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357 Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n.1, p. 357-371, jan./abr. 2010 Um caminho para atender às diferenças na escola Letícia Portieri Monteiro Pontifícia Universidade Católica Kátia Stocco Smole Universidade de Franca Resumo Em 1999, o Conselho de Educação Judaica do Rio de Janeiro implantou o Programa de Inovação Educativa (PIE) nas Escolas Israelitas do Rio de Janeiro para atender às novas tendências da educação brasileira. O presente trabalho tem como objetivo ana- lisar as modificações ocorridas no ambiente escolar a partir da implantação e implementação do PIE em uma escola judaica do Rio de Janeiro. Esse programa apresenta como ideia central traba- lhar os conceitos de aprendizagem ativa e de inteligências múlti- plas na concepção de Piaget, Dewey e Gardner. Para analisarmos o PIE, utilizamos uma abordagem de natureza qualitativa com os participantes da pesquisa por meio de entrevistas semiestru- turadas e observação das salas de aula do 1º ao 5º ano do ensino fundamental. Baseando-se no referencial teórico, foi feita a aná- lise dos dados. Os resultados desse estudo indicaram que, a partir do programa, os profissionais envolvidos ficaram mais motivados a buscar informações e a renovar os seus conhecimentos para atenderem às diferenças entre os alunos, utilizando estratégias diversificadas, o que possibilita um trabalho mais dinâmico que facilita o desenvolvimento da autonomia nos estudantes. Como dificuldades relatadas para o desenvolvimento do PIE, foram cita- das a grade de horários que precisa ser revista e o fato de as pro- fessoras terem que cumprir um currículo extenso. A escola ainda está em processo de adaptação a esse programa inovador, por isso é muito importante que os profissionais envolvidos constantemente reavaliem o desenvolvimento do programa, buscando modificações ou alternativas à medida que encontram dificuldades. Palavras-chave Inteligência múltiplas — Aprendizagem ativa — Metodologia de ensino — Currículo. Correspondência: Kátia Stocco Smole Rua Andaquara, 164 04673-120 – São Paulo – SP E-mail: [email protected]

Um caminho para atender as diferenças na escola

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Um caminho para atender às diferenças na escola

Letícia Portieri MonteiroPontifícia Universidade Católica

Kátia Stocco SmoleUniversidade de Franca

Resumo

Em 1999, o Conselho de Educação Judaica do Rio de Janeiroimplantou o Programa de Inovação Educativa (PIE) nas EscolasIsraelitas do Rio de Janeiro para atender às novas tendências daeducação brasileira. O presente trabalho tem como objetivo ana-lisar as modificações ocorridas no ambiente escolar a partir daimplantação e implementação do PIE em uma escola judaica doRio de Janeiro. Esse programa apresenta como ideia central traba-lhar os conceitos de aprendizagem ativa e de inteligências múlti-plas na concepção de Piaget, Dewey e Gardner. Para analisarmoso PIE, utilizamos uma abordagem de natureza qualitativa com osparticipantes da pesquisa por meio de entrevistas semiestru-turadas e observação das salas de aula do 1º ao 5º ano do ensinofundamental. Baseando-se no referencial teórico, foi feita a aná-lise dos dados. Os resultados desse estudo indicaram que, a partirdo programa, os profissionais envolvidos ficaram mais motivadosa buscar informações e a renovar os seus conhecimentos paraatenderem às diferenças entre os alunos, utilizando estratégiasdiversificadas, o que possibilita um trabalho mais dinâmico quefacilita o desenvolvimento da autonomia nos estudantes. Comodificuldades relatadas para o desenvolvimento do PIE, foram cita-das a grade de horários que precisa ser revista e o fato de as pro-fessoras terem que cumprir um currículo extenso. A escola aindaestá em processo de adaptação a esse programa inovador, por issoé muito importante que os profissionais envolvidos constantementereavaliem o desenvolvimento do programa, buscando modificaçõesou alternativas à medida que encontram dificuldades.

Palavras-chave

Inteligência múltiplas — Aprendizagem ativa — Metodologia de ensino— Currículo.

Correspondência:Kátia Stocco SmoleRua Andaquara, 16404673-120 – São Paulo – SPE-mail: [email protected]

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A pathway to attend to differences at school

Letícia Portieri MonteiroPontifícia Universidade Católica

Kátia Stocco SmoleUniversidade de Franca

Contact:Kátia Stocco SmoleRua Andaquara, 16404673-120 – São Paulo – SPE-mail: [email protected]

Abstract

In 1999 the Rio de Janeiro Council for Jewish Education set in motionthe Innovative Education Program (PIE) at the Israeli Schools of Rio deJaneiro with the purpose of following the recent trends of Brazilianeducation. The present work has as its objective to analyze thechanges occurred in the school atmosphere since the onset andimplementation of the program at a Jewish school in Rio. Theprogram’s central idea is to work with the concepts of active learningand multiple intelligences as proposed by Piaget, Dewey, and Gardner.To analyze the PIE we used a qualitative approach with theparticipants of the study through semi-structured interviews andobservations in classrooms of the 1st to 5th years of fundamentaleducation. The analysis of the data was based on the theoreticalframework. The results indicate that, after the implementation of theprogram, the professionals involved gained in motivation to search forinformation and refresh their knowledge in order to attend to thedifferences between the pupils, making use of diversified strategies andthus encouraging a more dynamic work that facilitates thedevelopment of students’ autonomy. In terms of difficulties faced inthe development of the program, there was mention to the need torevise timetables, and to the fact that teachers now have to gothrough more extensive curricula. The school is still in the process ofadapting to this innovative program, and therefore it is very importantthat the professionals involved constantly reevaluate the developmentof the program, trying to identify modifications and alternatives asdifficulties arise.

Keywords

Multiple intelligences — Active learning — Teaching methodology —Curriculum.

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Na maioria dos países, a educação é hojeuma prioridade nacional que, de acordo comsuas características históricas, promovem refor-mas em seus sistemas educacionais com a fina-lidade de torná-los mais eficientes e equitativospara o preparo de uma nova cidadania, na qualos indivíduos possam ser capazes de enfrentar arevolução tecnológica que está ocorrendo noprocesso produtivo e seus desdobramentos po-líticos, sociais e éticos (Mello, 1998).

