1
T odos os casamentos são ruins Sam? Não Sonny, só em 90 por cento dos casos.... Esse clima de pessimismo e desolação é a tônica de “A ùltima sessão de cinema” de Peter Bogdanovich, exibida nesta segunda feira na Sky, canal TCM. Vivo com a Sky uma relação de amor e ódio. As faturas chegam em cima da hora, são pagas com antecedência e recebo telefonemas dois dias depois com ameaças de cortes. Aí, Nelson, dá vontade de mandar cancelar a assinatura e aguardar uma organização melhor da empresa. Só que os filmes, por mais repetitivos que sejam, nos surpreendem e conseguem nos manter a distância desses pavorosos canais abertos com seus BBBs e Pastores da Noite. Hoje, enquanto jantava um cachorro quente de salsicha Swiſt, para amargar a pena, comprei algumas Itaipavas e liguei a Sky. Dez horas da noite, segunda depressiva e ama- rga, brigado com a mulher, os filhos e com o mundo, e...de repente o TCM resolve reprisar e Last Picture Show. Realmente, como dizem os gringos, eu não estava “in the mood” para assistir tanta deses- perança, mas obra de arte é revigorante mesmo quando a amargura é a tônica da história. Americano tem a mania de listas. Outro dia lí uma sobre as cenas mais tristes da história do cinema. Esse filme tem para mim um dos finais mais tristes de todos. A morte do me- nino retardado e o retorno de Sonny a casa de sua amante quarentona. Aliás, Bogdanov- ich arrebenta no quesito amargura e desesperança, e através da arte dá uma clara lição de vida as gerações posteriores a este filme. Depois de Anarene, tudo tende a melhorar. Até a cultura de Cachoeiro de Itapemirim. Jacye - pronuncia-se Gei-cê- Sonny, Duanne, Sam - the Lion- são personagens que fi- caram marcados como exemplos do bom cinema. 1971 - Assistí este filme no Cacique. Jeff Bridges, Oscar de melhor ator em 2011, tinha ainda 21 anos, mas interpretava um personagem de 19. Cibyl Shepperd, gostosíssima, faz o papel de Jacye (Gei-cê), Timothy Bottons foi Sonny e Ben Johnson, Sam e Lion. Na época da exibição nós tínhamos vinte e poucos anos e acompanhamos a decadência de nossos cinemas de forma simultânea ao cinema de Anarene - Texas. O São Luiz virou Cine Plaza e só passava Kung Fú. O Cacique encerrou as sessões cults das quartas e as trocou por porno-chanchadas. O Broadway foi sendo derrubado deva- gar até virar Igreja de Edir Macedo, cujos demônios devem até hoje atemorizar aquele prédio abandonado. Nossos cinemas morreram décadas depois do de Anareme - Texas, assombrados pelo espectro do cinema de Sam-e Lion, mas da mesma forma devora- dos pelos ridículos programas de TVs. Em Anarene, a sessão derradeira foi o filme Rio Vermelho de Howard Hawks, com John Wayne e Montgomery Cliff. Em Cachoeiro, para mim, foi Roma de Felline, exibido numa quarta feira vazia no Cacique, numa cópia mais despedaçada que nossas almas de ciné- filos, que até hoje não nos acostumamos a assistir filmes dublados em Shopping Centers da cidade. Nessa segunda, porém, via Sky, tudo voltou. Duanne foi para a Coréia, Jacye (Gei-cê) para a faculdade em Dallas, Sam the Lion mor- reu em cima de uma mesa de sinuca, e Sonny continua em Anarene, tentando recuperar uma época que não voltará - como todas as outras - jamais. Ah, esquecí de comentar. A maravilhosa trilha sonora é totalmente baseado nos blues rurais, escutadas através da pequena juke-box da lanchonete de Sam - e Lion. A partir desse filme Bogdanovich consagrou-se como um dos mais importantes di- retores de Hollywood. Nesse momento, esqueço os percalços da Sky, faço as pazes com as faturas que chegam atrasadas, com as atendentes on-line que não resolvem meus impasses, jogo as latas vazias de Itaipava no lixo, despeço-me do balcão, e vou dormir em paz. Não vou negar uma certa inveja de Sam- e Lion, que pelo menos morreu em cima do pano verde de sua sinuca Tujaque, antes de assistir a derrocada do cinema de Anarene. Ou ser obrigado a assistir Roma de Felline mais cortado que chanchada da Atlântida. THE LAST PICTURE SHOW por Gilson Leão [email protected] DECORES TINTAS

ULTIMA SESSÃO DE CINEMA

Embed Size (px)

