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1 UM ESTUDO DE A IDEOLOGIA ALEMÔ Obra de Karl Marx e Friedrich Engels Walter Lippold 2015

Um Estudo de "A Ideologia Alemã"

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Trabalho da disciplina da Profa. Céli Pinto no doutorado UFRGS.

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UM ESTUDO DE

“A IDEOLOGIA ALEMÔ

Obra de Karl Marx e Friedrich Engels

Walter Lippold

2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Teoria e Metodologia da História:

Relações de Poder Político-Institucional - HIPG0038

Da ideologia ao discurso (Análise Bibliográfica II)

Profa. Dra. Céli Regina Jardim Pinto

ALUNO: Walter Günther Rodrigues Lippold

UM ESTUDO DA OBRA: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã.

1º Capítulo. Lisboa: Edições Avante, 1981.

2015

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Na obra A Ideologia Alemã1, Karl Marx e Friedrich Engels, em 1846, buscaram acertar suas contas

finais com os jovens hegelianos, criticando a falsa autonomia aos produtos da consciência. Marx e

Engels iniciam a obra - que deixaram à “crítica roedora dos ratos” - explanando sobre as ideias dos

críticos críticos:

Até aqui, os homens têm sempre criado representações falsas sobre si próprios, edaquilo que são ou que devem ser. Segundo suas representações de Deus, dohomem normal, etc., têm instituído suas relações. Os filhos da sua cabeçacresceram-lhes acima da cabeça. Curvaram-se, eles que são os criadores, diante,das suas criaturas. Libertemo-los das ficções do cérebro, das idéias, dos dogmas,das essências imaginadas sob cujo jugo se atrofiam. Rebelemo-nos contra odomínio das idéias. Ensinemo-los a trocar estas fantasias, por idéias quecorrespondem à essência do Homem, diz um; a terem uma atitude crítica face aelas, diz outro; a expulsá-las da cabeça, diz o terceiro; - e a realidade vigente ruirá.(MARX;ENGELS, 1981, p.17)

As ideias expostas neste trecho bastante sarcástico, “estas fantasias inocentes e pueris formam o

cerne[...]”(MARX; ENGELS, 1981, p.17) do pensamento dos jovens hegelianos como Bruno

Bauer, Max Stirner e também, apesar de respeitarem e darem outro tratamento, a Feuerbach. Nesse

momento Marx e Engels afirmam a importância da concepção materialista de história, pois somente

compreendendo o ser social é que teremos a chave para a compreensão dos produtos da consciência.

Assim, os “balidos filosóficos” dos jovens-hegelianos só trazem à tona “[...]as representações dos

cidadãos alemães, como as bazófias destes intérpretes filosóficos refletem apenas a mesquinhez das

condições alemãs reais”.

Para analisar as ideologias, devemos levar em conta o condicionamento dialético da consciência

social pelo ser social, pois, segundo Marx e Engels (1981, p.29): “Os homens são os produtores das

suas representações, idéias, etc., e precisamente os homens condicionados pelo modo de produção

da sua vida material, pelo intercâmbio material e o seu desenvolvimento posterior na estrutura

social e política. ”

