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Um Espaço Para a Percepção Nos Currículos de Música

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Um Espaço Para a Percepção Nos Currículos de Música - Anais Abem 2000 IX Educação Musical

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    UM ESPAO PARA A PERCEPO NOS

    CURRCULOS DE MSICA

    Denise lvares Campos

    RESUMO O desenvolvimento da percepo musical um dos aspectos

    importantes da educao musical e precisa ter seu espao garantido nos currculos, planejamentos e aes pedaggicas que se relacionam msica. Visando valorizar esse aspecto da educao musical, este artigo relata uma investigao feita buscando relacionar a percepo musical psicologia cognitiva e pedagogia musical. O estudo emprico que foi desenvolvido baseou-se na aplicao de sequncias distintas de ditados meldicos a alunos de escolas espanholas da rede pblica. Os resultados obtidos foram analisados luz de algumas das teorias, estudos e pesquisas da psicologia cognitiva e de algumas propostas de educao musical.

    Atravs de vrios documentos, o MEC vem tentando orientar o processo

    educacional nas escolas brasileiras. Ao estabelecer Diretrizes Curriculares

    Nacionais, so estabelecidos alguns princpios norteadores para as aes

    pedaggicas de nossas escolas e, dentre eles, encontramos os princpios

    estticos da sensibilidade, da criatividade e da diversidade de manifestaes

    artsticas e culturais (Resoluo CEB n 1/99, Art. 3, tem 1, letra c). De forma

    mais concreta, os autores dos PCNs de Artes (5 a 8 sries) dizem que Aps

    muitos debates e manifestaes de educadores, a atual legislao educacional

    brasileira reconhece a importncia da arte na formao e desenvolvimento de

    crianas e jovens, incluindo-a como componente curricular obrigatrio da educao

    bsica (p. 19).

    Ao dar esse espao educao artstica, em suas diversas linguagens, e ao

    estabelecer diretrizes e parmetros curriculares para nortear as aes

    pedaggicas, os orgos governamentais propiciaram elementos para uma

    discusso emergencial sobre o que de fato ns, professores, temos como objetivo

    de nossa prtica. Porque cabe a cada educador a elaborao de seu plano de

    ensino, onde deve ser feita uma ponte entre a proposta formal e as necessidades

    das aulas. o professor que, afinal, determina a sequncia de contedos que sero

    efetivamente abordados em sala de aula.

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    A percepo na educao musical

    Analisando os PCNs no que se relaciona ao ensino da Msica, encontramos

    entre os objetivos gerais: Desenvolver a percepo auditiva e a memria

    musical... (p.81). A importncia que damos esse aspecto da educao musical

    levou-nos a estud-lo em profundidade, visando a elaborao de nossa tese

    doutoral. Gostaramos de relatar esse trabalho de investigao com o objetivo de

    salientar que o desenvolvimento da percepo musical deve ser no s uma

    pretenso abstrata presente nos planejamentos, mas algo que se concretize em

    sala de aula, ou seja, no conjunto das atividades propostas para o pleno

    desenvolvimento musical de nossos alunos.

    O trabalho ao qual nos referimos intitula-se: A percepo musical em

    estudantes - relaes com a psicologia cognitivo-evolutiva e a pedagogia musical

    (Campos, 1998). Pretendemos tecer alguns comentrios sobre o mesmo, de modo

    informal, visando atender ao objetivo ao qual nos referimos acima e sem a

    preocupao de seguir os parmetros formais de um relato de pesquisa.

    Selecionamos algumas referncias bibliogrficas, que no representam o total do

    material utilizado na pesquisa.

    Percepo, cognio e desenvolvimento humano

    Inicialmente, tentamos estabelecer associaes entre a percepo musical

    e a cognio. Para tanto, buscamos fundamentao terica em Piaget (1967,1969)

    , Vygotsky 1972,1978,1986) e Gardner (1973,1990), porque, ainda que os dois

    primeiros no tenham tratado diretamente da educao musical, outros psiclogos

    se ocuparam em aplicar suas idias questo do desenvolvimento

    artstico-musical. Dentre as aportaes psico-educativas relacionadas educao

    musical nos acercamos quelas que propiciam uma anlise da percepo musical

    no processo de desenvolvimento humano. Foram importantes os estudos de

    Hargreaves (1986,1996), Swanwick (1988), Shuter-Dyson (1981), Zenatti

    (1969,1991), Bamberger (1991,1994), Dowling (1982,1991,1994), entre outros.

    Relacionamos, tambm, algumas investigaes feitas na psicologia sobre esse

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    tema, partindo tanto de aspectos psico-acsticos (Rasch e Plomp, 1982) como

    cognitivos.

    Pudemos observar um certo consenso com relao a alguns aspectos

    elementais, tais como:

    .Que a percepo est na base do desenvolvimento cognitivo, assim como

    est, ou deveria estar, na experincia musical.

    .Que a atividade perceptiva, segundo a maioria dos autores, desenvolve-se

    cronolgicamente acompanhando a evoluo mental, pelo menos at certa idade.

    . Que no processo cognitivo que acompanha a percepo musical interferem

    vrios fatores de carter ambiental, biolgico, educacional, psico-acstico e

    psicofisiolgico.

    . Que a percepo musical, apesar de apresentar tambm componentes

    genticos, pode ser melhorada com o treinamento.

