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ISBN 978-85-7846-455-4
TRABALHANDO A DIVERSIDADE ETNICO-RACIAL POR MEIO DA LUDICIDADE
Emilly Stephani Loriano da [email protected]
Claudia Ximenez Alves [email protected]
Universidade Estadual de LondrinaEixo 2. Educação, diversidade e direitos humanos
RESUMO: Ao nos colocarmos diante de um comportamento insatisfeito de uma criança que não queria brincar com uma boneca cuja cor de sua pele era negra, nos propusemos a buscar compreensão e reflexão em fontes bibliográficas, para abordar a diferença étnico-racial com crianças. Nesse sentido, este estudo foi motivado por uma experiência que envolveu uma situação entre crianças onde se constatou o preconceito em relação à pele negra em bonecas, com a supervalorização extrema da pele branca. Considerando que a diversidade étnico-racial é construída desde o nascimento, justificamos a importância da criação de situações em que a questão da diversidade seja abordada e trabalhada com crianças que frequentam o Programa Ludoteca, da Universidade Estadual de Londrina, por meio da ludicidade, no sentido de valorizar a educação de relações etnico-raciais e a diversidade, em um contexto educativo não-formal. Para isso, nos propusemos a investigar e compreender como as crianças operam com conceitos de diversidade tratando as bonecas como artefatos culturais, assim como perceber a importância da presença de bonecas negras em um espaço lúdico, para refletir sobre a necessidade da garantia da LDB Lei 10.639/2003, que institui a adoção de políticas e estratégias educacionais e pedagógicas de valorização da diversidade, a fim de superar a desigualdade etnico-racial presente na educação brasileira.
Palavras-chave: Diversidade. Bonecas Negras. Ludicidade
INTRODUÇÃO
Ao nos colocarmos diante de um comportamento insatisfeito de uma criança
que não queria brincar com uma boneca cuja cor de sua pele era negra, nos
propusemos a buscar compreensão e reflexão em fontes bibliográficas, para abordar
a diferença étnico-racial com crianças.
Nesse sentido, este trabalho é resultado de um estudo motivado por uma
experiência que envolveu uma situação entre crianças onde se constatou o
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preconceito em relação à pele negra em bonecas, com a supervalorização extrema
da pele branca.
Considerando que a diversidade étnico-racial é construída desde o
nascimento, justificamos a importância da criação de situações em que a questão da
diversidade seja abordada e trabalhada com crianças que frequentam o Programa
Ludoteca, da Universidade Estadual de Londrina, por meio da ludicidade, no sentido
de valorizar a educação de relações etnico-raciais e a diversidade, em um contexto
educativo não-formal.
De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil,
“para que seja incorporada pelas crianças, a atitude de aceitação do outro em suas
diferenças e particularidades precisa estar presente nos atos e atitudes dos adultos
com quem convivem na instituição” (BRASIL,1998,p.41).
O Brasil é um país com uma grande diversidade étnica, ou seja, apresenta
uma elevada variedade de raças e etnias. Nesse sentido, uma multiplicidade de
formas de ser, pensar, sentir, fazer e se expressar predomina na sociedade
brasileira.
Em 1998, ainda não contávamos no Brasil com leis tão explícitas que
expressassem a educação de relações raciais. Mesmo após quase dez anos, ainda
convivemos, infelizmente, com uma ausência significativa de brinquedos ou livros
infantis que expressem a existência de figuras de personagens pretos e pardos
presentes em instituições educativas.
Para Brandão (1986 apud GUSMÃO, 2000, p.12) “o diferente e a diferença
são partes da descoberta de um sentimento que, armado pelos símbolos da cultura,
nos diz que nem tudo é o que eu sou e nem todos são como eu sou”.
Por muito tempo esta multiplicidade e diferença de cada um foi
desconsiderada, negando-se a verdadeira História do Brasil, ocultando-se a
participação de negros e indígenas na formação do povo brasileiro. Nessa direção, a
busca por tornar visível a presença afro e indígena, para destacar seus valores e
legitimar as raízes da cultura brasileira, continua presente e necessária.
