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Maioria dos emigrantes portugueses continua a ser pouco qualificada A ideia de que a emigração é hoje feita por pessoas altamente qualificadas uma ilusão". Mesmo no Reino Unido, o destino que mais atrai pessoas escolarizadas, os que têm licenciatura são uma minoria Portugal, 6/7

ULisboa | Universidade de Lisboa - Maioria dos emigrantes ......da fuga de cérebros. Claro que sim, nunca houve tantos licenciados a sair do país, mas que a árvore não esconda

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Maioria dos emigrantesportugueses continuaa ser pouco qualificadaA ideia de que a emigração é hoje feita por pessoas altamente qualificadas"é uma ilusão". Mesmo no Reino Unido, o destino que mais atrai pessoasescolarizadas, os que têm licenciatura são uma minoria Portugal, 6/7

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Reino Unido é o país para ondeestão a ir cada vez mais portuguesesA ideia de que a emigração portuguesa é hoje feita de pessoasaltamente qualificadas "é uma ilusão", diz o investigador JoãoPeixoto. "A maioria das saídas não são de mestres e doutores".Conferência em Lisboa vai reunir vários estudiosos paradebater os portugueses que saem do país

Em Londresvive metadedo contigentede emigrantesportuguesesqueseinstalouem Inglaterra

EmigraçãoCatarina Gomes0 Reino Unido é desde há três anos o

principal destino da emigração por-tuguesa e os números continuam a

aumentar de ano para ano. As últi-mas estatísticas britânicas, de 2013,revelam que chegaram ao país cercade 30 mil portugueses, mais 50% do

que no ano anterior, o que significa-rá que cerca de um terço dos que sa-

em de Portugal está a escolher estedestino para procurar trabalho. E os

mais qualificados são uma minoria.

"Que a árvore não esconda a flores-ta. A esmagadora maioria das saídascontinua a ser, tal como na décadade 1960, de pessoas pobres e poucoescolarizadas", nota o investigadorJoão Peixoto.

Estas serão algumas das questõesabordadas na conferência interna-cional Emigração Portuguesa Con-temporânea, que terá lugar quarta e

quinta-feira no Instituto Superior deCiências do Trabalho e da Empresa(ISCTE), em Lisboa, numa altura em

que Portugal voltou a níveis de flu-xo migratório que tinha na década

de 1960: estão a sair do país cercade 100 mil pessoas, refere o coorde-nador científico da Observatório da

Emigração, Rui Pena Pires. "Desde a

crise terão saído do país quase 400mil pessoas."

Fala-se cada vez mais de Angola e

do Brasil como destinos da emigra-ção portuguesa, mas é sobretudoporque são uma novidade; "a emi-

gração portuguesa é sobretudo eu-ropeia", diz Rui Pena Pires. "Para a

Europa irão actualmente entre 80 a85% dos emigrantes portugueses". A

seguir ao Reino Unido, surgem como

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destinos a Suíça, a Alemanha, a Es-

panha e o Luxemburgo. Não existemdados actuais acerca de França.

As estatísticas brasileiras sobreconcessões de autorizações de tra-balho a portugueses foram, em 2012,2171, o que faz com que este destinose fique por cerca de 1% do todo, dizPena Pires. Já os que vão para Ango-la e Moçambique nos últimos cincoanos representarão, por ano, cercade 10 a 12% dos fluxos, estima.

Embora, há uns anos, quase se te-nha deixado de falar de emigração,em detrimento da imigração, elacontinuou a existir. Em 2007, aindaa crise não se tinha feito sentir comvigor em Portugal, os portuguesesiam maioritariamente para Espa-nha à procura de emprego. Eramsobretudo trabalhos temporários,na construção civil e obras públicas,muitos em zonas de fronteiras comsaídas temporárias, ao sabor das ne-cessidades do sector, refere Pena Pi-

res, investigador do ISCTE. Agora, a

Espanha quase desapareceu comodestino, de 27 mil saídas em 2007passaram para seis mil em 2012.