    . Que uma proposta de educao musical deve buscar a integrao dos

    diversos fatores que compem o desenvolvimento das habilidades musicais da

    criana. E, para esta proposta globalizadora, deve buscar suporte nos estudos que

    podem ajudar na conduo desse processo com conscincia das caractersticas

    psicolgicas que lhe so pertinentes.

    A percepo e as propostas pedaggico-musicais

    No campo da pedagogia musical, analisamos as propostas de Willems

    (1940,1956), Kodly (cf. Cartn e Gallardo,s.d.), Dalcroze (cf. Bachmann, 1991),

    Orff (cf. Sanuy e Gonzalez Sarmiento, 1969) e da metodologia denominada Oficina

    de Msica, sobre a qual j havamos feito um estudo anterior mais abrangente

    (Campos, 1988). Cada uma dessas propostas foi descrita considerando seus

    aspectos gerais, aspectos relacionados com a percepo musical e, ao final, uma

    discusso de alguns contedos. Visando o estudo emprico, destacamos o enfoque

    dado por cada autor ao desenvolvimento meldico. Poderamos agrupar as

    propostas em 3 grupos, seguindo a sugesto de Mnica Alfaya e Enny Parejo

    (1987, p. 41):

    a) ...os sistemas que utilizam como ponto de partida a escala e o acorde

    Perfeito Maior, onde poderamos encaixar as proposta de Willems e

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    Dalcroze;

    b) ...os sistemas que utilizam a escala pentatnica como base para o

    ensino, onde estariam as propostas de Orff e Kodly;

    c) A 3 tendncia que ...baseia-se mais especificamente nos intervalos,

    no havendo uma preocupao com

    funes e relaes tonais,onde poderiam estar

    os educadores relacionados com a Oficina de Msica.

    Apesar dos distintos enfoques, os educadores musicais citados buscam

    aproximar a criana da msica estimulando sua participao ativa, sua capacidade

    de perceber, expressar e criar tendo como base o material sonoro. O

    desenvolvimento auditivo considerado por todos como um fator extremamente

    importante, sobretudo na etapa inicial do processo de educao musical. No

    entanto, com exceo de Willems, no h uma preocupao explcita dos diversos

    educadores em estabelecer relaes com a psicologia. Consequentemente, no

    h um maior aprofundamento no que se relaciona aos estgios de desenvolvimento

    psicolgico das crianas e maior comprovao emprica quanto adequao dos

    contedo musicais cada etapa proposta pelos pedagogos.

    Aplicao dos contedos tericos

    Como parte final do nosso trabalho, atravs de um estudo emprico

    quisemos constatar a aplicao dos estudos psicolgicos citados e das diversas

    metodologias analisadas, uma atividade especfica que utilizada visando o

    desenvolvimento da percepo musical: os ditados meldicos. Foram aplicadas

    duas sequncias de ditados com 5 sons, sempre partindo do D central e alterando

    a ordem de introduo dos intervalos. Na 1 sequncia os tons iam se distanciando

    progressivamente. Na 2 sequncia a introduo dos intervalos obedecia a uma

    ordem baseada na srie harmnica, introduzindo primeiro aqueles considerados

    mais harmnicos. Os sujeitos dessa investigao eram alunos de 3 a 6 srie de

    2 colgios da rede pblica de uma mesmo bairro de Madrid, na Espanha. Nossos

    resultados confirmaram as concluses de algumas investigaes psicolgicas que

    relacionamos no decorrer do trabalho e negaram algumas outras. Confirmamos,

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    por exemplo a forma gestltica que assume a percepo musical, principalmente

    no incio do processo de discriminao tonal. Ou seja, uma melodia (ou uma frase

    de ditado), pode representar mais do que uma simples sucesso de tons e

    intervalos individuais. A forma que esses tons assumem quando so percebidos em

    sequncia influenciam muito na percepo dos mesmos. Tais dados negam a

    corrente que afirma que quanto mais harmnicos os intervalos, melhor a percepo

    dos mesmos, ou seja, que o ouvido humano teria detentores naturais para os

    intervalos mais prximos na srie harmnica.

    O carter evolutivo da discriminao tonal tambm pode ser comprovado,

    comparando os acertos dos alunos de sries mais adiantadas com aqueles das

    sries iniciais, ressaltando que a atividade era indita para todos. Observamos,

    tambm, que a percepo dos intervalos melhora com o treinamento, j que

    aqueles alunos com uma experincia musical extra-classe apresentaram melhores

    resultados do que os demais. O que nos leva a valorizar a educao musical e a

    considerar que no so apenas fatores genticos que determinam o nvel de

    percepo musical que o aluno pode alcanar, mas que existe, efetivamente, uma

    interao entre aspectos biolgicos e educacionais.

    Poderamos descrever muitos outros aspectos que nos chamaram a ateno

    e que relatamos em nosso trabalho. Mas, tentando resumir, nossa inteno foi a de

    tratar o tema da percepo musical desde seus aspectos mais amplos aos mais

    especficos, relacionando-a com fatores internos e externos que podem interferir

    em seu desenvolvimento e testando os diversos estudos e propostas

    metodolgicas sobre o tema em uma atividade prtica da educao musical.

    Concluses

    Ao compartilharmos este estudo que fizemos, esperamos estar oferecendo

    subsdios para uma discusso produtiva sobre o desenvolvimento da percepo

    musical, que, em nossa concepo, deve ocupar um espao importante na

    experincia musical dos alunos, estando, portanto, inserida nos currculos de

    msica e, consequentemente, na nossa prtica em sala de aula.

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