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artigo original Ultra-Sonografia Pélvica em 140 Meninas Normais Pré e Pós-Puberais Rosimere J. Teixeira Valéria C.G. Silva Josele R. Freitas Jodélia L.S. Henriques Marília M. Guimarães Disciplinas de Endocrinologia e Radiologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) / Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ. Recebido em 15/10/98 Revisado em 20/04/99 Aceito em 11/06/99 RESUMO Realizamos ultra-sonografia (USG) pélvica em tempo real e de alta re- solução em 140 meninas normais pré e pós-puberais, entre 2 e 18 anos incompletos, para descrever as mudanças da morfologia e do tamanho do útero e dos ovários com a idade e durante o desenvolvimento pube- ral. Os volumes do útero (VU) e dos ovários (VO) foram calculados, a mor- fologia uterina foi descrita como pré-puberal (corpo/colo <1) ou não e a estrutura ovariana foi classificada como homogênea (até 3 cistos < 9mm), microcística (4-10 cistos < 9mm), multicística (+10 cistos < 9mm), policísti- ca (+10 cistos e estroma hiperecogênico) e folicular (pelo menos uma área cística ³ 9mm). Na fase pré-puberal, os volumes do útero e ovários foram de 1,0±0,7cm 3 e 0,9±0,5cm 3 , respectivamente, mas aumentaram com a puberdade. Consideramos como normal pré-puberal os volumes até 2DP da média (VU £ 2,5cm 3 e VO £ 2,0cm 3 ) e como sinal de puberdade os volumes maiores que 4DP da média pré-puberal (VU ³ 4cm 3 e VO ³ 3cm 3 ). A morfologia uterina, a presença de eco endometrial e a freqüência das classes ovarianas dependem do status puberal (p<0,005). Os ovários homogêneos foram encontrados somente em pré-puberes (52%); a classe microcística foi a mais comum no início (Tanner II-III, 51%) e a mul- ticística no final da puberdade (Tanner IV-V, 47%); a estrutura policística foi achada em todos os estádios puberais (4-11%) e a folicular (6%) ape- nas na puberdade. O útero e os ovários aumentam progressivamente durante a infância e a puberdade. O desenvolvimento normal do ovário é contínuo e dinâmico. Ainda não é claro se a presença de ovários policísticos na infância possa representar uma predisposição futura para a síndrome dos ovários policísticos. (Arq Bras Endocrinol Metab 1999;43/3: 210-216) Unitermos: USG pélvica; Critérios de normalidade; Pré-puberal; Pós- puberal. ABSTRACT Real-time ultrasonography of the pelvic organs was performed in 140 healthy girls aged 2-18 years. The aim of this study was to define the vo- lumes and to relate the uterine and ovarian morphological changes to chronological age and the normal pubertal development. Uterine and ovarian volumes (UV and OV) were calculated; uterine morphologic was described as prepubertal (corpus/cervix < 1) or not and the ovarian struc- ture was classified as homogeneous (less than 3 cysts < 9mm), microcys- tic (4-10 cysts < 9mm), multycystic (+ 10 cysts < 9mm in diameter), poly- cystic (+ 10 cysts and increased stroma) and follicular (at the least one cystic area > 9mm). Prepubertal UV and OV were 1.0±0.7cm 3 and 0.9+0.5cm 3 , respectively. We considered volumes up to 2SD (UV £ 2.5cm 3 and OV £ 2cm 3 ) as prepubertal normal standards and volumes up to 4SD (UV ³ 4cm 3 and OV ³ 3cm 3 ) as indicators of puberty. Uterine morpholo- gy, presence of endometrial echo, and ovarian structure related to sex- ual development (p<0.005). Homogeneous ovaries were visualized only in prepubertal girls (52%); microcystic class was the most common find-

Ultra-Sonografia Pélvica em 140 Meninas Normais Pré e Pós ... · área cística ³ 9mm). Na fase pré-puberal, os volumes do útero e ovários foram de 1,0±0,7cm3 e 0,9±0,5cm3,

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artigo originalUltra-Sonografia Pélvica em 140 MeninasNormais Pré e Pós-Puberais

Rosimere J. TeixeiraValéria C.G. Silva

Josele R. FreitasJodélia L.S. HenriquesMarília M. Guimarães

Disciplinas de Endocrinologia eRadiologia do Hospital UniversitárioPedro Ernesto (HUPE) /Universidade doEstado do Rio de Janeiro eUniversidade Federal doRio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ.