Nos últimos anos, cresceu a tendênciade introduzir mudanças e inovações na sala deaula e na estrutura educativa em geral. As no-vidades se expressam em diferentes campos:desde a redefinição dos objetivos da educaçãoe a fixação dos conteúdos, até uma modelagemdistinta do perfil dos professores e da organi-zação da sala de aula.

A pesquisa em estabelecimentos escola-res vem se ampliando e motivando grande in-teresse e preocupação, aparecendo de formamais intensa, há cerca de 30 anos, tanto nosEstados Unidos como na França e no ReinoUnido. Na corrente que fez evoluir os estudosde sociologia da educação no âmbito do siste-ma educacional para unidades menores, pare-ce que o estabelecimento escolar vem sentidodificuldades em conquistar seu lugar entre osdois objetos mais clássicos: a sala de aula e arelação entre a escola e a comunidade. Em umacultura em que são privilegiados o domíniosobre a natureza e os valores da individualida-de, a incerteza sobre o futuro faz com que o“sucesso” se constitua uma preocupação pri-mordial (Forquin, 1995).

Os sistemas educacionais no mundo atu-al têm como meta principal contribuir para queos estudantes possam ser cidadãos ativos, so-lidários, críticos e democratas. O ensino e aaprendizagem que ocorrem nas salas de aularepresentam uma das maneiras de construirsignificados, reforçar e formar interesses soci-ais, formas de poder, de experiência, semprecom um significado cultural e político.

Num trabalho que visa formar esse tipode cidadão, é imprescindível que sejam levados

em consideração o conteúdo cultural, bemcomo as estratégias de ensino, aprendizagem eavaliações necessárias para realizar tal missão.

Nesse sentido, a educação em Israel éum legado precioso. Quando o Estado de Israelfoi fundado (1948), um completo e funcionalsistema de educação já existia, desenvolvido emantido pela comunidade judia local e tendo ohebraico, que vinha sendo revivido pelo usodiário desde o final do século XIX, como idio-ma principal. Mesmo assim, logo após o esta-belecimento do Estado, o sistema educacionalenfrentou o enorme desafio de integrar umgrande número de crianças de mais de 70 pa-íses, algumas vindas com os pais e outras, so-zinhas. Novos métodos de ensino tiveram queser desenvolvidos para ajudar a absorver jovensvindos de diferentes culturas dentro de ummesmo ambiente escolar (Sechter, 2001).

O problema

A área de educação em Israel teve quebuscar modelos alternativos tal a diversidade deculturas presentes em sua população constitu-ída por indivíduos oriundos de várias procedên-cias. Nesse sentido, foram desenvolvidos estu-dos para que esses programas lograssem êxito,sem ameaçar a estrutura básica, os costumes ea tradição histórica daquele povo.

Dentre os métodos que surgiram, en-contra-se o Oraá Mutemet, traduzido comoPrograma de Inovação Educativa (PIE), queestá sendo aplicado naquela região e que levaem conta a heterogeneidade da clientela a seralcançada por ele.

O Estado de Israel se propôs a construir umsistema educacional que influísse sobre o caráterda sociedade e sobre os produtos da educação.Por esse motivo e pela origem diversificada dapopulação, desde o início, a política nacional temse baseado no princípio da heterogeneidade dasturmas, tanto nas escolas de ensino fundamentalquanto nas de ensino médio. Essa política foiconcebida a partir da necessidade de melhorar osresultados alcançados pelos alunos como um

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todo e de cultivar processos de integração soci-al. Dentro desse conceito, surgiram alguns progra-mas educacionais que até hoje estão vigorandoem Israel. No presente trabalho, será feita umaanálise de um desses programas, o PIE, que tra-balha contemplando o ensino diversificado.

No modelo brasileiro, o problema concen-tra-se no desafio de testar um programa que vemdando certo em Israel, ressalvando-se que asrazões na nossa realidade apoiam-se nas múltiplashabilidades a serem desenvolvidas nos alunos doensino fundamental (classe de alfabetização à 5ªsérie), habilidades essas fundamentais para a pro-gressão destes, considerando-se as diferençasindividuais tão presentes nas salas de aula.

Educação para diversidade

A suposição básica da abordagem diver-sificada, considerando-se a existência de diferen-ças entre os alunos, leva à concepção socializantedo ensino, que visa manter na classe heterogêneaos mais diversos processos educacionais. Essaclasse é concebida como sendo um contextosocial e organizacional, que possibilita aos alunosmelhoria nos resultados do estudo e amplo con-tato social. O conceito da classe heterogêneaassinala não somente a diferença de ritmos deaprendizagem, mas um conjunto de indivíduosdiferentes sob vários aspectos: origem, caracterís-ticas pessoais, estilo na aprendizagem, tendênci-as, necessidades, vontades, capacidades, dificul-dades e outras variáveis.

A educação para a diversidade sugerereconhecer a heterogeneidade existente em cadaturma, em todas as suas dimensões, como oponto de partida para o planejamento e a orga-nização do ensino e da aprendizagem, e atuarna criação de um ambiente que favoreça possi-bilidades de estudo e desenvolvimento pessoale social aos estudantes, levando-se em conside-ração suas diferenças (Glubman; Yram, 1996).

A sociedade moderna está sofrendo mu-danças rápidas e frequentes em consequência dedesdobramentos ocorridos na economia e natecnologia. A escola, por ocupar um lugar cen-

tral na sociedade, torna-se uma instituição ondesão depositadas as expectativas para atender aessas mudanças.

Dentro dessa nova concepção, o Conse-lho de Educação Judaica do Rio de Janeiroimplantou, em 1999, o PIE nas Escolas Israelitasdesse município. Na América Latina, mais preci-samente em Buenos Aires, esse programa demodernização das escolas judaicas completa seuoitavo ano de funcionamento1, tendo comoprincipal objetivo colocar essas escolas prontaspara preparar os cidadãos do século XXI, preser-vando seus valores culturais e morais. A forma-ção de um cidadão crítico exige sua inserçãonuma sociedade em que o conhecimento cien-tífico e tecnológico é cada vez mais valorizado.

