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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UM ESTUDO DA INTERFACE SINTAXE-SEMÂNTICA EM VERBOS SIMPLES E COM PREFIXAÇÃO NO PORTUGUÊS DO BRASIL KARINE VIEIRA PEREIRA 2019

UM ESTUDO DA INTERFACE SINTAXE-SEMÂNTICA EM VERBOS SIMPLES ... · correr, bater, levare verbos complexos, compostos de prefixo e derivados da mesma , raiz dos verbos simples mais

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

UM ESTUDO DA INTERFACE SINTAXE-SEMÂNTICA

EM VERBOS SIMPLES E COM PREFIXAÇÃO

NO PORTUGUÊS DO BRASIL

KARINE VIEIRA PEREIRA

2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE LETRAS

KARINE VIEIRA PEREIRA

UM ESTUDO DA INTERFACE SINTAXE-SEMÂNTICA

EM VERBOS SIMPLES E COM PREFIXAÇÃO

NO PORTUGUÊS DO BRASIL

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística.

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2019

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Karine Vieira Pereira

UM ESTUDO DA INTERFACE SINTAXE-SEMÂNTICA EM VERBOS SIMPLES E COM PREFIXAÇÃO NO PORTUGUÊS DO BRASIL

Orientador: Profª. Doutora Miriam Lemle

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística,

da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte

dos requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em Linguística.

Examinada por:

___________________________________________________________________

Presidente, Professora Doutora Miriam Lemle – Orientadora

___________________________________________________________________

Professora Doutora Ana Regina Calindro – PPGLing / UFRJ

__________________________________________________________________

Professor Doutora Marcia Maria Damaso Vieira - PPGLing / UFRJ

___________________________________________________________________

Professora Doutor – Isabella Lopes Pederneira – PPGLev / UFRJ

___________________________________________________________________

Professor Doutor Victor Luís da Silveira – DED / IBC

___________________________________________________________________

Professora Doutora – Aléria Cavalcanti Lage – PPGLing / UFRJ, suplente

___________________________________________________________________

Professor Doutor – Thiago Motta Sampaio – IEL / Unicamp, suplente

___________________________________________________________________

Rio de Janeiro

2019

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FICHA CATALOGRÁFICA

PEREIRA, Karine Vieira.

Um estudo da interface sintaxe-semântica em verbos simples e com prefixação

no português do Brasil / Karine Vieira Pereira. Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de

Letras, 2019.

112 p.

Referências: p. 108 - 112.

Orientadora: Profª. Drª. Miriam Lemle.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Centro de Letras e

Artes. Faculdade de Letras. Programa de Pós-graduação em Linguística, 2019.

1. Morfologia Distribuída. 2. Polissemia verbal. 3. Estruturas de evento. 4.

Verbos simples. 5. Verbos com prefixo. 6. Interface sintaxe-semântica. 7. Estrutura

argumental I. LEMLE, Miriam. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de

Letras e Artes – Faculdade de Letras – PPGLing. III. Um estudo da interface sintaxe-

semântica em verbos simples e com prefixação no português do Brasil.

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UM ESTUDO DA INTERFACE SINTAXE-SEMÂNTICA EM VERBOS SIMPLES E COM PREFIXAÇÃO NO PORTUGUÊS DO BRASIL

Karine Vieira Pereira

Orientadora: Profª. Drª. Miriam Lemle

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em

Linguística, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística.

RESUMO: nesta tese, proponho uma análise comparativa da estrutura argumental e dos significados entre os verbos simples, compostos por uma raiz mais verbalizador, como correr, bater, levar, e verbos complexos, compostos de prefixo e derivados da mesma raiz dos verbos simples mais um verbalizador, como concorrer, decorrer, recorrer, debater, combater, elevar, relevar. A expectativa é de que o comportamento sintático-semântico dos verbos complexos, com leitura composicional ou não composicional, seja mais restrito do que o comportamento dos verbos simples. Esta hipótese tem como base uma teoria do tipo construcionista, a da Morfologia Distribuída, em que a segmentação das palavras é uma continuação da sintaxe sentencial, em oposição a uma teoria lexicalista em que a unidade palavra tem autonomia semântica em relação à sintaxe. O método do trabalho consistiu na busca em verbetes de dicionários e no Google, como também na minha intuição de falante nativo. Os contextos de cada verbo foram analisados tendo em vista as estruturas de evento já clássicas e as sugeridas por Marantz (2007). Esta teoria se mostrou, nesta pesquisa, relevante para a compreensão dos resultados obtidos em nossas observações sobre a estrutura dos verbos, uma vez que de fato a leitura dos verbos com prefixo se mostrou menos variada do que a leitura dos verbos simples.

PALAVRAS-CHAVE: estrutura argumental, verbos simples, verbos com prefixo,

polissemia, morfologia distribuída.

Rio de Janeiro

2019

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A STUDY OF THE SYNTAX-SEMANTICS INTERFACE IN SIMPLE

AND PREFIXED VERBS IN BRAZILIAN PORTUGUESE

Karine Vieira Pereira

Orientadora: Profª. Drª. Miriam Lemle

Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em

Linguística, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística.

ABSTRACT: A comparative analysis of argument structure and the meanings of simple verbs and of complex verbs is what I am proposing in this thesis. Simple verbs are words like correr, bater, levar. Complex verbs are words like concorrer, decorrer, recorrer, debater, combater, relevar and elevar. The hypothesis is that the syntactic-semantic behavior of complex verbs with compositional or non-compositional reading will be less variable than simple verbs behavior. This expectation is based on a construcionist theory, Distributed Morphology, in wich word segmentation proceeds in a continuum from sentential syntax, in contrast with a lexicalist theory in wich the lexical unit is semantically independent from the syntax. The working method was based on Portuguese dictionary and Google research, as well as on my own native speaker intuition. Each verb context was analysed on the basis of Marant’s 2007 event structures. This theory has been relevant to understand our results about verb structure, since the reading of prefixed verbs was more restricted than the reading os simple verbs.

KEYWORDS: argument structure, simple verbs, prefixed verbs, polissemy, distributed

morphology.

Rio de Janeiro

2019

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AGRADECIMENTOS

Aos dez anos de muita linguística, muitos pensamentos e devaneios, agradeço

novamente e exclusivamente à minha orientadora Miriam Lemle. Obrigada pelos

lanches e almoços deliciosos, pela disponibilidade, por ceder sua casa e seu tempo a

essa empreitada, por confiar e acreditar em mim. Miriam é brilhante e seus comentários

são valiosos.

A autoria é minha, mas houve algumas contribuições e participações muito

importantes. Agradeço à Isabella Pederneira pela leitura atenta e comentários,

encontros, vindas de Petrópolis ao Fundão exclusivamente para que essa tese

terminasse. A sua principal contribuição sem dúvida se deve à metodologia para

confirmar a minha hipótese inicial. Existiam ideias que não caberiam no tempo e espaço

reais. Famílias formadas por prefixo derivadas de um mesmo verbo foi uma ideia que

tive, mas não agarrei e ela me mostrou que esse era o passo a ser tomado. Inclusive foi

ela quem me apresentou à Miriam com um artigo muito interessante sobre palavras

utilizadas na culinária em português e inglês, em 2008. Sem dúvida, meu anjo guiador

na vida acadêmica. À Rafaella Nascimento, uma grande amiga, que embarcou comigo

em textos teóricos e comentários muito interessantes sobre meu trabalho, passamos

bons momentos juntas na H-308, via Skype, em almoços pelo Fundão, escutou e leu

parte do trabalho com contribuições sempre atenciosas; à Silvia Pereira, pela amizade e

contribuições; ao Thiago Motta, pela leitura e comentários para um possível teste

psicolinguístico.

Ao professor Alessandro Boechat de Medeiros, pelas aulas maravilhosas de

semântica junto à professora Suzi Lima, que me abriram horizontes. Como também por

participar da minha qualificação com uma posição dura para um trabalho que de fato

merecia mais envolvimento, atenção e contribuição teórica.

À coordenação do Programa de Pós-graduação em Linguística, professora

Aniela Improta que me concedeu a bolsa pelo meu sexto lugar e meu afastamento, já

que antes não me foi permitida e eu já não acreditava mais nessa possibilidade. À

professora Aléria Lage por me conceder mais tempo para o término do meu trabalho,

compreendendo que parir três crianças e escrever uma tese é uma tarefa muito árdua,

como também pela disponibilidade e parceria.

Ao Instituto Benjamin Constant (IBC), seu corpo docente, coordenação e

direção do Departamento de Educação, por, em 2015, conceder-me afastamento parcial

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e, em 2017, conceder-me afastamento total, e, em 2018, após a minha licença

maternidade, colocar-me em um horário mais flexível, permitindo a minha dedicação à

tese. Um agradecimento especial à professora Márcia Gomes, que foi minha

coordenadora de área e em seguida de seguimento, sempre me apoiando e me

permitindo, outro anjo, esse da minha vida profissional. Ela embarca nas minhas ideias,

nos meus projetos e me permite. Ao Victor Luiz da Silveira, pela sua amizade, que me

ajudou no processo de afastamento, na minha RSC e agora aceitando participar da

minha tese como membro da banca.

Às professoras Ana Regina Calindro e Marcia Damaso por aceitarem compor a

banca e contribuirem com o meu trabalho.

À CAPES pelo financiamento por dois anos, do início de 2016 ao início de

2018.

Ao Eduardo Kennedy, há cinco anos de um trabalho cooperativo, pela

compreensão à minha ausência para ter filhos e estudar, principalmente, à oportunidade

de lecionar linguística em nível acadêmico.

À minha mãe que além de todo incentivo aos estudos durante toda a minha vida,

inscreveu-me em um curso de inglês, quando eu ainda tinha dez anos, pensando no meu

futuro, mesmo que o dinheiro não fosse suficiente, e quando não o foi mais, conseguiu

um emprego no próprio curso para que eu e meus irmãos pudéssemos estudar. Deu

frutos esse esforço: minha vida acadêmica, minhas leituras em língua inglesa tornaram-

se possíveis; minha irmã caçula, Karoline, está formando-se em Business em uma

Universidade norte-americana, com bolsa integral. Por ter ficado incansavelmente com

meus filhos, com muito amor, para que eu tivesse mais tranquilidade para produzir.

Obrigada por todo apoio e amor.

Ao meu pai, que estava sempre disponível e presente, para me ajudar com as

crianças, como também me levar ao Fundão para que eu pudesse fazer as disciplinas do

doutorado, quando eu estava sem carro, ou quando a minha gravidez estava muito

avançada.

Aos meus irmãos Leonardo e Karoline, por todo carinho e amizade, vocês são a

certeza de que não estou sozinha. Karol levava as crianças à praia, para passear, para

que eu pudesse escrever, e Leo à escola, quando a escrita e leituras ultrapassavam o

tempo previsto.

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Ao meu marido por toda paciência, toda produção gráfica que eu solicitei, pela

leitura, análise de verbos, e por me apoiar e me dar forças quando eu achava que não

iria aguentar mais. Sem o seu amor, o caminho seria triste.

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Aos meus filhos Gael, Zoé e Liz, por todo

tempo que deixei de estar com vocês para estar

aqui.

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“Se podes olhar, vê.

Se podes ver, REpara.”

José Saramago

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.............................................................................................................1

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA................................................................................8

2.1. Até onde vai o módulo sintático?...............................................................................8

2.2. Leitura Composicional X Leitura Idiomática...........................................................13

2.3. De papel temático a estrutura de eventos.................................................................18

2.4. Estruturas sintáticas nas construções verbais...........................................................23

3. O SISTEMA PREFIXAL DO PORTUGUÊS.............................................................29

3.1. A formação etimológica de verbos com prefixo......................................................29

3.2. Verbos parcialmente transparentes...........................................................................30

3.3. Verbos transparentes: composicionais e não- composicionais.................................37

3.4. Verbos escolhidos para a tese...................................................................................43

4. ANÁLISE DOS CONTEXTOS SINTÁTICO-SEMÂNTICOS.................................45

A. Correr..........................................................................................................................46

A.1. Concorrer.................................................................................................................48

A.2. Decorrer...................................................................................................................49

A.3. Discorrer..................................................................................................................50

A.4. Escorrer....................................................................................................................51

A.5. Incorrer....................................................................................................................52

A.6. Ocorrer.....................................................................................................................53

A.7. Percorrer..................................................................................................................54

A.8. Recorrer...................................................................................................................54

A.9. Socorrer...................................................................................................................55

A.10. Transcorrer.............................................................................................................56

B. Bater............................................................................................................................57

B.1. Abater.......................................................................................................................59

B.2. Combater..................................................................................................................60

B.3. Debater.....................................................................................................................61

B.4. Rebater.....................................................................................................................62

C. Levar...........................................................................................................................63

C.1. Elevar.......................................................................................................................65

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C.2. Relevar.....................................................................................................................66

D. Mandar........................................................................................................................67

D.1. Comandar.................................................................................................................69

D.2. Demandar.................................................................................................................70

E. Marcar.........................................................................................................................71

E.1. Demarcar..................................................................................................................72

E.2. Desmarcar................................................................................................................73

E.3. Remarcar..................................................................................................................74

F. Mover..........................................................................................................................75

F.1. Comover...................................................................................................................76

F.2. Remover...................................................................................................................77

G. Parar............................................................................................................................78

G.1. Aparar......................................................................................................................80

G.2. Amparar...................................................................................................................80

G.3. Comparar.................................................................................................................81

G.4. Deparar....................................................................................................................82

G.5. Disparar....................................................................................................................83

G.6. Preparar....................................................................................................................84

G.7. Reparar.....................................................................................................................85

H. Pegar...........................................................................................................................88

H.1. Apegar......................................................................................................................91

I. Ter................................................................................................................................92

I.1. Conter........................................................................................................................94

I.2. Deter..........................................................................................................................95

I.3. Reter..........................................................................................................................97

J. Ver................................................................................................................................98

J.1. Antever......................................................................................................................99

J.2. Prever......................................................................................................................100

J.3. Prover......................................................................................................................101

J.4. Rever.......................................................................................................................101

5. CONCLUSÃO E DESDOBRAMENTO...................................................................107

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................108

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CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO

Existe um processo de formação de palavras complexas do qual resultam verbos

com significados mais específicos do que os verbos simples. Estes possuem a estrutura

simples de raiz seguida de verbalizador, como em levar, ficar, somar. Estruturas mais

complexas, podemos encontrar em verbos como condecorar, recompor, desenterrar.

Sabemos que na interface sintaxe-semântica o significado pode estar relacionado

com a estrutura sintática de maneira composicional, ou seja, existe um mecanismo de

leitura que leva em conta a sintaxe no cálculo, passo a passo.

Porém, sabemos que é possível acontecerem idiomatizações no processamento

de leitura semântica. Nesse caso, o passo a passo da leitura composicional por fases

pode depender de particularidades dos saltos semânticos. O uso real da língua pode ir

ficando afetado ao longo do tempo por efeito de processos morfofonológicos e

atribuições de significado.

Neste estudo, iremos coletar dados de verbos complexos, como decorrer,

rebater, comandar, nos quais a interface sintaxe-semântica está transparente, bem como

dados de verbos aparentemente simples na sua morfologia, porém bastante complexos

na sua composição semântica, como correr, levar, bater. Estes casos são

surpreendentemente numerosos e a compreensão da origem de seus significados

contemporâneos é muito desafiadora.

Por exemplo, verbos com prefixo a- podem ser transparentes, como em acalmar,

amansar, nos quais as raízes calm- e mans- parecem estar vivas. Já verbos como abrir

ou agregar não têm morfologia transparente. Jamais algum falante conseguirá resgatar a

complexidade estrutural do verbo abrir de maneira que haja alguma relação com a sua

origem etimológica, [ad per ire]. Em agregar, pode ser que alguém ainda consiga

depreender a raiz grex, grei que significa “rebanho, grupo”, e é pouco usada

atualmente. Apesar de quase nenhum falante conseguir resgatar a raiz grei, alguns

podem apenas reconhecer a complexidade estrutural da palavra agregar, percebendo

que existem outras palavras derivadas da mesma raiz, como segregar, gregário, sem

terem a consciência do significado da raiz grei.

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Essas observações nos levam a perceber que o grupo de verbos com estrutura

complexa está longe de apresentar unidades sintáticas e semânticas com segmentação

clara. Para se estabelecer uma comparação entre verbos simples e verbos complexos, é

válido então um olhar minucioso para uma possível divisão entre os verbos complexos.

Outra contribuição da análise deste grupo de verbos, numa abordagem do quadro

teórico da Morfologia Distribuída em oposição a uma proposta lexicalista, é contribuir

para a hipótese de que os prefixos se relacionam intrinsecamente com a estrutura

argumental da palavra. Assim sendo eles podem restringir a grade argumental da

palavra como também seus significados.

Em PEREIRA (2012), num estudo comparativo entre verbos cognatos do

português e do francês, pude observar a diferença entre verbos sem prefixo como 'tocar'/

'toucher', 'prender'/'prendre' e verbos com prefixo como 'afrontar'/ 'affronter',

'procurar'/'procurer', 'amassar'/'amasser', 'atirar'/ 'attirer', e me pareceu válido

hipotetizar que, possivelmente, verbos com prefixo são muito menos polissêmicos do

que os seus verbos morfologicamente simples com a mesma raiz. Temos já a

experiência de que verbos simples são extremamente polissêmicos, ou seja, podem

aparecer em diferentes contextos sintáticos com diferentes significados.

