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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores Serviço Social do Comércio

Educação em Rede - Currículos em EJA

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Educação em Rede

Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Serviço Social do Comércio

Serviço Social do Comércio

1a edição

Rio de Janeiro, 2011

Educação em Rede

Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO

Presidência do Conselho NacionalAntonio Oliveira Santos

DepArtAmentO nAciOnAl

Direção-Geral

maron emile Abi-Abib

Divisão Administrativa e FinanceiraJoão carlos Gomes roldão

Divisão de Planejamento e DesenvolvimentoÁlvaro de melo Salmito

Divisão de Programas Sociaisnivaldo da costa pereira

Consultoria da Direção-GeralJuvenal Ferreira Fortes Filholuís Fernando de mello costa

PUBLICAÇÃO

cOOrDenAçãO

Gerência de Educação e Ação Social/ Divisão de Programas Sociaismaria Alice lopes de Souza

Equipe do projeto Educação de Jovens e Adultoscelso de Souza cunha marta lima de Souza

Gerência de Desenvolvimento Técnico/ Divisão de Planejamento e Desenvolvimentoraimundo Vóssio Brígido Filho

AssistenteAline Vieira de Albuquerque

currículos em eJA : saberes e práticas de educadores. – rio de Janeiro : SeSc, Departamento nacional, 2011. 258 p. : 22 cm. – (educação em rede)

inclui bibliografia. iSBn 978-85-89336-52-9.

1. educação de jovens e adultos - currículos. 2. Aprendizagem – Avaliação. 3. educadores -Formação. i. SeSc. Departamento nacional. ii. Série.

cDD 374

FICHA CATALOGRÁFICA

eDiçãO

Assessoria de Divulgação e Promoção/ Direção-Geralchristiane caetano

Supervisão editorialrosane carneiro

Projeto gráfico Ana cristina pereira (Hannah23)

EditoraçãoAnne esteche

Revisão de textoclarissa pennamarcia capella

Assessoria externaAlessandra nicodemosJosé carlos lima De Souza

Produção gráficacelso mendonça

“Pensar a prática enquanto a melhor

maneira de aperfeiçoar a prática.

Pensar a prática através de que se vai

reconhecendo a teoria nela embutida.

A avaliação da prática como caminho

de formação teórica...”

(Paulo Freire)

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Nocenárioatual,identifica-seodelineamentodeumanovaera:aera

doconhecimento.Estasedesenvolvenocontextodeumarevoluçãotecnológica

que possibilita movimentos de circulação de informações com velocidade e

intensidade jamais previstas na história. Diante dessa realidade, insere-se a

necessidadede formaçãopermanentedosprofissionaise,assim,vislumbra-se

amodalidadedeEducaçãoaDistânciacomoumaestratégiabem-sucedidade

alternativasparaessepropósito.

O SESC, sempre atento às novas demandas da sociedade, já utiliza

desde 2006 a tecnologia da videoconferência como forma de permitir que

participantessituadosemlocaisgeograficamentedistantespossaminteragire

trocarexperiênciasaovivo,proporcionandomaisoportunidadesdecapacitação

edisseminaçãodeconteúdos.

ComocursoCurrículos em EJA: saberes e práticas de educadores,

quedeuorigemaestapublicação,nossodesafiofoipromoveressaconvergência,

valorizando o capital intelectual da Instituição e definindo estratégias de

capacitação adequadas à realidade e aos objetivos da atividade Educação de

JovenseAdultosnoSESCdofuturo.

Comoainteraçãoéagrandeestreladessaferramentadecomunicação,

adivulgaçãodoconteúdodocursosefezimperativa,poisoSESCacreditaque

compartilharoconhecimentoéumcompromissoseucomasociedade.

MaronEmileAbi-Abib

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Sumário

A IMPORTâNCIA DO ESPAÇO DE VIVÊNCIA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOSEmmanuele Maria Correia Costa 56

SUJEITOS DA EJA E O CURRÍCULOKelma Araújo Soeiro 68

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, UM DESAFIO CONSTANTEAlcione Deodato de Souza 78

AS DIRETRIzES CURRICULARES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E O CURRÍCULOMarta Maria Araújo Pereira 86

RECONHECER AS NECESSIDADES DO EDUCANDO PARA qUALIFICAR O CURRÍCULOChristiana Diniz Lopes 98

ParteI-Currículos

INTRODUÇÃO

Gerência de Educação e Ação Social

do Departamento Nacional 12

EJA: DE ENSINO SUPLETIVO à CONDIÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA PARA A EDUCAÇÃO NO TEMPO PRESENTE

José Carlos Lima de Souza 24

AS TEORIAS CRÍTICAS DO CURRÍCULO E O PROCESSO DE ExECUÇÃO, CONSTRUÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DE PRÁTICAS CURRICULARES NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Alessandra Nicodemos 38

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RECONHECER A IDENTIDADE DO ALUNO: FATOR FUNDAMENTAL PARA A CONSTRUÇÃO DE UM CURRÍCULO EM EJA Tamára dos Santos Cunha 108

O DESAFIO DO PROFESSOR NA CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA)Nurse Antônia de Freitas Vieira 118

CONTEúDOS SIGNIFICATIVOS: DESAFIO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOSHeleonira Lima 124

PRÁTICAS EDUCATIVAS E CONSTRUÇÃO DE CURRÍCULO EM EJA

Reflexão das práticas avaliativas, construção da aprendizagem significativaAdna Ramos de Abreu Santos 136

REFLExõES PARA A CONSTITUIÇÃO DE UM CURRÍCULO POSSÍVEL EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Lêda Letro Ribeiro 146

AVALIAÇÃO DA APRENDIzAGEM ESCOLAR NOS CURSOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UMA DISCUSSÃO ACERCA DAS POSSIBILIDADES DE REDISCUTI-LA NOS CURRÍCULOS ESCOLARES

Aldeci da Silva Dias 162

RECORDAÇõES: COMPLEMENTO PARA UMA PRÁTICA INOVADORA

Maria de Assunção Cortes Costa 178

DIAGNOSTICAR SABERES SIGNIFICATIVOS AO ALUNO OU SIMPLESMENTE AVALIAR

Marlucia Oliveira de Castro Azerêdo 191

AVALIAR: UM ATO POLÍTICO qUE PODERÁ LEVAR à TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

Pe. Bruno (Francisco Edson Garcês Carneiro Lira) 200

ParteII-Avaliaçãodaaprendizagem

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UM NOVO OLHAR à FORMAÇÃO DOCENTE

Edilene do Socorro Almeida Dias 212

ESPECIFICIDADES DA EJA: TRAJETóRIA E DESAFIOS PARA O SABER DOCENTE

Adriana Cláudia de Assis 224

A EJA E O DIRETO à DIVERSIDADE: POR UMA VALORIzAÇÃO DA ESCOLA DA VIDA

Ariadne Colatto Viana 234

CURRÍCULO E PRÁTICA DOCENTE

Rosimária Rodrigues de Melo Cardoso 248

ParteIII-Formaçãodeeducadores

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Os professores só pecam por três defeitos: o de nada escreverem

do muito que sabem, o de não divulgarem as maravilhas que

operam no segredo da sua sala, o de não denunciarem situa-

ções que se crê não aconteçam...

(JoséPacheco)

IntroduçãoGerência de Educação e Ação Social do Departamento Nacional

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A citação de Pacheco contribui para introduzirmos um dos objetivos dessa pu-blicação: revelar os saberes dos professores e divulgar práticas educativas, muitas vezes escondidas em suas salas de aula, em seus planejamentos e cadernos de re-gistros e, principalmente, recuperar e registrar esses saberes e práticas, bem como a memória de uma formação, que se desenvolve em serviço, por meio dos desafios trazidos diariamente pelo trabalho educativo com jovens e adultos. Esses objetivos têm suas dimensões ampliadas quando consideramos que a Educação de Jovens e Adultos (EJA), apesar de constituir-se um campo antigo da escolaridade, ainda sofre com as incipientes produções teórico-práticas, em especial aquelas elaboradas por quem vive o “chão da sala de aula”. Portanto, esse é outro objetivo dessa publicação: contribuir para a ampliação de conhecimentos teórico-práticos na área, por meio da divulgação da produção escrita de educadores de jovens e adultos.

O Serviço Social do Comércio (SESC) desenvolve a Educação de Jovens e Adul-tos (antigos Cursos Supletivos) desde 1973, de modo sistemático, nas etapas de Al-fabetização, Ensinos Fundamental e Médio. Anteriormente a esse período, o SESC, por meio dos Departamentos Regionais, já envidava esforços junto ao poder públi-co para ampliar a escolaridade do trabalhador, comerciário ou não, participando da preparação e organização dos exames de Madureza. Em 1999, tem origem o Projeto SESC LER, visando à alfabetização e à escolarização (1º ao 5º ano do Ensino Funda-mental) de jovens e adultos, levando a EJA para o interior do país.

A formação de educadores é um dos princípios norteadores da Proposta Políti-co-Pedagógica da Educação de Jovens e Adultos no SESC, centrada na concepção de educação continuada e em serviço. Assumimos os pressupostos da formação contínua em serviço:

contínua porque, ao mesmo tempo em que o professor se nutre de conhecimentos cientí-

ficos e saberes culturais, cria outras representações sobre as relações educativas na escola.

em serviço, por privilegiar um processo de desenvolvimento profissional do sujeito, consti-

tuído por história de vida e de acesso aos bens culturais, de fazeres profissionais e de dife-

rentes realidades de trabalho, carregadas ora por necessidades de superação de desafios,

ora por dificuldades relevantes de atuação (FUSAri & FrAncO, 2005).

Além dessas concepções, a formação tem seu alicerce em dois papéis funda-mentais do professor: o de mediador e de pesquisador. O papel de mediador cen-tra-se no saber escutar relacionado ao ato de ensinar, pois à medida que o professor aprende a escutar o aluno, aprende também a falar com ele, ou seja, estabelece um diálogo permanente, no qual a educação constitui-se com o aluno. O ato de ensinar

Introdução

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está inter-relacionado ao papel de pesquisador, por meio da mediação, visto que a integração de ensino e pesquisa é fundamental na formação do educador, pois ao ensinar, não apenas o professor auxilia o aluno, como também reelabora seus conhecimentos, pois como afirma Freire:

não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. esses que-fazeres se encontram um

no corpo do outro. enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. ensino porque

busco, porque indaguei, porque indago e me indago. pesquiso para constar, constatando,

intervenho, intervindo educo e me educo (Freire, 1997, p. 32).

A citação de Freire retoma a relação intrínseca entre ensino e pesquisa, em que a pesquisa é parte integrante da natureza da prática educativa. Portanto, o traba-lho docente implica movimento de ação-reflexão-ação, por meio das questões que emergem da prática em sala de aula e que são reelaboradas por um processo reflexi-vo. É nesse cotidiano que o professor toma decisões e constrói seu saber, refletindo na ação. Entretanto, a reflexão deve ultrapassar a situação imediata, constituindo-se a “reflexão sobre a reflexão na ação”, que se efetiva na discussão coletiva, na troca de experiências, na busca de saberes. É nessa relação entre a teoria e a prática, no diá-logo entre a prática de cada professor e a teoria educacional que se elabora o saber pedagógico. Daí a importância de resgatar o papel do professor como pesquisador, como aquele que indaga, reflete e produz teoria a partir da prática, o que torna imprescindível o registro sistemático das experiências, conformando a memória da escola. Memória que, ao ser analisada e refletida, contribuirá para a colaboração teórica e para o revigoramento de práticas. É esse movimento que inspira a presente publicação.

Ampliando, ainda, as estratégias de formação contínua no SESC, temos a Edu-cação a Distância (EAD), utilizando os recursos da videoconferência, que permite às pessoas ultrapassarem as barreiras geográficas e temporais de forma rápida e inte-ragirem, possibilitando a troca de conhecimentos, como ocorreu nos três últimos encontros, quando 15 estados, divididos em três grupos com cinco pessoas cada, apresentaram o trabalho que vêm desenvolvendo na EJA, por meio da metodologia de projetos.

De acordo com Cruz (2005), nas últimas décadas, novos modelos de aprender foram criados a partir de relacionamentos virtuais dentro dos ambientes informa-tizados. Com isso, o fim da distinção entre o que é presencial e o que é a distância parece estar começando a acontecer, já que as redes de telecomunicações e supor-

Introdução

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Introdução

tes multimídia interativos vêm sendo progressivamente integradas às formas mais clássicas de ensino.

Nascida como uma ferramenta para a comunicação empresarial e desenvolvida para possibilitar reuniões de negócios, a videoconferência passou a ser utilizada com um fim educativo. Isso porque, dentre as mídias aplicadas na EAD, é a que mais está próxima do presencial ao permitir que participantes situados em dois ou mais lugares geograficamente distantes possam realizar reunião síncrona com imagem e som, por meio de câmeras, microfones e periféricos, como CD-ROM, vídeo e com-putador, como base para apresentações em slides, internet etc.

Ainda segundo a autora, se a videoconferência funciona bem para contatos de negócios, a situação muda quando se trata de uma aula. Isso porque, em termos pe-dagógicos, tanto o conteúdo como a forma precisam ser pensados tomando como parâmetros as várias relações presentes na situação mediada por equipamentos: aluno/interface, aluno/conteúdo, professor/aluno e, finalmente, aluno/aluno.

Por acontecer ao vivo e exigir participação, a aula por videoconferência rom-pe a passividade costumeira frente ao aparelho de TV. Mas, para que funcione, o professor tem de criar dinâmicas que envolvam os alunos e os levem a interagir. Isso significa que o ensino interativo a distância exige uma nova postura tanto do professor quanto do aluno. O primeiro deixa de ser o “dono” e o “repassador” de co-nhecimentos para se tornar muito mais um guia, um orientador. Já o aluno, precisa ser independente, autônomo e criativo na aprendizagem, principalmente porque não é mais na sala de aula que ele conseguirá todas as informações de que precisa.

É nessa perspectiva que tem origem o curso “Elaborando Currículos em EJA”, visando discutir e refletir sobre a produção do currículo, com base nos referenciais teórico-metodológicos, nas demandas e nos desafios suscitados pela prática edu-cativa em Educação de Jovens e Adultos. Para dar conta desse objetivo, foram con-vidados dois professores com ampla experiência na EJA: Alessandra Nicodemos, mestre em Educação, bacharel e licenciado em História; e José Carlos Souza, doutor em História, bacharel e licenciado em História.

O curso foi realizado em dez encontros, no modo videoconferência, sendo um encontro para aula inaugural, na qual se apresentou sua proposta, os professores, o desenvolvimento e objetivos de cada módulo, as referências bibliográficas e os autores estudados; oito encontros para o desenvolvimento dos temas das aulas e

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um de avaliação. Esses oito encontros foram estruturados em quatro módulos1, sen-do cada um desenvolvido em duas aulas. A carga horária total era 50 horas/aula, distribuída em 30 horas/aula para videoconferência e 20 horas/aula para leituras e grupos de estudos.

Em relação à avaliação, cabem algumas observações. Desde a primeira reunião, a avaliação foi tema de discussão entre os coordenadores e os professores respon-sáveis pelo curso. Nossa preocupação consistia em desenvolver um processo avalia-tivo que fosse condizente com os referenciais teórico-metodológicos e as práticas educativas da EJA e não simplesmente realizar uma avaliação de conteúdos. Desse modo, após fervorosas discussões, optamos por realizar uma avaliação em que os educadores pudessem colocar em prática um processo de ação-reflexão-ação, to-mando os estudos desenvolvidos no curso e suas práticas como pontos de partida. Portanto, a avaliação consistiu em uma produção textual de 30 linhas, no máximo, sobre a escolha de um dos temas estudados, sendo os textos mais significativos selecionados para tornarem-se artigos, visando integrar uma publicação relativa ao encontro. Durante o desenvolvimento da avaliação, os educadores puderam con-sultar o caderno de textos, suas anotações e os slides das aulas. As redações foram avaliadas tendo como critérios: 1) capacidade de argumentação e organização de ideias; 2) apropriação e capacidade de dialogar com os autores estudados, os conte-údos abordados e a prática pedagógica em EJA; 3) atenção ao tema e aos subtemas escolhidos e título; 4) clareza e propriedade no uso da linguagem escrita.

A proposta de avaliação teve um desdobramento com a outra etapa, na qual os professores, após suas leituras, deram um feedback geral aos participantes, apon-tando os temas mais escolhidos: identidade dos estudantes da EJA (43%); avaliação (36%); paradigmas curriculares da EJA (14%) e o tempo e o espaço escolar na EJA (7%); títulos originais por módulo; expressões ou parágrafos; méritos e dificulda-des dos textos e demandas. Nessa etapa, discutiu-se também a importância de se refletir sobre o papel e a construção do professor-pesquisador (zACCUR & ESTE-BAN, 2002), com base no estatuto acadêmico do pesquisador, transmissão de co-nhecimentos, relação teoria e prática e diálogos entre a escola e a universidade. Outra tópico empreendido no feedback aos educadores tratou da elaboração de

1. Os módulos foram: i – identidades dos estudantes da eJA (A heterogeneidade como desafio e as questões do mundo do trabalho); ii – Os paradigmas curriculares em eJA (As teorias do currículo e os paradigmas curriculares em eJA); iii – Organização curricular: a hierarquização do conhecimento (A organização curricular e práticas interdiscipli-nares em eJA); iV – práticas educativas e construção de currículo em eJA (A construção de currículo em eJA e práticas avaliativas e suas potencialidades na eJA).

Introdução

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

um artigo científico, apresentando sua estrutura e finalidades, seus interlocutores, suas partes (título, autores, resumo, introdução, desenvolvimento, conclusões, re-ferências bibliográficas de acordo com as normas da ABNT, data de produção do texto), visando auxiliar os educadores que tiveram suas produções selecionadas na elaboração do artigo.

Participaram do curso, aproximadamente, 300 educadores, distribuídos em unidades educacionais nas capitais e nos interiores de 20 estados2 do país. Recebe-mos 202 redações que foram avaliadas pelos professores Alessandra Nicodemos e José Carlos Souza. Desse total, 39 foram selecionadas para a produção de artigos, conforme os critérios citados anteriormente. Trinta e duas retornaram em forma de artigo. Procedeu-se nova avaliação, na qual 18 foram aprovadas para publicação. Cabe destacar que, no processo de avaliação, tomamos o cuidado para que os ava-liadores não identificassem os autores das produções escritas. Portanto, cada pro-posta de texto encaminhada recebeu um número, tendo extraída a folha de rosto em que constava o nome do educador, de modo a garantir a isenção da avaliação, visto que, durante a realização das videoconferências, os professores-avaliadores interagiram com alguns educadores que participaram do curso.

Esta publicação organiza-se em três partes. A primeira parte apresenta o tema do currículo, bem como as teorias que o fundam, concentrando a maior parte dos artigos recebidos. A segunda apresenta as produções relativas à avaliação da apren-dizagem, um tema que mobiliza muito os educadores; e a terceira parte trata dos textos sobre a formação de educadores, encerrando o livro com a discussão de um novo paradigma na EJA.

O artigo que abre os trabalhos é da professora Alessandra Nicodemos, no qual analisa as questões que circunscrevem o campo do currículo na Educação de Jo-vens e Adultos, com vistas a estabelecer uma conexão entre o debate curricular crítico e a EJA. A assessora apresenta, após breve resgate histórico das principais teorias do currículo no século xx, a potencialidade das teorias críticas como espaço de compreensão das questões teóricas, políticas e metodológicas da EJA nos dias atuais, de modo a desvelar novas práticas curriculares.

2. A saber: Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, ceará, Distrito Federal, espírito Santo, mato Grosso, mato Grosso do Sul, paraíba, paraná, pernambuco, piauí, rio Grande do norte, rondônia, roraima, Santa catarina, Sergipe e tocantins.

Introdução

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O artigo de Tamára dos Santos Cunha discute o reconhecimento da identidade do educando da EJA como um fator fundamental para a construção do currícu-lo. A autora, além de diferenciar jovens e adultos quanto aos objetivos, interesses e trajetórias escolares, toma os princípios e recursos do multiculturalismo crítico como o ponto de partida para um ambiente estimulador e problematizador do conhecimento. Conclui, destacando a questão identitária para a elaboração de currículos em EJA.

O texto de Nurse Vieira apresenta três propostas para a EJA que visam a uma ruptura da construção clássica da organização curricular por disciplina, com mo-delos preestabelecidos, de forma linear. A autora defende uma organização curri-cular com base nas áreas de conhecimento e na metodologia de projetos, flexível e fundamentada nos saberes interdisciplinares. Em seu texto, conclui que o currí-culo da EJA necessita ser construído nesse movimento entre as práticas docentes, as discussões coletivas, a adequação de conteúdos, por meio de um diálogo entre os diferentes autores, com base na realidade e na identidade dos educandos e nos valores sociais produzidos.

Heleonira Lima enfatiza os conteúdos significativos relacionados à vida na construção de um currículo em EJA. Para a autora, a inserção desses conteúdos no currículo constitui-se em desafio, tanto para a EJA quanto para seus educado-res. Desafio que tem como base os quatro pilares da educação, promulgados pela Unesco (1997): aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e apren-der a ser. Conclui que mudar é difícil, mas é possível (Freire) quando respeitamos as experiências dos educandos e a partir delas pensamos um currículo significativo para a EJA.

O texto de Adna Santos aborda a importância da reflexão sobre as práticas ava-liativas para a construção de um currículo adequado às necessidades dos educandos, às suas experiências e às suas trajetórias escolares, inclusive em relação às avaliações classificatórias que os marcaram, profundamente, no processo de aprendizagem.

O artigo de Lêda Letro Ribeiro reflete sobre o conhecimento crítico e a sua possibilidade transformadora ao discutir a importância de os educadores de EJA se apropriarem da história e dos contextos em que os documentos e os discursos foram e são produzidos. A autora destaca também a necessidade de superarmos os dilemas e os desafios postos pela prática, assumindo um lugar em favor dos edu-candos da EJA. Em seguida, relata a experiência de EJA em Florianópolis, principal-

Introdução

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

mente com base na elaboração do Projeto Político-Pedagógico (PPP) construído em conjunto pela equipe educacional e tendo como referências a Proposta Pedagógica da Educação de Jovens e Adultos e os documentos legais da área. Um dos pontos ressaltados pela autora é a necessidade de atualização permanente do PPP como um orientador da prática. Outro ponto refere-se à avaliação, que ainda se configura como uma prática classificatória e excludente, o que implica revisão da equipe edu-cacional. Lêda encerra seu texto apontando perspectivas possíveis à construção de um currículo favorável ao acesso à escola e à permanência dos educandos nela, de modo a garantir o exercício do direito à educação básica.

O texto de Emmanuele Maria Correia Costa trata da construção de currículo para a EJA com base nas reflexões sobre a prática dos educadores, tendo como referencial teórico os estudos de Paulo Freire.

Alcione Deodato de Sousa discute que a efetivação da EJA ocorrerá partindo-se de alguns pressupostos como o contexto sociopolítico, o perfil do educando e as funções dessa modalidade de ensino. Tais abordagens são discutidas no presente texto com o intuito de levar-nos a uma reflexão de como estão sendo construídos os currículos escolares para jovens e adultos.

O artigo de Kelma Araujo Soeiro apresenta o currículo como espaço de expres-são das identidades e necessidades de jovens e adultos, proporcionando um repen-sar sobre as práticas curriculares apresentadas em sala de aula.

A heterogeneidade na EJA e as questões do mundo do trabalho são aspectos fundamentais discutidos por Christiana Diniz Lopes para a construção de um currí-culo específico dessa modalidade de ensino.

O artigo de Marta Maria Araújo Pereira debate as possibilidades de novos de-senhos curriculares para EJA, o que implicará o seu conhecimento histórico e de algumas concepções de currículos trabalhados nessa modalidade de ensino.

No segundo bloco, Aldeci da Silva Dias discute o paradoxo na avaliação da aprendizagem entre o quantitativo e qualitativo na Educação de Jovens e Adultos.

O texto de Maria de Assunção Cortes Costa apresenta uma experiência de 1997 que serviu de reflexão e subsídio para inovação da prática pedagógica referente à Educação de Jovens e Adultos.

Introdução

Serviço Social do Comércio Educação em Rede

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Marlucia Oliveira do Carmo Azerêdo aborda as diversas formas de avaliação: diagnóstica, significativa e flexível, levando-nos a uma reflexão de como utilizarmos o processo avaliativo nas salas de aula e suas possibilidades de torná-lo efetivo.

O artigo de Pe. Bruno (Francisco Edson Garcês Carneiro Lira) discute os modelos de avaliação da tradicional à sociointeracionista, visando à proposição da transfor-mação social partindo da construção de um currículo multicultural e de uma ava-liação que contemple os saberes prévios dos educandos da EJA na perspectiva de sua integralidade.

A discussão da terceira parte inicia-se com o texto de Edilene Dias, que propõe um novo olhar sobre a formação docente. Tomando como ponto de partida o refe-rencial de Tardif (2005), a autora discute o trabalho docente com base nos aspectos técnico-pedagógicos e afetivos. Destaca a formação continuada e permanente e o planejamento como ações contínuas de reflexão por parte dos formadores e edu-cadores. Desse modo, defende que é por meio da ação de planejar que, na reflexão sobre a prática, podemos encontrar caminhos norteadores e significativos que pos-sam contribuir, de fato, para a formação dos discentes. Entretanto, os professores devem estar atentos às mudanças que acontecem ao seu redor e que influenciam a prática docente e a subjetividade, de modo a articular melhor sua autoformação, quebrar a inflexibilidade dos cursos de formação e recriar um novo mundo, uma nova terra, para novos sujeitos, sendo ator de sua própria prática pedagógica.

O artigo de Adriana Assis faz uma abordagem histórica da EJA, relacionando o cenário atual e as políticas públicas em curso para esta modalidade de ensino. A au-tora recupera os documentos internacionais e nacionais que ratificam a EJA como direito de aprender ao longo da vida. Destaca a importância de os educadores estu-darem os marcos legais, de modo que se conscientizem dos direitos quanto à edu-cação, bem como lutem pela efetivação de uma educação de qualidade. Adriana ressalta também a constituição dos Fóruns de EJA, a partir de 1998, como espaços de discussão e intervenção na elaboração de políticas públicas que afirmem/rati-fiquem a EJA como direito. No entanto, a autora não deixa de enfatizar o caráter marginal que ainda vigora nessa área, que ora oscila com visibilidade e incentivos de recursos, ora com invisibilidade e restrição de recursos financeiros. Isso denota que, apesar de a EJA figurar nas agendas políticas governamentais e documentos nacionais e internacionais, ainda está muito marcada por políticas compensatórias que visam à minimização da pobreza e à contenção social.

Introdução

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Ariadne Viana ajuda-nos a refletir sobre a importância da heterogeneidade dos educandos da EJA, bem como de seu reconhecimento para a elaboração de um currículo. A autora discute a necessidade de articular os saberes da vida com os saberes da escola, reconhecendo que os saberes produzidos no cotidiano socio-cultural dos educandos podem ser pontos de partida fundamentais para a apren-dizagem daqueles escolares. Ariadne defende que o diálogo entre esses dois tipos pode contribuir para a permanência do educando na escola e para a continuidade da escolaridade. Outra defesa da autora refere-se à inserção dessas diferenças dos educandos na elaboração do projeto político-pedagógico da escola, de modo que garanta uma formação ética, em que a identidade do aluno é perpassada pela iden-tidade da escola. A autora conclui sua exposição teórica destacando a “importância da práxis, ou seja, da elaboração coletiva das práticas vividas no cotidiano, para que ocorra o efetivo direito à diversidade, valorizando a bagagem histórico-cultural dos alunos em prol de uma aprendizagem significativa e emancipatória”.

O texto de Rosimária Cardoso pretende discutir a formatação de um currículo a partir de elementos da prática docente que não rompem com aspectos de uma educação conteudista. A autora busca identificar características de uma prática “tra-dicional”, por meio de um estudo exploratório em que observa as aulas de duas professoras, buscando compreender o que pode proporcionar desmotivação dos educandos quanto à aprendizagem. A autora conclui que a prática conteudista ain-da é uma referência muito presente nas práticas dos docentes que, em sua maio-ria, não veem necessidade de alterar suas metodologias de trabalho para tornar as aulas mais instigadoras. Daí ressalta a necessidade de o educador ter uma postura de mediador na construção do conhecimento, por meio do desenvolvimento de atividades diversificadas e contextualizadas, que colaborem para a aprendizagem e a reflexão dos educandos.

O artigo do professor José Carlos Lima de Souza tem como objetivo discutir, a partir da V Conferência Internacional de Educação de Adultos, realizada em Ham-burgo, em 1995, a transição do paradigma de ensino supletivo para a educação ao longo da vida, no tempo presente. O autor desenvolve sua exposição teórica questionando: qual o papel da escola e da escolaridade na construção de uma sociedade mais justa e cidadã? que responsabilidade tem a escola no estabeleci-mento e consolidação da dominação nas sociedades contemporâneas? É a escola aparelho reprodutor das disparidades sociais? No primeiro momento, Souza vai dis-cutir o papel da escola entre dominação e transformação social, apresentando, de

Introdução

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forma breve, os pensamentos de autores como Althusser, Poulantzas e Bourdieu, que compreendem a escola como um dos pilares da dominação. É, portanto, nos estudos do pensador italiano Antonio Gramsci que busca encontrar outras referên-cias que contribuam para pensar a escola no papel da transformação social. Para Gramsci, a escola é o conjunto de relações sociais que envolvem a educação e a formação do indivíduo, voltando-se para a sua integração ao mundo e à sociedade, tornando-o sujeito de sua própria história, um intelectual no sentido gramsciano, um ser crítico e leitor do mundo, no sentido freireano. O autor retoma as funções da EJA (reparadora, equalizadora e qualificadora) como estratégias fundamentais para o projeto de emancipação social, em que o educando é um sujeito ativo na produ-ção de conhecimento. Desse modo, Souza conclui que o papel da EJA representa a formação de cidadãos conscientes de que a educação é um ato cotidiano e político, ao estimular reflexões que levem ao combate das desigualdades sociais, muitas ve-zes disfarçadas sob o véu da diversidade regional e multicultural.

Esperamos que a socialização dos saberes e das práticas dos professores possa inspirar outros educadores a escrever sobre o muito do que sabem, a divulgar as maravilhas que operam na sala de aula e a denunciar situações injustas, com vistas a ampliar o campo teórico-metodológico e a discussão das políticas para a efetivação do direito à Educação de Jovens e Adultos.

Introdução

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

REFERÊNCIAS

crUZ, D. m. Aprendizagem por videoconferência. in: littO, F. m.; FOrmiGA, m. m. (Org.). Educação à distância: o estado da arte. São paulo: pearson education do Brasil, 2009.

FUSAri, J. c.; FrAncO, A. p. A formação contínua como um dos elementos organizadores do projeto político-pedagógico da escola. rio de Janeiro: tV escola, ago. 2005. Formação contínua de educadores, boletim n.12.

pAcHecO, J. Sozinhos na escola. porto: profedições, 2003.

SeSc. Departamento nacional. Proposta pedagógica: educação de Jovens e Adultos. rio de Janeiro, 2000.

ZAccUr, e.; eSteBAn, m. Professora pesquisadora: uma práxis em construção. 2. ed. rio de Janeiro: Dp&A, 2002.

Introdução

Serviço Social do Comércio Educação em Rede

EJA: de ensino supletivo à condição de um novo paradigma para a educação no tempo presente

RESUMO

Naúltimadécada,sobinspiraçãodadeclaraçãodaUnesco,documentoresultantedaVConfe-rência Internacional de Educação de Adultos(Confintea), realizada em julho de 1997, emHamburgo, Alemanha, os educadores de EJAvêm ressignificando alguns fundamentos daeducação, entreeles, opapeldocurrículonaeducaçãoedaprópriaorganizaçãocurricular,elegendonovosobjetivos,incorporandonovaspreocupaçõesedesenvolvendonovasaborda-gens.Assim,destaca-seopapeldaEJAcomoumademandasocialvinculadaàampliaçãodacidadaniaaossegmentosexcluídosdasocieda-debrasileira,ressaltandosuaspotencialidadescomoinstrumentodeampliaçãoeaprofunda-mento da democracia no Brasil. Para isso, éfundamentalrefletiracercadopapeldaeduca-çãonalutacontraasdesigualdadessociaisenaconstruçãodeumasociedademaisjusta.

PAlAVRAS-CHAVE:EducaçãodeJovenseAdultos;cidadania;leitordemundo;intelec- tualorgânico.

José Carlos Lima de Souza*

ABSTRACTIn the last decade, under the inspiration of the UNESCO Declaration, a document resulting from the Fifth International Conference on Adult Education (Confintea), held in July 1997 in Hamburg, Germany, the Youth and Adult educators are giving new meaning to some educational fundamentals, among them, the role of the curriculum in education and the organization of the curriculum itself, electing new objectives, incorporating new concerns and developing new approaches. Thus, the role of Youth and Adult Education is stressed as a social demand linked to the expansion of citizenship to the excluded segments of Brazilian society, highlighting its potential as a tool to broaden and deepen democracy in Brazil. To this end, it is crucial to reflect on the role of education in combating social inequalities and building a fairer society.

KEYwords: Youth and Adult Education; citizenship; world reader; organic intellectual.

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* Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em História pela

UFF, bacharel e licenciado em História pela UFF, bacharel em Informática, pós-graduado

em História do Brasil pela UFF, professor de História na Rede Municipal do Rio de Janeiro,

colaborador do Grupo de Trabalho de Atualização Curricular em EJA na Secretaria Munici-

pal do Rio de Janeiro (disciplinas História e Geografia), colaborador do Grupo de Trabalho

para a Elaboração de Material Didático em EJA na Secretaria Municipal de Educação do

Rio de Janeiro (disciplinas História e Geografia), professor do Colégio Santa Mônica, pes-

quisador na UFF.

A construção e o permanente aprofundamento da democracia não são tarefas restritas ao domínio da política, pois demandam a ampliação de horizontes também no campo social, e, dentro dele, as ações no campo da cultura e da educação mere-cem destaque como duas dentre as diversas iniciativas promotoras da emancipação das classes menos favorecidas. O objetivo deve ser tornar essas ações parte integran-te e ativa na formação de um sujeito coletivo crítico e, portanto, formador de uma coesão social baseada na diversidade cultural e no respeito às diferenças, fundados sobre um humanismo de caráter coletivista e popular, estabelecendo uma conver-gência entre a pedagogia do oprimido, de Paulo Freire, e a escola de Gramsci.

Nesse sentido, esta reflexão ganha cientificidade à medida que situa a Educa-ção de Jovens e Adultos como uma síntese entre a pedagogia do oprimido, de Pau-lo Freire, e a proposta gramsciana de escola. Portanto, cria um novo conceito de escola, já não mais colocada como um mero espaço físico dedicado à educação. Ao contrário, escola é um conjunto de relações sociais que envolvem a educação e a formação do indivíduo social, que está voltado para a sua integração ao mundo e à sociedade, tornando-o sujeito de sua própria história, um intelectual, no sentido gramsciano, um ser crítico e leitor do mundo, no sentido freireano. Tendo como su-porte o referencial teórico delimitado no parágrafo anterior, esta abordagem sobre a EJA se desenvolve a partir das seguintes indagações.

qual será o papel da escola e da escolaridade nesse processo de construção •de uma sociedade mais justa e cidadã?

que responsabilidade tem a escola no estabelecimento e na consolidação de •uma dada forma de dominação nas sociedades humanas contemporâneas?

Não seria a escola uma instância apassivadora dos segmentos sociais mais •explorados, marginalizados e discriminados da sociedade, ou mesmo um aparelho reprodutor dessas disparidades?

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A escola: entre a dominação e a transformação social

Para a maioria das matrizes teóricas contemporâneas que analisam a temática do Estado, não há nenhuma possibilidade de crítica e transformação da sociedade que passe pelo papel da escola.1 Para os jusnaturalistas,2 por exemplo, a escola se vincula às atribuições do contrato social, que criam as bases para o “Estado civil”, garantindo ao povo a condição de civilizado, abrindo mão de certas prerrogativas como a liberdade, conciliando-a à sujeição. Desse modo, a escola acaba-se consti-tuindo num instrumento que promove o alcance da razão por parte da soma de indivíduos, de modo que saiam do seu “estado de natureza”, sendo, portanto, uma instituição fundamental para a emancipação e a promoção dos indivíduos civiliza-dos, tendo um caráter afirmativo, de avanço, de conquista em direção ao progresso da humanidade.

Para uma parte dos marxistas, por outro lado, ela está ligada direta ou indiretamente à teoria da reprodução, constituindo-se para alguns autores no pilar fundamental para a constituição de uma dada dominação. Segundo Althusser (apud CARNOY, 1994, p. 125-126), por exemplo, a escola, entendida como “aparelho ideológico de Estado”, tal como outras instituições, como a Igreja e o Exército, está fadada a reproduzir um conjunto de valores e saberes, sob bases teóricas e práticas que garantam a sujeição da classe operária à ideologia dominante ou às manobras operadas pela mesma. Essa afirmação baseia-se no fato de que a reprodução da força de trabalho exige não somente uma reprodução da qualificação, mas também a submissão às regras da ordem social estabelecida, o que sugere que o momento da formação educacional seja na verdade a oportunidade para estabelecer como conjunto de códigos sociais um conjunto de regras que ampliam e garantem a eficácia da ideologia dominante para os agentes da exploração e da repressão, a fim de que possam assegurar por todos os meios a dominação de classe. E essa ideologia é comum a todos, de modo que cada qual desempenhe a sua tarefa, sejam os proletários, os explorados, sejam os capitalistas, os exploradores. Nesse sentido, o papel do educador aqui ou é o de agente da exploração, ou, por outro lado, o de militante solitário contra a ideologia, contra o sistema e contra as práticas

1. escola, aqui, obviamente não se refere a um espaço físico dedicado à instrução de alunos; é um conceito que está relacionado ao conjunto de relações sociais que envolvem a educação e a formação do indivíduo, voltado para sua integração ao mundo e à sociedade, tornando-o sujeito de sua própria história, um intelectual, no sentido gramsciano, um ser crítico e leitor do mundo, no sentido freireano.

2. Defensores da existência de um “direito natural” do indivíduo, que prevalece às normas jurídicas.

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em que este o encerra, constituindo-se numa verdadeira batalha perdida (LUCKESI, 1990, p. 45-48).

Segundo Poulantzas (1981, p. 162), mesmo que a escola fosse capaz de tornar o educando crítico, passando a ser sujeito de si próprio e partícipe das lutas popu-lares, estaria ainda assim inscrita nos aparelhos de poder que materializam essas lutas, pois, segundo ele, há um “encadeamento complexo do Estado com o con-junto de dispositivos de poder”. Para frisar esse aspecto, ele aponta o fato de que o próprio Estado, como ponto de equilíbrio instável da seleção entre frações das classes dominantes e das classes dominadas, possui um mecanismo de “seletivida-de estrutural” da informação, dado por parte de um aparelho e de medidas tomadas pelos outros. Essa seletividade resulta da materialidade e história próprias de cada aparelho, da representação específica de interesses particulares em seu interior e do seu lugar na configuração da relação de forças dentro do Estado, incluindo-se aqui a escola (ibidem, p. 154). Daí a mais crítica e revolucionária escola permane-cer inscrita no conjunto de aparelhos que reproduzem o tipo de dominação numa dada sociedade, a não ser que ponha em xeque os elementos fundantes dessa or-ganização social, tarefa árdua e inócua, pois seu raio de alcance e a correlação de forças com outros aparelhos jamais lhe serão favoráveis.

Até aqui, o que se observa, portanto, é o fato de que a escola não é o espa-ço privilegiado para uma ação revolucionária, que envolva mudança de valores ou consciência das classes dominadas, pois a ideologia dominante atua sobre sua or-ganização, limitando suas possibilidades de subverter uma relação social de explo-ração e dominação.

Para Bourdieu (1996, p. 105), é especialmente por meio da escola que as cate-gorias do pensamento são elaboradas e impostas, o que, a princípio, condiciona toda a visão de mundo reproduzida pela escola como restrita, porque é produzida e garantida pelo Estado. Enquanto formadora de hábitos, a escola “propicia aos que se encontram direta ou indiretamente submetidos a sua influência uma disposição geral geradora de esquemas particulares capazes de serem aplicados em campos diferentes do pensamento e da ação” (idem, 1987, p. 210), denominada “habitus cultivado”, realizando um conjunto de operações que atuam no consciente e no inconsciente dos indivíduos, internalizando esquemas que fazem parte da cultu-ra. Tentando escapar do determinismo estrutural, Bourdieu identifica a tarefa das pedagogias escolares como uma forma de habitus, ou seja, um sistema de dispo-sições inculcado na pessoa em desenvolvimento, com o objetivo de gerar os tipos

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apropriados de ações e atitudes na vida posterior. Esse é o meio através do qual as escolas podem passar seu capital simbólico. Dessa forma, a escolarização está liga-da a uma forma de opressão e não de emancipação dos indivíduos, praticando uma “violência simbólica”, o que não é planejado pelos educadores, mas é amplamente produzido pela ação das próprias classes dominantes, ou melhor, pela interação entre as mesmas e um sistema educacional conservador. No entanto, a novidade aqui é que, pela sua própria lógica de funcionamento, a escola pode modificar o conteúdo e a essência da cultura que transmite:

A cultura não é apenas um código comum nem mesmo um repertório comum de respos-

tas a problemas recorrentes. ela constitui um conjunto comum de esquemas fundamen-

tais, previamente assimilados, e a partir dos quais se articula segundo uma “arte da inven-

ção” análoga à da escrita musical, uma afinidade de esquemas particulares diretamente

aplicados a situações particulares (BOUrDieU, 1987, p. 208-209).

Desse modo, a escola cumpre uma função expressa de transformar o legado coletivo em inconsciente individual e comum (ibidem, p. 212-215).

Essa possibilidade sugere que haja uma “autonomia restrita”, em que, ainda que difícil, não seja de todo impossível pensar que a mudança possa passar pela escola. O maior problema dela não está na imposição das desigualdades de clas-ses, mas, sim, em naturalizar um conjunto de conteúdos, cujo caráter arbitrário é ocultado,3 legitimando uma ordem social que torna efetivas as relações de poder e a desigualdade, sem que os dominados possam ter clareza disso. Assim, o que as classes dominantes detêm é o “poder simbólico”. Cabe destacar que, em Bourdieu, a reflexão acerca da escola e a teoria do Estado introduzem o conceito de cultura e de habitus. Se, por um lado, se remetem a uma teoria da reprodução, por outro, mostram como o processo de construção e conservação de uma dada dominação é dinâmico, atuando nas mentes; daí a necessidade de que essa dimensão da realida-de social também seja alvo de investigação por parte dos que refletem sobre teorias da mudança, e até mesmo da revolução social.

Mas, se até aqui a escola é vista como um dos principais pilares da dominação e, portanto, refletir sobre modelo de escola é algo que está superado para aqueles

3. lembro aqui da permanente tentativa do mSt de elaborar e atualizar um calendário próprio, com datas e cronolo-gia marcada pela própria história social dos movimentos rurais do Brasil, dando destaque, por exemplo, a movimentos que a historiografia de ensino médio e Fundamental pouco destaca, como a Guerra de canudos e o contestado. trata-se de uma tentativa de resistência.

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que se dedicam a pensar na emancipação das classes subalternas e oprimidas, veja-mos o que se pode dizer sobre ela no pensamento de Gramsci.

Tendo sido um dos fundadores do Partido Comunista da Itália em 1921, esse autor tornou-se uma das maiores referências do pensamento marxista e da esquer-da mundial no século passado. Embora comprometido com a revolução proletária, acreditava que a tomada do poder deveria, necessariamente, ser precedida por mu-danças de mentalidade por parte das classes subalternas. Para ele, os intelectuais eram os atores privilegiados dessa mudança, e a escola, um dos seus instrumentos mais importantes. Foi ele quem trouxe à discussão pedagógica a elevação cultural das massas como um objetivo primordial da escola. Por ela, as classes populares se livrariam de uma visão de mundo assentada em preconceitos e tabus que se cons-tituem no “senso comum”, predispondo-se à interiorização acrítica da ideologia das classes dominantes.

Uma das originalidades desse pensador italiano está no fato de ter se detido particularmente no papel da cultura e dos intelectuais nos processos da mudança na história, e é nesse contexto que se inserem suas ideias sobre educação. Para en-tendê-las é preciso conhecer o conceito de “hegemonia”, um dos pilares do pensa-mento gramsciano. Sua obra maior foi escrita na prisão, vindo a público após a sua morte, tendo sido produzida sob rigorosa censura, o que o obrigou a adotar uma linguagem codificada, substituindo expressões como “marxismo” por “filosofia da práxis”, “comunismo”, por “sociedade regulada” etc. Nessas condições, desenvolveu também conceitos originais como “bloco histórico”, “intelectual orgânico”, e aprimo-rou outros, como o conceito de “partido”, de “revolução” e de “sociedade civil”.

A hegemonia significava para Gramsci a relação de domínio de uma classe so-cial sobre o conjunto da sociedade. Domínio esse que se dá em duas esferas: uma delas é a “coerção”, em concordância com as reflexões do marxismo clássico. Con-tudo, há uma outra mais eficaz, mais rica e mais dinâmica, sendo a responsável por uma mudança de contexto em relação às táticas dos partidos revolucionários, por-que as tarefas da revolução também mudam em diversos contextos históricos, que é o “consenso” obtido pela classe dominante junto às subalternas. Talvez pelo fato de que sua reflexão tenha se baseado em experiências políticas socialistas derrota-das na Itália, onde o fascismo assumiu ares de um movimento de massas.

Gramsci teve oportunidade de analisar o pensamento das massas e a relação das mesmas não só com as classes dominantes, mas, sobretudo, com os seus va-

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lores, podendo observar o que elas reproduziam. E essa observação lhe permitiu compreender que a complexidade da dominação se encontrava no “consenso”.

Gramsci constatou que a revolução na Itália passava por peculiaridades que demandavam tempo e paciência revolucionários, desconhecidos para o movimen-to socialista internacional na época, até mesmo pela maneira como havia sido for-mada a cultura das massas populares na Itália; uma questão relacionada não só às chamadas massas camponesas amorfas do sul italiano agrário, mas também aos proletários do norte industrializado. Portanto, o “consenso” estava intimamen-te ligado à cultura, tratando-se de uma liderança ideológica conquistada entre a maioria da sociedade, e formada por um conjunto de valores morais e regras de comportamento.

Segundo Gramsci, “toda relação de hegemonia é necessariamente uma rela-ção pedagógica”, isto é, uma experiência que envolve aprendizado. Para ele, a he-gemonia é obtida por meio de uma luta “de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política”. Ou seja, é necessário primeiro conquistar as mentes, para depois conquistar o poder. Mas isso nada tem a ver com a manipula-ção ideológica. Para Gramsci, a função do intelectual e, por conseguinte, da escola também, é estabelecer uma mediação para a tomada de consciência dos subalter-nos, e por que não dizer dos educandos, no ambiente escolar, algo que passa pelo autoconhecimento individual e implica reconhecer “o próprio valor histórico”, o que Nosella (2004) afirma não se tratar de um mero doutrinamento abstrato.

O terreno da luta de hegemonias é a sociedade civil, que compreende institui-ções de legitimação do poder do Estado, como a Igreja, a escola, a família, os sindi-catos, os meios de comunicação. Ao contrário do marxismo tradicional, que tendia a considerar essas instituições, mecanicamente, como meros aparelhos reprodutores da ideologia do Estado, Gramsci via nelas a possibilidade de início das transforma-ções, pela construção de uma nova mentalidade, própria das classes dominadas.

Na escola vislumbrada por Gramsci, as classes menos favorecidas poderiam se inteirar dos códigos dominantes, a começar pela alfabetização e pela construção de uma visão de mundo que levasse os indivíduos a superarem o “senso comum”, que é um conjunto de conceitos desagregados vindos de fora, além de impregnados de equívocos em virtude da religião e do folclore.

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Ainda em relação à escola, segundo Gramsci, para que o educando adquirisse capacidade crítica era necessário que lhe fosse apresentado um currículo que tra-balhasse as noções instrumentais, tais como ler, escrever, fazer contas, conhecer os conceitos científicos, além de seus direitos e deveres como indivíduo social. O autor defende a manutenção de uma escola única, voltada para a cultura geral, huma-nista e formativa, dando acesso aos educandos a “um ensino desinteressado”, des-tinado a criar os primeiros elementos de intuição acerca do mundo, liberta de toda “magia” ou “bruxaria”. Gramsci acreditava que, pelo menos nos primeiros anos de estudo, o educador deveria transmitir conteúdos aos educandos. A “escola unitária” de Gramsci é a escola do trabalho, mas não no sentido estreito do ensino profissio-nalizante, através do qual se aprende somente a operar.

Segundo Nosella (2004), em termos metafóricos, “não se trata de colocar um torno mecânico em sala de aula, mas sim de ler livros sobre seu significado, a histó-ria e as implicações econômicas do equipamento”. Trata-se, portanto, de uma escola que recupera o significado da própria educação, resgatando um sentido mais am-plo da descoberta e da construção do conhecimento, tornando o educando sujeito do conhecimento, promovendo-o construtor/elaborador do saber. Tudo isso deve ser construído dentro da correlação de forças estabelecida, permitindo ao educan-do desmistificar a cultura das classes dominantes e, assim, aos poucos, buscar dife-renciar a sua cultura daquela.

Gramsci (2000), portanto, atribui à escola e à educação um caráter emancipador diverso das teorias anteriores. Ele afirma que o princípio de toda mudança está em conhecer com clareza a constituição dos valores dominantes, para que, posterior-mente, fique claro para as classes subalternas o quanto o universo simbólico, os valores e visão de mundo universais têm, na verdade, do caráter de classes daqueles que dão a direção ao Estado. Segundo o autor, quem não tem conhecimento de seus próprios interesses vive segundo os interesses de outros, e, assim, arrisco-me a dizer que a luta pela construção de uma contra-hegemonia, ou seja, “a guerra de posições gramsciana” passa necessariamente pela permanente construção/des-construção de valores/contravalores, em um processo cuja dinâmica escapa à esco-la e à educação continuada, pois a construção da hegemonia também é dinâmica e está sempre em movimento, pronta a ser elaborada e reelaborada, definida e redefi-nida. E esse movimento, que se dá no âmbito da sociedade civil, forma “intelectuais orgânicos”, organizadores de uma cultura sob novas bases ético-morais, em que as

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classes subalternas, alcançando “o bom senso”, passam a imprimir um movimento orgânico em direção a sua emancipação.

Diferentemente de muitos pensadores clássicos da educação, como Jean Jacques Rousseau, que subordinavam o processo pedagógico à natureza, sugerindo que a própria evolução das crianças daria conta de grande parte do aprendizado, Gramsci tinha outra ideia. Segundo o pensador italiano, a educação é uma luta contra os instintos, ligados às funções biológicas elementares, uma luta contra a natureza, para dominá-la e criar o homem “atual” a sua época. Trata-se de uma polêmica acerca do papel da educação como sendo o de distanciar o homem da natureza. Gramsci, sem dúvida, atribui à escola um caráter mais dinâmico e mais socializante.

Porém, tomar a análise do papel da escola em Gramsci não significa ignorar que as visões de Althusser, Poulantzas e Bourdieu, e os problemas que colocaram, estejam superadas pelo primeiro. Pelo contrário, trata-se, aqui, de reconhecer os desafios por eles apontados, buscando superá-los. Gramsci, nesse caso, aponta uma direção que abre novos horizontes para a educação, para a qual converge tanto o seu pensamento, como também o de Paulo Freire, em que a educação é vista como um ato político, já que tem um objetivo político, que é a libertação das massas de uma verdadeira cegueira ideológica, cuja importância já havia sido expressa por Marx em O capital – Tomo III, quando afirma que “se toda essência se confundisse com a sua aparência, o homem não precisaria de ciência”. Escola é o conjunto de relações sociais que envolvem a educação e a formação do indivíduo, voltando-se para a sua integração ao mundo e à sociedade, tornando-o sujeito de sua própria história, um intelectual, no sentido gramsciano, um ser crítico e leitor do mundo, no sentido freireano.

As funções da EJA e a revolução cidadã

Após analisarmos as possibilidades e potencialidades da escola, devemos tam-bém ter em conta nesta discussão um outro aspecto fundamental, que é o sujeito da aprendizagem e do processo educativo, a saber: o educando. Sabemos que o melhor Projeto Político-Pedagógico, o melhor planejamento, a melhor Lei de Diretrizes e Ba-ses da Educação não surtirão o menor efeito se não se buscar mobilizar outros ele-mentos e outras esferas da sociedade, na tentativa de ampliar ao máximo a divisão das tarefas ligadas à inclusão desses sujeitos sociais que são os educandos da EJA.

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Os alunos da EJA, em geral, vêm procurar os estudos, muitas vezes, acreditando que a escola representa uma via concreta e objetiva de garantir por si a inclusão so-cial. Deixam de ver, por outro lado, que a EJA, tal como um direito, representa uma possibilidade de construção de uma trajetória rumo às chances de inclusão social que estão colocadas na nossa sociedade, sendo marcadas, nestes tempos neolibe-rais, sobretudo, por uma grande timidez, limitação ou escassez de oportunidades. Daí a complexidade da tarefa daqueles que se dispõem a trabalhar a serviço de uma educação transformadora, e nisso consiste sua tarefa revolucionária: receber, aco-lher, estimular e coletivizar pessoas, nas quais a baixa autoestima e a falta de amor próprio e autoconfiança formaram uma espécie de cadeado, que fecha boa parte das passagens no coração humano para uma vida mais intensa, vivida com mais profundidade na sua dimensão humanista e filosófica. Curiosamente, essa condição representa algo parecido com uma espécie de cárcere ou prisão, sendo, nesse caso, bem diferente daquilo que encontramos pelas delegacias e presídios de nossas ci-dades e do nosso país. Trata-se de um “aprisionamento sem paredes”. Portanto, a luta que é travada pela maioria dos educandos da EJA tem como sentido principal a inclusão nos limites daquilo que é chamado de cidadania, e, não, pela fuga de suas fronteiras, tal como ocorre nas prisões de concreto. As grades desse novo tipo de ca-deia são formadas pelos fatores responsáveis nas sociedades contemporâneas por todas as formas de exclusão social, das quais muitos alunos da EJA são, por diversos motivos, vítimas e prisioneiros neste país.

Faço aqui uma referência a um pensamento de Freire (1986), do final da década de 1950, e que mais tarde veio a ser desenvolvido na “pedagogia do oprimido”, acerca do problema do analfabetismo no Brasil. Dizia ele: “O analfabetismo no Brasil é um problema. A alfabetização não é a sua solução.” Segundo o filósofo da educação, essa questão deve ser analisada sob dois aspectos. Primeiramente, o analfabetismo deve ser visto não como um problema em si, mas, sim, um sintoma de algo muito maior, cujas raízes se encontram na própria exclusão social; portanto, combatê-lo deve significar combater os fatores causadores da miséria e de outros problemas que afligem as camadas mais pobres da sociedade brasileira, vítimas do analfabetismo e não simplesmente responsáveis por ele. Por outro lado, Freire lembra que toda a trajetória de exclusão social e analfabetismo gerou e continua gerando mais miséria. Portanto, estando sua solução para além da escola, toda tentativa de promover a inclusão cidadã partindo somente da alfabetização e da educação se faz inócua, a menos que ambas as ações sejam encaradas como atos políticos, comprometendo-se com mudanças mais profundas nas relações sociais

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vigentes. Daí a educação ser um ato político, ou seja, ter uma intencionalidade, que tem, e tem que ter mesmo, uma dimensão politizante, para muito além da dicotomia do “educar para ser mandado e educar para mandar”.

Por outro lado, como pensar em virar essa página da história da sociedade bra-sileira sem que aqueles que são os sujeitos da mudança venham a ser não só partíci-pes, mas, sobretudo, formuladores da mesma? E é aqui que se insere a relevância do papel da Educação de Jovens e Adultos. Ela deve dar conta dessa demanda e desse papel. E, nesse sentido, ela pode vir a se constituir num dos pilares de mudança, ajudando a construir uma sociedade mais justa, mais democrática, na qual os valo-res coletivos e o compromisso com a promoção da cidadania alcancem a todos. Por isso, podemos estabelecer um elo muito forte entre as funções da EJA expressas por Cury (2000, apud SOARES, 2002, p. 32-35) no Parecer 11/2000, a saber, “reparadora”, “equalizadora” e “qualificadora”, e o “leitor do mundo” freireano, assim como o “inte-lectual orgânico” gramsciano.

A articulação de todos esses princípios faz da EJA uma estratégia fundamen-tal para a legitimação de qualquer projeto de transformação social voltado para a emancipação das massas populares. Para Gramsci, é de fundamental importância que se promova uma reforma ético-moral que eleve as classes subalternas do esta-do de atordoamento frente ao caráter multifacetado da dominação e subordinação às quais estão submetidas. Assim, a “reparação” de uma grande dívida social em relação ao direito à escola de qualidade não pode abrir mão da reparação desse ser, que, isolado da educação, também se viu trancado pelo lado de fora da sociedade e teve seu acesso negado a tantas e tantas oportunidades.