Esse programa vem ao encontro da re-forma de ensino que está se processando noBrasil, onde a inovação maior da Lei de Diretri-zes e Bases é preparar cidadãos, desenvolvercompetências e habilidades, onde a escoladeve diversificar os métodos, investindo de sig-nificado os conteúdos, procurando ensinar aaprender e respeitando as diferenças individu-ais. Um dos princípios que também aparecemna Lei e que inova radicalmente a história daeducação formal está expresso no artigo 1º: “aeducação deverá vincular-se ao mundo do tra-balho e à prática social” e vem a corroborar aimportância da implementação do PIE.

A importância do PIE para as

escolas judaicas no Brasil

Segundo a Lei das Diretrizes e Bases daEducação Nacional (Lei n. 9.394), Artigo 1o:

A educação abrange os processos formativosque se desenvolvem na vida familiar, na con-vivência humana, no trabalho, nas instituiçõesde ensino e pesquisa, nos movimentos soci-ais e organizações da sociedade civil e nasmanifestações culturais. (Brasil, 1996, p. 1)

1. Em 2003, ano de conclusão desse trabalho, o programa nas escolasjudaicas da Argentina que o adotaram já tinha oito anos.

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Em geral, costuma-se opor “educaçãocomo formação” e “educação como informação”,oposição que reaparece quando se distinguemaprendizagem e treinamento, conscientização epragmatismo, espírito crítico e alienação. Aquelesque privilegiam o polo formação/aprendizagem/conscientização têm a esperança de que a edu-cação possa ser um instrumento de conhecimentoe de transformação do real graças à sua com-preensão crítica.

Partindo desse princípio e em comunhãocom as tendências atuais, o PIE tem a propostade fazer mudanças na escola, entendendo-acomo uma organização e uma totalidade. Essasmudanças devem ocorrer nos campos pedagógi-co, metodológico, social e tecnológico; no cam-po da organização e das relações entre as pesso-as; e na maneira de planejar e de tomar decisões.

Os princípios do programa são constru-tivistas e, também, humanistas já que privilegi-am a transmissão de valores. São democráticose funcionam em escolas democráticas que acei-tam trabalhar dessa forma. Trabalha-se com aideia de diversidade de inteligência, aprendiza-gem, interesse, ritmo, conhecimentos anteriores,modalidades de comunicação e de organizaçãodas tarefas. Cada uma dessas características deveser identificada pelo professor, em si mesmo e noaluno, para que ele possa levar a criança a re-conhecer sua própria diversidade e, assim, pos-sa construir uma proposta de trabalho que aten-da a estas.

Em sua maioria, os professores atuaissão fruto de um modelo de formação profissi-onal que exigia apenas que se prestasse aten-ção à formulação de objetivos e metodologias,não considerando como sua incumbência aseleção explícita dos conteúdos culturais.

De acordo com os documentos analisa-dos, nesse programa, o papel do professormuda muito. O professor deixa de ser o centroda aula, deixa de ser a única fonte de informa-ção para as crianças e se converte em alguémque acompanha processos de busca e escolhade informação. Ele provê a criança de recursospara se organizar, sendo aquele que transmite

conhecimentos, mas, acima de tudo, ajuda oaluno a construir sua formação. É umorientador da aprendizagem, alguém que dei-xa de ter como atividade principal a aulaexpositiva e assume a função de tutor.

A educação baseada na cópia ou namera transmissão de conhecimento perde osentido e passa a ter como estratégia primordi-al do desenvolvimento a construção do saber,por meio da pesquisa, de elaboração própria ede atualização constante.

Dentro do atual ritmo das inovações cien-tíficas e tecnológicas, a capacidade de atualiza-ção dos profissionais é decisiva no mundo todo.Levando-se esses aspectos em consideração paraa implantação do programa nas escolas, foiimportante promover a formação dos professo-res que atuam no PIE. Durante esse processo,muitos profissionais participaram de um cursoem Israel onde conheceram escolas que adotamo programa. No Brasil, discutiram e estudaram ocurrículo e a metodologia a ser adotada. A for-mação continuada ainda acontece sob a orien-tação de especialistas no programa que vêm aoRio de Janeiro e mediante reuniões, na própriaescola, com a direção, coordenação e corpodocente, nas quais há troca de experiências.

Na instituição educacional em estudo, fazparte do currículo a cultura judaica. Do ponto devista de Santomé (1998), um currículo democrá-tico, que respeite a diversidade política, culturale linguística, tem que oferecer a possibilidade deque todos os estudantes compreendam a histó-ria, a tradição e os costumes de sua própriacomunidade. Isso implica em conhecer tambéma dos demais povos no marco de uma filosofiade respeito, colaboração e solidariedade.

Nesse trabalho, quando mencionarmos otermo currículo, será no sentido trazido porGimeno Sacristán (2000), qual seja: o de umconjunto de conhecimentos e experiências deaprendizagem oferecido aos estudantes queinclui não apenas a lista das disciplinas esco-lares que devem ser levadas até os alunos, mastambém a forma de organização das turmas, aorganização e gestão dos tempos, a escolha

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dos materiais e recursos para o processo deensino e aprendizagem, as formas de controlee acompanhamento dos alunos, os valores pre-servados e vividos no cotidiano escolar, enfim,todo o modo de vida da escola.

Inovações educacionais

Na educação escolar, a história das ino-vações sempre aparece vinculada às questõesideológicas, sociais e econômicas. Uma inova-ção depende da conjuntura em que surge, dequem são seus promotores, da incidência eextensão que adquire. Hernández (2000) afirmaque as inovações que tiveram maior incidênciaforam as que deram uma resposta alternativa àsnecessidades da escola ou da sociedade, porisso permaneceram na cultura da escola e favo-receram a qualidade do ensino e os diferentessistemas educativos.

