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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUPERINTÊNDENCIA DA EDUCAÇÃO PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE MATERIAL DIDÁTICO DIÁLOGO DOCENTE Um diálogo sobre a Estética da Recepção. Muitas teorias literárias já foram escritas, publicadas e lidas em toda a história dessa ciência. Muitas, inclusive sobre o trabalho com a Literatura na escola, porém, efetivamente, pouco resultado significativo pode ser notado na prática dessa modalidade de leitura, não somente na escola, como na vida dos cidadãos formados nas escolas, sejam elas públicas ou de iniciativa privada. Tais informações são facilmente obtidas em pesquisas científicas que demonstram os hábitos e gostos do povo brasileiro. No entanto, a leitura, na história da humanidade, foi conceituada de várias formas, proibida, perigosa e hoje é considerada uma prática importante. Em certas épocas, era restrita a apenas algumas pessoas, primeiro somente aos homens (quem sabia ler), depois às mulheres, com a ascensão da burguesia, passaram a ler. Nas civilizações escravocratas, a prática da leitura representava um perigo, principalmente a leitura da Bíblia, como afirma Albert Manguel em seu livro Uma história da leitura. Dessa forma, não é surpresa constatar-se hoje que a leitura ainda é considerada como uma prática destinada a poucos. Apenas aos que trabalham com a palavra como professores, advogados, os que lêem por motivos específicos, como os religiosos, etc. E, sobretudo, a leitura da Literatura, essa então está apenas destinada 1

Um diálogo sobre a Estética da Recepção. · livro intitulado A história da Literatura como provocação à teoria literária. Nessa obra, o autor discute a Teoria da Recepção,

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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

SUPERINTÊNDENCIA DA EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE

MATERIAL DIDÁTICO

DIÁLOGO DOCENTE

Um diálogo sobre a Estética da

Recepção.

Muitas teorias literárias já foram escritas, publicadas e lidas

em toda a história dessa ciência. Muitas, inclusive sobre o trabalho

com a Literatura na escola, porém, efetivamente, pouco resultado

significativo pode ser notado na prática dessa modalidade de leitura,

não somente na escola, como na vida dos cidadãos formados nas

escolas, sejam elas públicas ou de iniciativa privada. Tais

informações são facilmente obtidas em pesquisas científicas que

demonstram os hábitos e gostos do povo brasileiro.

No entanto, a leitura, na história da humanidade, foi

conceituada de várias formas, proibida, perigosa e hoje é

considerada uma prática importante. Em certas épocas, era restrita

a apenas algumas pessoas, primeiro somente aos homens (quem

sabia ler), depois às mulheres, com a ascensão da burguesia,

passaram a ler. Nas civilizações escravocratas, a prática da leitura

representava um perigo, principalmente a leitura da Bíblia, como

afirma Albert Manguel em seu livro Uma história da leitura.

Dessa forma, não é surpresa constatar-se hoje que a leitura

ainda é considerada como uma prática destinada a poucos. Apenas

aos que trabalham com a palavra como professores, advogados, os

que lêem por motivos específicos, como os religiosos, etc. E,

sobretudo, a leitura da Literatura, essa então está apenas destinada

1

aos professores de Língua Portuguesa e seus alunos, enquanto

estudam essa disciplina na escola.

Mas, se é principalmente, na escola que se tem

o contato com a Literatura, por que esse encontro

não perdura pela vida do indivíduo além de sua

passagem pela escola? Essa é uma questão a ser

considerada, visto que, muito do que é trabalhado nas escolas o

acompanha pelo resto de sua vida.

Relembrando o percurso da leitura no decorrer da história da

humanidade, constata-se efetivamente que essa não foi uma prática

amplamente difundida e apoiada. Ao se considerar a atuação

docente, deve-se levar em consideração a deficiência na formação da

maioria desses profissionais, e, talvez, outro fator responsável por

esse quadro, seja a falta de contato de constante atualização do

conhecimento dos professores por meio da leitura de teorias que

versam sobre Literatura. Este fator pode ser considerado o mais

importante, porque mesmo com um bom curso de graduação, o

aperfeiçoamento precisa ser contínuo.

Mas o que é importante ler?

Na verdade, são muitas leituras a serem realizadas, diante

disso, faz-se necessário estabelecer um caminho a ser seguido,

considerando que não existem verdades absolutas, mas, apenas

direcionamentos que poderão auxiliar o professor no exercício de sua

profissão.