Recebido em 15/10/98Revisado em 20/04/99Aceito em 11/06/99

RESUMO

Realizamos ultra-sonografia (USG) pélvica em tempo real e de alta re-solução em 140 meninas normais pré e pós-puberais, entre 2 e 18 anosincompletos, para descrever as mudanças da morfologia e do tamanhodo útero e dos ovários com a idade e durante o desenvolvimento pube-ral. Os volumes do útero (VU) e dos ovários (VO) foram calculados, a mor-fologia uterina foi descrita como pré-puberal (corpo/colo <1) ou não e aestrutura ovariana foi classificada como homogênea (até 3 cistos < 9mm),microcística (4-10 cistos < 9mm), multicística (+10 cistos < 9mm), policísti-ca (+10 cistos e estroma hiperecogênico) e folicular (pelo menos umaárea cística ³ 9mm). Na fase pré-puberal, os volumes do útero e ováriosforam de 1,0±0,7cm3 e 0,9±0,5cm3, respectivamente, mas aumentaramcom a puberdade. Consideramos como normal pré-puberal os volumes até2DP da média (VU £ 2,5cm3 e VO £ 2,0cm3) e como sinal de puberdade osvolumes maiores que 4DP da média pré-puberal (VU ³ 4cm3 e VO ³ 3cm3).A morfologia uterina, a presença de eco endometrial e a freqüênciadas classes ovarianas dependem do status puberal (p<0,005). Os ovárioshomogêneos foram encontrados somente em pré-puberes (52%); aclasse microcística foi a mais comum no início (Tanner II-III, 51%) e a mul-ticística no final da puberdade (Tanner IV-V, 47%); a estrutura policísticafoi achada em todos os estádios puberais (4-11%) e a folicular (6%) ape-nas na puberdade. O útero e os ovários aumentam progressivamentedurante a infância e a puberdade. O desenvolvimento normal doovário é contínuo e dinâmico. Ainda não é claro se a presença deovários policísticos na infância possa representar uma predisposiçãofutura para a síndrome dos ovários policísticos. (Arq Bras EndocrinolMetab 1999;43/3: 210-216)

Unitermos: USG pélvica; Critérios de normalidade; Pré-puberal; Pós-puberal.

ABSTRACT

Real-time ultrasonography of the pelvic organs was performed in 140healthy girls aged 2-18 years. The aim of this study was to define the vo-lumes and to relate the uterine and ovarian morphological changes tochronological age and the normal pubertal development. Uterine andovarian volumes (UV and OV) were calculated; uterine morphologic wasdescribed as prepubertal (corpus/cervix < 1) or not and the ovarian struc-ture was classified as homogeneous (less than 3 cysts < 9mm), microcys-tic (4-10 cysts < 9mm), multycystic (+ 10 cysts < 9mm in diameter), poly-cystic (+ 10 cysts and increased stroma) and follicular (at the least onecystic area > 9mm). Prepubertal UV and OV were 1.0±0.7cm3 and0.9+0.5cm3, respectively. We considered volumes up to 2SD (UV £ 2.5cm3

and OV £ 2cm3) as prepubertal normal standards and volumes up to 4SD(UV ³ 4cm3 and OV ³ 3cm3) as indicators of puberty. Uterine morpholo-gy, presence of endometrial echo, and ovarian structure related to sex-ual development (p<0.005). Homogeneous ovaries were visualized onlyin prepubertal girls (52%); microcystic class was the most common find-

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ing in the beginning (Tanner stage II-III, 51%) and themulticystic in the end of puberty (Tanner stage IV-V,47%); polycystic class was found in 4-11%, and the fol-licular (6%) was visualized only in pubertal girls. Uterusand ovaries grow in volume throughout childhoodand puberty. In the course of normal puberty theovarian development is dynamic. It has been specu-lated whether girls with polycystic ovaries, by ultra-sound, are at risk to develop polycystic ovary syn-drome in adulthood. (Arq Bras Endocrinol Metab1999;43/3:210-216)

Keywords: Pelvic ultrasonography; Normality stan-dards; Prepubertal; Postpubertal.