Para este fim, foi instituída na Lei 10.639/2003, através da qual se prevê a
valorização da história e da cultura africana e afro-brasileira nas escolas brasileiras,
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visando minimizar os problemas de racismo, de discriminação racial e preconceito
social que ainda se encontram arraigados na sociedade brasileira.
As diretrizes curriculares concebem a criança como um “sujeito histórico e de
direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua
identidade pessoal e coletiva” (BRASIL, 2010, p.12).
Desde o nascimento, crianças encontram-se imersas em um mundo repleto
de significados, e por meio de seu contexto vivenciado, constituído por adultos,
recebem informações que contribuem para a formação de sua identidade, daí a
consequência de construírem um senso de aceitação ou rejeição de características
identitárias.
Por isso, a relevância em se observar o modo como uma instituição educativa
não-formal pode se posicionar frente à educação das relações étnico-raciais e
abordar a diversidade, incluindo-as, em suas atividades cotidianas, tanto
experiências quanto objetos lúdicos que representem a diversidade étnico-racial,
visto que tais formas podem interferir positiva ou negativamente na constituição da
identidade das crianças.
O fato que mais contribuiu para iniciar este estudo foram experiências de
observações realizadas em vivências, enquanto bolsista-extensionista do Programa
Ludoteca, da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Ainda que o Programa Ludoteca dispobilize em seu acervo lúdico diversos
modelos de bonecas, para que as crianças possam brincar se identificar, ou mesmo,
apreciar e aprender características diferentes das suas, compreendendo a
diversidade como um valor, constatamos que grande parte dos brinquedos que as
crianças mais utilizam são bonecas, com estereótipo de beleza eurocêntrico, ou
seja, apresentam características de traços físicos, tais como: pele clara, olhos azuis,
e cabelo loiro e liso.
Destacaremos as bonecas, pois entendemos que elas correspondem a uma
representação de homem de uma determinada sociedade, em determinada época, e
influenciam os processos de identificação das crianças.
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Segundo Brougère (2008), o brinquedo está intrinsecamente relacionado à
cultura, e mais particularmente às bonecas, o autor destaca que quando uma
criança brinca com uma boneca, ela escolhe e valoriza características, modos de
vida e ambientes de classes sociais e etnias valorizadas socialmente.
Em uma das atividades lúdicas de faz-de-conta, tivemos uma experiência com
uma das crianças que não quis brincar com uma boneca, pois ela apresentava cor
negra, então, percebemos a necessidade de abordar as relações étnico-raciais de
uma forma mais intencional, no sentido de propor a desconstrução desse
pensamento, sem que deixássemos de atender ao objetivo primeiro do Programa
Ludoteca, que é deixar as crianças realizarem suas atividades lúdicas de forma
autônoma e livre.
Contextualizando a experiência
Para associar às bonecas negras, foram levantados e escolhidos alguns livros
de histórias infantis, que buscam abordar a diferença e a conscientização sobre o
tema da identidade étnico-racial, com o objetivo de dessensibilizar as crianças, em
relação às bonecas pretas.
Buscamos este instrumento lúdico que é o livro infantil, pois geralmente,
quando organizados para esse público são sempre muito coloridos e as histórias, na
maioria das vezes, são marcantes para a maioria das crianças, visto que promovem
identificações e apresentam representações, seja com a descrição de um
personagem, seja com as atitudes dele ou com o que eles vivenciam.
Quadro 1: Livros escolhidos para abordagem de diferenças étnico- raciais
LIVRO CAPA
FERREIRA, Aparecida de Jesus. Chaves, Élio (Ilustrador). As bonecas negras de Lara. Ponta Grossa: ABC Projetos, 2017.