Por exemplo, conhecer a história da leitura e da literatura

poderá ajudar de maneira significativa o professor a entender a

situação na qual nos encontramos hoje, em relação à leitura e

interpretação dos alunos brasileiros.

Nesse diálogo, discutir-se-á uma das teorias que apresenta

vários pontos importantes para reflexão sobre a Literatura e o

trabalho desenvolvido com ela nas escolas.

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Pode-se iniciar pela Estética da Recepção?

Bem, estudando a Estética da Recepção e seus pressupostos é

possível entender uma boa parte da historia da literatura. Essa

corrente teórica já há muito tempo vem sendo discutida no Brasil,

porém essas discussões são pouco difundidas no meio docente,

ficando restritas, principalmente, no meio acadêmico. Esse

direcionamento teórico apresenta idéias importantes a serem

consideradas sobre o assunto.

Os pressupostos para o nascimento da Estética da Recepção

foram lançados por Hans Robert Jauss em 13 de abril de 1967 em

comemoração ao sexagésimo aniversário de Gerard Hess, reitor da

universidade de Constança. “A história da Literatura vem, em nossa

época, se fazendo cada vez mais mal-afamada – e, aliás, não de forma

imerecida.” Estas foram exatamente as palavras de Jauss ao se

referir ao ensino da Literatura em seu país. Discursou nessa ocasião

sobre vários pontos nos quais, segundo sua opinião, o ensino da

Literatura deveria se pautar para que se tornasse efetivamente parte

da formação de um indivíduo.

Fruto desse discurso e várias discussões, Jauss publicou um

livro intitulado A história da Literatura como provocação à teoria

literária. Nessa obra, o autor discute a Teoria da Recepção, que foi

amparada na síntese das contribuições e das críticas a três

diferentes modos de interpretar literatura.

Da década de 20, Jauss analisou a Sociologia da Literatura e o

Estruturalismo Tcheco e, contemporâneo aos seus estudos, o

Readers Response Cristicism. Servindo-se destas leituras, o

estudioso enfocou principalmente a questão do aspecto histórico do

texto literário, procurando determinar a natureza histórica de uma

obra ao considerar tanto o contexto do momento da produção como o

da leitura e como se dá o processo de recepção da mesma, levando

em consideração que cada leitor é único. Seu método de análise

literária firmou-se em sete idéias principais, que consideradas

3

durante o trabalho com um texto literário vão resultar na ampliação

dos horizontes de expectativas do leitor.

Sete idéias?

Fundamentado pelas contribuições e pelas críticas, Jauss

sedimentou sua teoria em sete postulados.

Primeiramente, discute sobre a historicidade da literatura e

chega à conclusão de que esta não se estabelece numa seqüência de

fatos “literários”, mas na interação entre leitor e obra. Essa

seqüência de fatos literários refere-se à literatura comparti-

mentalizada, às “classes literárias”. Esse tipo de trabalho com a

literatura não propicia a interação do leitor com o texto. Para Jauss,

O leitor deve atuar como um co-produtor da obra escrita por um

autor e isso se dá no momento em que o seu contexto histórico o

torna um observador singular da obra em questão, “a historicidade

coincide com a atualização, e esta aponta para o indivíduo capaz de

efetivá-la: o leitor” (ZILBERMAN, 1989, p.33). O estudo das

classes literárias não faz com que o aluno

desenvolva gosto ou aprecie a literatura? Ao se

trabalhar literatura com todos os roteiros preestabelecidos, sem a

contribuição do leitor, dificilmente se formará pessoas que possam

apreciar a leitura, tampouco da literatura. De acordo com essa

teoria, a verdadeira história de uma obra é constituída no momento

de sua leitura, e o leitor é a peça chave para que isso aconteça, a

leitura efetivamente não irá se concretizar se o leitor for um mero

expectador.

O segundo postulado implica em que cada leitor, ao preencher

de forma singular a leitura de um mesmo texto, pode caracterizar

uma interpretação extremamente intimista da obra, por ser ele, o

leitor, um ser único. Entretanto Jauss refuta toda crítica a sua teoria

no que tange a uma possível abertura ao subjetivismo e psiquismo

puros do leitor no momento da recepção. Explica que uma obra

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apresenta “avisos, sinais visíveis e invisíveis, traços familiares ou

indicações implícitas, predispõe seu público para recebê-la de uma

maneira bem definida” (JAUSS, 1994, p. 28). O que são essas

pistas? Por exemplo, se for um romance policial, o texto trará

sinais, marcas que apontarão ao leitor um possível caminho para sua

recepção. Da mesma forma se for um poema, o leitor terá pistas que

o levarão a concretizar sua recepção, ainda que seja um poema

diferente do que ele conhece, ele saberá que é um poema. Trata-se

do processo de antecipação das expectativas do leitor pelo texto.