A “equalização” compreende o dever de garantir não só o acesso, mas também o de socializá-lo ao máximo, tendo em vista o horizonte da igualdade de oportu-nidades para todos, sem distinções de qualquer espécie. E, por fim, a “qualificação” tem como objetivo produzir nesse “educando” uma consciência crítica, que o leve a ser capaz de fazer uma análise concreta de si mesmo, de sua história, tornando-o sujeito de seu próprio viver. Ao mesmo tempo, deve despertá-lo para a realidade de que é um ator social e que tem o compromisso de ajudar na construção de uma so-ciedade mais justa, solidária, fraterna e democrática, em que a diversidade cultural torna a vida mais rica de possibilidades, o que, ao contrário do que pode parecer, viabiliza a busca do universalismo, segundo Frigotto (2002, p. 13-25).

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Por isso mesmo, o educando não pode abrir mão de uma educação permanente e da formação continuada, pois não se trata de especializar ou tecnicizar, mas, sim, investigar, formular hipóteses, fazer ciência, filosofar. Essa é a “revolução cidadã” de que tanto necessita o nosso país. E, sabendo de sua importância, alguns movimen-tos sociais no Brasil do tempo presente já se deram conta de que não poderão abrir mão da escola, e, por isso mesmo, discutem, constroem, aperfeiçoam seus projetos de educação em todos os segmentos, incluindo a EJA; agora já não mais com intuitos de fortalecer sua militância, mas também de ampliar os limites e a capacidade de seus atores de atuar na luta do dia a dia, na construção de alianças, na elaboração de alternativas para os problemas que extrapolam seus interesses corporativos.

O papel da EJA não se esgota, pois ela representa não o compromisso de pro-duzir alunos certificados, mas cidadãos conscientes de que a educação é um ato cotidiano. A produção do conhecimento e a partilha de saberes são ações que não se encerram na sala de aula, mas, ao passar por ela, devem sofrer uma dinamização impulsionadora, que tem outras etapas e deve ser permanentemente renovada. E essa descoberta envolve os próprios profissionais de ensino a ela dedicados, pois é fundamental que se rompa com uma visão mecanicista de educação, ligada ao ensino de conteúdos, na perspectiva de uma educação bancária, passiva e apassi-vadora, que aliena ao invés de emancipar, que desumaniza ao invés de humanizar (RUMMERT, apud DE VARGAS et all, 1999, p. 39-49).

Portanto, todos os aspectos até aqui abordados nos remetem ao verdadeiro educador freireano, que é aquele que educando se educa, e, portanto, também ele se torna, em última análise, um sujeito da educação. Já não mais atua como professor que transmite verdades prontas e acabadas, mas, sim, como educador, mediador, companheiro de luta, solidário com aqueles com os quais compartilha experiências de vida. Na verdade, ele próprio também se nutre delas, renovando sua prática didático-pedagógica, criticando-a e reavaliando-a, para, assim, mantê-la viva e fecunda, constituindo-se em fonte inesgotável de ampliação do conhecimen-to, que é um bem coletivo.

Se, no passado, o papel da Educação de Jovens e Adultos era meramente re-parador, sem sequer dar conta da equalização, e menos ainda da qualificação, urge consolidá-la como um segmento da educação, pelo quanto podemos ver que sua relevância hoje faz com que se equipare a qualquer um dos outros segmentos tra-dicionais já existentes. E esse fato não se faz confirmar meramente por causa da realidade dos números e estatísticas da educação no país, mas também pelo fato

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de que as novas fronteiras do mundo globalizado perpassam as questões mais co-muns do dia a dia das pessoas, mexendo com antigos princípios e lógicas que até então vinham dando o tom e o ritmo da vida.

Tal realidade renova e aprofunda as formas pré-existentes de exclusão eco-nômica, política e social a que nos referimos anteriormente, quando tratamos das “prisões sem paredes”. Nos dias atuais, os novos recursos e tecnologias na área da informática e das telecomunicações, ao mesmo tempo em que alargam os hori-zontes da vida humana, podem produzir e têm produzido um abismo entre os que têm e os que não têm acesso a essas ferramentas: é a modernidade produzindo um novo e perigoso tipo de abismo social que é a exclusão digital.

Como segmento da educação, a EJA, com toda a sua especificidade, tem que chamar para si a responsabilidade de avaliar não só a exclusão existente, mas tam-bém combater sua reprodução, estimulando reflexões que valorizem o combate às desigualdades sociais, muitas vezes disfarçadas sob o véu da diversidade regional e multicultural. Seu caráter singular é reforçado pela necessidade de universalizar as conquistas sociais, colocando-se na contramão da construção de toda e qualquer forma de apartheid, seja ele político, econômico, social, étnico etc. E, nesse sentido, somente a EJA tem essa demanda, pois ela envolve não os educandos que serão “amanhã”, mas aqueles que poderiam ter sido “ontem” e que devem ser “hoje”. É aqui que ela se autonomiza, pois seu método e sua dinâmica próprios lhe conferem a condição de adquirir nos próximos anos uma dimensão capaz inclusive de propor respostas para os atuais problemas enfrentados pela educação como um todo.

EJA: de ensino supletivo à

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EJA – de ensino supletivo à condição de um novo paradigma para a educação no tempo presente

Serviço Social do Comércio Educação em Rede

As teorias críticas do currículo e o processo de execução, construção e ressignificação de práticas curriculares na Educação de Jovens e Adultos

Alessandra Nicodemos*

RESUMOEsteartigopropõe-seaumaanálisedasques-tõesquecircundamocampodocurrículonoâmbitodaEducaçãodeJovenseAdultos(EJA),procurandoestabelecerumaconexãoentreodebatecurricularcríticoeaEJA.Numprimei-romomento,faremosumresgatehistóricodasprincipaisteoriasdocurrículoquesesedimen-taramaolongodoséculoXX,identificandoosseuspressupostosbásicosesuascategoriasdeanálise.Numsegundomomento, identificare-mos,nessaanálisehistórica,apotencialidadedas teorias críticas como espaço de entendi-mentodasquestõesteóricas,políticasemeto-dológicasdaEducaçãodeJovenseAdultosnoBrasil,nosdiasatuais.Procuramos,assim,des-velarnovaspossibilidadesde“práticas”curri-culares,naperspectivadereconhecimentodaatualidadedasquestões trazidaspelas teoriascríticasdocurrículo.

PAlAVRAS-CHAVE:currículo;teoriasdocurrícu-lo;práticascurriculares;EducaçãodeJovens eAdultos.

ABSTRACTThis article proposes an analysis of the issues surrounding the curriculum field in the context of Youth and Adult Education, seeking to establish a connection between the critical curriculum debate and Youth and Adult Education. At first, we’ll make a historical review of the major curriculum theories that took roots along the twentieth century, identifying their basic assumptions and categories of analysis. secondly, we will identify in this historical analysis the potentiality of the Critical Theories as a way of understanding the political, theoretical and methodological issues of Youth and Adult Education in Brazil today. Thus we hope to uncover new opportunities for curriculum “practices” in anticipation of today’s recognition of the issues brought about by the Critical Curriculum Theories.

KEYwords: curriculum; Curriculum Theories; curriculum practices; Youth and Adult Education.

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1 O campo do currículo

Na perspectiva dos autores do campo do currículo, este representa importante aliado na transmissão e formulação de valores, normas, práticas sociais e comporta-mentos em uma determinada sociedade. Numa análise mais pragmática, podemos considerar, então, o currículo como seleção de conhecimentos e saberes e essa se-leção não é feita de forma aleatória ou desprovida de intencionalidade. O conheci-mento é selecionado de acordo com o tipo de pessoa que pretende forjar (SILVA, 2005; MOREIRA, 2003).

E é nesse processo complexo de seleção que surgem as teorias do currículo, procurando identificar os determinantes que justificam e legitimam os conheci-mentos que serão selecionados ou não e sua intencionalidade.

Qual é o tipo de ser humano desejável para um determinado tipo de sociedade? Será a

pessoa racional e ilustrada do ideal humanista de educação? Será a pessoa otimizadora e

competitiva dos atuais modelos neoliberais de educação? Será a pessoa ajustada às ideias

de cidadania do moderno estado-nação? Será a pessoa desconfiada e crítica dos arranjos

sociais existentes preconizados nas teorias educacionais críticas? (SilVA, 2005, p. 15).

O que se percebe no exame das teorias do currículo são duas questões fun-damentais: uma, de identidade; outra, de subjetividade. Ou seja, o conhecimento constitutivo do currículo está totalmente implicado naquilo que somos, naquilo que nos tornamos. Outro aspecto que emerge nas teorias do currículo é a questão do poder, quando nos deparamos com alguns enunciados que são produzidos nos documentos curriculares, tais como: “o que o currículo deve ser”, “privilegiar um tipo de conhecimento”, “escolher uma identidade ou subjetividade como sendo ideal”.

Segundo Silva (2005), podemos organizar as teorias do currículo em três gran-des grupos: as teorias tradicionais, as teorias críticas e as teorias pós-críticas.

As teorias críticas do currículo e o processo de execução, construção e ressignificação de práticas curriculares na Educação de Jovens e Adultos

* Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense, bacharel e licenciada em His-

tória, professora da Pós-graduação em EJA da Universidade Estácio de Sá, professora do

Curso de História e Pedagogia da Universidade Estácio de Sá, professora do CEFET de

Campos, tutora do SENAC Rio de Janeiro, coordenadora do Grupo de Trabalho para Atua-

lização Curricular em EJA na Secretaria Municipal do Rio de Janeiro (disciplinas História e

Geografia), coordenadora do Grupo de Trabalho para a Elaboração de Material Didático

em EJA (disciplinas História e Geografia).

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As questões propostas pelas teorias tradicionais partem de uma perspectiva de neutralidade científica para as questões educacionais, limitando-se, assim, às ques-tões técnicas de sua elaboração. O modelo afirma um caráter altamente comporta-mentalista da educação. Essa noção de currículo, a partir dos anos de 1960, passa a sofrer crítica, devido ao seu caráter reducionista e técnico.

As colaborações posteriores, ensejadas nas teorias críticas e pós-críticas do cur-rículo, não eliminam o seu aspecto prescritivo, porém, ampliam o debate no sentido de incorporar determinados conceitos em novos paradigmas curriculares. O currí-culo passa a ser considerado, então, um campo contestado e de disputas em torno do que ensinar, como ensinar, para que ensinar e para quem ensinar. Reflexões de-senvolvidas a partir de então incorporam conceitos como: ideologia, poder, cultura, multiculturalismo, gênero, etnia e tantos outros (SILVA, 2005).

2 As teorias do currículo

Currículo, no sentido que entendemos atualmente, é resultado de uma litera-tura construída no início do século xx. Consideramos o aparecimento do currículo, pela primeira vez como um objeto específico de estudo e pesquisa, nos EUA, nos anos de 1920, num processo de conexão entre industrialização, movimentos migra-tórios e escolarização. Nesse contexto, a escola passa a ser vista como lócus privile-giado de disseminação e inculcação de valores considerados fundamentais para as futuras gerações, além de ter a função de adaptá-las às transformações econômicas, políticas e sociais que ocorriam de forma acelerada no país.

Assim, abriu-se o caminho para o alargamento do sistema educacional para a população de poucos recursos sociais nos EUA. Concomitantemente a esse proces-so de ampliação da escolarização, diversos grupos da elite econômica, política e social norte-americana passam a defender o enquadramento do ensino escolar às necessidades do desenvolvimento econômico. Perceberam-se imperiosas a orga-nização, otimização e ordenação do currículo escolar para atender a critérios de eficiência e cientificidade na formação de mão de obra; critérios esses irmanados com a predominância do corolário positivista nas ciências, no final do século xIx e início do século xx. Diante de tamanha importância dada ao papel da escola e de seu currículo, estudiosos da educação se debruçam sobre o tema.

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Começam a se estruturar, então, processos de formação de especialistas, a ins-titucionalização de disciplinas e departamentos universitários, a criação de uma burocracia estatal especializada em currículo e reformas curriculares, além de uma significativa produção de material especializado sobre o tema.

Na perspectiva das teorias tradicionais do currículo, sedimentadas nesse mo-mento, este seria reduzido a uma questão de organização das inúmeras tarefas dos agentes educacionais e, assim, atuariam de forma burocrática e mecânica. Definiam-se, ainda, habilidades a serem desenvolvidas, sobretudo, mecanismos de acompanhamento e verificação escolares.

Esse modelo curricular tradicional começa a sofrer contestação, a partir dos anos de 1970, no debate educacional nos EUA e na Europa, principalmente por não conseguir apresentar alternativas teóricas e práticas para uma questão central no processo de escolarização de massa: a repetência e a evasão de determinados gru-pos sociais. A teoria tradicional estava centrada numa perspectiva do currículo me-ramente técnica e prescritiva, não reconhecendo as relações de poder existentes na sociedade e sua estreita relação com a educação, currículo e fracasso escolar.

As teorias críticas vão inserir nos debates curriculares novas reflexões e profun-dos questionamentos sobre o papel da educação e do currículo na reprodução da sociedade capitalista; e conceitos como ideologia, cultura e poder se constituem, assim, no referencial básico para o entendimento das questões que circundam a escola e as práticas curriculares.

Nessa perspectiva teórica, destaca-se a produção intelectual de autores como Louis Althusser, Jean-Claude Passeron e Pierre Bourdieu, que, através de conceitos básicos como ideologia, poder e cultura, vão ampliar a forma de conceber a educa-ção e seu papel na manutenção das estruturas sociais. Esses autores vão influenciar de forma direta ou indireta os pressupostos das teorias críticas do currículo que vão se desenvolver posteriormente.

Louis Althusser, em 1970, publica o livro Os aparelhos ideológicos de Estado, que se torna uma referência para as análises educacionais identificadas com a corrente marxista de pensamento. Nessa obra, Althusser faz a conexão entre educação, so-ciedade e ideologia, revelando a interseção desses para a manutenção do capitalis-mo. Assim, o autor afirma que a sociedade capitalista depende não só de seus ele-mentos econômicos para sua reprodução, mas também de artefatos ideológicos.

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Nessa dinâmica de análise, o autor aponta que além dos “aparelhos de repressão de Estado”, como a polícia e o sistema judiciário, o sistema capitalista institui “aparelhos ideológicos de Estado” (e deles depende para a sua manutenção), como a mídia, a família e, principalmente, a escola.

Por que entre os aparelhos ideológicos de Estado apontados por Althusser, a escola é a que ganha maior relevância?

Sua resposta a essa questão reside na centralidade e ampliação adquiridas pela escola na sociedade capitalista moderna. A escola é a instituição que acompanha as pessoas por mais tempo em suas vidas e ocorre pouca contestação a sua existência e permanência no modelo societário capitalista. Dessa forma, a escola constitui-se em lócus privilegiado de formação para o mundo do trabalho e de inculcação de valores e normas.

Para o autor, esse caráter de aceitabilidade dado à escola garante que o pro-cesso de inculcação de valores ideológicos, quase frequentemente externos aos interesses das classes subalternas, seja naturalizado, e com isso, esses valores nnão sejam contestados, pois são pouco perceptíveis.

O meio de difusão desse processo, para Althusser, é o currículo escolar. Isso ocorre diretamente através de disciplinas como história, geografia e sociologia, que claramente carregam conteúdos identificados com a disseminação de condutas e comportamentos sociais. E ocorrem, ainda, indiretamente, através de disciplinas consideradas técnicas, como Ciências e Matemática.

Outra forma de inculcação ideológica na escola são as práticas sociais que a ins-tituição escolar legitima como pertinentes ou não: enquanto as crianças das classes subalternas são inclinadas à submissão, as das classes dominantes são orientadas para a posição de comando. Isso ocorre a partir de estruturas de exclusão das clas-ses subalternas em níveis de escolaridade em que se aprendem hábitos e habilida-des inerentes ao lugar social das classes dominantes.

Silva é categórico ao apontar a contribuição de Althusser para o entendimento de como a escola e a educação funcionam para a manutenção da sociedade capitalis-ta: ”Althusser nos deu, como vimos, a resposta: a escola contribui para a reprodução da sociedade capitalista ao transmitir, através das matérias escolares, as crenças que nos fazem ver os arranjos sociais existentes como bons e desejáveis” (2005, p. 32).

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Numa perspectiva crítica não marxista, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron publicam, em 1970, o livro A reprodução, que passa a ser também uma referência significativa para as teorias críticas do currículo.

Para explicar o papel da educação na reprodução das bases culturais e econô-micas da sociedade capitalista, os autores usam a categoria de capital cultural. Este é constituído pelo nível de aquisição que os indivíduos assimilam dos bens culturais considerados hegemônicos e que os instrumentalizam para a vida social.

Nesses termos, considera-se cultura os valores, condutas e saberes produzidos pelas classes dominantes como sendo socialmente superiores. Nas sociedades ca-pitalistas, quem possui tais atributos leva vantagens materiais e simbólicas nesse processo de diferenciação e hierarquização da cultura como “capital cultural”.

Esse processo ocorre por um mecanismo que os autores chamam de domínio simbólico da cultura. Os valores, hábitos e costumes das classes dominantes são apresentados como “cultura”, que é assimilada e valorizada por todos através de um duplo processo de violência simbólica, o da imposição desses valores culturais e da ocultação de sua imposição.

Mas de que forma essa seleção e dominação cultural se desenvolvem na escola e contribuem para a perpetuação dos valores culturais dominantes?

Para os autores, é na escola que esse capital cultural se revela de maneira ob-jetivada e de forma institucionalizada, sendo distribuído, socialmente e de forma desigual, por meio de títulos e diplomas escolares.

O currículo escolar se organiza com base no capital cultural das classes dominan-tes, portanto, longe dos valores, linguagem e jeito de ser e agir das classes dominadas.

As crianças das classes dominantes, ao conviver diariamente com esses códigos culturais, vivem um processo de assimilação e aceitação; diferentemente dos alu-nos das classes dominadas, que sentem dificuldade de assimilar esse código, já que ele não pertence a seu universo social e cultural.

Nessa dinâmica, os alunos das classes dominantes são mais bem sucedidos na escola, abrindo, assim, maior possibilidade para que ingressem em níveis superio-res de formação. Contrariamente, os alunos das classes subalternas, por não se sen-tirem num espaço de reconhecimento, encaram o fracasso escolar, saindo da escola antes de alcançarem o topo da vida estudantil. Argumentam os autores que, nesse

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processo, não ocorre a ampliação do capital cultural dos filhos dos trabalhadores, que mantêm-se em patamares baixos, e completa-se, assim, o ciclo da reprodução cultural. É, essencialmente, através dessa reprodução cultural, por sua vez, que as classes sociais se perpetuam, garantindo, então, o processo de reprodução social.

As questões propostas pelas teorias críticas começam, a partir dos anos de 1980, a sofrer críticas e questionamentos. Numa visão mais pragmática, tais pressupostos tinham um caráter extremamente determinista, e seus mecanismos de análise cola-boravam para o imobilismo dos sujeitos da escola e, em última instância, anuncia-vam a manutenção das estruturas sociais. Assim, para esses autores que elaboram esses questionamentos, a teoria crítica passa a viver um impasse teórico. Esses argu-mentos que tentam elucidar a “crise da teoria crítica” indicam o nível extremamente abstrato do discurso crítico e a dificuldade de tal discurso ser operacionalizado e incorporado pelos docentes em suas práticas cotidianas e, dessa forma, contribuir para a renovação das práticas curriculares (MOREIRA, 2003).

As teorias pós-críticas do currículo surgem no final do século xx, procurando, então, estabelecer uma conexão entre as questões trazidas pelas teorias críticas do currículo, como poder, ideologia e identidade, e os aspectos centrais do multicultu-ralismo, relacionados às questões de gênero, raça, etnia e sexualidade.

A tradição crítica enveredou para o campo da análise das determinações de classe do currículo. Já o multiculturalismo aponta que a variação da desigualdade em matéria de educação e currículo é fruto, também, de outras dinâmicas, como as de gênero, raça e sexualidade, e não podem estar condicionadas única e exclusiva-mente à dinâmica de classe.

As questões trazidas pelas teorias pós-críticas se assentam no debate que redi-mensiona o conceito de cultura. As contribuições do campo da antropologia pos-sibilitaram o reconhecimento de que todas as culturas são equivalentes do ponto de vista epistemológico e social. Através desse olhar, as várias culturas passam a ser consideradas como o resultado das diferentes maneiras pelas quais os diversos grupos humanos, submetidos a diferentes condições ambientais e históricas, con-seguem realizar o potencial de criação que seria traço comum de todo ser humano. A categoria central dessa perspectiva curricular é a do multiculturalismo, em seus diferentes enfoques.

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Neste momento, devemos fazer-nos a seguinte pergunta: por que a preocu-pação com o multiculturalismo no campo curricular? É evidente a importância do componente cultural na contemporaneidade. Trata-se de um campo onde se travam lutas em torno do processo de significação do mundo social, entendendo que a cul-tura é uma prática produtiva e constituidora. O mundo, hoje, é palco inconteste de conflitos predominantemente culturais, por conta das grandes divisões da humani-dade. Tais conflitos são frutos das divergências de interesses entre diferentes grupos, porque uns querem impor aos outros os seus respectivos significados culturais.

Essas diferenças se dão em várias instâncias do tecido social, tais como de raça, classe social, gênero, linguagem, orientação sexual, entre outras. Podemos ilustrar as consequências desses conflitos através de práticas violentas que recaem sobre esses grupos em diferentes partes do mundo, pautadas em bases etnocêntricas, xenófobas, racistas, machistas, homófobas e fundamentalistas.

Dessa maneira, qualquer posição que venhamos a assumir em relação às dife-renças, seja ela de rejeição ou de aceitação, não nos permite negá-las. Essa questão é um traço marcante do nosso tempo; não se trata de acreditar ou não, concordar ou discordar, o fato é que ela nos atravessa de uma forma arrebatadora, por isso, quei-ramos ou não, vivemos num mundo inescapavelmente multicultural. Ainda que as reflexões sobre o currículo virem as costas para a multiculturalidade, ela atravessará os sistemas escolares e tudo o que disser respeito às experiências da comunidade escolar, atuando de maneira inevitável nas ações e nas interações estabelecidas por diferentes protagonistas.

Assim, nos anos de 1990, o multiculturalismo passa a exercer um papel impor-tante na luta política de grupos “minoritários”, ao deslocar para o campo da política o entendimento da diversidade cultural. O multiculturalismo constitui-se, assim, em importante base teórica para os movimentos sociais de grupos culturais margina-lizados que lutam para conquistar um lugar de reconhecimento e representação na cultura nacional. Porém, consideramos que não podemos falar de multicultu-ralismo separando-o das relações de poder e de classe que circundam as relações sociais atuais. Incorporar no debate curricular as questões das diferenças culturais, raciais, étnicas, sexuais é – e, principalmente, também – falar de relações de classe e de poder.

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Esse pequeno quadro histórico das teorias curriculares no século xx tem a in-tenção de reconhecer e trazer para a discussão a atualidade dos pressupostos da teoria crítica para o debate educacional. Mesmo reconhecendo os elementos de crise das teorias críticas, elas ainda se constituem como a tendência mais produtiva do campo do currículo, no Brasil e nos EUA (SILVA, 2005). Consideramos, assim, que em seu trajeto de existência, o currículo chega ao início do século xxI dialogando com as teorias pós-críticas e contribuindo sobremaneira para o entendimento dos desafios que a educação coloca, principalmente na Educação de Jovens e Adultos, em seus elementos constitutivos e estruturais.

Nosso desafio no próximo item do artigo será o de refletir, aprofundar e respon-der algumas das questões que a Educação de Jovens e Adultos coloca no cenário educacional brasileiro, à luz dos pressupostos das teorias críticas do currículo.

3 A inovação das práticas curriculares na Educação de Jovens e Adultos na perspectiva das teorias críticas

A aproximação do campo do currículo crítico e a Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem buscado, prioritariamente, como referenciais significativos a incorporação de elementos dinâmicos da prática e da realidade sociais, possibilitando a superação de uma perspectiva meramente tradicional, conteudista e formalista do currículo.

Numa primeira perspectiva de análise de práticas curriculares na EJA, nos re-meteremos às teorias tradicionais de currículo. Não há como escapar delas, quan-do abordamos o tema curricular na sua definição nos moldes tradicionais, ou seja, considerando-o como sendo meramente um conjunto de conteúdos programáti-cos estabelecidos para as disciplinas e séries escolares e imposto por mecanismos de políticas públicas curriculares.

Tendo em vista a superação dessa concepção tradicional e normativa de currí-culo, é importante identificar a atualidade das teorias críticas como uma abertura de caminho para traçar novas propostas de trabalho e para a formulação de novos currículos e, principalmente, novas “práticas curriculares” na Educação de Jovens e Adultos trabalhadores; compreendendo, dessa forma, as práticas educativas como espaço de criação curricular e de possibilidades de inovação nos estudos do campo das teorias críticas.

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Miguel Arroyo, reconhecendo a crise das teorias críticas, a partir dos anos de 1980, faz a seguinte reflexão.

As questões privilegiadas pela teoria crítica silenciaram velhas questões da prática escolar.

O debate sobre currículo, poder, ideologia, produção social do conhecimento, novos ma-

pas culturais; o debate sobre quem seleciona e organiza o conhecimento escolar ocupou

nossos espaços e foi ficando marginalizada a cruel realidade do analfabetismo, da reprova-

ção, da seletividade, da exclusão, do autoritarismo da aula, da violência da escola (...). nesse

quadro, como estranhar o desencontro entre a teoria crítica e a prática escolar e profissio-

nal, entre nossos temas e o dia-a-dia da escola? (ArrOYO, 1999, p. 148).

A intenção desse estudo, ao aproximar as questões das teorias críticas com as práticas curriculares do professor de Educação de Jovens e Adultos, é a de romper com uma tendência crítica que levou o professor a certo imobilismo. Identifica-se que, nesse cenário, em vez de inovar as práticas curriculares, tais teorias contribuí-ram para gerar um sentimento de inutilidade da ação docente:

A teoria levou os professores a duvidar de suas práticas e apontou a necessidade de des-

truí-las. não é por acaso, então, que os professores resistem a essa crítica destrutiva de suas

práticas, de suas concepções, de sua cultura escolar e profissional. Sentem-se ameaçados.

A crítica não conseguiu ser construtiva de novas práticas. não conseguiu ser inovadora

(ArrOYO, 1999, p. 148).

Para alcançar tal objetivo, vamos tencionar, no debate curricular crítico, o prescriti-vo e o praticado, através de um passeio pelas questões que visam à normatização e ao controle das atividades pedagógicas no cotidiano escolar da EJA, reconhecendo, ain-da, as possibilidades de construção de novos significados para a “prática curricular”.

A escola sempre teve como tarefa ocupar-se do processo de transmissão, as-similação a construção do conhecimento formal, e este é feito através das propos-tas curriculares. Entretanto, é importante mostrar que esse conhecimento formal é apenas uma das facetas do tipo de cultura que invade o ambiente escolar. Mesmo cercado desse aparato normatizador, os professores podem criar condições que lhes sejam favoráveis à realização de uma série de atividades e experiências que se-rão vivenciadas juntamente com os alunos e que escapam aos manuais curriculares e suas imposições estruturais.

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A autonomia e a participação do professor em funções conceituais, por outra parte, não

se vêem totalmente anuladas, porquanto são exigências que derivam da própria confi-

guração do trabalho docente como um trabalho que se realiza com seres humanos (...).

nesta situação, o professor mantém autonomia para escolher metodologias, fazer seleção

de conteúdos e de atividades pedagógicas mais adequadas a seus alunos segundo o inte-

resse ou suas necessidades e dificuldades (BASO, 1998, p. 3).

Compreender, portanto, o currículo só como um instrumento de orientação curricular é uma forma de entendimento que evidencia a dimensão de produto do currículo. Essa visão vira as costas para todo o processo de produção sociocultural que está implicado no cotidiano das escolas e classes, onde se relacionam as formas culturais dominantes, constantemente, e outras formas, a dos protagonistas, impli-cados no processo de realização das propostas: professores e alunos. Há nas escolas uma variedade de currículos em ação, apesar das tentativas de homogeneização (OLIVEIRA, 2001).

Podemos considerar que as propostas curriculares dos chamados especialistas estão presas a modelos extremamente idealizados da atividade pedagógica e dos processos de aprendizagem. É necessário sair desse engessamento e desconstruir a visão dominante de entendimento do currículo numa perspectiva tradicional.

qual o caminho a seguir para se criar outro entendimento do currículo e das práticas curriculares na EJA?

Mudar o foco. Romper com o olhar formalista e cientificista do currículo e con-siderar, a partir de agora, que é fundamental compreendê-lo como oriundo de múl-tiplos e singulares processos curriculares locais.

Na perspectiva de práticas curriculares significativas para a EJA, a escola não é concebida somente como um espaço sociocultural de reprodução e verificação de conteúdos e conhecimentos; mas também, e principalmente, espaço de socia-lização, de disputa em torno do que ensinar, de trocas culturais e de construção significativa do conhecimento escolar e social.

Agora, estamos falando de um novo produto, isto é, um currículo para a EJA, que não pode ser construído a partir de modelos pré-estabelecidos ou idealizados. Estamos falando de um processo por meio do qual os sujeitos envolvidos com a prática curricular ressignificam suas experiências a partir de redes de saberes e fa-zeres das quais participam.

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Nas últimas décadas, a Educação de Jovens e Adultos avançou no campo políti-co, teórico e metodológico. Podemos considerar como relevantes nesse processo as contribuições das teorias críticas do currículo. No campo político e teórico, não po-demos deixar de reconhecer a importância da trajetória dos movimentos popula-res, principalmente aqueles ligados às demandas da alfabetização de adultos, que, ao longo do seu processo de luta e mobilização, incorporaram temas e questões do pensamento crítico.

Nesse sentido, é inegável a contribuição de Paulo Freire. Alguns dos conceitos centrais do pensamento do autor, como conscientização, libertação e autonomia, e outros termos, ligados a procedimentos metodológicos, como “a leitura do mundo precedendo a leitura da palavra”, devem manter-se como referência para o debate curricular da EJA, já que as questões políticas e pedagógicas do seu pensamento permanecem atuais. Isso ocorre porque as condições sociais, econômicas e educa-cionais que geraram e geram esse contingente populacional não escolarizado ain-da se mantêm inalteradas em nosso país: “Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não ser neutra, minha prática exige de mim uma defini-ção. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura!” (FREIRE, 1997, p.106).

Porém, não podemos deixar de considerar que essa perspectiva crítica, na EJA, ocorreu mais nos marcos conceituais do que em políticas públicas e práticas docen-tes que incorporaram as especificidades teóricas, políticas e metodológicas da EJA.

Dessa forma, o professor ainda encara a Educação de Jovens e Adultos por uma perspectiva compensatória, tendo como referencial pedagógico o modelo de es-colarização de crianças e adolescentes. O conteudismo prevalece, assim como o distanciamento entre conhecimento formal e a realidade do aluno. Podemos consi-derar que se repete em muitos casos o fenômeno do fracasso escolar.

Como o debate curricular crítico pode contribuir para reverter esse quadro?

Vamos, agora, a título de reflexão final, apontar alguns elementos a serem con-siderados pelos docentes para uma ressignificação das práticas curriculares na Edu-cação de Jovens e Adultos trabalhadores.

As teorias críticas, embora nem sempre com a mesma base epistemológica, têm em comum o caráter contestador da ordem social predominante, sobretudo no que diz respeito aos mecanismos de controle e exclusão, como a escola, que corrobora para a manutenção das estruturas sociais.

As teorias críticas do currículo e o processo de execução, construção e ressignificação de práticas curriculares na Educação de Jovens e Adultos

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Assim, para esse debate curricular, quem são esses indivíduos?

Miguel Arroyo (2001) afirma que os sujeitos da EJA são, em sua grande maioria, trabalhadores urbanos e rurais, oprimidos e pobres, tendo como destaque nesse gru-po a participação da população mestiça e negra, ou seja, sujeitos expulsos dos bancos escolares ou que não tiveram oportunidade de ingressar na escola na idade desejada.

Por que eles fracassam?

Para os teóricos críticos, isso ocorre porque os currículos em que os sistemas educacionais estão baseados privilegiam o capital cultural dos grupos economica-mente dominantes.

Nesse sentido, o processo de aprendizagem é monocultural e não dialógico, em que determinados valores e conteúdos, selecionados pelos currículos oficiais, são im-postos e cobrados em provas e testes, que, em última instância, vão determinar quem é capaz ou não, através da manutenção ou expulsão do indivíduo dos bancos escolares.

O distanciamento entre o conhecimento e os sujeitos envolvidos nesse processo é outra marca da exclusão que as teorias críticas elucidaram. O currículo, comumen-te, é organizado de modo a cumprir o preenchimento de uma espécie de caixa vazia, onde o educador funciona como elemento detentor do conhecimento e o educan-do, passivamente, recebe o esperado conteúdo. Essa distância, frequentemente, cria um ambiente pernicioso para o desenvolvimento da aprendizagem do aluno. Os conteúdos não fazem parte do universo experimental da criança, jovem ou adulto, não levam em consideração as experiências, o universo já vivido pelo educando.

O conceito de “problematização” surge como uma possibilidade de questiona-mento do que é apreendido, do que fazemos e vivemos na sociedade e na edu-cação formal. Educar sem aquela pretensa neutralidade das teorias tradicionais. A dimensão que a educação e o conhecimento ganham é a de estarem voltados para uma prática reflexiva do educador e do educando.

As práticas curriculares, na perspectiva das teorias críticas, devem obedecer a critérios que deixem claro que a construção do conhecimento estará a serviço da identificação dos conflitos e das disputas existentes no seio da sociedade. Longe de pretender neutralidade, é a clara intenção de que no processo de elaboração do co-nhecimento haja estímulo à conquista de valores culturais, políticos, éticos voltados para a transformação social.

As teorias críticas do

currículo e o processo de

execução, construção e

ressignificação de práticas

curriculares na Educação de

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Sabemos que os espaços de escolarização da Educação de Jovens e Adultos recebem como alunos e alunas pessoas com histórias e experiências de vida di-versificadas: vida profissional, histórico escolar, ritmo de aprendizagem, estrutura de pensamento, origens, etnias, idades, crenças etc. No entanto, a riqueza desse universo marcado pela diversidade e pluralidade não é, quase sempre, reconhecida e valorizada no ambiente escolar.

Esses alunos, em sua maioria, já trazem consigo uma experiência escolar de in-sucesso e fracasso. O reingresso na escola é uma opção que requer coragem e ousa-dia. Ao tomar a decisão de retornar aos bancos escolares, esse aluno se coloca numa posição de exposição de sua condição de pouca escolaridade, num desafio que, às vezes, se constrói num processo de idas e vindas, envolvendo – e até, em algumas situações, dependendo de – inúmeros condicionantes e atores: família, patrões, ins-tabilidade no emprego, desemprego, miséria, horários de trabalho, condições de acesso, distância entre casa e escola.

Nessa engrenagem, construída ao longo de sua existência, o aluno tende a res-ponsabilizar a si próprio por essa “condição de fracasso”, na medida em que sua formação educacional não favoreceu a análise e reflexão crítica acerca dos condi-cionantes histórico-sociais que são responsáveis por esse processo. Essa condição de baixo rendimento e pouca escolaridade, acrescida da visão preconceituosa e estigmatizada à qual são submetidas populações socialmente marginalizadas, pro-voca uma relação de fragilidade nos alunos.

Para o aluno, jovem ou adulto, que vivencia a complexa experiência de reco-meço e resgate do processo de aprendizagem formal, os significados e sentidos ex- traídos desse experimento devem ser cuidadosamente construídos e sedimentados na relação pedagógica, e o professor tem um papel fundamental nesse processo, como aponta Paulo Freire: “Ninguém educa, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo (2005, p. 75).

Diante de tamanha grandeza e responsabilidade, é de extrema importância que a escola discuta sua ação pedagógica e sua verdadeira intencionalidade, o que im-plica, por parte do professor, um redimensionamento de suas práticas curriculares.

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A prática educativa, em vez de massificar a ação pedagógica, negando a iden-tidade e a alteridade do aluno adulto, deveria reconhecer sua realidade, mapeando os diferentes saberes que são originados dessa realidade, de forma a transformá-los em mecanismo de aprendizagem para todos os sujeitos (docentes e discentes) en-volvidos nesse processo de troca que é ensinar e aprender.

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currículo e o processo de

execução, construção e

ressignificação de práticas

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

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As teorias críticas do Currículo e o processo de execução, construção e ressignificação de práticas curriculares na Educação de Jovens e Adultos

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ParteI

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Currículos

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A importância do espaço de vivência na Educação de Jovens e Adultos

RESUMOEstetrabalhotemcomoobjetivolevareducado-resarefletirsobreaelaboraçãodecurrículosespecíficosemEducaçãodeJovenseAdultos,e,apartirdessareflexão,perceberaimportân-ciadoespaçodevivênciadoseducandos,oquecontribui significativamente no processo deaprendizagemdaqueles que buscam a escolatardiamente.TomacomoreferencialteóricoosestudosdePauloFreire,queao longode suatrajetórialutouporumaeducaçãopopularcomvistasaajudaraconstruirumasociedademaisjustaedemocrática,agindoemdefesadeumato educativo que contemplasse o pensar e oconcluir, contrapondo a simples reproduçãode ideias impostas à reflexão, argumentação,criticidadeepolitização.Combasenessesfun-damentos,pretende-selevaroseducadoresdaEJA,naatualidade,apensarcriticamente so-breasuapráticaeducativacomvistasàtrans-formação da sociedade e à formação integraldosalunos.

PAlAVRAS-CHAVE:Educaçãopopular;trans-formação;formação.

Emmanuele Maria Correia Costa*

ABSTRACT This paper aims to get educators to reflect on the development of specific Youth and Adult Education curricula, and, from that reflection, realize the importance of students’ experience, which contributes significantly to the learning process of those seeking education later in life. It take as a theoretical reference the studies of Paulo Freire, who throughout his career fought for popular education in order to help build a fairer and more democratic society, acting in defense of an educational mode that included thinking and concluding, in contrast to simple reproduction of ideas imposed upon reflection, argumentation, criticism and politicization. Based on these foundations, we intend to take the current Youth and Adult educators to think critically about their educational practices in order to transform society and fully train students.

Keywords: Popular education; transformation; training.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Há muito tempo se discute problemáticas referentes à elaboração de currículos específicos para a Educação de Jovens e Adultos, bem como à sua organização, que devem envolver o universo cultural dos educandos e suas vivências, a fim de tornar a aprendizagem mais significativa. Essas vivências perpassam ambientes variados, tornando, assim, a classe de jovens e adultos rica em conhecimento de mundo na forma de senso comum. E daí surgem as mais diversas discussões. Como transfor-má-lo em conhecimentos escolares?

A pessoa encarregada de interagir para que aumentem os saberes dos educan-dos é o professor-mediador. E para que isso aconteça necessita-se de formação con-tinuada e constante reflexão a respeito do que ensinar e para quem ensinar, tendo em vista que os estudantes estão em busca de uma condição de vida melhor.

Nesse sentido é preciso dar significado às aulas, buscar temas de interesse dos educandos numa perspectiva formativa para cada grupo que atua na Educação de Jovens e Adultos.

Os saberes dos jovens e adultos precisam corresponder às suas necessidades, e principalmente às suas potencialidades como trabalhadores e cidadãos. As propo-sições teóricas e práticas devem ir além do aprendizado das letras.

Paulo Freire propôs uma alfabetização conscientizadora, a partir da leitura de palavras e do mundo, com a qual iniciou a construção de sua pedagogia libertado-ra, de modo que, ao se referir à alfabetização de adultos, visava práticas sociais em que a leitura e a escrita se realizassem não somente na aprendizagem inicial, mas em diversos níveis, fazendo despertar habilidades nos estudantes.

É importante dar relevância à cultura dos alfabetizandos assim como às políti-cas educacionais, contextualizando os diversos meios de comunicação, linguagens e conteúdos escolares, aproximando-os de práticas sociais concretas.

A importância do espaço de vivência na Educação de Jovens e Adultos

*Formada em Pedagogia, atualmente faz pós-graduação em Formação Docente de Tutores

em EAD e Concepções e Produção de Material Didático em EAD, na Universidade Federal

de Alagoas. Atua como professora do Esnino Fundamental na Escola São Raphael da rede

privada da cidade de Maceió, Alagoas.

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A Educação de Jovens e Adultos possui peculiaridades, pois nessa etapa da vida o adulto traz consigo diferentes habilidades, dificuldades e maior capacidade de reflexão sobre o conhecimento em seus processos de aprendizagem. Consideran-do tais aspectos, as situações de aprendizagem precisam ser ricas em desafios, nas quais os educandos percebam seus avanços concretamente.

Encontra-se uma dificuldade no processo de alfabetização de adultos: a sua especificidade cultural. É necessário contextualizar historicamente os educandos, bem como as atividades a serem desenvolvidas para tal clientela, despertando nos alunos uma reflexão sobre a importância de aprender a ler, o que implica fazer uma adequação da escola, de currículos, programas e métodos de ensino para atender à especificidade de cada classe de alfabetização.

A visão de mundo de uma pessoa que retoma os estudos na fase adulta, ou mesmo aquela que inicia sua trajetória escolar nessa etapa da vida, é bastante peculiar, pois ela é protagonista de uma história real e rica em experiências de vida. Essas pessoas configuram tipos diversos, que chegam à escola com crenças e valores já construídos.

As escolas recebem alunos jovens e adultos com traços de vida, origens, idades, vivências profissionais, histórico escolar, ritmo de aprendizagem e estrutura de pen-samento completamente variados. São pessoas que vivem no mundo do trabalho, com responsabilidades sociais e familiares, com valores éticos e morais formados segundo a experiência, o ambiente e a realidade cultural em que estão inseridas.

Os conhecimentos de uma pessoa que procura tardiamente a escola são inú-meros ao longo de sua história de vida. É por isso que o processo educativo de adultos deve partir de um tema gerado com o envolvimento dos alunos. Eles são possuidores de saberes do senso comum que deverão ser transformados em co-nhecimentos científicos.

A procura de jovens e adultos pela escola não se dá de forma simples, trata-se de uma decisão que envolve as famílias, os patrões, as condições de acesso e, sobre-tudo, de permanência. Portanto, o fato de um jovem ou adulto frequentar a escola é um desafio, um projeto de vida.

Grande parte dos jovens e adultos que buscam a escola esperam que ela seja um espaço que atenda às suas necessidades, possibilitando sua integração à socie-dade letrada.

A importância do espaço de

vivência na Educação de

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

O desafio é construir uma escola na qual os professores e alunos se encontrem como sujeitos, com a tarefa de provocar e produzir conhecimentos. Conhecimentos sustentados na perspectiva daqueles que aprendem saberes diversos contribuido-res efetivamente para a vida dos alunos.

Esses alunos buscam na escola mais do que conhecimentos prontos para serem reproduzidos. Eles querem se sentir sujeitos ativos, participativos, crescer cultural, social e, sobretudo, economicamente.

Segundo o filósofo e sociólogo chileno Jean Casassus (apud RATIER, 2008), além de conhecer os conteúdos que ensina, o professor deve saber identificar as necessida-des dos alunos. Em pesquisa realizada em 14 países e publicada no livro A escola e a de-sigualdade, foram analisados alguns aspectos que favorecem o bom desempenho dos estudantes. Docentes com formação sólida, avaliação sistemática, material didático suficiente, prédios adequados são fatores que contribuem para o bom desempenho. Além disso, ter um ambiente emocional adequado, gerado pelo bom relacionamento entre professor e aluno, é fundamental. “Para transmitir o gosto pelo conhecimento um professor precisa dominar os conteúdos de sua disciplina e também saber acolher as turmas, identificando interesses e sentimentos” (op. cit., 2008, p. 28).

Diz o filósofo Casassus (op. cit., 2008, p. 28):

(...) Sendo assim, a qualquer currículo moderno podem se adaptar temas de interesse dos

alunos. Afinal o aprendizado exige uma motivação interna de quem aprende. por exemplo:

se preciso falar de física, de estrutura dos materiais ou de conceitos como velocidade e

aceleração, posso usar como base carros de corrida ou outro tema mais próximo do uni-

verso dos alunos. É possível encontrar caminhos para que esse entusiasmo se encaixe no

planejamento curricular. Dessa forma consigo elaborar dezenas de atividades. trata-se de

adaptar o conhecimento a uma maneira compatível com o fluxo natural em que a turma

está inserida naquele momento.

As dificuldades com a educação em massa são acompanhadas de propostas técnico-pedagógicas para a Educação de Jovens e Adultos que não se limitam à escolarização. As críticas ao método de alfabetização da população adulta, por sua inadequação à clientela, bem como pela superficialidade do aprendizado no curto período de escolarização, remetem a uma visão sobre a problemática do analfabe-tismo e à consolidação de uma nova pedagogia de alfabetização para adultos que tem como principal referência o educador Paulo Freire.

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Esse novo paradigma pedagógico se pautou num novo entendimento da re-lação entre a problemática educacional e a social. A alfabetização e a educação de base de adultos devem partir sempre de um exame crítico da realidade existencial dos educandos, de identificação de origens de seus problemas e possibilidades de superá-los.

Na percepção de Paulo Freire (1989, p. 72), os conceitos de alfabetização e edu-cação estão muito próximos, para não dizer que se confundem.

Alfabetização é mais do que simples domínio mecânico de técnicas para ler e escrever.

com efeito, ela é o domínio dessas técnicas em termos conscientes. É entender o que se

lê e escrever o que se entende (...). implica uma autoformação da qual pode resultar uma

postura atuante do homem sobre seu contexto. por isso a alfabetização não pode ser feita

de cima para baixo, nem de fora para dentro, mas sim de dentro para fora pelo próprio

analfabeto, apenas ajustado pelo educador. O papel do educador por sua vez tem de ser

fundamentalmente de dialogar com o analfabeto sobre situações concretas, oferecendo-

lhe meios com os quais possa se alfabetizar. Vale dizer que o homem, como sujeito e não

como objeto de sua educação, tem um compromisso com sua realidade e nela deve in-

tervir cada vez mais.

O desafio da Educação de Jovens e Adultos é o estabelecimento de uma polí-tica e de metodologias, com a finalidade de garantir aos adultos analfabetos e aos jovens que tiveram passagens fracassadas pelas escolas o acesso ao universo pro-fissional, político e cultural.

Os educadores devem ser compromissados, analisando critica e reflexivamente, para assim poder definir de forma clara a ação educativa, estabelecendo uma pro-posta curricular que considere as relações escola-comunidade como um retrato cul-tural, na qual se produza uma prática educativa articuladora da teoria com a prática, tendo o educando como sujeito do processo de aprendizagem.

A inserção dos jovens e adultos no processo de desenvolvimento como cida-dãos produtivos demanda ações educativas considerando o seguinte.

A escolarização constitui instrumento indispensável à construção da sociedade democrá-

tica, porque tem como função a socialização daquela parcela de saber sistematizado que

constitui o indispensável à formação e ao exercício da cidadania (liBÂneO, 1994, p. 35).

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

A proposta curricular dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para a Edu-cação de Jovens e Adultos estabelece referenciais para a organização do trabalho pedagógico. A oferta visa a alfabetizar e escolarizar através de cursos que atendam às especificidades dos alunos jovens e adultos, estruturados em módulos, ciclos ou etapas, correspondentes, em média, a um ano para cada duas séries, uma vez que leva em conta a experiência e os conhecimentos prévios que os alunos possuem. Vale salientar que a organização do calendário e do horário escolar dessa modalida-de de educação deve atender às especificidades locais e da clientela. Dessa forma, não só valoriza o ideal da educação popular, como destaca o valor educativo do di-álogo e da participação, do saber dos alunos, e estimula um desempenho inovador dos educadores.

Paulo Freire (2005, p. 30), em seu livro Pedagogia da autonomia, se refere aos sa-beres necessários à prática educativa e oferece contribuições valiosas para conduzir à reflexão sobre competência docente.

ensinar exige respeito aos saberes dos educandos (...), discutir com os alunos a razão de

ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. ensinar exige dis-

ponibilidade para o diálogo nas relações com os outros que não fizeram necessariamente

as mesmas opções que fiz em nível de política, da estética, da pedagogia (...), no respeito

às diferenças entre mim e eles ou elas (...). ensinar exige o reconhecimento e a assunção

da identidade cultural, assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comuni-

cante, transformador, criador, realizador de sonhos. ensinar exige apreensão da realidade,

transformar a realidade, nela intervir, recriando-a. ensinar exige segurança, competência

profissional e generosidade. O fundamental no aprendizado do conteúdo é a construção

da responsabilidade que se assume (...).

Diante disso, percebe-se que a tarefa do educador não é fácil, pois é necessário engajamento para que seja desenvolvido um trabalho de qualidade. É preciso bus-car uma concepção mais ampla das dimensões tempo/espaço de aprendizagem, na qual educadores e educandos estabeleçam uma relação mais dinâmica com o en-torno social e com as suas questões, considerando que a juventude e a vida adulta são também tempos de aprendizagens.

O educador precisa também considerar alguns pontos fundamentais na elabo-ração do currículo específico da Educação de Jovens e Adultos, tais como: a diversi-dade do público a que se destina, a geração de modelos que atendam a realidades

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específicas em relação aos alunos, a organização do trabalho pedagógico, a flexibili-dade na carga horária, na duração, na sequenciação de conteúdos, entre outros.

No que se refere à seleção e distribuição dos conteúdos curriculares, devem ser considerados o desenvolvimento da personalidade dos alunos e o atendimen-to das suas exigências sociais. Adequando-os à natureza e às especificidades das diferentes áreas e às características do aluno, esse currículo precisa estar centrado no processo de reflexão, no tipo de pessoa e na sociedade que deseja formar. Deve haver também a inclusão de atividades voltadas para a formação profissional dos jovens e adultos, visto que em sua maioria são trabalhadores.

A proposta oficial deve passar por um momento de reconstrução coletiva, o que imprime à proposta da EJA um caráter de provisoriedade, que em nada afeta as suas proposições teórico-metodológicas, uma vez que se colocam como referencial.

Os jovens e adultos procuram a escola motivados pela expectativa de conseguir um emprego melhor, ou então são levados pelo desejo de elevação da autoestima, da independência e da melhoria de vida pessoal. Mas o maior motivo da procura pela escola é a necessidade de fixação de sua identidade como ser humano e social.

Isso suscita no educador a adoção de formas de relacionamento diferenciadas. Com os adultos ganha destaque a sensibilização de interesse, ajudando-os a vencer a timidez, a insegurança e os bloqueios.

Percebe-se que a matrícula de jovens e adultos cresceu nos últimos anos, im-pulsionada pela necessidade de melhorar o nível de escolaridade da população, já que a sociedade hoje exige cada vez mais pessoas qualificadas. Com isso, tornou-se urgente formar professores especializados na área de EJA para atender às especi-ficidades daqueles que não tiveram acesso à educação em idade regular. Funções nessa área exigem cada vez mais especializações e experiência.

Os alunos exigem do professor, além dos saberes disciplinares, práticas educa-tivas que aproveitem a sua bagagem cultural e a experiência acumulada. O ideal é que a escola responda às suas necessidades, estabelecendo uma relação entre os conteúdos trabalhados e o uso que farão deles posteriormente. Deve haver práticas pedagógicas que valorizem as diversas linguagens utilizadas pelos alunos, as várias atuações que eles têm na comunidade e a autonomia que já possuem para resolver suas questões práticas do dia a dia. Nessas situações, o domínio dos códigos escri-tos torna-se apenas uma das necessidades.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Na EJA, além das disciplinas de base comum, enquadram-se disciplinas como subjetividade e vivência coletiva, em que o professor reconhece e incorpora os di-versos universos culturais existentes e a maneira como o sujeito se insere. questões como currículo e cultura podem ser integradas e transformadas em conteúdo didá-tico e fundamentos metodológicos da educação popular, o que é tratado basica-mente pelo educador Paulo Freire.

A condição socioeconômica dos jovens e adultos

Para que se possa estabelecer com clareza a parcela da população a ser atendi-da pela modalidade EJA, é fundamental refletir sobre o seu público, suas caracterís-ticas e especificidades. Tal reflexão servirá de base para a elaboração de processos pedagógicos específicos para esse público.

Pois os homens, mulheres, adultos ou idosos que buscam a escola pertencem todos a uma mesma classe social: são pessoas com baixo poder aquisitivo, que con-somem, de modo geral, apenas o básico à sua sobrevivência: aluguel, água, luz, alimentação, remédios para os filhos etc. São sujeitos sociais e culturais, margina-lizados nas esferas socioeconômicas e educacionais, privados do acesso à cultura letrada e aos bens culturais e sociais, o que compromete uma participação mais ativa no mundo do trabalho, da política e da cultura.

A compreensão dessa realidade levou Paulo Freire a reconhecer o analfabetis-mo como uma questão não só pedagógica, mas também social e política, a qual se refere não apenas a uma questão etária, como também de especificidade cultural.

Ocorre também nos alunos jovens e adultos uma baixa autoestima, muitas ve-zes por situações de fracasso escolar, fazendo com que esse aluno volte à sala de aula revelando uma autoimagem fragilizada, expressando sentimentos de insegu-rança e de desvalorização pessoal diante dos novos desafios que se impõem. quan-do retornam para a sala de aula, ficam suscetíveis ao fracasso escolar.

O sucesso escolar, por sua vez, produz elevação da autoestima e um grande efeito de segurança nos alunos, enquanto o fracasso consequentemente gera gran-des estragos.

Na sala de EJA, essas marcas se evidenciam, de um lado, por atitudes de ex-trema timidez e, por outro, por irreverência e transgressão. Esses alunos e alunas

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demonstram vergonha em perguntar ou em responder a perguntas, nervosismo exacerbado nas situações de avaliação, ou então se mostram agitados e indiscipli-nados. Muitos não conseguem nem olhar no rosto do professor.

O papel do educador da EJA é determinante para evitar situações de novo fra-casso escolar. Um caminho seguro para diminuir sentimentos de insegurança é va-lorizar os saberes que os alunos trazem para o ambiente escolar. O reconhecimento da existência de uma sabedoria no sujeito proveniente de sua experiência de vida, bagagem cultural, habilidades profissionais, certamente contribui para que ele resgate uma autoimagem positiva, ampliando a autoestima e fortalecendo a autoconfiança.

O bom acolhimento e a valorização do aluno pelo professor possibilitam a aber-tura de um canal de aprendizagem com maiores garantias de êxito, porque parte dos conhecimentos prévios dos educandos para promover conhecimentos novos, fomentando o encontro dos saberes da vida com os saberes escolares.

Todas as salas de EJA se unificam em torno de um fato: a grande maioria dos alunos são trabalhadores que chegam para as aulas após um dia intenso de traba-lho. É claro que essas salas apresentam um número significativo de desempregados e de trabalhadores temporários ou informais.

Entretanto, é preciso lembrar que o trabalho experimentado por esses alunos não passa nem de longe por uma atividade fundamental pela qual o ser humano se humaniza e se aperfeiçoa. O trabalho que conhecem é, na maior parte das vezes, repetitivo, cansativo e pouco engrandecedor. Muitos alunos dizem estar na escola para poder arrumar um emprego, conseguir um trabalho melhor, crescer na pro-fissão. Portanto, o trabalho é apontado pelos alunos de EJA tanto como motivo de terem deixado a escola como razão para voltarem a ela.

Sem dúvida alguma o tema trabalho tem um lugar especial na EJA e deve ter importância para professores e escola.

É importante, em sala de aula, pensar em habilidades que a escola pode ajudar a desenvolver e que contribuam para uma atuação mais eficiente nesse universo diversificado e competitivo que é o do trabalho. Com base em temas dessa natureza a escola pode abrir horizontes para que os alunos conheçam com clareza as dife-rentes formas de trabalho, dominarem os caminhos possíveis para a obtenção de empregos, além de buscar sempre informações na região ou comunidade a respei-to da existência de espaços gratuitos de cursos de eletricidade, pintura, computa-

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

ção, confecção e outros que poderiam representar uma forma de geração de renda. Com isso a escola torna-se um espaço de inserção social.

José Carlos Libâneo (1994, p. 36) assim conclui a questão.

não há prática educativa sem objetivos elaborados a partir de critérios elaborados que

reflitam os valores e ideais da legislação, os conteúdos produzidos pela prática social da

humanidade e as necessidades e expectativas de formação cultural exigidas pela popula-

ção majoritária da sociedade.

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Considerações finais

O estudo realizado em torno do tema Elaboração de currículos em EJA foi de extrema importância, pois contribuiu para a ampliação dos saberes dos educado-res, para que possam embasar melhor as suas aulas de acordo com o que foi relata-do a respeito das especificidades dos jovens e adultos.

Percebeu-se que o trabalho com jovens e adultos é um desafio tanto para educadores quanto educandos, pois deve haver uma interação constante entre os membros envolvidos, pois sem isso não há aprendizagem significativa.