A história traz crianças que abordam sobre suas experiências com bonecas negras. Retrata crianças e famílias diversas, que gostam de brincar, contar histórias e que valorizam as diferenças.
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SANTANA, Patrícia. Minha mãe é negra, sim! Hyvanildo Leite (Ilustrações)Editora Mazza Edições, 2008.
Conta a história do menino Eno, que se vê às voltas com o racismo na escola e sofre com o dilema de ter que retratar sua mãe negra, em uma atividade escolar. O garoto Eno é levado a se perguntar pela sua origem. Negro, ele percebe o preconceito da professora que sugere que Eno pinte o desenho da mãe, negra, de amarelo por ser uma cor mais bonita. Não pode haver tristeza maior para o seu coração. A mãe, que ele tanto amava e era tão linda! E a professora era professora, afinal tão difícil era contestá-la. Mesmo triste Eno procura saber no dicionário uma explicação para o preconceito. O dicionário não ajudou e ele seguia triste até que o avô tem uma conversa decisiva com ele. E mais do que conversa, aconchegou-o com todo amor.
Peres, Rafaeli Constantino Valencio. Empresta o lápis de cor? Editora Eduel, 2012.
Este livro conta a história de uma menina chamada Duda, que gostava muito de pintar, desenhar e colorir. Um dia ela desenhou uma princesa africana igualzinha a ela, e saiu pela sala de aula emprestando vários lápis de cor, mas não encontrava o lápis 'cor de pele', até que os amigos da sala ajudaram Duda a pensar se essa cor realmente existe. Então, com a ajuda dos amigos, ela mistura várias cores criando um desenho muito especial.
A Cor da vida. Texto de Semíramis Paterno. Belo Horizonte/MG: Editora Lê, 2008.
É um livro ilustrativo que trabalha a diferença ao contar a história de duas crianças que se conhecem e ficam amigos quando passeiam com suas mães. Elas se olham e brincam, se distanciando do local onde estavam. Quando as mães percebem o desaparecimento dos filhos, ficam enraivecidas e saem correndo em busca dos dois. Mas, uma surpresa as aguarda. Por meio de um jogo poético com as cores, duas crianças mostram para suas mães que a luta pela igualdade não significa
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apagar as diferenças.
Brasil, Theodoro. Cada um do seu jeito. Editora In House, 2011.
Maria Clara é um 'anjinho pretinho', como diz a própria mãe, além de ser uma menina que gosta de brincar, de coisas simples, e vive trazendo à tona as inquietações infantis; os porquês - que muitas vezes os adultos não sabem responder, apesar da simplicidade das perguntas. Espevitada, a menina gosta das coisas bem explicadas, clara, igual ela. Certa vez ficou confusa ao ouvir da sua amiga Aninha que ela não podia ser um anjinho, 'pois a mãe disse que os anjinhos eram loirinhos de olhos claros'. Clarinha, através de sua inquietude, descobre um mundo de pessoas coloridas, diferentes geometricamente e que, até mesmo os gêmeos Claudio e Clóvis, não são iguais.
Marta Rodrigues. Ilustrações: Rubem Filho. Que cor é a minha cor? Editora Mazza Edições, ano.
Griot é o contador de histórias africano que passa a tradição dos antepassados de geração em geração. O objetivo dessa coleção é trabalhar a identidade afrodescendente na imaginação infantil. E é justamente à imaginação que esses livros falam a partir de uma composição de textos curtos e poéticos, associados a ilustrações. Modo lúdico de reforçar a autoestima da criança a partir da valorização de seus antepassados, de sua cultura e de sua cor.
HOLANDA, Arlene. Todas as cores do negro. Brasília/DF: Conhecimento, 2008.
Aborda em linguagem de prosa poética o universo da cultura e herança dos povos africanos no Brasil. Passeia pelo processo histórico da escravidão, com foco na resistência e se demora no período pós-abolição: as condições de abandono a que foram submetidos os negros, as estratégias de sobrevivência, o preconceito, a segregação social.