Neste ponto, esse pressuposto teórico se aproxima muito da

teoria de Wolfgang Iser (outro autor que trata do leitor como co-

produtor da obra), no momento em que afirma que as estruturas

lingüísticas do texto suscitam um leitor.

Zilberman, discutindo Jauss, afirma que “cada leitor pode

reagir individualmente a um texto, mas a recepção é um fato social –

uma medida comum localizada entre essas reações particulares”

(1989, p. 34). Portanto, o fator histórico, para Jauss, é decisivo; ele

entende que o homem, imerso em seu momento, em sua

historicidade, tende a apresentar uma leitura que se aproxima de

outros homens da sua mesma época.

Um exemplo...

Ao ler A mulher que escreveu a Bíblia de Moacir Scliar, é

possível que todas as mulheres, hoje, tenham uma recepção parecida

em relação a um dos assuntos tratado no texto, beleza / feiúra, visto

que a ditadura da perfeição estética (física) é algo presente na

sociedade atual. Mas, cada uma fará uma leitura do texto de acordo

com sua história de vida, de acordo com os fatores socioculturais que

determinam sua existência.

O terceiro postulado trata do valor estético de uma obra.

Segundo o teórico, este vem da possibilidade de a obra provocar, no

leitor, uma percepção estética, principalmente, se essa percepção

rompe com o usual. O caráter artístico da obra é atribuído à

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distância entre ela e o horizonte de expectativa do leitor. Dessa

forma, maior será o valor artístico de uma obra, quanto menos esta

se aproximar das expectativas do leitor em relação a ela. Ao

entender que a obra deve contrariar a percepção usual do leitor, a

Estética da Recepção se aproxima dos formalistas e estruturalistas

pelo fato de que estes abordam o “estranhamento” que a literatura

deve ocasionar no leitor.

Como? Quanto mais a obra for “diferente” do que o leitor já

conhece, maior é o seu valor artístico, se ele é um leitor somente de

um gênero, não amplia seus horizontes como leitor, não expande

seus conhecimentos. Ficar restrito somente ao familiar, não faz o

leitor “crescer”, se ficar lendo somente romances como Júlia ou

Sabrina não conseguirá mergulhar nas estruturas de um texto

machadiano, por exemplo. Considerando que Júlia e Sabrina podem

fazer parte de um caminho para se chegar a Machado de Assis e que

não é o final do trajeto, mas apenas simulando uma situação para

que se entenda o processo do crescimento do leitor ou ampliação do

seu horizonte de expectativa. Dessa forma, segundo Jauss, a obra

deve causar o “estranhamento”, deve perturbar as estruturas já

sedimentadas pelo leitor, para que ele possa justamente reorganizá-

las. Se está acostumado aos romances de intriga mínima, estranhará

as incursões intimistas que Machado ou Clarisse Lispector oferecem

em seus textos, por exemplo.

No quarto postulado, Jauss propõe, ainda, uma atitude

hermenêutica em relação à obra. Afirma ser necessária a

reconstrução do horizonte de expectativa sob o qual uma obra foi

criada e recebida no passado, para que ela não fique sujeita a

nenhuma forma de compreensão clássica ou modernizante. A

compreensão de uma obra funde presente e

passado? Se é importante entender a recepção da obra no

momento em que é lida pelo leitor atual, da mesma forma é

importante resgatar fatos que apontem para a forma como se deu

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essa mesma recepção no momento histórico do surgimento dessa

mesma obra. Na fusão entre a leitura reconstruída e a leitura atual

de uma obra, segundo Jauss, acontece o processo da compreensão,

que ilustra como esta pode variar no tempo.

Uma mesma obra pode ser recepcionada de formas distintas

em relação à época em for lida, e por um mesmo leitor! Como? A

mulher de trinta anos de Honoré de Balzac, lida para um trabalho

escolar na adolescência não tem o mesmo significado que a mesma

obra lida pela mesma mulher já na idade balzaquiana. Para a

adolescente que realiza o “trabalho” escolar, o mínimo que poderia

lhe ser oferecido é a oportunidade de expressar sua verdadeira

opinião, a sua recepção no momento da leitura da obra e depois

conhecer a repercussão da mesma no seu contexto de criação.