DESCRIPTION

MATÉRIA FOLHA DO ES

Citation preview

Page 1: ULTIMA SESSÃO DE CINEMA

Todos os casamentos são ruins Sam?Não Sonny, só em 90 por cento dos casos....Esse clima de pessimismo e desolação é a tônica de “A ùltima sessão de cinema”

de Peter Bogdanovich, exibida nesta segunda feira na Sky, canal TCM. Vivo com a Sky uma relação de amor e ódio. As faturas chegam em cima da hora, são pagas com antecedência e recebo telefonemas dois dias depois com ameaças de cortes. Aí, Nelson, dá vontade de mandar cancelar a assinatura e aguardar uma organização melhor da empresa. Só que os filmes, por mais repetitivos que sejam, nos surpreendem e conseguem nos manter a distância desses pavorosos canais abertos com seus BBBs e Pastores da Noite. Hoje, enquanto jantava um cachorro quente de salsicha Swift, para amargar a pena, comprei algumas Itaipavas e liguei a Sky. Dez horas da noite, segunda depressiva e ama-rga, brigado com a mulher, os filhos e com o mundo, e...de repente o TCM resolve reprisar The Last Picture Show.Realmente, como dizem os gringos, eu não estava “in the mood” para assistir tanta deses-perança, mas obra de arte é revigorante mesmo quando a amargura é a tônica da história. Americano tem a mania de listas. Outro dia lí uma sobre as cenas mais tristes da história do cinema. Esse filme tem para mim um dos finais mais tristes de todos. A morte do me-nino retardado e o retorno de Sonny a casa de sua amante quarentona. Aliás, Bogdanov-ich arrebenta no quesito amargura e desesperança, e através da arte dá uma clara lição de vida as gerações posteriores a este filme. Depois de Anarene, tudo tende a melhorar. Até a cultura de Cachoeiro de Itapemirim. Jacye - pronuncia-se Gei-cê- Sonny, Duanne, Sam - the Lion- são personagens que fi-caram marcados como exemplos do bom cinema.

1971 - Assistí este filme no Cacique. Jeff Bridges, Oscar de melhor ator em 2011, tinha ainda 21 anos, mas interpretava um personagem de 19. Cibyl Shepperd,

gostosíssima, faz o papel de Jacye (Gei-cê), Timothy Bottons foi Sonny e Ben Johnson, Sam The Lion. Na época da exibição nós tínhamos vinte e poucos anos e acompanhamos a decadência de nossos cinemas de forma simultânea ao cinema de Anarene - Texas. O São Luiz virou Cine Plaza e só passava Kung Fú. O Cacique encerrou as sessões cults das quartas e as trocou por porno-chanchadas. O Broadway foi sendo derrubado deva-gar até virar Igreja de Edir Macedo, cujos demônios devem até hoje atemorizar aquele prédio abandonado. Nossos cinemas morreram décadas depois do de Anareme - Texas, assombrados pelo espectro do cinema de Sam-The Lion, mas da mesma forma devora-dos pelos ridículos programas de TVs. Em Anarene, a sessão derradeira foi o filme Rio Vermelho de Howard Hawks, com John Wayne e Montgomery Cliff. Em Cachoeiro, para mim, foi Roma de Felline, exibido numa quarta feira vazia no Cacique, numa cópia mais despedaçada que nossas almas de ciné-filos, que até hoje não nos acostumamos a assistir filmes dublados em Shopping Centers da cidade. Nessa segunda, porém, via Sky, tudo voltou. Duanne foi para a Coréia, Jacye (Gei-cê) para a faculdade em Dallas, Sam the Lion mor-reu em cima de uma mesa de sinuca, e Sonny continua em Anarene, tentando recuperar uma época que não voltará - como todas as outras - jamais. Ah, esquecí de comentar. A maravilhosa trilha sonora é totalmente baseado nos blues rurais, escutadas através da pequena juke-box da lanchonete de Sam - The Lion.

A partir desse filme Bogdanovich consagrou-se como um dos mais importantes di-retores de Hollywood. Nesse momento, esqueço os percalços da Sky, faço as pazes

com as faturas que chegam atrasadas, com as atendentes on-line que não resolvem meus impasses, jogo as latas vazias de Itaipava no lixo, despeço-me do balcão, e vou dormir em paz. Não vou negar uma certa inveja de Sam- The Lion, que pelo menos morreu em cima do pano verde de sua sinuca Tujaque, antes de assistir a derrocada do cinema de Anarene. Ou ser obrigado a assistir Roma de Felline mais cortado que chanchada da Atlântida.

THE LAST PICTURE SHOW por Gilson Leã[email protected]

DECORES TINTAS