Na metade dos anos 1960, falar de inova-ções já fazia parte do discurso pedagógico e dacultura escolar. Esse período teve destaque nosEstados Unidos pela proliferação de inovações naeducação e isso era uma tentativa de sanar osproblemas sociais que estavam surgindo.

As inovações costumam ser produzidaspor uma pressão externa (reforma educativa),pela vontade ou pelo desejo de mudança deum grupo ou de uma instituição. Foi o caso,por exemplo, dos Projetos de trabalho quesurgiram em 1983, na Espanha, a partir danecessidade que professores do ensino funda-mental sentiram em se aprofundar na teoria ena prática da globalização.

Uma proposta inovadora

Dentro dessa nova tendência, o PIE éconsiderado um projeto inovador porque seopõe ao método tradicional, ou seja, em vez deestar centrado no educador e no conhecimen-to, centra-se no educando e na vida. Os méto-dos convencionais não são apenas substituídospor outros. O que se repensa é a finalidade daeducação, colocando-a a serviço da sociedade.

De acordo com a cultura de um estabe-lecimento escolar, um projeto de inovação seráacolhido com hostilidade ou simpatia, descon-fiança ou abertura. A cultura é representadapela forma como as pessoas, envolvidas nesseprojeto, apropriam-se da informação que vemde fora e a assimilam; de como interpretam oque acontece na vida escolar; as intervençõesdos pais, dos diretores; os dados da pesquisa;bem como qualquer ideia ou sugestão posta emcirculação dentro da escola.

Segundo Thurler (2001), cada estabeleci-mento escolar reage de maneira diferente àsideias inovadoras e às reformas do sistemaeducativo de acordo com suas prioridades e suadefinição de “boa escola”. Os projetos de inova-ções obrigam os professores a questionarem assuas práticas, podendo provocar desestabilizaçãoque terá consequências diferentes, conforme asideias inovadoras estejam inseridas na culturaestabelecida. De acordo com esse contexto, osprofessores estarão mais ou menos inclinados ase submeterem à autoridade.

De uma forma geral, os pesquisadoresquando estudam inovações educativas, preocu-pam-se como estas são planejadas, realizadas ese houve, realmente, um processo de mudan-ça. Toda ideia inovadora será justificada somen-te se contribuir para melhor alcançar as finali-dades estabelecidas e garantir a eficiência nosistema educativo.

Programa de inovaçãoeducativa

Concepção

Quando chegou ao Brasil, o PIE recebiao nome de Oraá Mutemet que significa “Edu-cação para Diversidade”, que é uma concepçãoeducacional que reconhece a existência da di-ferença entre os estudantes e acredita que afunção da escola é atender a essa diferença pormeio do ambiente educativo adaptado às ne-cessidades dos estudantes e aos objetivos doprograma de estudo. Essa concepção educaci-

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onal afirma que é preciso colocar o aluno nocentro do processo educativo, possibilitandoque tenha o ritmo de estudo e o desenvolvi-mento adequados a si mesmo, oferecendo-lheobjetivos pedagógicos, culturais e pessoaiscondizentes com a sua possibilidade, tendênci-as e necessidades, mediante uma participaçãoativa no processo e garantindo o seu progres-so como indivíduo e como membro do grupo.

As raízes ideológicas do PIE podem serencontradas na tradição judaica e em outrastradições antigas que tratam da posição doestudante e do professor. A ideia “Ensina ojovem de acordo com a sua natureza” faz par-te do pensamento da filosofia educacional, dapsicologia cognitiva e da psicologia humanista.

O princípio orientador da educação paraa diversidade é o de que na escola deve-sealcançar uma adequação entre o estudanteindividual, como parte do grupo, e o ambien-te pedagógico, a fim de que lhe seja possívelprogredir e desenvolver o seu potencial.

A ideia central que orientou a concepçãodesse ensino foi o reconhecimento de que afunção da escola e sua obrigação é criar umambiente escolar que ofereça a cada alunooportunidades educacionais para o sucesso e ocrescimento, tanto no âmbito acadêmico quan-to no social e pessoal.

Mudanças

Para atender aos objetivos do PIE, foramcriadas estratégias de ensino e aprendizagemdiversificadas e flexíveis que incluem a organi-zação de um ambiente pedagógico rico quefavoreça processos de ensino e aprendizagemvariados, por meio do cultivo de uma nova cul-tura escolar, pedagógica e social. Esse ambien-te pedagógico promove a flexibilidade de umprograma de estudo que contém a diferenciaçãoentre objetivos comuns para a totalidade dosestudantes e objetivos pessoais adequados acada um; o progresso dos processos de ensinoe aprendizagem pessoais e coletivos deve seajustar à possibilidade, às tendências e às pre-

ferências dos alunos; a utilização de uma largavariedade de técnicas, métodos e recursos; aflexibilização do tempo de estudo e âmbitos deaprendizagem, bem como o desenvolvimento decritérios e instrumentos de avaliação referentesao progresso pessoal do aluno e a sua colabo-ração nos diferentes processos.

As estratégias de ensino e aprendizagemdiversificadas utilizadas no PIE, também chamadasde trabalho diversificado, podem se apresentar porintermédio de atividades individuais, em grupo ouconsiderando-se toda a turma. Algumas vezes, odirecionamento às atividades é dado pelo profes-sor; outras vezes, o aluno escolhe quais atividadesquer realizar. Esses trabalhos podem acontecerdentro da própria sala de aula ou em outros espa-ços da escola, tais como: biblioteca, laboratório deinformática ou laboratório de ciências.

O trabalho diversificado permite ao pro-fessor acompanhar os alunos de acordo comseus ritmos de aprendizagem, dando-lhes umatendimento mais individualizado e sugerindooutras possibilidades tanto para aqueles queaprendem mais rapidamente, quanto para aque-les que levam mais tempo para aprender. Des-sa forma, são oferecidas possibilidades de tem-pos diferentes para a aprendizagem.