NO PASSADO, o EXAME DA GENITÁLIA interna erarealizado através de métodos invasivos e nem

sempre muito elucidativos, o que dificultava o estudode crianças normais. Contudo, isto mudou bastantegraças ao advento dos métodos de imagem de alta re-solução, especialmente da USG. A USG pélvica temprovado ser um método seguro e adequado para deter-minar o tamanho e o aspecto do útero e dos ovários,assim como para monitorizar o crescimento folicular ea ovulação. Por isso, cada vez mais tem sido adiciona-da à investigação hormonal em ginecologia endócrino-pediátrica como parte da avaliação inicial de desor-dens, tais como, genitália ambígua, precocidade sexuale irregularidade menstrual, entre outras (1-3). Entre-tanto, sua interpretação requer a compreensão darelação entre a maturação da genitália interna, o cresci-mento e o desenvolvimento puberal normal.

Os relatos da literatura sobre o desenvolvimentonormal do útero e dos ovários na infância, através daUSG, são limitados e não costumam descrever em deta-lhes as alterações morfológicas ovarianas que ocorremdurante a puberdade (1,4-8). Na prática diária não exis-tem critérios bem estabelecidos para descrever a estru-tura ovariana. Os termos "ovários microcísticos,micropolicísticos e policísticos" são comumente usados,mas de maneira confusa, sempre que se encontram cis-tos periféricos ao ultra-som. Este estudo tem comoobjetivo descrever os volumes do útero e dos ovários prée pós-puberais, assim como as mudanças da morfologiauterina e da estrutura ovariana, que ocorrem com aidade e durante o desenvolvimento puberal normal.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Trata-se de um estudo prospective, descritivo e decorte transversal, que foi aprovado pelo Comitê deÉtica do Hospital Universitário Pedro Erncsto-UERJ.Foram selecionadas 140 meninas pré e pós-puberais

saudáveis, entre 2 a 18 anos incompletos, que foramencaminhadas ao Ambulatório de Endocrinologia peloServiço de Ginecologia Infanto-puberal para participardo estudo. Foram excluídos os casos com desordenspuberais ou endócrinas, irregularidade menstrual -definido como ciclo <21 ou >40 dias, doenças crôni-cas e em uso de pílula anti-concepcional ou outras dro-gas. Foram avaliados os estádios puberais de Tanner; aidade da menarca e o ciclo menstrual; a estatura, opeso e o índice de massa corporal (IMC, em kg/m2).Foi considerado como sinal clínico de puberdade apresença de mamas ³ ao estádio de Tanner II.

A USG pélvica foi realizada e interpretada sem-pre pelo mesmo profissional, através do método con-vencional com bexiga repleta, obtida após a adminis-tração oral de fluidos e retenção urinaria voluntária.Foi utilizado equipamento ultra-sonográfico de altaresolução em tempo real: LOGIC 500 GE com sondade 3,5 MHZ e Hitachi modelo EUB 305 com trans-dutor de 3,5 ou 5,0 MHZ. Os volumes do útero (VU)e dos ovários (VO) foram calculados por meio da fór-mula do clipsóide: V= L x AP x T x 0,5233 (onde V=volume, L= diâmetro longitudinal, AP= diâmetroantero-posterior e T= diâmetro transversal). A mor-fologia uterina foi descrita como pré-puberal quando arelação entre o diâmetro antero-posterior do corpo edo colo foi £ 1 e como pós-puberal em caso de relação>1 (6). A textura acústica uterina foi analisada para aindividualização do eco endometrial. A estrutura ova-riana foi dividida em 5 classes:

1 ou homogênea: aspecto sólido ou com até 3cistos < 9mm;

2 ou microcística: de 4 até 10 cistos < 9mm;3 ou multicística: mais de 10 cistos < 9 mm e

ecogenicidade do estroma normal;4 ou policística: mais de 10 cistos < 9 mm e

estroma ovariano hiperecogênico;5 ou folicular: presença de pelo menos um cisto

dominante ³ 9mm.