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Sujeitos da EJA e o currículo

Kelma Araújo Soeiro*

RESUMO

Opresenteartigotemcomoobjetivorefletirso-breateoriaeapráticacurriculardesenvolvidasnaEducaçãodeJovenseAdultos.Estamoda-lidadedeEducaçãovemsuscitandodiscussõesparaque seconfigurecomocampopróprioeidentidades próprias nas políticas públicaseducacionais do Brasil, levando em conside-ração todas as suas especificidades. Este é ograndedesafioaopensarmosnaconstruçãodeumcurrículoqueatendaaosanseioseneces-sidadesdaEJA,queseapresentacomocampodepráticaseducativasqueabrigaumadiversi-dadedeconcepções.Ocurrículoapresenta-secomoumespaçoprivilegiadoparaseanalisarerefletircomotaisconcepçõesseacomodam,interagemouse sobrepõemnas tentativasdeconstruçãodeumcurrículonoqualseexpres-samasváriasidentidadesdossujeitosdaEdu-caçãodeJovenseAdultos.

PAlAVRASCHAVE:Currículo;construçãocoleti-va;saberes,experiências;práticapedagógica.

ABSTRACT

This article aims to reflect on the curriculum theory and practice developed for Youth and Adult education. This type of education has been raising discussions to set it up as a field itself with its own identity in the public educational policies in Brazil, taking into account all its specificities. This is the greatest challenge when thinking of building a curriculum that meets the aspirations and needs of Youth and Adult Education, which presents itself as a field of educational practices that holds a great diversity of concepts. The curriculum is an ideal opportunity to examine and reflect on how such concepts are suitable, how they interact or overlap in their attempts to build a curriculum in which to express the different identities of the subjects of Youth and Adult Education.

KEYwords: Curriculum; collective construction; knowledge and experience; teaching practice.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

* Graduada em Pedagogia, com habilitação em Supervisão e Administração Escolar pela

Universidade Federal do Pará. Pós-Graduada em Metodologia do Ensino Superior, coorde-

nadora do SESC LER/AP.

(Pre)conceito de currículo e a EJA

Nos últimos anos, não nos faltam teorias, leis, parâmetros e diretrizes para em-basar a nossa reflexão sobre a dimensão curricular. Essas reflexões, atualmente, es-tão muito presentes nos espaços conquistados pela EJA, nas discussões referentes à diversidade e identidade que essa modalidade de educação construiu ao longo de sua história.

Ao falarmos de currículo, que conhecimento vem de imediato na nossa me-mória? O que entendemos por currículo? O que é currículo? O que faz parte desse currículo? O que ele abrange? O que está explícito nele? qual currículo atende à diversidade da EJA?

Conforme Menegolla e Sant’Anna (1992, p. 213-214), currículo não é

(...) simplesmente a relação e distribuição das disciplinas, com sua respectiva carga horária.

não é também o número de horas-aula e dos dias letivos. ele não se constitui apenas por

uma seriação de estudos, que chamamos de base curricular (...) ou uma listagem de conhe-

cimentos e conteúdos das diferentes disciplinas para serem estudados de forma sistemá-

tica, na sala de aula. (...) não deve ser concebido apenas como uma relação de conteúdos

ou conhecimentos delimitados ou isolados. (...) não é um plano padronizado, onde estão

relacionados alguns princípios e normas para o funcionamento da escola, como se fosse

um manual de instruções para poder se acionar uma máquina. (...) O currículo não é algo

restrito somente ao âmbito da escola ou da sala de aula.

Ao analisarmos a afirmativa de Menegolla e Sant’Anna, percebemos que no Projeto SESC LER1 já ultrapassamos a concepção de que os currículos escolares são apenas uma seleção de conteúdos e disciplinas organizados em uma grade curri-cular de acordo com alguns parâmetros. Superar essa concepção significa colocar o currículo num espaço mais amplo, de suas determinações sociais, de sua história, de sua produção contextual vivenciada pela sociedade, abrangendo as dimensões

1. projeto SeSc ler: implantado pelo Serviço Social do comércio/Departamento nacional em 1999, no interior da região norte, surgiu como projeto de alfabetização e, ao longo dos anos, com a consolidação do trabalho, propor-cionou aos alunos a continuação dos estudos até o 2º ciclo.

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sociais (identidade de gênero, etnias, classe social, linguagem cultural, deficientes físicos e outros), educacionais, políticas, econômicas e principalmente culturais, no sentido amplo de cultura.

Isso significa que o currículo não é elemento inocente e neutro, mas está vin-culado às relações de poder e de produtividade (dominados e dominantes), trans-mitindo visões sociais particulares e intencionais e influenciando a construção de identidades individuais e sociais.

Durante anos prevaleceu a concepção de currículo apenas como seleção de conteúdos e disciplinas organizados em uma grade curricular. A partir da década de 1980 as teorias pós-críticas surgem derrubando o paradigma curricular vigente e apresenta uma nova concepção de currículo, na qual deveriam ser considerados diferentes saberes até então ausentes em sua configuração, incluindo as questões das diferentes identidades, poderes, gêneros e espaços.

Segundo Tomaz Tadeu da Silva (2007, p. 147),

(...) depois das teorias críticas e pós-críticas do currículo torna-se impossível pensar o currí-

culo simplesmente através de conceitos técnicos como os de ensino e eficiência ou de ca-

tegorias psicológicas como as de aprendizagem e desenvolvimento ou ainda de imagens

estáticas como as de grade curricular e lista de conteúdos.

Uma questão central de qualquer teoria de currículo, sem dúvida, é saber qual conhecimento deve ser ensinado. O que ensinar? O que saber? O currículo é sempre resultado de uma seleção? Por que esses e não aqueles conhecimentos devem ser ensinados e aprendidos? Por isso, talvez, a conceituação devesse ser menos onto-lógica (o que é currículo?) e muito mais histórica (como, em diferentes momentos e em diferentes teorias educacionais, o currículo vem sendo concebido?).

Nas teorias de currículo, a pergunta “o que saber?” nunca está separada de uma outra pergunta fundamental e precedente: o que os/as estudantes devem ser ou se tornar? Esta concepção de currículo, abrangendo não só o saber e o saber fazer, mas também o ser e o conviver, nos conduz a repensar e refletir as relações que se estabelecem no currículo, analisando os interesses, as implicações e os benefícios envolvidos na inclusão de determinados conhecimentos, experiências e práticas culturais vividas por nossos estudantes, respeitando seus saberes, proporcionando o diálogo com outras experiências e promovendo a construção de uma pedagogia crítica.

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O currículo pensado nesse contexto deve objetivar a formação integral do alu-no, oportunizando o aprendizado de conhecimentos diversos, habilidades, técnicas e estratégias, bem como a construção de atitudes sociais críticas, inclusive no que se refere ao exercício da cidadania democrática.

Entretanto, ainda na atualidade, muitos professores associam os conteúdos curri-culares com conceitos a serem memorizados e procedimentos a serem reproduzidos. Essa prática dissocia a educação do contexto social, do tempo, dos valores, condições e acontecimentos históricos em que se manifesta e que integra (CRITELLE, 1981).

Atualmente, o que se observa na maioria das instituições é que o currículo con-solidado na EJA traduz-se pela adaptação do material destinado ao Ensino Funda-mental. Novas orientações curriculares não atingem de imediato a prática nas salas de aula e, em geral, há pouca oportunidade nos espaços escolares para o debate e a reflexão sobre as propostas curriculares para essa modalidade de ensino.

O currículo e os sentidos e propósitos da escola e da escolarização para a EJA

No contexto atual da Educação de Jovens e Adultos, se faz urgente repensar o currículo, sua funcionalidade e implicações na vida dos sujeitos que participam dessa modalidade de ensino. Por isso, discutir o papel da escolarização para esses sujeitos que não conseguiram concluir a educação básica na idade própria é um aspecto muito relevante na educação brasileira atualmente.

Segundo Souza (2000, p. 165),

A educação básica para todos significa dar às pessoas, independentemente da idade, a

oportunidade de desenvolver seu potencial, coletivamente ou individualmente. não é

apenas um direito, mas também um dever e uma responsabilidade para com os outros e

com toda a sociedade.

Nesse sentido, a construção de uma educação de qualidade para os sujeitos da EJA no Brasil significa amenizar ou superar os desafios que ao longo da história marginaliza e exclui homens e mulheres, negando-lhes direitos e acesso aos bens materiais e culturais, no sentido amplo de cultura.

Para tanto, faz-se necessário que o currículo para EJA tenha em sua abrangên-cia as vivências desses sujeitos, contemplando os anseios, necessidades e peculia-

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ridades dessa modalidade de ensino. Desse modo, o currículo se configurará em um instrumento importante e real do processo ensino-aprendizagem, que segundo Santiago (1990, p. 50) “é compreendido como instrumento básico da organização e do funcionamento da escola e é através dele que se faz a transmissão, ampliação e apropriação do saber”.

Ao refletirmos sobre a afirmação de Santiago, devemos fazer uma análise so-bre o que o currículo escolar deve refletir em relação aos propósitos da escola e da escolarização, pondo em foco questões tais como: o que e como se aprende na escola? A quem interessa e a serviço de quem está o que é aprendido? Como po-demos fazer para democratizar o que é discutido nas escolas de forma a não excluir os conhecimentos dos diferentes segmentos sociais, sem anular identidades ou segregar saberes? que conteúdos são necessários a jovens e adultos que buscam uma escolarização tardia? Como romper com a “clausura” que a escola ainda vive em relação à dinâmica social de nossos dias? As respostas a esses questionamentos nos permitem externar conflitos e alternativas que devem fazer parte do cotidiano de nossas escolas na construção de um currículo a partir dos dilemas da sociedade demandados em nosso tempo. Baseando-nos na Declaração de Jomtien (in OLIVEI-RA e PAIVA, 2004, p. 9), entendemos que:

(...) a escola deverá incorporar efetivamente os conhecimentos – conteúdos e competên-

cias – necessários para que o indivíduo possa desenvolver-se física, afetiva, intelectual e

moralmente, a fim de desempenhar-se com autonomia no âmbito político, econômico e

social no seu contexto de vida.

Nas últimas décadas, as transformações demográficas e culturais deixaram ex-plícito o peso da diversidade, colocando-a no centro do debate e das práticas edu-cativas. Um currículo é hoje multicultural, seja qual for o sentido que queiramos atribuir à raiz do termo cultura.

O currículo multicultural contempla os conhecimentos, as atitudes e as compe-tências que, numa sociedade e num certo momento, são considerados relevantes, tendo em conta as características da população escolar, as finalidades e propósitos do sistema educativo. Ignorar essa diversidade, como variável constante na cons-trução e realização do currículo, significa ignorar muitos daqueles saberes e atitu-des, bem como o princípio da igualdade de oportunidades educativas. A razão de ser e grande finalidade da teoria e da prática de organização e desenvolvimento curricular é, e sempre foi, a concepção e realização das melhores formas de adequar o currículo à diversidade a que se destina.

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De acordo com Sacristán (2000), o discurso dominante da pedagogia moderna, mediatizado pelo individualismo, ressalta as funções educativas relacionadas com o desenvolvimento humano, deixando de considerar, em muitos casos, a permanente função cultural da escola como finalidade essencial. Na discussão sobre a educação e a qualidade do ensino, torna-se fundamental retomar e ressaltar a relevância do currículo — recuperando a consciência do valor da escola como instituição facilita-dora de cultura e buscando descobrir mecanismos através dos quais ela cumprirá tal função —, além de analisar seu conteúdo e sentido.

A busca do sentido da educação escolar e das práticas que nela se realizam não será, por certo, uma preocupação restrita à Educação de Jovens e Adultos, porém, nela, assume uma dimensão preocupante e desafiante, uma vez que para os sujei-tos da EJA a educação escolar é uma opção que ocorre na fase adulta, e é também uma luta pessoal e quase sempre árdua que precisa, por isso, justificar-se a cada dificuldade, a cada esforço, a cada conquista. Ela é permeada e constituída por essa demanda, que, na busca do sentido da escolarização, se coloca na EJA como in-dagação fundamental a todos que se envolvem com o ensino e a aprendizagem dos conteúdos escolares, dos objetivos, das responsabilidades e perspectivas da educação e da escola.

Currículo vivo e a prática pedagógica

A relação pedagógica professor-aluno — normalmente determinada pela escola e pela prática docente – ainda está tão centrada no desenvolvimento do currículo que não ocorre de uma forma dialogada. Desse modo, a atuação profissional dos professores está condicionada pelo papel que lhes é atribuído no desenvolvimento do currículo. As construções curriculares deveriam ter efetiva participação docente e discente, a fim de se construir um currículo real, no qual os estudantes se percebam. Para tanto, os professores e alunos precisam ser encorajados e estimulados a construír e desenvolver seu próprio currículo, interagindo uns com os outros.

Todo currículo traz em si uma concepção de homem, de educação e de socie-dade que será vivenciada na escola e na sala de aula; daí considerar que esse ins-trumento é colocado em prática em favor de alguém ou de alguma classe social. Portanto, no currículo, não há neutralidade e desinteresse, mas, inevitavelmente, relações de poder.

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Nesse sentido, a contribuição de Freire (1996, p. 110) continua atual e relevan-te para um alicerce fundamental do currículo, quando diz que “ensinar exige com- preender que a educação é uma forma de intervenção no mundo”. Na perspectiva freireana, pensar o currículo é antes de tudo pensar em homens e mulheres como se-res pensantes e ativos, produtores de conhecimentos humanizáveis, críticos e reflexi-vos que ocorrem nas relações sociais. Enfim, o sujeito é histórico-cultural, transcende ao tempo e nele estabelece relações com o conhecimento, e se apropria dele, criando possibilidades para superar os desafios de uma sociedade dominante e opressora.

Segundo Giroux e McLaren (in MOREIRA e SILVA, 1999, p. 137),

A voz do estudante é um desejo, nascido da biografia pessoal e da história sedimentada;

é a necessidade de construir-se e afirmar-se em uma linguagem capaz de reconstruir a

vida privada e conferir-lhe um significado, assim como de legitimar e confirmar a própria

existência no mundo.

É nessa perspectiva que deve se organizar o currículo dos sujeitos da Educação de Jovens e Adultos, reconhecendo suas especificidades e peculiaridades. Assim, os objetivos do trabalho pedagógico deixariam de ser apenas os de levar aos alunos alguns conhecimentos clássicos e formais e passariam a incorporar as possibilida-des de os conteúdos contribuírem para as ações concretas que os estudantes de-vem ser capazes de desenvolver na sua vida cotidiana.

A principal preocupação do trabalho pedagógico passa a ser de saberes que contribuam para o desenvolvimento da consciência crítica, sem que isso signifique uma opção por qualquer tipo de redução, como foi e ainda é preconizada por al-guns. Não se trata de minimizar conteúdos para facilitar, mas de adequar conteúdos a objetivos mais consistentes do que os da mera repetição de supostas verdades universais desvinculadas do mundo e da vida.

Nesse sentido, diz Freire (1996, p. 33-34):

por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina

cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a con-

vivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? por que não estabe-

lecer uma necessária “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos

e a experiência social que eles têm como indivíduos? por que não discutir as implicações

políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade?

Há ética de classe embutida neste descaso? porque, dirá um educador reacionariamente

pragmático, a escola não tem nada que ver com isso. A escola não é partido. ela tem que

ensinar os conteúdos, transferi-los aos alunos. Aprendidos, estes operam por si mesmos.

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nesse sentido, devemos dar importância à individualidade do aluno e ao contexto social

e cultural do ensino, visando promover conexões e significados pessoais no processo de

aprendizagem.

Nessa perspectiva, a aprendizagem cultural é um processo criativo e interativo em que interagem os que vivem a cultura com os que nascem dentro dela, resul-tando em ideias, normas e valores que são similares de uma geração a outra. Assim sendo, a aprendizagem cultural é um ato de recriação por parte de cada pessoa, fundamentando-se na teoria de Vygotsky, que estabelece uma forte ligação entre o processo de desenvolvimento e de aprendizagem com o ambiente sociocultural. Ressalta-se, então, a importância de se considerar o conceito de zona de desenvol-vimento proximal, situada entre aquilo que o indivíduo já sabe e consegue realizar sozinho e o que pode ser desenvolvido com a ajuda e intervenção de outros.

Nesse contexto, o professor deixa de ser um mero executor de conteúdos esta-belecidos pelo sistema, as suas tomadas de decisão não se confinam à sala de aula nem o seu trabalho é individual e solitário. Ele dispõe de um espaço de iniciativas próprio em trabalhos colaborativos com seus pares, no qual a reflexão se torna a ferramenta-chave na resolução de problemas e de situações imprevisíveis.

Para Freire (1996, p. 43):

A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dia-

lético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. O saber que a prática docente espontânea ou

quase espontânea, “desarmada”, indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber

de experiência feito, a que falta a rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade epis-

temológica do sujeito.

A mudança da prática educativa exige luta para superar o entendimento formalis-ta e cientificista do currículo, muito presente nas escolas brasileiras, buscando enten-dê-lo como oriundo de múltiplos e singulares processos e redes de conhecimentos e experiências, e requer fazer aparecer alternativas curriculares efetivas construídas cotidianamente pela interação dos sujeitos das práticas pedagógicas. Uma prática curricular consistente somente pode ser encontrada no saber dos sujeitos praticantes do currículo, sendo, portanto, sempre tecida em todos os momentos.

Nessa perspectiva, emerge uma nova compreensão de currículo. Não se fala de um produto que pode ser construído seguindo modelos preestabelecidos, mas de um processo por meio do qual os praticantes do currículo constroem e reconstroem

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conhecimentos, ressignificam suas experiências a partir das redes de poderes, sabe-res e fazeres das quais participam.

Considerações finais

A construção do currículo, a partir de uma perspectiva dialogada, na qual edu-cando e educadores compartilham e vivenciam experiências, constroem e recons-troem conhecimentos e saberes, implica necessariamente uma constante releitura de mundo, do conhecimento de si como sujeito constituidor de cultura, bem como do respeito às relações heterogêneas e conflituosas que permeiam a sociedade.2

Compreender essas relações exige dos profissionais da EJA papel preponderante na ação constante de reflexão e aprimoramento de sua prática, para poder propor-cionar aproximação das expectativas e necessidades dos sujeitos da EJA. Para tanto, é importante compreendermos como se constitui a identidade desses sujeitos.

Por isso, precisamos pensar em uma educação diferente, com uma mudança real, na qual os professores deixam o estágio estático e a resistência às transformações. O professor tem que possuir os saberes, compreendê-los, organizá-los para então ensi-nar, uma vez que só se constrói conhecimento ao se refletir sobre o que se ensina.

Ao refletirmos sobre esta questão, observamos que ela é constituída de um mo-vimento constante na rede de relações ativas entre os atores envolvidos no proces-so ensino-aprendizagem, nas negociações constantes entre diferentes experiências de vida e na interação com o mundo vivenciado fora dos muros da escola.

Partindo desse contexto, podemos definir os sentidos e propósitos da escola e da escolarização, em um mundo cada dia mais globalizado, que exige dos sujeitos da EJA o exercício pleno de cidadania, em que o aluno incorpora, ressignifica e re-constrói os conhecimentos.

É nessa perspectiva que a ação pedagógica realizada pelo SESC LER trilha o seu ca-minho, na busca de construir um currículo no qual os atores envolvidos se percebam.

2. etnia, classe social, gênero, linguagem cultural, identidade sexual, portadores de necessidades especiais, relações de produtividade – dominado e dominante.

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REFERÊNCIAS

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SOUZA, J. F. A educação escolar, nosso fazer maior, des(a)fia o nosso saber: educação de Jovens e Adultos. recife: Bagaço, 2000.

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Educação de Jovens e Adultos, um desafio constante

Alcione Deodato de Sousa*

RESUMOAformaçãodojovemedoadultotemrequeri-do,cadavezmais,umnovoprincípioeducativoquepossadesenvolvercapacidadesparalidarcomarapidezdasmudançasnasociedadedainformação. Na perspectiva de Educação deJovens e Adultos, faz-se necessário verificaralgunsaspectosimportantesparaaefetivaçãodessamodalidadedeensino,entreelesocon-textosociopolíticoeasfunçõesdaEJA,oper-fildoeducando jovemeadultoe,finalmente,a formaçãodocenteparaatuarnessamodali-dade.Portanto,esses sãoalgunsdosaspectosquedevemser levadosemconsideraçãoparaqueaEducaçãodeJovenseAdultospossafor-marcidadãoscapazesderealizarseusprojetospessoaiseprofissionaisedeexercerseupapeltransformadornasociedade.

PAlAVRAS-CHAVE:FunçõesdaEJA;educação;cidadania.

ABSTRACTYouth and Adult education has increasingly required a new educational principle so as to develop the skills to cope with the rapid changes in the information society. As regards Youth and Adult Education, it is necessary to examine some important aspects in order to accomplish this mode of teaching, among them, the social-political context and the Youth and Adult Education functions, the profile of young and adult learners, and finally the teachers to be trained in this educational mode. So these are some of the elements that must be taken into account in order for Youth and Adult Education to develop citizens capable of carrying out their professional and personal projects and playing their transformative roles in society.

KEYwords: Youth and Adult Education Functions; citizenship.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

*Aluna do curso de pós-graduação em Educação Profissional Integrada à Educação Básica

na modalidade Educação de Jovens e Adultos – proeja, do cefet-AM, e professora de Língua

Portuguesa e Literatura, na modalidade EJA, do SESC-AM.

Introdução

Ao longo dos anos, muito se tem falado sobre políticas públicas que tenham como premissa a educação básica como direito de todos; exemplos são os vários mo-vimentos de reformas educacionais, principalmente no que se refere à Educação de Jovens e Adultos. Nesse sentido, vale analisar algumas das iniciativas do governo para com os cidadãos que, por algum motivo, não concluíram a escolaridade básica.

Tendo em vista que, para a classe dominante, os jovens e adultos com baixa ou nenhuma escolaridade representam perda para o mercado de trabalho, já no governo de Getúlio Vargas temos uma tímida iniciativa em relação à EJA, quando se determina que o ensino primário para os adultos seja dever do Estado e direito do cidadão. No entanto, o próprio governo não tratou de recursos financeiros que pudessem viabilizar esse fim.

Em meados dos anos 1950 e 1960, despontam os movimentos sociais voltados para a educação que visam à conscientização do cidadão de seu papel na cons-trução da sociedade. Nesse cenário, o então presidente da República João Goulart convida o educador pernambucano Paulo Freire para coordenar o Programa Na-cional de Educação. Na visão de Paulo Freire (1996), o primordial para o educan-do está em perceber as injustiças sociais e desenvolver uma consciência política para que possa lutar contra a exclusão social, ciente de seu papel como cidadão na construção de uma sociedade mais justa. A partir dos anos 1960, as ideias do educador, difundidas na obra Educação como prática da liberdade, inspiraram di-versos programas de alfabetização e educação popular espalhados pelo país. É preciso salientar que as práticas difundidas pelo educador nortearam e continuam norteando os trabalhos em EJA até os nossos dias. Mas é somente na Constitui-ção de 1988 que verificamos uma referência a recursos financeiros destinados a essa modalidade de ensino, isto é, a destinação de no mínimo 30% dos recursos da União para a erradicação do analfabetismo em nosso país. Com a implementação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB-EN), nº 9.394/96, a Educação de Jovens e Adultos passa a ser uma modalidade da Educação Básica nas etapas do Ensino Fundamental e Médio, usufruindo de uma especificidade própria que,

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como tal, deveria receber um tratamento consequente (Parecer CEB 11/2000, p. 26). Com isso, tem-se o Parecer da Câmara da Educação Básica, do Conselho Nacional de Educação – CNE/CEB 11/2000 –, consolidando o primeiro estatuto da EJA na história do Brasil. Esse documento, embora marcado por algumas limitações ideológicas e políticas, representa a possibilidade de sanar uma dívida social para com aqueles que, por algum motivo, não tiveram a oportunidade de obter escolaridade de acor-do com a faixa etária prevista nos aspectos legais.

nessa ordem de raciocínio, a educação de Jovens e Adultos (eJA) representa uma dívida

social não reparada para com os que não tiveram acesso a e nem domínio da escrita e

leitura como bens sociais, na escola ou fora dela, e tenham sido a força de trabalho empre-

gada na constituição de riquezas e na elevação de obras públicas. Ser privado desse acesso

é, de fato, a perda de um instrumento imprescindível para uma presença significativa na

convivência social contemporânea (parecer cne/ceB 11/2000, p. 5).

Perfil do educando jovem e adulto

No Brasil, há uma parcela significativa da população que, por razões econômi-cas, sociais e políticas, não teve assegurado pelo Estado o direito à educação básica, deixando, portanto, de concluir a escolaridade mínima necessária a que teria direi-to. Essa parcela, formada por jovens e adultos, geralmente associa a falta de esco-laridade às dificuldades que enfrenta no mercado de trabalho. Mais tarde, retorna à escola a fim de alcançar um nível melhor diante da sociedade. É a partir desse contexto que devemos traçar o perfil do educando jovem e adulto.

Já no Parecer CEB 11/2000, temos um retrato do educando da EJA.

O importante a se considerar é que os alunos da eJA são diferentes dos alunos presentes

nos anos adequados à faixa etária. São jovens e adultos, muitos deles trabalhadores, ma-

duros, com larga experiência profissional ou com expectativa de (re)inserção no mercado

de trabalho e com um olhar diferenciado sobre as coisas da existência (...). para eles, foi a

ausência de uma escola ou a evasão da mesma que os dirigiu para um retorno nem sempre

tardio à busca do direito ao saber. Outros são jovens provindos de estratos privilegiados e

que, mesmo tendo condições financeiras, não lograram sucesso nos estudos, em geral por

razões de caráter sócio-cultural (parecer ceB 11/2000, pp. 33-34).

Percebemos que esses educandos trazem consigo uma rica história de vida, marcada por experiências diversas, conhecimentos acumulados e reflexões sobre sua

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condição social, isto é, já chegam à escola com uma bagagem considerável de sabe-res. Diante disso, vemos que os sujeitos da EJA formam um grupo heterogêneo do ponto de vista sociocultural. Portanto, essa modalidade de ensino precisa de um mo-delo pedagógico próprio, em que as situações pedagógicas satisfaçam as necessida-des dos alunos, sem perder de vista a dimensão política e cultural desses educandos.

Rummert (2002, p.118) aponta alguns dos objetivos e anseios do público da EJA, como alcançar um nível melhor perante a sociedade, obter conhecimentos para lutar por seus direitos e compreender melhor a vida. quanto ao primeiro ob-jetivo, alcançar um nível melhor, entendemo-lo como a busca não só pela certifica-ção, como também por uma profissionalização, para se adequar às exigências do mercado. Nessa visão de elevação de escolaridade com profissionalização, o Estado alterou o decreto nº 5.478, de 24/06/2005, pelo decreto nº 5.840, de 13/07/2006, em que visa contribuir para a integração social desse grande contingente de cidadãos privados do direito de concluir a educação básica e de ter acesso a uma formação profissional de qualidade (MEC, SEMTEC, 200). Porém, não se pode esquecer de que a Educação de Jovens e Adultos deve estar pautada não apenas na questão da pro-fissionalização, mas também na formação integral do educando, considerando seus saberes socialmente construídos, e, principalmente, no acesso dos saberes científi-cos, para que ele possa, criticamente, exercer seu papel de cidadão consciente e, com isso, promover uma melhor qualidade de vida.

Funções da Educação de Jovens e Adultos

Como vimos, a EJA é uma modalidade de educação, na qual se apresentam es-pecificidades e características próprias dos educandos jovens e adultos. Como bem exemplifica o Parecer CEB 11/2000 (p. 5), “uma categoria organizacional constante da estrutura da educação nacional, com finalidades e funções específicas”. Portanto, merecem destaque as funções atribuídas a essa modalidade: função reparadora, função qualificadora e função equalizadora.

A função reparadora concebe o educando como um ser social e garante a ele o direito à escola de qualidade. O cidadão é tratado igualmente perante a lei; as-sim, não cabe distinção entre sexo, etnia, classe social, cultura etc. Um dos objetivos dessa função é amenizar as desigualdades sociais através do direito do ensino de qualidade para todo cidadão.

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e essa é uma das funções da escola democrática que, assentada no princípio da igualdade

e da liberdade, é um serviço público. por ser um serviço público, por ser direito de todos e

dever do estado, é obrigação deste último interferir no campo das desigualdades e, com

maior razão no caso brasileiro, no terreno das hierarquias sociais, por meio de políticas pú-

blicas. O acesso a esse serviço público é uma via de chegada a patamares que possibilitam

maior igualdade no espaço social (parecer ceB 11/2000, p. 8).

A função equalizadora pretende não somente potencializar o educando para fazer suas próprias mudanças, mas também possibilitar sua inserção no mercado de trabalho e, muitas vezes, na vida social.

A reentrada no sistema educacional dos que tiveram uma interrupção forçada, seja pela

repetência ou pela evasão, seja pelas desiguais oportunidades de permanência ou outras

condições adversas, deve ser saudada como uma reparação corretiva, ainda que tardia, de

estruturas arcaicas, possibilitando aos indivíduos novas inserções no mundo do trabalho,

na vida social, nos espaços da estética e na abertura dos canais de participação (parecer

ceB 11/2000, p. 9).

Ainda quanto à função equalizadora, cabe dar à EJA condições para que o indi-víduo continue frequentando a escola e também criar mais vagas para esses “novos” alunos e “novas” alunas, demandantes de uma nova oportunidade de equalização, segundo o Parecer CEB 11/2000 (p. 9).

Finalmente, a função qualificadora pretende oferecer uma educação permanen-te e continuada para que o educando tenha possibilidade de refazer seu próprio pro-jeto, ou seja, pretende oferecer atualização de conhecimentos para toda a vida.

essa tarefa de propiciar a todos a atualização de conhecimentos por toda a vida é a função

permanente da eJA, que se pode chamar de qualificadora. mais do que uma função, ela

é o próprio sentido da eJA. ela tem como base o caráter incompleto do ser humano, cujo

potencial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em quadros escolares ou

não escolares. mais do que nunca, ela é um apelo para a educação permanente e criação

de uma sociedade educada para o universalismo, a solidariedade, a igualdade e a diversi-

dade (parecer ceB 11/2000, p. 11).

Considerando todas essas funções, faz-se necessário um comprometimento po-lítico-pedagógico expresso nos programas, nos currículos escolares e nas propostas pedagógicas, pois somente assim teremos a formação de sujeitos críticos, capazes de tomar suas próprias decisões e, principalmente, cientes de seu papel como cidadãos.

Educação de Jovens e Adultos,

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Formação docente

Depois de verificadas as especificidades, os objetivos e os anseios da Educação de Jovens e Adultos, é necessário que o docente tenha pleno conhecimento de seu papel na formação de cidadãos críticos. Para tanto, é preciso uma formação ade-quada para se trabalhar no campo da EJA. Como argumenta Aguiar (2008/2009, p. 48), o educador de jovens e adultos precisa ter presente que está trabalhando com pessoas que têm uma história de vida diferenciada, portadores e portadoras de co-nhecimentos específicos. Daí a preocupação com a formação de profissionais que irão exercer funções que mediarão a apreensão e construção crítica do saber, não somente a transmissão do conhecimento de forma passiva e inquestionável.

muitos desses jovens e adultos se encontram, por vezes, em faixas etárias próximas às dos

docentes. por isso, os docentes deverão se preparar e se qualificar para a constituição de

projetos pedagógicos que considerem modelos apropriados a essas características e ex-

pectativas. (parecer ceB 11/2000, p.57).

Para o professor dessa modalidade é preciso conhecer e priorizar o contexto real do educando, sem esquecer que a educação se faz pela interação dos conheci-mentos do professor e do aluno e, com base nessa realidade, construir um projeto pedagógico adequado que possa atender às necessidades dos alunos.

Como bem observa Rummert (2002, p. 123), a EJA, para atender às funções que lhe são atribuídas, requer profissionais com formação específica. Por isso, ao repor-tar-se ao trabalho docente, ela afirma:

A realidade, no entanto, demonstra claramente ser necessário a atuação de profissionais

capacitados a formular e desenvolver ações e projetos pedagógicos que atendam às múl-

tiplas peculiaridades dessa modalidade de educação, e que contemplem as características

cognitivas e afetivas dos jovens e adultos trabalhadores que buscam, na escola, uma signifi-

cação social para as suas práticas, suas vivências e seus saberes, assim como a possibilidade

de concretização de diferentes sonhos que, o mais das vezes, voltam-se para a superação

de suas adversas condições de vida (rUmmert, 2002, p. 124).

Na verdade, ainda são escassas as políticas públicas em relação à formação do docente. Como exemplo, temos a ausência de concursos públicos para a modalida-de, pouco material de pesquisa na área, raras oportunidades de cursos, entre eles, especialização, mestrado e doutorado que contemplem a EJA.

Educação de Jovens e Adultos, um desafio constante

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Considerações finais

Com suas potencialidades e fragilidades, a Educação de Jovens e Adultos tem uma história feita de muita luta para que possa se consolidar efetivamente como uma modalidade de ensino capaz de contribuir para a formação de uma sociedade mais justa, solidária e, principalmente, igualitária.

Dessa forma, com base nos estudos aqui postos, a EJA não deve abandonar seu caráter desafiador quanto à formação de um currículo que deve possibilitar um espaço democrático de conhecimento para o educando, pois, nas palavras de Paulo Freire (1996), “educar para a vida requer um olhar que se projete para fora da escola e para o futuro”. Pois somente assim teremos uma educação pautada no exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Educação de Jovens e Adultos, um desafio constante

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As diretrizes curriculares da Educação de Jovens e Adultos e o currículo

Marta Maria Araújo Pereira*

RESUMOEste artigo tem como objetivo tecer conside-rações acerca do currículo posto em práticacotidianamentenasaladeaulaearelaçãodedocentesediscentescomoconhecimentoex-pressoecorporificadonocurrículo.Abordam-sealgunspontosdareflexãocurricularcontem-porâneanoque se refereaoestudodenovasformas de organização curricular destinadasà Educação de Jovens e Adultos. Discutem-se,ainda,algumasconcepçõesdecurrículoeseus fundamentos para chegar à proposiçãodeumdebatesobreaspossibilidadesdenovosdesenhos curriculares que possam ser maisadequadosaosnossosalunosdaEJAdoqueaspropostastradicionais,bemcomoarelaçãodoprofessornaconstruçãodosconhecimentosnaEducaçãodeJovenseAdultos.

PAlAVRAS-CHAVE:Currículospraticados;organizaçãocurricularnaEJA;formaçãoepráticadeeducadoresdaEJA.

ABSTRACTThis article aims to make considerations about the curriculum implemented in the classroom daily and the relationship between teachers and students with the knowledge expressed and embodied in the curriculum. It deals with some points of reflection on contemporary curriculum as regards the study of new forms of curriculum organization for Youth and Adult Education. It also discusses some conceptions of curriculum and its fundamentals in order to reach the proposition of a debate on the possibilities of new curriculum designs that may be more suitable to our Youth and Adult Education students than the traditional proposals, as well as the involvement of the teachers in the construction of knowledge in Youth and Adult Education.

KEYwords: Curricula practiced; Youth and Adult Education Curriculum organization; training and practice of Youth and Adult Education teachers.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Introdução

O objetivo deste texto é contribuir com o debate a respeito da EJA e das especi-ficidades que as atuais políticas lhe atribuem. Assim, o texto aborda alguns pontos da reflexão curricular que podem contribuir para o debate. Inicialmente, aborda-mos a Constituição Federal, por considerá-la fundamental para nos situarmos na discussão. Em seguida, abordamos as práticas curriculares, a maneira como enten-demos os processos de organização desses conhecimentos e algumas concepções de currículo, para finalmente discutirmos o papel do professor na construção des-ses conhecimentos. Entendemos que trabalhar com alunos jovens e adultos suscita para os professores trabalhar com diferentes necessidades de aprendizagem e ex-pectativas, incluindo os níveis socioculturais, bem como saber lidar com o conflito gerado por um currículo prescrito e por aquele que é posto na prática escolar.

Infelizmente as iniciativas governamentais vêm tratando a Educação de Jovens e Adultos sempre sob a perspectiva das campanhas de combate ao analfabetismo. Essas atitudes, somadas à incapacidade de a escola pública possibilitar o acesso ao conhecimento da população por ela atendida, têm resultado no abandono dos estudos por parte dos alunos e, consequentemente, na evasão da escola regular. Nesse contexto cultural, surgem os jovens excluídos, não mais identificados como analfabetos, mas como pessoas que interromperam o seu processo escolar geran-do, assim, a clientela dos programas de EJA.

Um pouco de história

Foi a partir de 1943, com a anunciada redemocratização, que ocorreram as primei-ras mobilizações em torno da educação de adultos, segundo Paiva (1983, p. 165-175).

A Educação de Jovens e Adultos no Brasil tem sido um tema polêmico desde que começou a ser pensada em suas especificidades em relação ao ensino regular. A EJA tinha uma perspectiva prioritariamente voltada para a alfabetização numa visão com-pensatória, na qual o objetivo de alfabetizar não se fazia acompanhar de um reconhe-

* Formada em Pedagogia, pós-graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional,

Coordenação Pedagógica e Administração Escolar. Coordenadora pedagógica do SESC

LER – Departamento Regional do Ceará.

As diretrizes curriculares da Educação de Jovens e Adultos e o currículo

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cimento das especificidades dos alfabetizandos. As necessidades e possibilidades desses educandos exigiam o desenvolvimento de propostas adequadas a elas.

esses sujeitos que buscam a escola, tardiamente, para se alfabetizar, apresentam inúmeras

características que os diferencia das crianças, tais como: ultrapassam a idade de escolariza-

ção formal estabelecida pelas legislações educacionais; estão inseridos no sistema produti-

vo (ou temporariamente fora dele), são os responsáveis pela produção dos bens materiais,

mas são excluídos da participação desses bens. representam, hoje, em algumas regiões

do Brasil, da América latina e de todos os países que compõem o considerado terceiro

mundo, quase metade da população. e são um contingente tendencialmente crescente,

a prevalecerem as atuais políticas e práticas educativas, produtoras de fracasso e exclusão

escolar (mOUrA, 2003, p. 116-117).

No plano das políticas, o combate ao analfabetismo no país nunca foi assumido com seriedade. Ele se reduz, quase sempre, a campanhas montadas por governos mais preocupados com resultados estatísticos do que propriamente com a qualida-de da educação que é destinada ao adulto. Presume-se, portanto, que a alfabetiza-ção de adultos é sempre uma tarefa de menor importância.

A Constituição Federal de 1988 estendeu o direito ao Ensino Fundamental aos cidadãos de todas as faixas etárias, o que nos estabelece o imperativo de ampliar as oportunidades educacionais para aqueles que não tiveram a oportunidade de fre-quentar ou de permanecer na escola. Além da extensão, a qualificação pedagógica de programas de Educação de Jovens e Adultos é uma exigência de justiça social, para que a ampliação das oportunidades educacionais não se reduza a uma ilusão e a escolarização tardia de milhares de cidadãos não se configure como mais uma experiência de fracasso e exclusão.

Respaldada pelos avanços alcançados na Constituição Federal de 1988, no Ar-tigo 208, que garante a educação a todos aqueles que a ela não tiveram acesso, in-dependentemente da faixa etária, e, posteriormente, pela Lei n° 9394/96, especial-mente nos seus Artigos 37 e 38, a EJA passou a ser uma modalidade da educação básica nas etapas do Ensino Fundamental e Médio.

No tocante ao atendimento de jovens e adultos, no âmbito educacional, a re-ferida lei intitula a Seção V, que trata da questão da Educação de Jovens e Adultos. Nessa Seção, prescreve que os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente na infância oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características

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do seu alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.

Não se trata mais de suprir a escolaridade regular, mas oferecer oportunidades educacionais apropriadas. Há uma mudança de concepção que se aprofunda quan-do a lei estabelece que é dever do Poder Público estimular o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si.

Com isso, muito se tem discutido sobre a EJA e, para este fim, o MEC organizou audiências públicas com o objetivo de esclarecer todas as dúvidas surgidas. No en-tanto, apesar de todas as discussões e esclarecimentos, muitas pessoas continuam não tendo acesso à leitura e à escrita, ou recebem uma educação precária que não as torna autônomas para fazerem uso social da leitura e escrita apreendidas, oca-sionando repetência, reprovação e desistência dos alunos, mantendo adolescentes, jovens e adultos sem o direito à escolaridade.

Um marco importante para a Educação de Jovens e Adultos foi a V Conferência Internacional sobre a EJA (V Confintea), realizada em julho de 1997, em Hamburgo, na Alemanha, que, entre outros objetivos, manifestou a importância da educação ao lon-go da vida. Nela há um trecho que diz: “A Educação de Jovens e Adultos é, ao mesmo tempo, consequência da cidadania ativa e condição de plena e inteira participação na vida da sociedade.1” Ou seja, a Declaração de Hamburgo reafirma o caráter permanente da educação. O grande desafio, hoje, é fazer com que a sociedade oportunize a todos o direito de viver de forma decente, como cidadãos e cidadãs do Brasil e do mundo.

A educação tem, a princípio, a finalidade de promover mudanças desejáveis e relativamente permanentes nos indivíduos, para que estas venham favorecer o de-senvolvimento integral do homem e da sociedade. A educação deve atingir a vida das pessoas e da coletividade em todos os âmbitos, visando à expansão dos hori-zontes pessoais, o desenvolvimento biopsicossocial do sujeito, além da observação das dimensões econômicas e o fortalecimento de uma visão mais participativa, crí-tica e reflexiva dos grupos nas decisões dos assuntos que lhes dizem respeito.

Assim, a Educação de Jovens e Adultos deve ser entendida de modo a promo-ver a formação cidadã, a pluralidade cultural, a inovação tecnológica, a contextua-lização curricular e a formação integral de indivíduos capazes de decidir sobre suas

1. conferência internacional sobre a educação de Jovens e Adultos, 1997.

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vidas, ascender social e individualmente, adaptar-se a novos contextos, participar da tomada de decisões de políticas públicas, crescer em liberdade de autoconsciên-cia com os outros, com vistas a uma sociedade mais justa e igualitária.

Devemos pensar na reorganização curricular não somente como estratégias para favorecer o ensino-aprendizagem, mas como políticas educativas e culturais, que permitam a reorganização dos espaços e tempos de compartilhamento de sa-beres e ampliem a experiência social pública e o direito de todos às riquezas ma-teriais e espirituais das cidades. O desafio é organizar currículos flexíveis capazes de comunicar e fazer sentido para os sujeitos concretos da EJA, entendendo suas necessidades e potencialidades.

As propostas curriculares

Sobre esse assunto, o que percebemos é que os critérios e modos de seleção e organização curricular não buscam dialogar com os saberes nem com os desejos e expectativas dos jovens a que se destinam. Não seguem a complexidade do estar no mundo, da vida cotidiana e das aprendizagens que nela ocorrem. Percebo que a vida real na maioria das escolas, sejam elas de crianças, de jovens ou de adultos, ainda não incorpora as experiências, saberes e possibilidades dos sujeitos envolvi-dos na prática cotidiana do ensinar/aprender.

Assim, diante do que se discute sobre a EJA, reconheço que a escola não ofe-rece um currículo atraente que vá ao encontro dos interesses dos alunos. Acredita-mos que para minimizar os problemas do sistema educacional é preciso pensar em uma educação que configure os espaços educativos como lugares de participação sociocultural, destacando tanto o protagonismo e autonomia do sujeito da apren-dizagem como o papel do educador como agente de mudanças.

Mas, para isso, se faz necessário aplicar um currículo crítico, democrático e trans-formador, que tenha como ponto de partida as experiências de vida dos alunos na construção de novos saberes, desenvolvendo a formação de jovens e adultos nas dimensões da vida tais como: cognitiva, afetiva, ética, cultural, estética e política.

(...) o currículo tem significados que vão muito além daqueles aos quais as teorias tradicio-

nais nos confirmam. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O

currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum

vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O

currículo é documento de identidade (SilVA, 2007, p. 150).

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Um currículo para a EJA deve ser flexível, diversificado e participativo, defini-do a partir da compreensão de que as mudanças do mundo atual exigem que se compreenda melhor a sociedade para nela atuar de maneira crítica, responsável e transformadora.

O currículo precisa ser visto e estudado como um processo complexo e contí-nuo de planejamento ambiental.

Assim o currículo não é pensado como uma ‘coisa’, como um programa ou cursos de estu-

dos. ele é considerado como um ambiente simbólico, material e humano que é constan-

temente reconstruído. este processo de planejamento envolve não apenas o técnico, mas

o estético, o ético e o político, se quisermos que ele responda plenamente tanto ao nível

pessoal quanto social (Apple, 1999, p. 210).

O conceito de currículo como um ambiente simbólico nos permite vê-lo como um espaço que envolve noções relativas a conhecimento e cultura e direciona nos-so olhar para aspectos não tão explícitos desses dois elementos.

O objetivo é promover a interação entre os sujeitos e a construção da cidadania, numa escola em que toda a organização esteja a serviço da aprendizagem, para que todos possam desenvolver ao máximo suas capacidades, transformando, as-sim, sem sombra de dúvida, o seu entorno.

A educação deve garantir a aquisição daquelas habilidades e conhecimentos necessários para o desenvolvimento na sociedade atual, assegurando às pessoas adultas sem uma escolarização primária uma educação que lhes seja útil, que lhes sirva, sobretudo, para poder atuar na sociedade da informação.

A ideia é que a escola respeite o perfil cultural do aluno jovem e do aluno adul-to, permitindo-lhes o aproveitamento de suas experiências e assegurando-lhes a vivência de processos que construam sua autoaprendizagem como forma de con-ferir-lhes meios adequados para a superação da escolarização que não ocorreu. A concepção passa a ser de formação continuada a partir do horizonte social e espa-ço-temporal desse educando.

A organização metodológica organizada pelo professor deve partir do conhe-cimento que os alunos e alunas trazem de suas experiências, incorporando a esse trabalho organizativo o saber sistematizado das diversas áreas do conhecimento. Assim, nasce uma proposta educacional baseada em princípios democráticos, na

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qual o currículo é construído com o intuito de viabilizar uma aprendizagem signifi-cativa, em que a cultura, o saber e as experiências de vida, o trabalho e a luta social estejam articulados com o saber acadêmico das várias áreas de conhecimento. Por-tanto, o processo de ensino-aprendizagem não funciona como instrumento de des-velamento da realidade e de construção de novos cenários sociais se tal proposta não considerar a educação como um ato político, tal como considera Paulo Freire, e por conseguinte, não possibilitar aos envolvidos o reconhecimento técnico, político e ético de seu papel.

O educando é sujeito de sua história, pensa sua realidade e tem direito de co-nhecer e transformar com autonomia o tempo e o espaço no qual está inserido. Esse sujeito precisa conhecer o saber sistematizado para não ser por meio dele do-minado. O educando deve conhecer a arte e a filosofia, as ciências e a cultura da humanidade para afirmar sua cultura e sua arte. Deve conhecer sua história e se assumir enquanto sujeito que faz história. O currículo não deve estar organizado em torno das disciplinas como costuma ser feito na escola tradicional.

É buscando compreender a realidade do educando, as suas contradições bá-sicas, sua situação existencial, concreta, presente, que são problemas e desafiam soluções e exigem respostas, tanto em nível prático como teórico, que se inaugu-ra o diálogo libertador. A pesquisa da realidade do aluno possibilita ao educador apropriar-se da cultura, dos saberes e da filosofia da comunidade escolar.

Portanto, um currículo relevante é propício a melhores resultados de aprendi-zagem, devendo respeitar as demandas dos alunos em suas diferentes circunstân-cias. É necessário que se tenha sensibilidade à experiência cultural do aluno adulto, à sua língua e à sua experiência de vida.

De acordo com Brandão (1986), a via regular da inserção dos saberes — os aca-dêmicos e todos os outros — se dá pela curricularização. A escola tem que se cons-cientizar da tarefa e atualizar-se sobre os saberes que ela não pode mais conhecer, pois estes estão no cotidiano do qual se isolou. Só através da reinserção dos valores do “outro”, dos saberes do cotidiano do “outro”, renasce a expectativa de aplicação da teoria que possa privilegiar a ampliação da presença do ser nas práticas curriculares.

O currículo de uma instituição também não pode ser pensado de forma estáti-ca, pois da mesma forma que o educando é por ele influenciado, enquanto recebe novos conhecimentos, também o próprio currículo é influenciado por quem “passa”

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pela instituição, contribuindo para a sua atualização e reformulação. Há com cer-teza os currículos que sofrem essas influências de forma mais tranquila por serem mais flexíveis, porém há outros que trazem uma perspectiva mais tradicional e são, portanto, mais fechados a essas mudanças. Isso não quer dizer que as mudanças não ocorram, apenas que são menos intensas.

Apesar de o currículo ser pensado buscando abranger as perspectivas especí-ficas da aprendizagem do educando para uma formação em uma dada instituição, ele sofre as influências de uma vasta rede de relações com a qual o aprendente tem contato direto ou indireto e que também influencia na sua formação, e isso acon-tece de forma muito natural. São contatos com outras instituições, outras famílias, outras pessoas, com a diversidade.

Esse é o ponto que garante as diferentes formas de agir, as diferentes atitudes tomadas, muitas vezes por educandos que, apesar de formados por uma mesma instituição, passam a ter práticas diferentes, mais tarde, no mundo do trabalho, nas suas relações com os outros.

Atualmente, os profissionais da escola têm procurado constituí-la como um es-paço de práticas e de reflexão, visando ao desenvolvimento integral dos sujeitos sociais matriculados nessa modalidade de ensino, considerando as suas particulari-dades de faixa etária e de população que ficou fora da escola.

Formação e prática de educadores da EJA

As instituições de ensino muito têm se preocupado com a formação profissio-nal docente, pois a qualidade do ensino depende praticamente da relação entre professor-aluno e das competências e habilidades que o educador obtém durante sua formação docente.

Percebo, portanto, que o professor precisa ser pesquisador em relação à sua prática educativa, envolvendo desse modo teoria e prática. O educador precisa de-senvolver uma prática pedagógica crítico-reflexiva, a fim de orientar seus educan-dos por meio de uma didática que os eduque pela pesquisa, além de analisar o contexto histórico, social e político de seus alunos, auxiliando-os a construir uma sociedade mais justa e igualitária. O conceito de Educação de Jovens e Adultos se move na medida em que a realidade faz algumas exigências em relação à sensibili-

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dade e à competência dos educadores. Isso pode ser observado no seguinte argu-mento de Gadotti (2001, p. 65).

pela educação, queremos mudar o mundo, a começar pela sala de aula, pois as grandes

transformações não se dão apenas como resultantes dos grandes gestos, mas de iniciativas

cotidianas, simples e persistentes.

Percebe-se, no entanto, que o educador de jovens e adultos constrói o seu sa-ber alicerçado em relações históricas, convicções e compromissos por meio da in-serção do professor na sociedade contemporânea, abordando todas as dimensões na sua função de educador.

O educador da EJA precisa estar preparado para fazer do espaço da sala de aula um espaço da construção coletiva, em que a pesquisa, como princípio educativo e pedagógico, contribua para a construção da aprendizagem significativa dos edu-candos, estando atento às necessidades e características do grupo de acordo com a realidade escolar e a vivência de cada educando. É necessário que o professor valorize a experiência de cada um, integrando-os à vida escolar, ampliando assim o universo cultural por meio da socialização. Nesse sentido, Freire (2003, p.137) cola-bora com a seguinte reflexão.

como ensinar, como formar sem estar aberto ao contorno geográfico, social, dos educan-

dos? [...] preciso, agora, saber ou abrir-me à realidade desses alunos com quem partilho

a minha atividade pedagógica. preciso tornar-me, se não absolutamente íntimo de sua

forma de estar sendo, no mínimo, menos estranho e distante dela.

A formação do professor para EJA é uma prática de conhecimento que visa à aqui-sição de uma proposta pedagógica pautada no diálogo, no questionamento e na com-preensão da realidade que nos conduz à busca de novas propostas coletivas de mu-danças, em que o conhecimento deve ser apresentado como uma construção social.

Dessa forma, um desafio que se apresenta para os educadores da modalidade de EJA é a elaboração de referenciais curriculares básicos, contextualizados com as exigências do mundo contemporâneo, tendo como parâmetros as capacidades, as competências e as habilidades que se pretende que os jovens e os adultos cons- truam e desenvolvam. Esses parâmetros são também indicadores para guiar a organi-zação, a natureza e a seleção de conteúdos das diferentes áreas do conhecimento.

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Trabalhar nessa perspectiva exige um maior controle e valorização do estudo das disciplinas que passam a ser consideradas como recursos que ganham sentido em relação às capacidades que se deseja que os alunos desenvolvam.

Nos espaços da EJA, os sujeitos são múltiplos. É preciso estar atento para as tra-jetórias de vida, que sempre são singulares. O desafio do conhecimento, na EJA, não pode estar limitado àquilo que os alunos e alunas devem aprender, mas tam-bém voltado para que educadores e educadoras aprofundem seus conhecimentos, como sujeitos da aprendizagem.

A prática educativa, segundo Paulo Freire, não é neutra, pois qualquer que seja a postura do educador, ela será o reflexo de sua posição política, seja ela de neutra-lidade, de concordância, de pragmatismo, seja ela de luta, de não acomodação, de progressismo.

Formar profissionais para lidar com as diferentes realidades, valorizando as di-versidades, é um desafio. Formar o cidadão não é tarefa exclusiva da escola, assim como a formação dos profissionais da educação não será a solução para as mudan-ças que precisam ser efetivadas na escola. No entanto, a escola tem grande respon-sabilidade e um papel a desempenhar na formação e nas mudanças que precisam se efetivar na realidade social dos educandos.

Barreto (2006, p. 78) nos instiga a pensar a respeito da prática como fundamen-tal nos processos de formação. Sobre isso a autora afirma que, “quando a formação não altera a teoria [as representações] do educador, ela pode mudar o que ele diz, sem, entretanto, mudar o que ele faz”,2 e nisso consiste a importância da formação permanente.

Dessa forma, considerando a diversidade de seu público e as particularidades de tempos e de espaços que a EJA apresenta, o educador do aluno jovem e adulto deve refletir crítica e sistematicamente acerca de suas ações educativas. Segundo Borges (2006), é a partir dessa “reflexão-ação” que o professor terá condições de produzir alternativas que ajudarão na “superação das dificuldades apresentadas pelas dinâmicas e diversidades que emergem das relações que se estabelecem na EJA”. Contudo, Barreto (2006) chama atenção para o fato de ser “raro, em menos de um ano, o educador conseguir assimilar a prática de refletir sobre sua prática”.

2. A professora fez a referida afirmação durante o debate da mesa sobre Formação de educadores de Jovens e Adultos.

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Acredito que o educador do aluno jovem e adulto deve tomar consciência da atual situação da EJA. É necessário também que o profissional da EJA tenha uma formação em teorias pedagógicas sobre a juventude e a vida adulta, a fim de co-nhecer e perceber o seu aluno enquanto sujeito de direitos e respeitando seus sa-beres e sua realidade.

Considerações finais

Assim, diante dos temas aqui abordados, espero que os envolvidos com a EJA compreendam que uma grande parcela da população brasileira ainda está sendo excluída de exercer plenamente sua cidadania por não ter acesso ao ensino fun-damental e quando o tem, não desenvolve uma permanência com sucesso. São pessoas furtadas do direito à escolaridade.

Entendo que as instituições educativas precisam preparar-se para atender aos adultos que desejam aprender, educar-se e reeducar-se, mesmo na mais avançada idade, e, para alcançar essa meta, faz-se necessária uma metodologia de ensino es-pecial que atenda às expectativas desses sujeitos.

Por meio destas reflexões posso considerar que o educador precisa deixar mar-cas significativas e atuar como referência na vida dos seus educandos; ser um dife-rencial para os alunos que, mesmo possuindo anos de experiência e tendo adqui-rido algum conhecimento de vida, não possuem, na sua maioria, uma visão crítica sobre a realidade na qual estão inseridos, não sendo capazes de reivindicar seus direitos e cumprir seus deveres como cidadãos pertencentes a uma sociedade.

Assim concluo este texto, percebendo que a escola e os demais espaços educa-tivos da EJA se configuram como oportunidades de construção de relações huma-nas significativas, tanto para os educandos como para os educadores que acreditam que a EJA possa ser uma experiência bem-sucedida para todos que a procuram.

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As diretrizes curriculares da Educação de Jovens e Adultos e o currículo

Serviço Social do Comércio Educação em Rede

Reconhecer as necessidades do educando para qualificar o currículo

Christiana Diniz Lopes*

RESUMOEste artigo discute anecessidadedeumcur-rículo específico para a Educação de Jovense Adultos, abordando duas questões muitoimportantes para a construção do currículo:a heterogeneidade na EJA e as questões domundodo trabalho.Analisa comoessegrupoheterogêneoesuasespecificidadespermeiamouniversoescolar,comosãoatendidoseoquedesejamdentrodeumaperspectivadeescola-rizaçãoeprofissionalização.

PAlAVRAS-CHAVE:EducaçãodeJovenseAdul-tos;heterogeneidade;diversidadecultural.

ABSTRACT: This article discusses the need for a specific Youth and Adult Education curriculum, addressing two very important issues in order to design the curriculum: Youth and Adult Education heterogeneity and workplace issues. It analyzes how this heterogeneous group and its specificities permeate the school environment, how it is treated and what its objectives within a perspective of education and vocational training.