Essas mudanças exigiram outras a elasassociadas. A avaliação, por exemplo, deve serrealizada em diferentes etapas: como diagnósti-co antes do estudo; como acompanhamentodurante a aprendizagem; e como avaliaçãoabrangente após um período em que o profes-sor considera que a aprendizagem já ocorreu.Tanto o professor quanto o aluno participamdesse processo, já que esse último pode acom-panhar suas etapas de desenvolvimento medianteas fichas de observação e dos questionários deautoavaliação. Os instrumentos de avaliação sãomuito variados, tais como: atividades realizadasem sala, observação, conversas, jogos, portfólios,provas e outros.

A avaliação, assim como o planejamen-to das atividades, deve ser feita levando-se emconsideração o nível de aprendizagem e o rit-mo pessoal do aluno, os objetivos básicos do

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programa de ensino e os resultados normativosa serem alcançados. O ensino diversificado con-fere grande importância à avaliação do aluno emrelação à sua capacidade pessoal e ao seu ritmode aprendizagem. Isso possibilita o conhecimen-to do domínio alcançado pelo estudante noconteúdo estudado e a adaptação do ensino eda aprendizagem às suas necessidades.

É exigido do professor que integre seto-res do saber, do conhecimento referente ao alu-no e aos processos de estudo, meios, métodose recursos de ensino. As inovações sugeridas pelaeducação para diversidade exigem mudançasqualitativas que incluem posturas, aptidões e va-riedade de meios pedagógicos e didáticos porparte dos professores.

Algumas mudanças foram necessárias paraa implantação do PIE nas escolas judaicas do RJ,tais como: reformar as salas de aula, criando umambiente propício às atividades exigidas pelo pro-grama; formar os professores – sendo que muitosforam para Israel conhecer as escolas que adotamo programa e fazer um curso de atualização, con-tinuando a serem estimulados pela presença deconsultores que vêm ao Rio de Janeiro oferecersuporte –; e estender o horário de permanênciados alunos nas escolas, que passou a ser integral.

Para a realização de programas inovado-res, precisa-se contar com profissionais queenfrentem os desafios da inovação, com umperfil definido por quatro referenciais, represen-tados por autoconfiança, independência, espíritode pesquisa e visão cosmopolita (Moulin, 1988).

Para esse alcance, torna-se necessário quea formação de professores no âmbito geral eespecificamente para a atuação no PIE estejadirecionada ao desenvolvimento desse perfil, oque nem sempre ocorre de forma adequada, poisainda, segundo essa autora, as estratégias demudança são via de regra “manipulativas” e“controladoras”, sem que se considere as variá-veis do contexto, no qual interesses e valorespodem ser conflitantes, podendo prejudicar osobjetivos desse tipo de programa.

Por outro lado, como a “espinha dorsal”do programa é aceitar e trabalhar as diversidades

presentes em sala de aula, deve-se levar em con-sideração que os professores atuantes apresentemtambém diferenças individuais que podem terefeito positivo nas dinâmicas adotadas, desde quesejam respeitados os objetivos propostos.

A ideia central desse programa é traba-lhar os conceitos de aprendizagem ativa e deinteligências múltiplas, na concepção de Piaget,Dewey e Gardner.

Inteligências múltiplas e as

diferenças individuais

Considerando as inteligências múltiplas,a pesquisa de Howard Gardner sobre o desen-volvimento das capacidades cognitivas huma-nas gerou uma definição pragmática renovadorado conceito de inteligência, expressando-se daseguinte forma:

* A capacidade para resolver problemas en-contrados na vida real;* A capacidade para gerar novos problemas aserem resolvidos;* A capacidade para fazer algo ou oferecerum serviço que é valorizado em sua própriacultura.

A definição de Gardner (1995) da inteli-gência humana ressalta a natureza multiculturalda sua teoria. Segundo esse autor, as inteligên-cias são linguagens que, em parte, sofrem ainfluência da cultura em que a pessoa nasceu.São ferramentas para a aprendizagem, resoluçãode problemas e criatividade que todos os sereshumanos podem usar.

Da perspectiva de Gardner, a essência daTeoria das Inteligências Múltiplas para a edu-cação é respeitar as muitas diferenças entre aspessoas, as múltiplas variações em suas manei-ras de aprender e os vários modos pelos quaiselas podem ser avaliadas.

Tomando por base a concepção de inte-ligências múltiplas, é possível pensar uma edu-cação escolar diferente, na qual a visão pluralistada mente distingue muitas facetas diversas da

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cognição, reconhecendo que as pessoas têmforças cognitivas diferenciadas e estilos deaprendizagem contrastantes.

A escola que considere a teoria deGardner, como é o caso das escolas que adotamo PIE, reconhece que crianças de várias idadesou estágios têm necessidades diferentes, perce-bem as informações culturais de modo diverso eassimilam noções e conceitos a partir de diferen-tes estruturas motivacionais e cognitivas, sendoque o tipo de projeto educacional que umaescola assim se propõe deve considerar essesfatores do desenvolvimento.

Em se tratando de fornecer elementossobre como lidar com as diferenças entre osalunos, a Teoria das Inteligências Múltiplasabre as portas para uma ampla variedade deestratégias de ensino, que muitas vezes sãoinovadoras (Smole, 2000).

Segundo Armstrong (2001), essa teoriaalerta que não existe um conjunto de estratégi-as de ensino que funcione melhor sempre paratodos os alunos. Cada criança tem inclinaçõesdiferentes nos oito tipos de inteligência, demodo que qualquer estratégia específica prova-velmente será muito bem-sucedida com um gru-po de alunos e não tão bem-sucedida comoutros. O professor que cria estratégias de ensinocom base nas inteligências múltiplas faz os alu-nos interagirem de formas diferentes como, porexemplo, em pares, pequenos grupos ou gruposmaiores, e reserva um tempo para a autorreflexãoindividual. No PIE, esses aspectos são fundamen-tos para a organização do trabalho escolar.

Aprendizagem ativa gerencia o

programa

Considerando-se a outra ideia central doPIE, a escola ativa propõe a aprendizagem pormeio da atividade pessoal do aluno. Transfereo controle do processo de aprendizagem doprofessor para o estudante, cabendo a esteformular e perseguir seus próprios objetivos deaprendizado e selecionar os recursos que me-lhor se encaixem nas suas necessidades.