A classificação aqui proposta é baseada nonúmero de cistos, volume dos folículos e estroma ova-riano, sendo uma modificação de outras já apresen-tadas previamente (9-11). A medida e a classe de cadaovário foram consideradas separadamente devido asvariações existentes entre volume, número e diâmetrodos folículos por par de ovário. Os ovários com macro-cistos (cistos > 20mm) foram excluídos para a avali-ação da média do VO.

Para a análise estatística foram utilizados: testeparamétrico ANOVA, teste não paramétrico Qui-

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quadrado (c2) com correção de Yates, teste de cor-relação de Pearson na interligação entre as variáveisparamétricas e de Sperman para as não paramétricas.Os resultados foram expressos em média ± desviopadrão (DP), sendo adotado o nível de significância de95%, onde p<0,05.

RESULTADOS

A USG pélvica foi realizada em 140 meninas: 57impúberes e 83 púberes. As características clínicas deacordo com o estádio puberal são mostradas na tabela1. No grupo puberal, a menarca ocorreu em 31 meni-nas (11,8 ± 1,4 anos), sendo a USG realizada no 1o

ano da menarca em 12 e após 1-5 anos em 19 casos.

Os volumes do útero e ovários aumentaramsignificativamente com os estádios puberais, comomostra a tabela 2. Em geral, o VU e o VO forammenores que 2DP da média nas meninas pré-puberaise, raramente ultrapassaram este limite (figura 1).Entretanto, VU ³ 4 cm3 e VO ³ 3 cm3, que represen-tam aproximadamente 4DP da média pré-puberal, foramencontrados apenas em meninas com mais de 8 anos deidade e que já haviam iniciado a puberdade (figura 2 e 3).

O volume uterino apresentou boa correlaçãocom: IC (Tanner I: r=0,23; p=0,08; II/III: r=0,38;p=0,02 e IV/V: r=0,50; p=0,0002); estatura (TannerI: r=0,35; p=0,009; II/III: r=0,41; p=0,01 e IV/V:r=0,58; p<0,0001); peso (Tanner I: r=0,32; p=0,01;II-III: r=0,29; p=0,08 e IV-V: r=0,43; p=0,02) e VO(Tanner I: r=0,35; p=0,009). O VO apresentou corre-lação positiva com: IC (Tanner I: r=0,46; p=0,0003;II/III: r=0,41; p=0,01 e IV-V: r=0,32; p=0,03);estatura (Tanner I: r=0,47; p=0,0003; II/III: r=0,39;p=0,02 e IV-V: r=0,39; p= 0,006) e peso (Tanner I:r=0,24; p=0,009).

A morfologia uterina foi do tipo pré-puberal em82% dos casos no estádio de Tanner I, enquanto foi pós-puberal em 74% e 100% nos estádios II/III e IV/V,respectivamente (p<0,005). Em 10 casos, 8,0 ± 1,3anos, a morfologia pós-puberal foi observada antes doaparecimento dos caracteres sexuais secundários. Oeco endometrial estava presente em 12%, 60% e 98%nos estádios de Tanner I, II/III e IV/V, respectiva-mente (p<0,005).