Os três últimos postulados de Jauss, segundo Zilberman (1989),

são mais bem especificados como programas de ação. Na quinta

tese, Jauss enfatiza a recepção de uma obra sob o aspecto

diacrônico, “relativo à recepção das obras literárias ao longo do

tempo” (ZILBERMAN, 1989, p.37).

Partindo dessa premissa, uma obra deve ser vista não somente

no momento histórico de sua leitura, mas faz-se pertinente uma

revisão de leituras anteriores em relação à atual. Isso mostra que

uma obra não perde seu valor de ação após transpor o período em

que surgiu. Jauss, com essa tese, suscita um repensar da teoria

literária, ao propor à história da literatura a desvinculação do

“alinhamento unidirecional e unidimensional dos fatos artísticos”

(ZILBERMAN, 1989, p. 38). A Estética da Recepção sugere um

movimento entre diacronia e sincronia no processo de compreensão

total da obra.

Diacronia? Compreender como as obras de Lima Barreto

foram recepcionadas no decorrer da história da literatura brasileira

dá uma noção do que Jauss está discutindo.

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Lima Barreto

Considerar a obra no seu momento de criação e nos momentos

subseqüentes mostra como uma obra que tem valor artístico perdura

pelo tempo e sempre se atualiza. O caso de Lima Barreto é um

exemplo de obra que tem seu valor artístico, mas que por motivos

políticos não foi bem aceita em sua época. No entanto,

posteriormente lida e resignificada por leitores de várias gerações

até à atualidade.

Sincronia? Depois de discutir a diacronia, a tese seguinte

se refere à articulação entre obras constituintes de um determinado

momento histórico. Essa articulação é explicitada na descoberta dos

pontos de intersecção entre as obras e na comparação dos mesmos,

com a finalidade de definir quais obras possuem caráter articulador

que venha a provocar ruptura e evolução literária. A sincronia é um

fator preponderante para a compreensão de um aspecto específico

da historiografia da literatura proposta por Jauss. As obras que se

apresentam simultâneas a um mesmo período histórico, quando

analisadas pelo processo da comparação, determinam o movimento

da “evolução literária”, que canoniza um gênero em relação a outros

contemporâneos.

Jauss entende que a análise de várias obras de um mesmo

momento histórico permite determinar as tendências literárias

características desse período histórico, e a essas tendências atribui

um caráter de ruptura que desencadeia um processo de evolução

literária.

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considerado como autor “menor”,

obviamente por questões sociais e não

estéticas, posteriormente, o mesmo autor foi

considerado um dos mais importantes da

literatura brasileira. Por esse fato, a maioria de

suas obras foi publicada postumamente. Da

mesa forma, obras que foram consideradas

como “best seller” de sua época, podem não

representar uma boa leitura para outras

Nesse momento é possível recordar as “classes literárias” que

são justamente caracterizadas por uma forma de estudo

exclusivamente sincrônico da literatura, ou seja, o romantismo e suas

características específicas, e da mesma forma, o realismo,

modernismo, etc. Então qual é o erro em se estudar a

literatura dessa forma? O equivoco reside justamente em

somente ver a literatura por esse prisma. A literatura fica restrita a

épocas e classes literárias, o estético, a interação entre texto e leitor,

o prazer não existe, logo o gosto por essa modalidade de leitura não

se desenvolve, porque literatura fica associada a trabalho escolar,

quem é a personagem principal? É redonda ou plana? Quais

características do romantismo estão presentes nessa obra? Em qual

capítulo o autor/narrador apresenta características... perde-se a

oportunidade de identificar-se com a obra, e perceber que essa,

embora distante no tempo, tem o poder de mexer com as estruturas

do leitor de qualquer momento histórico, perde-se também a

oportunidade de perceber e refletir sobre a forma de pensamento da

humanidade na época em que foi escrita a obra.

São observações preciosas que conduzem o leitor a identificar-

se com o mundo em que vive e consigo mesmo, ampliando seus

horizontes não somente na esfera da estética literária, mas seus

horizontes de ser humano dentro de uma determinada civilização, a

Estética da Recepção nomeia esse movimento como a força

humanizadora da literatura.

O último postulado procura estabelecer a relação da literatura

com a sociedade. Este ponto se refere à história particular dos

leitores e à função social que é dada à literatura, Jauss afirma que a

“função social somente se manifesta na plenitude de suas

possibilidades quando a experiência literária do leitor adentra o

horizonte de expectativa de sua vida prática, pré-formando seu

entendimento do mundo, e, assim retroagindo sobre seu

comportamento social” (JAUSS, 1994, p.50).

