo 15 com dezesseis anos, dois com 15 e dois 17 anos. Seus integrantes se declararam, em sua maioria, pretos (12). Os demais se declararam pardos (4) e brancos (3). Dezessete deles cursavam a oitava série do segundo segmento do Ensino Fundamental e dois estão na sexta série, no mesmo nível. Praticamente a metade (9) encontrava-se comprometida com o namoro e dez não estavam namorando no momento, sendo que um deles informa nunca ter tido uma namorada. Em termos de iniciação sexual, na época em que o trabalho de campo se realizou, 10 entrevistados declararam ter tido relação sexual com moças, enquanto 9 deles relataram não ter tido tal experiência. Dos que já tinham se iniciado sexualmente, um deles foi com uma profissional do sexo e os outros tiveram a sua iniciação sexual com moças que eram de sua faixa etária. A coleta dos dados se apoiou em entrevistas semiestruturadas, realizadas na instituição em que os mesmos encontravam-se matriculados para o curso de qualificação para o mercado de trabalho. Nesse tipo de coleta, procuramos estabelecer uma conversa dirigida com os entrevistados em torno de temas que integravam o objeto da pesquisa. No caso deste recorte da pesquisa, focalizamos questões relacionadas sobre ser homem, ser homem e jovem e experiências sexuais. Em termos de procedimento analítico adotado no trato dos depoimentos, utilizamos o método de interpretação de sentidos (Gomes et al, 2005), com base em

princípios hermenêutico-dialéticos para a interpretação do contexto, das razões e das lógicas dos depoimentos que giraram em torno das temáticas do estudo. Na trajetória analítico-interpretativa, percorremos os seguintes passos: (a) leitura compreensiva, visando impregnação, visão de conjunto e apreensão das particularidades do material gerado pela pesquisa original; (b) identificação e recorte temático dos depoimentos sobre as experiências sexuais; (c) identificação e problematização das ideias explícitas e implícitas no texto; (d) busca de sentidos mais amplos (socioculturais) que articulam as falas dos sujeitos da pesquisa, buscando identificar modelos culturais de masculinidade; (e) diálogo entre os sentidos atribuídos, informações provenientes de outros estudos acerca do assunto e o referencial teórico do estudo; e (f) elaboração de síntese interpretativa, procurando articular objetivo do estudo, base teórica adotada e dados empíricos.

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Referencia Bibliográfica:

Bozon, M. Sociologia da sexualidade. Rio de janeiro, FGV, 2004. (Coleção: Família

Geração e Cultura). Duarte, LF. O império dos sentidos: sensibilidade, sensualidade e sexualidade na cultura ocidental moderna. In: Sexualidade: o olhar das ciências sociais. Heilborn,

ML (orgs.). Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1999. p. 21-30. Gomes R, Souza ER, Minayo MCS, Silva CFR. Organização, processamento, análise e interpretação de dados: o desafio da triangulação. In: Minayo MCS, Assis SG, Souza ER (orgs.). Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005. p.185-221.

Welzer-Lang D. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Revista de Estudos Feministas, v. 9, n.2, Florianópolis, 2001.

2 – DEPOIMENTOS SOBRE SEXUALIDADE MASCULINA, SEXUALIDADE

SAUDÁVEL E INICIAÇÃO SEXUAL

Rodrigo, 16 anos. P – Em sua opinião como é a sexualidade masculina? R – Gostar de se exercitar sexualmente, se aperfeiçoar... coisas desse tipo. P - O que você acha sobre sexualidade saudável?

R – O nome já diz é se cuidar, se prevenir pra não pegar nenhuma doença e depois se arrepender... Cara, eu não sei mesmo, está assim, usar proteção, planejar quando vai ter filho, porque tem que ter um pouco de estrutura e não socar na casa da mãe, que é o que eu vejo toda hora, coisas assim. P – Fala um pouco sobre sua experiência sexual.

R - Se já houve? P - É.

R - Já houve sim comigo. P - E como é que foi?

R - Eu já namorava, fiquei um tempão namorando com a menina, hoje não estou mais com ela. Foi difícil quase 2 anos que eu fiquei namorando com ela, e no final, dos 2 anos aí eu consegui. Desenrolei aí está, aí fizemos (...) Foi a primeira vez, e houve um pouco de sei lá, ficamos sem graça, foi um troço novo, não tínhamos experiência, nem eu nem ela (...) foi um pouco difícil. [E como foi pra você a descoberta?] Há os amigos contando, contando se já tinha feito, como é, se já estava muito tempo, aí eles contavam, alguns já tinham experiência, aí me contavam, aí eu fiquei insistindo com a minha namorada, até o dia que ela cedeu.