KEYwords: Youth and Adult Education; heterogeneity; cultural diversity.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

* Pedagoga graduada pela Universidade Estácio de Sá. Estagiária da Gerência de Educa-

ção e Ação Social do SESC - Departamento Nacional, no exercício de 2008.

Introdução

A intenção de realizar este estudo decorre de uma preocupação em torno da realidade atual em que se encontra a organização curricular da Educação Básica de Jovens e Adultos em nossa sociedade, em que não há políticas públicas específicas para a EJA, que possui um público heterogêneo e envolvido num universo cultural diversificado.

Para a elaboração de um currículo mais adequado para a construção de um conhecimento de qualidade, faz-se necessário problematizar algumas questões expressas nestes dois temas: a heterogeneidade na EJA e as questões do mundo do trabalho.

A primeira questão está relacionada às especificidades da EJA, que é formada por um grupo heterogêneo e de múltiplas culturas. Nesse universo cultural, a sala de aula se torna um desafio para o educador, cujo trabalho busca o oposto, ou seja, a homogeneidade desse grupo, baseando-se em um currículo elaborado sem levar em conta essas especificidades.

As diversas culturas trazidas pelos alunos precisam ser integradas aos conhe-cimentos oferecidos pela escola e, a partir da pluralidade de experiências, deve-se elaborar um currículo que seja um fator de enriquecimento no processo cognitivo. Uma educação de qualidade reconhece as reais necessidades de sua clientela, sua historicidade, o contexto em que se encontra e os objetivos almejados por ela.

A segunda questão está relacionada ao mundo do trabalho, fator importante para um número expressivo de alunos da EJA, que vive um momento de competiti-vidade, qualificação profissional e maior nível de escolarização. Esses elementos são obstáculos a serem vencidos pelos jovens e adultos no mercado de trabalho, que buscam na educação a ferramenta para vencer suas dificuldades e necessidades, e, mais que isso, o seu lugar no mercado.

Reconhecer as necessidades do educando para qualificar o currículo

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A heterogeneidade como desafio

O educando da EJA faz parte de um grupo heterogêneo e traz consigo múlti-plas experiências de vida e grande diversidade cultural. Ele constitui um público que não teve a oportunidade de efetuar seus estudos no período da infância, justa-mente quando a educação foi negligenciada pela falta de políticas públicas direcio-nadas a essa modalidade de ensino.

[...] oportunidade educativa para um largo segmento da população, com três trajetórias

escolares básicas: para os que iniciam a escolaridade já na condição de adultos trabalhado-

res; para adolescentes e adultos jovens que ingressaram na escola regular e a abandona-

ram há algum tempo, frequentemente motivados pelo ingresso no trabalho ou em razão

de movimentos migratórios e, finalmente, para adolescentes que ingressaram e cursaram

recentemente a escola regular, mas acumularam aí grandes defasagens entre a idade e a

série cursada (Di pierrO et all, 2001, p. 65).

Os alunos da Educação de Jovens e Adultos são indivíduos inseridos no mundo do trabalho, possuidores de uma trajetória escolar marcada por alguns fracassos e exclusão que provocaram a desmotivação na sala de aula, levando à desistência pela escolarização.

Outras características desses educandos são as idas e vindas na instituição es-colar, advindas das constantes mudanças de moradia e faixas etárias diversificadas, que contribuem para ressaltar as diferenças específicas e propiciam ainda mais a heterogeneidade do grupo.

Essa clientela, geralmente, apresenta uma autoestima baixa e demonstra cer-ta insegurança no momento da aprendizagem. Eles não têm certeza de todo seu potencial e competência na construção de saberes, em virtude do passado escolar e, muitas vezes, do seu próprio contexto social; porém, apesar dessa interrupção, desejam retomar a escolarização.

quando voltam à escola, trazem consigo um conjunto de saberes do senso co-mum, não só pela vida comunitária e familiar, mas pelo ambiente de trabalho que alguns vivenciam.

É a partir dessa realidade que o desafio na sala de aula começa. O educador se depara com essa pluralidade de informações e com pessoas diferentes em suas

Reconhecer as necessidades do educando

para qualificar o currículo

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

essências, um conjunto humano bem heterogêneo, tendo como base profissional uma instituição que tende a homogeneizar o grupo que a compõe.

Um dos principais problemas que se apresenta ao trabalho na eJA refere-se ao fato de que,

não importando a idade dos alunos, a organização dos conteúdos a serem trabalhados e

os modos de abordagem dos mesmos segue as propostas desenvolvidas para as crian-

ças do ensino regular. Os problemas com a linguagem utilizada pelo professor e com a

infantilização de pessoas que, se não puderam ir à escola, tiveram e têm uma vida rica em

aprendizagens que merecem maior atenção (OliVeirA, 2004, p. 105).

A escola, de modo geral, não leva em conta o contexto social e as experiências de vida do educando no momento da construção do currículo. Podemos observar que existe um grande equívoco na proposta pedagógica, porque a educação ofere-cida no ambiente escolar é ainda moldada para atender a clientela infantil, que tem necessidades bastante diferenciadas dos adolescentes e adultos que compõem a EJA. A estrutura curricular e os conteúdos oferecidos na escola são organizados a partir de concepções, valores e ideias de um universo bem distante da realidade que os educandos da EJA vivenciam. Isso dificulta a apropriação dos conhecimen-tos oferecidos porque está distante daquilo que experimentam em seu cotidiano, não facilitando o processo cognitivo.

Outro fator importante que compõe a identidade do aluno é a multiplicidade cultural em que todos estão inseridos.

A nossa identidade é formada a partir dos grupos sociais a que pertencemos e de diferentes culturas. As variações de raça, classe social, linguagem, família, cultu-ra, influenciam no modo de vida, a diferença está presente em todo momento.

Dentro dessa perspectiva, o indivíduo forma visões diferentes sobre um mes-mo tema, porque cada um percebe a natureza da vida de acordo com a realidade que vive.

Desse modo, quer rejeitemos ou aceitemos a diferença, quer pretendamos incorporá-la

à cultura hegemônica, quer defendamos a preservação de seus aspectos originais, quer

procuremos desafiar as relações de poder que a organizam, em hipótese alguma, negá-la.

ela estará presente em todos os cenários sociais, empobrecendo-os e contaminando-os

segundo alguns, enriquecendo-os e renovando-os, segundo outros. em síntese, vivemos

em um mundo inescapavelmente multicultural (mOreirA, 1999, p. 84).

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Mesmo que a escola tenha como base o padrão de uma determinada classe social, se deparará com as diferenças culturais. Sabemos que as instituições de en-sino se baseiam no modo capitalista da classe elitista, que tenta negar o modo de vida das classes empobrecidas, rejeitando sua cultura, sua linguagem. Porém, essa influência não é descartada no momento da construção do conhecimento, porque o educando não se separa dela quando entra na sala de aula. Ela faz parte da sua essência e necessita ser explorada para dialogar com os conhecimentos escolhidos na grade curricular.

quando o aluno é inserido no ambiente escolar, as bagagens culturais entram em conflito, principalmente no aspecto da linguagem, que na escola é mais rebus-cada, formal, nem sempre compreendida pelo sujeito. Além disso, esse espaço se traduz muitas vezes em ambiente de preconceitos e discriminações, porque educa-dores despreparados não aceitam outro tipo de linguagem que não seja a oferecida pela escola.

Em alguns casos, o professor faz uma avaliação muito rigorosa e equivocada das produções textuais, ou mesmo da própria fala do aluno. Uma avaliação nesse nível pode ser motivo de constrangimento na sala de aula, ou pode contribuir para aumentar a distância entre educando e educador, dificultando ainda mais a relação entre eles, que necessita de interação constante para o desenvolvimento do pro-cesso de ensino-aprendizagem, o que acaba sendo prejuízo para ambas as partes. Devemos entender que nesse processo não é só o aluno que aprende, o professor aprende junto com o aluno.

O professor deve ensinar. É preciso fazê-lo. Só que ensinar não é transmitir conhecimento.

para que o ato de ensinar se constitua como tal, é preciso que o ato de aprender seja pre-

cedido do, ou concomitante ao, ato de apreender o conteúdo ou o objeto cognoscível,

com que o educando se torna produtor também do conhecimento que lhe foi ensinado

(Freire, 1994, p. 118).

Para que um sujeito construa conhecimento é preciso que aquilo que é apre-sentado na aula tenha significado e, a partir daí, ele possa repensar as noções preconcebidas e reconstruir novos saberes com base naquilo que já teve oportu-nidade de aprender. Ele precisa encontrar na escola um espaço onde possa refletir sobre suas experiências de vida, as coisas do senso comum e as teorias ofereci-das pela escola, para criar uma visão crítica desses conteúdos, construindo suas próprias concepções a respeito do mundo que o cerca. É importante também

Reconhecer as necessidades do educando

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

que o educador troque com o educando suas vivências para além dos conteú-dos escolares, dando oportunidade à classe de ter outras referências como base de aprendizado.

É fundamental ressaltar que o Brasil é um país de múltiplas culturas regionais, onde a emigração está em constante movimento. Existe, portanto, nos centros ur-banos, uma grande circulação de pessoas advindas das áreas rurais, com sotaques e vocabulários variados, que integrarão o universo escolar.

As contribuições que esses indivíduos trazem vão dialogar com a cultura urbana, que também tem suas especificidades. E dentro desse quadro ainda existem as diferenças de idade, que pontuam, atualmente, em grande escala, a EJA. Estudos mostram que, a cada momento, vem crescendo o número de ado-lescentes matriculados na Educação de Jovens e Adultos e que eles têm visões de mundo, linguagem e objetivos bem diferentes dos adultos dessa modalidade de ensino.

A heterogeneidade desse grupo é constituída pelo conjunto de todas essas es-pecificidades, que se traduzem em pontos importantes, que devem ser valorizados no momento da construção do currículo escolar.

A EJA e as questões do mundo do trabalho

O mundo do trabalho é uma questão que está relacionada a uma forma de sobrevivência inerente a qualquer sujeito em nossa sociedade, ponto funda-mental na vida de uma grande parte dos alunos dessa modalidade de ensino. O meio de subsistência é uma questão muito importante, porque é por meio do trabalho que as pessoas conseguem conquistar bens materiais e realizar so-nhos. Devemos lembrar que vivemos em uma sociedade de consumo, na qual a maioria das pessoas busca uma estabilidade social e a realização de desejos através do dinheiro.

quando pensamos essa realidade em relação à clientela da Educação de Jovens e Adultos, observamos que o educando trabalhador vê a escola como um lugar onde ele pode solucionar pelo menos três pontos essenciais que permitam seu in-gresso e/ou sua permanência nesse universo do trabalho: a profissionalização, a certificação e o conhecimento.

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Na sociedade capitalista em que vivemos, o mercado de trabalho tornou-se muito competitivo, pela falta de empregos para todos os trabalhadores e pela desi-gualdade social existente. Numa atmosfera em que procura é muita e a oferta, pou-ca, as empresas estão fomentando no mercado a competição através da busca de melhor qualificação profissional, da obtenção de melhores resultados na produção. Um funcionário precisa aprender a operar máquinas e ter no mínimo a escolariza-ção básica para esse propósito. Dentro dessas perspectivas, o mercado exige não só qualificação profissional, mas também mais escolaridade.

Esses elementos apontados se tornam obstáculos a serem vencidos pelos jovens e adultos que estão inseridos nesse mercado ou que desejam fazer par-te dele. Eles não buscam apenas a leitura e a escrita oferecidas pela educação, mas querem muito mais, na medida em que almejam conquistar um lugar no mundo do trabalho.

Hoje, diante de um mundo globalizado, no qual um grande número de pessoas pode se comunicar com qualquer parte do mundo através da internet, a educação vai além de um diploma, busca-se informação e conhecimento, para poder-se co-nectar com esse modo de vida virtual.

Em qual entrevista de emprego não são feitas aquelas conhecidas perguntas: quais são seus conhecimentos de informática? E qual o seu nível nesses conhecimentos?

Afastado do ambiente escolar por alguns anos ou por muitos, o aluno deseja esse saber que a escola oferece. Necessita dele para compreender o universo do trabalho, crescer e melhorar suas condições de vida.

O mercado de trabalho também conta com a escola para realizar suas expec-tativas. O currículo escolar é pensado para a satisfação do mercado de trabalho e não para as reais necessidades de conhecimento e informação do educando. Não há preocupação em dar um conhecimento integral para o aluno da Educação de Jovens e Adultos porque a sociedade acredita que escola é para crianças, os adultos já ultrapassaram a idade de aprender. Se perderem a oportunidade, não há nenhuma importância, pois somente as crianças são o “futuro da nação”.

Então encontramos nessa modalidade de ensino um tempo menor para o aprendizado, um conhecimento fragmentado e um currículo desfavorável em rela-ção a realidade do universo profissional.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Considerações finais

Diante do que foi exposto neste artigo, pude fazer uma breve reflexão sobre a construção do currículo escolar, sua eficiência e eficácia para o processo pedagógi-co dos sujeitos da EJA.

Observei nesse estudo que, dentro do quadro social em que se encontra a so-ciedade brasileira, é difícil falar em educação e currículo escolar sem remeter às questões sociais e estruturais e sem relacionar o contexto político e econômico em que os educandos da Educação de Jovens e Adultos estão inseridos. Esse público é sobrevivente de uma sociedade excludente, conheceu o fracasso escolar na infân-cia, é proveniente, em sua maioria, da pobreza que cresce pela omissão dos órgãos públicos e da sociedade como um todo. Nessa perspectiva, podemos observar a falta de políticas públicas consistentes que amparem e atendam essa modalidade de ensino, e que contribuam para o seu desenvolvimento.

As práticas educativas, em qualquer nível ou modalidade de ensino, enfrentam desafios político-institucionais que impactam o fazer pedagógico, inibindo muitas iniciativas e projetos elaborados pelos educadores no planejamento do currículo es-colar. Os resultados sinalizam a fragilidade do fazer educativo pela falta de um olhar diferenciado para esse público, que é específico em toda a sua natureza. Crianças, adolescentes e adultos são indivíduos que trazem experiências de vida diferentes, logo, têm objetivos e necessidades distintos.

Esses resultados também contribuem como sinalizadores no mapeamento de novos caminhos para a elaboração de um currículo mais voltado para a realidade dos jovens e adultos, para uma educação que tenha como principal objetivo cons-truir saberes e ressignificar conhecimentos que transformem o educando num ser ativo, crítico, pensante. Um sujeito que poderá transformar o contexto social em que vive, lutando pelos seus diretos e garantias, exercendo seu verdadeiro papel de cidadão.

O que se tem visto é que mesmo a Educação de Jovens e Adultos sendo assegu-rada pela Constituição Federal, de 1988, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9.394/96) e pela Declaração de Hamburgo, de 1997, o fato é que o Estado, a família e a sociedade são omissos, não assegurando direitos e garantias, como cidadania e educação, a esses indivíduos.

Reconhecer as necessidades do educando para qualificar o currículo

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para qualificar o currículo

Este artigo científico é um pequeno esboço que discutiu alguns questionamen-tos e concepções, mas que não se encerram aqui porque nenhum conhecimento é estático. Penso que o conhecimento não é constituído uma única vez, mas pelas múltiplas experiências de uma vida inteira.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

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Reconhecer as necessidades do educando para qualificar o currículo

Serviço Social do Comércio Educação em Rede

Reconhecer a identidade do aluno: fator fundamental para a construção de um currículo em EJA

Tamára dos Santos Cunha*

RESUMOEsteartigotemointuitodedespertarnosedu-cadoreseteóricosdaáreaumolhardiferencia-doparaoprocessodeelaboraçãodecurrícu-losparaamodalidadedaEJA,tendoemvistaque o público pertencente a esse segmentopossuicaracterísticas identitáriasbastantedi-versificadas.Devemos,portanto,estaratentosà necessidade de reconhecimento dessas di-ferentes identidadesnomomentodaconstru-çãodoeixonorteadordoprocessodeensino-aprendizagem, denominado como currículo.Salientamostambémaimportânciaqueoedu-cador possui enquantomediador do processoeducacional.

PAlAVRAS-CHAVE:EJA;identidadedosedu-candos;currículo.

ABSTRACTThis article is intended to raise in educators and theorists in the area a different outlook in the process of curriculum development for Youth and Adult Education, taking into consideration that the target audience in this segment has very diversified identity characteristics. we should therefore be alert to the need to recognize these different identities at the time of construction of the guiding lights of the teaching-learning process, termed as curriculum. we emphasize the importance of the educator as a facilitator in the position of mediator in the educational process.

KEYwords: Youth and Adult Education; identity of the students; curriculum.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

* Graduada em Pedagogia pela Universidade do Rio de Janeiro (UERJ) e estagiária da

Gerência de Desenvolvimento Técnico do Departamento Nacional do SESC no exercício de

2008.

Introdução A Educação de Jovens e Adultos, como uma das modalidades de ensino que

mais avança nos debates curriculares atuais, apresenta várias particularidades que influenciam na constituição de um currículo. Desde situações elementares, que são vistas em quaisquer ambientes educacionais, até as mais complexas, praticamente restritas à EJA. Uma das questões consideradas como complexa de ser trabalhada é a que faz menção à identidade dos seus alunos.

Esse ramo da educação assume basicamente três funções, que seriam: a repa-radora, a equalizadora e a qualificadora. A primeira é um processo de reparação da escolarização até então obtida por muitos dos educandos; a segunda diz respeito à promoção de condições mínimas necessárias aos alunos para a equidade de sabe-res entre a escolarização padrão e a pertinente à EJA; e a última focaliza o preparo desses estudantes para as necessidades do mercado de trabalho, tanto para os que já estão inseridos como para os que desejam aí se inserir. Com isso, torna-se impres-cindível abranger a multiplicidade de culturas, resgatar a autoestima, proporcionar uma educação com qualidade e, ao mesmo tempo, oferecer segurança aos alunos no caminhar do processo educativo. Tudo isso baseando-se, principalmente, numa abordagem crítica do conhecimento.

Assim, neste artigo, demonstraremos os fatores que merecem ser observados, por meio de publicações e pesquisas desta área, a fim de que possamos propor-cionar efetivamente uma educação de qualidade aos alunos pertencentes à EJA, já que é comum no processo de construção do currículo a ocorrência de apenas uma adaptação dos eixos norteadores da educação regular, tornando esse direcio-namento dissociado da realidade do público a ser atendido, acarretando múltiplos e variados casos de fracasso escolar.

Reconhecer a identidade do aluno: fator fundamental para a construção de um currículo em EJA

Serviço Social do Comércio Educação em Rede

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A Educação de Jovens e AdultosA Educação de Jovens e Adultos vem passando por um processo de reformu-

lação de seus valores. Nesse novo cenário, a EJA vem rompendo com o seu caráter supletivo, passando a extrapolar as suas fronteiras, assumindo novas ambições. As mudanças se baseiam, principalmente, na constante troca de ideias e também nos valores pregados pela prática de ensino freireana. Essa metodologia de ensino tem como princípios o diálogo, a indagação e a experimentação, em contraponto com o método reprodutor de um conhecimento pronto e acabado e a uma educação bancária, tão criticada por Freire.

Dessa forma, essa modalidade de ensino passa a dar conta de alguns dos pro-blemas que anteriormente eram negados e que acarretaram vários casos de fracas-so escolar. Vale ressaltar ainda que esta evolução se dá, principalmente, por causa do comprometimento que os educadores têm com o seu trabalho, já que se per-cebe que, com o passar da história da EJA, os órgãos públicos pouco auxiliaram no avanço qualitativo dessa modalidade educativa.

Um outro fator fundamental para o sucesso dessas mudanças recentemente as-similadas pela EJA é a formação do educador juntamente com o comprometimento diante de seu trabalho, pois muitos dos educandos já passaram por casos traumáti-cos de escolarização, tornando-se mais resistentes à instituição escolar. Por isso, o educador deve se preocupar bastante em reconhecer que tipo de aluno possui em suas classes, na tentativa de impedir a ocorrência de um processo educativo dissociado da realidade de seus alunos.

no mínimo, esses educadores precisam respeitar as condições culturais do jovem e do

adulto analfabeto. eles precisam fazer um diagnóstico histórico-econômico do grupo ou

comunidade onde irão trabalhar e estabelecer um canal de comunicação entre o saber

técnico (erudito) e o saber popular (GADOtti, 2003, p. 32).

Segundo Gadotti (2003), o educador deve estar comprometido em proporcio-nar um processo educativo multicultural, ou seja, trata-se de não negar a cultura primeira desses alunos e, tampouco, as outras manifestações culturais que os ro-deiam, baseando-se numa abordagem de ensino e aprendizagem que reconheça os valores e crenças democráticas e procure o fortalecimento do pluralismo cultu-ral. O objetivo é que esse processo educacional se torne eficaz e significativo na vida dos educandos.

Reconhecer a identidade do

aluno: fator fundamental

para a construção de um currículo

em EJA

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Aluno da EJANa educação destinada aos educandos que são tanto jovens quanto adultos,

temos uma enorme dificuldade para traçar o perfil do aluno que está inserido neste contexto, pois na EJA se encontram pessoas de faixas etárias e histórias de vida bastante diversificadas, sendo uma tarefa um pouco árdua chegar a um patamar de saberes interessantes a todos.

É diferente da educação regular, em que a maior parte dos alunos se encontra mais ou menos no mesmo nível de conhecimentos e experiências de vida, tornan-do-se mais fácil, no caso, proporcionar um trabalho pedagógico que consiga dar conta de suas necessidades e características culturais.

Desse modo, nós, educadores, devemos pensar sobre quem é o jovem e o adulto da EJA. A partir dessa reflexão perceberemos que eles possuem, ao mesmo tempo, particularidades e semelhanças. Porém, para o jovem, esse processo é um pouco mais doloroso, em alguns casos, do que para o adulto, pois o jovem educan-do geralmente passou pelo processo de “fracasso” muito recentemente, estando, assim, muito descrente de sua capacidade. Já o adulto, em muitos casos, procura a EJA para melhorar as suas condições de trabalho, portanto, possuindo uma postura diferenciada perante essa oportunidade de ensino.

A partir disso, o jovem da EJA deve ser visto como uma pessoa cujas condições de existência remetem à dupla exclusão de seu grupo de pares da mesma idade e do sistema regular de ensino, por evasão ou retenção. Então, ele se incorpora ao curso da EJA, objetivando, na maioria das vezes, concluir etapas de sua escolaridade para buscar melhores ofertas no mercado de trabalho através da sua inserção no mundo letrado. Nesse aspecto, esse jovem se assemelha ao adulto que sempre buscou esse tipo de curso para sua formação, mas, se diferenciando dele em suas condições bio-lógicas e psicológicas, aponta para uma demanda diferente no atendimento escolar.

Além disso, na EJA, da mesma forma que somos responsáveis em dar conta da pluralidade de identidades dos nossos educandos, temos também que assumir basicamente a responsabilidade em relação a três pontos: reparar a escolarização, em alguns casos, traumática, até então obtida por muitos dos educandos; propor-cionar as condições mínimas necessárias aos alunos para a equidade de saberes entre a escolarização valorizada socialmente e a pertinente à EJA; e preparar esses estudantes para as necessidades do mundo do trabalho, tanto para os que já estão

Reconhecer a identidade do aluno: fator fundamental para a construção de um currículo em EJA

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inclusos como para os que desejam se inserir. Esses fatores devem influir bastante no momento de pensarmos em qual deverá ser a nossa postura pedagógica peran-te os nossos alunos.

Contudo, temos a nossa responsabilidade cada vez mais acentuada, pois de-vemos dar conta dos equívocos e das faltas que a escolarização regular cometeu com alguns deles. Ao mesmo tempo, devemos proporcionar àqueles que nunca tiveram acesso a um processo educativo sistematizado uma educação que aborde a multiplicidade de culturas, resgate a autoestima, possua qualidade, juntamente com a segurança de que os alunos necessitam para continuar a caminhar dentro desse processo educativo.

Construção de um currículo para a EJATendo em vista que os alunos pertencentes à EJA possuem origens diferencia-

das, podendo ser adolescentes ou até mesmo idosos, surgem alguns questiona-mentos em relação ao currículo a ser elaborado. Como trabalhar com pessoas tão distintas de forma padronizada? Por que não estabelecer uma proximidade entre os saberes curriculares fundamentais, os alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? Segundo Freire (2005, p. 30), a resposta para essas questões é bastante complexa. Pois se estabelecermos como meta chegar a um patamar igua-litário de conhecimento estaremos cometendo um enorme erro, já que desprezare-mos o capital intelectual e a cultura desses indivíduos.

A cultura é, portanto, esfera de lutas, de diferenças, de relações de poder desiguais. essas

diferenças são sempre em relação a algo, não diferenças absolutas. São diferenças políticas,

não apenas diferenças textuais, linguísticas, formais. São diferenças construídas com base

em relações de poder estruturais e globais que não devem ser secundarizadas (mclAren

apud mOreirA, 1999, p. 84).

McLaren(1999) fala na citação anterior justamente sobre o que é cultura e como esta se constitui, e, também, nos leva a refletir sobre a importância de não desva-lorizá-la. Afinal, somos todos inseridos em um contexto cultural no qual ocorre um jogo de poder, e os valores provindos das esferas dominantes são assimilados de forma mais rápida e coercitiva por nós. Em muitas situações nem percebemos a assimilação desses valores, entretanto, em cada ambiente social, alguns deles são reconhecidos e apreciados; desse modo, ao trabalharmos com a diversidade de ato-res, não podemos desprezar as distintas manifestações culturais e identitárias.

Reconhecer a identidade do

aluno: fator fundamental

para a construção de um currículo

em EJA

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Esse aspecto é de fundamental importância para uma melhor compreensão do que ocorre no cenário educacional das classes de EJA, pois essas são constituídas de educandos de distintas faixas etárias, histórias, vivências escolares e com muitos já inseridos no mercado de trabalho. Desse modo, é muito difícil elaborar um currículo formal que dê conta de todas essas variáveis, o que, na maior parte das vezes, acaba não ocorrendo mesmo.

Os currículos utilizados atualmente nas classes regulares, em muitas situações, são também os mesmos em que as classes de EJA se baseiam. Entretanto, percebe-mos que nas turmas em que temos um certo “padrão” de aluno, os currículos nem sempre dão conta das particularidades; nas salas de jovens e adultos o cenário não será diferente, principalmente pelo fato de esses alunos possuírem especificidades mais acentuadas do que nas classes regulares.

Dessa maneira, ao concebermos diretrizes curriculares para essa modalidade de ensino, devemos nos utilizar de alguns princípios e recursos, baseados principal-mente na teoria crítica da aprendizagem, a fim de que o processo de escolarização seja o mais próximo possível da realidade dos nossos alunos, tornando-o mais rico e significativo para suas vidas.

A seguir, indicaremos com mais detalhes a necessidade de valorizarmos tais princípios. Começando com a importância de trabalharmos com o multicultura-lismo.

no caso específico do multiculturalismo crítico, a idéia é que, se a escola não acolher co-

nhecimentos e valores subjugados e não confrontá-los com os saberes dominantes, di-

ficilmente poderá constituir-se em ambiente estimulador da criação de conhecimentos

significativos e relevantes para o aluno e para a sua luta em prol da transformação social

(mOreirA, 1999, p. 89).

Segundo Moreira (1999), o trabalho através do multiculturalismo crítico é bas-tante significativo para os alunos, já que proporciona um ambiente estimulador e problematizador do conhecimento, fazendo com que os saberes populares e os do-minantes sejam confrontados, e, dessa forma, criando-se novos saberes e, assim, promovendo-se a transformação social dos educandos. Esse processo pode ser con-siderado uma aprendizagem significativa, além de proporcionar o reconhecimento de que nenhuma cultura é completa, precisando haver esse diálogo intercultural para seu crescimento. Esse diálogo é importante, pois a cultura é um campo de luta e um espaço constituidor de diversas identidades, tornando-se fundamental

Reconhecer a identidade do aluno: fator fundamental para a construção de um currículo em EJA

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trabalhar em conjunto com ela. A cultura apresenta-se também como um núcleo que mescla as identidades dos distintos grupos sociais e povos, sendo então fundante para construirmos um currículo formal para as classes de EJA.

Da mesma forma, devemos trabalhar em prol de uma formação acadêmica que valorize a heterogeneidade de atores, facilitando a compreensão de que a diversi-dade é uma construção social que nos possibilita desenvolver o respeito pelo outro e também nos auxilia a vencer as resistências que o mundo moderno nos impõe. É importante lembrar que os saberes devem sempre ser trabalhados de forma con-textualizada, a fim de que sejam percebidos como importantes para o crescimento profissional e pessoal de nossos alunos. quando os conhecimentos passados não demonstram ter aplicabilidade prática, isso gera um descontentamento e um de-sinteresse pelo que é repassado pela instituição escolar.

Não podemos nos esquecer também de abordar em nossos currículos as temá-ticas relacionadas com conhecimento, poder, linguagem, racismo e sexismo, tendo em vista que estas são vivenciadas em nosso cotidiano, e em muitos casos, nós, como educadores e formadores, não sabemos como trabalhar tais temáticas sem preconceitos e estereótipos. E o fator mais importante a que devemos estar aten-tos é a conscientização do docente perante a prática educacional que pretende se-guir, porque de nada adianta o currículo tratar de aspectos tão importantes para o crescimento de nossos alunos como homens-cidadãos-profissionais, se o educador, que tem a função de mediar esse processo, assumir uma postura tradicional no seu cotidiano da sala de aula.

É válido ressaltar que devemos ter muito cuidado no momento de elaborar o currículo, seja para as classes de EJA ou para as da educação regular. Também deve-mos nos lembrar de que o currículo não é um pacote pronto de métodos e práticas educativas e sim um eixo norteador para o trabalho docente, podendo assim se adequar caso necessário. Da mesma forma, pode receber as contribuições que os nossos alunos venham a nos dar.

Reconhecer a identidade do

aluno: fator fundamental

para a construção de um currículo

em EJA

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Considerações finais

No decorrer deste artigo, observamos vários fatores, começando pelo entendimen-to do que hoje significa a Educação de Jovens e Adultos, depois refletimos sobre o tipo de aluno que a EJA possui, para, a partir daí, começarmos o debate acerca do que seria relevante para ser tratado no currículo para essa modalidade de ensino.

Percebemos que a EJA ainda passa por alguns problemas, sejam relacionados aos saberes que devem ser trabalhados, seja a falta de preparo do docente, como também o próprio reconhecimento da EJA como modalidade de ensino pelas ins-tâncias governamentais. Não podemos esquecer também a questão identitária de nossos alunos, tanto pela sua pluralidade como até mesmo pelo fato de alguns de-les já terem passado sem sucesso por espaços escolares.

A questão de preparo docente é bastante grave, pois de nada adianta deba-termos sobre que conhecimentos devem ser valorizados e trabalhados nas salas de aula se nossos colegas educadores não tiverem embasamento teórico e a com-petência necessária para lidar com os outros problemas que ainda se encontram vigentes no cenário educacional. Com isso, devemos pensar em que tipo de forma-ção vem sendo destinada aos formadores de nosso país.

Em suma, a questão identitária da EJA é muito marcante e presente, sendo ne-cessário olhá-la com muito zelo, a fim de que possamos, ao elaborar nossos cur-rículos, preparar algo que seja significativo e marcante, tanto na vida quanto no trabalho de nossos educandos. Da mesma forma, devemos atentar para que tipo de educadores estão sendo formados, pois de nada adianta um currículo adequado às necessidades da EJA se os responsáveis pela mediação dos processos educativos estiverem despreparados para o cumprimento de suas funções.

Reconhecer a identidade do aluno: fator fundamental para a construção de um currículo em EJA

Serviço Social do Comércio Educação em Rede

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REFERÊNCIAS

cArrAnO, p. Juventudes: as identidades são múltiplas. Revista Movimento, niterói, rJ, n. 1, maio 2000.

Freire, p. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 31. ed. São paulo: paz e terra, 2005. (coleção leitura).

GADOtti, m. educação de Jovens e Adultos: correntes e tendências. in: GADOtti, m.; rOmãO, J. e. (Org.). Educação de Jovens e Adultos: teoria, prática e proposta. 6. ed. São paulo: cortez: instituto paulo Freire, 2003. (Guia da escola cidadã, v. 5)

mOreirA, A. multiculturalismo, currículo e formação de professores. in: mOreirA, A. F. B. (Org.). Currículo: políticas e práticas. 2. ed. campinas: papirus, 1999.

Reconhecer a identidade do

aluno: fator fundamental

para a construção de um currículo

em EJA

Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Serviço Social do Comércio Educação em Rede

O desafio do professor na construção do currículo da Educação de Jovens e Adultos (EJA)

Nurse Antônia de Freitas Vieira*

RESUMO Esteartigoconsisteemumestudobibliográfi-coda temáticadaEJA,à luzda legislaçãodeeducaçãoedaanálisedealgunsestudiososdaatualidade. Emumprimeiromomento,abor-dam-seosfundamentosdaEJApelospreceitosdalegislaçãobrasileiraespecíficaparaaedu-cação,estabelecidanaConstituiçãoFederal,naleideDiretrizeseBasesNacionalenoParecer11/2000.Emseguida,apresentam-seosfunda-mentosdaEJAediscorre-sesobreaconceitua-çãodaorganizaçãodepropostacurricularnaabordagemde alguns estudiosos dessa temá-tica. Por fim, apresenta princípios propostossobreexperiênciasexitosasnaorganizaçãodeumapropostacurricularparaaEJA.

PAlAVRAS-CHAVE:EJA;currículo;fundamen-tosdaeducação;propostacurricular.

ABSTRACT This article is a bibliographical study of the Youth and Adult Education topic in the light of education legislation and the analysis of some modern scholars. At first we discuss the fundamentals of Youth and Adult Education according to the precepts of Brazilian legislation specific to education, established by the Federal Constitution, the Law of National Directives and Bases and the Expert Opinion 11/2000. Next the fundamentals of youth and adult education are presented addressing the concept of curriculum proposal organization according to the approach of some scholars in this subject. Finally, it presents the principles proposed on successful experiences in organizing a Youth and Adult Education curriculum.

KEYwords: Youth and Adult Education; curriculum; education foundations; curriculum proposal.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Introdução O professor da Educação de Jovens e Adultos confronta-se no seu cotidiano

com um potencial humano diversificado e, frente a sua opção de ensinar, tem como desafio criar constantemente situações pedagógicas para efetivar uma educação, dentro do que se propõe para essa modalidade de ensino, que satisfaça às necessi-dades dos jovens e adultos no resgate a sua formação.

O Parecer 11/2000 estabeleceu a EJA como uma modalidade de ensino com identidade própria, portanto ela necessita ser revista pelos seus educadores no sen-tido de se promover uma reorganização curricular com modelo pedagógico pró-prio, considerando os interesses, as experiências e o cotidiano de jovens e adultos , que, em sua maioria, são trabalhadores.

O presente artigo pretende examinar de que forma os estudiosos da EJA vêm contribuindo para esse desafio frente à reconstrução dos saberes e à organização curricular sugerida na legislação pertinente para essa modalidade de ensino.

Os fundamentos da Educação de Jovens e Adultos (EJA)

Os primeiros fundamentos da educação de uma forma geral, estabelecidos nos artigos 205 e 206 da Constituição Federal Brasileira e na LDBEN, artigos 1º e 2º, de-terminam a educação como direito de todos, dever do Estado e da família.

Na composição do currículo da EJA, os artigos 26 e 27 da LDBEN instituíram que fossem inseridos os estudos da Língua Portuguesa, da Matemática, o conhecimento físico e natural da realidade política, especialmente do Brasil, o estudo da História do Brasil, o ensino da Arte, a Educação Física, sendo esta última facultativa ao aluno do ensino noturno, e o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna a partir da 5ª série do Ensino Fundamental, cuja escolha ficará a cargo da comunida-de escolar.

Os fundamentos da Educação de Jovens e Adultos foram estabelecidos no Pa-recer 11/2000, que coloca a necessidade de a EJA ser pensada como “modelo pe-

O desafio do professor na construção do currículo da Educação de Jovens e Adultos (EJA)

* licenciada Plena em Geografia (UFES) com pós-graduação lato sensu: especialização em

Educação Profissional Integrada à Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens

e Adultos (IFES -Instituto Federal de Educação do Espírito Santo). Pós-graduada latu-sensu

em Planejamento Escolar (UNIVERSO). Coordena os Programas Sociais da Administração

Regional do SESC - ES.

Serviço Social do Comércio Educação em Rede

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dagógico próprio, a fim de criar situações pedagógicas e satisfazer necessidades de aprendizagem de jovens e adultos” (Parecer 11/2000, p. 9). Esse documento define três funções para a EJA:

a função reparadora, que tem como finalidade reparar o direito negado a uma educação •

de qualidade para todos aqueles que não tiveram acesso à escolaridade básica na idade

apropriada;

a função equalizadora, que tem como alvo garantir a reentrada nos sistemas educacionais •

a todos os trabalhadores, donas de casa, aposentados, migrantes, seja pela repetência ou

pela evasão, seja pelas desiguais oportunidades de permanência ou outras condições

adversas, possibilitando aos indivíduos novas inserções no mundo do trabalho, na vida

social, nos espaços da estética e na abertura dos canais de participação;

a função qualificadora ou permanente é o próprio sentido da educação de Jovens e •

Adultos, a qual tem como base o caráter incompleto do ser humano, cujo potencial de

desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não es-

colares, indicando que em todas as idades e em todas as épocas da vida é possível se

formar, se desenvolver e construir conhecimentos, habilidades, competências e valores

que transcendem os espaços formais da escolaridade e conduzem à realização de si e ao

reconhecimento do outro como sujeito. (parecer 11/2000, p. 9)

A organização curricular A organização dos currículos por disciplinas vem sendo contestada como inca-

paz de “dar conta da problemática social” e de “integrar saberes”, impedindo uma aprendizagem significativa. Há educadores que apontam uma proposta constituin-do novos campos de saberes interdisciplinares e outros que assinalam a “construção de disciplinas escolares sem necessária referência nas disciplinas científicas”, cons-tituídas de objetos de ensino próprios às disciplinas escolares, tais como “educação sexual”, “educação para o trânsito” e “educação e sociedade”, integrando-se ou não às disciplinas científicas (LOPES; MACEDO, 2002 p. 71-72, 81).

A construção de um currículo requer, portanto, competências do professor.

com maior razão, pode-se dizer que o preparo de um docente voltado para a eJA deve

incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas à

complexidade diferencial desta modalidade de ensino. Assim esse profissional do magis-

tério deve estar preparado para interagir empaticamente com esta parcela de estudantes

e estabelecer o exercício do diálogo. Jamais um professor aligeirado ou motivado apenas

pela boa vontade ou por um voluntariado idealista e sim um docente que se nutra do

geral e também das especificidades que a habilitação como formação sistemática requer

(parecer 11/1000, p. 56).

O desafio do professor na

construção do currículo da

Educação de Jovens e Adultos

(EJA)

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

“Na complexidade do mundo contemporâneo exige-se uma aprendizagem contí-nua, sendo importante considerar que na EJA o aluno necessita de competência como leitor e escritor do seu próprio texto e da sua própria história” (PAIVA, 2004, p. 41).

Princípios para construção de uma proposta curricular para a EJA

Ao organizar uma proposta curricular para a EJA, deve-se levar em considera-ção que essa modalidade de ensino tem uma identidade própria, como recomenda a legislação. O currículo deve atender às demandas dos alunos levando em conta seus “conhecimentos e habilidades adquiridas por meios informais”, devendo arti-cular-se com o mundo do trabalho, além de considerar o oculto que encobre suas experiências históricas, sociais e culturais (cf. art. 37 da Lei de Diretrizes Bases de Educação Nacional - LDBEN - e PAIVA).

Nesse contexto, apresentamos três propostas de organização curricular que consideramos grandes alicerces para os educadores da EJA na construção de um novo modelo pedagógico dessa modalidade de ensino.

A primeira, de Paiva. Sua experiência foi desenvolvida no estado da Bahia, em 1995. Os princípios para organização de uma proposta pedagógica indicados são: o trabalho como princípio educativo; a cidadania como possibilidade de o homem construir relações; a democratização e construção do saber e a criticidade como requisito de fazer leitura do mundo. A linha metodológica segue a abordagem in-terdisciplinar dos conteúdos, as linguagens como expressão e organização do pen-samento e a realidade do aluno como ponto de partida da prática pedagógica. Para tratar melhor os conteúdos, o currículo foi organizado por área de conhecimento.

A segunda proposta trata do Projeto de Ensino Fundamental de Jovens e Adul-tos do Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais, do qual des-tacamos apenas alguns princípios, que, somados à experiência de Paiva, em nossa análise, complementam a organização curricular dando mais eficácia ao processo pedagógico, como: flexibilidade na organização dos tempos escolares, construção coletiva de trabalho, organização de projetos interdisciplinares e transdisciplinares com oficinas diversas, atividades extra-classe e espaços reservados. A cada semes-tre deve-se ter a definição de incluir vários subtemas ( COELHO, 2001, p. 9-11).

A terceira refere-se à Educação Profissional. Nessa proposta, os conteúdos de-vem ter conexões com a realidade do educando para que produzam nexos e sen-

O desafio do professor na construção do currículo da Educação de Jovens e Adultos (EJA)

Serviço Social do Comércio Educação em Rede

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tidos, devendo ser desenvolvidos através de práticas pedagógicas, cujos conceitos mantenham conexão com as várias ciências. Dessa forma, espera-se que haja o res-gate da formação e se desenvolva a autonomia e a criatividade.

(*) O projeto de ensino Fundamental de Jovens e Adultos do centro pedagógico da Univer-

sidade Federal de minas Gerais – 2° segmento – proef 2 – compõe hoje, com o projeto de

ensino Fundamental – 1° segmento e o projeto de ensino médio, o programa de educação

Básica de Jovens e Adultos da UFmG. esse programa oferece a funcionários da Universida-

de e pessoas da comunidade a oportunidade de escolarização básica, com avaliação no

processo e certificado expedido pela escola de ensino Básico – centro pedagógico UFmG

( cOelHO, 2001, p. 9-11).

Considerações finais

A formação educativa dos sujeitos se dá em vários espaços da convivência hu-mana. A escola, como um dos espaços de construção e reconstrução do conheci-mento, tem como função promover o acesso e a permanência dos sujeitos. Nesse sentido, a escola requer que seus professores compreendam os princípios e os fun-damentos da EJA, centrados na igualdade de condições e liberdade de aprender.

As três propostas apresentadas para a EJA apontam uma ruptura da construção clássica da organização curricular por disciplina com modelos preestabelecidos de forma linear.

Este é o grande desafio do professor da EJA: construir o conhecimento dos edu-candos, através de uma relação dialética, conduzindo a sua prática de docência e reconhecendo a validade das experiências dos indivíduos.

É assim que o currículo da EJA necessita ser construído: em movimento, nas práticas docentes, nas discussões coletivas, pela adequação dos conteúdos, por meio de uma interface entre os diferentes autores, baseado na realidade e na iden-tidade dos educandos e nos valores sociais produzidos.

Desse modo, é preciso que o educador da EJA seja reflexivo, pesquisador e comprometido.

As ações que congregam um verdadeiro mestre são aquelas que conduzem seus discípulos, que buscam na escola uma porta de esperança para uma vida me-lhor a caminho de uma aprendizagem significativa para melhor compreensão da vida e leitura de mundo.

O desafio do professor na

construção do currículo da

Educação de Jovens e Adultos

(EJA)

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

REFERÊNCIAS

cOelHO, A. m. S. et al. A elaboração da proposta curricular como processo de formação docente. Alfabetização e Cidadania: revista de educação de Jovens e Adultos, São paulo, n.11, abr. 2001.

FriGOtO, G.; ciAVAttA, m. (Org.). Ensino médio, ciência, cultura e trabalho. Brasília: mec/ Semtec, 2004.

lOpeS, A. c.; mAceDO, e. A estabilidade do currículo disciplinar: o caso das ciências. in: lOpeS, A; mAceDO, A. Disciplina e integração curricular: história e política. rio de Janeiro: Dp&A, 2002. p. 74.

O desafio do professor na construção do currículo da Educação de Jovens e Adultos (EJA)

Serviço Social do Comércio Educação em Rede

Conteúdos significativos: desafio na Educação de Jovens e Adultos

Heleonira Lima*

RESUMOEsteartigotrazàtonaodiálogodasespecifici-dadesdaEducaçãodeJovenseAdultos.Paraisso, propõeuma reflexão sobrea adequaçãodos currículos preestabelecidos e a realidadedesse segmento educacional delineando umapráxiscoerenteecoesaembasadanoreconhe-cimentodessealunoconsiderandoasuavivên-ciaaolongodesuahistória.

PALAvRAS-ChAvE:EJA;currículo;desafio;escola.

ABSTRACTThis article brings up the dialogue of the specificities of Youth and Adult Education. To this end, it proposes a reflection on the suitability of pre-established curricula and the reality of this educational segment, outlining a coherent and cohesive practice based on the recognition of the young and adult students, considering their experiences throughout their stories.

KEYwords: Youth and Adult Education; curriculum; challenge; school.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

A existência da escola justifica-se pelo conhecimento. Por ele e para ele é que a escola se mantém há séculos. Mas ainda é o ponto central de intermináveis dis-cussões, e isso se deve ao fato de que tanto os estudantes como os professores não possuem a real consciência do que é necessário ensinar e aprender.

Constante é a busca pelo saber, que quando saciada nos acomoda e equilibra (PIAGET, 1980). Cabe ao profissional da educação gerar interesses pelo desafio de saber mais e mais. Este é o ponto crucial para o início da ação pedagógica – partir da necessidade de reconhecer o aluno gerando estratégias em que as dúvidas venham à tona promovendo um continuum de descobertas e realizações.

Esse percurso parece ser natural e até poético, mas não é assim. Aprender re-quer um lançar-se ao novo, ao desconhecido, e isso certamente gera insegurança e medo, que muitas vezes nos paralisam, pois, como afirma Rubem Alves, “para en-tender é preciso esquecer quase tudo o que sabemos. A sabedoria precisa do es-quecimento. Esquecer é livrar-se dos jeitos de ser que se sedimentam em nós e que nos levam a crer que as coisas têm de ser do jeito que são” (in OLIVEIRA, 2008).

Historicamente, a prática educativa não incita questionamentos. Ao contrário, a passividade é a condição para a aprendizagem, em que qualquer insucesso está sob a responsabilidade exclusiva do aluno.

Ainda hoje é muito presente essa perspectiva tradicional com propostas únicas em todo o país, desconsiderando especificidades, inclusive regionais, e impedindo inovações a partir de suas realidades.

O aluno da EJA procura a escola com múltiplas expectativas: de “alcançar um ní-vel melhor perante a sociedade”; de “adquirir conhecimentos para poder lutar pelos

Conteúdos significativos: desafio na Educação de Jovens e Adultos

* Graduada em Pedagogia, com pós-graduação em Psicopedagogia e Gestão Escolar. Pro-

fessora de Educação Infantil (Rede Privada, SP) e Ensino Fundamental 2º Segmento, EJA,

professora (Rede Pública, Cuiabá). Coordenadora da Educação Infantil e Ensino Funda-

mental 1º Segmento SESC AR/MT, professora da Formação Continuada de Educadores e

do Programa Salto para o Futuro SESC AR/MT. Técnica Pedagógica do Projeto SESC Ler e

gerente do SESC Escola de Cuiabá/MT.

Serviço Social do Comércio Educação em Rede

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seus direitos”; de “ser o exemplo da família”; de poder compreender melhor “a vida, porque quem não sabe é cego, mudo e surdo”1.

Sobre essas expectativas não podemos construir uma escola estática, que se preocupa somente com a educação reparadora ou equalizadora, pois não há como recuperar o tempo perdido pelos alunos da EJA, nem propor direitos de igualdade, simplesmente. Tem-se que qualificá-lo, favorecendo o aprender ao longo de toda a sua vida. É preciso praticar a educação transformadora.

Nessa perspectiva, as estruturas legislativas têm caminhado num (re)conheci-mento desses estudantes e deve-se a Paulo Freire a retomada dos pressupostos so-bre a visão crítica e libertadora, pois só a conscientização leva à libertação, que deve ser propiciada na análise e elaboração do currículo da EJA, voltando-se cada vez mais à educação funcional, aquela que prepara o educando para sua vida profissional.

Tornando o aluno capaz de desvelar a sua realidade e propor alternativas de atuação, ele terá condições de propor melhorias à sua vida, ressignificando suas ex-pectativas de escolarização e assumindo outro enfoque – de significação, pois “o ato de estudar implica sempre o de ler, mesmo que neste não se esgote. De ler o mundo, de ler a palavra e assim ler a leitura do mundo anteriormente feita” (FREIRE, 1993).

Dessa forma é descoberto um novo sentido no educar, tanto para o ensinante quanto para o aprendente, mudando completamente o foco do processo educativo para aquele que aproximará a vida da escola e a escola, da vida.

A influência dos novos pensares culminou na V Conferência promovida pela Unesco, em 1997, na cidade de Hamburgo, na Alemanha, estabelecendo o vínculo da EJA ao desenvolvimento da humanidade, onde se apresentaram os quatro Pila-res da Educação:

Aprender a conhecer: está imbricado ao aprender a aprender. refere-se ao despertar para o

conhecimento numa capacidade de adquirir estratégias para desenvolver as suas próprias

opiniões com criticidade;

Aprender a fazer: estabelece a aquisição das ferramentas, instrumentos metodológicos ne-

cessários para o aprender, ou seja, aplicar na prática os conhecimentos teóricos adquiridos.

não somente no que se refere à qualificação profissional, mas à aquisição de competências

que possibilite o enfrentamento de situações desafiadoras e de trabalhos em equipe;

1. respostas de alunos de cursos supletivos, do ensino Fundamental, ao serem perguntados sobre as motivações que os levaram a voltar a estudar, obtidas durante a aplicação de 327 questionários durante o desenvolvimento da pesquisa educação básica, formação técnico-profissional e qualificação. convergências e divergências entre capital e trabalho, no atual quadro de reestruturação produtiva, de agosto de 1999 a julho de 2001.

Conteúdos significativos:

desafio na Educação de

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Aprender a conviver: consiste no maior desafio da educação, pois objetiva o conhecimento

de si mesmo e do outro para que em prol de uma sociedade mais solidária destitua-se

de opiniões preconcebidas. É somente sob a descoberta progressiva do outro que o des-

conhecido – o grande propulsor do preconceito2 – é vencido, desfavorecendo atitudes

conflituosas que promovam a destruição de si mesmo e da humanidade;

Aprender a ser: é o ápice do equilíbrio. A educação deve voltar-se para essa completude –

entre espírito e corpo –, com capacidade cada vez maior de discernimento, autonomia e

responsabilidade pessoal.

Nesse sentido, o relatório de Delors (1998) destaca a importância de se conce-ber a educação de modo integrado.

Numa altura em que os sistemas educativos formais tendem a privilegiar o aces-so ao conhecimento, em detrimento de outras formas de aprendizagem, importa conceber a educação como um todo. Esta perspectiva deve, no futuro, inspirar e orientar as reformas educativas, tanto em nível de elaboração de programas como da definição de novas políticas pedagógicas.

Mudar: difícil começo, mas não impossível

O novo pensar em educação sugestiona a mudança de paradigmas, mas isso não significa abster-se do já vivido, pois essas experiências embasarão futuras ações, pois “negar o velho, substituindo-o pelo novo, é um princípio oposto a uma atitude interdisciplinar na didática e na pesquisa em educação. (...) Negar o velho é uma atitude autoritária” (FAzENDA, 2001, p.16).

Apesar de constatarmos que muitos paradigmas3 estão presentes na contem-poraneidade não há como fazer uma educação nos moldes antigos. Devemos re-fletir e descortinar o que realmente concebemos como educação, como ela se dá e qual o papel da sociedade e da escola para que ela se efetive. Como afirma Gaudên-cio Frigotto, “não se trata de pura e simplesmente mudança de conteúdos, mas de uma forma nova de produção de conhecimento”.

Assim, temos o desafio de buscar modelos que apontem caminhos para uma melhor compreensão do mundo e suas múltiplas realidades, pois não se aceita aprender como antes. Hoje o educando questiona, complementa e ensina.

2. costuma indicar desconhecimento pejorativo de alguém ao que lhe é diferente.

3. Do grego parádeigma, modelo, padrão de regras, segundo as quais as pessoas procuram solucionar seus proble-mas e obter sucesso.

Conteúdos significativos: desafio na Educação de Jovens e Adultos

Serviço Social do Comércio Educação em Rede

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Para repensar a educação nesses moldes e aceitá-la, é preciso haver mudanças. Isso significa lançar-se ao novo, transformar-se.

Saberes que tecem a aprendizagem

Os alunos jovens e adultos possuem conhecimentos que ao longo de sua vida foram vividos e sedimentados. Nessa noção:

(...) o conhecimento se tece em redes que se tecem a partir de todas as experiências que

vivemos, de todos os modos como nos inserimos no mundo à nossa volta, não tendo,

portanto, nenhuma previsibilidade nem obrigatoriedade de caminho, bem como não po-

dendo ser controlada pelos processos formais de ensino-aprendizagem (OliVeirA, 2003).

Não há como desvincular os saberes vivenciados na informalidade dos elenca-dos nas propostas educativas. Assim, para haver essa conectividade considera-se três saberes: o do corpo, o cotidiano e o científico.

O saber do corpo é sustentado pelos cinco sentidos pertencentes a cada ser, mas pouco valorizado nos dias de hoje e muito pouco incitado nas salas de aula, ex-ceto nas aulas de artes. Contudo, é através desse saber que o aluno permite abrir-se ao conhecimento mais formal, num maravilhamento que precisa ser cultivado e va-lorizado pelo professor, uma vez que é o caminho do raciocínio lógico, da reflexão, do processo de análise-síntese, e assim constrói um novo e esperado conhecimento – o científico.

Em referência à fenomenologia da percepção, o filósofo francês Maurice Mer-leau-Ponty explica que considera seu próprio corpo como seu ponto de vista sobre o mundo (1971, p. 83). Assim, tem consciência de seu corpo através do mundo e tem consciência do mundo devido a seu corpo (1971, p. 95).

Não há como perceber o mundo sem considerar as influências culturais e so-ciais. Não é possível entender o corpo de modo neutro: este é passível de interpre-tação e todos os seus resultados são partes de um conjunto de saberes, de conhe-cimento, de cultura.

Já o saber cotidiano é fundamentado no amadurecimento das experiências de-nominadas do senso comum, que, mesmo permeado por valores já concretizados antes da escolarização, é desvalorizado tanto pelo aluno como pela própria escola,

Conteúdos significativos:

desafio na Educação de

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

por não ser sistematizado. O aluno tem consciência disso e se sente inferiorizado por tal situação.

É impossível entender essa dicotomia, pois se a escola está para atender/com-plementar as necessidades sociais, o que vem de fora dela é minimizado, negado.

quanto ao saber científico, é sobre ele que a sociedade se volta numa valoração permeada de interesses sociopolíticos determinados por uma minoria dominante. Cabe aos dominados cumprir essas vontades, uma vez que se manter à margem dos seus próprios interesses, comodamente, poderá garantir a sobrevivência.

É sob esta forma de produção de conhecimentos que se instala o nosso desafio, pois a organização curricular sob a perspectiva cientificista dificulta o diálogo entre as experiências vividas, os saberes já adquiridos e os conteúdos escolares.

Diagnosticar lacunas e propor alternativas viabiliza o caminho. E considerar como ponto de partida que a unificação dos saberes é a possibilitadora do signifi-cado – do quê e para quê aprender – certamente alavancará mudanças.

Saberes do educador

A EJA, de um ponto de vista realista, enfatiza a necessidade da adequação do educador a essa realidade, ou seja, não basta dominar técnicas de ensino nem de-codificar os conteúdos a serem aplicados. Deve-se trazer para o aluno o que ele realmente precisa saber para que o link com o mundo fora da escola seja estabele-cido imediatamente, pois não há mais tempo a perder.

Segundo Freire (2002), deve haver uma relação de interação entre professores e alunos que será pautada no conhecimento de que o processo de alfabetização de adultos necessita de uma relação dialogal e autêntica, permitindo que os sujeitos do ato de conhecer (educador/educando/educador) se encontrem movidos pelo objeto a ser conhecido.

Caso o aluno perceba que não está aprendendo ou que o processo de ensino--aprendizagem está distante das suas expectativas, ele abandona a escola, e res-gatá-lo é estabelecer o compromisso de resgatar também a sua autoestima para a capacidade de aprender, pois, como dito anteriormente, ele acredita que já é tarde para o saber, para a escola.

Conteúdos significativos: desafio na Educação de Jovens e Adultos

Serviço Social do Comércio Educação em Rede

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Portanto, a anamnese4 é a grande possibilidade de o educando se expor, de tra-zer informações diversificadas dos seus grupos sociais, programas de lazer, formas de obter informações, hábitos nutricionais, crenças; e de o educador acessar dados que certamente interferirão na seleção dos conteúdos e da metodologia apropria-da à aprendizagem. Ainda, atualizar periodicamente as informações, ressignifican-do conteúdos – ciclicamente, tornando-os cada vez mais próximos aos interesses e necessidades dos alunos. Não basta propor estratégias para descobrir quem é o nosso aluno. É essencial que a partir desse desvelar haja a adequação do currículo de forma a atendê-lo.