Temos já a experiência de que verbos simples são extremamente polissêmi

cos, ou seja, podem aparecer em diferentes contextos sintáticos com diferentes

significados. A polissemia dos verbos simples é muito mais ampla do que a dos verbos

juntados a um prefixo e capaz de desenvolver-se em direções, por ora, imprevisíveis. Os

verbos simples constituem um conjunto de dados relevante para a construção da teoria,

uma vez que eles são polissêmicos e a fixação dos significados decorre, fortemente, da

estrutura sintática. O estudo comparativo de verbos simples e complexos pode reforçar a

hipótese de que o significado provém, em grande parte, da sintaxe, e o que provém da

raiz é subespecificado.

Nos verbos simples, a extensão semântica é consequência de sua

subespecificação. Por exemplo: para o verbo montar, encontramos: ‘montar um quebra-

cabeça’, ‘montar um espetáculo’, ‘a despesa monta a mil reais’; para cair, encontramos:

‘cair da janela’, ‘caiu chuva’, ‘cair a voz’, ‘cair o pano no espetáculo’, ‘cair como um

patinho’, ‘cair em heresia’, ‘cair em desuso’, ‘o carnaval cai em fevereiro’ e outros;

para o verbo chegar, encontramos: ‘chegar a hora’, ‘meu amigo chegou’, ‘dois reais

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chega para comprar um picolé’, ‘as despesas chegaram a quinhentos reais’, ‘chegar a

cadeira pra perto’.

Para os verbos com prefixo, a hipótese seria favorável a alguma interação entre

raiz e o prefixo. Esta observação também se mantém para o verbos em que, no nível

consciente, o falante nativo não percebe a segmentação morfológica proveniente da

diacronia, já que, nestes casos, o verbo também não é polissêmico, como podemos

observar nos exemplos abaixo.

O verbo dedicar não é polissêmico apesar de que nós hoje não percebemos

conscientemente o prefixo que o fazia polimorfêmico outrora;

em abarcar não vemos mais [a+ barca]; em abandonar não vemos [a+ bandon]; em

acordar não vemos mais [a+ cord]; em adaptar não vemos [ad+ apt]; em adereçar não

vemos [ad + directio]; em decidir não vemos mais [de + cadere] ; nem [de+ clarar] em

declarar; nem [de+ dicar] em dedicar. Estes verbos têm algo de paradoxal: é como se a

presença do prefixo estivesse sintaticamente efetiva apesar de a composição semântica

não estar sendo percebida. Muitas vezes o prefixo se repete em forma de preposição,

como se estivesse havendo um resgate do prefixo: concordar com, discordar de, enfiar

em, depender de, atender a

O propósito deste estudo é compreender os mecanismos de interface da raiz para

a formação de verbos simples e complexos, os mecanismos de interface do prefixo para

a formação de verbos complexos e o acarretamento de polissemia.

JUSTIFICATIVA TEÓRICA

Tomarei por base a teoria da MD, porque nos instrumentaliza a descrever

acuradamente pequenos contextos sintáticos distintos nos quais as raízes poderão ser

inseridas. Ela nos ajuda a reconhecer peças vocabulares funcionais e contextos

sintáticos típicos, dos quais extraímos informação preditiva sobre a leitura semântica,

como também nos permite olhar para a relação entre o significado de morfemas

funcionais e o significado da raiz.

A polissemia poderá, então, ser descrita em termos dos contextos sintáticos, que

estarão detalhadamente descritos. Distinguiremos significados dados pela pura sintaxe,

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composicionalmente, e significados acrescentados de natureza muito mais variada e

imprevisível.

Por exemplo, tome-se o verbo ‘pagar’ em:

(i) Paguei dez reais por uma revista

(ii) Deixa que eu pago este táxi

(iii) Ele pagou caro por uma simples brincadeira

(iv) Você me paga!

Em (i), o complemento de pagar é um valor em moeda; em (ii), o complemento

‘táxi’ é lido como ‘o preço da corrida de táxi’; em (iii), não há dinheiro envolvido na

compensação, mas há uma compensação que é de natureza moral, tal como em (iv), só

que nesta a afirmação adquire um componente de vingança. Em inglês, emprega-se ‘pay

attention’, onde a coisa cobrada é atenção. A pergunta sintática para o verbo ‘pagar’ é

sobre a natureza lexical das palavras que representam as duas entidades negociadas:

pagar x por y. A pergunta semântica tem por foco a natureza conceptual de x e y.

Checar possibilidades deste tipo é uma tarefa nada simples.

O embasamento teórico desta tese é uma teoria sintática construcionista,

seguindo Marantz (1997, 2007, 2013), Linn (2004) e outros, conforme maiores

explicações no capítulo seguinte. Neste contexto entende-se o adjetivo “construcionista”

por oposição a “lexicalista”. Esta oposição teórica está baseada em um contraste de

hipóteses com relação à seguinte pergunta:

O significado proveniente do verbo precede o significado da construção sintática

ou a sintaxe prevê configurações que já por si são portadoras de algum significado

estrutural?

Para a teoria lexicalista, o verbo projeta para a sintaxe, a partir do seu

significado, os papéis temáticos dos argumentos previstos por seu significado

intrínseco.

Para a teoria construcionista as peças lexicais e funcionais são inseridas por

fases na sintaxe enquanto ainda não preenchida lexicalmente, e as expressões formadas

após a inserção lexical são oferecidas à semântica, responsável pela leitura das

construções. As expectativas da teoria construcionista autorizam a polissemia dos

verbos simples, e, consequentemente, desencontros na comparação entre verbos simples

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e verbos complexos. A categoria de verbos simples é crucial para esta análise, porque

no caso de verbos semanticamente não monomorfêmicos a polissemia será menor.

Neste trabalho, os dados linguísticos serão os tipos de contextos sintáticos

possíveis para cada verbo. Os contextos possíveis, por sua vez, podem ser previstos

estruturalmente, conforme exemplo abaixo, em que podemos observar que um mesmo

verbo pode figurar em mais de uma estrutura, podendo assim modificar o seu

significado. Estes contextos serão explicados mais detalhadamente no capítulo 2, na

seção 2.4.

DP______: Maria saiu / o copo quebrou

DP_______DP: Maria quebrou o copo / Maria se machucou

DP_______PP: O quadro saiu do lugar

DP_______DP PP: Maria tirou o livro da estante

DP_______CP: Maria disse que gostou do filme

DP_______PP CP: João disse à Maria que gostou do filme

METODOLOGIA

Nesta pesquisa, a escolha dos verbos teve como critério a transparência

morfológica dos verbos com prefixo, derivados de verbos simples sem camada nominal

intermediária, como abater, percorrer, combater, relevar. Este critério se justifica para

auxiliar na compreensão de um dos objetivos da tese de que a posição do prefixo na

derivação pode contribuir para ganho de significados especiais ou significados

composicionais.

Para compreensão destes contextos sintático-semânticos dos verbos, das

idiomatizações e composicionalidades, os dicionários de português foram utilizados,

porém não somente de dicionários serão provenientes estes dados. De maneira geral, os

dicionários da internet deixam muito a desejar. Em alguns verbetes, há excesso de

exemplos para uma mesma estrutura e, em outros verbetes, há ausência de alguma

estrutura que o verbo utiliza. E, em numerosos casos são oferecidos verbetes

absolutamente inaceitáveis. Nestes casos, a consulta ao Google é muito útil, para

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verificar dados reconhecíveis. Além disso, sempre é possível consultar falantes nativos

e pesquisar ocorrências em textos.

Na verdade, a consulta a dicionários foi o primeiro passo desta pesquisa, mesmo

antes de oficializarmos o projeto desta tese. A distinção de comportamento entre a

classe dos verbos simples, com contextos mais extensos, em comparação com a dos

verbos complexos, aparentemente mais escassos, apresentou-se transparentemente nas

primeiras buscas lexicais feitas.

A divisão dos dados consistiu em, primeiramente, separar verbos simples e seus

derivados complexos transparentes formados a partir da incorporação de prefixos. Em

seguida, analisar as estruturas argumentais dos verbos simples, como por exemplo, as

estruturas do verbo simples correr e suas possíveis polissemias, nos contextos: João

correu, João correu a maratona, João correu um abaixo assinado, o rato correu do gato,

a mão de João correu pelo cabelo e outros. Em seguida, compará-los com as estruturas

argumentais dos verbos complexos formados a partir da mesma raiz e suas possíveis

polissemias. Com a raiz corr-, temos verbos como incorrer, socorrer, recorrer,

discorrer, transcorrer, decorrer, percorrer, concorrer.

Após estas comparações, pode-se depreender generalizações que foram possíveis

ao olharmos para as ocorrências de outros verbos simples e com prefixos em alguns

tipos de estruturas possíveis, como algumas citadas na seção anterior, por exemplo:

estruturas inergativas, como em Maria saiu, inacusativas, como em O copo quebrou,

transitivas causativas e agentivas, como em Maria quebrou o copo e Maria tirou o livro

da estante. Esta última também figurando um caso de bitransitiva, com argumento

locativo, e outras que estarão mais detalhadas na análise dos dados e no capítulo

seguinte. Como também algumas vezes foi necessário observar o tipo semântico da

raiz, atividade ou estado, da estrutura de resultado ou de maneira, e do prefixo. Elas nos

levaram a contribuições para responder às questões apresentadas abaixo.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS E HIPÓTESES

Os objetivos específicos são:

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7

(i) primeiramente, compreender se os dados oriundos da comparação de verbos

simples e seus derivados com prefixo corroboram para uma teoria de tipo lexicalista, ou

para uma teoria em que a formação de sentenças e a formação de palavras se dá no

mesmo componente gramatical.

(ii) a segunda questão proveniente da análise comparativa de verbos simples e

complexos é sobre a função da incorporação de prefixos na formação de verbos

complexos e a relação deles com a estrutura argumental do verbo derivado.

(iii) Por último, como explicar possíveis idiomatizações em verbos complexos

derivados de verbos simples com uma morfologia transparente? Estes verbos complexos

com leituras não composicionais geram novas estruturas argumentais ou continuam

restringindo as suas possibilidades?

Estas questões e a análise que se segue pretendem contribuir para duas hipóteses

que motivam esta pesquisa. Primeiro, o estudo de verbos complexos a partir da

incorporação de prefixos em bases que são oriundas de verbos simples, possivelmente

polissêmicos, comprova que os morfemas funcionais participam da relação e alteração

da estrutura argumental da sentença, ou seja, os prefixos podem modificar a estrutura da

sentença, com isso a estrutura da sentença e a estrutura da palavra acontecem na sintaxe.

A segunda hipótese é de que os prefixos verbais, incorporados a estruturas também

formadoras de verbos simples, não contribuem apenas para a formação de um acréscimo

de significado para a nova palavra derivada. Eles contribuem para a formação da

estrutura argumental da palavra formada, restringindo a polissemia, mas não como

introdutor de um argumento interno.

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CAPÍTULO 2

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. ATÉ ONDE VAI O MÓDULO SINTÁTICO?

Because there is no lexicon in DM, the term “lexical item” has no significance in the teory, nor can anything be said to “happen in the lexicon”, and neither can anything be said to be “lexical” or “lexicalized”. 1 (Harley e Noyer, 1999:3)

Inserindo esta pesquisa numa perspectiva mais ampla, podemos afirmar que este

estudo assume a ideia da modularidade da mente. Isto significa dizer que a mente é um

órgão complexo dividido em grandes compartimentos, com tarefas especializadas e

autônomas. A mente é modular. Um exemplo disso é o distúrbio especificamente

linguístico (DEL – Déficit Específico da Linguagem), em que a criança não apresenta

nenhum outro problema cognitivo ou neurológico, mas apenas o curso da linguagem é

afetado, como mostrado no artigo de Crestani et al. (2013), que tem como objetivo

relatar a revisão de estudos sobre o distúrbio específico de linguagem quanto à

percepção que a família apresenta deste distúrbio, formas clínicas e sua relação com os

marcos evolutivos em linguagem.

A linguagem, por sua vez, é um módulo da nossa mente, e dentro dela há

submódulos: morfológico, sintático, semântico, fonológico, pragmático. Por isso, pode-

se sofrer um grave acidente, lesionar uma área do cérebro e com isso afetar alguns

módulos e outros permanecerem intactos. Entender como esses módulos se relacionam

é uma tarefa nada fácil e muito interessante para a compreensão da computação da

linguagem na nossa mente. Segundo Embick et al. (2000: 1): Linguistic theory divides human linguistic ability into distinct modules responsible for distinct aspects of our knowledge of language. For instance, the syntactic component governs the hierarchical organization of words and phrases in sentences, whereas the phonological component is responsible for the sound

1 Já que não há léxico na MD, o termo “item lexical” não possui significância na teoria, nem nada pode ser dito como “isso não acontece no léxico”, e também nada pode ser dito como “lexical” e “lexicalizado”. (tradução nossa)

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structure of a language. The identification of specialized cortical areas responsible for these distinct aspects of linguistic competence is a first step toward understanding how language is instantiated in the brain. 2

O interesse principal aqui é o módulo sintático e sua relação com o módulo

semântico. Neste ponto, precisamos nos debruçar numa importante questão da teoria:

até onde vai o módulo sintático? Para a teoria lexicalista, a sintaxe está apenas no nível

da sentença. Enquanto para a teoria da Morfologia Distribuída, a sintaxe vai até o

interior da palavra (syntax all the way down).

A Teoria da Morfologia Distribuída (MD), iniciada em Halle e Marantz (1993,

1994), fornece uma alternativa para o modelo da Gramática Universal (GU). No modelo

anterior da GU, tradicionalmente conhecido como a Teoria da Regência e Ligação (GB)

proposto em Chomsky (1981), há um módulo lexical independente do módulo sintático

que alimenta a sintaxe com palavras para inserção lexical. Chomsky (1972:184), assume

esse componente lexical “I will assume that a grammar contains a base consisting of a

categorial component (wich I will assume to be a context-free grammar) and a

lexicon.”3

Siddiqi (2009) mostra-nos que a Morfologia Distribuída é um estudo dentro do

Programa Minimalista que rejeita a Hipótese Lexicalista e a noção de um Léxico

Gerativo. Para a MD há apenas um componente gerativo na gramática, a sintaxe.

O lexicalismo assume, então, que a palavra é a menor unidade gramatical que

pode ser inserida na sintaxe. A computação para o modelo lexicalista começa com a

seleção de itens lexicais, através de um processo dado a partir de uma numeração e, em

seguida, os itens selecionados sofrem os processos sintáticos de concatenar (merge) e

mover (move). Após esses processos, a sentença passa para o Spell out. A sentença é

entregue por um lado para a forma lógica, que se relaciona com o sistema intencional-

conceptual, externo à gramática, e por outro lado para a forma fonológica, que se

2 A Teoria linguística divide as habilidades linguísticas humanas em módulos distintos responsáveis por aspectos distintos do nosso conhecimento de língua. Por exemplo, o componente sintático rege a organização hierárquica de palavras e sintagmas nas sentenças, enquanto o componente fonológico é responsável pela estrutura dos sons da língua. A identificação da área cortical especializada por aspetos distintos da competência linguística é o primeiro passo para compreender como a língua é instanciada no cérebro. (tradução nossa) 3 Eu vou assumir que a gramática contém uma base que consiste em um componente categorial (que eu vou assumir ser uma gramática de contexto-livre) e um léxico. (tradução nossa)

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relaciona com o sistema articulatório-perceptual, também externo à gramática. Segue

abaixo uma representação do modelo lexicalista:

No modelo da Morfologia Distribuída não há um módulo lexical. A palavra é

formada pela contribuição de três listas:

Lista A, Traços Morfossintáticos, contém traços gramaticais abstratos, os

morfemas, possivelmente sem informação fonológica, como por exemplo: evento,

tempo, entidade referida no discurso, complementizador, emissor do discurso,

verbalizador etc. Estes morfemas passam pelas operações sintáticas: concatenar (merge)

e mover (move). Apesar da Lista A enviar informação para a sintaxe, assim como o

Léxico no modelo lexicalista, é importante perceber a diferença: a informação enviada

na MD são traços abstratos, e não mais unidades complexas dotadas de forma

fonológica.

A Lista B, Itens de Vocabulário, contém peças com matéria fônica e traços

gramaticais: -eiro, -oso, -a, -des, -vist, -mass, um, dois, eu, tu, -s etc. Após as operações

sintáticas, os nós terminais são enviados às operações morfológicas e ganham forma

fonológica através da inserção vocabular.

A lista C, Enciclopédia, contém conhecimento não linguístico, é formada por

construções mínimas compostas por uma raiz e uma peça vocabular categorizadora.

Nestas construções se aplica uma convenção de significado que resulta na relação

arbitrária entre som e significado, a arbitrariedade saussuriana.

Segue o modelo abaixo apresentado por Harley e Noyer (1999:3):

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Siddiqi (2009) nos apresenta três diferenças principais entre as duas teorias

(detalhadas abaixo): a inserção tardia, a decomposição sintática e a subespecificação.

i. Inserção Tardia

A MD manipula traços formais abstratos para formar estrutura sintática. Esses

traços (como [passado], [plural]) são selecionados de um a um a partir de uma lista fixa

de traços abstratos ou feixes de traços em vez de serem selecionados do output do léxico

gerativo. Para a hipótese da inserção tardia, a fonologia dos traços manipulados pela

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sintaxe é fornecida na Forma Fonológica em vez de estarem presentes na derivação.