1 No Prefácio de Uma Contribuição para a Crítica da Economia Política, de 1859, Marx conta um pouco da históriadesta obra: “Friedrich Engels, com quem mantive por escrito uma constante troca de ideias desde o aparecimento do seugenial esboço para a crítica das categorias econômicas (nos Deutsch-Französi-sche Jahrbücher), tinha chegado comigo,por uma outra via (comp. a sua Situação da Classe Operária em Inglaterra), ao mesmo resultado, e quando, naPrimavera de 1845, ele se radicou igualmente em Bruxelas, decidimos esclarecer em conjunto a oposição da nossamaneira de ver contra a [maneira de ver] ideológica da filosofia alemã, de facto ajustar contas com a nossa consciência[Gewissen] filosófica anterior. Este propósito foi executado na forma de uma crítica à filosofia pós-hegeliana. Omanuscrito(1*), dois grossos volumes em oitavo, chegara havia muito ao seu lugar de publicação na Vestefália quandorecebemos a notícia de que a alteração das circunstâncias não permitia a impressão do livro. Abandonamos omanuscrito à crítica roedora dos ratos de tanto melhor vontade quanto havíamos alcançado o nosso objectivo principal— autocompreensão. Dos trabalhos dispersos em que apresentamos então ao público as nossas opiniões, focando oraum aspecto ora outro, menciono apenas o Manifesto do Partido Comunista, redigido conjuntamente por Engels e pormim, e um Discours sur le libre échange publicado por mim. Os pontos decisivos da nossa maneira de ver foramprimeiro referidos cientificamente, se bem que polemicamente, no meu escrito editado em 1847, e dirigido contraProudhon, Misere de la philosophie, etc. Um estudo escrito em alemão sobre o Trabalho Assalariado, em que juntei asminhas conferências sobre este assunto proferidas na Associação dos Operários Alemães em Bruxelas, foi interrompidono prelo pela revolução de Fevereiro e pelo meu afastamento forçado da Bélgica ocorrido em consequência da mesma.”<Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1859/contcriteconpoli/> Acesso em: 17/08/2015>.

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Ou seja,

A produção de idéias, representações, da consciência está a princípio diretamenteentrelaçada com a atividade material e o intercâmbio material dos homens,linguagem da vida real[...]não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ouse representam, e também não dos homens narrados, pensados, imaginados,representados, para daí se chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homensrealmente ativos, e com base no seu desenvolvimento dos reflexos e ecosideológicos deste processo de vida(MARX; ENGELS, 1981, p.29).

Interessante citar uma parte riscada no manuscrito de A Ideologia Alemã (MARX;ENGELS, 1981,

p.28):

As idéias que estes indivíduos formam são representações ou da sua relação com anatureza ou da sua relação uns com os outros, ou sobre a sua própria natureza. Éevidente que em todos estes casos estas representações são a expressão consciente–real ou ilusória – das suas relações e atividades reais, da sua produção, do seuintercâmbio, da sua organização social e política.[...]Se a expressão consciente dasrelações reais destes indivíduos é ilusória, eles nas suas representações colocam arealidade de cabeça para baixo, e isto por suas vez é conseqüência do seu modo detrabalho material limitado e das relações sociais limitadas que dele resultam.

Para muitos críticos atuais, o materialismo histórico é uma teleologia mística, um reducionismo que

coloca a riqueza e a diferença do caos histórico dentro do Leito de Procusto do economicismo

mecaniscista. Será que leram o mesmo Marx que escreveu O 18 Brumário de Luis Bonaparte, que,

junto com Engels, desenvolveu a concepção materialista de história em A Ideologia Alemã? Será

que inventaram uma reductio ad absurdum para poder assim menosprezar o materialismo histórico

e suas categorias como peças dignas de um museu?

Em A Ideologia Alemã adentramos em alguns pressupostos básicos para a compreensão da

concepção materialista de História, na tentativa de solucionar as questões formuladas anteriormente.

Em primeiro lugar devemos explicitar um problema fundamental: o da dialética do ser social e da

consciência social. Para o materialismo histórico, o ser social é a origem da consciência social, ou

seja

A produção das idéias, representações, da consciência está a princípio diretamenteentrelaçada com a atividade material e o intercambio material dos homens,liguagem da vida real.[...] o ser dos homens é o seu processo real de vida. (MARX;ENGELS, 1981, p.29)

Segundo Marx e Engels (1981, p.29): “Os homens são os produtores das suas representações,

idéias, etc., e precisamente os homens condicionados pelo modo de produção da sua vida material,

pelo intercâmbio material e o seu desenvolvimento posterior na estrutura social e política. ” Assim,

as idéias, a moral, a religião, as ideologias, não possuem um história autônoma, elas estão sempre

interligadas com o ser social, que as gerou. Mas isto não quer dizer que a consciência social não

influencia o ser social. É por isso, que sem compreender a categoria de práxis, não se pode explicar

a concepção materialista de história, já que é mediado pela práxis que os seres humanos fazem sua

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história, é através da práxis que o ser social e a consciência social encontram sua identidade

temporária, a práxis objetiva o subjetivo e subjetiva o objetivo, une sujeito e objeto e transforma

ambos.