A burocratização dos conteúdos é o bloqueio aos avanços pedagógicos na EJA, uma vez que foram organizados sequenciadamente, do mais fácil para o mais difícil e, ainda, de acordo com a linearidade das fases do desenvolvimento infantil. Assim, a infantilização dos jovens e adultos é inevitável.

A concepção e a prática bancárias, imobilistas, fixistas, terminam por desconhecer os ho-

mens como seres históricos, enquanto a problematizadora parte exatamente do caráter

histórico e da historicidade dos homens. por isso mesmo é que os reconhece como seres

que estão sendo, como seres inacabados, inconclusos, em e com uma realidade, sendo

histórica também, é igualmente inacabada (Freire, 1980, p. 83).

Torna-se essencial reverter essa situação para que o aluno não se sinta na posi-ção da criança, pois são “estudantes que aspiram trabalhar, trabalhadores que pre-cisam estudar”.5

Aprender: interesse ou necessidade

O homem é movido por pulsões,6 o que faz com que os seus interesses sejam transformados em necessidades de aprender, que são validadas socialmente para que, de forma comum, expliquem a sua realidade. São essas situações que redimen-sionam a educação, ampliando o foco curricular para as questões de cidadania.

4. Anamnese: do grego aná = trazer de novo e mnesis = memória, é uma entrevista que tem por objetivo trazer de volta à mente todos os fatos relativos ao entrevistado.

5. parecer ceB 15/98.

6. para Freud, a pulsão significa broto, uma força germinativa; um impulso, impulsão, propulsão. É a forma originária do querer.

Conteúdos significativos:

desafio na Educação de

Jovens e Adultos

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

De acordo com Freinet (GRANzOTTO, 1997), é o fio de Ariadne7 que irá permitir que uma escola desenvolva a sua ação pedagógica voltada ao trabalho, com os recursos técnicos devidamente organizados, propiciando tateio experimental do estudante de forma criativa e de livre expressão. Reforça, ainda, que é a livre ex-pressão que libertará o aluno, possibilitando ao educador conhecê-la. Nesse ponto, as teorias de Freinet e Paulo Freire se entrecruzam, porque é o conhecimento que propicia o exercício da criticidade, e esta é o que permitirá a liberdade. Então não há como separar as ações educativas desses objetivos, que num percurso único ca-minham para a formação do homem-cidadão.

O destaque da importância da imaginação para a construção do conhecimen-to, presente nos estudos de Ellis e Hunt (1993), confirma que, ao obtermos uma informação via sentidos, o cérebro aciona uma matriz celular correspondente ao estímulo sensorial. Evidente que a familiaridade com o objeto facilita o seu reco-nhecimento, pois a matriz celular já fora desenvolvida (LIMA, 2003).

Nessa teoria é possível inserir a ideia de conhecimento prévio do aluno, que a partir da segunda metade do século xx ganha margens juntamente com o Constru-tivismo. Atualmente vem tomando outro sentido. Educadores verificam os conheci-mentos adquiridos pelos alunos até em avaliações para esse fim, mas não utilizam os dados para a adequação de planejamentos que atendam às necessidades deles e nem para propor seus avanços.

Outro aspecto a considerar são as relações afetivas, “pois é certo que o que es-tabelece a relação professor e aluno é o prazer em aprender e os educadores sabem disso, mas a dificuldade está na prática, separam o emocional do cognitivo, o inte-lectual do afetivo, o sentir do pensar” (LIMA, 2003).

A aprendizagem é determinada pelo aluno, o que quer aprender, como e quan-do. Basta lermos em suas expressões e encontrarmos a sintonia de fogos: “o fogo do desejo de ensinar com o fogo do desejo de aprender”, como afirma Madalena Frei-re. É nesse boom de emoções que se resume o processo de ensino-aprendizagem, pois, para Ranghetti (2001), “é a afetividade que desenha o grau de intensidade que o nosso eu infere sobre o objeto a conhecer”.

7. Fio de Ariadne: expressão usada na literatura como metáfora. inspirada na lenda de Ariadne, filha de minos, rei de creta. Designa uma coisa que serve de guia a uma pessoa perdida entre dificuldades. Ariadne, presa em um labirinto, encontrou a saída, guiando-se por um fio que desenrolava à medida que entrava no labirinto.

Conteúdos significativos: desafio na Educação de Jovens e Adultos

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Nesse sentido, identificar e canalizar as emoções às aprendizagens é tornar a sala de aula um espaço com significados.

Snyders (1993, p. 392) conclui que:

O aluno aprende realmente bem o que cativa, numa atmosfera de aula que lhe pareça se-

gura, com um professor que sabe criar afinidades. eis porque a escola, ao mesmo tempo,

tem de conciliar o intelectual e o afetivo e constitui um lugar privilegiado para operar essa

conciliação. A alegria da escola só é possível na medida em que o intelectual e o afetivo

conseguem não se opor.

Tome-se o conceito de interdisciplinaridade, surgido na Europa (final da década de 1960) e, a seguir, nos EUA, na luta dos estudantes contra a fragmentação das áreas, buscando a proximidade do currículo aos temas políticos e sociais.

No Brasil, Paulo Freire, na obra Pedagogia do oprimido (1968), conceitua a ação curricular através de Temas Geradores, num diálogo entre os conteúdos a serem estudados com a realidade sobre a análise crítica.

A escolarização dividida em disciplinas, sem diálogo, propicia a percepção tam-bém fragmentada dos conhecimentos, influenciando o desenvolvimento da habili-dade de síntese, sendo esta adquirida quando a visão global dos fatos é aprendida.

Não é necessário ao educador abdicar de seu percurso profissional, pois “negar o velho é uma atitude autoritária” (FAzENDA, 2001, p.16). Opor-se a isso é negar o preceito que fundamenta a atual pedagogia na EJA em especial.

quando Arroyo (2008, p. 20) diz “que é urgente recuperar o conhecimento como núcleo fundante do currículo e o direito ao conhecimento como ponto de partida para indagar os currículos”, ele reforça novamente a necessidade de definição da educação que se quer partindo do cidadão que temos e do que queremos formar. Tais fatores são decisivos para compor sujeitos com conhecimentos necessários ao direito e aos saberes do trabalho.

Conteúdos significativos:

desafio na Educação de

Jovens e Adultos

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Considerações finais

As questões aqui abordadas buscam articular a problemática da EJA no que se refere aos conteúdos, pois cabe à escola organizá-los, e esta o tem feito de forma paralisante, alheia à realidade.

Os alunos de EJA esperam da escola a oportunidade de serem valorizados, pois a condição de não escolarizados os mantém humilhantemente à margem da vida. Esperam uma proposta educativa que possibilite o encontro de uma escola segura, confiável, que respeite as suas experiências e a partir delas possa pensar num currí-culo significativo ao seu dia a dia.

Tal proposta não elimina as identidades curriculares, mas conta com profissio-nais especializados para assumir o desafio de articular as disciplinas no sentido úni-co – de compreensão.

Mesmo na incerteza do que é isso e de como fazer, precisamos redimensionar a nossa educação, significando-a para todos, uma vez que é ilimitado o potencial humano para descoberta de novos campos de atuação.

Conteúdos significativos: desafio na Educação de Jovens e Adultos

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Conteúdos significativos:

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Jovens e Adultos

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Práticas educativas e construção de currículo em EJAReflexão das práticas avaliativas, construção da aprendizagem significativa

Adna Ramos Abreu Santos*

RESUMO

Estetrabalhoapresentaumabrevereflexãoso-breaelaboraçãodocurrículoescolaremEJA,apontandoaspectosrelevantesdeumdeseuselementos fundamentais, a avaliação. consi-deradaum instrumentode suma importâncianocurrículoescolarenoprocessodeensino-aprendizagem.

PAlAVRAS-CHAVE:Reflexão;currículo;avalia-ção;aprendizagem.

ABSTRACT

This paper presents a brief reflection on the development of a school curriculum on Youth and Adult Education, pointing to relevant aspects of one of its fundamental elements, the evaluation, considered an instrument of paramount importance in the school curriculum and in the teaching-learning process.

KEYwords: reflection, curriculum, evaluation, learning.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Introdução

Um dos pontos mais debatidos nos últimos 20 anos é a formação do docente para atuar na área do Ensino Fundamental, e, em especial, na EJA. Inúmeras propos-tas inovadoras vêm sendo desenvolvidas com o intuito de avançar no conhecimen-to do campo de ensino em nosso país e melhorar a posição em que se encontram os caminhos dos saberes nas universidades e escolas públicas em geral.

A vida profissional de um docente exige frequentes estudos, pesquisas em fontes teóricas e experiências de trabalhos, mas não existe formação teórica que a prática pedagógica em sala de aula não supere com novas reflexões baseadas em observações comportamentais do aluno, na análise das suas mudanças de atitudes em relação ao aprendizado mediado pelo professor, bem como no desenvolvimen-to de suas habilidades.

Tendo por finalidade contribuir para a ampliação dos seus conhecimentos, auxiliando-os nas necessidades presentes no seu cotidiano, este artigo vem apre-sentar uma breve reflexão sobre a relevância das práticas docente e avaliativa na sala de aula como elementos básicos e essenciais para a elaboração do currículo em EJA, bem como da participação do corpo discente, contribuindo com suas histórias reais e experiências. Tais práticas devem propiciar ao educando uma transformação que o torne capaz de viver em uma sociedade com dignidade, reconhecendo seus direitos e deveres, buscando resoluções para seus problemas.

quanto à avaliação em EJA, que desempenha um papel essencial no currículo escolar, esta não se restringirá apenas a formular um levantamento de informações sobre resultados de aprendizagens, mas funcionará como um elemento de planeja-mento, ação-reflexão-ação.

Essa prática integra o processo de ensino e aprendizagem, de forma que po-derá ser realizada continuamente pelo professor, que irá observar as atitudes, os procedimentos, os conceitos e as ações direcionadas a situações reais, mostrando

Práticas educativas e construção de currículo em EJA

* Curso de Graduação em Pedagogia - licenciatura Plena. Local de atuação: SESC - Serviço

Social do Comércio - Zona Norte - Natal/RN.

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que realmente a aprendizagem se deu de forma significativa, sem pesar notas ou pontuações, evitando uma concorrência por valores numéricos ou um julgamento negativo, sem nada fazer para melhorar e buscar soluções para o aluno que não conseguiu avançar.

Um currículo real

O currículo é um importante instrumento educacional, seja no âmbito escolar regular ou na modalidade de EJA. Isso já é reconhecido por parte de quem tenta organizar os caminhos que devem percorrer o ensino e a aprendizagem no proces-so cognitivo do ser social. O fundamental na sua elaboração não é compreendê-lo apenas na forma tradicional, como um conjunto de conteúdos programáticos, mas, sim, como e a quem será direcionada essa organização de conteúdos curriculares.

O caminho que leva à formulação de uma proposta curricular torna-se o fruto de uma série de decisões sucessivas que serão o resultado da aplicação de alguns princípios firmemente estabelecidos e unanimemente aceitos. Consequentemente, o que importa é justificar e argumentar sobre a solidez das decisões que vamos to-mando e sobretudo velar pela coerência do conjunto (COLL, 1987, p. 43).

Na sua elaboração, de certa forma, estão implícitos o corpo docente e o discen-te, tornando-os reais e presentes.

O docente está diretamente em contato com diversificadas situações vivencia-das pelos alunos. É ele quem propicia a conexão entre os objetivos, conteúdos e realidade dos alunos. quanto ao corpo discente, este traz uma riqueza de experiên-cias culturais e sociais para serem compartilhadas na sala com o grupo, ampliando os conhecimentos e tornando a aprendizagem significativa. Sendo assim, o currícu--lo se torna um documento real e presente, podendo relacionar-se com o cotidiano dos alunos, tanto dentro da escola como fora dela.

Coll (1987) afirma que o currículo pode ser considerado um projeto, pois ele é um guia para os encarregados do seu desenvolvimento, um instrumento útil para orientar a prática pedagógica, uma ajuda para o professor. Por essa função, não pode limitar-se a enunciar uma série de intenções, princípios e orientações gerais que, por ser excessivamente distante da realidade das salas de aula, seja de es-cassa ou nula ajuda para os professores. Portanto, o cuidado que devemos tomar com esse guia é o de não deixar de fora o processo de produção sociocultural

Práticas educativas e

construção de currículo em EJA

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

presente no cotidiano escolar e os sujeitos envolvidos na dinâmica de efetivação das propostas.

Um projeto curricular válido, útil e eficaz é, por definição, um instrumento indefinida-

mente perfectível cujo uso pelos professores nunca se limita – ou não deveria limitar-se

– a uma aplicação mais ou menos automática. Um bom projeto curricular não é o que

oferece soluções prontas, fechadas e definitivas aos professores, mas aquele que lhes

proporciona elementos úteis para que possam elaborar em cada caso as soluções mais

adequadas, em função das circunstâncias particulares nas quais exercem sua atividade

profissional (cOll, 1987, p. 188).

O desafio do educador

Nas práticas curriculares de sala de aula é comum os professores agirem confor-me o sistema de trabalho que lhes é destinado, selecionando uma lista com conteú-dos e temas julgados relevantes. Depois, escolhem qualquer tema, organizam ativi-dades que devem ser realizadas em busca de respostas às suas questões, seguindo o roteiro para concluí-lo no final de cada ano letivo. Porém, o grande desafio do educador é fazer com que esse documento oficial e técnico se transforme em um currículo vivo, ou seja, aquele em que o profissional vai tentar associar o conteúdo ao que é necessário na formação de um determinado sujeito que já atua em um mundo social.

O professor se dirige a uma sala de EJA com intuito de desenvolver seu trabalho sem a preocupação de relacionar os conteúdos com as experiências dos alunos, seus desejos e ideais ou seus objetivos de vida. A dinâmica dos encontros se torna cansa-tiva e desestimulante, sem falar que não vai auxiliá-los em suas necessidades sociais cotidianas. Diferente desse professor é o que entra em contato com o grupo através de um texto que reflete a sua vida e a dos alunos, conversando e pedindo exemplos de situações contidas nos versos de uma poesia, comparando e valorizando a histó-ria de cada um, fazendo-os perceber e aceitar a riqueza que têm suas experiências.

As experiências de vida mais diversas surgem na atividade pedagógica e interferem no

trabalho curricular, trazendo ao cotidiano da escola uma multiplicidade e uma riqueza cul-

tural e social não controláveis pelas propostas curriculares. Sendo assim, poder-se-ia dizer

que existem muitos currículos em ação nas escolas, apesar dos diferentes mecanismos

homogeneizadores. infelizmente, boa parte das propostas curriculares tem sido incapaz de

incorporar essas experiências, pretendendo pairar acima da atividade prática e diária dos

sujeitos que constituem a escola (OliVeirA, 2001).

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A construção do currículo poderá ser coletiva. Antes da organização dos con-teúdos, deve-se pensar quem é o sujeito que iremos auxiliar a ampliar o seu sa-ber: um jovem que tem sonhos de frequentar uma universidade, um adulto que pretende melhorar suas habilidades de leitura e mudar de cargo na empresa onde trabalha, ou até mesmo um sujeito na terceira idade que gostaria de aprender a ler um poema, simplesmente porque lembra sua vida, mas não teve oportunidade de desenvolver suas habilidades de leitura e escrita. É com essa diversidade com que nos deparamos nas salas de aula de EJA, é um desafio para o professor trabalhar com os diferentes objetivos e pensar em uma forma de elaborar um currículo que contemple essa heterogeneidade escolar.

Refletindo sobre esse público de jovens e adultos, é fundamental organizar al-guns importantes aspectos do currículo em EJA, que deveríamos utilizar para es-truturar esse documento, tornando-o vivo e real: primeiramente, buscar informa-ções necessárias para definir as intenções que formaram os objetivos e conteúdos, considerando a singularidade dos vínculos estabelecidos por cada um em função das experiências e conhecimentos anteriores, e, em segundo, romper com o forma-lismo e incorporar os saberes, valores e crenças adquiridos no universo social pelos grupos de alunos.

Segundo Beane (1997), com esse enfoque colaborativo, a integração curricular também promove uma integração social. Por essa razão, os professores que utili-zam a aproximação empenham-se em criar comunidades democráticas em suas salas de aula.

Com a integração de conhecimentos prévios vivenciados no dia a dia pelos alunos é que os professores poderão ampliar saberes que realmente beneficiarão o desenvolvimento e relacionar os conteúdos que serão um diferencial na aprendiza-gem. Assim, os educandos alcançarão os verdadeiros objetivos por eles almejados, aqueles que têm um significado concreto e eficaz em suas vidas.

Para isso, nós, professores, devemos estar atentos à organização dos conteúdos presentes no currículo da EJA, não nos restringindo a transmitir apenas matérias dentro de disciplinas estabelecidas e que não tenham nenhum vínculo com a rea-lidade dos alunos, mas trabalhando de uma única forma, visando a atender todos no grupo com equidade, pois não devemos esquecer que nossas salas de aula são também heterogêneas, cada um aprende em tempos e de maneiras diferentes.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Os conteúdos que devemos abordar nas salas de Educação de Jovens e Adultos devem conter temáticas que levem os alunos a refletir sobre sua condição de mem-bros de uma sociedade, na qual se produzem certas formas de relação das pessoas entre si e delas com o meio natural.

A avaliação, por muito tempo, limitou-se a reunir informações sobre resulta-dos de aprendizagem obtidos pelos alunos, que, muitas vezes, eram tidos como responsáveis pelo sucesso ou fracasso na escola. O ato de avaliar poderá servir a outros fins, além de só saber se o aluno alcançou ou não certos objetivos de apren-dizagem. A avaliação reúne diferentes sujeitos e objetos, também diversas funções, por ser concebido como um elemento do planejamento e como uma prática que integra o processo de ensino e aprendizagem.

Ao centrarmos a avaliação no educador, devemos analisar o processo de ensino planejado e executado por ele, suas expectativas em relação ao grupo ou a cada aluno, a adequação dos conteúdos e as estratégias didáticas. Com essa expectati-va, a avaliação é tomada como instrumento de acompanhamento do processo de aprendizagem de cada aluno e do grupo, ao mesmo tempo, instrumento de acom-panhamento do processo de ensino, de regulação do planejamento e verificação de sua adequação às necessidades de aprendizagem dos alunos. Entre as diversas possibilidades de avaliação estão a diagnóstica ou inicial, a formativa ou a de pro-cesso e a somativa ou de resultados, que desempenham a função, para o aluno e para o educador, de integrar a prática educativa do início ao fim, de forma contínua no decorrer do processo.

A primeira, diagnóstica ou inicial, é essencial para darmos partida à aprendi-zagem dos alunos, para identificarmos seus conhecimentos prévios sobre deter-minado tema, conceito, procedimento etc. Esse momento é adequado para que o professor conheça o que os alunos já sabem, quais procedimentos dominam, que atitudes os predispõem ou indispõem para realizar a aprendizagem do conteúdo em pauta. Com essas informações, o educador poderá ajustar seu plano de inter-venção pedagógica, adequando-o às condições em que seus alunos se encontram.

A avaliação formativa ou de processo é a que permite ao educador acompanhar o processo de aprendizagem dos alunos e saber de que modo as atividades didáti-cas estão colaborando ou não para que os alunos atinjam os objetivos previstos. Ba-seando-se nessas informações, o educador poderá também realizar ajustes no seu

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plano com o objetivo de encontrar respostas às necessidades manifestadas pela turma ou por algum aluno, para os quais deverá propiciar trabalhos diferenciados.

Por último, a avaliação somativa ou a de resultados tem como objeto os resulta-dos obtidos pelos alunos, e que é ponto de chegada promovido pelo educador por meio de seu plano de ensino. É através desse instrumento que ele prevê e planeja novas aprendizagens, revendo seu plano e estratégias de trabalho para uma próxi-ma etapa ou uma nova turma.

Desse modo, a escola encerra sua ação na verificação dos resultados, transfor-mando “o processo dinâmico da aprendizagem em passos estáticos e definitivos”. No entanto, a avaliação da aprendizagem deve ser “um ato dinâmico que qualifica e subsidia o reencaminhamento da ação” (LUCKESI, 1990, p. 75).

O educador poderá utilizar diversas formas de registro de sua prática e dos avanços do aluno. Uma dessas formas presente no dia a dia de sala de aula, é o portfólio dos alunos, que é um instrumento que arquiva informações obtidas em avaliações diagnósticas, de processo e de resultados, organizando atividades que acompanham a aprendizagem. Com esse instrumento, que permanece em sala de aula, o professor pode se orientar para fazer seus registros e observações, analisar, refletir, estudar e pesquisar novos caminhos. É esse registro diário, semanal ou men-sal de todo o processo de trabalho desenvolvido com os alunos, observando suas atitudes, ações e procedimentos diante das dificuldades encontradas e os novos conceitos adquiridos por eles, que facilitará um novo planejamento de ações para mediar uma aprendizagem significativa.

Outro instrumento de que o professor poderá apropriar-se é a ficha de obser-vação por objetivo de aprendizagem, que consiste em uma tabela preenchida pelo educador em determinados períodos do processo de aprendizagem. Existem ainda diversas formas de organizar as informações que substituem a avaliação, além de atividades especialmente destinadas a esse fim, como provas, trabalhos, pesquisas etc. O importante é contar com alguma forma de registro que retrate o andamento do processo de ensino e aprendizagem, para que tanto os alunos quanto o educa-dor tenham referências para aperfeiçoar o trabalho.

no seu verdadeiro sentido, a avaliação sempre faz parte do processo de ensino-aprendi-

zagem, pois o professor não pode propiciar a aprendizagem a menos que esteja cons-

tantemente avaliando as condições de interação com seus educandos (VAScOncellOS,

1956, p. 59).

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

A questão da avaliação está na verdade voltada para uma finalidade funda-mental, que é favorecer a aprendizagem dos alunos e auxiliá-los a alcançar esse fim com clareza e significado. Como instituição, o que se espera da escola é que possa colaborar para formar a cidadania (objetivo de que participam outras ins-tâncias sociais) pela mediação do conhecimento científico, estético e filosófico. O conhecimento não tem sentido em si mesmo: deve ajudar a compreender o mundo e a nele intervir. Assim sendo, entendemos que a principal finalidade da avaliação no processo escolar é ajudar a garantir a formação integral do sujeito por meio da efetiva construção do conhecimento, a aprendizagem por parte de todos os alunos (VASCONCELLOS, 2000, p. 47).

Algum dia, podemos imaginar, não mais haverá notas, conceitos ou classifica-ção na escola. Porém, a avaliação, com certeza, sempre existirá, com o objetivo de acompanhar o desenvolvimento dos alunos, para ajudá-los em suas dificuldades, não com a finalidade de exclusão do processo educacional.

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Considerações finais

Em resumo, pode-se concluir que a elaboração de um currículo na escola é fun-damental para se alcançar um bom desempenho e rendimento do educando, e que a prática, a experiência e estudos facilitam a elaboração de um documento que auxilie todo o trabalho docente com base na vida dos discentes e de toda a comu-nidade escolar.

Esta breve reflexão não tem como intuito fornecer a receita certa para se elabo-rar um currículo com um mesmo padrão, pois bem sabemos que cada escola, seus profissionais e alunos têm uma necessidade diferenciada, mas que a experiência com a prática nos favoreça no desafio de enfrentar e vencer as dificuldades que encontramos na área da educação.

Se pretendermos que os nossos alunos jovens e adultos se apropriem do co-nhecimento e da aprendizagem significativa e que tenham o saber como um requi-sito essencial e como uma ferramenta que os auxilie em sua vida social, devemos ir além do marco de um currículo disciplinar idealizado para submeter a população a um saber não funcional. Precisamos nos aproximar da realidade dos alunos com o objetivo de realmente ajudá-los a vencer e a ter uma vida digna na sociedade. Devemos pensar melhor no instrumento de avaliação, tomando os devidos cuida-dos não para medir o que o aluno sabe, mas para observar sua reação diante de situações desafiadoras do cotidiano com base na aprendizagem adquirida.

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educativas e construção de currículo em EJA

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Reflexões para a constituição de um currículo possível em Educação de Jovens e Adultos

Lêda Letro Ribeiro*

RESUMOEste trabalho resulta da minha reflexão so-bre as fundamentações teóricas da educação;a funçãodaescolanaatualconjunturabrasi-leira;osimpactosdasnovaspolíticaspúblicassobre o direito de todos os brasileiros a umaeducação de qualidade; as especificidades daEducaçãodeJovenseAdultos(EJA);eosde-safiosgeradosemrelaçãoàelaboraçãodeumcurrículoqueleveemcontaosprocessospeda-gógicos,inclusivedealfabetizaçãoeletramen-todosalunosnoEnsinoMédio,eànecessidadedeformaçãodeprofessoresqualificadosparaoatendimentodessepúblico.

PAlAVRAS-CHAVE:Educação;direito;currícu-lo;jovenseadultos.

ABSTRACTThese paper results from my reflections on the theoretical foundations of education, the role of schools in the current Brazilian juncture, the impacts of new public policies on the right of all Brazilians to quality education, the specifics of Youth and Adult Education, and the challenges faced when developing a curriculum that takes into account the teaching processes, including the literacy and higher learning of high school students, and the need to train qualified teachers in order to meet the needs of this target audience.

KEYwords: Education; law; curriculum; youth and adults.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Introdução

O presente trabalho está organizado em quatro partes: na primeira, traço um panorama de como a educação brasileira está inserida no contexto político mundial e nacional e defendo a importância do professor como agente crítico de mudança; na segunda parte, apresento os principais desafios e dilemas enfrenta-dos pelos professores da EJA e desenvolvo a ideia de que é possível e necessária a constituição de um currículo mais adequado às especificidades dessa modalidade de ensino; na terceira, relato como a teoria e a prática pedagógica se recriam e se contextualizam no cotidiano escolar do Centro de Atendimento de Florianópo-lis (CAF); e na quarta e última parte concluo com a mesma questão que o inicia, será mesmo possível a constituição de uma proposta curricular baseada em um outro paradigma?

O conhecimento crítico como poder de transformação

A educação é um campo onde as decisões simbólicas são tomadas a partir de uma luta em que diferentes classes estão envolvidas. A cultura dominante integra a classe dominante ao distingui-la das outras e ao desmobilizar a classe dominada a partir dos sistemas simbólicos que servem para impor e legitimar a dominação. Nesse contexto a escola funciona como o aparelho ideológico central do Estado, transmitindo a ideologia da cultura dominante por meio de seu currículo, o que garante a reprodução mais ampla da sociedade capitalista (SILVA, 2001).

Assistimos, nas últimas décadas, à construção de um discurso ideológico divul-gado pelas classes dominantes em todo o mundo, inclusive aqui no Brasil, no qual a educação quase sempre esteve relacionada a padrões e modelos que não atendem às necessidades da sua população, mas a uma lógica externa. Ao longo da história, a dominação se fez presente nas mais diversas áreas: econômica, institucional e po-lítica, estando esse discurso representado, entre outros, em documentos legais que legitimam políticas educacionais neoliberais.

Reflexões para a constituição de um currículo possível em Educação de Jovens e Adultos

* Profissional integrada à Educação Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos

na IF-SC; professora de Geografia e Filosofia, no curso de ensino médio modalidade EJA no

SESC-SC; membro do Fórum Estadual de EJA e professora/tutora a distância do polo de

Florianópolis, no curso de aperfeiçoamento de professores de EJA da UFSC.

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Na década de 1990, o Ministério da Educação (MEC), em associação aos orga-nismos internacionais: Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI), Orga-nização Mundial do Comércio (OMC) etc., preparam, por intermédio da escola, tan-to educadores como educandos para aceitarem passivamente a lógica do capital, como se esta fosse uma “coisa natural” (SIqUEIRA, 1997). O que se observou foi a nova agenda educacional imposta por esses organismos, que prega a expansão da escolarização básica com o objetivo de acabar com o analfabetismo e de atender às necessidades do mercado em detrimento dos cursos de educação de nível superior e da pesquisa, o que ainda leva o país a uma dependência cada vez maior da ciência e da tecnologia desenvolvidas no exterior.

Nesse contexto, a adoção da lógica da gestão empresarial pelas escolas vem se tornando real. A docência e a profissionalização dos professores vêm regidas por leis, diretrizes e pareceres que estimulam a competição entre as instituições. Transformam, assim, a função do professor, que antes era a de transmissor do co-nhecimento, na de colaborador, um profissional competente, eficiente, habilidoso, polivalente e comprometido com a construção de uma escola eficaz que objetiva formar trabalhadores cada vez mais competentes, habilidosos, versáteis e atualiza-dos. Entretanto, alienados, não enxergam que ao competir por uma vaga em um mercado capitalista que oferece emprego somente para uma parcela da população provocam o aumento da exclusão social e da miséria da nação.

Com um discurso ambíguo de descentralização e autonomia, o governo foi se desobrigando de seus deveres, transferindo para esferas menores, estados e mu-nicípios, a responsabilidade da oferta da educação básica, ao mesmo tempo que continuou exercendo controle sobre a suposta qualidade, através do Sistema de Avaliação, que impõe padrões de eficiência aos sistemas de ensino.

Paralelamente a essas políticas, entidades ligadas à formação de professores buscam desenvolver uma base comum nacional para formação dos profissionais da educação, como é o caso da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), oferecendo oportunidade para uma qualificação real.

Nós, professores, precisamos juntar esforços a essas entidades para melhor co-nhecer a história e o contexto em que os documentos e os discursos sobre a EJA foram e são produzidos. Esse entendimento, a meu ver, é fundamental para a reali-zação de um trabalho crítico e libertador nessa modalidade.

Reflexões para a constituição

de um currículo possível em

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Dilemas e desafios, qual a melhor forma de superá-los?

Segundo o Documento Base Nacional Preparatório à VI Conferência Interna-cional de Educação de Adultos (Confintea), os números do analfabetismo no Brasil ainda são enormes. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que 14,4 milhões de brasileiros, com 15 anos ou mais, eram analfabetos em 2006; na região Sul eram 1,2 milhão. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), 30,5 milhões de brasileiros com 15 anos ou mais em 2006 eram analfabetos funcionais, ainda que tenham frequentado a escola em média 8,5 anos. Esses dados confirmam e denunciam a desigualdade de acesso e permanência na escola entre os cidadãos, a precariedade do desenvolvimento da habilidade básica de leitura e escrita e o quanto ainda se tem a fazer para transformar a escola em um espaço de inclusão e de valorização das múltiplas culturas que constituem a nossa sociedade.

A realidade dos nossos alunos não é diferente. Como resultado de todos es-ses fatores, atualmente recebemos matrículas no Ensino Médio de alunos precaria-mente alfabetizados, muitos analfabetos funcionais. Esses estão sendo promovidos pelos professores do Ensino Fundamental antes de sequer dominar a técnica de leitura e escrita.

Tal fenômeno tem desafiado o coletivo de professores que leciona no nível médio na modalidade EJA. Na maioria das vezes, somos profissionais que não possuem formação específica em alfabetização. Por isso ficamos sem saber como agir. O que fazer? Aqui, arrisco a fazer algumas especulações. Talvez as instituições que oferecem vagas nos cursos de nível médio devessem contratar profissionais especialistas em alfabetização. Essa atitude, em curto prazo, poderia levar as escolas a cumprir seu dever mais elementar que é o de ensinar a ler e escrever; em médio prazo, nós, professores, poderíamos nos qualificar para atender às necessidades de alfabetização dos alunos jovens e adultos e, em longo prazo, os gestores, educadores e educandos do primeiro e segundo segmentos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio deveriam promover encontros para debater e estabelecer o nível de proficiência em leitura e escrita que o aluno deve alcançar antes de ser promovido para o nível seguinte.

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Porém, enquanto medidas não são tomadas, o que fazer com esses jovens e adultos que ao final de um curso de nível médio ainda se encontram no estágio de semianalfabetismo?

Acredito que o maior dilema dos professores da EJA, hoje, seja decidir sobre o que fazer. Certificar o aluno que frequentou as aulas, mas não concluiu seu processo de alfabetização, ou reprová-lo e contribuir para o agravamento de sua baixa auto-estima, reafirmando sua incapacidade de aprender?

A responsabilidade dos educadores que trabalham nos cursos que possuem autonomia para fazer a avaliação no processo e expedir o certificado de conclusão da Educação Básica é muito grande. O que leva a formular outras perguntas: qual a qualidade de um curso que não consegue sequer alfabetizar os alunos? Até que ponto a responsabilidade é do professor que não está conseguindo fazer as me-diações necessárias e até que ponto a responsabilidade é do aluno que não está se dedicando o suficiente para superar suas limitações? Como buscar juntos respostas satisfatórias a essas questões? Segundo Hoffmann (1997),

Uma prática libertadora da avaliação não exige obrigatoriamente uma revolução de mé-

todos e técnicas, mas uma compreensão diferenciada do seu significado, uma consciência

crítica de nossas ações.

E no caso dos alunos que chegam alfabetizados ao Ensino Médio, como formá-los para que se apropriem cada vez mais de sua língua materna em benefício de todos? O que cabe aos professores realizar em relação ao letramento para que se alcance o bem comum? Acredito que propiciar situações em que o aluno se mobi-lize para:

desenvolver a capacidade de usar a língua portuguesa, compreendendo que •ela possui códigos e convenções que são apenas parecidos com os da língua falada;

ampliar seu vocabulário;•

passar de um pensamento rudimentar a um mais complexo; •

expressar melhor, seja oralmente ou por escrito, suas emoções, seus senti-•mentos, seus sonhos, seus planos etc.;

conhecer, reconhecer, ler e interpretar textos de vários gêneros e tipos;•

identificar os suportes em que estes são publicados;•

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compreender que a leitura nos permite repensar o que se pensa de acordo •com as ideias de outros, inclusive daqueles que já morreram ou que estão distantes de nós;

buscar informações;•

participar de debates, de seminários, reuniões;•

construir argumentos para discordar, se opor, concordar, enfim, posicionar-•se e daí ter o que escrever;

escrever com a intenção de divulgar as próprias ideias e, a partir disso, inter-•ferir e influenciar na forma e nos pensamentos de outras pessoas;

entender que escrever dá poder e que quanto melhor se escrevem ideias •criativas, criadoras, lógicas, maiores as chances destas se tornarem “imortais”. Assim, talvez, o aluno perceba o papel social da escrita.

Além disso, nós, professores, também temos que ter consciência da importân-cia da leitura e da escrita na participação social. Precisamos investir na nossa forma-ção e quem sabe nos tornarmos, como diz Ramos (2007),

(...) um intelectual pesquisador, comprometido com a elaboração de um currículo que or-

ganize os conhecimentos tanto em forma de disciplinas ou de projetos interdisciplinares,

mas que garanta a manutenção dos referenciais das ciências básicas, relacionando os con-

ceitos e integrando conhecimentos gerais e específicos, sob uma construção contínua ao

longo da formação, sob os eixos do trabalho, da ciência e da cultura.

Outra informação trazida pelo Documento Base Nacional Preparatório à VI Confintea é o crescimento das matrículas de jovens e adultos na modalidade EJA do Ensino Médio no Brasil. Entre 1997 e 2006, este foi da ordem de 344%. Essa nova realidade amplia as perspectivas para EJA, apontando-a como uma área específica de direitos e de responsabilidade político-educacional, já que educamos quase sempre agentes oriundos das classes populares, jovens, adultos e idosos, na sua maioria negros e negras pobres, filhos de trabalhadores braçais analfabetos, que possuem uma trajetória escolar marcada pela discriminação negativa, pelas reprovações e interrupções. A cada dia está mais presente na escola a multiplicidade de raça, de cultura, de gênero, de linguagem, de classe etc., o que nos obriga a definir um novo paradigma para essa modalidade da Educação Básica, construindo não só um currículo que inclua a todos, mas uma escola que rompa com o modelo tradicional.

As políticas públicas e a elaboração de documentos-base para a EJA são muito recentes e muito ainda se discute na Câmara de Educação Básica do Conselho

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Nacional da Educação (CEB/CNE); somam-se a isso professores desqualificados, desatualizados e desmobilizados; um contexto sociocultural desfavorável dos alunos; e a falta de infraestrutura e de recursos pedagógicos, o que gera um quadro caótico e torna de extrema urgência que os sistemas de ensino mantenedores de cursos de EJA promovam cursos de formação de professores/educadores em serviço que garantam a melhoria da qualidade da educação, principalmente quando se deseja a elaboração de um currículo capaz de atender às necessidades de aprendizado da classe trabalhadora.

Porém, não podemos negar que houve avanços na condução das políticas pú-blicas para a EJA. O governo atual vem somando esforços aos movimentos organi-zados da sociedade civil para que a alfabetização e o letramento de jovens e adul-tos sejam alcançados, através da criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), da Comissão Nacional de Alfabetização e de programas como o Brasil Alfabetizado. Gradualmente, vem assumindo novos com-promissos políticos no sentido de garantir o direito à educação dos alunos da EJA. Em 2006, foi instituído pela Emenda Constitucional nº 53 o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Edu-cação (Fundeb), em substituição ao Fundef; tem se apoiado os Sistemas de Ensino para Atendimento à EJA e a Educação Profissional Integrada à Educação Básica na Modalidade de Jovens e Adultos (Proeja), em consonância à Capacitação de Pro-fissionais do Ensino Público, promovido pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec/MEC), além do financiamento dos últimos Encontros Nacionais de EJA (Eneja), entre outros.

Mas que capacitação é necessária?

Segundo Moreira (1999), é preciso formar docentes multiculturais, capazes de analisar sua prática criticamente a fim de aprimorá-la; comprometidos com o seu desenvolvimento intelectual, agentes transformadores e pesquisadores que com-preendam as posições de distintos grupos culturais em uma mesma sociedade e a concepção burguesa de trabalho historicamente construída, redutora da mão de obra do trabalhador a mera mercadoria de troca. Essas são competências essenciais para que o nível de proficiência dos educandos melhore.

Esses momentos e espaços de formação são fundamentais, mas é preciso que o professor/educador se questione: de que lado se está? qual deve ser o papel de

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quem quer ver a lógica da cultura dominante revertida? Como deve agir diante de todas essas transformações neoliberais que afetam a sua vida, bem como a de seus educandos? que práticas, que teoria adotar?

Do discurso à ação

O Projeto Político-Pedagógico do Curso da EJA do Centro de Atividades de Flo-rianópolis (CAF) – Serviço Social do Comércio foi elaborado em outubro de 2004 pela equipe técnica, coordenadoras regional e local, e fundamentado na Proposta Pedagógica da Educação de Jovens e Adultos do Departamento Nacional do SESC, elaborada em setembro de 2000. Em junho de 2006, o projeto foi aprovado pela Se-cretaria de Educação do Estado de Santa Catarina, ficando o SESC autorizado a ofe-recer o Ensino Fundamental (2º segmento) e o Ensino Médio na modalidade EJA.

Em agosto de 2006, o Curso passou a funcionar no CAF, que sedia múltiplas atividades, o que possibilita aos alunos frequentar não só os espaços destinados às aulas, como as salas, a biblioteca e o laboratório de ciências, mas também o teatro do SESC. A área de teatro do SESC tem como programação cultural peças, espetá-culos de dança, cinema, contação de histórias, shows musicais etc., e o centro de convivência conta com um espaço privilegiado, no qual realizamos as festas de con-fraternização. Espaços externos também são utilizados para aulas e passeio, como o centro comercial da cidade, os pontos turísticos, os museus, as feiras de flores e livros, a sede campestre do SESC-Cacupé, a praia, a universidade etc. A proposta é ampliar ainda mais o acesso dos nossos 150 alunos a outras atividades e espaços, propiciando-lhes maiores e melhores alternativas de vivências culturais.

As atividades ocorrem de segunda a sexta-feira, com duração de quatro horas, divididas em quatro aulas diárias nas disciplinas de Artes, Biologia, Filosofia, Física, Geografia, História, Língua Portuguesa, Língua Estrangeira, Matemática, química e Sociologia, ministradas por sete professores/educadores licenciados, coordenados por uma equipe técnica formada por pedagogas.

O público atendido no Curso da EJA do CAF é formado prioritariamente por trabalhadores ligados ao comércio e pela comunidade em geral, caracterizados principalmente por serem sujeitos que permaneceram muitos anos fora da escola e/ou carregam uma história de fracasso escolar. quando questionados sobre seus

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objetivos ao regressarem ao espaço escolar, eles deram as seguintes respostas: criar novas possibilidades profissionais e/ou ascender profissionalmente; melhorar a empregabilidade, se preparar para atender às necessidades do mercado de traba-lho; adquirir novos conhecimentos; concluir o Ensino Médio; continuar os estudos, cursando o nível técnico ou ensino superior; ser alguém na vida; realizar um sonho; satisfazer um desejo.

Por ser o Projeto Político-Pedagógico um documento oficial da escola onde se registram as propostas curriculares, entendidas aqui como o conjunto das práticas pedagógicas desenvolvidas no cotidiano escolar, ele vem sofrendo atualizações permanentes com o objetivo de adequá-lo aos princípios por ele mesmo prescritos: que o processo educativo seja mediado pelo mundo do trabalho, voltado à forma-ção integral do educando, baseado nos preceitos da humanização, da democracia e dos direitos humanos.

São exemplos das atualizações:

a integração do curso da EJA a outros setores, como o de grupos, de saúde, •de nutrição, de cultura, de esporte e de recreação, tornando-o responsabili-dade de todo o CAF e não somente do setor de educação;

a divisão do número de aulas pelo número de professores e não mais por •disciplina, o que mantém um equilíbrio maior entre as áreas;

a oferta somente do Ensino Médio, porque nesse nível a demanda por vagas •é maior e a evasão menor;

a adequação do tempo de duração do curso à determinação do Parecer CEB/•CNE nº 29/2006, de 1.200 horas distribuídas em 18 meses;

Outras características foram mantidas, tais como:

a organização do curso em dois ciclos de formação e por disciplinas; •

a frequência mínima obrigatória de 75% às aulas;•

a avaliação quantitativa baseada em provas finais para definir médias que •deverão ser alcançadas pelos alunos;

as reuniões de conselho de classe com a participação de todos os alunos.•

A avaliação ainda é a maior dificuldade encontrada pelo grupo. Sabemos que esse é o ponto que deverá ser revisto e reformulado pela equipe, o mais rápido possível. Ainda que nada nos obrigue, continuamos a usar fórmulas que servem

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como parâmetros de uma avaliação classificatória excludente, prática que gera a reprovação e a evasão.

Já o conselho de classe participativo é a nossa melhor prática, professores e alunos se reúnem e todos têm o direito de avaliar o curso e de fazer propostas. É um momento democrático que favorece o crescimento de todos. Porém, para que se alcancem os princípios do Projeto Político-Pedagógico, é necessária a criação de órgãos colegiados que possibilitem não só o debate, avaliação e formulação de pro-postas para a melhoria do funcionamento do curso, mas que tenham algum poder deliberativo, como é o caso das assembleias escolares e/ou dos colegiados. Outra oportunidade de participação política e democrática é o Fórum Estadual da EJA do Estado de Santa Catarina. Precisamos motivar os alunos para que se mobilizem e passem a participar, como, por exemplo, através de um grêmio estudantil.

Neste contexto, quais seriam as perspectivas?

Acredito ser o SESC uma instituição que se mostra aberta ao debate e que ense-ja a democratização da educação. Por isso, vários são os compromissos que podem ser estabelecidos entre essa instituição e os sujeitos que estamos formando para viver neste mundo, como:

a construção de um currículo, com a participação de todos os segmentos, •que reconheça as especificidades da EJA, o histórico de exclusão e de baixa autoestima dos educandos, as expectativas de ascensão social e a esperança de uma vida com mais qualidade;

a valorização das várias culturas trazidas por esses educandos;•

a proposição de práticas didático-pedagógicas que adotem avaliações de •caráter formativo, que elaborem objetos de estudo e materiais didáticos com foco na interdisciplinaridade, visando a atender às especificidades da EJA;

a valorização dos profissionais da educação, possibilitando sua formação •continuada e em serviço;

a garantia da constituição de órgãos colegiados que propicie a participação •democrática da comunidade escolar em todos eles.

quem sabe assim possamos resgatar valores que favoreçam a humanização dos sujeitos, propiciando a formação integral de cidadãos éticos que reconheçam o

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valor de serem virtuosos, solidários, democráticos, morais, tolerantes, autônomos, qualificados para o mundo do trabalho e emancipados.

É louvável e digna de reconhecimento a intenção de promover a formação cida-dã ativa, oportunizando aos educandos uma melhor formação, um aprofundamen-to e aprimoramento de seus conhecimentos. Mas, para que estas se configurem em ações reais, é imprescindível a atualização das práticas docentes, no sentido de qualificá-las e torná-las abrangentes e inovadoras. O professor/educador somente contribui para a formação de cidadãos críticos, livres, emancipados, conscientes, responsáveis, autônomos, éticos, democráticos, felizes etc. se primeiramente de-senvolver essas virtudes nele mesmo, abandonando a ingenuidade e os preconcei-tos do senso comum e adotando como princípio as atividades de análise, reflexão e crítica.

Acredito que se quisermos, podemos assumir compromissos pautados em ou-tra lógica que não seja a do mercado, dando condições ao desenvolvimento pleno do ser humano. Sim, é possível a constituição de um currículo para a EJA que repre-sente um conjunto de práticas escolares capazes de contribuir para que as funções reparadora, equalizadora e qualificadora sejam efetivadas ao socializarmos com os alunos os conhecimentos que os levam a se perceberem como cidadãos que pos-suem direitos, segundo Rummert (2002),

(...) de acesso à escolaridade básica de qualidade, sem qualquer ordem de discriminação

negativa; de políticas que garantam retorno e a permanência fornecendo-lhes as condi-

ções necessárias para que adquiram ou complementem sua escolaridade e de atualização

de conhecimentos por toda a vida.

Tais conhecimentos devem possibilitar que o educando reflita sobre:

o seu papel no mundo enquanto agente transf• ormador da sua realidade in-dividual e comunitária;

sua participação na construção de uma sociedade democrática; •

sua compreensão do papel da ciência para a destruição das condições ge-•radoras de exclusão e meio para promoção da sua inserção no mundo do trabalho.

Desse modo, formaremos nossos jovens e adultos conscientes de seus recursos pessoais, despertando-os simultaneamente para suas responsabilidades familiares, sociais, profissionais, cívicas, culturais e políticas.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Faz-se necessária e emergencial a fundamentação das práticas pretendidas em teorias libertadoras como norteadoras da valorização dos profissionais da educa-ção que as executarão, visando servir principalmente de orientação aos aprendizes que buscam e necessitam de uma formação coerente e adequada às necessidades de uma sociedade dinâmica e exigente.

Nessa perspectiva, cabe ao Estado formular políticas públicas para os sistemas de ensino, viabilizar a construção de propostas pedagógicas que expressem o pro-jeto político e cultural da sociedade, além de contratar, valorizar e remunerar ade-quadamente seus profissionais. Com salário justo e formação permanente, o edu-cador conseguirá contribuir como mediador para que o educando conscientize-se, a partir da reflexão, do seu papel no mundo do trabalho, buscando participar de fóruns políticos e democráticos.

Estabelecer um novo paradigma é o grande desafio, uma vez que ainda persis-tem situações de exclusão provocadas, entre outras, pela adoção de práticas peda-gógicas pouco adequadas à modalidade da EJA. Nesse contexto, cabe refletir sobre os projetos políticos e culturais, suas finalidades, seus princípios, sua estrutura e seu funcionamento, como e por quem estão sendo elaborados, quais são as condições concretas de trabalho de quem os elabora e suas consequências para a qualidade do curso oferecido pela instituição onde se trabalha.

Estamos em um momento político decisivo. Por sermos favoráveis à criação de oportunidades de acesso e permanência das classes populares na escola, precisa-mos nos mobilizar para transformá-la em um espaço sociocultural onde o cidadão tenha seu direito à Educação Básica de qualidade assegurada, pois só assim tere-mos a chance de fazer justiça neste país.

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ParteII

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Avaliação da aprendizagem

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Avaliação da aprendizagem escolar nos cursos da Educação de Jovens e Adultos: uma discussão acerca das possibilidades de rediscuti-la nos currículos escolares

Aldeci da Silva Dias*

RESUMOAavaliaçãodaaprendizagemescolardosalu-nosdaEducaçãodeJovenseAdultosnecessitademaiordiscussão,pelaqualsepretende in-terpretarasdiferentesvozes,quandosãoinsta-dasadiscutirsobreaavaliação.Apesardeserumaquestãopolêmica,nãosepodefugirdessetema,vistoqueosalunosprecisamdas“notas”para serempromovidos.As assertivas dosdi-ferentes autores denotam uma compreensãocríticadoassunto,masquenãopodemirmui-toalémdaquiloqueasistemáticadeavaliaçãoprevê. Muito embora a questão fundamentalnãosejaoquantitativonoatodeavaliar,mas,sobretudo, o aspecto qualitativo das informa-çõescontidasduranteesseprocesso,verifica-seumparadoxoaosecompreendê-lacomoummalnecessário.

PAlAVRAS-CHAVE:Avaliação;currículo; discussão.

ABSTRACTThe learning assessment of the students in Youth and Adult Education needs further discussion in order for the different voices urged to discuss the evaluation can be interpreted. Even though it’s a controversial issue, one cannot escape this topic, since the students need their “grades” so as to get promoted. The assertions of various authors show a critical understanding of the subject, but cannot go much beyond what the systematics of the evaluation provides. Although the fundamental issue is not the quantitative of the evaluation action, but above all, the qualitative aspect of the information contained in this process, there is a paradox when you understand it as a necessary evil.

KEYwords: Evaluation; curriculum; discussion.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

*Aluno pesquisador pela Universidade Federal do Amapá. Formado em Pedagogia pela

Universidade Federal do Pará. Pós-graduado em Orientação Educacional pelas Faculdades

Integradas Severino Sombra. Licenciado e bacharel em História pela Universidade Federal

do Amapá. Pós-graduado em Metodologia do Ensino de História pelo Instituto Brasileiro de

Pós-graduação. Especialista em Ciências da Religião pelo Ipar (Belém). bacharel em Direito

(Unifap). É orientador educacional na Escola Estadual Santuário do Perpétuo Socorro, na

modalidade EJA, pelo Governo do Estado do Amapá e professor de História pelo município

de Macapá. Atualmente é aluno de especialização em história do Amapá e do mestrado inte-

grado em Desenvolvimento Regional pela mesma universidade.

Avaliação da aprendizagem escolar nos cursos da Educação de Jovens e Adultos: uma discussão acerca das possibilidades de rediscuti-la nos currículos escolares.

Introdução

Muito se tem discutido sobre a avaliação e pouco se tem avançado quando se fala no reenquadramento do currículo. Não por omissão, mas porque o tema é árido e necessita de elementos que possam desvelar os mitos existentes.

A avaliação, ao longo do tempo, tem se constituído num dos aspectos mais pro-blemáticos da prática pedagógica. Professores e pesquisadores têm efetuado vários estudos no sentido de constatarem as causas que levam ao alto índice de evasão e repetência escolar. Estão presentes diferentes situações e, entre estas, destaca-se a avaliação porque é através dela que ocorre a aprovação ou reprovação.

Esse processo é indispensável na prática pedagógica. Se os educadores utiliza-rem-na adequadamente, tornar-se-á o recurso mais importante no processo ensino-aprendizagem, por possibilitar ao professor reformular ou não ou até mesmo cance-lar seu planejamento e, consequentemente, transformar sua prática pedagógica.

No entanto, o que se observa é que a maioria dos professores não exerce o papel que se atribui à avaliação, trazendo, assim, consequências graves para um trabalho mais efetivo na práxis pedagógica.

Muitos fatores contribuem para que o professor utilize a avaliação de forma inadequada, como, por exemplo, o currículo escolar, que privilegia o acúmulo de conhecimento, não levando em consideração o processo amplo da educação; a má formação do professor é outro fator, pois sua falta de conhecimento sobre o que seja avaliação dificulta e prejudica todo um processo, porque, sem isso, ele não uti-liza critérios para realizá-la e quando os usa, são arbitrários e inadequados.

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Avaliação da aprendizagem

escolar nos cursos da Educação de

Jovens e Adultos: uma discussão

acerca das possibilidades de rediscuti-la nos currículos

escolares.

Com essa atitude, o professor atribui conceitos aos alunos baseado em seus próprios valores e não leva em consideração a cultura dos alunos, em especial dos provenientes das camadas pobres, tendendo a reproduzir os valores da classe do-minante. Assim, a avaliação torna-se instrumento para conseguir disciplina na sala de aula, confirmação do autoritarismo do professor etc., deixando, dessa forma, de ter a sua função principal que é diagnosticar a aprendizagem.

Nesse sentido, a avaliação diagnóstica possibilita detectar as possíveis falhas do processo ensino-aprendizagem e, assim, retomá-la, buscando novas alternati-vas para melhorá-la. No entanto, o que acontece é que o professor não dá muita importância para os resultados obtidos pelos alunos, importando-se em transmitir conteúdos que posteriormente serão cobrados e aos quais serão atribuídas “notas”. Nesse caso, a avaliação apenas tem função de cumprir aspectos legais na vertente “conteana”, assim esquecendo a função pedagógica.

Nesse sentido, o currículo torna-se um instrumento importante de análise, pois possibilita, como instrumento estruturante e organizacional da escola, discutir dife-rentes concepções, através de elementos que identifiquem o discurso dos docentes e suas práticas em sala de aula, muitas vezes desvelando comportamentos não con-dizentes com a postura de educador.

quando se discute avaliação escolar, o que realmente está em jogo é a prática escolar como um todo, o constitutivo da avaliação: a tomada de posição. Sem esse caráter a avaliação não tem sentido.

Outro aspecto do problema avaliativo que ocorre na Educação de Jovens e Adultos é a inadequação da forma de avaliar para essa clientela, visto que se trata de alunos com uma tipicidade diferente do aluno regular.

Nessa linha de raciocínio, é preciso considerar que o resultado final sempre fica circunscrito à aprovação e reprovação. A partir daí, então, poder-se-ia desvelar pre-conceitos ou um autoritarismo que o professor exerce no ato de avaliar. É claro que o professor é apoiado socialmente nessa dominação, considerando que seu ofício tem a legitimidade do Estado em função da sua formação e dos aspectos jurídicos no ato da posse.

Assim, torna-se oportuno indagar: como tem sido a prática de avaliação? Essa prática está associada à falta de definição e clareza dos professores quanto à defini-ção de avaliação? qual sua finalidade no processo ensino-aprendizagem e na filo-

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Avaliação da aprendizagem escolar nos cursos da Educação de Jovens e Adultos: uma discussão acerca das possibilidades de rediscuti-la nos currículos escolares.

sofia da educação que fundamenta sua prática pedagógica? que tipo de homem se pretende formar e para que tipo de sociedade?

Julgar e classificar pessoas é um exercício que se faz desde a infância, dessa for-ma, contribuindo para que experiências revelem diferentes compreensões acerca da realidade, de percepções e variações acerca do mundo que nos rodeia.

A avaliação escolar, até um passado recente, realizava-se alicerçada na convicção de critérios do professor e na tradição escolar; no entanto, se distinguia do próprio ato de ensinar/educar. Os critérios de avaliação determinados pelos valores funda-mentais instituídos e mantidos por cada formação social variavam profundamente no espaço e no tempo. Assim, por exemplo, os espartanos avaliavam as novas gera-ções segundo os valores da cultura e desenvolvimento físicos, enquanto os atenien-ses atentavam acima de tudo para as qualidades intelectuais e morais do indivíduo.

Na pedagogia tradicional (cabe frisar, infelizmente, isso ocorre até hoje), a avaliação se limitava apenas a sua função classificatória, realizada no final de uma unidade, curso ou programa, e resultava em nota ou conceito. Sem dúvida, essa prática reflete a pedagogia reprodutivista, na medida em que oferece uma edu-cação fundamentada em valores e padrões da classe média, excluindo as crianças das camadas populares ao conhecimento acumulado pela sociedade. No entanto, se o professor optar por uma educação que possibilite aos alunos, além da instru-mentalização teórica, as habilidades e os conteúdos necessários para a formação da consciência crítica, a avaliação passa a desempenhar uma função diferente daquela praticada pela maioria dos professores.

A escola, ao compreender o currículo nesta nova prática de avaliação, deve estar consciente da importância política de sua competência no domínio do con-teúdo da disciplina, no conhecimento de propostas alternativas para trabalhar tais conteúdos através do processo de sistematização das experiências e conhecimen-tos dispersos e desorganizados que os alunos possuem e que, inevitavelmente, de-verão ser elementos constitutivos do currículo.

Do educando vai ser exigida uma participação dinâmica na sala de aula e ca-pacidade de compreensão, análise e síntese, e não apenas relacionada aos aspectos da memorização.

Após considerações preliminares, serão discutidos alguns tópicos importantes sobre avaliação da aprendizagem que pretendem instrumentalizar este estudo:

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Avaliação da aprendizagem

escolar nos cursos da Educação de

Jovens e Adultos: uma discussão

acerca das possibilidades de rediscuti-la nos currículos

escolares.

conceito de avaliação, a filosofia da educação que norteia a prática avaliativa, as funções e modalidades da avaliação, instrumento de avaliação, histórico e avaliação na Educação de Jovens e Adultos.