Essa fonologia é fornecida por um componente da gramática chamado Vocabulário. (O

esquema da gramática da MD será mostrado mais abaixo). Ele resume o Vocabulário

como um inventário de signos disponíveis para a língua, que pode ser usado para

implementar a natureza de traços sintáticos. Os itens individuais dentro dessa lista são

chamados de Item de Vocabulário, que representam a correspondência básica entre som

e significado na língua.

A diferença entre MD e o Lexicalismo está no ponto da derivação em que é

inserido o material fonológico. Na MD, é uma inserção tardia porque acontece depois

do spellout, enquanto que no Léxico Gerativo a palavra já vem com material

fonológico.

ii. Decomposição Morfossintática

Um ponto importante para a MD é que existe um paralelo entre estrutura

sintática e estrutura morfológica. Como a MD manipula apenas traços sintáticos, isso

significa que uma estrutura complexa de palavra é computada da mesma forma que uma

estrutura complexa de sentença. As duas operações resultam da aplicação do merge

(concatenar) no componente sintático da gramática.

iii. Subespecificação

A inserção dos Itens de Vocabulário é governada pelo princípio do subconjunto,

na qual um Item de Vocabulário pode ser inserido em qualquer nó que satisfaça suas

especificações, mesmo que as ultrapasse.

Na maioria das hipóteses lexicalistas, há uma exigência de uma especificação

total para todas as entradas lexicais. Siddiqi (2009) usa como exemplo o lexicalismo,

em que a palavra na numeração deve estar completamente flexionada e sempre conter o

conjunto exato de traços que a sintaxe precisa checar, se não a derivação não acontece.

A subespecificação prevista pela MD nos permite fazer predições bem diferentes

dos modelos lexicalistas, como o comportamento de elementos sintáticos (polissemia,

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sincretismos, por exemplo). Também prediz um número muito pequeno de itens lexicais

exigidos já que um item pode preencher regras bem diferentes.

Um exemplo em língua portuguesa e com verbos complexos numa abordagem

construcionista é a análise comparativa dos prefixos en-, es- e a-, em formações

parassintéticas de Bassani (2009), que sugere que os traços do núcleo R (prefixo) são

subespecificados, valendo-se de noções como o Princípio do subconjunto e de

competição. A autora afirma que já que os itens de vocabulário não precisam ser

completamente especificados para serem inseridos em uma determinada posição

sintática, então o núcleo funcional R possui minimamente o traço [+r], justificando

assim a não especificidade dos traços semânticos destes prefixos analisados ao se

adjungirem a tipos semânticos específicos de raízes, ou seja, temos emagrecer, mas

poderia ser amagrecer, esmagrecer. Assim, ela assume que existe informação

contextual especificada nos itens de vocabulário em forma de listas, por exemplo para

as formas com prefixo a-, o traço morfossemântico [+r] se realiza fonologicamente com

a- quando concatenado com raízes de uma lista de raízes, possivelmente chamada de

lista A.

Utilizando-se deste recurso da MD, a autora contrapõe-se a uma análise

lexicalista em que a inserção de R fosse completamente especificada, sugerindo que se

assim fosse para explicar a presença dos prefixo a-, en- e es- em todas as classes

semânticas, a sua presença seria um caso de homofonia, como ela exemplifica (p.239),

teríamos uma lista de prefixos verbais homófonos: a1 prefixo de mudança de estado, a2

prefixo de mudança de posse abstrata, a3 prefixo de mudança de posse concreta, a4

prefixo de mudança de lugar, a5 prefixo de mudança de configuração, a6 prefixo

formador de atividade (modificador de v).

A partir da análise dos modelos e da proposta de Bassani (2009) para os dados

de verbos com prefixos em formações parassintéticas, conclui-se que para os dados de

verbos com prefixo incorporados em bases formadas por verbos simples, as ferramentas

da MD nos dão um suporte mais preciso para compreensão dos fenômenos analisados,

como também a compreender os dados em que a leitura pode ser composicional ou

idiomática, conforme seção abaixo.

2.2. LEITURA COMPOSICIONAL X LEITURA IDIOMÁTICA

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A interpretação das estruturas acontece na interface entre a forma lógica e a

enciclopédia. Essas estruturas podem ter duas leituras: composicional ou idiomática.

Em Marantz (1997), sugere-se uma delimitação do domínio sintático que a Enciclopédia

pode selecionar para fornecer uma leitura não composicional. O único contexto que

pode receber leitura arbitrária é a raiz em sua primeira categorização sintática.

O ponto da derivação em que o significado especial é definido é uma questão

para as teorias construcionistas. Em Pereira (2012), alguns exemplos de palavras que

ganham significado arbitrário em camada de categorização sintática posterior à da

primeira categorização são dados: o adjetivo ordinário ganha leitura na fase de entrada

do sufixo –ário sem que tenhamos computado o significado de ordem; o nome

restaurante ganha leitura na fase do sufixo –nte, sem passar pela leitura do verbo

restaurar; em fundamental não temos a leitura de fundo; em corrente a de correr; em

suculento a de suco; em motorista a de motor; em protestante a de protesto; em

bastante a do verbo bastar; em professor a do verbo professar; governador com o

acréscimo indispensável da noção de governo de estado.

A composicionalidade prevê que o significado de uma expressão é determinado

pelo cálculo que associa o significado das partes recorrentes, como em beijo, beijar;

rato, ratoeira; a mãe de João comprou uma maça; Pedro viu que a mãe de João comprou

uma maça. O mesmo acontece em verbos com prefixo, em que o cálculo do significado

da raiz, do prefixo e do categorizador também são computados contribuindo para formar

o significado da palavra. Por exemplo:

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Já a idiomaticidade acontece através de negociações semânticas não previsíveis

pelo cálculo das partes recorrentes, como em chutar o balde; pagar o pato; pé de

moleque; restaurante.

Exemplos de palavras com prefixo que passam por um processo de

idiomatização estão representados abaixo:

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Em 4, aprovar não é colocar à prova, mas sim julgar favoravelmente uma prova.

A idiomatização com a semântica de “favorecimento” está acontecendo na terceira

camada, quando a construção adquire o traço verbal.

Em 5, atender não é tender a alguém apenas, mas sim dar atenção, responder. A

nominalização, atendimento, derivada do verbo atender, tem em relação ao verbo um

significado regularmente composicional.

Em 6, reprovar não é provar de novo, mas sim negar a prova anteriormente feita.

A idiomatização de desaprovação acontece na camada da verbalização.

Essas relações são muito imprevisíveis, e em fase de aquisição de linguagem,

podemos capturar bons exemplos disso. Anotei alguns casos produzidos pelo meu filho

com dois e três anos de idade. Ele chamou um motorista de dirigista, evidenciando a

capacidade dele de reconhecer que a profissão do motorista é de dirigir um veículo. A

palavra dirigista está composicionalmente relacionada com o significado do verbo

dirigir. Ao contrário, o nosso uso da palavra motorista é idiomático, uma vez que a

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relação da pessoa que dirige o carro com o motor do carro é extremamente indireta. Nós

nomeamos ‘dirigir’ a ação de conduzir um veículo, mas chamamos de ‘motorista’

aquele que dirige. O menino fez um caminho composicional, fase a fase.

As negociações semânticas, ambas possíveis, de chamar aquele que dirige um

veículo de motorista ou de dirigista decorrem da possibilidade da arbitrariedade do

signo, porque tanto o motor quanto o ato de dirigir têm algo a ver com o evento de

dirigir um veículo.

Outros exemplos realizados pelo meu filho, que mostram uma avançada

consciência da segmentação morfológica das palavras e significado das suas partes,

foram: unha descascada e unha cascada; desapagar a luz, desconder, descondido,

ingulha, engrudar, batedosa, guardadosa.

Estes achados nos permitem pensar em algumas hipóteses que contribuem

indiretamente para o foco desta pesquisa. A primeira é que existe uma semântica clara

para o prefixo des- já consolidada nesta fase de aquisição.

A eliminação do prefixo des-, em descascada, mostra evidencia da consciência

da semântica da raiz e do prefixo des-, ou seja, a unha está descascada, porque ela tinha

um estado anterior de cascada.

No exemplo de desapagar a luz, a luz estava no estado de apagada, e desapagar

seria uma forma de modificar o seu estado para acessa.

O desconder e descondido nos mostra novamente uma contribuição para a leitura

do des- como uma modificação de um estado anterior, e a falta de expressividade para

essa relação ou até mesmo da falta de consciência do prefixo es-.

A formação de ingulha é muito interessante, porque ele modificou a raiz e inclui

um sufixo in- que mostra fortemente a consciência de um traço semântico direcional.

O acréscimo do prefixo en- na base grudar também nos mostra a consciência

direcional do prefixo en-, e uma escolha especifica para este prefixo, pois ele já tinha a

consciência claramente realizada com os exemplos anteriores do prefixo des- e in-, mas

para demonstrar aquela relação de grudar em, o prefixo en- foi escolhido.

A incorporação dos sufixos -osa às formas verbais bater e guardar nos mostram

não só a consciência da semântica do prefixo e das bases verbais, como também da

seleção categorial que o sufixo pode fazer.

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A consciência da semântica do prefixo des-, in-, en-, aos três anos de idade, em

fase de aquisição, além de num quadro mais amplo contribuir para uma teoria inatista,

dado a criatividade de formações possíveis na língua sem estímulos concretos para estas

possibilidades, como também para uma teoria em que a sintaxe esteja sendo computada

no nível morfológico, fornece-nos evidência de que apenas um traço [+r] como

especificação para o núcleo R não é suficiente.

Como explicar, então, os casos em que a leitura semântica do prefixo não está

mais ativa, e a possibilidade de muitos tipos semânticos para um mesmo prefixo poder

ser percebida? Esta questão está relacionada à última questão levantada na seção de

objetivos específicos, pois precisamos pensar que uma possível resposta para esta

questão é a idiomatização que acontece na primeira categorização da raiz, fornecendo

uma leitura não composicional ao novo verbo complexo. Com isso, os traços

semânticos de direcionalidade, por exemplo, podem não estar mais sendo computados.

Esta observação nos convida a refletir sobre a estrutura argumental das palavras,

que faremos na próxima seção. Iniciaremos a discussão sobre uma diferença importante

entre as teorias lexicalista e construcionista, que é a teoria de papéis temáticos e sua

evolução para uma teoria de estrutura de eventos.

Quanto às idiomatizações e os traços semânticos dos prefixos e dos verbos,

poderemos discutir mais amplamente no próximo capítulo, sendo necessária

primeiramente uma divisão dos possíveis tipos morfológicos existentes para os verbos

complexos.

2.3. DE PAPEL TEMÁTICO A ESTRUTURA DE EVENTOS

Quanto às estruturas argumentais, há diferenças importantes entre as teorias

lexicalista e construcionista. Para a teoria lexicalista, o verbo projeta para a sintaxe, a

partir do seu significado, os papéis temáticos dos argumentos previstos por seu

significado intrínseco.

Para a teoria construcionista, as peças lexicais e funcionais são inseridas numa

estrutura funcional gerada pela sintaxe, e as expressões formadas por essa inserção

lexical são oferecidas à semântica, responsável pela leitura das construções.

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Lin (2004), em sua tese intitulada Event Structure and Encoding of Arguments:

The Syntax of the Mandarin and English Verb Phrase, defende que a estrutura

argumental, estrutura sintática e estrutura de eventos é uma e a mesma coisa. Para

justificar essa ideia, ele nos apresenta os problemas das teorias que antecedem a sua

proposta. A seguir vou fazer um resumo deste texto entre as páginas 11 a 33, até a

próxima seção dessa argumentação.

Fillmore (1968) introduz a ideia de papéis semânticos com a argumentação de

que o componente proposicional de uma sentença pode ser representado como uma

matriz que consiste: de verbo e do número de sintagmas nominais especificamente

marcados com papéis, tais como agente, paciente, instrumento e alvo. Um verbo, então,

é definido pelos papéis temáticos que oferece, por exemplo, o verbo bater tem um

agente e um paciente, e o verbo assustar tem um experienciador e um estimulador. 4

A proposta tem como base que o mapeamento entre os papéis semânticos e

posição sintática é universal e determinada pelo significado dos verbos. Com isso, um

inventário relativamente pequeno de papéis temáticos seria suficiente para descrever

aspectos gramaticalmente relevantes dos argumentos, e uma possível hierarquia para os

mesmos.

A teoria dos papéis temáticos não se refere diretamente ao significado dos

verbos e seus eventos, pois não consegue explicar o motivo de cada sintagma nominal

tomar um único papel temático, ou a obrigatoriedade de algum tipo de papel semântico

ser específico para um verbo, ou de alguns papéis semânticos serem opcionais, ou o

porquê do argumento interno de alguns verbos parecer não suportar quaisquer papéis

temáticos naturais, como os verbos prometer, rezar, imaginar, tornando-se uma teoria

puramente descritiva.

Reconhecendo essas lacunas nas teorias baseadas puramente em papéis

temáticos, há um consenso entre muitos linguistas de que a estrutura argumental é

prevista por eventos semânticos.

Os trabalhos de Ryle (1949), Kenny (1963) e Vendler (1957) propõem uma

classificação de quatro tipos de eventos: state (estado), activities (atividade),

4 Para maiores discussões sobre a teoria dos papéis temáticos, ver Jackendoff (1972), Stowell (1981), Chomsky (1981), Baker(1988), Belletti e Rizzi (1988), Jackendoff (1990), Dowty (1991), Van Valin (1993), Pesetsky.

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accomplishments, achievements, baseados nas propriedades aspectuais do verbo,

também chamadas de aktionsart.

Exemplos de verbos de estado (state) seriam: conhecer, acreditar, desejar, pois

não são dinâmicos, não são ações, não envolvem mudança e tem duração (atélicos);

verbos de atividade (activities) seriam correr, andar, nadar, pois são homogêneos, tem

uma duração temporal definida e não marcam culminância ou resultado; verbos de

accomplishment seriam: pintar um quadro, desenhar um círculo, fazer um bolo, crescer,

pois tem continuidade e culminância; verbos de achievement seriam reconhecer,

encontrar, perder, morrer, pois marca uma mudança instantânea num espaço de tempo

não definido, mas limitado. Essa divisão em quatro categorias aspectuais não é

consensual entre os linguistas.

Verkuyl (1993:48), ainda apud Lin (2004:20), concluiu que a duração dos

eventos e a distinção entre achievement e accomplishment é um problema de

conhecimento de mundo, exemplificado pelo verbo digitar (type) em “digitar uma carta”

poderia ser um achievement, já que alguém pode imaginar um evento tendo uma longa

duração (digitando uma longa correspondência), ou sendo pontual (digitando uma carta

x).

Soares (1997:140) conclui ao analisar verbos em japonês, inglês e português que

há um grupo de três categorias básicas aspectuais dos predicados em inglês e japonês:

estados, atividades e mudança de estado, considerando as similaridades fundamentais na

classificação verbal de Kindaichi (1950) e Vendler (1967).

Rappaport Hovav e Levin (1998), com base nos tipos de evento de Vendler,

sugerem uma teoria de evento com um inventário básico de construções eventivas:

(7)

a. [ x AÇÃO < MANEIRA>] (atividade)

b. [ x <estado>] (estado)

c. [ BECOME [ x <estado>]] (achievement)

d. [ x CAUSA [ BECOME [ y <ESTADO>]]] (accomplishment)

e. [[x AÇÃO <MANEIRA>] CAUSA [ BECOME [ y <ESTADO>]]] (accomplishment)

(Rappaport Hovav e Levin, 1998:108, tradução nossa) 5

5 Um metapredicado não tem exatamente o mesmo significado que o verbo que é usado para expressá-lo em uma paráfrase (Van Valin, 2005), como as das sentenças em (14)-(17). Baseadas nessa

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De acordo com Lin (2004), em oposição à teoria de Rappaport Hovav e Levin

(1998), essas abordagens de uma teoria de eventos ainda são lexicalistas, já que os

verbos introduzem representações semânticas lexicais completamente bem formadas no

processo de derivação sintática. Portanto, evento e estrutura argumental devem ser

formados na sintaxe.

Uma outra importante observação do autor para a teoria de tipos de eventos é

que não pode ser aplicada ao verbo isoladamente. Os objetos diretos, adjuntos e,

algumas vezes, o próprio sujeito devem ser decompostos com as propriedades inerentes

do verbo para chegar a uma classificação de evento. Um exemplo disso é mostrado em

Jackendoff (1996), em que alguns objetos diretos, chamados de incremental themes,

podem influenciar bastante na telicidade do verbo:

(8)

a. João comeu pudim. (atividade)

b. João comeu a maçã. (accomplishment)

c. João comeu a uva. (achievement)

(Apud Lin, 2004:22, tradução nossa)

Baseado nos traços semânticos do objeto direto, uma atividade inerente do verbo

parece assumir três tipos diferentes de evento aspectual. Em (8a), denota uma atividade,

porque, pudim é um nome massivo. Em (8b), teríamos um accomplishment, já que

comer maçã tem um curto tempo determinado. Já em (8c), esse tempo denota um evento

pontual, ou achievement, já que comer uma uva exige um tempo bem mais curto e

rápido. Outro exemplo é o adjunto e o sujeito modificando o evento, como em (9, 10,

11) em que verbos de emissão de som e verbos de maneira de movimento,

constatação, Cançado, Godoy e Amaral (no prelo) assumem que não existe uma tradução única do metapredicado BECOME para o português. Por exemplo, parece que certos adjetivos se compõem melhor com o verbo tornar-se para expressar o acarretamento da mudança de estado (tornar-se um estado), enquanto outros adjetivos se compõem melhor com o verbo ficar no acarretamento da mudança de estado (ficar em um estado). O relevante é que se mantenha o sentido de mudança, expresso por BECOME. (Cançado et al, 2013:111). Segundo Cançado et al (2013:119), Accomplishment é um tipo de evento que se desenvolve no tempo, denotando o princípio, meio e o ponto final; e achievement é um tipo de evento pontual que não se desenvolve no tempo, também apresentam a mesma dificuldade de tradução, portanto manterei os termos em inglês.