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Nessa concepção, a função humanizadora manifesta-se no

momento em que a obra consegue confrontar o leitor com uma

situação inédita, ainda não contemplada dentro de um horizonte de

expectativa predeterminado. Segundo o autor, uma obra contribui

para o crescimento do leitor, no momento em que promove sua

emancipação dos laços naturais, religiosos e sociais.

Dessa forma, o horizonte de expectativas do leitor, apesar de

referi-se principalmente ao aspecto formal e estético da obra, foge

dessa percepção no momento em que faz o leitor crescer não

somente como leitor, mas como ser humano. A leitura o conduz a

percepção de outras formas de ver o mundo, parecidas ou distintas

da sua, mas que o leva a refletir sobre sua própria realidade e a do

mundo que o cerca.

Quem é o leitor na Estética da Recepção?

Com base nas idéias aqui discutidas, o leitor é considerado a

partir de sua existência histórica. Durante a leitura, ele “concretiza”

a obra literária, atribui-lhe significados que partem da experiência

individual e das influências cultural, social e histórica do momento

em que é recebida. Por essa razão, uma mesma obra não pode

estabelecer o mesmo diálogo com o leitor do contexto de sua

publicação e um leitor atual. Nos pressupostos teóricos de Jauss, o

principal elemento é o leitor, sobrepondo-se ao autor e à produção,

que já tiveram seu auge em teorias literárias anteriores, por isso é

importante conhecer a história da literatura. Ao considerar o leitor, a

estética da Recepção baseia-se em duas categorias, o “horizonte de

expectativas e a emancipação”.

Horizonte de expectativa... refere-se a toda

experiência social adquirida pelo leitor dentro de um determinado

código vigente no qual se inscreve a percepção estética. A recepção

de um texto pressupõe sempre o contexto de experiência anterior.

Sempre que um leitor procura ou lhe é oferecida uma nova leitura

ele está estruturado com experiências de leituras anteriores, esse é

seu mundo de referência, esse é seu horizonte de expectativas.

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Quando seus conhecimentos não são suficientes para entender um

novo texto literário, então seu horizonte foi rompido, e é necessário

reestruturar seus conceitos para vencer o obstáculo que se

apresenta, ou fecha o livro e desiste.

Se não desiste e consegue interagir com o novo texto, então se

dá o processo da emancipação, “finalidade e efeito alcançado pela

arte, que libera seu destinatário das percepções usuais e confere-lhe

nova visão da realidade” (ZILBERMAN, 1989, p. 50). Esse deve ser o

papel da escola no trabalho com a literatura, ajudar o aluno / leitor a

vencer seus obstáculos, a não desistir, e dessa forma, poder usufruir

da literatura e crescer como leitor.

Este, na concepção de Jauss, é elemento atuante no texto de acordo

com sua existência histórica.

mas, que ao longo do seu percurso como leitor, acaba por tornar-se

um ser atemporal que pode deslocar-se por leituras de outros

momentos históricos porque seus horizontes estão sempre sendo

ampliados a cada vez que não fecha o livro e desiste.

No entanto, segundo Jauss, há um pressuposto para que o

leitor alcance o prazer estético de um texto literário, o

conhecimento. Para o autor, não é possível que haja prazer sem

conhecimento. Ou seja, sem vivenciar esteticamente o objeto

literário não se pode apreender o significado de uma criação

artística. Dessa forma, a fruição precisa ser antecedida por um

componente intelectual.

Nesse ponto a escola tem papel insubstituível, auxiliar o aluno

a obter os conhecimentos estético-literários necessários que

oportunize o reconhecimento de si e do mundo que o cerca por meio

da leitura de textos literários variados. O professor, por meio do

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Então emancipar de

acordo com Jauss... é

justamente crescer como leitor,

que parte das concepções

características do seu momento

trabalho com os textos, pode realizar um trajeto anacrônico pela

literatura de todos os tempos, impulsionar o processo de

humanização possível por meio da leitura da literatura que propõe

Jauss, como também outros mestres como o sociólogo Antonio

Candido. A escola tem essa oportunidade e, em muitos casos, não

sabe o que está fazendo com a literatura. Mas, voltando ao ponto de

partida, muitas vezes isso acontece porque os docentes não tiveram

uma formação suficiente, então é necessário ler e aperfeiçoar-se

sempre. Dialogar.