Márcio, 16 anos. P – Em sua opinião como é a sexualidade masculina? R – Pra mim já está dito é gostar de mulher, é ter a sexualidade de homem que é diferente da mulher e que é diferente da de gay... Eu acho que não sei explicar mais é diferente, eu acho até que a [sexualidade] de gay é mais igual da de mulher e bem diferente da de homem. [Homem é diferente de gay] Totalmente, porque é mais assim feminino, mais parecido com mulher e homem não. P – Na sua opinião o que é uma sexualidade saudável? R – Eu acho que é o que eu e minha namorada a gente fez, acho que foi uma atitude saudável em relação à sexualidade, por causa que a gente está esperando um momento mais certo, a gente sabe que pode fazer então não precisa ser correndo, nos

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muros e nas ruas como a gente vê muita gente assim totalmente exposta, a mostra sabe. P – Fala um pouco sobre a sua experiência sexual? R - Eu não posso falar do que ainda não houve. P- Mas, o que é iniciação sexual pra você?

R – O nome já fala né, é você iniciar uma atividade sexual, uma experiência sexual com uma garota. P – Só com garota?

R – Se você perguntar pros caras, mesmo assim quando ele já teve com outros caras, eu não sei se ele considera iniciação sexual, a não se que ele seja assumido e é muito difícil ser assumido na nossa idade, por causa da zoação dos colegas e tem problema com a família. P - Você considera masturbação como iniciação sexual? R - Sim, mas se bem que não. P - Como iniciação sexual você considera?

R - Não. Até porque a iniciação sexual é o início de alguma coisa, assim de uma relação com alguém.

Maurício, 16 anos. P - O que é ou como é a sexualidade masculina pra você?

R – Sempre pra mim é gostar do sexo, de fazer sexo, então se preparar e até se aprontar assim pra sua namorada, é cultivar um pouco isso. [pra você a sexualidade masculina é igual à sexualidade feminina?] Pô minha experiência mostra que sim, o que é diferente, acho, que é a criação, as garotas são criadas mais fechadas assim, mas elas também tem desejo como a gente, não sei se é igual mas elas também tem. P – E sexualidade saudável?

R – Acho que é fazer com responsabilidade, tem as doenças, que ninguém quer pegar, mas acaba dando mole, dá mole porque não se preocupou na hora, aliás, na hora quem é que se preocupa, porque a gente acha que nunca vai acontecer com a gente, mas também nessa coisa de saudável, também acho que entra o respeito à parceira, acho tudo está dentro de uma ética né? Cuidar e ser cuidado, porque ninguém quer ver sua mina falada né, então também começa com o respeito em proteger a sua namorada, de um jeito ou de outro você também protege sua reputação de homem. P - Então me diz uma coisa, masturbação pra você pode ser considerado uma iniciação sexual?

R - Não, não senhor (...) Não é considerado iniciação sexual. Porque assim se você é virgem e se masturba, você continua virgem, já quando você tem relação sexual com alguém você não continua virgem, então apesar de considerar a masturbação importante, até porque assim as pessoas se masturbam, mas não considero iniciação sexual não. P – Certo. Como tem sido sua experiência sexual? R – Como assim? P - Assim, você já teve uma iniciação sexual?

R - Já tive, tive uma experiência. P - Você teve uma experiência! Como é que foi?

R - No momento foi com uma garota da minha idade também. Minha namorada. E como a gente era iniciante, a gente era inexperiente também. Não vamos dizer assim que foi tão bom! Foi um pouco estranho acho. P – Quer falar um pouco mais?

R – Não que eu fico um pouco assim, sem graça. Mas assim agora é bem diferente, por causa que eu adquiri mais experiência, então melhorou, hoje já considero boa.

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SUGESTÃO DE ESQUEMA DE ANÁLISE - I

QUESTÕES RODRIGO MÁRCIO MAURÍCIO SÍNTESE

Sexualidade masculina/ sexualidade saudável

Iniciação sexual

SÍNTESE

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VI – ARTIGOS QUALITATIVOS

1 – Premissa Adotada

Somos, ao mesmo tempo, produto e produtores de um mapa mental de caráter intersubjetivo que modela nossa percepção da realidade.