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inerentemente atividades, podem se tornar accomplisment com a adição de um sintagma

preposicional alvo:

(9) a. The children splashed the water. (activity)

b. The children splashed down the street. (accomplishment)

1. a. John swam. (activity)

b. John swam across the pool. (accomplishment)

2. a. John pushed the cart. (activity)

b. John pushed the cart down the street. (accomplishment) 6

(Levin e Rappaport Hovav, 1995, apud Lin 2004:23)

O sujeito também pode influenciar sua interpretação aspectual. Se um plural

indefinido ocorrer como um sujeito de um evento achievement, a sentença é aceitável

com adverbiais durativos.

3. a. * John discovered that quaint little village for years.

b. Tourists discovered that quaint little village for years. 7

Assumindo que a ontologia de eventos de Vendler pode ser usada como um guia

para as representações semânticas lexicais, mas não podem ser uma teoria final para os

eventos básicos da estrutura argumental, ainda numa tentativa de relacionar as

representações semânticas lexicais com argumentos sintáticos, Rappaport Hovav e

Levin (2000), sugerem uma teoria de Linking.

Elas definem um conjunto de padrões bem formados que associam peças de

estrutura de eventos com estrutura sintática, porém se a sintaxe é o único sistema

gerativo da faculdade da linguagem humana, não condiz assumir uma representação

semântica composicional e recursiva paralela à estrutura sintática. Uma solução

potencial, segundo Lin (2004), é simplesmente assumir que a estrutura de evento é a 6 (9) a. As crianças espirraram a água. (atividade) b. As crianças correram pela rua. (accomplishment) (10) a. João nadou. (atividade) b. João nadou pela piscina. (accomplishment) (11) a. João empurrou o carrinho. (atividade) b. João empurrou o carrinho pela rua. (accomplishment) (tradução nossa) 7 (12) a. * João descobriu aquela pequena vila por anos. b. Os turistas descobriram aquela a pequena vila por anos. (tradução nossa)

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estrutura sintática. Ele simplifica drasticamente a teoria da estrutura argumental:

estrutura argumental, estrutura sintática e estrutura de evento podem ser o mesmo.

Alguns linguistas, como Hale and Keyser (1993); Marantz (1997); Borer (2001); Lin

(2004) e muitos outros, assumem esta hipótese.

2.4. ESTRUTURAS SINTÁTICAS NAS CONSTRUÇÕES VERBAIS

Para analisar o comportamento sintático e semântico dos verbos, as teorias

construcionistas, nas quais a formação de palavras e seus constituintes menores

acontece na sintaxe, propõem algumas estruturas básicas em que a raiz se insere

configurando, assim, boa parte da leitura semântica do verbo.

Lemle, M. e Castro C (2011) utilizam a teoria de Borer (2003), que prevê cada

verbo como um item lexical responsável pela sintaxe em que recebe licenciamento (L-

syntax). As autoras observam que um mesmo verbo no português pode aparecer em

mais de um paradigma: locação, estado ou criação. Elas assumem: Assumindo essa postura, defendemos que a estrutura argumental vem de uma orquestração interativa entre uma configuração sintática na qual a raiz está inserida e o significado arbitrário da raiz, e não uma sintaxe inerente entranhada a algum item lexical. Consequentemente, o método de pesquisa precisa admitir que qualquer raiz pode figurar em qualquer posição no esqueleto sintático. (Lemle, M e Castro, C., 2011:2)

Marantz (2007) propõe uma teoria de decomposição de eventos, na qual grande

parte da leitura semântica de cada verbo provém do próprio esqueleto sintático em que a

raiz se insere. Ele sugere seis estruturas universais, que serão apresentadas abaixo, apud

Pereira (2012), em que foram analisados verbos cognatos português–francês com base

nessas estruturas:

a) John jumped

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Nesta estrutura, o vezinho é a categoria funcional categorizadora, e a raiz que

fonologicamente será incorporada a ele contribui com uma noção de maneira. Por

exemplo no verbo pular é agir pulando, no verbo cantar é agir cantando, no verbo

resmungar é agir resmungando, no verbo latir é agir latindo, no verbo brilhar é agir

brilhando. Esse conjunto de verbos é chamado de verbos de criação.

(b) bake a cake

A construção (b) é derivada da a, pelo acréscimo de um objeto direto nominal

que recebe a leitura de um segundo evento resultante do primeiro: o cake resultante do

bake é também um evento caking de produção da coisa criada pelo baking. Em ela

dançou um tango, o tango é um segundo evento criado pelo primeiro evento que é o

dançar. Em ela apresentou um projeto temos os eventos apresentar e projeto. O termo

utilizado por Marantz ao descrever semanticamente o evento dois é incremental theme

object, objeto direto incremental, pois o segundo evento é uma extensão do primeiro.

(c) Open the door

Nesta estrutura o significado do verbo diz respeito ao estado final do evento

causado por um agente, se houver. Em João abriu a porta, o verbo abrir diz respeito ao

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estado final da porta. Os outros exemplos fornecidos por Marantz para esta estrutura

são do tipo rodar o pião, quebrar um copo, torrar o pão, limpar o chão, todos eles

voltados para o estado do argumento interno (pião, copo, etc.).

(d) Put the book on the table

A estrutura (d) é uma variação da (a), pois o verbo é de criação e o PP

complemento dá uma localização. Esta estrutura dá conta do conjunto chamado de

verbos location/ locatum em Hale e Keyser (1983). Pertencem a este grupo os verbos

nas frases: João selou o cavalo, Zezinho encapou o livro, Maria encestou a bola, Pedro

encaixotou seus brinquedos, Felipe guardou o envelope na gaveta.

(e) Give John a book (posse)

Esta estrutura também é relacionada com a (a), sendo que o que é criado é uma

relação de posse. Exemplos dessa construção são com os verbos: dar, emprestar,

alugar, vender. O termo aplicativo provém de uma terminologia originada nos estudos

de línguas africanas que possuem numerosas partículas indicadoras de relação de posse

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e outras construções que acrescentam argumentos aos verbos. A estrutura acima é

chamada de aplicativo baixo, desenvolvida em Pylkkänen (2000).

(f) Bake John a cake (benefactivo)

A estrutura (e) cria um complemento adicional para o verbo. No exemplo acima

'bake John a cake', John seria o presenteado com o bolo. Outros casos dentro dessa

classificação são do tipo: você não vai me usar essa gravata horrorosa, onde o me se

refere à pessoa "beneficiada" (maleficiada?) pela gravata em questão. Esta estrutura de

aplicativo alto também foi desenvolvida em Pylkkänen (2000), seguindo Marantz

(1993).

Marantz (2013: 155) desenvolve a sua teoria sobre as estruturas sintáticas e

exemplifica que os vários usos de “walk” ilustram a conexão entre a sintaxe e a

semântica que geralmente estão disponíveis para o inglês (refletindo escolhas e

restrições específicas das línguas a partir de um grupo de parâmetros de opções

universais). O que sabemos sobre a semântica da raiz desse verbo deve ajudar a explicar

a disponibilidade dessas estruturas para “walk”, mas o próprio verbo não projeta estas

estruturas ou é responsável pela interpretação semântica das próprias estruturas.

(14) a. John walks (every day).

João anda / caminha (todo dia).

b. John walks his dog (every day).

João anda / caminha com seu cachorro. (todo dia)

c. John walked his way to a slimmer self (this year).

*João andou a caminho de um eu mais magro. (esse ano)

d. John walked his shoes ragged.

João andou até os seus sapatos ficarem esfarrapados.

(Marantz, 2013:155)

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Com isso, ele assume que: os significados sintaticamente representáveis existem

independentemente de quaisquer verbos particulares, e requisitos semânticos

idiossincráticos de verbos devem fazer uso destes significados sintaticamente

disponíveis. Diferente da proposta de 2007, Marantz assume que o vezinho introduz

uma eventualidade, seja uma atividade ou um estado, e marca sintaticamente a palavra

que encabeça o vP como um verbo.

Existe a possibilidade de adicionar argumentos ao vP através de nós sintáticos

particulares, como o argumento externo, introduzido sintaticamente pelo nó Voice

(Voz).

Marantz (1984) percebe que a combinação verbo-objeto pode receber

interpretação idiomática, mas a combinação sujeito-verbo não receberá. A partir dessa

argumentação, Kratzer (1994, 1996) propõe a existência de um núcleo Voz, em que

predicados transitivos selecionam apenas um argumento DP e o argumento externo do

verbo é introduzido na derivação, autoriza sua interpretação agentiva, por esse

predicado inteiramente separado. Este predicado se junta com o verbo e seu argumento

interno por uma operação especial chamada de identificação de evento.

Este nó tem a função de atribuir semanticamente um papel temático (agente ou

causativo) ao argumento inserido no vP. John se torna agente do evento de “abrir a

porta” ao ser juntado no vozP.

Marantz (2013:158)

Nesse artigo, Marantz argumenta sobre a inexistência do aplicativo alto com

leitura benefactiva, bake John a cake. Porém, mantém a estrutura com leitura de posse,

give John a book, em sentenças bitransitivas, introduzida pelo nó sintático Aplicativo

(APPL).

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Ainda em Marantz (2013b), sugere-se que a raiz pode ser juntada ao vezinho ou

ao DP complemento do vezinho. Medeiros (2018:255), seguindo Marantz, propõe a

existência de um morfema X que introduz uma variável de estado ou de evento na

estrutura do sintagma verbal.

(27) a.

vP

v X

Assumirei esses tipos sugeridos por Marantz (2007, 2013) e outras

contribuições, como a de Lin (2004).

Assumirei aqui também que o sintagma Voz está na derivação abaixo da

projeção de tempo, e de possíveis intervenções de projeções aspectuais, que serão

omitidos para simplificar a estrutura.

Antes de olhar diretamente para as estruturas, iremos, no capítulo 3, analisar a

complexidade morfológica dos verbos com prefixo e definir qual tipo de dado será

especificamente analisado.

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CAPÍTULO 3

O SISTEMA PREFIXAL DO PORTUGUÊS

3.1. A FORMAÇÃO ETIMOLÓGICA DE VERBOS COM PREFIXO

Entender o papel dos prefixos na nossa língua é importante para uma análise

mais clara dos verbos complexos que, sincronicamente, podem não ser mais percebidos

pelos falantes, e que possivelmente formaram uma raiz mais complexa, na qual o

prefixo está incorporado. Como também é importante entender o papel dos prefixos na

leitura semântica dos verbos complexos.

Um pouco de história poderia nos esclarecer o papel do prefixo na língua

portuguesa na formação dos verbos complexos. Segundo Caro; Cuervo, (1972, p.239),8

apud Bassani (2015), os casos genitivo, dativo e ablativo, atribuídos aos sintagmas

determinantes (DPs) com funções de objetos verbais, eram usualmente realizados como

desinências nominais. Com a queda das marcações de caso, houve a necessidade de

utilizar alguma outra forma de indicar essas relações entre o verbo e seus

complementos, e assim preposições começaram a ser utilizadas para isso. Como

também as preposições, que cumpriam suas funções de estabelecer uma relação sintática

e semântica entre o verbo e seu complemento, adjungiram-se aos verbos, como prefixos.

O verbo abrir ilustra esta evolução. Se perguntarmos aos falantes de língua

portuguesa se conseguem enxergar este verbo como composto, a resposta será não. A

presença fonológica do a- no verbo abrir é, atualmente, uma realização fonológica

comum de uma raiz simples, como em amar. Como não é possível resgatar

fonologicamente, nem semanticamente, uma segmentação morfêmica interna em

português, o falante não enxerga uma composição prefixal no verbo abrir, e enxergar

abrir como um verbo simples. Porém, etimologicamente, sabemos que a formação deste

verbo começou com a expressão ad per ire.

(16) ABRIR < AD PER IRE

8 CARO, M.A.; CUERVO, R.J. Gramatica de la lengua latina. Para el uso de los que hablan

castellano. Bogota: Instituto Caro y Cuervo, 1972.

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Portanto, podemos notar que verbos, como abrir, eram complexos em latim.

Algumas gerações conseguiam depreender claramente as suas partes, porém com o

tempo elas foram ficando obscuras e adquirindo significados bem diferentes do original,

chegando à língua portuguesa sem essa complexidade.

Outros exemplos de verbos em que não enxergamos mais a segmentação:

(17) Em abandonar não vemos [a+ bandon]

(18) em acordar não vemos mais [a+ cord]

(19) em adaptar não vemos [ad+ apt]

(20) em adereçar não vemos [ad + directio]

(21) em decidir não vemos mais [de + cid < cadere]

(22) em declarar não vemos mais [de+ clar]

(23) em dedicar não vemos mais [de+ dic]

Muitas vezes o prefixo se repete em forma de preposição, como se estivesse

havendo um resgate do prefixo:

(24) concordar com, discordar de, enfiar em, depender de, atender a.

A questão que se coloca é se podemos pensar nestes verbos como ainda

complexos ou como verbos simples com uma nova raiz formada. BASSANI (2013)

sugere uma divisão para eles: verbos parcialmente transparentes com raiz inativa,

verbos parcialmente transparentes com raiz ativa não analisáveis e verbos parcialmente

transparente com raiz ativa analisáveis.

Na próxima subseção, iremos pensar sobre esta divisão dos verbos em que o

grau de transparência é discutível.

3.2.VERBOS PARCIALMENTE TRANSPARENTES

Verbos parcialmente transparentes são verbos que conseguimos perceber de

alguma forma o prefixo em uma análise diacrônica, mas esse resgate não é tão fácil do

ponto de vista sincrônico, como os exemplos de Bassani (2013: p.33): atrair, extrair,

incluir, excluir, inalar, exalar, acessar, afetar, embutir, esquecer, infamar, etc. Para

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esses verbos, a autora traz uma questão bem interessante: “como podemos explicar os

dados parcialmente transparentes em uma teoria como a da MD sem simplesmente

dizer que se trata de diacronia, e logo, esses dados estão fora de escopo?(...) Como a

MD lida com a ideia de lexicalização?”

Os verbos parcialmente transparentes com raiz inativa são também chamados de

simples pela autora. A partir de uma análise etimológica, conseguimos constatar a

presença do prefixo na formação latina desses verbos, mas hoje o prefixo faz parte da

raiz. São os casos de incorporação do prefixo à raiz, em que alguma geração passa a não

enxergar mais as peças morfológicas, tornando-se uma nova raiz, como o exemplo

verbo do abrir, citado acima em (1), ou adquirir, esquecer e afetar.

Ela exemplifica este processo com o verbo advir. Um verbo simples em latim

(venire) toma um argumento interno do tipo preposicionado (ad urbem), logo os núcleos

v e p são morfofonologicamente independentes, já que ad- é um prefixo. Então, citando

EMBICK (2010), ela mostra que o estatuto de núcleo que realiza ad- muda de cíclico

para não-cíclico, pois se torna núcleo de v no latim mesmo. Em seguida, o núcleo não

cíclico P se enfraquece e se incorpora à raiz, o que seria uma etapa de perda de

estrutura. Essa nova estrutura já é realizada no português dessa forma.

Esse processo sugere um tipo de criação de palavras na língua chamado de

lexicalização por simplificação estrutural. A raiz diacrônica não estará mais disponível

na língua para formar palavras, mas sim resta apenas a raiz reanalisada. Com isso, os

falantes têm muita dificuldade de reconhecer o prefixo. Segundo Bassani (2013:38),

seguindo os pressupostos da MD, quando há esse processo de lexicalização, o núcleo

preposicional, normalmente portador de informações locativas / direcionais, tem seu

conteúdo de traços completamente obliterado à raiz reanalisada, restando somente a

fonologia do item, ou alguns traços podem ser preservados.

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Ela dá o exemplo do verbo engolir, um verbo de mudança de lugar, que mantém

vivo o traço de direção do prefixo lexicalizado na raiz, mas a raiz gula, ae, “parte da

boca pela qual se engole, goela, garganta, pescoço: boca” não é enxergada, e temos o

uso de “engolir pela boca”. Outro exemplo é o dos verbos com prefixo a- incorporado à

raiz, em que muitas vezes não conseguimos capturar a sua contribuição, como em

acessar, afastar, afetar.