Engels (1977, p.31) afirma “[...]que embora o modo material de existência seja o primum agens

(agente primordial, causa primeira), isso não exclui as esferas ideológicas de reagirem por sua vez

sobre ele, ainda que com um efeito secundário[...]”. E numa carta a Joseph Bloch, Engels (1977,

p.34) explicita melhor aspectos da teoria do materialismo histórico:

[...]Segundo a concepção materialista da história, o elemento determinante dahistória é, em última instância, a produção e a reprodução da vida real. Nem Marx,nem eu dissemos outra coisa a não ser isso. Portanto, se alguém distorce estaafirmação para dizer que o elemento econômico é o único determinante,transforma-a numa frase sem sentido, abstrata e absurda. A situação econômica é abase, mas os diversos elementos da superestrutura [...] exercem igualmente suaação sobre o curso das lutas históricas e, em muitos casos, determinam de maneirapreponderante sua forma. Há ação e reação de todos esses fatores, no seio dos quaiso movimento econômico acaba por se impor como uma necessidade através dainfinita multidão de acidentes[...]Se assim não fosse, a aplicação da teoria aqualquer período histórico determinado seria, mais fácil do que a resolução de umasimples equação de primeiro grau”.

E mais adiante, na mesma carta, Engels exerce o importante exercício da autocrítica:

Marx e eu temos em parte a culpa pelo fato de que, às vezes, os jovens escritores[os primeiros “marxistas”] atribuam ao aspecto econômico maior importância doque a devida. Tivemos que enfatizar esse princípio fundamental frente a nossosadversários, que o negavam, e nem sempre tivemos tempo, lugar e oportunidadepara fazer justiça aos outros elementos que participam da ação recíproca.

E continuando, em outra carta, Engels (1977, p.41) critica a todos mecanicistas, que não

compreendem que causas e efeitos se transformam umas nas outras e estão essencialmente ligadas:

O que falta a todos estes senhores é a dialética. Apenas vêem causas ali, efeitosaqui. Que isto é uma abstração vazia, que no mundo real estas antíteses polaresmetafísicas só se dão em épocas de crise e que todo o grande curso das coisas seproduz sob a forma de ação e reação de forças sem dúvida bastantes desiguais –ainda que o movimento econômico seja de longe a força mais poderosa, primordiale decisiva -, que aqui nada existe de absoluto e que tudo é relativo, isso é coisa queeles não vêem; para eles, Hegel não existiu.[...]

Todo este debate é importante para que possamos compreender a metáfora da base material e da

superestrutura, para que não cairmos no reducionismo vulgar, maquiado de marxismo.

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A metáfora da camara obscura, este experimento ótico, estudado por Aristóteles, Euclides,

Ptolomeu e pelo autor do famoso Tesouro da Ótica, Ibn Al-Haytham (Al Hazen), nos indica que a

ideologia não é uma falsa consciência, pois a imagem invertida gerada pela camara provem do real,

mas algo a inverte, o real é apropriado de modo ideologizado.