Dialogar? Sempre, com diversas correntes teóricas do

passado, do presente, com diversos autores, com outros

profissionais, até encontrar sua própria opinião e certificar-se de que

o caminho que está percorrendo com seus alunos garante a ambos

uma vivência real com a literatura, experiências edificantes,

crescimento como leitor e indivíduo. E da mesma forma que a

literatura, as demais ciências que são trabalhadas na escola.

Ana Maria Machado afirma que “quem não lê entrega os

pontos e abre mão do poder, (...) no caso de professor, a coisa fica

mais séria ainda. Se o seu ofício é transmitir aos alunos a sabedoria

acumulada pela humanidade no decorrer de sua história, como é que

ele vai fazer isso se não ler? Simplesmente não vai.” (2001, p.

135/136).

Da mesma forma que a Estética da recepção propõe para a

literatura o romper dos horizontes, cada vez que o professor lê uma

nova teoria, aciona seus conhecimentos, confronta com as novas

idéias e, no conflito, pode reorganizar-se e, por conseqüência,

reorganizar sua prática docente.

O que não pode é parar de dialogar, e esse é apenas um

diálogo, entre muitos possíveis.

Há uma possibilidade de aplicação da teoria da Estética da

Recepção em sala de aula. As autoras Vera Teixeira de Aguiar e

Maria da Glória Bordini, no livro Literatura: A formação do leitor:

Alternativas metodológicas expõem o Método Recepcional, no qual

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consideram os postulados da teoria e Jauss em torno do horizonte de

expectativa do leitor.

Como trabalhar a literatura e o Método Recepcional na sala aula?

De acordo com Ana Maria Machado a escolarização da

literatura é um processo necessário, portanto deve-se levar em conta

a busca de uma adequada seleção de textos. O ideal é sempre buscar

junto aos alunos suas preferências literárias para determinar,

primeiramente, seu HORIZONTE DE EXPECTATIVAS.

Determinado o HORIZONTE DE EXPECTATIVAS dos alunos, o

segundo passo é atender esse horizonte. Apresentar à turma um

texto que esteja dentro dos seus limites de compreensão e trabalhar

práticas discursivas, já conhecidas pelos alunos, que explorem os

sentidos dos textos. Dessa forma os alunos se sentirão seguros.

Em seguida, as certezas dos alunos deverão ser abaladas, é o

momento da RUPTURA DO HORIZONTE DE EXPECTATIVAS. Deve

ser apresentado um texto ou textos que lhes questionem as certezas

e os costumes, seja em termos de literatura ou de vivência cultural.

Mas é importante sempre manter um vínculo com a etapa anterior

para que o leitor não se sinta inseguro, por exemplo, o tema, a

estrutura, ou a linguagem do texto proposto nesse momento deve ter

alguma semelhança com o texto trabalhado na etapa anterior. Porém

os outros recursos devem ser radicalmente diferentes. Este é o

momento de fazer os alunos aplicarem todos seus conhecimentos

para vivenciar a literatura.

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Essa investigação pode se feita por

meio de conversas informais sobre histórias,

livros, músicas, programas de TV, como

desenhos animados, musicais, etc. Verificar

o que eles gostam e entendem, determinar o

seu terreno de domínio em relação à

literatura.

Se, na etapa anterior realizaram exercícios de compreensão,

interpretação dentro do seu território de domínio, agora devem ser

conduzidos a realizar atividades que aprofundem seu conhecimento

em relação ao novo texto. Devem ser conduzidos a descobrir seu

próprio potencial em resolver problemas, ler e entender textos que

não fazem parte de suas experiências. Nesse momento, a leitura não

pode se resumir à decodificação do texto apenas. Ela deve focar as

habilidades cognitivas e metacognitivas dos alunos. Essas

habilidades incluem, por exemplo, a capacidade de interpretar

idéias, de fazer analogias, de perceber o aspecto polissêmico da

linguagem, seu diversos sentidos, entre eles a ironia, de construir

inferências sobre o que foi lido, de modo que o leitor possa ser capaz

de tirar conclusões e fazer julgamentos sobre as idéias, sentimentos,

dados, fatos expostos nos textos.