Lemle et al (2012) apresentam um estudo experimental com objetivo de

demonstrar a relação entre a computação composicional do significado em verbos com a

estrutura interna [prefixo + raiz] e o conhecimento da composição morfológica do

componente interno do verbo para tanto o experimento foi dividido em três etapas. A

etapa 1 era para perceber o comportamento do falante frente a estrutura morfológica

[prefixo + raiz], concluindo que ele reconhece e faz a leitura composicional do verbo

composto. Na etapa 2, as autoras dividem as palavras em três grupos: com morfologia e

semântica transparentes, totalmente opacas na morfologia e na semântica, e um grupo

intermediário em que o reconhecimento da palavra interna poderia variar. Os resultados

desta etapa mostraram que palavras com semântica transparente e semântica opaca

tendem a não serem percebidas pelos falantes, mas o grupo de palavras que na

etimologia eram complexas ainda são mais opacas. Elas concluem então que: “A nossa constatação de que diferentes gerações atribuem análises diferentes a palavras com semântica não composicional ganha explicação através de uma teoria em que a semântica é uma leitura da estrutura sintática, porque se a raiz é perdida, a estrutura sintática incorpora fonologicamente o prefixo e, portanto, perde uma camada morfológica, o que resulta em uma leitura privada da composicionalidade semântica proveniente da concatenação com o prefixo.” (Lemle et al, 2012:145)

Na terceira etapa, elas destacam três prefixos: a-, em- e des-, concluindo que o

prefixo a-, que é menor (um único segmento de vogal átona), deixou de receber

reconhecimento consciente por parte dos falantes, e palavras com morfologia

transparente adjungidas ao prefixo a- deixaram de ser percebidas.

Uma pergunta que foi apresentada no capítulo de Introdução e cabe ser retomada

neste momento do estudo é: apesar de o falante muitas vezes não perceber a

composicionalidade destas formas lexicalizadas, as estruturas argumentais destes verbos

serão tão variadas como acontece com a dos verbos simples, ou serão mais limitadas

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como acontece com a dos verbos completamente transparentes? Tentarei responder a

esta questão no próximo capítulo.

Um segundo grupo de verbos é o que a autora Bassani chama de parcialmente

transparentes com raiz ativa, dividindo-os em: verbos analisáveis e não analisáveis.

Os verbos analisáveis são aqueles em que a raiz está presente em mais de um

verbo do mesmo tipo estrutural e sua semântica pode ser resgatada. Um exemplo citado

é o da raiz √TRA- (atrair, contrair, retrair, abstrair, extrair), já que alguns falantes

podem conseguir fazer esta análise. Entretanto, o significado da raiz e muitas vezes do

prefixo é difícil de resgatar. Observemos os exemplos abaixo, de BASSANI (2013:45):

(26) Verbos possivelmente analisáveis:

1. Agregar (vs. segregar, congregar) -VT -a-

2. Atrair (vs. extrair, contrair ...) - VT -i-

3. Evadir (vs. invadir) -VT –i-

4. Exalar (vs. inalar) -VT -a-

5. Excluir (vs. incluir) -VT -i-

6. Expirar (vs. inspirar) -VT -a-

7. Explodir (vs. implodir) -VT -i-

8. Extrair (vs. atrair, retrair...) -VT -i-

9. Ingressar (vs. regressar) -VT -a-

A autora defende o resquício de composicionalidade destes verbos como uma

possibilidade com base em três evidências: 1) a comutação; 2) a semântica

minimamente compartilhada pelas raízes e pelos afixos e 3) a manutenção da vogal

temática de terceira pessoa, pois a definição da vogal temática é idiossincrática e é

responsabilidade da raiz. Com isso se a raiz tivesse sido reanalisada poderia ter alterado

a escolha da vogal temática para –a, que é default. Ela ainda argumenta contra uma

proposta de reanálise de raízes para esses casos:

“Se assumirmos que a competência do falante

decorre da organização da gramática como

sugerida pela MD, assumir que cada um dos dados

em (41) apresenta uma raiz reanalisada como

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entradas distintas na Lista 1 a partir da mesma raiz

diacrônica √tra- (√ATRA-, √CONTRA-, √RETRA ,

√ABSTRA-, √EXTRA-) é uma grande perda de

generalização.” (BASSANI (2013: 44)

Ela, então, fornece-nos a hipótese de que os dados dos verbos com raiz ativa

analisável são composicionais e possuem uma estrutura mais complexa do que os

verbos com raiz inativa, chamados de simples por derivação histórica. A partir disso,

surge uma questão interessante: se verbos desse tipo são composicionais, eles possuem

a estrutura argumental menos variada do que a dos verbos simples por derivação

histórica? E comparando estes verbos possivelmente analisáveis com os verbos

completamente transparentes, a variedade estrutural será a mesma, menor ou maior?

Duas contra-argumentações possíveis para a hipótese da composicionalidade

destes verbos possivelmente analisáveis são apresentadas pela própria autora e

refutadas:

1) Se a análise é sincrônica, as raízes deveriam ocorrer como palavras

independentes na própria língua, em vez de precisar recorrer à etimologia para resgatá-

las.

2) O uso por alguns falantes de expressões redundantes, como extrair para fora,

inserir para dentro, atrair para perto, parece evidenciar que os falantes não enxergam

mais a composicionalidade destes verbos.

Para esses dois casos, ela explica que:

1) Essas raízes podem fazer parte do repertório de raízes do PB, mas nunca

ocorrem sem o prefixo, porque não estão na Enciclopédia como entradas válidas

independentes, portanto precisariam ser interpretadas no contexto de outros elementos.

Ela cita os casos dos compostos sintéticos do inglês em Borer (2009), como truck-

driver, que não está listado independentemente e seria um composto formado a partir de

raízes, que precisa de um contexto de inserção na Enciclopédia.

2) Esta análise é uma abstração analítica e sugere um continuum: os verbos

podem passar de formas analisáveis a formas simples, já que podem perder estrutura.

Para alguns falantes, então, estes verbos não seriam mais composicionais, e a

informação direcional codificada antes pela raiz passa a ser codificada no adjunto.

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Contrário ao que a autora afirma para o caso 2 sobre o processo de redundância,

estes casos não contribuem para a hipótese de perda de estrutura, gerando falta de

consciência da composicionalidade, já que no PB exemplos de redundância são

frequentes. É um processo comum, o que não fere a hipótese dos verbos com raiz ativa

serem composicionais. Um exemplo dessa redundância seria “sair para fora”, pois no

verbo sair não temos prefixo direcional computado em sua estrutura, mas a sua raiz por

si só designa direção, e mesmo assim o uso de redundância acontece.

O verbo “subir” também é bem interessante, já que composicionalmente, ao

analisar a etimologia do verbo, ele significa “ir por baixo, suportar”, como em “duros

subisse labores (suportasse trabalhos pesados)”. Em algum dado momento, no Latim

mesmo, ele ganha o significado de “ir para cima”, como em “subintes montem Aspium”

(aqueles que escalavam o monte Aspio)”. Em Pereira (2012), num estudo comparativo

dos contextos sintático-semânticos de verbos cognatos português-francês, nota-se que o

verbo subir em francês ainda mantém o significado de “suportar, submeter-se”,

enquanto que em português significa “ir para cima”. Este exemplo aumenta as

possibilidades da hipótese abaixo estar certa, já que a estrutura do verbo permite em sua

história duas interpretações, logo o preenchimento do complemento direcional

explicaria a mudança de significado.

Sugiro, então, para estes casos de redundância, uma hipótese:

Verbos de tipo direcional necessitam de preenchimento fonológico dos seus

adjuntos para especificar a direção X: apontar para o norte; seguir a frente; virar à

direita. Quando na semântica do verbo a direção já está especificada, algumas vezes

essa direção é redundantemente exteriorizada (sair para fora).

Com os verbos com prefixo, ocorre o alçamento do prefixo direcional (outrora

uma preposição) para o núcleo do verbo. A posição de complemento do verbo fica vazia

novamente, podendo ser preenchida por outro item de mesmo valor semântico,

principalmente se for do mesmo núcleo estrutural, como o Sintagma Preposicional

(inserir para dentro, entrar para dentro, atrair para si). Isso também pode ocorrer, já que

o valor direcional ficou enfraquecido com os significados especiais nas operações

abaixo da primeira categorização, pois os casos de idiomatização são muito recorrentes,

conforme veremos nos capítulo a seguir

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Com isso, a redundância não estaria acontecendo porque simplesmente o falante

não enxerga mais a estrutura do verbo, mas está acontecendo por uma necessidade de

preencher um espaço previsto pela estrutura. Isso explicaria também o fato de essa

redundância acontecer com verbos sem prefixo, como sair, ou verbos que tiveram seus

significados alterados, como o subir.

Outro caso não registrado por Bassani (2013), mas muito comum é o citado no

capítulo 1. Introdução, em que o prefixo parece se repetir em forma de preposição,

como se estivesse havendo um resgate mais evidente: concordar com, discordar de,

enfiar em, depender de, atender a. É um fenômeno parecido com o anterior, mas a sua

realização fonológica é obrigatória. Logo, esses argumentos também estariam

preenchendo uma posição sintática, devido à incorporação do prefixo à raiz.

(28)

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O último grupo de verbos chamados de verbos com raiz ativa não analisável,

segundo Bassani (2013), pode fazer a comutação (agredir, progredir, regredir), mas

não compartilham nenhum significado da raiz, por exemplo: administrar, aferir,

agredir, atender. A autora os coloca num limbo, como se eles estivessem caminhando

para o grupo dos verbos simples, para uma reanálise, ou já estão reanalisados, e se

tornaram simples. Para exemplificar esse grupo, ela utiliza o verbo agredir que faz

comutação com progredir e regredir, mas estes compartilham um significado eventivo

e uma noção de oposição pela contribuição dos prefixos, mas aquele significa apenas

“ataque verbal ou físico”. Mesmo que se possa resgatar o valor direcional do prefixo a-,

não há um compartilhamento semântico muito claro com as outras formas da mesma

raiz. A autora, então, sugere um reanálise com a aquisição de uma raiz √AGRE (D),

para agredir, e uma raiz sincrônica √GRE (D) , dependente do contexto de outros

elementos, para regredir e progredir.

Podemos relembrar nesse caso a conclusão de Lemle et al. (2012), apresentada

acima em A, que evidencia a dificuldade do resgate morfológico da forma com prefixo

a-, após análise em um estudo experimental. Contrariando, assim, o pensamento de

Bassani (2013), podemos pensar que o verbo agredir passou por um processo comum

de salto semântico, assim como alguns verbos transparentes passam e que este critério

de comutação não nos parece um critério válido para transparência.

Esta divisão de verbos será retomada no próximo capítulo e olharemos para a

sua estrutura argumental para perceber se há ainda alguma contribuição evidente que

possamos resgatar.

Abaixo, na próxima seção, vamos analisar os verbos com transparência

morfológica que são o foco principal desta tese.

3.3. VERBOS TRANSPARENTES: COMPOSICIONAIS E NÃO-

COMPOSICIONAIS

Os verbos transparentes são aqueles em que conseguimos perceber com clareza

sua segmentação morfológica, seus afixos e sua raiz. Na maioria das vezes, percebemos

a contribuição semântica da raiz e do afixo, nestes casos, a formação é transparente e

composicional. Em alguns casos a semântica da raiz não é mais resgatada, porém ainda

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38

vemos a segmentação morfológica da palavra. Nestes casos, a formação é transparente,

mas não composicional.

Neste trabalho, a maioria dos verbos analisados deriva de verbos simples,

esclarecendo que simples significa a formação morfológica mais simples possível, ou

seja, a primeira categorização da palavra, a raiz concatenada a um categorizador verbal.

Portanto, para o conjunto de verbos complexos, teremos mais de dois núcleos

concatenados a uma raiz. Todas as raízes escolhidas neste grupo são sincronicamente

ativas na língua, e quase todas não possuem uma etapa de formação nominal

intermediária, como também estão transparentes na composição.

Neste grupo, a escolha por verbos simples e seus derivados com prefixo se

justifica por oferecer uma forma de comparação direta para tentar responder à questão

sobre a polissemia dos verbos simples e complexos.

Os verbos amparar, socorrer, ocorrer e elevar são parcialmente transparentes,

dentro deste grupo de verbos transparentes. Conseguimos resgatar, hoje, as raízes par,

corr e lev e a sua categorização verbal parar, correr e levar, mas não resgatamos o

prefixo ante-, sub-, ob- e ex- que se agregaram respectivamente à raiz ainda no latim,

formando anteparare, subcurrere, obcurrere e exlevare, já que fonologicamente não os

realizamos mais. Quanto à semântica das partes, podemos também não conseguir

resgatar facilmente a sua composicionalidade.

São verbos diferentes do tipo de verbos parcialmente transparentes apresentado

na seção anterior, em que há a divisão em verbos parcialmente transparentes com raiz

inativa, como adquirir; verbos parcialmente transparentes com raiz ativa analisável,

como atrair; e verbos parcialmente transparentes com raiz ativa não analisável, como

agredir. Esta divisão, por ora, apesar de bem específica, não dá conta do caso dos

verbos do tipo de amparar, socorrer, ocorrer e elevar, que são transparentes com raiz

ativa na língua, podem ser composicionais, mas o falante não percebe mais a realização

fonológica do prefixo.

Estes dados nos direcionam para a questão teórica sobre a Restrição de

Localidade na interpretação de raízes Arad (2003), Marantz (2001, 2007), Embick e

Marantz (2008), de que as interpretações semânticas especiais devem acontecer no

primeiro nível de categorização da raiz. Os níveis seguintes seriam composicionais.

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39

Há, portanto, dois tipos de formações. Há palavras que são formadas diretamente

da raiz e palavras que são formadas após a primeira categorização da raiz, derivadas de

nomes, adjetivos ou verbos. No hebraico, Arad (2003), consegue fazer uma distinção

entre estas duas formações, sugerindo uma polissemia mais variada para as palavras

derivadas diretamente da raiz, e menos variada para as palavras derivadas, já que as

palavras derivadas, formadas após a primeira categorização, estariam sempre

relacionadas com essa formação inicial. Isso explicaria a polissemia menos variada dos

verbos com prefixo, porém não explicaria a não composicionalidade dos verbos

complexos derivados escolhidos, já que a idiomatização precisa acontecer no primeiro

nível de categorização da raiz.

Surge assim a questão que não pretende ser exaustiva neste estudo, já que ainda

há muito para ser estudado sobre a semântica da raiz e sua relação com a estrutura da

palavra: os verbos complexos não composicionais foram reanalisados e temos uma nova

raiz, mesmo que a composição morfológica ainda esteja sendo percebida, esteja

transparente? Se a resposta for positiva a esta questão, então estes verbos possuem um

comportamento semântico semelhante aos verbos opacos ou parcialmente transparentes

com raiz inativa, discutidos nas seções anteriores.

Esta questão também é discutida pela teoria em Marantz (2007) quando ele fala

sobre a morfologia interna (inner) e externa (outer) da palavra. Com isso, as

categorizações e as idiossincrasias devem acontecer na primeira fase.

Bassani (2009) assume esta hipótese e sugere que existem verbos

verdadeiramente denominais e verbos derivados diretamente da raiz, sugerindo assim

teste de expressão perifrástica, objeto cognato e adjunto contendo nome com a mesma

raiz, sugerindo duas estruturas:

(29)

v

v n ou v

n √ v √

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40

O verbo marcar caberia nesta hipótese, pois pode ter o nome marca ou

categorizar diretamente da raiz. Já verbos como correr, mover, mandar, naturalmente,

são categorizados diretamente da raiz, pois não há nenhum nome intermediário.

Aplicaremos abaixo os testes de expressão perifrástica, objeto cognato e

adjunto sugeridos pela autora para o verbo marcar, em três sentenças distintas (30a,

30b, 30c) para conseguirmos abraçar a polissemia deste verbo.

(30) Estrutura com n

(30a) Sentença: a espinha marcou o rosto da menina

Expressão Perifrástica: a espinha fez marcas no rosto da menina

Objeto Cognato: a espinha marcou marcas feias no rosto da menina

Adjunto: a espinha marcou o rosto da menina com marcas feias.

(30b) Sentença: a sua presença marca

Expressão Perifrástica: a sua presença fez marcas em mim.

Objeto Cognato: a sua presença marcou marcas profundas em mim.

Adjunto: a sua presença me marcou com marcas profundas.

(31) Estrutura sem n

Sentença: João marcou o encontro.

Expressão Perifrástica: ?João fez a marca do encontro na agenda.

Objeto Cognato: ?João marcou marcas fortes do encontro na agenda.

Adjunto: ?João marcou o encontro com marcas precisas.

Notamos em 30, a presença do nome marca, fazer marca. Porém, em 31, não há

a presença do nome marca. Outra evidência é a existência do nome marcação, que se

relaciona com a semântica da sentença 31, pois marcar em 30 gera algo concreto, uma

marca, já em 31, gera algo abstrato, um evento, uma marcação.

Assumiremos, nesta tese, portanto esta hipótese que se verificou no exemplo do

verbo marcar, testado acima. O verbo marcar, então, é categorizado diretamente na

raiz, não houve uma fase nominal anterior. Medeiros (2010:103) afirma que não há

qualquer razão de ordem semântica para se postular duas estruturas para um verbo. Pelo

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critério semântico, ele argumenta que se não há o significado do nome no verbo

denominal, portanto o verbo não é denominal, mas sim derivado da raiz do nome de

base. Para os casos em que o verbo denominal inclui o significado do nome em seu

significado, não é necessário que haja uma fase nominal na derivação, a raiz pode

introduzir o significado no verbo.