A distribuição das classes ovarianas varia deacordo com o estádio puberal (p<0,005 - figura 4). Aclasse homogênea (classe 1- 52%) foi observada apenasem idade pré-puberal, sendo que em 14% nenhumcisto foi visualizado - aspecto sólido. No grupo pube-

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ral as classes mais freqüentes foram a microcística(classe 2- 51%) no estádio II/III e a multicística (classe3- 47%) no estádio IV/V de Tanner. A estruturapolicística (classe 4) foi encontrada em 4% no grupopré-puberal e em 11% no pós-puberal, mas somenteapós os 8 anos de idade. A presença de folículo domi-nante (classe 5- 6%) foi notada após a puberdade,sendo que 2% dos casos eram macrocistos (> 20mm).Em 95% dos casos a classe ovariana foi a mesma porpar de ovário. Em 11 casos um dos ovários não foivisualizado (4%), mais comumente o esquerdo(9/11). A freqüência da estrutura ovariana por faixaetária é mostrada na figura 5.

DISCUSSÃO

A determinação dos valores normais para os parâme-tros ultra-sonográficos é essencial para a avaliação dapuberdade e de suas desordens, isto e, saber se a ge-nitália interna está sendo estimulada adequada ou ina-dequadamente para a idade.

O útero típico infantil e caracterizado pelo pre-domínio do colo sobre o corpo e pela ausência de ecoendometrial (8). Entretanto, as mudanças da morfolo-gia uterina podem representar um dos primeiros sinaisde puberdade. Nesta fase o corpo é um dos primeiros adesenvolver, mas o seu crescimento é mais acentuadonos estádios de Tanner III e IV (8-12). Na menarca ocrescimento uterino ultrapassa a qualquer outra parte dagenitália feminina (7), o eco endometrial é visível e oútero torna-se semelhante ao do adulto (10-12).

O útero e os ovários começam a crescer aindaem fase pré-puberal, precedendo o aparecimento doscaracteres sexuais secundários (13,14). O útero per-manece inalterado até os 8-10 anos e os ováriosaumentam a partir dos 6-8 anos, mas tornam-se pro-gressivamente maiores com a puberdadé, como tam-bém tem sido descrito por outros (6,8,13-16). Nainfância, o útero e os ovários apresentam um discretoaumento com a idade, então, podemos considerarcomo normal pré-puberal os volumes até 2DP damédia, isto é, até 2,5 cm3 e 2 cm3, respectivamente.Nesta casuística, volumes ³ 2DP foram observados emalgumas meninas impúberes, mas volumes ³ 4DP damédia foram notados apenas após o início da puber-dadc. Além disso, demonstramos em outro estudo,que a presença de útero ³ 4 cm3 e/ou ovário > 3 cm3

é comum na puberdadé precoce central (PPG), emcontraste, com meninas pré-puberais normais, comtelarca e pubarca precoces isoladas (2). Segundo Stan-hope e col. (5) o útero com área transversal maior que4 cm2 e o ovário maior que 3 cm2 confirmam o diag-

nóstico de PPC. Por isso, consideramos que volumes³ 4SD (VU ³ 4 cm3 e VO ³ 3 cm3) estão bem alémdos limites da normalidade pré-puberal e podem serutilizados como um critério ultra-sonográfico bastantesugestivo de puberdadé.

A insulina, os fatores de crescimento seme-lhantes a insulina (IGF) e o hormônio de crescimento(GH) afetam a estatura assim como o tamanho doútero e dos ovários pré-puberais (11). Durante puber-dade os níveis de gonadotrofinas e estrogênio influen-ciam os volumes desses órgãos (17) e, em combinação,com GH, IGF-I e insulina também estimulam o cresci-mento ovariano (4). Salardi e col. (7) mostraramrelação entre o VU e a idade em meninas pré-puberaise com a idade, a altura e os níveis de estradiol nas pós-puberais. Holm e col. (13) descreveram que o útero eos ovários se relacionam com a altura mas não com aidade e o peso. Neste estudo, o VU se correlacionoucom a altura e o peso em todos os estádios puberais;com a idade cronológica em meninas puberais, masmostrando tendência nas pré-puberais. Já o VOmostrou correlação com a idade e a altura em todos osestádios puberais e com o peso somente na fase pré-puberal. Fatores nutricionais também influenciam ovolume ovariano (4). Nossos dados sugerem que oútero acompanha o crescimento somático, assim comoo ovário que depende tanto da maturidade biológicaquanto do desenvolvimento folicular, como discutire-mos a seguir.