A aprendizagem ativa é aquela que éconstruída pelo educando a partir de suainteração com os conteúdos socioculturais,exigindo também um ensino ativo. O educador,ao trabalhar com seus educandos, deverá estaratento para propor conteúdos e atividades quelhes possibilitem aprender pela ação.

A experiência do PIE, introduzida do 1º ao5º ano do ensino fundamental, segue os princí-pios da aprendizagem ativa que redefine os ob-jetivos da educação, da transmissão dos conteú-dos, do papel do professor e da organização daaula. Nessa nova concepção, respeita-se o fato deque as crianças são distintas em seu desenvolvi-mento físico, psicomotor e cognitivo, ou seja,cada criança é dona de características específicas.

As ideias que constituem as bases dessasmodificações se orientam por teorias educativas epsicológicas amplas, como as de Piaget (1988), eteorias socioeducativas, como as de Dewey (1976).

O pensamento de Dewey consiste emsua tentativa de unir a noção de inteligência in-dividual e social (cooperativa) com o discursoda democracia e liberdade. Segundo esse autor,uma das vantagens de se conseguir essa liber-dade é que favorece as condições do proces-so de aprendizagem. Para que isso transcorra,apesar de constituírem um grupo geral, o pro-fessor deve considerar cada aluno individual-mente, pois nenhum caso é exatamente igual aooutro. A uniformidade do ensino gera umaimobilidade que acaba por desconsiderar astendências individuais.

A visão de Dewey da sala de aula como ummicrocosmo da sociedade é um sistema de instru-ção baseada em técnicas semelhantes às inteligên-cias múltiplas (Gardner, 1987). Muitos modeloseducacionais alternativos atuais são essencialmentesistemas de inteligências múltiplas, aí se inclui aaprendizagem ativa onde está pautado o PIE.

Gardner (1995) descreve como escolaideal aquela que leva em consideração quenem todas as pessoas têm os mesmos interes-ses e habilidades, ou seja, nem todos aprendemda mesma maneira. Esse modelo de escola tam-bém deve ponderar que ninguém pode apren-

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der tudo o que há para ser aprendido, poisatualmente o ideal de se aprender “tudo” nãoé mais possível. Esse autor ressalta a importân-cia da educação centrada no indivíduo, na qualo objetivo deve ser construir uma educação emtorno das potencialidades e inclinações especí-ficas de cada criança.

Considerando-se a ideia central do pro-grama e baseado nesse referencial teórico, opresente estudo destinou-se a analisar o PIE apartir de uma pesquisa de natureza qualitativana Escola Israelita Brasileira Eliezer Steinbarg —Max Nordau, da rede particular do Rio de Ja-neiro. A partir de entrevistas — realizada com20 professoras, que atuam do 1º ao 5º ano doensino fundamental, e 4 dirigentes da escola —, análise documental e observação participan-te no período de março a agosto de 2003,podem-se observar os avanços e desafios queum projeto dessa natureza apresenta e chegara algumas conclusões.

Caracterização da pesquisa

A partir do referencial teórico, o levan-tamento de dados e sua posterior análise fun-damentaram-se na metodologia qualitativa que,segundo Alves-Mazzoti e Gewandsznajder(2001), caracteriza-se pela ênfase nos sujeitos,privilegiando as percepções destes e pela ênfa-se no papel da ciência como transformadorada realidade, considerando que os valores dopesquisador estão presentes em todo o proces-so de investigação, já que análise e interpreta-ção do processo de produção e transformaçãodo conhecimento fazem parte do atual contex-to em que vivemos e pesquisamos.

Segundo Lüdke e André (1986), a pes-quisa qualitativa caracteriza-se por ter o ambi-ente natural como fonte direta de dados e opesquisador como principal instrumento para acoleta destes. Outra característica citada pelosautores é o fato de tal pesquisa preocupar-secom o processo, mais do que com o produto,garantindo a confirmação ou não das hipóte-ses iniciais do estudo.

O contexto e os sujeitos da

pesquisa

A escola onde foi realizada a pesquisa ca-racteriza-se por atender à comunidade judaica,tendo em seu currículo disciplinas relacionadasa essa cultura — além das do currículo nacional—, tais como: Hebraico, Tanach, Conhecendo Is-rael, entre outras.

Do 1º ao 5º ano, a escola funciona em tur-no integral, das 7:45 às 15:00h, necessidade sen-tida pela direção após a implantação do programa.Antes do PIE, funcionavam em único turno. Essamudança ocorreu para que se garantisse um tem-po mais extenso e contínuo às disciplinas do núcleocomum e ao ensino judaico, no sentido de tornaro processo de aprendizagem mais prazeroso, leve,menos corrido e de favorecer a prática do trabalhodiversificado proposto pelo PIE.

Para a análise desse programa, foram utili-zadas três técnicas de coleta de dados: a análisedocumental, entrevistas e observação participante.

Análise documental

A análise dos documentos teve comoobjetivo complementar as outras técnicas decoleta de dados que serão esclarecidas adian-te. Os documentos podem ser consideradosuma fonte rica e estável para a pesquisa, nosquais podem ser colhidas evidências que fun-damentem as observações do pesquisador.

No presente trabalho, foi feita uma pes-quisa bibliográfica sobre a origem do PIE emIsrael, em documentos que se encontram noÓrgão de Educação Judaica do Rio de Janeiro(Vaad-Hachinuch) e um levantamento bibliográ-fico a partir do referencial teórico.

Observação

A observação precisa ser controlada e sis-temática para que seja um instrumento válido efidedigno durante a pesquisa. Possibilita umcontato pessoal e estreito do pesquisador como fenômeno pesquisado (Lüdke; André, 1986).

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Denzin (1978) descreve a observaçãoparticipante como uma estratégia de campoque combina simultaneamente a análise docu-mental, a entrevista aos atores envolvidos, aparticipação e a observação direta. Na observa-ção participante, o pesquisador interage direta-mente com os sujeitos, tornando-se parte domeio em que o estudo está sendo realizado,participando do cotidiano dos atores evolvidose tendo maior compreensão das situações vivi-das pelos sujeitos envolvidos na pesquisa.