Com isso, podemos ter um nome com significado especial e um verbo com

significado composicional, e vice-versa, porque o significado é introduzido na estrutura

diretamente com a raiz. Nesta fase é que ocorrem os significados especiais.

Mais uma contribuição de Medeiros (2010) relevante para esta tese é que o

prefixo não faz seleção categorial, conforme propõem Silva e Mioto (2009), defendendo

que assim como os sufixos, os prefixos selecionam rigidamente a base com que se

combinam. Eles verificam que o prefixo des- pode se combinar a bases nominais, como

em desleal, e base verbais, como em desfazer. Com isso, sugerem duas entradas no

Léxico para o prefixo des-, um caso de homonímia, mantendo, assim, a hipótese de uma

rígida seleção categorial pelos prefixos. Medeiros, então, conclui o artigo nos

evidenciando que o prefixo des- seleciona estados, e não categorias morfossintáticas.

Conclui-se, então que, a raiz é responsável por introduzir o significado no verbo,

não sendo necessário passar por alguma categorização anterior. Como também que os

prefixos podem fazer seleções semânticas, mas não categoriais.

Nos verbos com prefixo, como isto acontece? O prefixo se concatena à raiz antes

da categorização verbal, ou primeiro o verbo é formado e, em seguida, o prefixo é

incorporado? Esta pergunta também nos direciona à pergunta feita na introdução e mais

acima nesta seção sobre as idiomatizações, e mais especificamente ao lugar de ganhar

significados especiais.

Medeiros (2010), ao analisar os casos de parassíntese com o prefixo des-,

seguindo a proposta de Marantz (2001), afirma que a formação de palavras se dá por

ciclos ou fases, como explicado anteriormente acima e no capítulo anterior, sendo a

primeira fase o momento em que, na derivação, a Enciclopédia, onde os significados

especiais das raízes em ambientes sintáticos específicos estão listados, é consultada.

Sendo assim, o primeiro categorizador é o verbalizador mais alto e todos os ambientes

abaixo do verbalizador criam o ambiente sintático que define o significado especial da

raiz.

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Ele exemplifica com o caso do prefixo en-, em ‘engavetar o processo’, que não

significa colocar o processo na gaveta, assim a raiz de gaveta estaria ganhando um

significado especial no contexto do DP o processo, e engavetar o processo ganha a

leitura de não dar continuidade, mas o verbo continua denotando um evento que causa

um determinado estado atingido pelo processo. O autor, então, assume que o prefixo

analisado nega um estado interno ao verbo, e propõe uma definição semântica para ele

só podendo combinar-se com um nó cujo tipo semântico associado seja o mesmo, ou

seja, o prefixo não tomará o vP inteiro, já que a categoria semântica ‘evento’ de vP é

incompatível com a denotação do prefixo.

Assumiremos, aqui, portanto, que se houver alguma seleção semântica do

prefixo compatível com o tipo de raiz, e incompatível com o tipo semântico associado

ao verbo, o prefixo não tomará o vP inteiro, e o significados especiais podem acontecer

nestes ambientes sintáticos abaixo do verbalizador. Esta argumentação será importante

para dar conta de muitos significados especiais.

Em Medeiros (2010), há uma contribuição também sobre a semântica do prefixo

des-. O autor afirma que este prefixo faz uma seleção semântica modificando somente

verbos cujos significados envolvam um elemento com interpretação estativa.

Percebemos que de fato o prefixo des- faz esta seleção, já que se concatena ao verbo

marcar, apenas quando este toma um DP que envolve uma interpretação estativa que

envolve a inversão do estado de marcado. Retomaremos este caso mais abaixo no

próximo capítulo.

O mesmo não poderia ocorrer com outros verbos. Em verbos que denotam

atividade, não há a possibilidade de um estado de descorrer, desbater, desver, deslevar,

desmover, desparar, dester. O adjetivo formado pelo particípio passado do verbo

preparar, preparado, concatena-se ao prefixo des- formando despreparado. Isso condiz

com a hipóteses de Medeiros, pois despreparado pressupõe um estado de preparado.

Em Medeiros (2012), temos uma abordagem sintático-semântica para o prefixo

re-, seguindo a proposta de Marantz (2007) e outros. Segundo os autores, a ação ou

evento denotado pelo verbo prefixado restitui ao seu complemento um estado, com uma

leitura restitutiva. Portanto, verbos que denotam atividade, mas em que não verificamos

um estado atingido, não se concatenam ao prefixo re-. O verbo correr denota uma

atividade e não verificamos um estado atingido de corrido, logo não se combinaria com

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o prefixo re-. Entretanto, temos o verbo recorrer que não tem a leitura de correr de

novo, mas sim de fazer correr um processo novamente.

Estas verificações sobre a semântica destes prefixos e suas possíveis restrições

sintático-semânticas de concatenações nos respondem em parte a questão apresentada

na introdução sobre as possíveis seleções sintático-semânticas por parte dos prefixos.

No próximo capítulo, olharemos para outros prefixos e concatenações com outras

raízes, entretanto dando a prioridade a concatenações de verbos simples com prefixo,

em que não há possíveis camadas de formações nominais anteriores ou ocorrendo com a

mesma raiz.

Na próxima seção, apresento uma tabela com os verbos que serão analisados no

próximo capítulo.

3.4. VERBOS ESCOLHIDOS PARA ANÁLISE

A escolha por verbos simples e seus derivados com prefixo se justifica por ser

uma forma comparativa direta para tentar responder à questão sobre a polissemia dos

verbos simples e compostos.

Os dez verbos simples escolhidos são do tipo: raiz + verbalizador, representados

a direita na tabela. Os verbos complexos são verbos derivados dos verbos simples pela

adição de um prefixo, representados a esquerda na tabela.

Podemos classificar a maioria dos verbos escolhidos como transparentes, pois

conseguimos perceber a segmentação morfológica deles. Porém, a grande maioria tem

uma leitura não composicional das suas partes.

Verbos Simples Verbos complexos

A. Correr

A.1. Concorrer A.2. Decorrer A.3. Discorrer A.4. Escorrer A.5. Incorrer A.6. Ocorrer

A.7. Percorrer A.8. Recorrer A.9. Socorrer

A.10.Transcorrer

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B. Bater

B.1. Abater B.2. Combater B.3. Debater B.4. Rebater

C. Levar

C.1. Elevar C.2. Relevar

D. Mandar D.1. Comandar D.2. Demandar

E. Marcar E.1. Demarcar E.2. Desmarcar E.3. Remarcar

F. Mover F.1. Comover F.2. Remover

G. Parar G.1. Aparar G.2. Amparar G.3. Comparar G.4. Deparar G.5. Disparar G.6. Preparar G.7. Reparar

H. Pegar H.1. Apegar I. Ter I.1. Conter

I.2. Deter I.3. Reter

J. Ver J.1. Antever J.2. Prever J.3. Prover J.4. Rever

Tabela 2. Verbos simples e complexos escolhidos para análise

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45

CAPÍTULO 4

ANÁLISE DOS CONTEXTOS SINTÁTICO-SEMÂNTICOS

Adotarei como análise a proposta de decomposição de evento de Marantz 2013,

comentadas no capítulo 2, assumindo que a polissemia é o resultado das diferentes

estruturas sintáticas em que o verbo está inserido, no estilo do exemplo para o verbo

“walk’, sugerido por Marantz e mostrado na subseção 2.5, como também o exemplo do

verbo pagar apresentado no capítulo 1.

Para tanto, assumirei como base estas estruturas em que a raiz do verbo pode ser

inserida configurando assim grande parte da leitura semântica do verbo. Algumas vezes,

os papéis temáticos do argumento interno e/ou o externo podem alterar algumas leituras,

gerando novos sentidos para o verbo, detalhes estes que também serão ignorados. Esta

decisão deve-se ao fato de que a análise dos contextos sintáticos básicos e as possíveis

polissemias geradas por essas configurações com as raízes escolhidas já nos fornecem

dados suficientes para corroborar a hipótese da tese

A decisão sobre os critérios para coleta de dados consistiu, primeiramente, na

escolha de verbos simples como bater, correr, levar, e que fossem produtivos com

prefixos adjungidos a eles, formando novos verbos complexos, como combater,

recorrer, deparar. A preferência foi para raízes que se combinassem com mais de um

prefixo, formadores de uma família maior, para poder ter uma comparação mais

abrangente, como rebater, debater, combater, recorrer, decorrer, concorrer, relevar,

elevar, comparar, deparar, reparar.

A organização foi feita da seguinte forma: os verbos simples de cada família

foram os primeiros analisados e estão organizados em ordem alfabética. A ordem da

descrição dos verbos será: para cada família, primeiro, os verbos simples e depois as

formas com prefixo.

Os contextos sintático-semânticos foram pesquisados no Google e em

dicionários, como também pela minha própria intuição e de alguns informantes.

No total, foram analisados 48 verbos, sendo 10 verbos simples e 38 verbos

complexos derivados.

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A. Correr

1. João corre

2. João correu para a casa do amigo

3. João correu a mão pelos cabelos

4. Os policiais correram os baderneiros

5. Os alunos correram um abaixo assinado

6. João correu a maratona

7. João correu risco de vida

Em 1, temos uma leitura de maneira de deslocamento do referente do sujeito no

espaço, semelhante à de jump em Marantz (2007).

(32)

Na sentença 2, a referência do complemento do verbo correr é a direção da

corrida. Em 3, o sujeito de correr cria um movimento rápido de mão pelos cabelos. Em

4, o referente do sujeito de correr causa um deslocamento rápido do referente do objeto

direto. Em 5, há uma semelhança com o 4, porque o sujeito também é causador de um

deslocamento rápido do referente do objeto direto. Em 6, há dois eventos: a corrida e a

maratona, uma estrutura semelhante à de dançar um tango ou bake the cake. Em 7,

interpretamos a entidade referida pelo sujeito do verbo se colocando em um estado de

vida em risco.

Em 2, o referente do PP fornece a descrição do percurso que o referente do

sujeito do verbo faz.

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(33)

As sentenças 3, 4 e 5 compartilham a estrutura abaixo:

(34)

Nesta estrutura as leituras são: fazer correr a mão pelos cabelos; fazer correr os

baderneiros para fora do pátio e fazer correr um abaixo assinado pela faculdade.

Em 6, o referente do DP expressa um evento.

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48

(35)

Nesta sentença, a leitura do verbo correr é exatamente a de correr e o

complemento maratona denota um tipo de evento esportivo muito institucionalizado.

Em 7, correr risco de vida, a leitura do verbo correr de deslocar-se com rapidez

desaparece. PEDERNEIRA (2015) observa que essa construção é um caso do verbo

correr como verbo leve, permitindo a paráfrase de Maria correu risco de vida para

Maria experienciou risco de vida, ou seja, a vida de Maria esteve em risco.

Os derivados de correr a serem analisados nas próximas subseções são:

A.1. Concorrer, A.2. Decorrer, A.3. Discorrer, A.4.Escorrer, A.5. Incorrer, A.6. Ocorrer,

A.7. Percorrer, A.8. Recorrer, A.9. Socorrer, A.10.Transcorrer.

A.1. Concorrer 1. Ele concorreu ao prêmio.

O verbo concorrer é morfologicamente transparente, mas tem uma leitura não

composicional, pois não significa apenas correr junto, mas sim disputar, competir.

Podemos interpretar esse salto semântico para disputar como a consequência lógica de

correr junto. O PP pode ter como núcleo diferentes preposições (para, a, com, em) e

nomes do tipo animado ou inanimado, autorizando assim leituras diversificadas.

Esse verbo aparece na sintaxe apenas com o complemento PP.

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(36)

TP

DP T' João pret.perf. vP

v PP v Raiz ao prêmio

com- √corr

Os falantes, ao lerem o verbo com essa forma, praticamente reconstituem, num

cálculo mental, o prefixo com- como se fosse o seu complemento, ou seja, como se

fosse a preposição com- seguida de um complemento X.

(37)

A.2. Decorrer 1. Essas brigas decorriam da sua falta de educação.

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O verbo decorrer tem morfologia transparente e a sua leitura é composicional. O

sujeito e o objeto sempre são eventos, sendo que o segundo evento na sintaxe, o objeto,

é lido como a causa do evento expresso como sujeito na sintaxe.

(38)

TP DP T' Essas brigas pret. impf. vP

v PP v Raiz da sua falta de educação de- √corr A reduplicação da preposição como prefixo do verbo e como introdutor do

complemento do verbo é um processo histórico muito produtivo. A preposição

prefixada ao verbo expressa, redundantemente, a direção do evento, que também vem

expressa no PP.

A.3. Discorrer 1. João discorreu sobre o movimento Hippie.

O verbo discorrer refere-se a um ato de fala. O complemento do verbo é um PP,

cujo núcleo é a preposição sobre ou a expressão a respeito de, e o DP complemento de

P faz referência ao assunto do discurso.

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(39)

TP

DP T' Ele pret.perf. vP

v PP v Raiz P DP sobre o movimento Hippie

dis- √corr

A.4. Escorrer

1. A água do telhado está escorrendo. 2. Ela escorreu a água do macarrão.

O verbo escorrer aparece em dois contextos: um intransitivo e outro transitivo, e

tem como restrição semântica para o seu argumento a propriedade de ser líquido,

gelatinoso ou arenoso.

Na regência intransitiva significa que a matéria mencionada no argumento se

move, e na regência transitiva existe um sujeito agente que causa o movimento de

escoamento. Esta alternância causativo-incoativa é uma propriedade pertencente à GU.

(40) TP

DP T'

a água do telhado

pret.perf vP

v Raiz

ex- (es-) √corr

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(41) TP

DP

Ele T'

pret.perf. vP v DP

v Raiz a água do macarrão

ex- (es-) √corr

A.5. Incorrer

1. Incorrer em erro. O verbo incorrer aparece com um complemento PP e recebe uma leitura de

incidir.

O interessante é que acontece, como em alguns exemplos citados na seção

anterior, a repetição, como prefixo, da preposição que rege o complemento do verbo.

(42) TP

João T'

pret.perf. vP

v PP

pro P' v Raiz P DP

in- √corr em o erro

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A.6. Ocorrer 1. Um incidente curioso ocorreu. 2. Uma ideia ocorreu ao professor. O verbo ocorrer aparece em uma estrutura intransitiva e pode aparecer com um

adjunto PP nucleado pela preposição a ou em. Em 1, a leitura de ocorrer é de acontecer

um evento no mundo exterior. Em 2, a leitura é de acontecer um evento no mundo da

mente.

(43)

TP DP T'

Um incidente pret.perf. vP

v Raiz

ob- √corr

(44) TP

DP T' Uma boa ideia pret.perf. vP

v PP v Raiz P DP a o professor

ob- √corr

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A.7. Percorrer 1. Percorreu todo o caminho.

O verbo percorrer significa passar ao longo, ganhando com a incorporação do

prefixo um sabor mais durativo do que o de sua raiz de origem. Aparece apenas no

contexto transitivo, com um argumento com significado de lugar.

(45) TP

DP

Ele T'

pret.perf. vP v DP

v Raiz todo o caminho per- √corr

A.8. Recorrer

1. João recorreu ao professor.

2. O advogado da empresa recorreu.

A leitura de re-correr não é composicional no sentido de correr novamente. Em

1, significa usar, pedir ajuda, apelar. O caso 2 é muito usado em ambientes jurídicos, e

significa fazer correr o processo novamente. Este uso é, na verdade, uma abreviação de

recorrer da sentença, uma abreviação já implícita no vocabulário profissional técnico,

ou seja, é um falso intransitivo.

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(46) TP

DP T' João

T vP pret.perf. v PP

v Raiz P DP a o professor

re- √corr

O verbo recorrer indica um processo, e não uma mudança de estado, que é uma

leitura muito comum na adjunção de algumas raízes ao prefixo re-. Para ampliar essa

discussão, ver Marantz (2007) e Medeiros (2012). Esse pensamento será retomado com

o verbo rebater, analisado na subseção B.4.

A.9. Socorrer 1. Socorrer um amigo.

Socorrer não tem a leitura composicional de “sub correr”, correr por baixo, mas

uma idiomatização de ajudar, acudir.

Aparece apenas no contexto transitivo com um complemento nominal, que é a

entidade que recebe o socorro.

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(47) TP

DP

Ele T'

pret.perf. vP v DP

v Raiz o amigo

sub- √corr A.10. Transcorrer

1. Muitos anos transcorreram, mas sua ausência ainda é sentida.

O verbo transcorrer ganha uma leitura mais abstrata de tempo passado, algo

processado, mas ainda conseguimos resgatar seu significado de anos correram através

do tempo.

(48)

TP DP T'

Anos pret.perf. vP

v Raiz

trans- √corr

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Comparando as acepções dos verbos correr e seus derivados, temos um resultado bem favorável com a hipótese da tese:

Verbo número de acepções encontradas

A. Correr 5

A.1. Concorrer 1

A.2. Decorrer 1

A.3. Discorrer 1

A.4. Escorrer 2

A.5. Incorrer 1

A.6. Ocorrer 2

A.7. Percorrer 1

A.8. Recorrer 1

A.9. Socorrer 1

A.10. Transcorrer 1

Na próxima subseção, o verbo bater será analisado da mesma maneira.