Tudo mudou em pouco tempo.Em 2010 o Reino Unido surge comoo destino por excelência: eram cer-ca de 12 mil nessa altura, em 2012rondavam os 20 mil, em 2013 já são

30.121, revelam os dados colhidos

por uma investigadora do ISCTE,Cláudia Pereira, uma das organiza-doras do encontro que quis sentarà mesa muitos dos que neste mo-mento estão a estudar um tema quedurante vários anos recebeu poucaatenção da academia.

Emigram enfermeiros, arquitec-tos, cientistas, engenheiros. "Fala-seda fuga de cérebros. Claro que sim,nunca houve tantos licenciados asair do país, mas que a árvore nãoesconda a floresta. A maioria das sa-

ídas não são de mestres e doutores",sublinha o professor do Instituto Su-

perior de Economia e Gestão da Uni-versidade de Lisboa, João Peixoto,notando que "é uma ilusão" pensarque Portugal passou a ter uma emi-gração sobretudo qualificada.

Se é verdade que aumentaram assaídas de qualificados, isso tambémé reflexo de um país mais escolariza-

do, mas o grosso dos que emigram

"continua a ser de pessoas maispobres e pouco escolarizadas", só

que à medida da sociedade actual,ressalva. João Peixoto nota que nosanos 1960 estava-se a falar "de cam-poneses, muitas vezes analfabetos,que saltavam a fronteira a salto, hojequando se fala de baixas qualifica-ções está-se a falar do ensino obri-gatório", nota o docente, que estáa coordenar a investigação Regressoao Futuro: A nova emigração e a re-

lação com a sociedade portuguesa,financiada pela Fundação para aCiência e Tecnologia (FCT).

No âmbito do seu pós-doutora-mento, Claudia Pereira, investiga-dora do ISCTE, centrou-se no es-tudo de portugueses qualificadosque emigraram para Londres, ondevivem metade dos que vão para o

país. Numa investigação financiadapela FCT, está a acompanhar cercade 80 pessoas, muitas com cargosimportantes na área financeira, en-fermeiros, arquitectos, mas tambémmúsicos, bailarinos, assistentes so-ciais.

O Reino Unido será o destino quemais atrai pessoas escolarizadasmas, ainda assim, os que têm licen-ciatura ou mais, representam poucomais do que um terço do total (36%),diz a investigadora. Apenas umquinto ocupa profissões altamentequalificadas, já um terço trabalhaem sectores manuais. Rui Pena Pireslembra que, de acordo com os da-dos da OCDE (a Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Eco-nómico tem 34 países-membros), oslicenciados representam 11,2% dototal dos portugueses que emigram(dados de 2011).

O objectivo da conferência não é

falar do impacto da crise na emigra-ção, esclarece Cláudia Pereira, queprocurou sobretudo "a partilha de

conhecimento científico" entre os

mais de uma centena de investiga-dores que neste momento estão aestudar esta área. Mas o impacto dacrise está subjacente aos números

que vão ser mostrados.

Alarme demográfico"Não exagerando, a situação é dra-mática", diz João Peixoto. Senão

vejamos: estão a sair por ano cerca

de 100 mil portugueses, númerossemelhantes aos verificados na dé-cada de 1960, mas na altura nasciamanualmente mais de 200 mil crian-

ças por ano, agora está-se nos 80 a90 mil nascimentos, com tendênciaa decrescer. João Peixoto fala, porisso, "de alarme demográfico".

A estes factores junta-se a estagna-ção na entrada de estrangeiros emPortugal. Noutros países afectados

pela crise, como é o caso da Irlandae da Grécia, a emigração tambémaumentou, mas na Irlanda continu-am a entrar imigrantes, e na Gréciatambém, porque esta é, geografi-camente, um ponto de entrada naEuropa, explica Pena Pires.