Para a análise do PIE, foram realizadasobservações das aulas, tendo como alvo aspráticas de trabalho do professor e a autono-mia dos alunos para cumprir as tarefas. Esseinstrumento permite identificar comportamen-tos não intencionais ou inconscientes e explo-rar tópicos que os professores não se sentemà vontade para discutir. Também, por meio dasobservações, pode-se registrar o comporta-mento dos professores e alunos em seu con-texto temporal-espacial.

A princípio, tínhamos a intenção de re-alizar observações livres, porém percebemosque durante a nossa presença em sala de aulaas professoras conversavam conosco com o ob-jetivo de esclarecer o trabalho que estavam de-senvolvendo e, ao final da aula, nós também asprocurávamos para uma conversa informal.Com isso, passamos a realizar uma observaçãoparticipante, visando descrever e compreendercomportamentos não predeterminados queocorriam no dia a dia. As observações foramrealizadas em turmas do 1º ao 5º ano do en-sino fundamental no período de março aagosto de 2003.

Antes de começarmos essas observações,todos os objetivos do estudo foram reveladosaos professores envolvidos na pesquisa, inclu-sive os horários em que estaríamos em sala deaula. Em média, foram realizadas quatro obser-vações por turma.

Em cada uma das turmas, do 1º ao 4ºano, a observação aconteceu nos tempos denúcleo comum (no qual são abordados assun-tos ligados a matemática, português, ciências

e estudos sociais) que são ministrados pelamesma professora.

A partir do 5º ano, as disciplinas citadassão conduzidas por professores específicos paracada uma delas, o que tornou mais longo o tra-balho de observação nessa série.

Entrevistas

As entrevistas realizadas tiveram o obje-tivo de complementar e possibilitar um novoenfoque sobre as impressões registradas duran-te a observação participante, além de propor-cionar a interação, permitindo a captação ime-diata e corrente da informação desejada(Lüdke; André, 1986).

Para a validação dos roteiros de entrevis-ta, foi aplicado um pré-teste em outra escolajudaica onde o PIE também é adotado, a fimde se avaliar as questões e corrigir as modifi-cações que se mostraram necessárias.

Já com os roteiros revistos, foram rea-lizadas as entrevistas semiestruturadas nasquais o entrevistado respondeu a perguntasespecíficas, levando-se em consideração osseus termos próprios. Como o foco da pesquisaé fazer uma análise do PIE, foram feitas entre-vistas com 20 professoras, 3 coordenadoras euma diretora que participam do programa afim de avaliar como a escola medeia este.

Para interpretação desses dados, foramcriadas categorias de análise (categorização)baseada em Laurence Bardin (1977). A cate-gorização é uma operação de classificação deelementos constitutivos de um conjunto, por di-ferenciação e por reagrupamento segundo ogênero, com os critérios previamente definidos.As categorias são classes as quais reúne um gru-po de elementos sob um título genérico, agru-pamento esse efetuado em razão dos caracterescomuns desses elementos. A categorizaçãocomportou duas etapas:

• O inventário: isolar os elementos;• A classificação: repartir os elementos e pro-curar certa organização para as mensagens.

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Análise geral dos dados e o paradigma

indiciário

Nossa intenção, ao analisarmos todos osinstrumentos de pesquisa, era a de procurar in-dícios de aproximação para as respostas denossas perguntas, bem como de confirmaçãoou refutação às nossas hipóteses.

Utilizamos aqui o termo indícios uma vez queconsideramos que em uma pesquisa de mestradonossos dados e reflexões não são suficientes paraapontar respostas definitivas para questões tão com-plexas quanto essas que decidimos investigar.

Nossa interpretação relacionada à leitura deindícios ocorreu a partir dos trabalhos do histori-ador Carlo Ginzburg (1991), que pressupõe paraum avaliador, independentemente de sua área deatuação, a capacidade de não se ater apenas àscaracterísticas mais marcantes de um fenômeno ouobjeto a ser observado, mas no exame de porme-nores, de dados que seriam marginais, menos ex-pressivos para compreendê-lo. Pressupõe um reco-nhecimento de minúcias, a percepção de umarealidade imperceptível imediatamente, a busca porpistas, que permitam captar informações mais pro-fundas, fazer sua interpretação e diagnóstico.

Para o autor, esse deve ser um paradigma“conjectural” que se relaciona a um métodointerpretativo, no qual detalhes aparentementeirrelevantes, sem nenhuma importância, são formasde acesso a certa realidade. Esses detalhes podemfornecer o caminho para redes de significados maisprofundos, inacessíveis de outro modo.

Ginzburg (1991) afirma que uma atitudede leitura de indícios por parte de um investiga-dor exige uma atitude orientada para a análise desintomas, de pistas, de indícios que permitam re-construir a história daquilo que observamos epermitir a análise de casos mais individuais. Parao autor, apenas mediante observação e registroatentos é possível elaborar histórias precisas.

Conclusão

A análise do Programa de InovaçãoEducativa, considerando-se o quadro teórico e

os dados obtidos na pesquisa de campo, per-mitiu que as questões dessa pesquisa fossemrespondidas, identificando alguns fatores rele-vantes em relação ao método proposto.

Em relação ao primeiro objetivo, ressalta-se que esse programa mostrou que tem comocaracterísticas principais uma inovação no mo-delo de aprendizagem, centrado no aluno, coma utilização de estratégias diversificadas, queconsideram as diferenças individuais e incenti-vam a participação discente, inclusive na propos-ta de temas extracurriculares, mas de interessepara a ampla formação e desenvolvimento deles,por meio da socialização das informações.

Segundo os autores estudados, as rela-ções que emergem da sala de aula transformamos sujeitos partícipes do processo, gerandobenefícios coletivos, que fazem da educaçãoum dos principais pilares das mudanças sociaisde longo alcance.