B. Bater

1. A porta bateu.

2. João bateu a porta.

3. O padre bateu o sino.

4. O pássaro bateu as asas.

5. Joãozinho batia o queixo.

6. O Flamengo bateu o Vasco no amistoso.

7. João bateu em Pedro.

8. João bateu à porta.

Em 2, 3, 4 e 5, temos exemplos do verbo bater no contexto causativo e, em 1,

temos a estrutura intransitiva com a leitura incoativa.

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58

(49)

(50)

Em 6, O Flamengo bateu o Vasco no amistoso, a leitura de bater é a de colocar

em um status social inferior o referente nomeado no argumento interno.

(51)

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59

Em 7, João bateu em Pedro e, em 8, João bateu à porta, temos uma estrutura

semelhante, representada abaixo. No entanto, em bater à porta, temos a leitura

idomática de pedido para que alguém do outro lado abra a porta.

(52)

Como pudemos observar, o verbo bater aparece em quatro contextos. Os

derivados de bater a serem analisados nas próximas subseções são: B.1. Abater, B.2.

Combater, B.3. Debater e B.4. Rebater.

B.1. Abater

1. João abateu o inimigo.

2. O funcionário abateu 20% do valor do ingresso.

3. A morte da esposa abateu o João.

Abater é um verbo transitivo. Em todos os exemplos, a interpretação é que a

entidade à qual o complemento se refere sofre uma redução que pode ser da própria

vida, como em 1, do preço, como em 2 ou do humor, como em 3.

Os verbos formados com o prefixo a- costumam ganhar essa leitura de mudança

de estado, como em acalmar, amansar, arrasar.

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60

(53)

TP

DP

João T'

O funcionário

A morte da esposa pret.perf. vP v DP

v Raiz o inimigo

20% do valor do ingresso João

a- √bat

B.2. Combater

1. Combater o inimigo.

O verbo combater tem uma leitura muito parecida com a do verbo concorrer. No

entanto, o verbo combater combina com o objeto direto e o verbo concorrer combina

com um complemento precedido obrigatoriamente pelo prefixo com-.

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61

(52) TP

DP

Ele T'

pret.perf. vP v DP

v Raiz o inimigo

com- √bat B.3. Debater

1. O advogado debateu a ideia da redução da maioridade penal.

2. A mosca debatia-se na teia da aranha.

O verbo debater tem o significado de discutir, como em 1.

(53)

TP

DP

O advogado T'

pret.perf. vP v DP

v Raiz a ideia

de- √ bat

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62

Em 2, percebemos que quando o complemento do DP for um pronome reflexivo,

a leitura muda. Não significa mais discutir, mas sim mexer o corpo.

(54)

TP

DP

A mosca T'

pret.imperf. vP v DP

v Raiz SE

de- √bat

B.4. Rebater

1. O motorista rebateu os bancos.

2. O jogador rebateu a bola.

3. O advogado rebateu uma acusação.

Em 1 e 2, há uma leitura de mudança de estado em banco rebatido e bola

rebatida, porém em 1, banco rebatido deve ser lido com a especificidade de banco na

posição horizontal.

Em 3, vale a pena notar que esta leitura de rebater é lida como uma abstração:

um ato de fala que denota resposta a um outro ato de fala.

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63

(55)

TP

DP

O motorista T' O jogador O advogado

pret.imperf. vP v DP

v Raiz os bancos a bola

a acusação re- √bat

Comparando as acepções dos verbos bater e seus derivados, temos um resultado bem favorável com a hipótese da tese: Verbo número de acepções encontradas

B. Bater 4

B.1. Abater 1

B.2. Combater 1

B.3. Debater 2

A.4. Rebater 1

Na próxima subseção, o verbo levar e seus derivados serão analisados da mesma

maneira.

C. Levar

1. João levou o filho para casa.

2. Esses fatores levaram os militares a assumirem o poder.

3. A ventania levou as roupas.

4. Aqueles motivos levaram à guerra.

5. João levou a culpa.

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64

De 1 a 4, o verbo levar tem a leitura de carregar, conduzir, transportar. Os

exemplos 1 e 2 apresentam todos os argumentos possíveis na estrutura do verbo: um

argumento externo do tipo agente ou causa e dois argumentos internos: um tema e um

alvo, representados abaixo.

(56)

Em 2, temos uma oração encaixada: (57)

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Em 3 e 4, podemos pensar que algum argumento foi omitido. Em 3, a ventania

levou as roupas, o alvo, representado no nó PP, não está sendo realizado. Em 4, aqueles

motivos levaram à guerra, o mesmo ocorre, no entanto o que está ausente é o DP tema.

Em 5, João levou a culpa, acontece uma idiomatização. Nessa estrutura,

compactada na forma [V + DP], a agentividade do sujeito é perdida e a noção de alvo da

culpa fica embutida na construção como um todo. Sentenças como João levou um tapa,

João levou vantagem, João levou um tiro, têm a mesma estrutura e a mesma leitura na

qual o objeto direto ganha a leitura de algo que se volta contra o sujeito.

C.1. Elevar

1. O guindaste do porto eleva duas toneladas a uma altura de cinco metros.

2. O patrão elevou o João a gerente de vendas.

O verbo elevar tem a leitura de sustentar grandes pesos e também a de expressar

graus de status social ou moral. No exemplo 2, note-se que o objeto direto João precisa

ser entendido em termos da sua localização em algum lugar de uma hierarquia.

(58)

TP

O guindaste T'

O patrão

pret.perf. vP

v PP DP P' v Raiz duas toneladas João P DP

ex- √lev a cinco metros de altura

a gerente

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66

C.2. Relevar 1. Releva admitir que esta não é uma nova proposta.

2. A professora relevou um erro.

O verbo relevar significa levar novamente alguma coisa a julgamento. Aparece

em uma estrutura intransitiva e uma transitiva. O interessante é que os significados são

bem diferentes: um é tornar relevante e o outro é perdoar, aceitar.

(59) TP

CP

Admitir que S T'

pres vP

v Raiz re- √lev (60) TP

DP

João T'

pret.perf. vP v DP

v Raiz um erro

re- √lev

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Comparando as acepções dos verbos levar e seus derivados, temos um resultado favorável com a hipótese da tese: Verbo número de acepções encontradas

C. Levar 3

C.1. Elevar 1

C.2. Relevar 2

Na próxima subseção, o verbo mandar e seus derivados serão analisados da mesma maneira.

D. Mandar

1. João manda muito.

2. João mandou o irmãozinho pegar o brinquedo.

3. João mandar no irmãozinho.

4. João mandar uma carta para Maria.

5. Ele se mandou.

De 1 a 3, temos uma leitura de ato de fala autoritário. Em 4, a leitura é de enviar

e a forma reflexiva, em 5, é uma gíria que significa ir embora.

Em 1, temos uma estrutura intransitiva, do tipo maneira.

(61)

Já em 2, 3, 4 e 5, temos uma estrutura transitiva.

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68

(62)

(63) (64)

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69

Em 5, ele se mandou, temos uma leitura de ir embora que implica num

deslocamento do próprio sujeito. Esse processo está representado abaixo no esquema

arbóreo 5, onde o PP é optativo.

(65)

D.1. Comandar

1. João comanda uma empresa.

O verbo comandar só aparece no contexto transitivo. Esse verbo atribui ao seu

sujeito a função de chefe, de líder, e o objeto direto precisa se referir a uma

coletividade: empresa, clube, time, turma, família, tropa, ou a um evento social

estruturado, como baile, batalha, festa.

(66) TP

DP T'

João pret.imperf. vP v DP

v Raiz uma empresa

com- √lmand

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70

D.2. Demandar 1. João demandou uma explicação ao professor.

2. A compra de um apartamento na Avenida Atlântica demandou do comprador

no mínimo cinco milhões de dólares.

O verbo demandar aparece no esqueleto sintático de verbo transitivo, podendo

também ter um complemento PP, cuja função será a de alvo da coisa demandada. O

significado do verbo é de solicitar alguma coisa a alguém. Quando o complemento é

precedido pela preposição a, o significado do verbo é o de um ato de fala; quando o

complemento é precedido pela preposição de, o significado do verbo é uma capacidade

necessariamente exigida para o sujeito da frase

(67)

TP

João T’ A compra

Pret.perf vP

v PP v Raiz DP PP

uma explicação ao professor

de- √lmand- cinco milhões de dólares do comprador

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Comparando as acepções dos verbos mandar e seus derivados, temos um resultado bem favorável com a hipótese da tese:

Verbo número de acepções encontradas

D. Mandar 5

D.1. Comandar 1

D.2. Demandar 1

Na próxima subseção, o verbo marcar e seus derivados serão analisados da

mesma maneira.

E. Marcar

6. A sua presença marca.

7. A espinha marcou o rosto da menina.

8. Ele marcou um encontro.

9. Ele marcou um gol.

10. Ele marcou o adversário.

11. Ele marcou falta.

Diferente dos outros verbos analisados anteriormente, esse parece ter uma forma

nominal “marca” bem viva. Em 1, temos uma estrutura intransitiva com uma leitura de criar

marca. Em 2, temos uma estrutura transitiva com uma leitura composicional de criar marca no

rosto da menina.

Em 3, 4, 5 e 6, temos uma estrutura transitiva com leituras semelhantes de fazer

marcação em decorrência de algum evento guiado por regras de comportamento socialmente

motivadas. Em 3, a leitura é de anotar as coordenadas de um evento reunindo pessoas. Em 4, a

referência é um subevento relevante em uma partida de futebol em que acertar a bola para

dentro do gol marca um ponto. Em 5, a referência é um comportamento de um jogador de um

time em relação a um do time adversário, impedindo-o de contribuir produtivamente para o seu

time. Em 6, a referência é o ato de um juiz tomar nota da falta feita por um jogador de um dos

dois times.

(67)

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72

(68)

(69)

E.1. Demarcar

1. Demarcar o território.

O verbo demarcar significa colocar marcas para estabelecer limites. Só aparece

com essa acepção, na configuração sintática representada abaixo.

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73

(70) TP

DP

O governo T'

pret.perf. vP v DP

v Raiz o território

de- √marc

E.2. Desmarcar

1. João desmarcou o livro.

2. João desmarcou um encontro.

Nos exemplos do verbo desmarcar, temos uma leitura composicional derivada

do verbo marcar. Em 1, temos o significado de tirar a marcação, marca física, ou seja,

desmarcar a página do livro. Já em 2, o significado é de cancelar um encontro que foi

marcado na linha do tempo, ou seja, desmarcar a hora do encontro. É importante

perceber que a semelhança entre uma marca concretamente efetuada colocando um

marcador de papel entre as páginas de um livro e uma combinação de duas pessoas ou

mais agendando um encontro é uma semelhança que só pode acontecer em mentes

humanas, já que nada há de semelhante no mundo em si entre uma marca em um livro e

uma hora de um encontro.

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74

(71) TP

DP

Ele T'

pret.perf. vP v DP

v Raiz o livro

um encontro

des- √marc

E.3. Remarcar

1. A vendedora remarcou a mercadoria.

2. João remarcou um encontro.

Em 1, a leitura é a de alterar o preço de uma mercadoria. Em 2, remarcar um

encontro é alterar a hora combinada para o encontro. Novamente acontece essa visão

estritamente humana de ver uma semelhança entre o preço de uma mercadoria e a hora

de um encontro.

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75

(72) TP

DP

A vendedora T' João

pret.perf. vP v DP

v Raiz a mercadoria um encontro re- √marc

Comparando as acepções dos verbos marcar e seus derivados, temos um resultado bem favorável com a hipótese da tese: Verbo número de acepções encontradas

E. Marcar 3

E.1. Demarcar 1

E.2. Desmarcar 1

E.3. Remarcar 1

Na próxima subseção, o verbo mover e seus derivados serão analisados da

mesma maneira. F. Mover

1. A fricção move o carrinho.

2. O carrinho se move.

3. João moveu uma ação judicial.

4. O dinheiro move o mundo.

O verbo mover só aparece com uma estrutura transitiva.

Em 1 e 2, a leitura de mover é de causar deslocamento.

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76

Em 3 e 4, o verbo mover não tem a leitura de "causar movimentação no mundo

físico". Em 3, a leitura é de abertura de um processo jurídico e em 4, a leitura é de que o

interesse por ganhar dinheiro estimula atividades econômicas.

(73)

F.1. Comover

1. O filme comoveu o público.

O significado do verbo comover não é mover junto, nem é causar algum tipo de

deslocamento, mas sim causar emoção, impressionar. Só aparece na configuração

sintática transitiva, assim como o verbo mover e ganha um componente semântico de

estado emocional.

(74) TP

DP T'

O filme pret.perf. vP v DP

v Raiz o público

co √mov

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77

F.2. Remover

1. João removeu a sujeira do móvel.

2. O ministro removeu todos os funcionários para Brasília.

Em 1, o verbo remover significa tirar, mudar o estado do referente do objeto

direto.

Em 2, a configuração sintática é semelhante, já que nas duas opções o PP pode

não ser realizado. Também aqui a leitura é de tirar o referente do objeto direto do seu

local de origem.

(75)

TP

João T’ O ministro

Pret.perf vP

v PP v Raiz DP PP

a sujeira do móvel para o pano re- √mov os funcionários para Brasília

Comparando as acepções dos verbos mover e seus derivados, temos um resultado compatível com a hipótese da tese:

Verbo número de acepções encontradas

F. Mover 2

F.1. Comover 1

F.2. Remover 1

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78

Na próxima subseção, o verbo parar e seus derivados serão analisados da mesma maneira.

G. Parar 1. O carro parou.

2. O guarda parou o carro.

3. A função dos pais não para na educação.

4. João parou de falar bobagem.

Em 1 e 2, podemos notar a alternância causativo-incoativa. Nesses exemplos, a

leitura é a de interrupção de um movimento no mundo físico.

(76)

(77)

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79

Na sentença 3, a função dos pais não para na educação, o verbo parar é

intransitivo, mas tem um adjunto, na educação.

É importante adquirirmos a consciência de que o significado da referência do

sujeito do verbo parar, ou seja, a função dos pais, não é alguma coisa no mundo físico

que pode estar em movimento ou parado. Na verdade, a função dos pais é um conceito

totalmente abstrato cuja possibilidade de andar ou parar é totalmente inventada por nós

humanos.

(78)

Em 4, temos uma estrutura bem produtiva com o verbo parar, em que seu

complemento é uma sentença reduzida de infinitivo: parar de fumar, parar de beber,

parar de emagrecer, parar de estudar etc. A leitura é a de interrupção de uma atividade

ou processo.

(79)

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80

G.1. Aparar

1. João aparou os pelos.

2. João aparou um soco.

O verbo aparar aparece com uma só estrutura.

Em 1, temos o significado de cortar. Já em 2, o significado é de um movimento

de defesa. O conceito compartilhado é o de impedir o avanço de uma ação.

(80)

TP

DP

O guarda T'

pret.perf. vP v DP

v Raiz os pelos um soco

a- √ par

G.2. Amparar

1. João amparou os necessitados.

2. A marquise ampara as pessoas da chuva.

O verbo amparar só aparece no contexto transitivo com a leitura de dar ajuda,

auxílio, sustentar moral ou materialmente.

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81

(81)

TP

DP

João T' A marquise

pret.perf. vP v DP

v Raiz os necessitados as pessoas da chuva

ante- √ par

G.3. Comparar 1. João comparou esse dado com o anterior.

2. João comparou o amor à amizade.

O verbo comparar tem o significado de colocar em paralelo, examinar as

semelhanças e as diferenças. Só aparece num contexto sintático representado abaixo:

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(82) TP

DP

João T' pret.perf. vP v PP

v Raiz DP PP

com- √ par esse dado com o anterior

G.4. Deparar

1.João se deparou com uma situação desagradável.

O verbo deparar tem significado de parar a partir de uma coisa inesperada,

surpreendente. Só aparece em um contexto sintático com verbo transitivo e o

complemento do verbo é um pronome reflexivo e um PP.

(83) TP

João T’

pret.perf vP

v PP v Raiz DP P’

se com um situação desagradável de- √ par

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83

G.5. Disparar

1. João disparou uma flecha.

2. O cavalo disparou.

3. João disparou para casa.

Em 1, 2 e 3, podemos perceber que o verbo disparar mantém uma noção de

deslocamento rápido. Em 1, a leitura é de que o referente do objeto se desloca

rapidamente e o verbo é transitivo. Em 2, a leitura é de que o referente do sujeito se

desloca rapidamente, e temos uma configuração sintática de verbo intransitivo com a

opção de um PP adjunto indicando o alvo da disparada, como em 3.

(84) TP

DP

João T'

pret.perf. vP v DP

v Raiz uma flecha

dis- √ par

(85) TP DP T' O cavalo T Pret.perf. vP Raiz v

dis- √ par

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84

(86) TP

DP T' João pret.perf. vP

v PP

v Raiz para a casa

dis- √ par

G.6. Preparar

1. João preparou o jantar.

2. João preparou o salão para a festa.

Em 1, temos uma leitura de fazer, produzir, deixar pronto, com apenas um DP

como complemento do verbo, que pode ser a janta, como também um texto, um

medicamento, e um adjunto optativo que pode ser o alvo daquilo que é preparado.

Em 2, a leitura é de mudança de estado: [preparar [o salão para a festa]].