Portugal surge assim, ao mesmotempo, como "um país que está a

perder população mas que deixoude conseguir atrair imigrantes, o

que nos coloca no grupo da Bulgá-ria, Roménia e Lituânia", refere RuiPena Pires. "A conjugação dos doisfactores é que é dramática. A razão

por que estão a sair e não estão a en-trar é a mesma - o nível de recessãoé muito elevado"

"Os únicos países que têm volu-mes de emigração mais elevados naEuropa são os países de Leste e nãoé por causa da crise, é devido à aber-tura das fronteiras. Entre os paísesmais afectados pela crise Portugal é

o mais afectado pela emigração. É

o país da OCDE onde a emigraçãomais está a crescer", assinala RuiPena Pires.

Se é verdade queaumentaramas saídas dequalificados, issotambém é reflexode um país maisescolarizado,mas o grosso dosque emigram"continua a serde pessoas maispobres e poucoescolarizadas"

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"Até a emigraçãose tornou precária"

Catarina GomesEm termos de volume de emigraçãoé consensual a ideia de que se voltoua números de saídas semelhantesaos da década de 1960, mas agora "a

emigração é diferente. Nesse tempo,quando se saía era para a vida, hojeem dia as saídas não têm a mesmaestabilidade. Quando saem têm tra-balhos precários, sazonais. Muitosdos que vão voltam", afirma o coor-denador do projecto de investigaçãoRegresso ao futuro: a nova emigraçãoe a relação com a sociedade portugue-sa, João Peixoto.

O sociólogo do Instituto Superiorde Economia e Gestão da Universi-dade de Lisboa chama-lhes "movi-mentos itinerantes", notando que"até a emigração se tornou precá-ria", querendo com esta expres-são dizer que quem está num paísmuitas vezes já viveu noutro antes

e, quando deixa de ter trabalho nosítio onde está, pode "reimigrar"."Não há mais carreiras longas e

trabalho para a vida toda", a essefactor junta-se o facto de "muitasvezes os trabalhos mais precáriosserem para estrangeiros".

Esse vaivém nota-se. Entre 2001e 2011 havia em Portugal 230 milpessoas que tinham estado a viverfora mais de um ano, refere JoãoPeixoto, que vai apresentar dadosda investigação que é financiadapela Fundação para a Ciência e

Tecnologia (FCT). Neste universoestão também os emigrantes tradi-

cionais que vêm passar a sua refor-ma a Portugal. Mas estes são umaminoria, representam cerca de umterço; os restantes são pessoas mais

jovens que regressaram a Portugal."O grupo onde há mais gente a en-trar em Portugal que tinha estadolá fora têm entre 30 a 34 anos. Istoé uma novidade".

"O que falta saber é porque vol-tam - "porque deixaram de ter tra-balho? Porque deixaram cá famí-lia?" -, e se ficam em Portugal ou se

voltam a sair." João Peixoto diz que"a situação só não pode ser consi-derada mais dramática [em termosdemográficos] porque as pessoasnão vão para sempre. São razões

para manter algum optimismo".Mas não foi apenas este aspecto

que mudou. Quando o objecto de es-

tudo são portugueses com habilita-

ções mais altas que saíram do país, é

delicado usar o termo "emigrante",constata a investigadora do Institutode Ciências Sociais da Universidadede Lisboa, Marta Vilar Rosales. Na

investigação de que é coordenado-ra, Travessias do Atlântico: materia-lidade, movimentos contemporâneose políticas de pertença, estão acom-panhar portugueses que foram viver

para o Rio de Janeiro e São Paulo,assim como brasileiros que vierampara Portugal.

A investigação, que é financia-da pela FCT, ainda está no iníciomas uma coisa é certa: "Sentem-seofendidos se os chamamos de emi-

grantes. Vêem-se como expatriados,

pessoas em trânsito, tudo menosemigrantes", diz a antropóloga."Érara a família portuguesa que nãotem um tio, um tio-avô emigrante.Há o estigma de ser emigrante parasobreviver", diz.

"O conceito de emigração intro-duz a questão do determinismo e

não de escolha. É para aquela pes-soa que, coitada, teve que sair".Quando se emigra "cada pessoaconstrói uma história para fazersentido para si, essa história dotrânsito é muito valorizada. Falarde emigração atrapalha o discursoda mobilidade transnacional, da

globalização e do cosmopolitismo",acrescenta.

São Paulo, Brasil

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