Os chamados “modelos alternativos deeducação”, que se utilizam de métodos e téc-nicas inovadoras, ao longo de sua evolução,têm encontrado algumas resistências estruturaise conjunturais, muitas vezes sem que seja ofe-recida a necessária sustentação pedagógica noque se refere aos elementos colocados paraessa argumentação contrária. Entende-se quesomente por meio do apoio a pesquisas siste-máticas sobre o assunto e com as necessáriasadaptações dos métodos propostos poderão serfirmadas novas concepções, favoráveis ou nãoa esses métodos.

Em relação ao segundo objetivo, ou seja,a identificação das dificuldades dos professo-res e da escola na aplicação do programa, iden-tificou-se que a escola necessita estar preparadapara esse tipo de trabalho, oferecendo algumascondições básicas, tais como uma grade quepermita tempos de aula seguidos, material ade-quado às dinâmicas desenvolvidas e formaçãoespecífica de profissionais para que o métodoseja aplicado dentro dos objetivos propostos.Nesse sentido, em relação às dificuldades dosprofessores e da escola, em relação à implan-tação do PIE, pode-se observar que há neces-

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sidade de revisão da estrutura de horários, poiso método vem geralmente sendo aplicado so-mente uma vez por semana em decorrência daimpossibilidade de tempos de aula contínuos.

Outra questão que dificulta esse tipo detrabalho é o fato de os professores terem quecumprir um extenso programa curricular, preju-dicando o aprofundamento de alguns temaspropostos, principalmente aqueles que são ino-vadores em relação à grade inicial apresentada,havendo no 1º ano maior possibilidade paraesse desenvolvimento, pois o currículo é menosextenso que nas demais séries. As disciplinasLíngua Portuguesa e Matemática, por teremcarga horária mais extensa, permitem maioradaptação ao programa.

A escola ainda está em processo de adap-tação a esse programa inovador e, para isso, temnecessidade de maior investimento em tecnologia,formação de novos docentes e aperfeiçoamentodos que já participam do programa, num processode educação continuada, destinado ao aperfeiço-amento dos métodos utilizados, para a superaçãodas dificuldades encontradas e para a análisesistêmica dos dados obtidos.

Respondendo ao terceiro objetivo, voltadopara as contribuições do programa para a escola,percebeu-se que as professoras que estão par-ticipando do programa desde a sua implantaçãojá incorporaram o que chamam de “mutêmico”,termo esse oriundo de Oraá Mutemet, nome doprograma em hebraico. A partir dessa assimila-ção, a avaliação docente sobre o programa e suacomparação com os demais métodos de apren-dizagem enriquecem o processo e possivelmen-te, ao longo do tempo, podem permitir a efeti-va implantação com os necessários ajustes. Aatuação docente, a partir do saber e das repre-sentações dos alunos, exercendo a função deorientador, traz novas concepções apoiadas nomodelo proposto nesse programa.

Como fator relevante, observou-se queas atividades diversificadas, além de possibilita-rem o desenvolvimento da autonomia, facilitamo atendimento às crianças com maior grau dedificuldade de aprendizagem, desenvolvendo a

solidariedade e a cooperação entre elas, promo-vendo a integração e a formação de equipes detrabalho, fortalecendo assim os níveis de soci-alização e de afetividade, que dão todo o sen-tido aos temas trabalhados e aos projetos aserem desenvolvidos.

Outro passo que a escola vem adotandoé a adaptação do sistema de avaliação ao pro-grama, implantando modelos mais elásticos emaleáveis com a utilização de outros instru-mentos além da prova formal. Entre outros, sãoconsiderados os níveis de participação e deinteresse, porém esses critérios qualitativos sãoconvertidos em nota.

Pelas entrevistas realizadas com as coor-denadoras do programa e dados obtidos, per-cebe-se que esse assunto vem sendo trabalha-do e discutido, envolvendo os professores como objetivo de que sejam definidos critérios paraessa conversão.

Evidenciou-se que o trabalho das pro-fessoras fora da escola é tão grande ou maiordo que o ali desenvolvido, pois exige um pre-paro específico, mas, mesmo assim, as entrevis-tas revelaram que esse trabalho tornou-semuito mais prazeroso.

As salas de aula onde o programa é desen-volvido são bem diferentes das demais: os muraissão criativos, há livros e jogos ao alcance dosalunos, com exposição de trabalhos já concluí-dos; há todo um sentido de participação e dehumanização. A programação do dia é colocadano quadro, mesmo quando não há previsão detrabalho diversificado. Os alunos movimentam-sedurante as aulas para o desenvolvimento dos tra-balhos de equipe, interagindo com os demaisgrupos, podendo buscar informações ou materi-ais em ambientes da escola, externos à sala deaula como, por exemplo, a biblioteca.

Existe um estímulo para a autonomia dosalunos que é regulada pelo professor de formaaberta e participativa. Percebe-se que o programatornou-se um desafio para a escola e seus pro-fessores, na busca de um modelo pedagógicovoltado para a formação de indivíduos maispreparados para interagir na sociedade. Entretan-

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to, cabe ressaltar que essa pesquisa não esgotao assunto, tornando-se necessário um acompa-nhamento e um aprofundamento da proposta aolongo de um período de sua aplicação para quepossam ser consolidados ou mesmo aperfeiçoa-dos alguns dos aspectos aqui identificados.

Foram muitas as aprendizagens propici-adas com a análise do programa: entre elas, a

importância da variedade de estratégias didáti-cas utilizadas para levar o aluno a aprender; areação da equipe pedagógica e dos alunos aum programa de inovação; como uma inovaçãopode modificar o dia a dia de uma escola; e aestrutura necessária para propor, desenvolver ever os resultados de um programa como esseque analisamos.

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Recebido em 06.04.09

Aprovado em 15.10.09

Letícia Portieri Monteiro, mestre em educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é mediadora pedagógica docurso de especialização em Tecnologias em Educação/PUC-Rio e supervisora de formação do Programa “Cientistas doAmanhã”/Sangari Brasil. E-mail: [email protected].

Kátia Stocco Smole, doutora em educação pela USP, é coordenadora do Mathema, professora orientadora convidada pelaUFRJ no programa de mestrado em educação e coordenadora do curso de pós-graduação lato-sensu Fundamentos doEnsino da Matemática na UNIFRAN.

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