Os ovários pré-puberais são similares, segundoestudos anatômicos, pela ausência de mudanças ovu-latórias (14). Desde antes do nascimento e durante ainfância, existe um estado de equilíbrio dinâmico comalguns ovócitos e folículos amadurecendo e crescendo,enquanto outros regridem e desaparecem, mas com aidade parece haver um aumento na maturação folicular.Os folículos primários não são muitos e seu número éconstante até a puberdade, quando começa a cair. Entre6-8 anos o hormônio folículo estimulante (FSH) e oestrogênio se elevam, há mais folículos secundários e osfolículos são maiores (4-8mm), mas entre 8-11 anosgrandes folículos (6-12 mm) estão presentes (5,6,14).Na puberdade os ovários tornam-se maiores e peri-odicamente alguns folículos amadurecem, mas somenteum ovula, enquanto os demais degeneram-se e tornam-se atrésicos (13,15). Após os 14 anos há poucos folícu-los primários e, de fato, o ovário encontra-se sexual-mente maduro, exceto pelo fato de que o ovário adultocontém os corpos lúteo e albicans (15).

Apesar dos estudos anatômicos mostrarem ativi-dade folicular desde o nascimento, os relatos ultra-sonográficos são conflitantes. Têm sido demonstrado a

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presença de múltiplos cistos em meninas pré-puberaisnormais, provavelmente, folículos imaturos - nãoestimulados - que sofrem modificações funcionais tor-mando-se visíveis a USG como cistos muito pequenos(5,13,18). Num estudo recente, somente 3-8% de1818 meninas pré-puberes apresentavam folículosovarianos, mas isto pode ser devido ao fato de que asUSGs não foram realizadas como parte de um estudoespecífico da genitália interna, mas, devido a váriasindicações clínicas (19).

Em nossa casuística, o ovário homogêneo foi típi-co do estádio pré-puberal, sendo o mais freqüente até os6 anos, mas ainda foi encontrado até os 10 anos emmeninas impúberes. Segundo Orsini e col. (6) a ausênciade cistos é comum até os 6 anos, sendo que a partir destaidade os cistos tornam-se mais comuns, embora a estru-tura ovariana sólida predomine até os 11 anos.

A classe microcística foi a mais freqüente nosestádios I I - I I I de Tanner. Contudo, os ováriosmicrocísticos foram observados desde os 4 anos,tornaram-se comuns próximo aos 8 e após os 10 anossua freqüência diminuiu mas manteve-se constante.Salardi e cols. (9) descreveram que os microcistos sãovisíveis apartir dos 4 anos, tornam-se progressivamentemais comuns até os 11 anos e após os 12-13 anos estãopresentes em menor proporção. Segundo Venturoli ecols. (20), esta morfologia torna-se estável em torno de25-35% durante a adolescência. A estrutura multicísticaapareceu quase exclusivamente na puberdade, sendomais freqüente nos estádios IV/V de Tanner. Algunsautores não têm encontrado ovários multicísticos comfreqüência (13). Stanhope e cols. (5) sugerem que osmulticistos, definidos aqui como mais de 6 cistos, ocor-rem como uma fase normal da maturação ovarianaantes da seleção do folículo dominante e são encontra-dos principalmente em idade pré-puberal tardia e napuberdade. Esta estrutura tem sido referida como umaresposta normal do ovário à secreção de gonadotrofi-nas, estando associada com pulsos noturnos de altaamplitude e diurnos de baixa freqüência e amplitude, oque estimularia parcialmente a foliculogenese. Logoassim que o padrão adulto de secreção hormonal éatingido, esta resposta torna-se bastante reduzida e,então, os multicistos desaparecem (5,20).