DIAS, Lucimar Rosa. Cada um com seu jeito, cada jeito é de um! Sandra Beatriz Lavandeira
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(Ilustrador). Editora Alvorada, 2012.
O livro infantil conta a história de Luanda, uma menina negra muito sapeca e vaidosa, que adora o seu cabelo crespo onde envolve todas da família nos diversos penteados que inventa para desfilar sempre linda na escola. Foi seu pai quem escolheu esse nome para ela por acreditar que ela seria tão linda quanto à cidade africana que ele conheceu quando era jovem. A leitura promove o reconhecimento e a valorização das diferenças e das características pessoais que fazem de cada indivíduo um ser único e que deve se amar do jeitinho que é.
FREEMAN, Mylo. Princesa Arabela, mimada que só ela! Tradução Ruth Sales. Editora Atica, 2008.
O que dar de presente para uma princesinha mimada que tem muito mais do que precisa? A rainha pergunta a Arabela o que ela quer ganhar de aniversário. Ora, simplesmente um elefante de verdade! Assim, os pais da pequena tirana movem mundos e fundos para atender tal capricho. Mas, por fim, o próprio 'bichinho' de estimação vai ensinar a Arabela que ela não é a única pessoa do mundo cheia de vontades...Autora: Valéria BelémIlustrações: Adriana MendonçaLivro InfantilEditora: IBEP NacionalAno: 2007 (primeira publicação)
Lelê não gosta do que vê - de onde vem tantos cachinhos? Ela vive a se perguntar. E essa resposta ela encontra num livro, em que descobre sua história e a beleza da herança africana.
Ana Maria Machado. Menina bonita do laço de fita. Ilustrações de Claudius. 7. ed. São Paulo: Ática, 2005.
Uma história de valorização da beleza negra, onde um coelho branquinho queria casar-se e ter uma filha “bem pretinha”. Durante a obra, o coelho tenta descobrir o segredo para conquistar o seu tão sonhado desejo.
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Meninas negras. Madu Costa. Ilustrações de Rubem Filho. Editora Mazza, 2011.
O livro trabalha a identidade da criança através da imaginação. De forma lúdica reforça a autoestima a partir da valorização de sua cultura e de sua cor.
Autores: Prisca Agustoni, Tati Moes, Editora Paulinas, 2011.
Em muitos países africanos, trançar os cabelos ou fazer penteados é uma arte muito antiga, ensinada de geração em geração. Cada região do continente tem seu estilo e os penteados, geralmente, indicam o status, idade ou etnia do indivíduo. Em O mundo começa na cabeça, Prisca, sem se ater aos códigos sociais, trata dessa arte singular e interessante, sob um olhar poético e lúdico. Na família de Minosse, desde cedo as meninas aprendem a tradição: na hora do banho, as mulheres fazem esculturas com o cabelo, porque para elas "o cabelo feminino é como a raiz da árvore, o lugar onde tudo começa". Para Minosse, essa arte de tecer os fios dá passagem para falar de um mundo mais vasto e intenso. Um mundo de histórias que falam da origem de tudo, em um tempo em que o pensamento começa e acaba na cabeça.
Anna McQuinn, Ilustrador: Rosalind Beardshaw2012. Editora Pallas.
Lulu adora livros e ama visitar a biblioteca do bairro para descobrir novas histórias. Lá ela descobriu também que as bibliotecas são lugares divertidos e aconchegantes, onde ela pode fazer novas amizades.
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Imagine uma menina com cabelos de Brasil. Autoria e Ilustrações: Alexandre BersotEditora Prumo.
Aparecida, protagonista da história, é uma garotinha com baixa autoestima, descontente com seus cabelos e que se sente deslocada na escola; as coisas só começam a mudar quando ela se une às suas duas únicas amigas para enfrentar as provocações das outras meninas. Com muita determinação e personalidade, Aparecida quer conquistar o seu lugar no mundo! Imagine uma menina com cabelos de Brasil…
O cabelo de Cora. Autores: Ana Zarco CâmaraIlustrações: Taline Schubach. Editora: Pallas.