Conceito de avaliação: um enfoque crítico

A avaliação tem sido utilizada com diferentes significados por professores que a confundem na sua prática com o conceito de medida. Mas o que significa cada um desses conceitos e qual a implicação da falta de clareza dos mesmos para a prática avaliativa do professor? E de que forma poderá ser melhor compreendido no currículo?

Medir é uma forma de comparar grandezas, tomando uma como padrão e ou-tra como objeto a ser medido e tendo como resultado a quantidade de vezes que a medida padrão cabe dentro do objeto medido. Medir significa a descrição quantita-tiva do grau que o aluno alcança ao dominar determinados conteúdos, limitando-se a uma coleta de informações do comportamento do educando e sua ordenação em termos numéricos, quantitativos, ou seja, a medida padrão para a aprendizagem é o número de acertos (testes, provas e outros).

A partir desse entendimento, a avaliação constitui-se num processo mais amplo que a medida e implica a interpretação dos dados fornecidos pela medida, envol-vendo um julgamento de valor sobre os mesmos. Dessa maneira, ao avaliar resul-tados em termos de aceitação ou não como indicativo de que o aluno alcançou os objetivos esperados segundo critérios preestabelecidos demonstra que a avaliação pode ter outra compreensão.

Posta dessa maneira,

a avaliação é uma questão de justiça, bom senso, equilíbrio pessoal e valorização do de-

sempenho do aluno, enfatizando o aprender a aprender, o aprender a ser, o aprender a

criar e o aprender a fazer. Assim a avaliação do ensino da aprendizagem e da produção é

concebida sob a ótica da competência (retenção de conhecimentos), da capacidade (sa-

ber explicar e relacionar conhecimentos), da habilidade (saber aplicar e relacionar conhe-

cimentos de forma criativa e inovadora) e da (com) vivência de sentir-se realizado por ser

competente, capaz e hábil (BOtH, 2008, p. 104).

Uma das definições mais comuns e significativas que subsidiam o aspecto aci-ma levantado é a formulada por Luckesi (1988), de que a avaliação é um julgamento

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Avaliação da aprendizagem escolar nos cursos da Educação de Jovens e Adultos: uma discussão acerca das possibilidades de rediscuti-la nos currículos escolares.

de valor sobre manifestações relevantes da realidade, tendo em vista uma tomada de decisão. Assim, verifica-se que em primeiro lugar entende-se por juízo de valor uma afirmação ou negação qualitativa sobre um determinado objeto, tendo como base critérios preestabelecidos. Em segundo lugar, esse julgamento se faz com base nos caracteres relevantes da realidade relacionados com os objetivos que se quer alcançar. E, por último, a avaliação exige uma tomada de decisão sobre o objeto avaliado com o escopo de contribuir para a transformação e crescimento do indi-víduo, num processo que envolve o mecanismo da ação-reflexão-ação na prática avaliativa, isto é, “o julgamento avaliativo da ação deve estar em função do aprimo-ramento desta” (LUCKESI, 1988, p. 13).

Diante dessa definição, questiona-se: quais as decisões tomadas com relação aos resultados de uma avaliação? Tem servido aos propósitos da dimensão e/ou classificação por notas, impedindo assim o crescimento e o acesso ao saber e à competência, ou tem sido direcionada por uma visão de totalidade sobre os dados relevantes numa perspectiva de aprimoramento da prática pedagógica e não da estagnação através da classificação?

Então, a partir dessa concepção, poder-se-ia atribuir algumas características que a avaliação deve assumir, orientada por essas inquietações:

deve ser realizada de acordo com objetivos claramente definidos;•

tem finalidade de detectar as dificuldades de assimilação de conhecimento, •procurando superá-las, fazendo com que essa transmissão resulte num do-mínio efetivo dos conteúdos e habilidades por parte dos alunos;

serve para verificar até que ponto o ensino tem alcançado os objetivos •pretendidos.

A prática da avaliação e da filosofia que a norteia

A avaliação educacional, em geral, não se dá nem se dará num vazio conceitual, mas, sim, dimensionada por um modelo teórico do mundo e da educação tradu-zido em prática pedagógica. Dito assim, entende-se que a prática educativa não é neutra, mas fundamentada por uma concepção de mundo e de educação de quem a executa, que determina dois tipos de prática pedagógica: uma voltada para a re-produção e conservação da sociedade e, automaticamente, a domesticação dos alunos e outra, para as perspectivas de transformação social.

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Jovens e Adultos: uma discussão

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escolares.

No primeiro caso, a avaliação assume uma função classificatória, constituindo-se num instrumento meramente legalista que impede o processo de crescimento intelectual do aluno, na medida em que o professor tem o poder de classificar os alunos de forma definitiva por meio de conceito ou nota que atribui, baseando-se em critérios não bem definidos e claros. É o caso do educador que facilita a apro-vação de aluno baixando o nível de exigência do conhecimento e habilidades, ou do professor que utiliza os testes-surpresa, com um grau de dificuldade superior ao nível da turma, com o objetivo de prejudicar os alunos indisciplinados.

Já no contexto de uma pedagogia voltada para a transformação, a avaliação assume a função diagnóstica e deve ser um instrumento dialético de avanço, pos-sibilitando aos educandos acesso ao saber e à competência, além do crescimento para a autonomia necessária à vivência de uma relação de reciprocidade e não de subordinação de uns sobre os outros – característica própria de uma pedagogia conservadora.

A opção do educador por uma pedagogia que traduz o modelo de sociedade voltada para a sua transformação deve romper com uma prática avaliativa autoritá-ria, que serve como mecanismo para reproduzir e conservar a sociedade, deixando isso claro e presente no currículo escolar.

A prática da avaliação está inserida num contexto mais amplo, e está a servi-ço dele. Por isso, a escola deve fazer uma opção clara e objetiva sobre a filosofia norteadora da sua prática pedagógica quanto ao planejamento, a execução e a avaliação, e tais princípios deverão estar presentes no currículo escolar. É preciso ter consciência de qual o tipo de aluno que se deseja formar: críticos, criativos, capazes de analisar a realidade e buscar soluções para os problemas dessa realidade, ou formar alunos passivos, meros repetidores de conhecimentos.

É importante ressaltar que a falta de clareza e/ou definição do conceito de ava-liação trazem implicações para a mesma. O que se observa na realidade é que o objetivo da avaliação na prática pedagógica da maioria dos professores da Educa-ção de Jovens e Adultos é simplesmente cumprir uma exigência legal de atribuir ao aluno, a cada bimestre, determinado conceito ou nota que definirá sua aprovação ou reprovação ao final de um ano letivo.

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Avaliação da aprendizagem escolar nos cursos da Educação de Jovens e Adultos: uma discussão acerca das possibilidades de rediscuti-la nos currículos escolares.

Colocado dessa maneira, é oportuno asseverar que tal situação perpassa o en-tendimento que o professor tem do mundo e do homem. A partir daí, então, deve-se iniciar um processo de construção de uma avaliação mais justa e participativa.

Dentro da perspectiva de educação voltada para a transformação da sociedade, a avaliação apresenta outros objetivos, tais como: servir de instrumento para que a maioria da população tenha acesso ao saber sistematizado e, não, eliminar aqueles que apresentam maiores dificuldades para adquirirem esse saber, pois o que ainda ocorre é que a escola transmite e leva em consideração os valores de classe média ou alta para atribuir conceitos aos seus alunos.

com a função classificatória, a avaliação constitui-se num instrumento estático e formador

do processo de crescimento; com a função diagnóstica, ao contrário, ela constitui-se num

momento dialético do processo de avançar no desenvolvimento de ação de crescimento

para a autonomia, do crescimento para a competência etc., como diagnóstico, ela será um

momento dialético do senso de estágio em que se está e de sua distância em relação à

perspectiva que está colocada como ponto a ser atingido à frente (lUcKeSi, 2005 p. 72).

Ao assumir essa posição, cabe ao professor comprometer-se com uma “ins-trumentalização teórica” de conscientização e organização política do educan-do que possibilite a reivindicação de seus direitos em nível de igualdade com a classe dominante.

Funções e modalidades da avaliação

Antes de falar sobre esse item, é importante comentar alguns princípios básicos que devem orientar o processo de avaliação. Já foi dito em tópico anterior que a avaliação só terá sentido se os objetivos tiverem sido claramente definidos; nesse caso, a avaliação é funcional, pois é feita em função de objetivos.

O importante também é compreender que a avaliação deve ser um processo sistemático, sempre estabelecendo o critério e/ou padrão de domínio que se es-pera do aluno; deve ser contínua, realizada não só em final de bimestre, de semes-tre ou de ano, mas ao longo de todo um processo integral, abrangendo todos os domínios do comportamento do aluno – cognitivo, afetivo e psicomotor –, seus interesses, opiniões, habilidades e competências e não apenas a quantidade de co-nhecimentos retidos.

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escolares.

Podem-se citar três modalidades de avaliação, que, na prática, devem estar in-terrelacionadas entre si: a somativa, formativa e diagnóstica.

1) A avaliação somativa é aquela que ocorre no final de um curso, de um bimes-tre ou semestre, isto é, após um determinado período de tempo, com a finalidade de classificar os alunos segundo os níveis de aproveitamento, cujos resultados são expressos em notas e conceitos.

2) A avaliação formativa ocorre durante o processo de ensino-aprendizagem para verificar o grau de domínio de aprendizagem. A avaliação formativa desempe-nha papel importante.

Dá um feedback (retroalimentação) contínuo do professor acerca de seu desempenho no

processo de ensino, pois ao verificar que a maior parte de seus alunos não está atingindo

o domínio esperado, a avaliação formativa servirá de alerta para que ele procure analisar o

que está errado em seu ensino e reformule suas estratégias (DiniZ, 1982, p. 8).

Também dá feedback ao aluno, na medida em que mostra o que ainda precisa dominar, suas falhas e as possibilidades de uma recuperação:

A avaliação formativa informa ao aluno a necessidade de maior dedicação ao estudo e me-

lhor organização do mesmo; torna-se necessário, portanto, uma recuperação paralela, pois

esta só tem sentido se realizada no momento em que o aluno verifica suas falhas, podendo

assim recuperá-las imediatamente (idem).

A recuperação imediata, decorrente da avaliação formativa, é fundamental por-que, ao mostrar as falhas do aluno durante o processo, impede-o de acumular difi-culdades que prejudicarão o domínio de habilidades mais complexas.

3) A avaliação diagnóstica é utilizada com dois objetivos: detectar o nível em que se encontram os alunos no início do processo com relação às habilidades, expe-riências acumuladas e outros conhecimentos, bem como detectar as causas de suas dificuldades durante o processo de ensino-aprendizagem. A avaliação diagnóstica serve de instrumento de compreensão do estágio de aprendizagem em que se en-contra o aluno, tendo em vista tomar decisões suficientes e satisfatórias para que ele possa avançar no seu processo de aprendizagem. Se determinado conhecimen-to ou habilidade é essencial na aprendizagem do educando, ele deverá adquiri-lo, e se não conseguir, dever-se-á trabalhar para tal, e isso é possível de ser identificado através da avaliação diagnóstica. Mas, para que a avaliação diagnóstica seja possí-

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Avaliação da aprendizagem escolar nos cursos da Educação de Jovens e Adultos: uma discussão acerca das possibilidades de rediscuti-la nos currículos escolares.

vel, é preciso compreendê-la e realizá-la comprometida com uma concepção peda-gógica, mais precisamente, com uma proposta pedagógica histórica-crítica.

Instrumentos de avaliação

A opção por uma abordagem transformadora de educação exigida do profes-sor, além dos princípios básicos comentados anteriormente, requer muito mais do que predisposição e comprometimento com seu fazer pedagógico. É antes de tudo desenvolver uma compreensão holística de mundo e ser humano.

Assim, é frequente se observar na prática avaliativa de muitos professores a es-colha de testes como instrumento de avaliação predominante, que, na maioria das vezes, contém questões rotineiras que exigem do aluno simplesmente a memoriza-ção dos conteúdos, deixando em segundo plano os objetivos previstos.

É bastante comum, por exemplo, ver-se em provas questões do tipo: “dê o plural”, “dê o

feminino”, “separe em sílabas”, inteiramente desligadas de um contexto capaz de ser pro-

blematizado. muitas vezes os exercícios sobre textos propõem perguntas cujas respostas

não exigem mais do que copiar uma palavra do próprio texto, para completar uma frase

idêntica ao mesmo. na matemática, também são comuns as clássicas “continhas” precedi-

das da instrução: “arme” e “efetue”. muitos problemas matemáticos são quase idênticos aos

dados em classe e o aluno já está quase que treinado para resolvê-los, não se solicitando

nenhuma forma mais elevada de pensamento. com este panorama estamos avaliando

apenas se nossos alunos são bons repetidores, mas nunca se são críticos ou criadores

(cAnDAU, 1988, p. 41).

Existem instrumentos adequados para cada tipo de objetivo que se deseja al-cançar; compete ao professor utilizar instrumentos e técnicas variadas que sejam práticas com relação a sua elaboração e que atendam às diversas situações.

No caso dos testes, existem determinados objetivos que podem ser verificados em questões objetivas, outros, em subjetivas, não havendo nenhuma relação de su-perioridade desta sobre aquela, isso no entendimento de alguns educadores. Dessa forma, as questões de múltipla escolha, testes para completar, itens para relacionar, são importantes para avaliar certos objetivos que seriam difíceis de avaliar de outra forma; o mesmo acontece com os objetivos de expressão do pensamento lógico do aluno, que são avaliados através de redações ou outros similares.

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Bloom (1993) e seus colaboradores classificaram os objetivos educacionais na área cognitiva apresentados numa hierarquia de comportamento, partindo do mais simples e concreto para o mais complexo e abstrato:

1) Conhecimento: valoriza a memorização, o reconhecimento de fatos, como, por exemplo, citar nomes, fatos, datas, conceitos, dizer sinônimos. É o nível mais baixo de resultados de aprendizagem no domínio cognitivo.

2) Compreensão: corresponde à mais simples habilidade ou capacidade inte-lectual. O objetivo de compreensão exige que o aluno não apenas cite, mas expli-que, identifique, interprete, resuma, traduza uma língua para outra.

3) Aplicação: aplicação de conhecimento em situações novas e concretas, isto é, pôr em prática regras, normas, ideias gerais, princípios e teorias, atendendo ao princípio da transferência da aprendizagem, por exemplo; empregar numa relação as regras de concordância verbal.

4) Análise: divisão de um todo em suas partes ou elementos constitutivos. Os objetivos desta categoria são: comparar, dar a função sintática de um nome numa oração, distinguir uma coisa da outra, determinar a relação entre duas coisas ou fenômenos.

5) Síntese: reunião de elementos na constituição de um todo. O aluno terá que constituir ou montar algo, desenvolver a sua criatividade. São objetivos desta cate-goria: formular um objetivo expressivo, elaborar uma hipótese, elaborar um projeto de excursão, formular um plano de operações, escrever uma redação de uma comu-nicação original (conto).

6) Avaliação: é categoria mais complexa e exige julgamento de valor ou expres-são de um ponto de vista original com base em critérios definidos.

É muito importante que o professor, ao elaborar os seus instrumentos, possibi-lite a avaliação de objetivos mais elevados, reduzindo ao máximo as categorias de níveis mais baixos, que apenas exigem repetição de fatos e informações, procuran-do atingir gradativamente as formas mais elevadas e complexas sínteses.

No quesito questões subjetivas, o aluno expressa sua própria resposta, seu pen-samento, “em vez de selecioná-la entre várias alternativas, como ocorre com ques-tões de múltipla escolha” (VIANNA, 1973, p. 81).

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É importante dizer que os professores se preocupam em definir avaliação den-tro de termos técnicos. E, ainda, a avaliação está bastante relacionada a diversos ter-mos com que é frequentemente associada e geralmente confundida, por exemplo, verificação, medida e, naturalmente, controle. Esses termos deveriam ser distingui-dos entre si, uma vez que o significado que se dá às palavras costuma influenciar o fazer pedagógico do professor.

O problema que ocorre quando se discute avaliação está intimamente ligado apenas à parte intelectual de quem está sendo avaliado: se o aluno aprendeu ou não. Nesse sentido, a avaliação é conteudista, na medida que só privilegia o conteúdo.

A avaliação sem o caráter diagnóstico torna-se apenas verificação de aprendi-zagem, isto é, subtrai-se da avaliação a tomada de decisão. quando um professor avalia um aluno e esse mesmo aluno fracassa continuadamente sem que o pro-fessor tome a iniciativa de buscar as causas e superá-las, ele está apenas fazendo verificação.

Imagine-se que uma pessoa vai ao médico por sentir dores nas costas. De iní-cio, o médico constata ser uma pneumonia que está localizada na parte esquerda inferior do pulmão e, apesar de verificar a doença, não prescreve nenhum remédio. Depois de 15 dias, o paciente retorna ao médico, sempre reclamando das dores. O médico constata que a pneumonia já tomou conta de seu pulmão esquerdo e já está no lado direito. Consequência: o paciente morre.

Então, colocada nessas proporções, a avaliação apenas constata alguma coisa. É claro que o médico que verificou a pneumonia no paciente, de imediato, deveria ter tomado uma decisão: aplicar o antibiótico; se não der resultado, reforça-se a dosagem, até que o paciente sare. Se estiver clara na mente do professor a impor-tância da avaliação, ele terá que rever seus objetivos, mudar sua metodologia, suas estratégias, enfim, fazer alguma coisa para que os alunos aprendam.

Dito assim, é difícil retirar uma parte do todo e examiná-la isoladamente. Esse procedimento, além de favorecer uma análise parcial da realidade, quando não re-laciona a parte ao todo, pode comprometer a visão da totalidade e, consequente-mente, direcionar ações dissociadas do seu universo. Contudo, verifica-se que qual-quer uma das opções especificadas está comprometida com uma ideologia.

Outra questão delicada é a avaliação no processo. Antes de mais nada, é impor-tante chamar atenção para que esta não venha a se tornar uma arma contra o aluno.

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Ela surge da necessidade de proporcionar aos educandos vários momentos de ava-liação e, assim, oferecer uma visão muito mais ampla da mesma, desconsiderando o caráter excludente, visto que é contínua e não estanque. Compreendida dessa forma, a avaliação não se limita à exigência da frequência do aluno como subterfú-gio “legal”, mas abrange diferentes processos da aprendizagem.

Na forma de avaliação no processo observa-se que essa modalidade exige do aluno frequência diária, visto que acontece a todo momento. Logo, o aluno com frequência irregular já se encontra em desvantagem em relação aos outros.

Isso se reproduz na sociedade capitalista, pois, de certa forma, aqueles que não precisam vender bombom ou reparar carros para ajudar na economia de casa estão privilegiados em relação aos que precisam dividir o tempo da escola com o traba-lho. Vista assim, a exigência da presença do aluno, inevitavelmente, prejudicará essa forma de avaliação. Dessa forma, a avaliação novamente é excludente, na medida em que a escola fica “amarrada” nessa concepção de avaliação.

O mais importante é perceber que houve avanço significativo na forma de se conceber a avaliação, partindo do pressuposto de que, sendo de natureza classifi-catória, é nociva e só serve ao propósito de manter a ordem e a disciplina na sala de aula. O passo seguinte, sem perder o equilíbrio, se dará a partir do momento em que o professor se sentir seguro dos objetivos a alcançar, sendo objeto de análise e discussão no currículo escolar.

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Considerações finais

Sem querer cometer injustiças, verificam-se esforços de professores e coorde-nadores pedagógicos da Educação de Jovens e Adultos no sentido de desvelar es-sas incongruências da avaliação e as ideologias subjacentes, notadamente quando iniciam a construção do Projeto Político-Pedagógico da escola.

A partir das vozes de professores, alunos e coordenadores, pode-se constatar que esse tipo de educação sofre discriminação de diretores, professores e coorde-nadores que não atuam nessa modalidade. Isso é perceptível quando tratam a EJA como uma modalidade “intrusa” na escola. Isso, de certa forma, legitima o precon-ceito, a discriminação. Desconstruir esse paradigma não é nada fácil, posto que está no nível de formação de consciência e discurso.

A Universidade Federal do Amapá, através de seu curso de Pedagogia, não tem perspectivas de preparar professores para atuarem nessa modalidade. Faz-se ne-cessário o desenvolvimento de políticas mais eficazes quanto à formação e pesqui-sa nas áreas de ensino e aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos.

Apesar de a avaliação ter uma característica essencial, que é a tomada de de-cisão, infelizmente, o que as escolas vêm fazendo é simplesmente a verificação. E mesmo que o professor esteja predisposto a realizar a avaliação como diagnose, ele enfrentará um problema sério – a exigência no cumprimento dos conteúdos curriculares, defrontando-se com situações conflitantes: primeiro, o idealismo pe-dagógico, o querer assumir a avaliação como caráter diagnóstico — essa atitude perpassa uma definição pedagógica e política — segundo, verificar que, apesar da avaliação ser uma tomada de decisão, o professor precisa, necessariamente, cum-prir as exigências acerca dos conteúdos programáticos.

Apesar das tentativas de colocar a avaliação no âmbito da diagnose como re-tomada de decisão, o que vale mesmo é a classificação em média do aluno. Vista assim, a avaliação classificatória, apesar das análises como injusta e arbitrária, o pro-fessor ainda utiliza, e vai utilizar por muito tempo, como efeito de comprovação de que avaliar é necessariamente ter que aprovar ou reprovar alguém.

Também há que considerar que a finalidade da Educação de Jovens e Adultos é corrigir a distorção entre idade e série dos alunos oriundos do ensino regular e que após a correção dessa distorção retornariam para este ensino. Entretanto, o que se

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percebe não é isso, na medida em que é mais atrativo cursar duas séries em um ano. Assim, a finalidade inicial da EJA não se realiza na prática.

Não se quer com isso deixar implícito de que deve haver uma redução na quali-dade do processo de ensino dos jovens e adultos, mas torna-se imperativo asseverar que não se pode justificar o avanço da EJA como algo “normal” e “necessário” para esses alunos. Do ponto de vista da eficiência e eficácia do ensino regular, vislumbra-se que a EJA subsista por ausência desses elementos. Já que regular é aquilo que funciona dentro de padrões normais, a EJA, então, seria uma exceção.

Dessa forma, chegou-se à conclusão de que o elemento essencial para que se dê à avaliação educacional escolar um rumo diverso do que vem sendo exercitado é o resgate da sua função diagnóstica. Para não ser autoritária e conservadora, a avaliação deverá se constituir em um instrumento dialético de avanço, instrumento de identificação de novos rumos.

Com isso, não se quer subestimar a competência e habilidade do professor para avaliar seus alunos, mas, sobretudo, essa autoridade não pode ser entendida como prerrogativa exclusiva do mesmo, de uma competência outorgada, conce-dida pelo Estado. É preciso, antes, desvelar as contradições e ideologias existentes no ato de avaliar.

Pensar a avaliação a partir de uma matriz cultural que resgate o currículo oculto é garantir ao indivíduo a possibilidade de manifestar seu agir e pensar.

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REFERÊNCIAS

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cAnDAU, V. m. Rumo a uma nova didática. petrópolis: Vozes, 2001.

DemO, p. Avaliação qualitativa. 9. ed. São paulo: cortez: Autores Associados, 2000.

DiniZ, t. Sistema de avaliação e aprendizagem. 5. ed. rio de Janeiro: livros técnicos e científicos, 2001.

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lUcKeSi, c. c. Avaliação educacional escolar: para além do autoritarismo. Revista ANDE, São paulo, n. 10/11, 1988.

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Recordações: complemento para uma prática inovadora

Maria de Assunção Cortes Costa*

RESUMO

Esteartigotemporfinalidadeapresentarumaexperiência vivenciada no ano de 1997, queserviudereflexãoesubsídioparainovaraprá-ticapedagógicareferenteaoEnsinodeJovenseAdultos.Otema,“Recordações:complementoparaumaprática inovadora”, foiresultadodeumaavaliaçãodocurso“Elaborandocurrícu-los emEducaçãode Jovens eAdultos”, reali-zadopeloSESC–AP,quemelevouadetectaros fatoresrelacionadosaoprocessoavaliativoapresentados por alunos de EJA. Os resulta-dosindicamqueparaumapráticapedagógicainovadoraénecessáriocaminharembuscadenovos subsídios como garantia de ampliar asatividadesdereflexãoeoperaçãosobreoatode avaliar.

PALAvRAS-ChAvE:Práticaeducativa;avalia-ção;processodeensino-aprendizagem.

ABSTRACT

This article aims to present an experience undergone in 1997, which served as a point of reflection and support to innovate the Youth and Adult Education teaching practices. The theme, “Memories: a complement for an innovative practice,” was the result of an evaluation of the course “developing Youth and Adult Education Curricula,” held at SESC - AP, which led me to detect the factors related to the evaluation process presented by Youth and Adult Education students. The results indicate that for an innovative teaching practice it is necessary to seek new supports as a guarantee in order to expand the activities of operation and reflection on the act of evaluating.

KEYwords: Educational practice; evaluation; teaching-learning process.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

* Docente da Escola Estadual Maria Neusa Carmo de Souza; graduada em licenciatura

Plena em Pedagogia na Universidade Federal do Amapá (Unifap); bacharel em Letras

Tradutor Português/Inglês no Instituto de Ensino Superior do Amapá (Iesap); Pós-gra-

duada em Docência do Ensino Superior – Unimeta – Macapá(AP).

Introdução

O ensino na Educação de Jovens e Adultos (EJA) é um desafio político, econô-mico, cultural e pedagógico. Esse desafio compreende uma multiplicidade de expe-riências que vem se destacando na última década. Neste contexto, o Indicativo para formulação das Diretrizes da Educação de Jovens e Adultos do Estado do Amapá (2002)1 traz referências sobre os programas que foram desenvolvidos ao longo da história, tais como: o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), de 1969, e o Ensino Supletivo, em que as responsabilidades pelo ensino eram das associações, igrejas e comunidades, além da Fundação Educar, de 1985, que substituiu o Mobral e foi criada com a atribuição de fomentar programas destinados àqueles que não tiveram acesso à escola.

No final de 1987, a Fundação Educar foi extinta devido ao corte das verbas voltadas a esse projeto, e, em substituição, foi criado o Programa Nacional de Al-fabetização e Cidadania (Pnac), que nem foi implementado. Dando continuidade aos estudos, foi criada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN nº 9394/96, que abre um leque sobre o valor do conhecimento tanto escolar como extra-escolar voltada, para a qualificação profissional e o preparo do educando no exercício da cidadania.

Nesse percurso educacional, as escolas de Educação de Jovens e Adultos vão em busca de alternativas para propiciar ao aluno viver no mundo da informação, elaborando pensamentos e ações de forma crítica. Existem, assim, inúmeras escolas trabalhando a EJA com sucesso, devido aos projetos que são realizados com grande êxito. Como diz Cury (2003, p.119), “essas técnicas contribuem para mudarmos para sempre a educação. Elas constituem o projeto escola da vida e podem gerar a edu-cação dos nossos sonhos”. Seguindo a linha do educador Paulo Freire (1921-1997), o

1. Fonte: extraído do indicativo para a formulação das Diretrizes da educação de Jovens e Adultos do estado do Amapá, elaborado pelos técnicos da Divisão de educação de Jovens e Adultos do Amapá da Dieja/SeeD Ap – 2002.

Recordações: complemento para uma prática inovadora

Serviço Social do Comércio Educação em Rede

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Recordações: complemento

para uma prática inovadora

projeto alfabetiza com base nos temas geradores, fazendo a ligação dos conteúdos escolares com a vida do estudante.

Mesmo com essas oportunidades que as escolas vêm vivenciando, o índice de reprovação escolar é alarmante, sendo ainda motivo de preocupação e alvo de es-tudos, análises e debate entre os educadores, especialistas e profissionais compro-metidos com a educação.

A problemática do ensino deve ser tratada com atenção, a fim de gerar resulta-dos positivos em relação à reprovação e à evasão escolar, no entanto, é preciso que o estudo seja contínuo em todos os aspectos do processo ensino-aprendizagem, e que a metodologia utilizada e, principalmente, a formação do educador da EJA sejam diferenciadas daquelas demais modalidades de ensino.

Nesse contexto, a avaliação é um dos fatores que interfere diretamente no processo ensino-aprendizagem, sendo um dos focos em discussão. Mesmo assim, percebe-se o conflito gerado pelas diferentes formas de compreensão do que sig-nifica o ato de avaliar, pois os professores trabalham para a transmissão de conheci-mentos e repetição de conteúdos sem perceberem que a avaliação faz parte da vida humana, acompanhando o indivíduo na trajetória de sua vida.

Conforme ressalta Hoffmann (2003, p. 41):

O aluno constrói o seu conhecimento na interação com o meio em que vive. portanto,

depende das condições desse meio, da vivência de objetos e situações, para ultrapassar

determinados estágios de desenvolvimentos e ser capaz de estabelecer relações cada vez

mais complexas e abstratas.

Partindo desta ideia, exponho uma experiência vivenciada em que destaco os fatores e as dificuldades do ato de avaliar, detectando a real dificuldade do aluno da Educação de Jovens e Adultos, para uma possível reflexão de que a avaliação não pode se basear somente em números e dados, mas, sim, ser colocada a serviço do pleno desenvolvimento do educando.

Experiência em sala de aula

O tema “Recordações: complemento para uma prática inovadora” foi definido devido à angústia gerada na prática educativa que me levou à reflexão e que pro-porcionou buscar subsídios para uma avaliação alternativa no ensino de jovens e

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Recordações: complemento para uma prática inovadora

adultos. A referida experiência ocorreu em uma turma de 2ª etapa (na época Ensino Supletivo), no ano de1997, na Escola Estadual Serafini Costaperária, com atendi-mento no Ensino Fundamental regular e EJA Fundamental, localizada no bairro Jar-dim Felicidade I, Macapá (AP).

Apresento as dificuldades que um professor enfrenta quando não possui uma formação especial acerca do processo de ensino-aprendizagem que vai desenvolver. Estou me referindo também a todos os alunos e alunas, independentemente do en-sino: Fundamental, Médio, EJA ou Superior, já que o educador deve estar preparado para planejar, pesquisar, estudar e ter compromisso com a formação dos alunos.

Era uma turma de senhores e senhoras com um nível de escolarização baixo, caracterizado por pouca ou nenhuma leitura de livros, jornais ou revistas. O conhe-cimento de mundo era o que prevalecia, mas foi por mim esquecido! Sem apoio da escola e sem orientação pedagógica, enfrentei esse desafio. O único material didático utilizado foi o livro de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental, dos quais eram extraídos os conteúdos, que, por sua vez, eram passados no quadro e copiados pe-los alunos. Na época eu não exercitava leituras de outros livros, jornais ou revistas. No entanto, hoje reflito: eles eram privados de entrar em contato com os textos!!!

A experiência vivida revela o perfil de uma aluna que ficou reprovada e hoje ainda vive sob condições socioeconômicas precárias. Com seus sete filhos, luta pela sua sobrevivência. Uma jovem senhora, aparentemente com seus 35 anos de ida-de, vendedora de doces e salgados, não sabia resolver as quatros operações funda-mentais da matemática. Onde se viu uma coisa dessas?! E então, eu pensava: essa senhora é atrasada mesmo! No fim, nota vermelha era o que ela recebia e a repro-vação foi o seu resultado final.

Refletindo, o professor deve valorizar o saber prévio do aluno e, em conjun-to com a escola, olhar mais atentamente a experiência de vida que o educando da EJA possui, e tal conhecimento deve ser um complemento para o crescimento profissional desse educando; esses saberes devem ser valorizados, sistematizados e integrados ao saber escolar.

Na realidade, a escola não dá valor a esse conhecimento, excluindo-o totalmen-te do currículo na medida em que não vê a importância do saber que o aluno traba-lhador traz para a escola. “Os jovens e adultos trabalhadores trazem para o interior do espaço escolar uma multiplicidade e uma riqueza de saberes que quase nunca

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ousam externar por considerá-los inadequados, sem valor ou mesmo equivocados” (CIAVATTA, 2002, p. 126).

Onde se encaixa o estudo das linguagens? A venda nos olhos não nos tem dei-xado enxergar a maravilha do cotidiano das linguagens de que tais sujeitos sociais educandos são portadores quando desenvolvem uma conversa entre amigos, nar-ram uma história contada por colegas, uma notícia de jornal, rádio ou tevê, para não falar da linguagem dos gestos e da visão que têm do próprio corpo!

De acordo com a proposta curricular da EJA, o estudo das linguagens do coti-diano representa um componente essencial do currículo, pois não se pode estigma-tizar o jovem e o adulto em função de suas competências e habilidades adquiridas na trajetória de vida.

A prática: um caminho para o ensino de qualidade

Sabemos que os alunos se beneficiam com experiências de vida, em especial os alunos da EJA que conseguem desenvolver suas atividades educacionais rela-cionando os conteúdos programáticos com as experiências do cotidiano e enfati-zando a interação com os outros, como citado anteriormente no pensamento de Hoffmann (2003).

Em contrapartida, quando um aluno é excluído dessas oportunidades, aumen-tam as suas chances de não conseguir sucesso pessoal e profissional, como exposto na experiência citada – uma senhora rica em conhecimento, com experiência de vida incomparável, ficou reprovada! E até hoje continua com suas vendas de doces, no entanto, não continuou seus estudos. Tal recordação levou-me a trabalhar em busca de nova orientação do ensino no sentido da vida cotidiana, que na época eu não sonhava em ter.

Nesse sentido, entender a prática da avaliação de Jovens e Adultos predomi-nante hoje implica repensar como essa prática foi construída ao longo do tempo, uma vez que a prática está a serviço de um modelo teórico de sociedade e de edu-cação, modelo esse que vê a educação como um mecanismo de conservação e re-produção de sociedade: “tendo sua origem na escola moderna sistematizou-se a partir dos séculos xI e xII com a cristalização da burguesia como modelo de prática educativa da sociedade à qual serve.” ( HOFFMANN, 1996, p. 42).

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Sabe-se que na escola tradicional, pouco preocupada com a análise crítica, com a reflexão e com a construção de conhecimento, exigia-se assimilação e fixação de conteúdos e a avaliação era mais quantitativa. Nesse sentido, concordo com o pen-samento de Cury (2003, p. 142), que diz: “peço aos mestres: encontrem espaço para humanizar o conhecimento, humanizar sua história e estimular a arte da dúvida”.

O autor incentiva o educador na busca de alternativas e na construção de no-vos caminhos para o sucesso de sua prática, uma vez que toda transformação é fruto da construção de um novo olhar na formação do educando. No entanto, é ne-cessário que o educador da EJA esteja em busca contínua de novas metodologias que venham a atender às especificidades de cada aluno.

que a escola seja um espaço de acolhida desse aluno e que ele sinta prazer em estar participando das ações que ela promove, pois humanizar o espaço de apren-dizado é um compromisso de todos; que seja respeitado o aluno como um ser hu-mano capaz de construir e sistematizar novos saberes e aprimorar os saberes ad-quiridos na reconstrução de novos conhecimentos, pois o aluno da EJA é atuante na sociedade, ele pensa e sobrevive em busca de crescimento profissional e social, mas com suas próprias formas de ser, viver e lutar por uma melhor qualidade de vida.

Assim, Ciavatta (2002, p. 125) reafirma que:

Ao pensarmos na especificidade da educação dos Jovens e Adultos, uma questão logo se

apresenta: quem são eles? A resposta abriga múltiplas possibilidades. O universo consti-

tuído pelos que procuram os diferentes níveis de escolaridade básica, fora da faixa etária

socialmente prevista, caracteriza-se por uma diversidade. todos praticamente trazem, en-

tretanto, como característica comum, a partilha de expectativas, que constituem a expres-

são do desejo de viver uma vida melhor.

O conhecimento pedagógico é indispensável na prática do professor. Portan-to, o ato de ensinar-aprender necessita estar embasado em conhecimentos funda-mentais para que de fato se atinja o objetivo do saber aprender. Assim, o processo educativo alcançará seu objetivo, tornando o educando alguém capaz de reorga-nizar conceitos já construídos, possibilitando a criação de novos saberes voltados à realidade de seu contexto social.

Nesse sentido, Freire (1993, p. 28) nos dá a seguinte contribuição:

Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender participamos de

uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e éti-

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ca, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade.

A compreensão dessa experiência total referida por Freire requer a construção de alternativas e ações que exigem o confronto entre os múltiplos saberes que te-cem a realidade escolar, o que desafia o professor a buscar os saberes implícitos nas atuações dos alunos na prática pedagógica. Nesse sentido, é necessário questionar as características que o educador de jovens e adultos, na atualidade, precisa culti-var. Basicamente, é importante que esse educador tenha experiência na Educação de Jovens e Adultos, o que facilita muito a diversidade de práticas baseadas nos conteúdos curriculares de acordo com a realidade do aluno da EJA.

Nessa perspectiva, a educação exige que a práxis pedagógica dos professores seja significativa, prazerosa e diversificada e que possibilite o desenvolvimento tan-to dos educadores quanto do educando. Para isso, requer uma preparação, ou seja, um planejamento adequado, muitos estudos e leituras, para que haja uma reflexão da práxis pedagógica em consonância com as necessidades dos alunos.

Nesse aspecto, Freire sugere:

A responsabilidade ética, política e profissional do ensinamento lhe coloca o dever de se

preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente. essa

atividade exige que sua preparação, sua capacidade, sua formação se tornem processos

permanentes. Sua experiência docente, se bem percebida e bem vivida, vai deixando claro

que ela requer uma formação permanente do ensinamento. Formação que se funda na

análise crítica de sua prática. (Freire, 1993, p. 28).

Dessa maneira, compreende-se a relevância da necessidade de o educador possuir “virtudes” ou “saberes” para desenvolver práticas pedagógicas coerentes, uma vez que o processo educativo possibilita ao docente desenvolver uma rede de pensamentos concretos sobre a realidade em que se encontra inserido. Porém, sabe-se que essa transformação do docente perpassa a prática educativa – crítica ou progressista – e que, por isso mesmo, deve ser obrigatória na sua formação e na sua prática. Assim, na sua prática pedagógica cotidiana, o educador deve oferecer conhecimentos cuja compreensão seja clara e lúcida.

Avaliação

Marques (1976) retrata a avaliação como um processo contínuo, sistemático, compreensivo, comparativo, cumulativo, informativo e global que permite avaliar o

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

conhecimento do aluno. Sendo assim, a avaliação é um processo gradativo e inin-terrupto capaz de dimensionar o conhecimento do aluno, que deve ser respeitado de acordo com suas potencialidades, e privilegiando o senso crítico, a imaginação, a compreensão e a comunicação.

A avaliação é um processo que busca comprovar, pesquisar e analisar. Lucke-si (2002) enfatiza a avaliação diagnóstica, que tem por pressuposto acompanhar as diferenças individuais, percebendo avanços e recuos do processo de ensino e aprendizagem. Hoffmann (1993) chama a atenção para a avaliação mediadora, que possibilita ao educador gerenciar a ação didática, tendo em vista observar o edu-cando e, por conseguinte, oferecer ações que propiciem seu progresso na aprendi-zagem. Perrenoud (1999) destaca a dimensão formativa da avaliação, que viabiliza o desenvolvimento de competências e habilidades de cada sujeito aprendiz a partir de situações pedagógicas inovadoras. Saul (1994) enfatiza a avaliação emancipa-tória, que significa a abertura para o processo democrático do ato de avaliar no contexto escolar. Por fim, Moretto (2003) analisa os instrumentos avaliativos, mais especificamente a prova, que podem servir como forma de conhecer as reais di-ficuldades do educando se forem trabalhados numa dimensão construtivista, ou seja, não no sentido de provocar tensão ou medo, mas de propiciar questões que conduzam o aluno à reflexão crítica do conhecimento científico articulado a sua própria realidade.

Contudo, nos encontros pedagógicos e formações continuadas, as escolas pou-co discutem as ideias desses autores, e com isso, tornam-se impotentes na orga-nização do trabalho pedagógico, em suas ressignificações, na elaboração de nova roupagem para o currículo e, principalmente, no estabelecimento de uma íntima relação entre ensino-aprendizagem.

Sendo assim, a concepção avaliativa deve ser fundamentada para o aprimo-ramento da prática pedagógica como forma de evitar a concepção de poder no desenvolvimento e efetivação das ações avaliativas, na medida em que “quem tem o poder de avaliar também tem o poder de legitimar ou de condenar o pensamen-to avaliativo” (HADJI apud GUIMARÃES, 1994, p. 79). A relação avaliador-avaliado é vivida, nessas condições, como uma relação de combinação hierárquica.

Com isso, a prática avaliativa deve estimular, favorecer e programar uma ação subsequente que resulte em um processo mais prazeroso, em que a prática do pro-fessor vai se aperfeiçoando na medida em que ele vai se tornando também um

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professor observador, mediador e avaliador de si e do outro, pois já não confunde mais o ser justo com o usar de rigidez. Thereza Penna Firme afirma que “justo é ter bom senso e rigidez é fazer o juízo na base de regras expostas que deve seguir, com base no conteúdo programático exposto pela escola” .2

Nesse aspecto, é importante aprimorar o conhecimento sobre a Educação de Jovens e Adultos, o que é um compromisso de todos, principalmente quando este é adaptado de acordo com as mudanças e as transformações de mundo, como re-trata Silva (2007, p. 25): “as instituições de ensino têm que viver uma dinâmica de metamorfose, de significados, pois devem caminhar de acordo com as transforma-ções sociais”. Por esse motivo, deve-se dar importância, nas discussões referentes à avaliação, às questões fundamentais na formação do educando e às alternativas metodológicas na prática dos educadores. Contudo, é válido ressaltar:

O problema da avaliação é muito sério e tem raízes profundas: não é problema de uma

matéria, série, curso ou escola; é todo um sistema educacional, inserido num sistema social

determinado, que impõe certos valores desumanos como o utilitarismo, a competição, o

individualismo, o consumismo, a alienação, a marginalização, valores estes que estão in-

corporados em práticas sociais, cujos resultados colhemos em sala de aula, uma vez que

funcionam como “filtros” de interpretação do sentido da educação e da avaliação (VAS-

cOncellOS, 2000, p. 14).

A avaliação, nessa perspectiva, tem consolidado uma prática centrada apenas na reprodução do saber, por meio da qual se tem estabelecido uma relação frag-mentada entre o que o aluno aprende e o que a escola ensina. Fato este que faz da avaliação algo que tem um fim em si mesmo, viabilizando a aprendizagem como um processo marcadamente mecanicista.

Se se resolver o problema da avaliação, se todos fizerem uma avaliação bem–feita, estará

resolvida a questão da qualidade do ensino. estas afirmações acabam fazendo parte do

ideário dos educadores e até mesmo do senso comum. A avaliação deve ser melhorada

sim, mas dentro do conjunto das práticas educativas do qual ela se faz parte. Sem isto, não

tem sentido trabalhar especificamente sobre a avaliação (SAUl, bases birene.br).

Partindo desse pressuposto, a escola deve vivenciar uma ação integrada en-volvendo administração, supervisão, orientação educacional e educadores, a fim de atender e detectar as necessidades singulares de cada aluno, com práticas que atendam às necessidades dos mesmos, sempre atenta à diversidade: é atribuição

2. Fonte: extraído da videoconferência sobre os Avanços da Avaliação no Século XXi — ieSD.thereza penna Firme é phD, educadora e psicóloga; formação acadêmica no campo da Avaliação; mestre em psicolo-gia educacional; mestre em educação; Doutora em psicologia da educação e do Adolescente.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

do professor considerar a especificidade do sujeito, analisar suas potencialidades e avaliar a eficácia das medidas adotadas.

A importância das linguagens cotidianas para o currículo escolar

Na prática que vivenciei, pude ter como exemplo a importância das linguagens cotidianas. Se o objetivo é formar cidadãos capazes de interagir no mundo e trans-formá-lo, assumindo assim suas próprias ações, o estudo das linguagens tem um papel fundamental para o currículo escolar em Educação de Jovens e Adultos, pois quem produz linguagens consegue vivenciar essa produção em qualquer situação de vida, na medida em que qualquer aprendizagem só é possível por meio da lin-guagem, que formaliza todo conhecimento.

A linguagem em si atinge as mais diversas áreas do conhecimento: no traba-lho, na vida doméstica, na política e nas relações do indivíduo em sociedade; assim como a avaliação, o planejamento e o conhecimento estão interligados, a lingua-gem do dia a dia não está separada desse contexto. No entanto, é até mais fácil para o professor quando ele aproveita esse momento para planejar, devido à facilidade de manter contato com os alunos. Como diz Paulo Freire, a importância do “diálogo” é ponto essencial para o conhecimento e aprendizagem na relação entre professor e aluno.

Em todos os campos da linguagem da atualidade, em plena era tecnológica, prevalecem a leitura e a escrita; daí a necessidade de ir além das paredes da escola, vivenciar o todo, o contexto de história de vida intra e extraescolar. Assim, sugere-se a oportunidade de conhecer os eixos da linguagem de modo geral, principalmente quando falada ou escrita com segurança por alunos jovens e adultos, para enfrentar qualquer preconceito linguístico.

à luz desta questão, Perini (2004, p. 55) sugere:

O que alguns chamam português certo,3 é uma língua que aprendemos na escola, com

a dificuldade que todos conhecemos, e que usamos (quando usamos) para escrever, mas

nunca para conversar. É a língua padrão do Brasil, (...) é a língua usada pelos jornais, livros

técnicos, revistas e a maior parte da literatura. portanto, tem seu lugar seguro no ensino, e o

ideal seria que toda a população a conhecesse, a ponto de usá-la com certa facilidade.

3. O grifo é nosso.

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O preconceito linguístico existe principalmente relacionado às pessoas que não possuem uma escolaridade, pois a língua sofre variações de uma região para outra ou de um país para outro, havendo diferença quando falada por um homem ou por uma mulher, por um adulto ou por uma criança. Existem as variedades linguísticas, assim como as diversidades de gênero, etárias, socioeconômicas, de nível de instru-ção etc. Essa diversidade se dá no cotidiano de cada pessoa e de cada aluno de EJA e, necessariamente, precisa ser enfatizada e sistematizada para o aprimoramento da aprendizagem escolar.

Considerações finais

O estudo sobre o tema evidenciou um desafio para o qual a escola e os profes-sores têm que se dispor a encontrar uma solução, pois toda proposta pedagógica só terá sucesso se o professor agir como pesquisador, sempre incentivando o aluno ao progresso.

Falta de conhecimento! Desestímulo! Descompromisso! O que leva um educa-dor a ficar alheio a esses conhecimentos? As oportunidades são inúmeras, basta refletir conscientemente para se tornar um educador compromissado com a Educa-ção de Jovens e Adultos. Educação precisa ser ativa, intervir, questionar, problema-tizar numa abordagem que evidencie contextos e aspectos específicos, ao mesmo tempo sabendo que a escola impregnada por questões de poder, pode resistir a argumentos teóricos válidos e sabendo do compromisso real que a palavra currícu-lo tem com a vida cotidiana.

Assim, esperamos que a experiência descrita neste artigo sirva de exemplo para muitos educadores que hoje, em tempo de mudanças, ainda permanecem com os olhos vendados, já que é hora de tirar essa venda e se tornarem educadores cons-cientes, compromissados com o futuro de todos os seus educandos.

Um passo para essa mudança pode estar na adoção de uma avaliação que prio-rize a formação integral do aluno, que considere suas formas de pensar e agir que enriqueça e colabore com o processo de construção do conhecimento.

Refletir sobre a avaliação é importante porque ela é uma prática educacional necessária para que se meça a qualidade da aprendizagem do aluno, do ensino do professor e das ações da escola como um todo no sentido de uma educação emancipatória.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

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Diagnosticar saberes significativos ao aluno ou simplesmente avaliar

Marlucia Oliveira do Carmo Azerêdo*

RESUMOAvaliaréumatoderespeitoàsdiferenças,por-tantonãopodemosterumaavaliaçãofechadaepredeterminadaporprofessores.Precisamosaprenderqueexistemváriosníveisdeaprendi-zagemdentrodoambienteescolare,porisso,temosquesabercomoavaliaraspeculiarida-dessemprejudicardeterminadoaluno.

PAlAVRAS-CHAVE:Avaliaçãodiagnóstica; avaliaçãosignificativa;avaliação/flexibilidade.

ABSTRACTEvaluation is an act of respect for differences; so we cannot have a closed and predetermined assessment by teachers. we must learn that there are various learning levels within the school environment and, therefore, we must know how to evaluate the peculiarities without hurting a specific student.

KEYwords: diagnostic evaluation; meaningful evaluation; assessment/ flexibility.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

*Acadêmica do curso de licenciatura Plena em Pedagogia e professora da rede munici-

pal de ensino, atuando hoje com o primeiro ano do Ensino Fundamental.

Avaliar é levar em conta as diferenças entre os estudantes. Para que esse ato seja cada vez mais significativo para o aluno, o docente da Educação de Jovens e Adultos precisa trabalhar as peculiaridades de cada um. Ele não pode lançar mão de uma mesma avaliação todos. De inteira responsabilidade do professor, o ato de avaliar deve ser ao mesmo tempo, diagnóstico, significativo e reflexivo.

O ato de avaliar é muito presente na vida de quem trabalha no âmbito educa-cional. Atualmente, um dos objetivos primordiais da educação é formar pessoas que consigam compreender seu próprio mundo, cidadãos que sejam capazes de refletir sobre seus atos, compreendendo a melhor forma de agir perante os proble-mas sociais e familiares.

Hoje, no Brasil, a procura por cursos que possibilitem a aquisição da escolari-dade básica ou sua complementação nos níveis de Ensino Fundamental e Médio por parte de jovens e adultos vem aumentando significativamente. Essa procura aumenta a cada ano e a conclusão a que chegou é a de que os professores estão cada vez mais se aperfeiçoando e procurando entender o processo de construção do conhecimento dos estudantes de EJA.

Vejo que, a cada ano, discentes estão ajudando a melhorar uma modalidade de ensino voltada para aqueles que por algum motivo deixaram a escola, em determi-nado momento da vida se viram excluídos do processo regular do ensino formal e agora se sentem cobrados pela sociedade com relação à exigência da escolaridade básica. Isso vem sendo confirmado com a Lei 9.394/1996, que garante o ensino a es-sas pessoas que, por um motivo particular, não tiveram a possibilidade de concluí-lo em tempo regular.

Não podemos fechar os olhos para uma realidade que é cada vez mais frequen-te no cotidiano escolar, pois percebemos cada vez mais a procura por parte dos jovens e adultos por vagas nas escolas para retomarem seus estudos. A Educação de Jovens e Adultos apresenta peculiaridades, e por motivos como o compromisso com filhos e trabalho, e até mesmo com os problemas de base que ainda não foram resolvidos, precisamos ter um olhar bem atento para avaliar essa clientela.

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Diagnosticar saberes

significativos ao aluno ou

simplesmente avaliar

não podemos ignorar que, no Brasil, problemas de base ainda não foram resolvidos e, por-

tanto, diante de constantes transformações tecnológicas na conquista do conhecimento,

convivemos com o analfabetismo sem condições de interação com perfis sociais e econô-

micos mais modernos (picOneZ, 2003, p. 27).

Devemos avaliar nosso alunos pensando na inclusão, “entendida como partici-pação crescente na vida social, política e econômica do país” (PICONEz, 2003, p. 27), cabendo ao professor o papel de mediador da aprendizagem do discente, em vez de apenas apontar suas dúvidas e dificuldades.

Deve-se procurar conhecer as dificuldades dos alunos para então usá-las de for-ma construtiva, de modo que a aprendizagem possa ser significativa e mais próxima da realidade de cada sujeito, respeitando o ritmo e o modo de aprender de cada um.

O docente precisa utilizar estratégias de avaliação que o levem a perceber o modo como seu aluno constrói conhecimentos, seja através da participação nos debates em classe, nas atividades escolares ou na vida familiar e social, mo-tivando sua autoestima de forma que esta prevaleça sobre os problemas que en-frenta na sociedade.

Esse aluno precisa se sentir parte integrante de sua sociedade, alguem que cumpre obrigações de cidadão, que defende seus direitos, pois só então ele conse-guirá perceber que já é membro desta. Acredito que o professor pode ajudar muito o educando, estimulando valores e habilidades para que ele possa refletir sobre suas atitudes perante os obstáculos do seu cotidiano.

Para Luckesi (2005, p. 28), “a avaliação educacional, em geral, e a avaliação da aprendizagem escolar, em particular, são meios e não fins em si mesmos, estando assim delimitadas pela teoria e pela prática que as circunstancializam”.

Nesse sentido, cabe ao professor ter o entendimento da dimensão do processo da avaliação, observando a construção do conhecimento dentro da modalidade de ensino em que atua. Segundo Gadotti (2003, p. 16), “crianças e adultos se envol-vem em processos educativos de alfabetização com palavras pertencentes à sua experiência existencial, palavras grávidas de mundo. Palavras e temas”. O educador deve perceber esse envolvimento para que não infantilize o processo educativo do adulto. à medida que sujeitos sociais, educandos marcados pela heterogeneidade, se envolvem plenamente no processo de construção do conhecimento, precisam estar bem orientados sobre como se dá esse processo para que não se sintam infe-

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Diagnosticar saberes significativos ao aluno ou simplesmente avaliar

riores nem superiores aos demais colegas de classe, uma vez que a aprendizagem ocorre de forma específica para cada pessoa.

Percebemos que os jovens e adultos têm realidades e experiências distintas das das crianças. O professor, ao utilizar uma atividade infantilizada na EJA, acaba tornando sua aula desinteressante e, consequentemente, avaliando seu aluno de maneira equivocada.

Esse equívoco ocorre quando o professor não percebe que a clientela com a qual trabalha não gosta da forma como as atividades estão sendo administradas. Não é o conteúdo em si que não interessa, mas a maneira como é repassado a essas pessoas, o que leva o professor a realizar uma avaliação que não é clara nem objetiva, deixan-do parecer “injusta” ao apontar os erros; isso não ajuda seus alunos no sentido de um crescimento cognitivo e pessoal. Não é esse tipo de avaliação que queremos para nossos alunos da EJA, mas sim uma avaliação que os leve a refletir sobre seus avan-ços e suas dificuldades na construção de seus conhecimentos, atitudes e valores.

A avaliação precisa ser um processo constante no aprendizado, devendo ser realizada a todo instante, com a percepção dos avanços e das dificuldades de cada aluno.

Não podemos julgar o aluno da EJA sem antes conhecer o mundo que o cerca, e, para que realmente ocorra uma avaliação justa, o professor deve perceber as dife-renças e limitações de cada um dentro de sala, sendo que essas limitações possibili-tam ao educador traçar os pontos que devem ser avaliados em sua aula.

O planejamento facilita a construção de uma avaliação significativa, pois, no momento em que o professor planeja, deve pensar em cada aluno de forma a levar em consideração a individualidade do mesmo para que não ocorra uma avaliação generalizada e formatada de modo a prejudicar determinado aluno.

em 1988, surge a carta magna, em que pela primeira vez na história da educação Brasileira,

consagra a obrigatoriedade e gratuidade do ensino fundamental para todos os brasileiros,

transformando-o em “direito público subjetivo”, independentemente da idade do candi-

dato. Ou seja, a educação de Jovens e Adultos, marginalizados ou excluídos da escola

na idade própria, integra-se no sistema educacional regular de ensino, observando-se,

evidentemente, as especificidades didático-pedagógicas para a clientela-alvo (GADOtti,

2003, p. 44).

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Hadji (2001, p. 86-87) indaga: “O que é, efetivamente, ensinar, senão ajudar alu-nos a construir os saberes e competências que a frequência nas disciplinas escolares apela e cuja construção permite?” É essa avaliação de construção de conhecimentos que os profissionais da educação da EJA devem perseguir, os objetivos da avaliação destinada a esses alunos, pois como avaliar esse aluno se não levamos em conta sua vivência? Como conseguirão associar os conteúdos a sua realidade? Todos esses pontos devem ser levados em consideração pelo professor na hora de avaliar seus alunos. queremos que os educadores se empenhem em uma avaliação que faça com que o aluno da EJA reflita sobre o que e como está aprendendo, para que seus conhecimentos se tornem realmente significativos.

A avaliação deve ter sentido na vida de qualquer aluno, por que não ter sentido para os alunos da EJA? Será que esse ponto primordial no processo ensino-apren-dizagem não tem sentido na vida escolar dessas pessoas? Ou será que nossos pro-fessores, hoje, não estão preocupados em querer que seus alunos compreendam como se dá a construção de seus saberes? Acredito ser de inteira responsabilidade do educador conhecer as peculiaridades de cada um de seus alunos para que o pro-cesso de construção do saber se dê de forma clara, para que o aluno possa associar suas aprendizagens à realidade de vida, uma vez que estudam para serem incluídos em uma sociedade preconceituosa, que discrimina quem não sabe ler e escrever.

É importante que o professor da EJA reflita sobre tais fatos para que tenha clare-za da dimensão da especificidade do trabalho com essa modalidade de ensino.