(87) TP

DP

João T'

pret.perf. vP v DP v Raiz o jantar

pre- √ par

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85

(88)

TP

João T’

pret.perf vP

v PP v Raiz DP P’

o salão para a festa pre- √ par

G.7. Reparar

1. João reparou o carro.

2. João reparou suas forças.

3. João reparou no jeito de andar da Maria.

4. Reparei que ele não compareceu.

Em 1 e 2, temos a leitura de fazer reparo, ajustes, de restituir a condição original

do referente do DP. No entanto, no complemento do verbo em 2, trata-se de um reparo

que acontece no mundo abstrato das forças de uma pessoa.

Em 3, a leitura é de olhar com cuidado, observar, notar, mas pode vir sem a

preposição.

Em 4, a leitura é parecida com a de 3, mas o complemento do verbo é uma

sentença sem preposição.

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(89) TP

DP

João T'

pret.perf. vP v DP

v Raiz o carro suas forças

re- √ par

(90)

TP

João T’

Pret.perf vP

v PP v Raiz P DP

em o jeito de andar da Maria

re- √ par

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87

(91) TP

DP

eu T'

pret.perf. vP v CP

v Raiz que ele não compareceu

re- √ par

Comparando as acepções dos verbos parar e seus derivados, temos um resultado favorável com a hipótese da tese:

Verbo número de acepções encontradas

G. Parar 4

G.1. Aparar 1

G.2. Amparar 1

G.3. Comparar 1

G.4. Deparar 1

G.5. Disparar 3

G.6. Preparar 2

G.7. Reparar 3

Na próxima subseção, o verbo pegar e seu derivado serão analisados da mesma maneira.

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H. Pegar 1. João pegou uma xícara.

2. João pegou um táxi.

3. João pegou uma praia.

4. João pegou dez anos de cadeia.

5. João pegou um resfriado

6. Resfriado pega.

7. O carro pegou.

8. João pegou na mão da filha.

9. João finalmente pegou o espetáculo desde o início.

10. João pegou uma Coca-Cola na geladeira.

11. Esses dois aí estão se pegando.

De 1 a 5, o verbo pegar é transitivo, no entanto dependendo da semântica do

referente do objeto direto pode haver leituras variadas. Em 1, pegar uma xícara, temos a

leitura mais básica do verbo pegar, a de segurar a xícara na mão. Em 2, pegar um táxi,

significa estar utilizando o serviço de transporte de um táxi. Em 3, pegar uma praia,

tem a leitura de tirar proveito de um tempo de lazer na praia. Em 4, pegar dez anos de

cadeia, inclui a ideia de estar sofrendo a punição jurídica de ficar preso em cadeia por

dez anos. Em 5, pegar um resfriado, tem a leitura de adoecer pela doença chamada

resfriado.

Essa polissemia nos ilustra claramente a multiplicidade de idiomatizações de um

verbo autorizadas por uma única estrutura sintática.

(92)

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89

Em 6, resfriado pega, vemos uma estrutura intransitiva com o mesmo verbo

pegar que vimos em 5, João pegou um resfriado. As leituras semânticas do verbo pegar

em 5 e 6 expressam o conceito de contagio. Em 6, temos a leitura de resfriado é

contagioso e, em 5, a paráfrase é João foi vítima do contagio por um resfriado.

Porém para a leitura intransitiva da frase 7, o carro pegou, não existe a contra-

parte semântica na forma transitiva alguém pegou o carro com a leitura de alguém fez o

motor do carro entrar em funcionamento.

(93)

Em 8, pegar na mão da filha, o complemento do verbo é um PP, com a leitura

parecida com a de 3, pegar a xícara. No entanto a preposição em adiciona uma leitura

de uma ação mais superficial, ou seja, a leitura não é a de segurar a mão da filha, mas

sim de apenas encostar na mão da filha.

(94)

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90

Em 9, pegar o espetáculo desde o início, temos uma estrutura do tipo colocar o

livro na estante. A leitura é a de que o referente do sujeito se encontra na plateia desde o

início do espetáculo.

(95)

Em 10, João pegou uma Coca-Cola na geladeira, temos uma estrutura com

verbo transitivo e uma adjunto expressando o lugar onde.

(96)

Em 11, esses dois aí estão se pegando, o uso reflexivo do verbo pegar ganha

uma leitura de namoro ou de briga.

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91

H.1. Apegar

1. João apegou-se à religião no fim da vida.

Vamos observar a derivação a partir da qual se forma o significado dessa

sentença:

Joãoi apegou elei à religião.

Acontece que nessa configuração o pronome ele, em relação ao verbo, está na

posição que recebe caso acusativo, e a forma do pronome reflexivo no caso acusativo é

se.

A leitura do verbo é de ficar num estado de apego a um determinado assunto,

crença ou algo concreto.

(97) TP

DP T’ Ele

T vP pret.perf.

v’ PP v Raiz DP P’

se à religião a- √peg

Comparando as acepções dos verbos pegar e seu derivado, temos um resultado

favorável com a hipótese da tese:

Verbo número de acepções encontradas

J. Pegar 5

J.1. Apegar 1

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92

Na próxima subseção, o verbo ter e seus derivados serão analisados da mesma

maneira. I. Ter

1. João tem um carro

2. João tem boas ideias

3. João tem 30 anos

4. João teve o cuidado de fechar a janela

5. Eu tenho que acabar de escrever a tese

6. João tinha o bebê no colo

7. Tem leite na geladeira

8. Tem dois feriados em fevereiro

O verbo ter pode ter muitas leituras: de posse, de estado, de existência, de

obrigação.

Em 1, ter um carro, a leitura é do objeto direto é coisa possuída. Em 2, ter boas

ideias, a leitura é de uma propriedade particular do sujeito. Em 3, ter 30 anos, a

propriedade específica do sujeito é a idade. A estrutura sintática das sentenças 1, 2 e 3

está representada abaixo.

(98)

Em 4, ter o cuidado de fechar a janela, a leitura é de um estado mental de prudência.

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93

(99)

Em 5, ter que, a leitura é de obrigação.

(100)

Em 6, ter o bebê no colo, a leitura é de um estado de posse momentânea. Em 7,

ter leite na geladeira, a leitura é de existência de algo em algum lugar. Em 8, ter dois

feriados em fevereiro, a leitura é semelhante à de 7, mudando a noção de espaço para a

de tempo. Os exemplos 6, 7 e 8 possuem uma estrutura parecida, porém em 7 e 8, o

sujeito é do tipo que na gramática tradicional é chamado de impessoal.

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94

(101)

I.1. Conter

1. O texto contém muitos adjetivos

2. João conteve os gastos

3. João se conteve para não bater em Pedro

Em 1, a leitura de conter é de parte-todo

(102) TP

DP

O texto T'

pres. vP v' DP

v Raiz muitos adjetivos com- √T

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Em 2, o sujeito de conter deve ser lido como exercitando autocontrole.

Em 3, à configuração sintática 2, com sujeito agente, pode ser acrescentado um

PP, que especifica, no sujeito de bater, o pensamento do sujeito agente do verbo conter.

Na construção 3, o sujeito de conter retorna na forma de sujeito do verbo bater.

(103)

TP

DP

João T'

pret.perf. vP v’ PP v DP P CP

v Raiz os gastos para evitar o desperdício

se para não bater em Pedro

com- √T

I.2. Deter

1. João detém o poder

2. A polícia deteve o João no Maracanã.

3. João deteve-se em minúcias.

Em 1, o referente do objeto direto, poder, é abstrato, portanto na computação do

significado da frase, resultará que a palavra que ocupa a posição de sujeito receberá a

leitura de tomar para si [algo abstrato].

Em 2, a partir da pura estrutura da sentença, depreende-se que esta pessoa, que é

o referente do objeto direto, sofre a situação de ficar submetida à entidade, qualquer que

seja, que ocupa o papel agentivo do sujeito, bem como se encontra no Maracanã.

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Em 3, a estrutura sintática é semelhante à de 2: o sujeito é agente e fica na

situação de [ele estar [ele em minúcias]], ou seja, o ser humano João está sendo referido

nesta frase três vezes.

(104) TP

DP

João T'

pres. vP v DP

v Raiz o poder de- √T

(105) TP

DP T’ João A polícia

T vP pret.perf.

v PP v Raiz DP P’

ele em minúcias de √T João no Maracanã

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I.3. Reter

1. A polícia reteve os bens do ladrão

2. Aquelas técnicas ensinam a reter o conhecimento

O significado do verbo reter é prender firmemente algo ou alguém, que pode ser

no mundo real, concreto, como em reter o ladrão, ou no mundo das ideias, abstrato,

como em reter o conhecimento.

(106) TP

DP

A polícia T' Ele

pret.perf. vP v DP

v Raiz os bens do ladrão o conhecimento

re- √T

Comparando as acepções dos verbos ter e seus derivados, temos um resultado

favorável com a hipótese da tese:

Verbo número de acepções encontradas

I. Ter 4

I.1. Conter 2

I.2. Deter 2

I.3. Reter 1

Na próxima subseção, o verbo ver e seus derivados serão analisados da mesma

maneira.

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98

J. Ver

1. Ele não vê, é cego

2. João viu as paisagens

3. João viu a Maria ontem

4. O médico viu os doentes

5. Eu nunca vi laranja mais doce

6. Eu vi a importância do assunto

7. João já via o futuro do filho

8. João se viu numa situação difícil

Em 1, o verbo ver é intransitivo e tem a leitura de ser ou não cego.

(107)

De 2 a 7, o verbo ver é transitivo, mas dependendo do conteúdo semântico do

referente do objeto direto, a leitura pode variar.

Em 2, a leitura de ver paisagem é observar. Em 3, a leitura de ver Maria é

encontrar. Em 4, a leitura de ver os doentes é examinar. Em 5, a leitura de nunca ver

laranja mais doce é experimentar, extensão dos sentidos. Em 6, ver a importância do

assunto é perceber, compreender. Em 7, ver o futuro do filho, é prever, imaginar.

(108)

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99

Em 8, o verbo ver, no exemplo João se viu em uma situação difícil, é reflexivo e

tem um PP que estabelece uma relação entre o referente do objeto, que é o pronome

reflexivo se, e o núcleo do sintagma preposicional. Esse predicado ganha uma leitura de

[João estar [ele em uma situação difícil]]. Mais uma vez, na estrutura gerada pela

gramática, há três pontos de presença do referente chamado João: o sujeito, o objeto

direto e o especificador do sintagma preposicional.

(109)

J.1. Antever

1. A mãe anteviu uma tragédia

O verbo antever significa ver um evento antes mesmo de ele acontecer e só

aparece numa configuração transitiva.

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100

(110) TP

DP

A mãe T'

T vP

pret.perf. v DP

v Raiz uma tragédia ante- √V J.2. Prever

1. João previu os resultados dos exames

O verbo prever só aparece numa configuração transitiva. Ele tem uma leitura de

ver antes, como em 1.

(111) TP

DP

A mãe T'

T vP

pret.perf. v DP

v Raiz o resultado dos exames pre- √V

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101

J.3. Prover

1. O pai da Maria provê todos os filhos de uma boa educação

2. O governo vai autorizar concursos para prover novos cargos de professor

O verbo prover significa abastecer, munir, como em 1, e pode também significar

preencher um cargo, como em 2. Nos dois exemplos, o verbo é transitivo.

(112)

TP DP O pai da Maria T'

O governo

T vP Pres. v DP

v Raiz todos os filhos de uma boa educação novos cargos de professor

pro- √V

J.4. Rever

1. João reviu sua terra natal

2. Ele decidiu rever suas decisões políticas

O significado de rever, em 1, é de visitar a sua terra natal novamente. Em 2, o

significado é de julgar novamente. Esse verbo só aparece na configuração transitiva.

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102

(113) TP

DP

João T' O servidor

T vP

Pret.perf. v DP

v Raiz sua terra natal suas decisões políticas

re- √V

Comparando as acepções dos verbos ver e seus derivados, temos um resultado

favorável com a hipótese da tese:

Verbo número de acepções encontradas

J. Ver 3

J.1. Antever 1

J.2. Prever 1

J.3. Prover 1

J.4. Rever 1

Após a análise de cada verbo, apresento as ocorrências sintáticas encontradas.

Em seguida, uma tabela com estas ocorrências numeradas e quais ou qual estrutura cada

verbo apresenta para uma visão geral do capítulo.

As estruturas encontradas foram:

1.Uma estrutura de verbo intransitivo, como em João correu ou A porta bateu

ou

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103

2. Uma estrutura de verbo transitivo, como em João bateu a porta

3. Um complemento PP, como em João bateu à porta

4. Um complemento PP, como em levar o filho para casa

5. Um complemento CP dentro do PP, como em levar os militares a assumirem o

poder

6. Um complemento CP, como em eu tenho que acabar de escrever a tese

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104

Estruturas/Verbos

1

ou

2

3

4

5

6

Correr João correu correr a

maratona

correr para

casa de Maria

correr a mão

pelos cabelos

Concorrer concorrer ao

prêmio

Decorrer Isso decorreu

da sua falta de

educação

Discorrer discorrer sobre

o assunto

Escorrer A água

escorreu

escorrer a

água do

macarrão

Incorrer Incorrer em

erro

Ocorrer um

incidente

ocorreu

Uma ideia

ocorreu ao

professor

Percorrer Percorrer

todo caminho

Recorrer recorrer ao

professor

Socorrer socorreu um

amigo

Transcorrer Anos

transcorrem

Bater A porta

bateu

bater a porta Bater em

Pedro

Abater abater o

inimigo

Combater combater o

inimigo

Debater debater uma

ideia /

debater-se

Rebater rebater a bola

Levar Levar a culpa Levar o filho

para casa

Levar um

militar a

assumir o

poder

Elevar elevar 2 t a 5 m

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105

Relevar releva

admitir isso

relevar um

erro

Mandar Gosta de

mandar

mandar no

irmãozinho

mandar uma

carta para

Maria

Mandar o

irmão

dançar

Comandar comandar

uma empresa

Demandar demandar uma

explicação ao

professor

Marcar a sua

presença

marca

marcar o

rosto da

menina /

marcar um

encontro

Demarcar demarcar o

território

Desmarcar desmarcar o

livro

Remarcar remarcar o

território

Mover a fricção

move o

carrinho

Comover comover o

público

Remover remover a

sujeita para o

pano

Parar o carro

parou

o guarda

parou o carro

A função dos

pais não para

na educação

Parou de

falar

bobagem

Aparar aparar um

soco

Amparar amparar os

necessitados

Comparar comparar amor

à amizade

Deparar deparar-se com

uma situação

difícil

Disparar O cavalo

disparou

disparar uma

flecha

disparar para a

casa

Preparar preparar o

jantar

preparar o

salão para a

festa

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106

Reparar reparou o

carro

reparou no seu

jeito

reparar

que ele

não veio

Pegar resfriado

pega

pegar uma

xícara

Pegar na mão

da filha

Pegar o

espetáculo do

início

Apegar apegar-se à

religião

Ter Ter um carro Ter o bebê no

colo

Ter o

cuidado

de fechar

a janela

Ter que

acabar de

escrever a

tese

Conter conter muitos

adjetivos

conter-se

para não

bater

Deter deter o poder deter o João no

Maracanã

Reter reter os bens

do ladrão

Ver Ele não vê ver alguém ver-se numa

situação difícil

Antever antever uma

tragédia

Prever prever os

resultados

Prover prover o

filhos

Rever Rever sua

terra

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107

CAPÍTULO 5

CONCLUSÃO E DESDOBRAMENTO

A análise da estrutura argumental dos 47 verbos examinados permitiu-me

constatar que existem ao todo seis estruturas básicas, que são as numeradas de 1 a 6 no

final do capítulo anterior. Contudo, na verdade, os verbos simples, em sua maioria,

limitam-se a fazer uso de quatro tipos de estrutura. Os verbos complexos ocorrem em no

máximo três tipos de estruturas, mas a maioria deles aparece em apenas um tipo de

estrutura.

Este número reduzido de estruturas para os verbos complexos revela que o

próprio prefixo já é um contexto do verbo sem prefixo, ou seja, a estrutura da palavra

está sendo computada, conforme previsto pela expectativa teórica do princípio proposto

por Marantz do Syntax all the Way Down.

Quanto aos verbos simples, também para eles há um limite muito pequeno de

estruturas possíveis, o que é de se esperar pelo princípio básico da teoria X-barra.

Na comparação entre a semântica dos verbos simples e a semântica dos verbos

complexos, contatei que a polissemia dos verbos simples é maior do que a dos verbos

complexos. Este resultado está perfeitamente de acordo com o efeito esperado de uma

complexidade no interior da palavra: a prefixação ocasiona um cálculo delimitador do

significado do complexo prefixo + verbo, já que o prefixo é um micro advérbio, e o

significado da composição do prefixo + verbo, seja ele composicional ou com alguma

idiomatização, ainda assim é restritivo para o cálculo semântico da palavra. Por outro

lado, o verbo simples com uma raiz categorizada somente com o vezinho fica mais

liberado para idiomatizações.

Uma pergunta que esta tese ainda deixa em aberto é a seguinte: os verbos

chamados no capítulo 3 de possivelmente analisáveis, já que não possuem uma

segmentação dos prefixos fortemente transparentes, terão seus significados e estrutura

argumental mais parecidos com os dos verbos simples ou com os dos verbos complexos

transparentes, como os analisados nesta tese? Esta é uma questão que nos provoca um

desejo de prosseguir nesta pesquisa.

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