Cora é uma menina adorável e comum: adorava ir à escola e era bastante orgulhosa do seu cabelo,crespo como o de sua Tia Vilma e o de sua avó. No entanto, por seu cabelo não ser liso como o das outras meninas, não era popular na escola. . A autora fala sobre o universo da aparência, onde uma opinião inocente pode se transformar em um grande trauma na escola. O penteado fora do padrão de Cora necessitará de um empurrãozinho para que ela aprenda novamente a amá-lo e a dizer para todo mundo o quanto ele é bonito do jeito que é!
Selecionamos esses livros, pois eles abordam a temática de forma lúdica e
diferenciada, com o objetivo de sinalizar os “tabus” impostos pela sociedade e
oportunizar às crianças a tomada de consciência étnico-racial, assim como da
diversidade social.
Com eles, pretendemos problematizar as diferenças de raça, etnia e
características fenotípicas, promovendo atitudes que representassem a diversidade.
Com eles, esperamos, também, promover a releitura, a reinvenção e o encontro com
estranhamentos e discriminações existentes em crianças, diante de bonecas negras.
E também, provocar nas crianças a desconstrução de padrões hegemônicos
reproduzidos em bonecas.1615
Partimos da premissa de que as crianças não nascem preconceituosas, mas
tornam-se preconceituosas, a partir das vivências sócio-culturais que elas
compartilham, onde a discriminação se faz presente.
Tal como podemos compreender, segundo as palavras de Kuhlmann Jr,
As crianças participam das relações sociais, e este não é exclusivamente um processo psicológico, mas social, cultural e histórico. As crianças buscam essa participação, apropriam-se de valores e comportamentos próprios de seu tempo e lugar, porque as relações sociais são parte integrante de suas vidas, de seu desenvolvimento (p.31,1998).
Nesse sentido, a nosso ver, é de extrema relevância proporcionar à criança,
desde pequena, experiências que valorizem a diversidade, no sentido de apresentar-
lhes as diferenças entre os sujeitos, incluindo as diferenças de características
fenotípicas tais como textura e cor de cabelo, de pele ou de olhos.
Sabemos o quanto é importante para as crianças conviverem e estarem
expostas a imagens que representem os diferentes tipos de físicos existentes, de
modo que se possa contribuir para a superação do preconceito em relação à pele
negra e extrema valorização da pele branca.
Algo fortemente presente na infância da criança são os bonecos e bonecas,
visto que eles estão associados a um conjunto de práticas sociais e culturais.
Na grande parte das vezes, os brinquedos supervalorizam perfis de bonecas
de pele clara, cabelos lisos e loiros, olhos azuis, cintura fina e isso pode influenciar
fisicamente, socialmente, moralmente e psicologicamente na formação da identidade
e do autoconceito de uma criança que seja fisicamente diferente do que lhe é
ofertado em grande escala.
A nosso ver, esta prática pode mobilizar muitas crianças negras e brancas a
optarem por brincar com bonecas modelo europeizado e muito pouco com as
bonecas negras.
Nas grandes lojas de brinquedos são muito escassas as opções de bonecas
negras, nas prateleiras, como objeto de consumo e exposição.
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Apesar da maioria da população brasileira se auto-declarar negra, apenas 3%
das bonecas disponíveis no mercado são negras. Quando estão presentes nas
prateleiras, trazem, na maioria das vezes, traços característicos de crianças
brancas, alterando apenas a cor da pele. Isso significa que muitos fabricantes não
se intimidam em produzir bonecas negras, como sendo bonecas brancas pintadas
de “marron”, com características tais como, olhos verdes ou azuis, ou seja, com
traços que não são compatíveis com a etnia negra, ou ainda, reforçarem
preconceitos com a reprodução de estereótipos.