De acordo com Hoffmann (2006, p. 11), “algumas vezes, ocorre a educadores conscientes do problema apontar aos alunos as falhas do processo, criticá-las a contento e profundidade, exercendo, entretanto, em sua sala de aula, uma práti-ca avaliativa improvisada e arbitrária”. Cabe a nós, educadores, refletir sobre essa prática improvisada – será que estamos avaliando nossos alunos como realmente merecem? Ou será que estamos realizando uma avaliação arbitrária? Devemos re-fletir sobre essa prática para que não tracemos uma avaliação errada sobre o apren-dizado de nossos educandos. Precisamos avaliar de forma a estimulá-los cada vez mais na construção dos conhecimentos, para que possam sentir-se construtores de seus aprendizados.

Somos frutos de uma prática autoritária e precisamos refletir sobre nossa prática para não reproduzir aquela. Mesmo não sendo tarefa simples, temos que pensar sobre que pessoas queremos formar, pois cabe a nós, educadores, traçarmos

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significativos ao aluno ou

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objetivos, como mediadores do processo ensino-aprendizagem, para realizarmos uma avaliação correta dessa construção de conhecimento que é tão importante para os alunos.

Segundo Hoffmann (2006, p. 58), “para analisarmos a perspectiva da avaliação como uma ação mediadora, de fato, é preciso partir da negação da prática atual quanto ao seu caráter de terminalidade, de obstrução, de constatação de erros e acertos”. O professor precisa ver seus alunos como construtores do seu próprio pro-cesso educacional, dos quais seremos mediadores e não julgadores. Temos que ter claro que o ato de avaliar vai muito além do ato de detectar erros no aprendizado dos alunos. Avaliar não é julgar a construção de saberes, e sim, compreender a for-ma como os alunos constroem seus conhecimentos. O professor precisa entender que não cabe a ele querer repassar informações prontas e acabadas para que seus alunos decorem conteúdos ou fórmulas. Ele precisa mediar a aprendizagem de for-ma prazerosa e criativa, pois assim cada aluno construirá seus próprios conceitos, tornando o aprendizado bem mais significativo.

O professor precisa trabalhar o ”erro” do aluno de forma construtiva; assim, o educando não terá medo de inovar, tentar criar, pois terá certeza de que suas di-ficuldades serão trabalhadas da melhor forma, de modo a garantir seus avanços e conquistas.

para o profissional em atividade, avaliar significa em primeiro lugar escolher exercícios,

provas, aos quais submeter os alunos. Quando um professor interroga-se sobre a maneira

como poderá apreciar os conhecimentos de seus alunos, encontra-se diante de uma pri-

meira escolha: avaliação oral ou escrita? É a questão das condições do “teste” que surge pri-

meiramente. construir um dispositivo de avaliação consiste precisamente em determinar

essas condições (HADJi, 2001, p. 77).

Vejo que não precisamos marcar dia e hora para avaliar nossos alunos, uma vez que o aprendizado se dá a todo instante – então por que data marcada? Será que achamos que determinando dia e hora nossos alunos estarão mais ou menos pre-parados para serem avaliados? Vejo que, agindo assim, só prejudicaremos nossos educandos, pois, a meu ver, precisamos, sim, avaliar nossos alunos, mas uma avalia-ção que vise à melhora dos mesmos, para que eles próprios possam perceber suas dificuldades e conquistas; desse modo, até mesmo o ato de avaliar será bem mais significativo na vida do aluno. Este só conseguirá ter uma aprendizagem prazerosa se sentir-se seguro para expor suas ideias.

Diagnosticar saberes significativos ao aluno ou simplesmente avaliar

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Essa busca deve ser mediada pelo professor de forma clara e coesa, com o único intuito de ajudar o aluno nesse processo de construção de conhecimento. Tal bus-ca deve se tornar um momento de prazer e de segurança entre aluno e professor, uma vez que o aprendizado deve ser construído de forma clara e em torno de uma confiança recíproca.

Para Luckesi (2005, p. 18), “o sistema de ensino está interessado nos percentuais de aprovação/reprovação do total de educandos”. No sistema público de ensino, que atende a EJA, a situação não é diferente. Precisamos mudar essa realidade, de-vendo ir muito além da preocupação com dados estatísticos. Portanto, a qualidade dessa aprovação deve ser levada em conta.

Não podemos deixar o ensino perder sua natureza de promover a construção do aprendizado. E para que isso ocorra, precisamos conscientizar nossos alunos do papel que desempenham na sociedade como sujeitos críticos.

De acordo com Luckesi (2005, p. 32), “a avaliação educacional será assim, um instrumento disciplinador não só das condutas cognitivas como também das so-ciais, no contexto da escola”. É nessa perspectiva que o professor deverá trabalhar.

O ato de avaliar o aluno da EJA é antes de tudo refletir sobre a pessoa que es-tamos avaliando. Devemos levar em conta que essa pessoa adulta ou jovem, pre-sente nos bancos escolares, cursando ainda o primeiro ciclo da educação básica, por exemplo, já tem toda uma história de vida anterior, não cabendo a nós, como mediadores da construção de conhecimento, julgá-los.

Sabemos que o professor, como mediador do conhecimento, deve utilizar-se de várias técnicas e estratégias para fazer com que seu aluno consiga aprender não apenas para o dia da “prova”, mas para a vida, o que muitos de nossos colegas pro-fessores ainda não se deram conta, ou seja, não fazem.

preocupam-se sobremaneira em atribuir nota 7 ou 7, 5, enquanto relegam a último plano

os sérios problemas de aprendizagem. perdem o sono por tais problemas imaginários ao

invés de se deterem em problemas verdadeiramente reais de aprendizagem (HOFFmAnn,

2006, p. 45)

O professor, como mediador da aprendizagem, deve agir de forma que o aluno possa interagir na construção do seu próprio conhecimento, estimulando, assim, uma presença significativa nas salas de aula.

Diagnosticar saberes

significativos ao aluno ou

simplesmente avaliar

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Diagnosticar saberes significativos ao aluno ou simplesmente avaliar

nesse contexto mais técnico, o elemento essencial, para que se dê à avaliação educacional

escolar um rumo diverso ao que vem sendo exercitado, é o resgate da sua função diag-

nóstica. para não ser autoritária e conservadora, a avaliação terá de ser diagnóstica, ou seja,

deverá ser o instrumento dialético do avanço, terá de ser o instrumento da identificação de

novos rumos. enfim, terá de ser o instrumento do reconhecimento dos caminhos percorri-

dos e da identificação de novos caminhos a serem perseguidos (lUcKeSi, 2005, p. 43).

A avaliação deve ser realizada ao longo de todo um processo educativo, visando à dinâmica dos grupos em sala e sempre respeitando a individualidade de cada aluno.

O educador deve proporcionar que a avaliação se torne parte integrante do processo de construção dos saberes. Desse modo, ele estará abrindo espaço para que seus alunos possam criar novas estratégias que possibilitem o enriquecimento do desenvolvimento educativo.

Com esse olhar mais amplo, não avaliamos apenas se o aluno sabe ou não, ava-lia-se todo o desenvolvimento, tanto do educando como do próprio professor, que é parte integrante do processo de construção de saberes.

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REFERÊNCIAS

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Diagnosticar saberes

significativos ao aluno ou

simplesmente avaliar

Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

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Avaliar: um ato político que poderá levar à transformação social

Pe. Bruno (Francisco Edson Garcês Carneiro Lira)*

RESUMO

Opresenteartigofazumestudosobreospro-cessosdeavaliaçãoescolar,sobretudopensan-donosalunosdaEducaçãodeJovenseAdultos(EJA),que,namaioriadasvezes, jápossuemcertabagagemcultural,mesmoqueesta sejaprovenientedosensocomum,oquedeveráserressignificado nas práticas pedagógicas. Nos-sotextotambémapresentaarelaçãoentreaspráticasdaEscolaTradicionaleoaluno.Pro-põe-seumaavaliaçãoapartirdosestudosdeluckesi,HoffmanneHadji:diagnóstica,prog-nósticaequalitativa.Sugerimosumcurrículomulticulturalqueabranja todasasdimensõesdaintegralidadedoserhumano:afísica,sen-sorial,emotiva,mentaleespiritual,emqueoensinosejacontextualizadoedirecionadoparaatransformaçãosocial.

PAlAVRAS-CHAVE:Avaliação;EducaçãodeJo-venseAdultos;replanejamento;ensino-apren-dizagem;transformaçãosocial.

ABSTRACT

This paper is a study of the school evaluation processes, particularly related to Youth and Adult Education students, which in most cases, already have some cultural baggage, even if it comes from common sense, which must be reinterpreted in the teaching practices. Our text also presents the relationship between Traditional School practices and the student. It proposes a diagnostic, prognostic and qualitative evaluation based on the studies of Luckesi, hoffmann and hadji. we suggest a multicultural curriculum that covers all dimensions of the whole human being: physical, sensory, emotional, mental and spiritual, in which education is contextualized and directed toward social transformation.

KEYwords: Evaluation, Youth and Adult Education; re-planning, teaching and learning; social transformation.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

O ato de educar nasceu junto com o desenvolvimento do próprio ser humano, que se preocupou em ensinar aquilo que aprendeu e o que há de mais importante para a ser identificado como determinado povo e com culturas que lhe são pecu-liares. Portanto, quando se fala em ensinar, não se deve pensar apenas na sua mo-dalidade formal de escola com salas de aula, materiais pedagógicos, currículos e professores, mas também vale considerar a “escola da vida”.

Mesmo na aprendizagem informal, a atitude avaliativa está presente durante todo o processo, pois só temos certeza daquilo que aprendemos quando avalia-mos, ou seja, quando nos deparamos com um determinado problema e, partindo de várias estratégias, chegamos a uma solução. Também dentro das práticas formais de ensino-aprendizagem a atitude avaliativa deverá redimensionar todo o percurso na direção de uma real aprendizagem. Nesse contexto, a prática das avaliações de-verá ser uma constante, pois dela dependerá todo o sucesso do trabalho docente com relação a uma real aquisição dos novos conhecimentos por parte dos alunos. O professor, aquele que avalia, deverá ser portador de uma atitude que é peculiar à sua profissão: ensinar, fazer com que os alunos aprendam, e não apenas reprovar e mostrar superioridade, pois o verdadeiro sábio será um eterno aprendiz.

Sabe-se que, semanticamente, avaliar difere de corrigir, que seria apenas uma contagem de erros que sempre classifica ou desclassifica. A escola tradicional, ten-do por base a doutrina behaviorista, em vez de realizar uma real avaliação, sempre fez exames, provas, muito mais com a finalidade de aprovar ou reprovar do que avaliar processos de aprendizagem. A esse respeito Lira (2006, p. 111) comenta:

para Skinner, fundador da teoria behaviorista (comportamentalista), o aluno é condicio-

nado a partir de estímulos externos a dar uma resposta. esse estímulo seria uma espécie

de reforço (positivo ou negativo), dependendo da realização ou não da aprendizagem.

esta teoria está centrada no treino, eliminando toda a possibilidade de reflexão. Frederic

Skinner, preocupado com a aprendizagem em geral, propõe uma teoria comportamen-

talista a partir de condicionamentos. O indivíduo é apresentado como um autômato, um

robô, cujo comportamento é modificado por meio de um conjunto de estímulos e respos-

Avaliar: um ato político que poderá levar à transformação social

* Graduado em Filosofia e Teologia pela Escola Teológica do Mosteiro de São Bento de Olin-

da – PE; fez licenciatura plena em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Mestre em Ciências da Linguagem pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).

Atualmente, é o supervisor pedagógico da Educação de Jovens e Adultos (EJA) do SESC –

Santo Amaro (Recife - PE) e professor-adjunto dos cursos de Gerenciamento de Redes, Admi-

nistração de Empresas e Ciências Contábeis da FAPE IV (Faculdade Pernambucana).

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Avaliar: um ato político que

poderá levar à transformação

social

tas, ignorando-se, totalmente, a consciência e os estados mentais. em suas experiências

com ratos, observou que eles, ao receberem determinado estímulo, mudavam de compor-

tamento e aprendiam. esse processo era estimulado pelo reforço, que podia ser positivo

(como ofertas de queijo) ou negativo (como deixá-los com fome, mas sem chegar a ser um

sofrimento físico, opondo-se, assim, à punição).

Pode-se dizer que esta ideia de condicionamento operante também se aplica ao ato de avaliar de maneira tradicional, ou seja, o aluno “aprende” porque é condi-cionado pelos estímulos. quem não se lembra dos bolos com palmatória (reforço negativo) ou das notas coroadas de estrelinhas e dos chocolates que ganhávamos de nossas professoras (reforço positivo)? Esse tipo de método não prova a verdadeira aprendizagem, pois o condicionamento, com o passar do tempo, fica no esqueci-mento, enquanto que a aprendizagem real leva à solução de vários tipos de proble-mas em contextos multiformes. Lembramos ainda do que diz o autor (2007, p. 26).

Sendo assim, o professor que opta por esse estilo de prática pedagógica é um treinador.

na década de 70, todos nós lembramos daqueles prêmios que recebíamos, quer dos pro-

fessores ou dos pais, quando tirávamos boas notas ou apresentávamos bons exercícios.

esses prêmios funcionavam, ou ainda hoje podem funcionar, como um reforço positivo,

enquanto o castigo aparece como modo de punir os supostos “erros”.

Tais erros deveriam ser um indicador positivo daquilo que precisa ser modifica-do na prática pedagógica. O erro otimizado leva os professores a descobrir em que lugar e em qual momento deverão redimensionar o seu trabalho docente para que o aluno aprenda. O aluno errou porque tentou acertar, buscou estratégias para isso, e se tentar novamente, de outros modos, com certeza acertará.

Fazemos, portanto, uma relação entre o currículo tradicional estereotipado, lo-cal das escolhas do professor e das ideologias políticas do momento, e esse modo de avaliação que oprime, condena e que leva o aluno a ser um reprodutor dos livros didáticos e dos professores: o que chamamos “cultura de caderno”. O aluno não con-seguirá ir além dos apontamentos tirados do quadro na sala de aula e dos exercícios sem desafios do livro didático, na maioria das vezes, descontextualizados. A respei-to disso, Silva (2004, p. 36) informa-nos:

A função de sistema educativo não se restringe a apenas garantir a entrada e a perma-

nência dos aprendentes na escola e lhes oferecer merenda. Seu desafio maior está em

possibilitar as condições necessárias para que haja aprendizagens de qualidade social. A

partir desse ponto de vista, é relevante superar as aprendizagens mecânicas, baseadas nas

memorizações, na repetição, na reprodução e na cópia.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Avaliar: um ato político que poderá levar à transformação social

Como sabemos, o perfil do alunado dos cursos de Educação de Jovens e Adul-tos (EJA) é bem diversificado devido aos vários contextos de procedência de cada um. Há aqueles que estão ali porque provêm de várias reprovações e pela vontade dos pais, e não a sua, de que estudem naquele momento. Outros casos, mais mo-tivadores, são aqueles de pessoas que passaram anos sem estudar porque tiveram que trabalhar na tenra idade e agora, por motivos trabalhistas ou por já exercerem determinada profissão, desejam, realmente, estudar para aplicar os conhecimentos adquiridos em suas próprias vidas. Nesse grupo encontramos um campo fértil para unir a teoria à prática.

A partir das reflexões de Cipriano Luckesi, Jussara Hoffmann e outros, o para-digma da avaliação tem se modificado e se mostrado mais diagnóstico-qualitativo, levando professores e alunos a se autoavaliarem e estabelecendo juízos de valor e uma consequente tomada de decisões. Aqui os conhecimentos prévios dos alunos são sempre valorizados, e o conhecimento é construído em cima daquilo que já se sabe e pratica. Baseando-nos nessa premissa, inferimos que a avaliação deverá ser contínua, estabelecendo constantes reestruturações da prática docente e do currículo sempre em favor da real, e não maquiada, aprendizagem. O teórico fran-cês Charles Hadji, na sua avaliação desmistificada, apresenta a avaliação qualitativa centrada no aluno como prognóstica, ou seja, o professor, partindo das singularida-des de cada um, já prevê resultados e antecipa (refaz) as suas práticas avaliativas.

quanto ao aspecto dos conhecimentos prévios pensamos como Hoffmann (1998, p. 135):

Há muito que refletir sobre cada momento de aprendizagem de um aluno: sobre suas con-

cepções prévias, seu saber construído a partir de experiências de vida, sobre sua forma de

expressar tais conhecimentos, sobre suas possibilidades cognitivas de entendimento das

questões formuladas, sobre desejos e expectativas em termos do conhecer. refletir sobre

essas diferenças e múltiplas dimensões do conhecimento é a tarefa do avaliador. não para

encontrar respostas definitivas ou absolutas, mas para delinear caminhos, estratégias de

aprendizagem, para formular novas perguntas que complementem e enriqueçam suas hi-

póteses iniciais, para desenvolver uma ação de reciprocidade com o seu aluno, no sentido

de ensiná-lo e, ao mesmo tempo, aprender com ele.

É nesse sentido que o educador estará sempre revendo as suas práticas. Tendo por base aquilo que o aluno já sabe, seu perfil social, seu tempo para aprender. Vemos aqui, claramente, que nenhum currículo poderá estar engessado, e sobre-tudo os de EJA, devido aos vários níveis cognitivos de seu público. O termo grade curricular cada vez mais deverá ser substituído por matriz ou proposta curricular,

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já que está em constante mutação a partir das observações avaliativas. Neste mo-mento, não poderíamos deixar de mencionar, ainda, Silva (2007), que, ao dialogar com Giroux, Derrida e outros, sugere a construção de um currículo multicultural em que se respeitem as identidades dos alunos, em nosso caso, os de EJA, sobretudo no que concerne a etnia, raça, credo religioso, variedades linguísticas... Estando o processo avaliativo atrelado às práticas de ensino e ao currículo não se poderá es-quecer, em sua construção, da diversidade cultural de nossos alunos; entendendo cultura também como os determinados pontos de vista dos alunos, sempre a partir de um lugar social.

Conforme o mesmo autor, em um processo de construção de currículo dever-se-á levar em consideração o discurso do saber, do poder e da formação de subje-tividades. Nesse sentido, vê-se que, embutidas nas propostas curriculares estão as ideologias e crenças. Assumimos para a EJA uma proposta curricular pós-crítica que busca contemplar o ser humano como um todo e, por isso mesmo, a avaliação tam-bém deverá considerar todas as dimensões da integralidade do homem: a física, sensorial, emotiva, mental e espiritual.

Todo processo avaliativo, desse modo, liga-se à construção curricular, a qual de-verá ter mobilidade de acordo com o perfil de cada aluno, por isso faz-se necessário perguntar: o que avaliar? Para quê? Por quê? Como? As três primeiras indagações si-tuam-se naquilo que é significativo para o aluno a fim de que possa intervir em seu contexto social e, consequentemente, na transformação da realidade. No que se refere aos aspectos metodológicos (o como), deve-se atentar para os vários instru-mentos avaliativos: trabalhos, projetos, provas, observação da capacidade criativa.

O ensino, portanto, deverá ser contextualizado, aplicado às diversas realidades, tornando-se cada vez mais significativo para as existências dos alunos, que, por sua vez, deverão agir em busca da autenticidade, ou seja, do conhecimento seguro, que dará firmeza às verdadeiras teorias e não somente a modismos. Nesse sentido, professores e alunos deverão estar em constante conversação, sempre abertos às novas aprendizagens.

O acompanhamento do desenvolvimento de um aluno (o seu processo avaliati-vo) ocorre a partir da visualização por parte do professor (parceiro do ato educacio-nal) dos conceitos formulados e reformulados, por meio de várias ações educativas e com diversos instrumentos. Dessa perspectiva, Hoffmann (1998) diz que essas ações educativas deverão ser desafiadoras, com tarefas de aprendizagem sucessi-vas e gradativas, permitindo ao professor o acompanhamento dos graus de evolu-

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ção do pensamento do aluno em diferentes áreas do conhecimento. E afirma que “não há sentido em procedimentos avaliativos quantitativos e que visem à soma de resultados parciais (médias de aprendizagem), mas processos analíticos e qualitati-vos, uma vez que a evolução do conhecimento não se dá por etapas que se somam, mas pelo ultrapassamento, pela superação”.

Voltando para a perspectiva avaliativa conforme a proposta de Luckesi (2003), gostaríamos de enfatizar a total relação existente entre o ato de avaliar, o planeja-mento e o replanejar. A respeito disso, ele mesmo diz:

planejamento e avaliação são atos que estão a serviço da construção de resultados satis-

fatórios. enquanto o planejamento traça previamente os caminhos, a avaliação subsidia os

redirecionamentos que venham a se fazer necessários no percurso da ação. A avaliação

é um ato de investigar a qualidade dos resultados intermediários ou finais de uma ação

subsidiando sempre sua melhora... A avaliação da aprendizagem necessita, para cumprir o

seu verdadeiro significado, assumir a função de subsidiar a construção da aprendizagem

bem-sucedida. A condição necessária para que isso aconteça é de que a avaliação deixe de

ser utilizada como um recurso de autoridade, que decide sobre os destinos do educando,

e assuma o papel de auxiliar o crescimento (p. 165-166).

Como vemos, a avaliação serve para redirecionar a prática pedagógica, ten-do em vista a real aprendizagem do aluno, aquela que busca resolver problemas e facilitar atitudes sociais, portanto, com função de auxílio em todo o processo de ensino-aprendizagem. De certo modo, ao se promover uma avaliação desse tipo, qualitativa e formadora, busca-se uma regulação pedagógica que acontece através de novas estratégias e caminhos a serem trilhados na busca da construção do saber. Luckesi (op. cit.) conclui afirmando que “planejamento, execução e avaliação são re-cursos da busca de um desejo. Para tanto, é preciso saber qual é o desejo e entregar--se a ele”. Esse desejo seria a ação pedagógica praticada pelos docentes na busca de resultados satisfatórios com o auxílio do planejamento e da avaliação.

Luckesi propõe uma avaliação diagnóstica como saída para o modo autoritá-rio de agir nas práticas avaliativas e como meio de auxiliar na construção de uma educação que esteja a favor da democratização da sociedade. Para ele, a avaliação se monta no seguinte tripé: juízo de qualidade; sobre dados relevantes da realida-de; para uma tomada de decisão. Demonstra, também, a dicotomia entre o tipo de avaliação conforme o modelo tradicional, em cima do medo e castigos, e aquela libertadora, que deixa a domesticação dos educandos para a sua humanização. Ele diz que a avaliação nunca poderá ficar ao arbítrio pessoal do professor e do seu estado psicológico, ou seja, daquilo que ele define como relevante ou irrelevante,

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pois é essa postura que faz aparecerem as “armadilhas” nos testes; faz surgirem as questões para “pegarem os desamparados”; nascem estes mesmos testes para “der-rubarem todos os indisciplinados”. Esse autor, portanto, vê a avaliação como um ato extremamente amoroso, por ser ato de atitude acolhedora e, através dessa acolhi-da, sobretudo por parte dos professores, todas as chagas doentias dos castigos, das classificações e reclassificações, dos exames e exclusões são efetivamente curadas.

De certo modo, a perspectiva de Hadji (2001), como já mencionada anteriormen-te com relação à avaliação desmistificada, é um pequeno acréscimo ao que preconiza Luckesi, ou seja, o professor, antes mesmo de detectar falhas no processo de ensino e aprendizagem (diagnose), já se antecipa na emissão de julgamentos e criação de novas estratégias, por isso é que propõe uma avaliação prognóstica. Segundo ele, “a validade de previsão do julgamento dos professores também expressa o fato de que ele é, em parte, produtor do sucesso ou do fracasso dos alunos, por meio desses mecanismos de ajuste dos resultados às representações” (op. cit. p. 55).

Sendo o aluno o sujeito do processo de ensino/aprendizagem, a avaliação for-mativa tem como preocupação constante pôr-se a serviço dele para integrá-lo em uma prática pedagógica no seio da qual não se anule.

Para o autor, a regulação, na avaliação prognóstica, consiste numa reorganiza-ção da ação pedagógica, trabalho esse feito pelo professor, e uma regulação meta-cognitiva, ou seja, uma atividade realizada pelo próprio aluno, que se autoavalia e vê o que já aprendeu e o que ainda falta ser verdadeiramente apreendido. Estabe-lece-se, assim, uma parceria entre o protagonista da ação educacional (aluno) e seu mediador (o professor).

Hadji ainda apresenta a avaliação formativa-reguladora como aquela que trilha por diversos caminhos metodológicos, apresentando possibilidades para reflexão e recriação por parte dos atores do processo de ensino-aprendizagem. Para tan-to, propõe que seja negociado aquilo que deverá ser avaliado: elencar objetivos construindo diversos instrumentos avaliativos, sempre interpretando as informa-ções coletadas, e refletindo sobre como poderão ser aplicadas na realidade social tendo em vista a sua transformação. Ele propõe quatro tarefas para uma avaliação prognóstica formativa que se ligam à prática do professor avaliador: desencadear comportamentos a observar; interpretar comportamentos observados; comunicar os resultados da análise e remediar os erros e as dificuldades analisados. Conforme sua proposta, nas escolas, as avaliações deverão estar a serviço das aprendizagens, tornando-se, assim, auxiliares no ato de aprender. Em um contexto de ensino, a

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Avaliar: um ato político que poderá levar à transformação social

avaliação deverá sempre contribuir para o êxito do mesmo. Portanto, a avaliação normativa e classificatória opõe-se a esta nova forma que é mais criteriosa e sempre com um objetivo a ser atingido: a aprendizagem. Enquanto a avaliação diagnóstica identifica as características do aprendiz e seus pontos fortes e fracos, a prognóstica já faz os ajustes necessários dos conteúdos programáticos para facilitar a aquisição de competências e conhecimentos por parte dos alunos. Como se observa, esse tipo de avaliação tem como preocupação constante pôr as ações pedagógicas a serviço do aluno, integrando-o como protagonista da ação avaliativa. Essa nova for-ma de avaliar constitui-se de um combate diário, pois nem sempre os nossos alunos estão motivados para o estudo e a pesquisa, daí ter de ser feito diariamente um trabalho “exaustivo” de motivação.

Existe, portanto, uma diferenciação entre avaliação institucional e a avaliação da aprendizagem, que deverá ser contínua e não tem como finalidade a imposição da nota, pois, como o próprio nome já indica, o professor observa se os alunos estão aprendendo e vai modificando as suas práticas quantas vezes forem necessárias para que ocorra a efetiva aprendizagem. Esse tipo de avaliação formativa liga-se às diferentes formas e tempos de aprender de cada aluno, fugindo totalmente da mensuração.

Como vemos, no processo de aprendizagem escolar, o ensino e a avaliação se interdependem, pois seria desprovido de sentido avaliar o que não foi objeto de ensino, e também não teria sentido nenhum avaliar sem que os resultados das ava-liações fossem refletidos nas próximas atuações pedagógicas. Desse modo um ali-menta o outro, tendo a função de desenvolver as determinadas competências nos campos que forem eleitos durante a ação docente nas determinadas áreas do saber. Sobre esse assunto Antunes (2003, p. 155-156) afirma:

na rotina de nossas atividades escolares, o fio dessa interdependência parece ter-se rompi-

do e, desse modo, avaliação e ensino nem sempre guardam essa reciprocidade. com gran-

des prejuízos para o ensino, pois, em muitos casos, a avaliação passou a ser uma espécie

de finalidade: a aula é dada para preparar a prova; o livro é lido porque “é pra nota”; a lite-

ratura é consultada porque “cai no vestibular”, e assim por diante. estuda-se para [...] “uma

prestação de contas”, que pode ser mensal, trimestral, anual no final do ciclo etc. Daí ser o

termo “cobrar” uma expressão bem corrente no discurso da escola, o que bem claramente

denuncia esse lado mercadológico do ensino. É mais do que oportuno, pois, perguntar-se

sobre os “descaminhos” da avaliação e decidir por uma mudança de rumo, mudança que

tem suas origens na revisão de nossas concepções. Sim, porque mudar, seja o que for, tem

que começar pela revisão de nossos fundamentos conceituais. Se não, muda apenas o

palavreado, muda apenas a fachada.

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social

Como vemos, Irandé Antunes comenta de maneira muito clara e objetiva o modo funcional a que as avaliações se prestaram e ainda se prestam como sen-do uma cobrança para nota, um verdadeiro mercado de “pontos”. Produz-se para receber algo em troca e não somente para aprender. Muitas vezes esses “estudos contabilísticos” levam apenas ao ato de decorar para ser esquecido com o passar do tempo, enquanto que, quando se aprende, a nota torna-se uma consequência e aquilo que foi aprendido vai para o uso concreto da vida. A mesma autora (op. cit. p. 160), ainda diz: “A avaliação, em função de sua finalidade, deve acontecer em cada dia do período letivo, pois aprendizagem também está acontecendo todo dia”.

Tomando a avaliação como um instrumento que favoreça a aprendizagem, tor-namos realidade aquelas funções da EJA já elencadas por Leôncio Soares:1 função reparadora, que consiste em sanar uma falha do passado; a equalizadora que buscar tratar todos os alunos com igualdade; e a função qualificadora, que deseja oferecer aos estudantes de EJA um ensino de qualidade que vise a sua inserção social.

A avaliação, portanto, torna-se um ato político na medida em que o professor busca oferecer aos alunos, sem exceções, verdadeiros instrumentos avaliativos que possam redirecionar as práticas pedagógicas na busca da aprendizagem. E aqui sur-ge a pergunta: para que aprender? A resposta está clara. Estudamos para a trans-formação social. Transformação esta que levará à melhoria da qualidade de vida do homem e, consequentemente, do planeta. Essa é a finalidade política das pesqui-sas, das indagações e investigações que permeiam o nosso pensar e, por que não dizer, o nosso agir.

E assim, vamos adiante para a construção do ser que transpõe o mundo do ter, das meras aparências, do espetáculo materialista-individualista passando dessas re-alidades para aquelas que vislumbram uma sociedade verdadeiramente altruísta e voltada para os interesses do coletivo.

As constantes avaliações, que visem a aprendizagens significativas, poderão levar-nos a este fim, à transformação social. Dependerá agora de cada professor e de cada aluno fazer a sua parte dentro da ação didática para termos a sociedade que tão ansiosamente esperamos.

1. in mímeo.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Avaliar: um ato político que poderá levar à transformação social

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parteIII

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Formação de educadores

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Um novo olhar à formação docente

Edilene do Socorro Almeida Dias*

ABSTRACTThis paper aims to reflect on teacher training, providing opportunities for educators to rethink, critically and significantly, the drafting, organization and execution of their teaching procedures. The theoretical support defined was developed by authors who advocate the continuing training of educators as an action strategically designed within a social context characterized by economic, social and political influences. This article aims to understand the importance of planning the political-teaching actions experienced in the permanent training of educators in the different educational levels, taking into consideration that the absence of public policies gives rise to a lack of motivation for a change of paradigms, and thus a disconnection between theory and practice remains in the context of educational practices and teacher planning.

KEYwords: Education; teacher training; planning.

RESUMOEste trabalho tem por objetivo refletir sobrea formação docente, oportunizando aos edu-cadores um repensar crítico e significativosobre a elaboração, organização e execuçãodeseusprocedimentospedagógicos.Oaporteteóricodefinidofoideautoresquedefendemaformaçãopermanentedoeducadorcomoumaaçãopensadaestrategicamente,dentrodeumcontexto social caracterizado por influênciaseconômicas, sociais e políticas. Este artigoteve comoobjetivo compreender a importân-cia de planejar as ações político-pedagógicasvivenciadasnaformaçãopermanentedoedu-cador nos diferentes níveis educativos, tendoemvistaqueaausênciadepolíticaspúblicasgeraumafaltademotivaçãoparaamudançadosparadigmas,permanecendoumadistânciaentreteoriaepráticanocontextodaspráticaseducativasedoplanejamentodocente.

PAlAVRAS-CHAVE: Educação; formação do-cente;planejamento.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Introdução

Em todo processo histórico, o homem foi e é um ser importante, capaz de criar, recriar e transformar sua realidade. E por viver e conviver numa sociedade multi-cultural complexa e transitória, a exigência de uma formação e qualificação perma-nentes, de cunho participativo, atuante e crítico tem se tornado o alvo central na ressignificação dos paradigmas educacionais.

Assim, é mister que se faça uma reflexão sobre a formação docente, bem como sua aplicabilidade no processo de ensino-aprendizagem em sala de aula, pois, na maioria das vezes, as discussões teóricas despontam por caminhos que não con-dizem com a prática conduzida para atender às necessidades do mundo contem-porâneo ou às normas burocráticas do sistema educativo, tornando-a superficial, incrédula e sem comprometimentos com os reais anseios dos alunos.

Partindo dessas concepções, a formação não é apenas uma vertente para insu-flar novas práticas. Ela constitui instâncias de decisões políticas capazes de consoli-dar e dinamizar ações que venham ao encontro de interesses de uma coletividade.

Em sala de aula, o professor é uma referência capaz de contribuir para o resgate do sentido social do trabalho na escola. Para isso, exige-se uma acertada e racional previsão de todos os procedimentos necessários a uma formação de qualidade, em suas diferentes etapas de desenvolvimento e execução, para o alcance dos objeti-vos desejados.

Portanto, a necessidade de se pensar sobre a formação docente, o que se quer alcançar, com que meio se pretende agir e como avaliar o que se quer atingir é de suma importância para a obtenção de resultados positivos no âmbito educacional.

* Pedagoga, especialista em Psicopedagogia e Educação Profissional Técnica de Nível

Médio Integrado ao Ensino Médio, membro da Associação Brasileira de Psicopeda-

gogia – ABPp-RJ e da Secretaria de Educação do Estado e do Município de Santana.

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Breve contextualização

O Brasil, nas últimas décadas, intensificou o foco na formação docente. No en-tanto, os avanços, no que se refere à qualidade do ensino, nos frustram quando nos deparamos com os baixos resultados dos alunos no processo de ensino-apren-dizagem, no desenvolvimento de sua autonomia intelectual e, principalmente, na superação de preconceitos estabelecidos ao longo da humanidade.

Nosso país se constitui de um alto índice de analfabetos funcionais que ainda não conseguiram adentrar no mercado de trabalho do ponto de vista qualitativo – sem que seja pelo subemprego –, porém, enquanto o país desenvolve-se pelas demandas do capital, a Educação caminha pelos passos lentos e repetitivos de um modelo educativo obsoleto que não se enquadra mais neste contexto social.

Vivemos atualmente em prol da “sociedade do conhecimento”, na qual o siste-ma mercadológico nos bombardeia a cada dia com cursos de formação em todas as áreas e a mídia incentiva aos nossos jovens e adultos, bem como professores, a opção por uma formação acelerada através de “cursos-relâmpago”.

Nesse contexto, a educação ainda submete-se a uma proposta de ensino pouco atrativa, silenciando e/ou aligeirando as regras do sistema educativo como: cumpri-mento do ano letivo, conteúdos, projetos educativos muitas vezes sem sustentação teórica e prática que altere atitudes e/ou comportamentos para os que atuam na escola. O cenário educacional que está posto é desafiador para o professor, que absorveu na sua formação as ideologias impostas pelo sistema capitalista e, como consequência, acabou sendo um mero “repetidor” de conteúdos, esquecendo-se da heterogeneidade da sala de aula, dos anseios, sonhos, desejos, entre outros senti-mentos que perpassam as classes da EJA. Apesar de seus investimentos pessoais ou institucionais, esse professor ainda não incorporou as mudanças de seu tempo.

Diante do que foi exposto, compreendi que ao longo de todo processo formati-vo faz-se necessário “não encontrar um novo caminho, mas um jeito novo de cami-nhar”, como relembra a poesia de Thiago de Mello.

A ação docente

O trabalho docente é permeado por teoria e ações práticas, produz resultados sobre o humano, requer reflexão teórico-prática permanente, aprofundamento e

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formação continuada. Sua complexidade envolve a interação com alunos e colegas, planejamento e gestão do ensino, avaliação, transformações curriculares etc. Nesse sentido, conforme Tardif (2005, p. 8), a docência é “uma forma particular de trabalho sobre o humano, ou seja, uma atividade em que o trabalhador se dedica ao seu ‘ob-jeto’ de trabalho, que é justamente um outro ser humano, no mundo fundamental da interação humana”.

Acredita-se que haja um caráter interativo na produção do conhecimento. O professor é sujeito do processo em que se produz o conhecimento. A comunica-ção tem papel fundamental nesse processo e constitui o espaço no qual o sujei-to estudado vai amadurecendo e construindo de forma coletiva e cada vez mais complexa sua expressão, condição essencial para o conhecimento que se constrói. Manifesta-se, assim, uma natureza construtivo-interpretativa, em um processo vivo, em permanente desenvolvimento, no qual se realizam e legitimam formas muito diversificadas, entre elas a elaboração pelos próprios sujeitos de suas expectativas sobre os resultados esperados.

O trabalho didático, numa perspectiva político-pedagógica, envolve métodos e procedimentos nos quais temos que ousar o novo e o diferente para revitalizar o nosso fazer pedagógico.

Os significados e as perspectivas que buscamos em nossa prática diária não se esgotam apenas na aplicação de técnicas didáticas adequadas, ela exige a compre-ensão dos aspectos culturais, econômicos, sociais e políticos da sociedade.

O espaço para execução do trabalho docente é a escola, uma organização na qual vários outros sujeitos (diretor, funcionários, pais, comunidade etc.) intervêm e interagem uns com os outros. Dessa forma, se reafirma que um professor trabalha com e sobre os seres humanos, sofrendo influências das diversas esferas e coletivi-dades humanas. Logo, compreender a profissão docente pressupõe compreender a complexidade do processo de ensino-aprendizagem que constitui o seu eixo.

Podemos destacar como uma primeira característica do trabalho docente o fato de ser um trabalho interativo. O ensino dirige-se a seres humanos, que são, ao mesmo tempo, seres individuais e sociais.

Segundo Tardif (2002, p. 22), “o objeto do trabalho docente são os seres huma-nos que possuem características peculiares”. Além de individual, o objeto do traba-lho docente é também social. Sua origem de classe, étnica e de gênero o expõe a

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diferentes influências e experiências, que repercutem em sala da aula, provocando diferentes reações e expectativas no professor e nos alunos.

Nesse sentido, Tardif (2002, p. 130) nos alerta, “o objeto do trabalho docente escapa constantemente ao controle do trabalhador, ou seja, do professor”.

Uma boa parte do trabalho docente é de cunho afetivo, emocional. Baseia-se em emoções,

em afetos, na capacidade não somente de pensar nos alunos, mas igualmente de perceber

e sentir suas emoções, seus temores, suas alegrias, seus próprios bloqueios afetivos.

De acordo com o autor citado, pelas peculiaridades do “objeto” de trabalho do-cente, a prática pedagógica dos professores consiste em gerenciar relações sociais, envolve tensões, dilemas, negociações e estratégias de interação. Ensinar é, portan-to, fazer escolhas, constantemente, em plena interação com os alunos.

Ora, essas escolhas dependem da experiência dos professores, de seus conhecimentos,

convicções e crenças, de seu compromisso com o que fazem, de suas representações a

respeito dos alunos e, evidentemente, dos próprios alunos (tArDiF, 2002, p. 132).

O planejamento docente é um pressuposto essencial para assegurar não so-mente o alcance dos objetivos da prática do professor, mas também para definir a competência dele na sua trajetória profissional com base nos aspectos didáticos de sua disciplina. A organização e o desenvolvimento planejado das atividades didático-pedagógicas criam as condições necessárias para uma atuação docente mais eficiente e eficaz no processo de ensino-aprendizagem. Os planos constituem o cenário sobre o qual vão ser delineadas as competências e as habilidades a serem asseguradas aos alunos no âmbito das diferentes disciplinas.

Por ser um trabalho interativo, o ensino exige um investimento pessoal do professor para garantir o envolvimento do aluno no processo e despertar seu in-teresse e participação, evitando desvios que possam prejudicar o trabalho. É por esse motivo que Tardif (2002, p. 132) afirma que “a personalidade do professor é um componente de seu trabalho”. O que ele denomina de trabalho investido, ou seja, “no desempenho de seu trabalho o professor empenha e investe o que ele é como pessoa”.

Aquilo que nos parece ser a característica do trabalho investido ou vivido é a integração ou absorção da personalidade do trabalhador no processo de trabalho quotidiano como elemento central, que contribui para a realização desse processo.

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Cada professor que vivencia a formação continuada e permanente adota no dia a dia estratégias próprias de atendimento individualizado, de distribuição da aten-ção e de acompanhamento de seus alunos, estando sempre atento a essa tensão entre o individual e o coletivo.

Diante do exposto, a abordagem escolhida parte do pressuposto de que é pre-ciso refletir sobre os cursos de formação oferecidos, bem como o fazer pedagógico daqueles que ainda hoje negam a importância da formação continuada e perma-nente, da construção do planejamento didático, pois alguns dizem que “têm tudo planejado na cabeça” ou que já sabem o que será discutido. A mecanização do co-nhecimento precisa ser substituída pelo raciocínio lógico para que todos os atores da educação possam participar racionalmente da sociedade dentro da qual a escola está inserida, como afirma Libâneo (1994, p. 56):

O planejamento do trabalho docente é um processo de racionalização, organização e

coordenação da ação do professor, tendo as seguintes funções: explicar princípios, diretri-

zes e procedimentos do trabalho; expressar os vínculos entre o posicionamento filosófico,

político, pedagógico e profissional das ações do professor; assegurar a racionalização, or-

ganização e coordenação do trabalho; prever objetivos, conteúdos e métodos; assegurar

a unidade e a coerência do trabalho docente; atualizar constantemente o conteúdo do

plano; facilitar a preparação das aulas.

É importante ressaltar que tratar da formação docente tem se tornado uma tarefa complexa, tanto pelo desgaste sofrido ao longo do tempo, como pela di-ficuldade encontrada pelos indivíduos constituintes do coletivo numa escola em conviverem de forma profissional com a pluralidade de ideias, que são salutares e necessárias numa organização desta natureza.

Portanto, a formação do professor, bem como de outros atores sociais envol-vidos no processo educativo, tem deixado a desejar no âmbito escolar; porque foi introjetado nas pessoas que cursos de formação consistem em nada mais que even-tualmente adequar o proposto a uma realidade, executando algo que outros já ha-viam decidido por nós, ou discussões teóricas que na prática cotidiana não levam a mudanças dos paradigmas adotados na escola.

Considerando que essa prática, ao longo do tempo, foi internalizada pelas pessoas e institucionalizada pela escola, hoje temos inúmeros desafios a enfrentar quando falamos de processos de formação docente como um procedimento viabi-lizador de novas práticas, pois tal situação tem levado os profissionais da educação

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a encarar a formação como algo que ajuda na inovação do ensino-aprendizagem mas que nem sempre atende às reais necessidades dos professores.

A formação permanente tem propiciado maior profissionalismo por parte do professor, que exige mais autonomia da escola e, consequentemente menos inter-ferência externa. Isso terá como efeito uma redução dos controles burocráticos e uma crescente autonomia para os professores.

Uma das competências dos professores na escola será o de despertar em seus alunos a paixão pelo conhecimento, mas isso só acontecerá se o professor conse-guir alcançar os caminhos de sua própria autoria e a paixão pelo saber, visto que o professor que conseguir encontrar em seus valores luz que guie sua própria história conseguirá encontrar em sua autoria o seu próprio valor, pois o ser humano que constrói sua autoria se humaniza e não se maquiniza, decide viver por meio de seu próprio olhar, do seu próprio viver e do seu próprio criar, edifica sua vida com arte porque esta arte/vida é fruto do seu próprio sonho.

O planejamento docente como uma ação de formação político-pedagógica

O planejamento é um processo que exige organização, sistematização, previsão, decisão e outros aspectos, na pretensão de garantir a eficiência e eficácia de uma ação, quer seja em um nível micro, quer seja em nível macro. Do ponto de vista edu-cacional, o planejamento é um ato político-pedagógico porque revela intenções, e a intencionalidade expõe o que se deseja realizar e o que se pretende atingir.

Com base neste entendimento, é possível constatar que o planejamento didá-tico docente tem um caráter político-pedagógico, tanto em relação à democratiza-ção das relações cotidianas da escola como no processo global da sociedade e da cidadania. Por outro lado, não haverá educação de qualidade se o planejamento não estiver enraizado, no mundo real e a ele articulado.

Assim sendo, é substancial que a escola, bem como o professor, enfrente o de-safio de compreender os novos tempos para abraçar os anseios das novas gera-ções e como ressalta Demo (2001, p. 21), dialogar com a realidade inserindo-se nela como sujeito criativo”, porque a escola deve ser um espaço de convivência, onde os conflitos serão trabalhados e não camuflados.

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A ação de planejar as atividades educativas não se restringe à reflexão a respei-to dos problemas educacionais. Ela implica uma visão e análises amplas de mundo e da sociedade. É necessário resgatar a dimensão pedagógica do planejamento do-cente como uma atividade que propicie a aglutinação em torno da escola dos dife-rentes segmentos escolares, como corrobora Padilha (2001, p. 66): “O planejamento é socializado quando o processo de decisão é possibilitado a todos e não limitado aos especialistas”, ou mesmo a um “grupo de coordenação”.

O planejamento docente deve constituir uma proposta progressista que ex-presse o tipo de homem e de sociedade que lutamos para construir. Deve ser pau-tado em uma proposta pedagógica que busque compreender a relação dialética entre teoria e prática, superando a dualidade da escola de formação acadêmica e a escola de formação popular, e que trabalhe o conhecimento sistematizado histori-camente, não o reproduzindo simplesmente, mas recriando-o e transformando-o. Como comenta Freire (1992, p. 43), o diálogo é “o encontro amoroso dos homens que mediatizados pelo mundo o pronunciam, isto é, o transformam e transforman-do-o humanizam para a humanização de todos”.

Convém, no entanto, segundo Padilha (2001, p. 63), perceber que:

O ato de planejar em sentido amplo é um processo que visa dar respostas a um problema,

estabelecendo fins e meios que apontam para a sua superação de modo a atingir objetivos

antes desejados, pensando e prevendo necessariamente sem desconsiderar as condições

do presente e experiências do passado; levando em conta os contextos e os pressupostos

filosóficos, culturais, econômicos e políticos, de quem, com quem e para quem planeja.

É possível entender que uma nova competência pedagógica se origina na pró-pria prática, no debruçar-se sobre ela, no movimento dialético ação-reflexão-ação. Busca-se escapar da dicotomia entre teoria e prática, pois ambas têm papel assegu-rado na construção do planejamento docente, porque as teorias são como mapas que nos ajudam a viajar sobre o momento presente, o que não se faz sem a história.

A questão central do planejamento docente não pode ser a de somente saber como se vai passar um conteúdo preestabelecido. Ela deve conter ideias mais am-plas e mais profundas.

Para tanto, faz-se necessário que, nos cursos de formação docente, reflitamos sobre a ação de planejar para que possamos encontrar caminhos norteadores e significativos que possam contribuir de fato na formação dos discentes.

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Considerações finais

A todo momento, em todo lugar e em diversos campos da atividade humana, as pessoas buscam o “novo”, o “diferente”, onde possam registrar a sua marca, a sua identidade, o seu diferencial.

Vivemos em uma época que em nada se assemelha a outras vividas por nossos antepassados e para a qual não fomos preparados e, como consequência, sentimos grandes dificuldades para enfrentar os desafios com que nos defrontamos.

A formação permanente neste século é uma das premissas e exigências con-temporâneas e por isso as pessoas buscam incessantemente se manterem informa-das e atualizadas, em especial os docentes.

Ao nos reportarmos à formação docente, não podemos apenas focar os cursos de formação para o exercício da profissão. Ela acontece em múltiplas dimensões e em várias esferas, governamentais e não governamentais. No entanto, convém fri-sar que existe uma conectividade em rede, que os conhecimentos são construídos não somente do ponto de vista linear e hierárquico, mas circularmente nas dimen-sões teórica, política, social, epistemológica, pedagógica e didática.

Nessa perspectiva, os docentes apropriam-se de diferentes saberes para a cons-trução de sua prática, começam a perceber que somos seres em construção e ina-cabados, e como consequência desenvolvem a concepção de que mudar é preciso e necessário.

Nesse contexto, é fundamental que se estabeleçam prioridades no que tange à formação permanente do professor, priorizando não só formar do ponto de vis-ta academicista, mas daquele do ser individual, capaz de realizar-se como pessoa, como ser social que se identifica com o seu grupo e atividade que desempenha, e este foco parece ser uma missão quase impossível.

Os estudos e investigações no que se refere à formação docente descrevem ge-ralmente uma desvinculação entre o pensar e o agir como um entrave na aplicabili-dade da prática pedagógica, ocasionando uma repetição dos modelos tradicionais e ultrapassados.

Segundo Moço et al. (2008, p. 42), que comenta sobre a precariedade da forma-ção dos educadores, “eles buscam um referencial teórico, mas não conseguem se

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aprimorar, acabam fazendo no dia a dia um trabalho intuitivo e equivocado”. Partin-do desse pressuposto, é importante ressaltar que a formação docente não está ade-quada às reais necessidades do professor, atrofia o desenvolvimento do processo educativo, não tem garantido uma mudança das concepções e práticas e tem como resultado o retardamento do crescimento do país, haja vista que a sociedade evolui a partir de sua evolução educacional.

As exigências do mundo contemporâneo requerem do profissional da educa-ção uma postura pré-ativa, interativa e pós-ativa, ou seja, o professor precisa ser um sujeito ativo nas diversas situações existenciais da prática educativa: ser pré-ativo significa anteceder ao agir; ser interativo é intermediar o processo educativo, pro-movendo a interação entre as partes; e pós-ativo significa dizer que ao final de de-terminada situação a ação de produzir com autonomia não se esgota em um único fim, mas continua, para que se desvelem os processos cognitivo, estético e poético numa perspectiva reflexivo-criadora.

O professor, por sua vez, é o mediador dessa articulação do conhecimento cien-tífico necessário entre o trabalho em sala de aula e a relação com a prática social do educando, visto que o aluno já traz consigo uma carga de informações ao ingressar na escola a ser considerada, uma vez que a escola tem como finalidade primordial a formação do aluno em sua globalidade, levando-o a ser um cidadão crítico, ativo e criativo. Mediar essa relação entre aluno, conhecimento e a sua realidade é papel fundamental dos docentes e da escola.

Essa relação só será possível por meio de uma metodologia dialética que con-ceba o homem como ser ativo e de relações com o outro e com o meio. Nessa perspectiva, o processo de formação permanente dos professores configura-se nas relações existentes entre estudos, pesquisa e autoavaliação, contribuindo significa-tivamente para o seu aperfeiçoamento profissional.

Dessa forma, é preciso que haja uma mudança de posicionamento e redimen-sionamento das formas de desenvolver a formação, levando-se em consideração a prática de novas metodologias, interatividade entre as partes, partilhamento das ideias e afetividade. Esse conjunto de ações pressupõe combustível incontestável para que haja um novo resgate da educação com chances de dar certo, e o resulta-do que se espera é o melhor possível.

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Inovar em educação é, pois, um processo individual/coletivo de análise do real, do que é pertinente e do que precisa ser modificado no sentido de possibilitar às crianças, aos jovens, aos adultos o direito de desenvolver-se como seres humanos e cidadãos, através da escola.

Partindo desse pressuposto e considerando os professores como executores e responsáveis por resultados positivos no processo educativo, estes devem estar atentos às mudanças que acontecem ao seu redor e que influenciam a sua prática docente e a sua subjetividade. Assim, poderão articular melhor sua autoformação, quebrar a inflexibilidade dos cursos de formação e recriar um novo mundo, uma nova terra para novos sujeitos, sendo atores de sua própria prática pedagógica.

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REFERÊNCIAS

DemO, p. Pesquisa, princípios científicos e educativos. 8. ed. São paulo: cortez, 2001.

Freire, p. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São paulo: paz e terra, 1996.

liBÂneO, J. c. Planejamento na escola. São paulo: cortez, 1994.

mOçO, A.; SAntOmAUrO, B.; VicHeSSi, B. Discurso vazio. Revista Nova Escola, São paulo, ano 28, p. 42-51, dez. 2008.

pADilHA, p. r. Planejamento dialógico: como construir o projeto político pedagógico da escola. São paulo: cortez, 2001.

tArDiF, m.; leSSArD, c. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. rio de Janeiro: Vozes, 2005.

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Especificidades da EJA: trajetória e desafios para o saber docente

Adriana Cláudia de Assis*

RESUMOOpresentetrabalhofazumaabordagemhistó-ricadolugarqueaEducaçãodeJovenseAdul-tostemocupadonocenárionacionalenoâm-bitodepolíticaspúblicasparaessamodalidadedeensino.NossoobjetodeestudoéaEducaçãodeJovenseAdultos,tendocomoaporteteóri-coemetodológicodocumentoslegais,comoalDB(1996)eoParecer11/2000,eosautoresquebuscamemsuasdiscussõespriorizaroes-tudodessatemática.Objetiva-seapartirdestetrabalho identificar os avanços ocorridos aolongodosúltimosoitoanos;articularteoriaeprática às experiências dos alunos da EJA; eanalisarasdiscussõesnocenárionacionalnoqueserefereaessamodalidade.

PAlAVRAS-CHAVE:EducaçãodeJovenseAdul-tos;políticaspúblicas;cenárionacional.

ABSTRACTThis paper addresses the historical place Youth and Adult Education has occupied in the national scene and in the context of public policies for this type of education. our object of study is the Youth and Adult Education, having as theoretical and methodological support legal documents, such as the BdL (1996) and Expert opinion 11/2000, and the authors that seek to prioritize the study of this subject in their discussions. This paper aims to identify, based on this study, the advances that have occurred over the past eight years, aligning theory and practice with the experiences of Youth and Adult Education students and to analyze the discussions in the national arena with regard to this type of education.

KEYwords: Youth and Adult education, public policies, the national arena.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

No cenário nacional, por muitos anos, os jovens e adultos não escolarizados aparecem à margem das atividades sociais e políticas, marcados por desigualdades, principalmente quando se trata de jovens e adultos da classe trabalhadora, como os pobres, negros e desempregados e, sobretudo, os que não obtiveram uma edu-cação básica de qualidade. Porém, vale salientar que essas diferenças sociais nas quais estão envolvidos não foram aceitas por livre escolha, mas lhes foram impostas como resultado de uma sociedade em constantes transformações. Sociedade essa que não se deu conta que essas transformações deveriam ocorrer concomitante-mente no campo educacional.

Esses grupos marginalizados não pretendiam estar na situação em que se en-contram; se tivessem que escolher, fariam diferente, de modo a alcançar outros es-paços na sociedade. Segundo Arroyo (2001),

não podemos esquecer que o lugar social, político, cultural pretendido pelos excluídos

como sujeitos coletivos na diversidade de seus movimentos sociais e pelo pensamento

pedagógico progressista tem inspirado concepções e práticas de educação de Jovens e

Adultos extremamente avançadas, criativas e promissoras nas últimas décadas (ArrOYO,

2001, p. 10).

A partir desse pressuposto, podemos perceber que vários movimentos vão sur-gindo com a finalidade de criar políticas públicas para o ensino da Educação de Jo-vens e Adultos, de modo que esse público possa se constituir de sujeitos históricos e sociais que participem ativamente da construção de uma sociedade mais justa.

Conforme a Declaração de Hamburgo, de 1997, “a alfabetização, concedida como o conhecimento básico necessário a todos num mundo em transformação, é um direito humano fundamental. Em toda a sociedade a alfabetização é uma habi-lidade primordial em si mesma e um dos pilares para o desenvolvimento de outras habilidades” (Parecer CEB 11/2000. In SOARES, 2002, p. 34-35).

A educação seria oferecida como um direito desses jovens e adultos, para que fossem capazes de atuar na sociedade como sujeitos autônomos. Porém, é um de-safio muito grande o que se tem pela frente, que é oferecer um direito básico a todo

Especificidades da EJA: trajetória e desafios para o saber docente

* Formada em Pedagogia Universidade Estadual Vale do Acaraú. Atua no SESC—Serviço

Social do Comércio de Natal, Rio Grande do Norte.

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Especificidades da EJA:

trajetória e desafios para o

saber docente

cidadão. Segundo a declaração de Hamburgo, a alfabetização tem também o papel de promover a participação em atividades sociais, econômicas, políticas e culturais, além de ser um requisito básico para a educação continuada durante a vida” (Parecer 11/2000. In: SOARES, 2002, p. 35).

Se, por um lado, vão surgindo esses movimentos, percebemos que, por outro, muita coisa precisa ser feita, a começar pelos textos legais que não reconhecem a importância da EJA. Porém, as Diretrizes Curriculares Nacionais elaboram um instru-mento de grande valorização para essa modalidade de ensino. Trata-se do Parecer CNE/CEB 11/2000, que, embora marcado por limites políticos e ideológicos, favore-ceu enorme potencial e valorização no âmbito da EJA.