Após essa etapa, ocorrerá o QUESTIONAMENTO DO

HORIZONTE DE EXPECTATIVAS. A classe discute qual dos textos

exigiu deles um nível mais alto de reflexão e, diante da descoberta,

trouxeram um nível mais alto de satisfação. Nesse momento, os

alunos verificam que tipo de conhecimentos escolares ou vivências

pessoais, em qualquer nível, do religioso ao político, proporcionaram

a eles facilidade de entendimento do texto e/ou abriram-lhe

caminhos para atacar os problemas encontrados.

As reflexões anteriores levam à AMPLIAÇÃO DO HORIZONTE

DE EXPECTATIVAS e a percepção de que a leitura de literatura não

diz respeito somente a uma tarefa escolar, mas fala de coisas da

vida. É uma forma de ver e de dizer o mundo, e que, escrita no

passado ou por pessoas distantes ou diferentes de nós, podem

estabelecer um diálogo com o aluno leitor dentro do seu contexto. De

acordo com Jauss, o contato com a literatura faz com que o leitor

antecipe experiências de vida ou retomem fatos já vividos.

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Após esse momento, o aluno percebe que sua capacidade de

decifrar o que não é conhecido foi aumentada.

O papel do mestre nesse momento é o de provocar seus alunos

e criar condições para que eles avaliem o que foi alcançado e o que

resta fazer. Então, o ponto de chegada passa a ser o ponto de partida

para um novo trabalho.

Como seria um exemplo na prática?Vamos lá...

(determinação e atendimento do horizonte de expectativas)

IDENTIDADE(Carlos Queiroz Telles)

Cabelos molhados,sol encharcado,pele salgada,vento nos olhos,areia nos pés.

O corpo sem pesoé nuvem à-toa.O tempo inexiste.

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DETERMINAÇÃO E ATENDIMENTO DO HORIZONTEDE EXPECTATIVA

RUPTURA

AMPLIAÇÃO

QUESTIONAMENTO

A vida é uma boa!Mergulho na águaAzul deste céu.Sou peixe de ar.Sou ave de mar.

Mergulho em mim mesmo,silêncio profundo.Sou eu e sou Deusde passagem no mundo,nadando sem rumo.

Questões:

1- Que tipo de texto é esse? (narrativa, poesia, notícia...)

2- Aponte alguns elementos do texto que comprovem sua resposta

anterior.

3- Onde a pessoa do texto está? Comprove com palavras.

4- Você já esteve em algum lugar parecido? Descreva esse lugar.

5- Que idade você imagina que a pessoa do texto tem? Por quê?

6- E você, que idade tem?

7- O que você imagina que a pessoa do texto está sentindo para

dizer o que diz?

8- Você também já se sentiu assim? Já imaginou dizer o que sente

dessa forma?

9- Em quais ocasiões você tem sentimentos parecidos com os da

pessoa que fala no texto?

10-Você expressa seus sentimentos ou esconde? Se expressa, de

que forma faz isso, com gestos, palavras, ou de outro jeito?

11-Que relação entre o título e o texto?

Estas são apenas algumas questões, entre muitas

possibilidades, sempre lembrando que o foco deve ser no leitor. As

perguntas cujas respostas encontram-se no texto, não precisam ser

respondidas, só grifadas. As perguntas cujas respostas são pessoais

devem ser respondidas.

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As respostas pessoais devem ser trabalhadas em forma de

texto, não necessariamente na ordem em que aparecem, o que

resultará em uma forma de auto-retrato.

(Ruptura do horizonte de expectativas)

AUTO-RETRATO DO ARMÁRIO DO BANHEIRO

Fernando Bonassi

Um litro de parafusos. 500 gramas de maionese de

pregos. Duas colheres estranguladas. Ferramentas aposentadas pra

trabalhos ultrapassados. Sapatos furados cheios de dó, cobertos do

pó da gratidão. Fivelas mutiladas. Pé de tênis a que falta o cadarço.

Cola dura. Estopa fóssil. Copo de requeijão trincado. Arames

enferrujados farpando-se. Venenos em potes trocados como convites.

Serpentina e fita crepe. As piores revistas deliciosas. Moedas que não

compram. Cadeados que não fecham. Sabonetes peludos. Por cima, a

cortininha de pano conta 42 margaridas azuis.

Para o professor refletir:

O que permanece em comum com o texto anterior?

Em que pontos ele rompe com o texto anterior?

Quais dificuldades os alunos poderão enfrentar para entender esse

texto?

Que tipo de exercícios podem ser propostos para esse texto?

Sugestões:

Montar ou representar, por meio de desenhos, recortes ou objetos

reais o armário descrito no texto.

Questões:

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1- Que tipo de texto é esse? Por quê?