Essa ausência de bonecas e bonecos que representem a diversidade étnica
presente no Brasil é apontada por Ivasaki, Nepumoceno e Pimenta (2013) quando
afirmam que
“a cultura do branqueamento se faz presente nos brinquedos que são elaborados para as crianças, no sentido de legitimar um grupo social apenas pela aparência e introduzir implicitamente um padrão estabelecido pela sociedade para as novas gerações (pag 1)”.
A disseminação do padrão de beleza europeizado, que exalta um modelo e
menospreza outro, contribui de maneira significativa na construção de um
distanciamento da realidade pode trazer para as crianças, especialmente as negras
a falta de um referencial positivo de sua negritude onde o negro não é representado
de maneira positiva quando a seus aspectos físicos, é importante desde cedo
oportunizar as crianças a convivência com brinquedos com os quais ela possa se
identificar.
Essa percepção nos leva a crer que a indústria que fabrica e produz bonecas
negras, não está atenta à questão da diversidade étnico racial existente e da
educação de relações raciais que está implicada no processo de brincar das
crianças com estes objetos lúdicos. E mais, que ela preserva os traços fenotípicos
de pessoas brancas às bonecas negras, desprezando e artificalizando as
características que conferem diversidade aos sujeitos.
A este respeito, Ivasaki, Nepumoceno e Pimenta (2013) complementam que
estamos diante de um comportamento onde há uma nítida reprodução e “edificação
de um modelo que veem historicamente privilegiando o grupo europeu e
menosprezando o grupo afro, indígena, ou seja, os grupos minoritários” (pag 4).
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Considerando que o brinquedo está fortemente presente na infância, fazendo
parte do processo de formação das crianças, é muito importante observar os
parâmetros de construção de identidade valorizados pela sociedade, presentes nos
brinquedos e mais particularmente nas bonecas.
Desde pequenas, as crianças estão atentas ao que é socialmente valorizado
ou desvalorizado na sociedade, reconhecendo com facilidade o fenótipo que agrada
e aquele que não é bem aceito.
No episódio descrito abaixo, poderemos observar e constatar uma situação
em que se ilustra o modo como foi encarado o tom da pele de uma boneca por uma
criança e sua postura preconceituosa e de repulsa em relação à pela negra.
Na conversa de uma criança que freqüenta o Programa Ludoteca, com outra
criança, ouvimos: - “Luana, porque você não brinca com essa boneca?”
Luíza responde: - “Porque ela é preta. E eu não gosto”,
Diante deste diálogo, percebemos o quanto é urgente a proposição de outros
parâmetros educativos para a oferta de bonecas, que contemple diferentes etnias,
entre elas a negra, de modo que as crianças possam se ver, se identificar e que seu
brincar possa representar um processo educativo de pertencimento e respeito às
diferenças étnico- raciais.
Acreditamos que atitudes discriminatórias, como essa acima mencionada,
continuam a contribuir para a apropriação de estereótipos que inferiorizam ou
desrespeitam o negro. E mais, a aversão que a criança Luíza demonstra com a
boneca preta, muito provavelmente aprendida socialmente, uma vez que faz uso de
informações que reproduzem a sua cultura de pares, demonstra que sua expressão
pela boneca preta por meio de uma conduta de rejeição, reproduz o preconceito que
permeia nossa sociedade.
Como já dissemos anteriormente, acreditamos que as crianças não nascem
preconceituosas e que é por meio de suas vivências que aprendem a construir
determinadas atitudes, tais como esta mencionada acima. A nosso ver, o
preconceito existente em adultos, pode influenciar nas ações e atitudes tomadas por
crianças na hora da escolha de um brinquedo.
Diante do fato de que o brinquedo tem uma função educacional fundamental,
compreendemos que quando a criança começa a brincar, ela constrói um
1618
entendimento acerca da diversidade étnica e pode expressar atitudes menos
preconceituosas e de aceitação das diferenças.