O Parecer, em suas definições prévias, cujo texto traz nas premissas uma dua-lidade sobre a realidade brasileira no que se refere às oportunidades econômicas, sociais e educacionais, evidencia o contraste entre aqueles que têm o domínio do conhecimento e aqueles que ao longo da vida não conseguiram obtê-lo. De acordo com o Parecer:

Dois Brasis, “oficial e real”, “casa Grande e Senzala”, o “tradicional e o moderno”, capital e in-

terior, urbano e rural, cosmopolita e provinciano, litoral e sertão, assim como os respectivos

“tipos” que os habitariam e constituiriam. A esta tipificação em pares opostos, por vezes

incompleta ou equivocada, não seria fora de propósito acrescentar outros ligados à esfera

do acesso e domínio da leitura e escrita que ainda descrevem uma linha divisória entre

brasileiros: alfabetizados/analfabetos, letrados/iletrados 1. muitos continuam não tendo

acesso à escrita e leitura, mesmo minimamente; outros têm iniciação de tal modo precária

nestes recursos, que são mesmo incapazes de fazer uso rotineiro e funcional da escrita e da

leitura no dia a dia (parecer 11/2000. in: SOAreS, 2002, p. 28).

Analisando a citação, percebemos que a realidade daqueles que são menos fa-vorecidos, nos dias atuais, continua longe de aproximar-se do padrão dos que têm o domínio do conhecimento, pois existe uma linha divisória muito acentuada que faz esse distanciamento. Portanto, não podemos esquecer que a função da EJA é reparar, equalizar e qualificar. A função reparadora tem como principal objetivo res-taurar um direito que foi negado, ou seja, oportunizar de forma concreta a presença de alunos, jovens e adultos, na escola, garantindo-lhes uma educação de qualidade. Pois um dos motivos mais alegados pelos alunos de EJA para o abandono dos estu-dos na idade apropriada é a escolha forçada entre o trabalho e os estudos. A maioria deles precisa sair do seu lugar de origem em busca de emprego ou melhoria da

1. Ver definição de acordo, com a professora magda Soares, no pArecer 11/2000, p. 3.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Especificidades da EJA: trajetória e desafios para o saber docente

qualidade de vida. Existem outros fatores que também desfavorecem o acesso es-colar, como a não existência de escolas ou a distância de suas moradas.

No entanto, é muito importante garantir para os alunos jovens e adultos o direi-to à escolarização de qualidade que lhes foi negado. De acordo com Arroyo:

A eJA nomeia jovens e adultos pela realidade social: oprimidos, pobres, sem terra, sem teto,

sem horizontes. pode ser um retrocesso encobrir essa realidade brutal sob nomes mais

novos de nossos discursos como escolares, como pesquisadores ou formuladores de polí-

ticas: repetentes, defasados, aceleráveis analfabetos, candidatos a suplência, discriminados.

empregáveis... esses nomes escolares deixam de fora dimensões de sua condição humana

que são fundamentais para as experiências de educação (in: ArrOYO, 2001, p. 12).

Esses são apenas alguns dentre tantos outros rótulos que recebem os alunos da EJA. Mas o que deve ser feito para minimizar tal situação e possibilitar a inserção desse público de maneira que tenha oportunidade de iniciar ou continuar a esco-larização, podendo gozar de direitos mínimos, como autonomia, reconhecendo-se enquanto sujeito ativo e participativo das decisões intrínsecas à sociedade? Ao abordar os aspectos igualitários na função equalizadora, Ciavatta faz uso da afir-mação de Santos (1996, p.3), quando diz que “temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza, temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”.

Acerca dessa afirmação seria relevante questionarmos se as políticas públicas educacionais implementadas para a EJA têm levado em consideração necessidades como o universo ao qual pertence esse público, suas histórias de vida, sua visão de mundo conforme seus traços culturais e sua vivência social, familiar e profissional; se o que está sendo efetivado como ensino e aprendizagem contempla aqueles alu-nos que anteriormente abandonaram a escola (ou deixaram de inserir-se nela) por motivos diversos, ou se o que está sendo desenvolvido é mera reposição do que foi perdido na idade regular (neste caso, tratando-se dos conteúdos curriculares).

A discussão é bastante ampla acerca do processo educativo que envolve esse público. No entanto, é necessário que haja uma valorização, um compromisso e o respeito pelos saberes prévios dos educandos. Não podemos esquecer de que o aluno da EJA, quando vem para a escola, traz consigo um leque de informações e conhecimentos de mundo e que esse conhecimento, quando bem aproveitado, servirá de ponte para ampliar novos saberes. Não valorizar esse conhecimento sig-

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nifica tratá-lo como se ele fosse uma tábula rasa, ou seja, alguém que não possui ne-nhum conhecimento anterior ao da escola. Nesse sentido, Paulo Freire questiona.

por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas da cidade des-

cuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e dos cór-

regos e os baixos níveis de bem-estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à

saúde das gentes? (Freire, 1996, p. 33).

por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disci-

plina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a

convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? [...] por que não

estabelecer uma “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a

experiência social que eles têm como indivíduos? (Freire, 1996, p. 33 e 34).

A partir do momento em que o educador trabalha dentro da perspectiva de valorização da individualidade do aluno, exercendo o respeito aos seus conheci-mentos e experiências de vida, levando em conta as diversas realidades existentes no cotidiano dos alunos, o processo de ensino e aprendizagem fluirá. O educando se sentirá sujeito ativo desse processo, fazendo com que conceitos e significados sejam melhor internalizados.

É nesse sentido que a função qualificadora traz uma importante discussão no que se refere à constante necessidade da qualificação, uma vez que, na atualidade, mesmo quem já tem formação média ou superior precisa estar constantemente se atualizando. Dessa forma, a função qualificadora vem reforçar para a Educação de Jovens e Adultos essa necessidade, não somente no intuito de qualificar como tam-bém de estimular nos educandos a busca constante por outros conhecimentos que venham acrescentar e favorecer as necessidades de cada indivíduo em diferentes fases de suas vidas.

A função qualificadora valoriza a educação em diferentes etapas, pois incentiva que devemos sempre nos atualizar buscando novas aprendizagens, seja a título de conhecimento ou de qualificação para o mercado de trabalho. As Diretrizes Cur-riculares Nacionais são um referencial bastante relevante, sobretudo nesta última década; contudo, é importante que façamos uma retomada histórica no sentido de resgatarmos um pouco sobre a Educação de Jovens e Adultos no Brasil, para que possamos melhor compreender as mudanças, avanços e retrocessos, cujos reflexos culminam no momento atual.

Especificidades da EJA:

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A EJA tem sido colocada nas pautas dos discursos relativos à educação desde a década de 1940 – quando era denominada Educação de Adultos ou Educação de Adolescentes e Adultos –, sendo implementadas campanhas de alfabetização, cujo custeio ficava sob responsabilidade do governo nesta e na década de 1950, mas que, devido a estruturação e desenvolvimento, mereceu diversas críticas em vários aspectos, sobretudo pedagógicos, uma vez que os resultados pareciam não atender à proposta inicial, que era a melhoria das condições de vida nas localidades, o que apontava para o fracasso.

No início da década de 1960, muito provavelmente devido aos resultados das experiências anteriores e das lutas políticas do período, além do referencial me-todológico do educador Paulo Freire2, cuja proposta compreendia a emancipação das classes populares e cujas orientações serviram de modelo para os diversos mo-vimentos nessa área, então encabeçados por representantes políticos de alguns estados nordestinos. Após o golpe militar de 1964, as políticas no Brasil, de uma maneira geral, tomaram novos rumos, inclusive na educação.

Já na década de 1980, o marco legal que reforça pelo menos o direito de acesso à escolarização de base no Brasil foi a Constituição de 1988, que, de acordo com a Proposta Curricular do Ministério da Educação e Cultura para a EJA no primeiro seg-mento, se consolidava como um direito ao Ensino Fundamental aos cidadãos de to-das as faixas etárias, o que nos estabelece o imperativo de ampliar as oportunidades educacionais para aqueles que já ultrapassaram a idade de escolarização regular.

Posteriormente, na década de 1990, com a realização da Conferência Mun-dial de Educação para Todos realizada em Jontiem, na Tailândia, defendeu-se que a educação básica deve ser proporcionada a todas as crianças, jovens e adultos. Esse enfoque abrange o exposto nos artigos 30 e 70 da Declaração e compreende: universalizar o acesso à educação e promover a equidade; concentrar a atenção na aprendizagem; ampliar os meios e o raio de ação da educação básica; propiciar um ambiente adequado à aprendizagem; fortalecer alianças.

Esse compromisso, assumido por vários países, dentre eles o Brasil, é reforçado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, que afirma que promover a EJA não é so-mente possibilitar o acesso, mas envolve compromisso de inserção, permanência,

2. O método paulo Freire consiste numa proposta para a alfabetização de adultos, desenvolvida pelo educador paulo Freire, que criticava o sistema tradicional, que utilizava a cartilha como ferramenta central da didática para o ensino da leitura e da escrita.

Especificidades da EJA: trajetória e desafios para o saber docente

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continuação e qualidade do ensino oferecido, o que dará condições a esse público de competir em níveis de “igualdade” de participação social.

Ainda na década de 1990, com a elaboração da nova lei educacional, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº 9394/96, foi reafirmado o direito de jovens e adultos à educação escolar, conforme a redação localizada na seção V do Capítulo II da Educação Básica:

Art. 37. A educação de Jovens e Adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou

continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.

parágrafo 1º. Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e adultos que

não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropria-

das, consideradas as características do aluno, seus interesses, condições de vida e trabalho,

mediante cursos e exames.

parágrafo 2º. O poder público viabilizará e estimulará o acesso e permanência do trabalha-

dor na escola, mediante ações integradas e complementares entre si.

Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos que compreenderão a

base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter

regular.

parágrafo 1º. Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão: no nível de conclusão

do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos; o nível de conclusão do ensino

médio, para os maiores de dezoito anos.

parágrafo 2º. Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos alunos por meios informais

serão aferidos e reconhecidos mediante exames.

É relevante que busquemos conhecer o que dizem os marcos legais que con-cernem à escolaridade, pois, a partir desse conhecimento, podemos lutar por uma educação de qualidade. Em seguida, devemos considerar os diversos fatores, sejam eles internos ou externos, principalmente dos últimos oito anos, acerca das políticas educacionais, que, na maioria das vezes, são regidas por interesses de organismos internacionais, bem como das constantes discussões geradas por educadores e pesquisadores na tentativa de promover reflexões acerca do que compreender por ensino e aprendizagem em se tratando de um público específico como o da EJA.

A Educação de Jovens e Adultos em nosso país foi bastante reforçada a partir da Declaração de Hamburgo, documento assinado por diversos países, do qual o Brasil também é signatário e que propõe a Educação de Jovens e Adultos como

Especificidades da EJA:

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

um grande desafio para o século xxI, quando visto num processo para a vida toda, que possibilita desenvolver:

a autonomia e o senso de responsabilidade das pessoas e das comunidades, fortalecendo

a capacidade de lidar com as transformações que ocorrem na economia, na cultura e na

sociedade como um todo; promove a coexistência, a tolerância e a participação criativa e

crítica dos cidadãos em suas comunidades, permitindo assim que as pessoas controlem

seus destinos e enfrentem os desafios que se encontram à frente (parecer ceB 11/2000,

1997. in: SOAreS, 2002, p. 35).

Reforçamos a importância desses documentos e conferências acerca da Educa-ção de Jovens e Adultos, porque que os mesmos traçam metas, discutem objetivos e melhorias para a EJA. São nesses encontros que se promovem os incentivos, auto-nomia e responsabilidade para o desenvolvimento dos educandos e transformação relativa à vida social, saúde, entendimento de direitos e deveres.

Outros movimentos que têm tido bastante relevância em âmbito nacional são os Fóruns da EJA, iniciados, no Rio de Janeiro, em 1998, quando se realizou o pri-meiro encontro do que se consolidaria posteriormente como fórum de discussão sobre o assunto. Os fóruns da EJA, que acontecem anualmente, são movimentos organizados pela sociedade civil, resultantes da articulação de diferentes instâncias sociais e instituições públicas e privadas que atuam nessa modalidade de ensino para discutirem as políticas públicas.

Tais encontros são responsáveis pela constituição de espaços onde as especi-ficidades dessa modalidade de ensino são refletidas, ganhando visibilidade e in-fluenciando algumas modificações nas práticas educativas de muitos professores que atuam no campo da EJA.

Contudo, sabemos que existem ainda as questões econômicas, com investi-mentos muito escassos nessa área, que passou por momentos sérios de crise, com os recursos financeiros direcionados ao Ensino Fundamental, primeiro segmento, e com o surgimento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fun-damental e Valorização do Magistério (Fundef), quando a EJA deixou de receber recursos, que foram direcionados exclusivamente aos anos iniciais de ensino.

A trajetória dessa área educacional, no que concerne a investimentos, garantia, permanência e acesso, vem sofrendo oscilações, já que ora é discutida e incentiva-da, ora perde recursos e são fechadas salas de aula por falta de condições financei-ras para manutenção das mesmas. As expectativas nesse sentido caminham para

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que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valori-zação dos Profissionais da Educação (Fundeb) venha trazer mais possibilidades de investimento nesse segmento, criando melhores condições de atuação, integrando mais espaços e profissionais e, assim, maior participação de seu público-alvo.

Conforme pudemos acompanhar, o Estado ainda é o principal veículo provedor no tocante a assegurar o direito de educação a todos os indivíduos. A LDB é um ins-trumento que se prontifica a garantir a inserção, porém percebe-se que essa garantia não assegura de maneira efetiva que grande parte das pessoas tenha de fato acesso aos estudos escolares, pois existe uma gama de fatores políticos, econômicos e so-ciais e de interesses diversos que estão diretamente envolvidos nesse contexto.

No cenário atual, apesar de a EJA ser um marco na agenda das políticas de governo, ela ainda se restringe muito ao plano discursivo, uma vez que as ações nesse campo acontecem muito mais como programas efêmeros do que como políticas públicas adequadas às necessidades e desejos do público dessa moda-lidade. Esses procedimentos conservam em certa medida a lógica das políticas compensatórias, visando, em nossa compreensão, somente a minimização da po-breza e a contenção social.

Atualmente, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos se apresentam como o documento mais aberto e flexível no âmbito das polí-ticas públicas no que concerne aos debates, respeito e compromisso com uma educa-ção mais próxima da realidade dos alunos, tendo em vista as especificidades da EJA.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Especificidades da EJA: trajetória e desafios para o saber docente

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A EJA e o direito à diversidade: por uma valorização da escola da vida

Ariadne Colatto Viana*

RESUMOEsteartigo trazreflexõesacercadaheteroge-neidadepresentenasclassesdeEJA,suasim-plicaçõesna rotinapedagógica,bemcomoaspossibilidades de contribuição na elaboraçãodo currículo. A partir da ideia de valorizaçãoda identidadeedocontexto socioculturaldosalunos,otextodiscuteanecessidadedearticu-laçãodossaberesdaescolaformalcomosdaescoladavida.Trataaindadaformaçãodosdo-centesparaaEJA,dopapeldoeducadorcomosujeitomediadordadiversidadeedoPPPcomoeixo norteador e potencializador das diferen-ças,sendoestesreconhecidoscomobônuspe-dagógicoenãocomoprejuízo.

PAlAVRAS-CHAVE:EducaçãodeJovenseAdul-tos;diversidade;currículo;práticaeformaçãodocente.

ABSTRACTThis article presents reflections on the heterogeneity in Youth and Adult Education classes, its implications in the teaching routine as well as the possibilities for contributing to design the curriculum. Based on the idea of identity appreciation and the social-cultural context of the students, the text discusses the need to align the knowledge from formal schooling with that from the school of life. It also discusses the training of Youth and Adult Education teachers, the educator’s role as a mediator of diversity and the PPP as a guiding principle and potentiator of differences, which are recognized as an educational bonus rather than as a loss.

KEYwords: Youth and Adult Education; diversity; curriculum; teacher training and practice.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

*Orientadora pedagógica do Centro Educacional SESC LER em Vilhena (RO); pós-gra-

duada em Gestão, Orientação e Supervisão Escolar e licenciada em Letras pela Universi-

dade Federal de Rondônia (Unir); aluna do curso de Pedagogia (Eadcon / Unitins).

Introdução

Este texto pretende tratar da valorização da identidade e da realidade sociocul-tural dos alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Realidades que criam uma teia de valores, saberes, crenças, classes sociais, entre outras peculiaridades que não podem ser desconsideradas pelos educadores.

O currículo escolar tradicional, as práticas de sala de aula e a necessidade de gestão das classes heterogêneas serão abordados objetivando suscitar reflexões e provocar mudanças, na medida em que instigam todos os envolvidos no processo educativo a buscar de uma aprendizagem significativa.

Também o conceito largamente difundido de “trabalhar com a realidade” dos educandos da EJA será discutido, demonstrando a ânsia de que as ações didático--pedagógicas não fiquem limitadas a esse paradigma.

A partir do levantamento das diferenças entre educação formal e informal, o artigo abordará a necessidade de mudanças, não só no currículo, mas também nas metodologias, passando brevemente pelo aspecto da avaliação, da organiza-ção e do funcionamento geral da escola e da participação, que serão contemplados no contexto do Projeto Político-pedagógico(PPP).

O papel do professor mediador e as possibilidades de formação do docente da EJA, seja ela inicial ou em serviço, serão abordados como pontos-chave para a articulação de uma educação voltada para a formação humana como um todo, diminuindo os índices de fracasso escolar dessa modalidade.

A ideia de defesa pela “escola da vida” como parceira da escola formal permeia o artigo como um todo, assim como a busca pelo direito à diversidade e sua valori-zação e utilização como instrumento transformador das práticas escolares.

Por fim, algumas possibilidades de organização curricular e de classificação dos conteúdos serão levantadas, visando à valorização dos saberes anteriores dos edu-candos, o desenvolvimento de habilidades e competências e a contribuição para que se tornem sujeitos autores de sua própria história.

A EJA e o direito à diversidade: por uma valorização da escola da vida

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A EJA e o direito à diversidade:

por uma valorização da escola da vida

Iniciando as reflexões...

É impossível pensar uma classe de Educação de Jovens e Adultos homogênea. Aliás, não há classe homogênea em etapa ou modalidade de educação alguma. Os alunos são sempre indivíduos com histórias pessoais próprias, desejos diferencia-dos e saberes e habilidades diversas que os fazem ímpares.

Especificamente na EJA, é preciso que os educadores encarem a heterogenei-dade não como um problema, e sim como algo precioso que potencializa a cons-trução do conhecimento em sala de aula e possibilita/exige uma flexibilização do currículo oficial.

Dentre as razões que justificam a validade do resgate dos saberes e experiências dos alunos estão a convicção de que os estudantes da EJA têm muito a contribuir para a construção das práticas cotidianas da escola e a certeza de que isso confere maior protagonismo a suas trajetórias escolares. Sobre a importância da valorização dos saberes anteriores dos alunos jovens e adultos para a construção do espaço de ensino e aprendizagem, Miguel Arroyo (2005) destaca:

Quando só os interlocutores falam de coisas diferentes, o diálogo é possível. Quando só

os mestres têm o que falar, não passa de um monólogo. Os jovens e adultos carregam

as condições de pensar sua educação como um diálogo. Se toda educação exige uma

deferência pelos interlocutores, mestres e alunos(as), quando esses interlocutores são jo-

vens e adultos carregados de tensas vivências, essa deferência deverá ter um significado

educativo especial.

Na introdução do livro Atenção à diversidade (2002, p. 11), Artur Parcerisa Aran diz que aceitar a existência dessa heterogeneidade é fácil, difícil é tratar educativa-mente as diferenças e empregá-las para o enriquecimento do processo de ensino e de aprendizagem.

Utilizar as diferentes identidades, vivências e crenças dos alunos é uma tarefa desafiadora, árdua até, mas altamente compensatória. Pois quando a escola parte do cotidiano dos alunos, de seus conhecimentos e habilidades adquiridos no meio em que vivem, além de os educandos sentirem-se respeitados e valorizados, ga-nham motivação e possibilidades de trabalharem suas zonas de desenvolvimento proximal.

A esse respeito, Vygotsky (1991) afirma que as funções mentais superiores são construídas ao longo da história social do homem e que toda aprendizagem recai sobre a zona de desenvolvimento proximal. Esta é o espaço entre o nível de desen-

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

A EJA e o direito à diversidade: por uma valorização da escola da vida

volvimento real (aquilo que já se domina, que já foi consolidado) e o nível potencial (aquilo que o indivíduo faz com auxílio de um mediador e que, futuramente, fará sozinho).

Assim, as pessoas não constroem um conhecimento novo do nada, sem uma estrutura, um fundamento prévio. O indivíduo não pode transpor um expediente de aprendizagem sem algum conhecimento anterior que esteja cognitivamente re-lacionado, isso é necessário para que a nova informação possa se conectar com o que já é sabido a fim de ser reelaborada e transformada em aprendizagem.

Em outras palavras, o conhecimento está em constante construção no processo de interação social, nas trocas entre os indivíduos, seja dentro ou fora da escola; a capacidade de captar informações e processá-las permite que os alunos aprendam cotidianamente e melhorem inclusive o nível de qualidade das próprias interações.

Muito se tem falado a respeito da vivência e da realidade do educando, mas ter uma prática pedagógica pautada no universo sociocultural real dos alunos da EJA não significa alfabetizar os pescadores com o “A” de anzol, o “B” de barco; tampouco ensinar aos pedreiros, em geometria, apenas a fórmula para se calcular área. É pre-ciso partir dos saberes já adquiridos para ampliá-los.

A escola não pode esperar padronizar o currículo. O fundamento para os planos de trabalho deve ser a experiência de vida dos alunos colocada em confronto com os conteúdos formais. A vida deles deve ser problematizada, discutida e interligada aos conhecimentos científicos em busca de uma construção/transformação de sua própria história.

Partir da realidade do aluno não implica permanecer na realidade do aluno. A educação deve ser um ato político, libertador e ampliador de horizontes. Paulo Freire (1982) situa a educação como instrumento capaz de conduzir o homem à mudança de sua situação pessoal e social, implicando a mudança e (r)evolução da realidade a que ele pertence.

Ao longo da vida, as pessoas vão acumulando saberes; alguns dos tipos de sa-beres são chamados de saber sensível e saber cotidiano (Cadernos de EJA nº 1, 2006, p. 6)1. O saber sensível é um saber sustentado pelos cinco sentidos, um saber que to-dos possuem, mas que é pouco valorizado pelas escolas, principalmente na EJA. Os alunos jovens e adultos são ricos nesse tipo de saber e o processo educativo precisa

1. material produzido pela Secad em 2006 e conhecido como cadernos de eJA. título original: coleção trabalhando com a educação de Jovens e Adultos.

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ter suas bases alicerçadas neste saber sensível, porque é somente através dele que o aluno se abre a um conhecimento mais formal e reflexivo.

Já o saber cotidiano, por sua própria natureza, é um saber mais reflexivo, pois é um saber amadurecido, vivido, nascido das experiências e valores socioculturais formados anteriormente à escola. “É um conhecimento elaborado, mas não siste-matizado (...), pouco valorizado no mundo letrado e, frequentemente, pelo próprio aluno” (Cadernos de EJA nº 1, 2006, p. 7).

A valorização da diversidade é tema central do volume sobre pluralidade cultu-ral dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), documento do MEC para o Ensino Fundamental, onde se pode encontrar:

O reconhecimento e a valorização da diversidade cultural brasileira e das formas de per-

ceber e expressar a realidade própria dos gêneros, etnias e das muitas regiões e grupos

sociais do país não significa renunciar (...) à responsabilidade de constituir cidadania para

um mundo que se globaliza e de dar significado universal aos conteúdos da aprendizagem

(1997, p. 21).

Contraditoriamente, algumas tentativas fracassadas de adaptações curricula-res para a EJA, propostas por governos e entidades particulares, foram elaboradas ao longo dos anos, e continuam sendo feitas, mas em geral não estão abertas ao diálogo e à aceitação do conhecimento de mundo dos educandos, de forma que mascaram o velho currículo oficial engessado que desconsidera o percurso cultural dos alunos.

As classes de EJA não precisam de uma prática educativa que reproduza a esco-la regular, que já excluiu a maioria no passado. Os alunos jovens e adultos clamam por uma aprendizagem significativa, com aplicabilidade real no presente e no futu-ro. Mas uma aplicabilidade não meramente utilitária, desenvolvida para atender ne-cessidades básicas e imediatas apenas; pelo contrário, algo que oportunize refletir, interagir, elaborar hipóteses e tomar suas próprias decisões.

É papel da EJA, sim, preparar os alunos para o mercado de trabalho, para as demandas de mão de obra, da tecnologia etc., mas não é só isso. A EJA precisa tra-balhar com a formação humana, com o conceito de ser integral que precisa de uma educação emancipadora significativa.

Segundo Ausubel (1982), a aprendizagem é significativa quando está relaciona-da ao conhecimento que o aluno já possui sobre o assunto. Se isso não acontecer, a aprendizagem deixa de ser significativa para ser mecânica, visto que não respeita conceitos relevantes que já existem na estrutura cognitiva do indivíduo.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

A aprendizagem significativa ocorre na interação, quando o aluno é convidado a exercitar o que aprendeu em diversas situações do cotidiano e na sala de aula. En-tão, durante as atividades didáticas propostas pelo professor, o educando deve pôr em xeque todas as informações que tem sobre o assunto e trocar informações com seu mediador e interlocutores em busca de uma reorganização do conhecimento.

Dessa forma, percebe-se que ensinar com significado é articular a realidade do aluno, os conteúdos aprendidos na escola da vida, com os conteúdos da escola for-mal. Para que isso ocorra é primordial conhecer os educandos, ter um mapeamento da classe, promover o diálogo, valorizar o erro como ponto de partida para novas aprendizagens e utilizar os conhecimentos trazidos pelos alunos para formar a base da significação da aprendizagem.

Sobre as diferenças da educação formal (instituição escolar) e a não formal (es-cola da vida), Gohn (2006, p. 32) salienta que “a educação não formal parece estar sempre em oposição à educação formal”. Isso porque a escola acaba se distancian-do do cotidiano e aproximando-se do que chama de ciência e de saber necessário. Para o autor, a educação não formal apresenta em seu contexto algumas dimensões diversas da formal que devem ser consideradas e compreendidas, conforme aponta o quadro abaixo:

A EJA e o direito à diversidade: por uma valorização da escola da vida

EDUCAÇÃO FORMAL EDUCAÇÃO NÃO FORMAL

É desenvolvida nas escolas. É aprendida por meio de trocas de experiências em espaços cotidianos.

Os conteúdos são preestabelecidos. não existem conteúdos e planejamentos específicos.

Quem educa são os professores. O educador é “o outro”, aquele com quem estabelecemos relações.

O espaço educativo é essencialmente a escola. Ocorre fora da sala de aula, no cotidiano.

Ocorre em ambientes impregnados de normas, regras e padrões.

Ambientes interativos, constituídos no coletivo. Há uma intencionalidade do indivíduo em querer participar do

grupo.

O principal objetivo é o ensino-aprendizagem de conte-údos anteriormente sistematizados.

capacita os indivíduos a se tornarem cidadãos do mundo e no mundo. Os objetivos são construídos num processo

interativo. educa o ser humano para a civilidade.

Aqui, requer-se tempo, espaço, pessoas devidamente capacitadas, método, organização.

Atua sobre aspectos subjetivos do grupo, formando a cultura política do mesmo. colabora para a construção da identidade coletiva, para o desenvolvimento da autoesti-

ma de seus componentes.

Há uma divisão por idades e classes de conhecimento.

não está organizada nem por série, nem por idade, nem por conteúdos.

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Além das diferenças citadas por Gohn, é preciso ter em mente os resultados atingidos pela educação não formal, pois por seu intermédio os sujeitos são ca-pazes de interagir no coletivo, descobrem-se como portadores e transmissores da cultura do grupo, resgatam o sentimento de valorização de si próprios e se formam para a vida, pois aprendem a ler e interpretar o mundo.

Todos esses elementos deveriam servir para que os governantes, gestores e educadores refletissem sobre a melhor maneira da construção do currículo escolar para os programas da EJA. Um currículo que tenha como fundamento os conhecimentos adquiridos na escola da vida; respeite as diferenças; mais que alfabetizar e certificar, dê ao aluno ferramentas para a leitura de mundo; trate de disciplinas que dialoguem com o cotidiano do cidadão trabalhador, do ido-so que busca instrumentalizar-se para o dia a dia e do jovem que sonha com a universidade.

Ainda quando se buscam na educação do contexto social elementos que sub-sidiem uma possibilidade de mudança na escola, há que se debruçar sobre a meto-dologia. Na vida, as pessoas precisam resolver problemas, planejar ações às vezes baseadas em experiências anteriores, ou partir rumo a algo desconhecido. As ações estão sempre embasadas em uma série de fatores: se serão individuais ou coletivas, se o caminho a ser percorrido é este ou aquele, qual material/argumento/conheci-mento será preciso usar em prol do objetivo final.

Em suma, a vida dos educandos é sempre cercada de problemas a serem resol-vidos e projetos a serem executados. O que a escola precisa é estar atenta à forma com a qual o indivíduo lida com essas questões cotidianas para empregá-las na prá-tica educativa formal, seja para trazer maior significado às aulas, seja para motivar a classe, ou ainda para potencializar essas ações do dia a dia, visando à emancipação do educando.

Se, na sala de aula, o aluno da EJA tiver oportunidades de trabalhar com a metodologia da problematização (GALLERT, 2006) e com a pedagogia de pro-jetos (NOGUEIRA, 2003), ele vai reconhecer na escola uma aplicabilidade, pois ganhará ferramentas para aprender os conteúdos curriculares de uma maneira mais atraente, interessante e útil para sua vida cidadã. Porque na medida em que ele aprende e exercita a focalização/diagnóstico de um problema, toma-o como ponto de partida para levantamento de hipóteses, estuda e discute com

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

seus pares como chegar ao objetivo, traça um caminho a ser percorrido, aplica os procedimentos escolhidos, ou seja, atua sobre a realidade e finalmente avalia o processo. O aluno manifesta competências cognitivas e sociais para a vida na escola e fora dela.

Os métodos utilizados na escola devem nortear as atividades por meio do per-curso da descoberta, da autonomia, da criticidade e do poder de autorregulação. Além disso, torna-se fundamental a motivação dos envolvidos e o papel do media-dor. Não importa se na escola regular, no projeto de Educação de Jovens e Adultos, ou na educação não formal, os mediadores são peças-chave para nivelar os refe-renciais de aprendizagem, diagnosticar os saberes anteriores, estabelecer diálogos, gerenciar conflitos, propor desafios, mostrar possibilidades e caminhos. Também precisam estar abertos para aprender com os alunos, a dar oportunidades para que haja troca entre os envolvidos.

Sobre o papel do professor mediador e aprendente, Paulo Freire (1982, p. 78 -79) afirma:

O educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em

diálogo com o educando, que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam

sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os argumentos de autoridade já não

valem. em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com

as liberdades e não contra elas.

Ainda conforme Freire (1982, p. 62), “ninguém educa ninguém, tampouco se educa sozinho, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”.

É nessa perspectiva dialógica que o educador é a presença impulsionadora ou destruidora. Muitos, por desconhecimento teórico e/ou falta do mínimo de sen-sibilidade, tornam-se professores excludentes e opressores. Acabam repetindo experiências negativas que viveram na escola e, como agentes históricos que são, aplicam mesmo que inconscientemente seus pressupostos educativos rigorosos e tradicionalistas.

Ser educador da EJA implica estar preparado para o novo, para pesquisar e en-tender os processos de mudança pelos quais passam os alunos, a comunidade, o mundo. É preciso ser sensível e fomentar o “eu” dos educandos no sentido amplo: cognitivo, afetivo, social, psicológico.

A EJA e o direito à diversidade: por uma valorização da escola da vida

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Talvez uma das possíveis causas das falhas observadas historicamente nos pro-jetos da EJA seja, além do currículo descontextualizado, a falta de formação docente. Até os dias de hoje poucas são as oportunidades de formação específica para essa modalidade da educação básica. Embora algumas universidades ofereçam essa habi-litação em nível de graduação ou pós-graduação, as iniciativas ainda são incipientes.

A oportunidade de exercer o magistério em classes de EJA acaba surgindo nor-malmente, por acaso. Felizmente, uma boa parte dos educadores descobre nesse meio um universo apaixonante, diverso de tudo que já vivenciaram, e passa a lutar por um currículo vivo. Mesmo sem formação específica, vários professores têm bus-cado inovar, respeitar a bagagem sociocultural dos alunos, e começam a perceber a necessidade de registrar suas práticas para que elas se consolidem e ganhem cre-dibilidade.

A EJA também tem causado entre os educadores uma busca pela autoformação, pela capacitação em serviço, por estudos coletivos e leituras que possam dar conta das demandas educandos e explicitar concepções de ensino e de aprendizagem. Nessas trocas entre os professores, as diferenças também aparecem, devido às expe-riências individuais – da mesma forma que ocorre com os alunos, um grupo de edu-cadores também pode ser muito heterogêneo – e é nos momentos de trocas que as oportunidades de novas aprendizagens aparecem também para os docentes.

O ideal seria que todos os professores pensassem o currículo levando em con-sideração a heterogeneidade das classes, aproveitando as diferenças inclusive para planejar as atividades em duplas, trios ou grupos maiores. Agrupando os alunos, em alguns momentos, pelas semelhanças nos saberes e, em outros, justamente pelas diferenças, o grupo troca informações e avança.

Por isso, é importante valorizar os momentos de trabalho coletivo porque opor-tunizam aos indivíduos agir como seres capazes de opinar e refletir em conjunto com seus pares, vencendo os desafios cooperativamente, exercitando a democracia e a gestão de conflitos.

Ao se observar o cotidiano de alguns projetos da EJA é possível perceber atra-vés de suas práticas pedagógicas, metodologias, materiais e recursos didáticos e até das relações entre as pessoas, o porquê de não terem obtido êxito na continuidade dos estudos dos alunos.

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Ocorre que é preciso ter ciência de que um projeto da EJA tem em sua própria nomenclatura algo que deveria ser fundamento: o fato de a palavra projeto ser ori-ginada do latim projectio, que significa movimento para frente, deveria possibilitar ao aluno avanço, crescimento, qualificação.

É muito difícil promover um ensino significativo convincente de que a educa-ção é um processo de construção do ser humano ao longo da vida sem um bom projeto político-pedagógico, feito com a participação da comunidade em que a classe de EJA está inserida, que aponte formas de valorizar e potencializar as dife-renças entre os aluno, respeite os ritmos de aprendizagem, avalie qualitativa e não quantitativamente, e que, além do currículo, se preocupe com o espaço físico, com o planejamento participativo, os instrumentos de avaliação, os horários das aulas, enfim, sem um projeto político pedagógico que realmente tenha em vista os alunos e suas necessidades.

No livro As dimensões do Projeto Político-Pedagógico (2003), os autores Anna Rosa Fontella Santiago e José Vieria de Sousa (2003, p. 141-173 e 215-237) refletem, respectivamente, sobre a importância da flexibilização da organização curricular es-tar garantida no Projeto Político-Pedagógico e sobre a atitude ética da construção da identidade do sujeito, perpassando a construção da identidade da escola. Indi-cando o quão valoroso é o PPP quando construído coletivamente em prol da união da vida cotidiana com o conhecimento formal/escolar.

Pois, quando aquilo que os alunos veem na escola não é útil para a vida, ou quando o que aprenderam na vida não serve para a escola, o aluno de EJA perde seu direito à individualidade, seu direito a ser respeitado, tem a imagem de si mes-mo abalada e acaba inflando os índices de desistências dessa modalidade.

Será que o fracasso escolar está na falta de interesse e competência do aluno ou é gerado pela própria escola?

Essa é uma questão conflitante que perpassa instâncias governamentais e po-líticas, mas que não isenta o educador. O que se sabe é que, conforme aponta o Cadernos de EJA nº 1, 2006, p. 17,

o fracasso escolar tece uma espécie de teia, onde o aluno se enreda e custa a sair. na maio-

ria dos casos, a teia torna-se tão emaranhada que não oferece saída e o desfecho dessa

situação é tão comum à realidade brasileira, é o abandono da escola. mais tarde, quan-

do retornam aos bancos escolares, os jovens e adultos ficam extremamente suscetíveis a

enredarem-se novamente, a vivenciarem outro fracasso escolar.

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É possível diminuir as desistências e o professor tem papel fundamental nesse processo. Ele exerce um papel tão determinante que pode ser responsável tanto pelo sucesso como pelo fracasso escolar de qualquer um de seus alunos.

É o professor que recebe o aluno em sala, que o motiva; é ele a pessoa em quem o aluno precisa confiar, mostrando-se por inteiro, nas suas habilidades e fragilida-des; é ele quem planeja as aulas, as intervenções didáticas, as avaliações; deveria ser ele quem luta por uma escola mais democrática e que ensina o aluno a aprender a aprender apesar das dificuldades.

Para atender à diversidade dos alunos é preciso que também as atividades sejam diversificadas. Isso não significa ter uma novidade a cada aula e, sim, uma diversida-de de caminhos, tempos, parcerias, lugares e formas de olhar, ouvir e experimentar.

Enfim, considerando todas as especificidades da Educação de Jovens e Adultos, pensar numa organização curricular a partir de uma lista de conteúdos obrigatórios e suas respectivas cargas horárias não é o melhor caminho a ser seguido.

Ao contrário, uma exigência da qual não se pode escapar reside na inversão de tudo que tradicionalmente transformou o currículo da EJA numa cópia reduzida da grade curricular da escola regular de ensino.

É claro que é preciso ter uma base nacional comum, mas a elaboração do rol de conteúdos dos programas da EJA deveria ser subsidiada, além do Referencial Curricular para a EJA editado pelo MEC, nas situações vivenciadas pelos alunos, por suas experiências e anseios, que, tomados como ponto de partida, potencializam o interesse e a aproximação entre o que é sabido e o que não é sabido.

A seleção de conteúdos para a Educação de Jovens e Adultos não pode perder de vista que a construção de uma grade curricular precisa ser feita no sentido de oferecer aos educadores um mapa capaz de integrar as disciplinas tradicionais, as características culturais, sociais, políticas e científicas necessárias para cada comuni-dade dentro da sociedade atual.

O autor Antoni zabala (1998) propõe uma organização curricular centrada na tipologia dos conteúdos, deixando claro que essa classificação não pretende frag-mentá-los; ao contrário, aliados às metodologias sociointeracionistas de trabalho, os conteúdos, na prática, acontecem de forma totalmente integrada.

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A classificação proposta por ele é feita em: conteúdos conceituais ou factuais (o que se deve saber), conteúdos atitudinais (como se deve ser) e conteúdos proce-dimentais (como se deve saber fazer). Essa classificação visa criar uma “construção intelectual para compreender o pensamento e o comportamento das pessoas” (zA-BALA, 1998, p. 39).

Assim, a escola poderia ampliar, ressignificar, valorizar e respeitar os saberes e competências dos alunos, aproximando e interligando conhecimento de mundo com conhecimento científico, possibilitando a permanência do jovem e do adulto na escola, melhorando sua qualidade de vida, sua autonomia e autoestima.

Parafraseando Boaventura, devemos lutar pela igualdade dos alunos de EJA sempre que as diferenças os discriminem e pela valorização das diferenças sempre que a tentativa de igualdade os descaracterizem. Lembrando que a realidade do aluno é anterior a qualquer ação da escola e que é a partir dessas realidades distin-tas que o currículo deve ser construído.

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Considerações finais

Este texto teve como propósito discutir a diversidade/heterogeneidade na EJA e suas implicações pedagógicas, principalmente no que se refere à organização cur-ricular. Ao longo dele procurou-se mostrar que o currículo na Educação de Jovens e Adultos deve ser formativo, no sentido de construir a cidadania, e informativo, no sentido de permitir o entendimento das informações e sua aplicação no cotidiano.

Agregado aos conteúdos curriculares oficiais, espera-se que o currículo da EJA seja vivo e contemple as peculiaridades de cada grupo, que trabalhe situações-problema próximas à realidade dos alunos e propicie maior interação e retenção dos saberes.

Por fim, é importante destacar a importância da práxis, ou seja, da elaboração coletiva das práticas vividas no cotidiano para que ocorra o efetivo direito à diversi-dade, valorizando a bagagem histórico-cultural dos alunos em prol de uma aprendi-zagem significativa e emancipadora. Não esquecendo que os educadores são peças fundamentais, pois as práticas da EJA só mudarão quando os educadores quiserem que elas mudem, quando assumirem as responsabilidades de cunho afetivo, social, cognitivo, ético e político que a docência de jovens e adultos implica.

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Currículo e prática docente

Rosimária Rodrigues Melo Cardoso*

RESUMOMuitosproblemasrelacionadosànãoaprendi-zagemdoseducandosdaEJAsedãopelofatodosprofessoresnãosedisporemainvestirnaretomada da sua prática pedagógica, visandoao rompimento de paradigmas que oferecemà educação um caráter meramente conteu-dista.Esteestudoteveoobjetivodepromoveruma reflexão sobre a prática pedagógica daEducaçãodeJovenseAdultos(EJA),emumaescolamunicipal de Palmas. Os dados foramlevantados através de questionários e blocosdenotascomduasprofessorasdasextasérie,queindicamfatoresqueinterferemnoensinoe na aprendizagem, como falta de planeja-mento, tornandoasaulasumameracópiadolivrodidático,commetodologiasquenãocor-respondemaocontextoatual.Portanto,açãoereflexãodevemfazerpartedetodooprocesso

pedagógico.

PAlAVRAS-CHAVE:Metodologia;formaçãocon-tinuada;planejamento;ensino-aprendizagem.

ABSTRACTMany problems related to Youth and Adult Education students not learning occur because teachers do not strive to invest in the recovery of their teaching practice, aiming to break the paradigms that imbue education with a merely content-oriented nature. This study aimed to promote reflection on the Youth and Adult Education teaching practice, in a city school in Palmas. The data were gathered through questionnaires and notebooks with two sixth-grade teachers, who indicate factors that interfere with teaching and learning, such as lack of planning, making the classes a mere copy of the textbook with methods that do not match current context. Therefore, action and reflection should be part of the whole educational process.

KEYwords: Methodology, continuing education, planning, teaching and learning.

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

Introdução

O presente trabalho traz reflexões sobre as temáticas discutidas no curso Ela-borando currículos em Educação de Jovens e Adultos que despertaram interesse em analisar e refletir sobre a prática pedagógica dos professores da Educação de Jovens e Adultos em uma escola da rede pública de Palmas (TO). Esse estudo con-sistiu na realização de uma entrevista semiestruturada com duas professoras, no horário noturno, e de observações sobre a aprendizagem dos educandos, tendo em vista a fragmentação dos conteúdos em sala de aula, bem como as metodologias utilizadas pelos professores. Considerando o desenvolvimento de aulas monótonas e cansativas, torna-se fundamental a construção de um currículo em que seja en-fatizada a necessidade de se pensar/elaborar uma didática para a EJA que leve em conta os aspectos que envolvem o educando.

Uma metodologia que se preocupa com a construção do conhecimento vai buscar sua orientação básica no resgate do próprio processo de construção de co-nhecimento da humanidade. Portanto, compete ao educador praticar um método crítico de Educação de Jovens e Adultos que dê ao aluno a oportunidade de alcan-çar a consciência crítica instituída de si e de seu mundo — os educandos da EJA, na sua maioria, são jovens e adultos que estão inseridos no mundo do trabalho e das relações interpessoais, que trazem consigo experiências, conhecimentos acumula-dos e reflexões sobre o mundo externo, sobre si mesmos e sobre outras pessoas e que apresentam uma maior capacidade de reflexão sobre o conhecimento e sobre seus próprios processos de aprendizagem. Diante disso, o professor precisa estar preparado para possíveis mudanças em relação às necessidades e às diversidades existentes no contexto escolar, propiciando aos educandos, num exercício de me-diação, o encontro com a realidade, considerando o saber que possuem e procuran-do articulá-lo a novos saberes e práticas.

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* Assistente da Coordenação de Educação na Coordenação Geral de Educação do SESC.

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Tendo como principal fator de sucesso o desejo de ensinar do professor, a fala é o seu principal instrumento de trabalho e a eficiência de uma aula está muito ligada ao uso correto da linguagem e à organização lógica do pensamento. Mas não basta apenas um discurso bem articulado; para ter a atenção dos alunos é pre-ciso despertar em todos a vontade de participar do processo de ensino e apren-dizagem, usando metodologias dinâmicas, estruturadas e agradáveis o suficiente para que eles se interessem em participar apesar do cansaço, possibilitando aos alunos a formação e o desenvolvimento de capacidades e habilidades cognitivas e operativas (LIBâNEO, 1991, p. 100) e, com isso, estimulá-los a posicionar-se criti-camente diante do instituído, transformando-o se necessário. É nessa direção que se propõe este estudo.

Método de pesquisa

Para realizar este trabalho, desenvolveu-se um estudo de caso realizado em uma escola do Ensino Fundamental da rede pública de Palmas (TO), que se baseou em cinco observações de quatro horas em uma mesma turma de 6ª série da EJA, e na realização de uma entrevista semiestruturada com duas professoras. Foi observa-da a existência de aspectos metodológicos, didáticos e de planejamento de ensino utilizados para despertar a motivação e o interesse dos educandos no processo de ensino e aprendizagem com professores de diferentes disciplinas. Os alunos dessa turma encontravam-se na faixa etária de 18 a 24 anos de idade.

Os registros foram feitos através de blocos de notas, observando-se o perfil dos educadores, suas práticas pedagógicas e as metodologias que desenvolveram.

Foi realizada também uma entrevista com duas professoras, com quatro ques-tões abertas voltadas para as práticas pedagógicas dos docentes, em que as per-guntas abordavam informações sobre as metodologias de ensino e aprendizagem utilizadas em sala de aula, sobre formas de planejamento, a utilização da pesquisa e o grau de formação dos docentes. Os dados coletados foram registrados em um caderno para uma análise mais detalhada das temáticas investigadas, os quais per-mitiram maior aproximação dos significados das ações observadas.

A análise dos dados foi feita a partir das respostas obtidas e das observações feitas in loco e das pesquisas bibliográficas baseadas em Antunes (2002), Dalmás

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Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

(1994), Etto e Peres (1997), Kleiman (2001), Freire (1996), Gandin (1999), Libâneo (1991), Pinto, (2000), Rays (1990), Vasconcelos (1989) e Viana (1986).

Análise dos dados

A análise dos resultados mostrou que as atividades desenvolvidas não refleti-ram uma ação planejada, com atividades contextualizadas, que chamassem a aten-ção dos educandos por ter uma metodologia diferenciada que motivasse o apren-dizado e, na falta de recursos para serem criativos, oferecessem opções alternativas de ensino. Os docentes acabam apelando para os recursos que lhes facilitam o dia a dia (exibição de filme), ainda que isso lhes cause um certo desprazer, pelo fato de se sentirem obrigados a usar esse recurso didático como forma de dinamizar as aulas e, não, utilizá-lo de forma adequada, ou seja, com contextualização. Constatou-se, através da falta de planejamento dos educadores, aulas fragmentadas e metodolo-gias que não correspondem ao contexto histórico atual, a dificuldade que os pro-fessores têm de desenvolver uma metodologia permeada pela negociação entre a formalização dos desejos e dos saberes do aluno e a necessidade de sistemati-zar o conhecimento que é essencial na Educação de Jovens e Adultos. Contudo, só o planejamento não proporciona a formação educativa e significativa e garante o processo de ensino-aprendizagem. Para que isso aconteça de fato, o educador deve assumir a postura de mediador, proporcionando diferentes alternativas para a construção do conhecimento.

Na adolescência, tudo começa a ser questionado. Alunos querem saber por que devem aprender Geografia, História ou Ciências, entre outras coisas. A idade adulta traz a independência. O indivíduo acumula experiências de vida, aprende com os próprios erros, apercebe-se daquilo que não sabe e o quanto esse desconhecimen-to faz-lhe falta (Antunes, 2002). Essa evolução, infelizmente, é ignorada pelos siste-mas tradicionais de ensino.

O professor chega, apresenta o seu objeto de conhecimento, que não é na realidade obje-

to de conhecimento dos seus alunos, e discursa sobre ele, não estando atento em ajudar

a estabelecer o vínculo, nem em possibilitar o confronto pessoal direto dos participantes

com o objeto. O professor deve levantar situações-problema que estimulem o raciocínio

em vez de sobrecarregar a memória com uma série de informações e, ao propor uma ativi-

dade, ele deve esperar o encadeamento das ações, a elaboração das hipóteses, a resposta

por parte do aluno. esse tempo de espera é fundamental para o desenvolvimento da refle-

xão e a consequente construção do conhecimento (Vasconcellos, 1989).

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Os educandos se sentem motivados a aprender quando entendem as vanta-gens e benefícios de um aprendizado, bem como as consequências negativas de seu desconhecimento. Métodos que permitam ao aluno perceber suas próprias deficiências ou a diferença entre o status atual de conhecimento e o ponto ideal de conhecimento ou habilidade que lhe será exigido sem dúvida serão úteis para produzir essa motivação (PINTO, 2000).

Nessa perspectiva, é necessária a valorização do sujeito com aulas que superem suas expectativas, tornando-as produtivas e dinâmicas. A formação inicial e con-tinuada dos educadores são palavras-chave para vincular formação e mudanças positivas nas suas práticas pedagógicas. O mais importante para a permanência do aluno e o grau de aproveitamento em sala de aula, é o professor, com o seu en-volvimento, preparação, colaboração e disponibilidade para atender aos interesses dos alunos, mudar seu planejamento em virtude das necessidades específicas que surgem no decorrer das aulas (KLEIMAN, 2001).

A formação do professor dá resultados quando ela é autogerada, ou seja, parte de uma convicção interna sobre a necessidade de mudar sua prática na busca de soluções para os problemas existentes. Duas dimensões da atuação profissional do educador estão presentes: a prática, que é o fazer, a intervenção profissional em si; e a teoria, que é o pensar, a reflexão sobre a prática a partir dela própria. Portanto, ação e reflexão devem fazer parte da práxis profissional do educador; caso contrá-rio, corre-se o risco do ativismo, prática muito presente no cotidiano escolar em que educadores não comprometidos com a verdadeira educação não planejam suas aulas, fazendo delas uma mera cópia do livro didático, tornando-as enfadonhas e desinteressantes.

Comparando com o que foi observado, a metodologia se encontra limitada, onde o recurso mais utilizado foi o quadro. Os professores escrevem resumidamen-te o conteúdo das aulas e não utilizam nenhum outro material didático para enri-quecer as aulas e torná-las mais atraentes para os alunos, visto que os mesmos, em sua maioria, mostravam-se alheios às explicações da professora.

quando questionados sobre as metodologias utilizadas por eles, o que os pro-fessores mais ressaltaram como dificuldade foi o fato de os livros didáticos não con-dizerem com a realidade do aluno; quando o maior recurso do professor de jovens e adultos está no mundo a sua volta (PINTO, 2000). Os livros devem ser utilizados como recurso para facilitar a prática pedagógica. Os professores não devem se ba-

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sear somente nesse material para conduzir seu trabalho. A solução para atender às necessidades de cada um dos alunos foi trabalhar com atividades diferenciadas e individuais.

Uma forma de se trabalhar com as diferenças seria desenvolver o trabalho diversificado, em que o professor subdivide a turma em grupos que desenvolve-rão, ao mesmo tempo, atividades diferentes, dirigidas ou não pelo professor, pro-cedimento este capaz de atender as diferenças individuais dos alunos, em seus vários aspectos. Justifica-se, principalmente, pelo fato de os alunos encontrarem-se em pontos diferentes quanto ao nível de desenvolvimento físico e mental, ao ritmo de aprendizagem, aos interesses, às aptidões e às experiências vividas (ETTO e PERES, 1997).

Diante disso, é preciso que o educador assuma a função de criar situações para momentos de questionamentos, desacomodações, propondo situações-problema, desafios a serem vencidos pelos educandos, para que possam construir conheci-mento e, consequentemente, aprender a aprender. Portanto, a metodologia a ser adotada deve possibilitar que o educando construa e reconstrua conhecimentos, que questione, pergunte, crie, pense e realize a transposição do que aprende para a sua vida. Viana, (1986, p. 38) afirma que “o planejamento participativo não é um tra-balho impossível, mas plenamente viável, apesar de todos os empecilhos”. Segundo Dalmás (1994), a utopia provoca um contínuo processo de planejar e replanejar a fim de aproximar a realidade existente do ideal definido. Isso requer uma opção clara de homem, de educação e de sociedade.

Grande parte da energia vital dos professores é perdida na discussão do “como” sem

que se tenha decidido o “para onde” [...]. montam-se estratégias de como se vai agir,

modificam-se metodologias de ação, mas acaba-se por produzir os mesmos resultados

(GAnDin, 1999, p. 131).

A elaboração e utilização do planejamento foram feitas somente para cumprir determinações, pois as aulas não refletiram uma ação planejada, com atividades contextualizadas que chamassem a atenção dos alunos por ter uma metodologia diferenciada que motivasse o aprendizado. Mesmo quando eles tentavam partici-par, o professor não esperava o desencadeamento das respostas, lhes dando tudo pronto. Gandin (1999) diz que o planejamento é o processo de transformar ideias em ação, ou seja, é o processo de intervir na realidade existente, retirando, incluin-do, enfraquecendo ou reforçando ideias e, assim, transformando estruturas. Para

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qualquer intervenção na realidade ou, melhor dizendo, para qualquer mudança do que existe, são necessários dois componentes: as ideias e o planejamento. Para que esse momento ocorra, o educador precisa gerenciar esse processo, articulando “os ‘como’ com as técnicas, a metodologia de trabalho, mas somente depois de ter clareza sobre qual rumo deseja tomar, depois de ter traçado [...] o seu ‘para onde’ e ter respondido o seu ‘por quê’”. (GANDIN, 1999, p. 130). Nesse sentido, a função do educador é, entre outras, garantir a riqueza do processo de ensino-aprendizagem, o que significa, conforme Moraes,

a manutenção de um diálogo permanente, de acordo com o que acontece em cada mo-

mento, propor situações-problema, desafios, desencadear reflexões, estabelecer conexões

entre o conhecimento adquirido e os novos conceitos, entre o ocorrido e o pretendido,

de tal modo que as intervenções sejam adequadas ao estilo do aluno, a suas condições

intelectuais e emocionais e à situação contextual (1997, p. 152).

“Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática” (FREIRE, 1996, p. 43). É preciso possibilitar que, voltando-se sobre si mesma, através da reflexão sobre a prática, a curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, vá se tornando crítica. Por isso, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática pedagógica, servindo como referência para políticas públicas em EJA.

Segundo Rays (1990), o professor é um guia, um orientador no processo edu-cativo, trabalha junto ao aluno, a sua realidade social concreta, abre perspectivas a partir dos conteúdos. O docente não deve apenas satisfazer necessidades e ca-rências, deverá despertar outras necessidades, acelerar e disciplinar os métodos de estudo, exigir o esforço do aluno, propor conteúdos e modelos compatíveis com as experiências vividas, a fim de que o discente se mobilize para uma participação ativa. É preciso enfatizar a responsabilidade pessoal pelo próprio aprendizado e a necessidade e capacitação para a aprendizagem continuada ao longo da vida. Ser disciplinado por vontade própria e não por pressão.

Diante do exposto, o educador deve proporcionar a seus alunos a passagem do plano da satisfação individual ao plano das experiências coletivas. Para tanto, deverá possuir competência técnica, domínio de conteúdo e de métodos que se adequem à transformação e elaboração do conhecimento (RAYS, 1990), para que o estudante possa ler o mundo de forma crítica e criativa. Constatou-se a necessidade

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de trabalhar os procedimentos metodológicos que possibilitam melhorias no ensi-no e na aprendizagem, sendo a formação continuada dos professores da EJA uma das alternativas que atende a essa expectativa.

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Considerações finais

Observou-se que a educação voltada para um simples repassar de conteúdos ainda permanece na prática de muitos educadores ainda insensíveis à necessida-de de fazer mudanças em suas metodologias. Diante disso, o professor precisa se transformar num tutor eficiente de atividades de grupos, devendo demonstrar a importância prática do assunto a ser estudado; deve transmitir o entusiasmo pelo aprendizado, a sensação de que aquele conhecimento fará diferença na vida dos alunos; ele deve transmitir força e esperança, a sensação de que aquela ativida-de está mudando a vida de todos e não simplesmente preenchendo espaços em seus cérebros.

Assim, o docente não poderá ter uma postura autoritária, impondo, entre ou-tras coisas, um conhecimento pronto, acabado, inquestionável, sem significado para o aluno, e nem ser omisso, caindo em um espontaneísmo pedagógico, onde tudo é permitido incontestavelmente. O professor assume a postura de media-dor, proporcionando diferentes alternativas para a construção do conhecimento, como, por exemplo, através de atividades diversificadas e contextualizadas, uma vez que nelas se consideram o desenvolvimento pessoal e a realidade do estu-dante, respeitando-se, assim, sua natureza, levando-o a refletir e a problematizar sobre os temas de ensino.

Nessa perspectiva, trabalhar a formação continuada dos educadores é um ca-minho possível para a construção de uma educação que atenda às necessidades dos educandos inseridos neste novo século, para que sejam capazes de acompa-nhar a velocidade das constantes mudanças.

Educação em Rede Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores

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esta revista foi impressa pela mce Gráfica em papel offset 150g no miolo e duodesign 300g na capa, com textos em myriad pro.Fevereiro de 2011.