O diâmetro máximo dos folículos ovarianosaumenta com a progressão da puberdade (4-6,13). Porvolta dos 12-13 anos o ovário pode ser caracterizadopelo folículo dominante - >9mm (9). Entre 14-15anos, o folículo aumenta ainda mais e varia muito detamanho, refletindo as diferentes fases do ciclo mens-trual. Esta observação está de acordo com o fato de queciclos anovulatórios são freqüentes de 12-18 meses

após a menarca e a variação do tamanho do folículodurante o ciclo menstrual ocorre quando a ovulaçãocomeça. Neste estudo, a classe folicular foi observadaem meninas púberes e por volta dos 11 anos de idade,mas os macrocistos foram encontrados somente após amenarca e mostraram regressão espontânea no follow-up ultra-sonográfico. Entretanto, grandes folículos,maiores que 12 mm, são encontrados ocasionalmenteem meninas pré-puberais como resultado dos baixosníveis de secreção do FSH. Isso limita a utilidade damedida do diâmetro folicular na avaliação do statuspuberal (4). Esses dados demonstram que o ováriosofre mudanças morfológicas com a maturidadebiológica, ou seja, varia de acordo com a idade e o está-dio puberal. As classes homogênea, microcística e mu l -ticística foram mais comuns nos estádios de Tanner I,II-III e IV-V, respectivamente, sugerindo que onúmero de cistos aumenta à medida que ocorre umavanço no desenvolvimento puberal. O folículo domi-nante ou pré-ovulatório (classe folicular) foi observadoprincipalmente próximo a menarca, quando a matu-ração sexual é mais avançada. Então, o ovário passa porvárias fases de desenvolvimento, que pode representaruma resposta normal à secreção das gonadotrofinas.Como a pulsatilidade das gonadotrofinas pode levar aoinício da maturação ovariana cedo na infância e mesmoantes de qualquer sinal clínico de puberdade (5), istopoderia explicar porque nem sempre existe uma associ-ação temporal entre as classes ovarianas e o estádioclínico do desenvolvimento puberal.

Os ovários policísticos estão presentes em

poucos casos na infância, quando a concentração de

gonadotrofinas é baixa. Bridges e cols. (4) encon-traram uma prevalência de ovários policísticos queaumentou de 6 para 26% dos 6 aos 15 anos, entretan-to em nosso estudo, foi de 4% nas meninas pré-púberes e de 11% nas adolescentes. A síndrome dosovários policísticos (SOP) pode ser bem mais comumna adolescência do que se imagina. O aumento dosníveis de IGF-I e insulina durante a puberdade podemestar relacionados com o aumento da sua prevalêncianeste período (4,11,12). Considerando-se que a SOPfreqüentemente se desenvolve na adolescência, umahipótese atrativa, mas que necessita de confirmaçãoatravés de estudos longitudinais, é se essas meninascom aparência policística na USG são destinadas, emalguns casos, a tornar-se adultas com a SOP.

CONCLUSÃO

Os volumes uterino e ovarianos aumentam gradual-mente durante a infância, sendo este aumento discreto

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em idade pré-puberal e acentuado com o início dapuberdade. A morfologia uterina - relação corpo/coloe presença de eco endometrial — refletem bem o statuspuberal. A estrutura ovariana normal passa por váriasfases ou classes que parecem corresponder aos estádiosde desenvolvimento puberal, sendo assim, o ovárioparece assumir transitoriamente o aspecto homogê-neo, microcístico, multicístico e folicular. O aumentodos volumes do útero e/ou ovários (VU ³ 4 cm3 e VO³ 3 cm3) associados às mudanças da morfologia uteri-na e da estrutura ovariana, especialmente na presençade ovários multicísticos, podem ser considerados comoum sinal ultra-sonográfico de puberdade. Como aindanão é claro se a aparência policística ao ultra-somreverte ao normal, então, as meninas com ováriospolicísticos devem ser acompanhadas para se afastaruma provável evolução para a SOP.

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Endereço para correspondência:

Rosimere de Jesus TeixeiraRua Silva Rabelo, 10 - sala 30720730-080 Rio de Janeiro, RJ.FAX: (021)587 6447e-mail: [email protected]