2- Seu armário do banheiro é assim? Como é?

3- A quem pertence o armário do texto. Descreva o dono com base

nos objetos: sexo, idade profissão, preferências, classe social, nível

de instrução.

4- Em sua opinião, esses objetos são comumente guardados num

armário de banheiro? Desses objetos, o que realmente poderia ser

guardado no armário?

5- O que você entende pela descrição: “Sapatos furados cheios de dó,

cobertos do pó da gratidão”?

6- Você já teve um sapato/ tênis furado, ou outro objeto, cheio de dó?

Que recordações lhe trazem?

7- Na sua casa há um lugar em que se guardam as “bagunças”?

Qual? Comente sobre ele?

8- Escreva um auto-retrato de alguma parte de sua casa.

IMPORTANTE:

Monitorar cada passo da montagem do armário, principalmente na●

parte das “revistas deliciosas”.

Deixar com que façam as questões em grupos, com exceção das●

individuais.

Outro texto:

Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental,

água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água,

cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo,

pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, telefone,

agenda, copo com lápis, caneta, blocos de notas, espátula, pastas,

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Circuito Fechado

Ricardo Ramos

caixa de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis,

cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis,

telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos,

bilhetes, telefone, papéis. Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras,

esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta,

projetos de filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro-negro,

giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras, copos,

pratos, talheres, garrafa, guardanapo, xícara. Maço de cigarros, caixa

de fósforos. Escova de dentes, pasta, água. Mesa e poltrona, papéis,

telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo, telefone interno,

gravata, paletó. Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço,

relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos. Jornal, mesa, cadeiras,

xícara e pires, prato, bule, talheres, guardanapos. Quadros. Pasta,

carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis,

externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel,

pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel,

telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e

caneta. Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata.

Poltrona, copo, revista. Quadros. Mesa, cadeiras, pratos, talheres,

copos, guardanapos. Xícaras, cigarro e fósforo. Poltrona, livro. Cigarro

e fósforo. Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa,

sapatos, meias, calça, cueca, pijama, espuma, água. Chinelos.

Coberta, cama, travesseiro.

Para o professor refletir:

O que permanece em comum com o texto anterior?

Em que pontos ele rompe com o texto anterior?

Quais dificuldades os alunos poderão enfrentar para entender esse

texto?

Que tipo de exercícios podem ser propostos para esse texto?

Questões:

1- Descreva (oralmente) a rotina dessa pessoa.

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2- Identifique pontos comuns entre essa rotina e a sua.

3- Criar um pequeno texto (coletivo) da rotina da escola ou sua

rotina doméstica, por exemplo, ou outro, dependendo das discussões

que emergirem.

Questionamento e ampliação do horizonte de expectativas:

Discutir com os alunos:

Qual texto exigiu mais atenção deles para ser entendido;●

Que tipo de conhecimentos eles precisaram empregar para●

entender esses textos;

Registrar:

O que eles aprenderam nos dois últimos textos trabalhados com●

relação às suas vivências pessoais e literárias. Isto pode ser feito em

forma de questionamento escrito, cujas respostas, posteriormente,

podem ser transformadas num texto informativo, comparativo ou

outro.

Então, ficou mais claro? O diálogo conseguiu proporcionar

entendimento sobre a teoria da Estética da Recepção e uma

possibilidade de aplicação por meio do Método Recepcional?

Sim...

Muito bem, até a próxima!

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REFERÊNCIAS

AGUIAR, Vera Teixeira de. BORDINI, Maria da Glória. Literatura: A

formação do leitor: Alternativas metodológicas. 2ª ed. Porto Alegre:

Mercado Aberto, 1993.

BONASSI, Fernando. Fotos de Henk Nieman. Belo Horizonte:

Editora Dimensão, 2002.

JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à

teoria literária. São Paulo: Ática, 1994.

MACHADO, Ana Maria. Texturas: sobre leituras e escritos. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia

das letras, 1997.

SOARES, Magda. A escolarização da literatura infantil e juvenil. In:

EVANGELISTA, Aracy A. M. (org). A escolarização da leitura

literária: O jogo do livro infantil e juvenil. 2ª ed. Belo Horizonte:

Autêntica, 2001.

ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura.

São Paulo: Ática, 1989.

http://www.pucrs.br/gpt/substantivos.php

CRÉDITO DAS IMAGENS

Da própria autora.

Lima Barreto: http://educacao.uol.com.br

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