Tal percepção se aproxima da apontada por Cruz (2011) quando afirma que
os bonecos e bonecas podem parecer, a principio, objetos inocentes destinados às crianças. Contudo, estão imersos nas relações de poder, apresentando discursos implícitos à sua materialidade do que é bom, agradável, normal e verdadeiro para a cultura hegemônica (pag 46).
De acordo com a autora, a oferta de bonecos que apresentam apenas um
“tipo” físico e cultural, pode ensinar “verdades” sobre corpo, raça e etnia para as
crianças e mais, podem tornar-se mais explícitas quando elas reproduzem discursos
de discriminação de raça, etnia, demonstrando o quanto estão imersas em
preconceitos culturais.
Portanto, as contribuições práticas do presente trabalho indicam a relevância
da oferta de bonecas de diferentes etnias, que representem a diversidade cultural e
étnica na qual vivemos.
Além disso, em tempos de inclusão, é necessário que as bonecas
apresentem a diversidade fenotípica e os diferentes modos de ser, destituindo entre
crianças verdades e modelos únicos de ser.
Por meio deste estudo, observamos que, ainda que as políticas públicas
educacionais possam ser promotoras de práticas mais justas e igualitárias em
relação às diferentes etnias, ainda não trouxeram avanços significativos em relação
à construção da identidade étnico racial entre crianças.
Acreditamos que a baixa aceitação da boneca preta talvez seja um indicativo
da ainda baixa valorização do negro em nossa sociedade, e nesse sentido, um foco
importante a ser trabalhado em cotidianos de instituições educativas, em vista da
educação das relações étnico-raciais.
Assim sendo, destaca-se a emergente necessidade de uma formação para a
educação das relações étnico-raciais entre crianças, para educadores que lidam
com estes sujeitos, em espaços educativos sejam formais ou não formais.
Estes estudos ora apresentados sugerem-nos que muitas práticas são
possíveis para a superação do preconceito e que a aceitação por bonecas negras
1619
ainda que seja incipiente, pode ser modificada e ampliada. E que o brincar por ser
um direito de todos, possa representar este direito.
Por este motivo, e acreditando nesta possibilidade, para concluir levantamos
e apresentaremos abaixo, diferentes tipos de bonecas negras, disponíveis
atualmente no mercado.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a dedicação disponibilizada pela Coordenadora do Programa de
Extensão Ludoteca, da Universidade Estadual de Londrina, Profa. Dra. Claudia
Ximenez Alves.
Agradeço a concessão da bolsa de estudos pela PROEX e Fundação
Araucária.
REFERÊNCIAS
1620
BRASIL. Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno. Parecer n.º 3, de 10 de março de 2003. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana. Diário Oficial da União, Brasília, DF, Seção I, 22 de jun. 2003.
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BRANDÃO, Ana Paula; TRINDADE, Azoilda Loretto da (orgs). Modos de brincar: caderno de atividades, saberes e fazeres /. - Rio de Janeiro : Fundação Roberto Marinho, 2010.
BROUGÈRE, G. Brinquedo e Cultura. São Paulo: Cortez,7ª Ed, 2008.
CRUZ. M.B. Bonecas, Diversidade e Inclusão: Brincando com as Diferenças. Rev. Psicopedagogia, 28(85):41-52, 2011.
FREITAS.Hyndara. ESTADÃO.01 de Novembro de 2016. Apenas 3% das bonecas no mercado são negras, aponta estudo. Disponível em: < http://emais.estadao.com.br/noticias/comportamento,apenas-3-das-bonecas-no-mercado-sao-negras-aponta-estudo,10000085868> Acesso em: 24 de Setembro de 2017.
GUSMÃO, Neusa M. M. Desafios da Diversidade na Escola. Revista Mediações, Londrina, v.5, n.2, p.9-28, jul/dez, 2000.
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1621