2 – Sobre o Dado Qualitativo

Segundo a perspectiva qualitativa, todo dado é construído. A abordagem qualitativa preocupa-se com um nível de realidade que não pode

ser quantificado. Seu foco central é a compreensão do significado das ações sociais. Fundamenta-se em diferentes bases disciplinares, metodológicas e

paradigmáticas. Forma um conjunto de atividades interpretativas que podem ser atravessadas

por conflitos e tensões. Nas ciências sociais, se presta para focalizar estudos de instituições, grupos,

movimentos social e conjuntos de interações pessoais. 3 – Categorias de Tratamento de Dados Qualitativos

Descrição: as opiniões dos diferentes informantes são preservadas da maneira mais fiel possível. Nessa forma de apresentação, os dados são tratados como fatos.

Análise: procura-se ir além do que é descrito. Traça-se um caminho sistemático que busca, nos depoimentos, com localizadores-chave explícitos, as relações entre os fatores. Ela produz a decomposição de um conjunto de dados, buscando as relações entre as partes que o compõem. Uma das suas finalidades é a de expandir a descrição.

Interpretação: pode ser uma sequência da análise e pode também ser desenvolvida após a descrição. Sua meta é a busca de sentidos das falas e das ações para alcançar a compreensão ou explicação, indo além dos limites do que é descrito e analisado. Buscam-se modelos culturais. Na pesquisa qualitativa, a interpretação é o ponto de partida (porque se inicia com as próprias interpretações dos atores) e é o ponto de chegada (porque é a interpretação das interpretações).

4 – Estruturação dos Dados Qualitativos

Depende da teoria/método de interpretação Organiza-se a partir das técnicas de análise Deve ficar clara na parte metodológica do artigo

5 – A Construção dos Dados Qualitativos

Trajetória da construção de dados qualitativos: modelos de investigação – escolhas – encontro com fatos empíricos – exigência de testabilidade – controle da coleta – encontro dos dados com a teoria que os suscitou.

Síntese da trajetória: coleta de informações – transformações das informações em dados pertinentes à problemática geral – circunscrição dos „fatos‟ em sistemas significantes, a partir da evidenciação dos dados

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Campo doxológico

Coleta

INFORMAÇÕES

Campo epistêmico

Seleção DADOS

Transformação

Campo teórico

FATOS

Redução

6 – Desafios de Formatação

Antes de apresentar e discutir os dados, inserir o leitor no(a): – contexto da temática (à luz da literatura) – contexto da pesquisa – definição do foco do artigo – referencial teórico-metodológico – exposição metodológica – caracterização dos sujeitos

7 – A Confiabilidade dos Dados Qualitativos

A confiabilidade ocorre a partir da avaliação que examina: – Os dados crus e a análise – O processo do estudo (estratégias de desenho e procedimentos

utilizados) – O propósito e as expectativas do estudo – O desenvolvimento da pesquisa em geral

8 – Apresentação dos Dados num Artigo Qualitativo

Exemplo de um artigo5 baseado na interpretação dos sentidos atribuídos ao ser homem por parte de adolescentes:

5 Nascimento EF, Gomes R. Marcas identitárias masculinas e a saúde de homens

jovens. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 24(7):1556-1564, jul, 2008

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Apresentação dos sentidos atribuídos pelos sujeitos

“No conjunto dos nossos dados, identificamos as seguintes marcas identitárias do ser masculino: provedor, dominador, heterossexual e cuidador. Além disso, identificamos outros aspectos que, embora não constituam marcas do masculino, podem ajudar na compreensão da forma como os jovens subjetivam as marcas para a definição de suas identidades para além do modelo de ser homem considerado hegemônico”.

Para cada sentido:

o Descrição de cada sentido na ótica dos sujeitos com exemplos de trechos de depoimentos (editados):

O ser provedor é uma marca identitária da masculinidade que se articula a duas esferas concretas: o trabalho e a família, constituindo-se como duas instâncias de referência para a inserção e o reconhecimento de ser homem. Elas aparecem nas falas dos jovens de uma forma concomitante, porém hierarquizada, como podem ser vistas nos depoimentos. “Ser homem é você trabalhar, ter responsabilidade e formar uma família (...) porque o homem só pode ser alguma coisa através do seu trabalho, qualquer que seja ele, entendeu?” (Rafael, 16 anos). “Ser homem, eu acho que é ter atitude e assim, ter trabalho para manter uma família legal e também ter ética” (Renato, 17anos)”.

o Interpretação das falas à luz do marco referencial teórico:

Essas falas refletem um pensamento voltado para a ideia de que a identidade de ser homem se ancora na sustentabilidade/materialidade fornecida pelo trabalho, para atingir o seu destino de formar uma família. Esse ponto de vista nos faz pensar que o exercício da masculinidade deve assegurar uma díade entre a reprodução social e biológica que perpassa pela família, sendo viabilizada por uma esfera socioeconômica. Nesse sentido, antes de um jovem pensar na possibilidade de criar uma família, deve assegurar a sua inserção no mundo do trabalho. Isso de uma certa forma pode refletir a especificidade dos jovens por nós estudados que se encontram inseridos num curso de qualificação profissional. Junto a essa consideração não podemos deixar de observar que esses sentidos atribuídos ao ser homem estão sendo construídos numa perspectiva idealizada para os jovens atingirem um status de homem adulto.

o Articulação dos dados com outros estudos:

Esses dados fazem coro com as conclusões de outros estudos acerca do papel do trabalho na construção da identidade masculina. A associação entre ser provedor e ser homem – ainda muito presente no imaginário social – faz com que o trabalho seja uma expressiva marca dessa identidade. Um estudo, realizado com uma amostra de 2 mil indivíduos maiores de 18 anos, em 24 estados brasileiros, por exemplo, constatou uma forte associação da função de provedor à figura masculina20. Tal dado é tão significativo que a coparticipação da mulher na provisão das famílias, encabeçadas por homem, não tem uma visibilidade social 20.

Bibliografia

Bourdieu P, Chamboredon JC, Passeron JC. A Profissão de Sociólogo: Preliminares Epistemológicas. Petrópolis: Vozes, 2000.

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Bauer, M. W. & Gaskell, G. (org.) Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som: Um Manual Prático. Petrópolis: Vozes, 2002, pp. 17-36. Bruyne P, Herman J, Schoutheete M. Dinâmica da pesquisa em ciências sociais. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 1991. Denzin NK. & Lincoln YS. Introduction: the discipline and practice of qualitative research. Denzin NK. & Lincoln YS. (editors). Handbook of Qualitative Research. London: Sage Publications, 2000, pp.1-29. Deslandes SF, Gomes R. A pesquisa qualitativa nos serviços de saúde: notas teóricas. In: Bosi MLM, Mercado FJ, organizadores. A pesquisa qualitativa de serviços de saúde. Petrópolis: Editora Vozes, 2004. p. 99-120. Gomes R. Análise e interpretação de dados de pesquisa qualitativa. In: Minayo MCS (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Editora Vozes, 2007. p. 79-108. Gomes R, Souza ER, Minayo MCS, Silva CFR. Organização, processamento, análise e interpretação de dados: o desafio da triangulação. In: Minayo MCS, Assis SG, Souza ER, organizadoras. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Editora Fiocruz, Rio de Janeiro, 2005. p. 185-221. Laperrière A. Os critérios de cientificidade dos métodos qualitativos. In: Popuart J. (org). A pesquisa qualitativa. Petrópolis: Vozes, 2008, p 410-436. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec 2006.

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VII – SUGESTÃO DE FICHA DE AVALIAÇÃO DE ARTIGOS

TÍTULO DO ARTIGO__________________________________________________

QUESTÕES AVALIATIVAS

SIM (1,0)

EM PARTE

(0,5)

NÃO (0)

1 – O trabalho se caracteriza como uma discussão do campo da saúde coletiva?

2 – A discussão traz avanços ou contribuições para o campo da saúde coletiva?

3 – Ao longo do texto, os autores conseguem manter o foco do trabalho, baseados em objetivos ou questões claras?

4 – A introdução define o problema estudado, sintetizando sua importância e situando-o no campo da literatura a ele relacionado?

5 – Há uma fundamentação teórica explícita?

6 – Há uma descrição clara e completa do método empregado?

7 – Há coerência entre método e apresentação dos resultados?

8 – Na apresentação e discussão dos resultados, as afirmações ou considerações encontram-se embasadas em argumentos consistentes?

9 – A análise é ampliada, situando a especificidade de seus achados no cenário das revisões da literatura internacional acerca do assunto?

10 – As referências são atuais, suficientes e contêm artigos do periódico da submissão do trabalho?

TOTAL POR COLUNA

TOTAL DE PONTOS DAS TRÊS COLUNAS (0 a 10)

Observação: para as questões que se relacionam a mais de um aspecto, só será marcado SIM quando houver a presença de todos os aspectos no texto.