Terry Eagleton (1997) nos ajuda a compreender esta importante obra que nos propomos a estudar e

apresentar:

É necessário, então distinguir os dois casos bastante diferentes que A ideologia alemãameaça fundir em um só. De um lado, está a tese materialista geral de que as idéias e aatividade material são inseparavelmente ligadas, em oposição à tendência idealista deisolar e privilegiar as primeiras. De outro, há o argumento materialista histórico, de quecertas formas de consciência historicamente específicas tornam-se apartadas da atividadeprodutiva, sendo mais bem explicadas em termos de seu papel funcional em sustentá-la.(EAGLETON, 1977, p.74)

Uma ilustração da camara obscura no século XVII

“Se em toda ideologia, os homens e suas relações aparecem de cabeça para baixo como numa camaraobscura, é porque este fenômeno deriva do seu processo histórico de vida da mesma maneira que a inversãodos objectos na retina deriva do seu processo directamente físico de vida. (MARX;ENGELS, 1981, p.29).

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E mais adiante EAGLETON (1997, p.71) analisa o caráter de alienação/estranhamento expostos em

A Ideologia Alemã:

Em certas condições sociais, argumenta Marx, os poderes, produtos e processos humanosescapam ao controle dos sujeitos humanos e passam a assumir uma existênciaaparentemente autônoma. Apartados dessa forma de seus agentes, tais fenômenoscomeçam então a exercer sobre eles um poder imperioso, de modo que homens emulheres se submetem ao que, na verdade, são os produtos de sua própria atividade,como se estes fossem uma força estranha. (EAGLETON, 1997, p.71)

Segundo LARRAIN(1988, p.184-185), no Dicionário do Pensamento Marxista organizado por

Bottomore, o conceito de ideologia possui três fases no desenvolvimento intelectual de Marx, sendo

que não ocorreu uma ruptura epistemológica, mas as seguintes mudanças:

“A primeira fase compreende os primeiros escritos e vai até 1844.[...]”

Ainda ligado ao debate filosófico entre Hegel e Feuerbach. Por enquanto não apareceu o conceito

de ideologia nos textos de Marx e Engels, “mas os elementos materiais do futuro conceito já estão

presentes em sua crítica da religião e da concepção hegeliana do Estado, definidas como

“inversões” que obscurecem o verdadeiro caráter das coisas” (LARRAIN, 1988, p.184-185). .

“Nesse sentido, ele afirma que a fonte da inversão ideológica é uma inversão da própria realidade”.

Marx argumenta que esta inversão é mais do que uma alienação filosófica ou ilusória: “ela expressa

as contradições e sofrimentos do mundo real”.

“A segunda fase começa com o rompimento com Feuerbach em 1845 a vai até 1857”.

Este é o período que analisamos neste estudo. A introdução do conceito de ideologia. A crítica aos

jovens hegelianos.

“A terceira fase começa com a redação dos Grundrisse em 1858, caracteriza-se pela análise das

relações sociais capitalistas que culminam em O Capital. [...] a palavra ideologia quase desaparece

do texto.”

Marx já havia chegado à conclusão de que, se algumas ideias deformavamou invertiam a realidade, eram porque a própria realidade estava de cabeçapara baixo. Mas essa relação aparecia de maneira direta, não mediada. Aanálise específica das relações sociais capitalistas leva-o à conclusão maisavançada de que a conexão entre “consciência invertida” e “realidadeinvertida” é mediada por um nível de aparências que é constitutivo daprópria realidade. Essa esfera de “formas fenomenais” é constituída pelofuncionamento do mercado e da concorrência, como diz Marx: “tudo pareceinvertido na concorrência” [...]A ideologia oculta o caráter contraditório do

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padrão essencial oculto, concentrando o foco na maneira pela qual asrelações econômicas aparecem superficialmente” (LARRAIN, 1988, p. 184-185).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

LARRAIN, Jorge. Ideologia. In: BOTTOMORE, Tom (editor). Dicionário do PensamentoMarxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988. pág. 183-184.

EAGLETON, Terry. Ideologia: uma introdução. São Paulo: Boitempo Editorial / UNESP, 1997.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Cartas Filosóficas e outros Escritos. São Paulo: Grijalbo,1977.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. 1º Capítulo. Lisboa: Edições Avante, 1981.