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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA CELIA REGINA BAIDER STEFANI O SISTEMA FERROVIÁRIO PAULISTA: UM ESTUDO SOBRE A EVOLUÇÃO DO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS SOBRE TRILHOS São Paulo 2007

um estudo sobre a evolução do transporte de passageiros sobre

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

    CELIA REGINA BAIDER STEFANI

    O SISTEMA FERROVIRIO PAULISTA:

    UM ESTUDO SOBRE A EVOLUO DO TRANSPORTE DE

    PASSAGEIROS SOBRE TRILHOS

    So Paulo

    2007

  • CELIA REGINA BAIDER STEFANI

    O SISTEMA FERROVIRIO PAULISTA:

    UM ESTUDO SOBRE A EVOLUO DO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS

    SOBRE TRILHOS

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Mestre em Cincias.

    rea de Concentrao: Geografia Humana

    Orientador: Prof. Dr. Francisco Capuano Scarlato

    So Paulo

    2007

  • Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, desde que para fins de pesquisa ou estudo, e respeitada a citao da fonte.

    Catalogao na publicao Servio de Biblioteca e Documentao

    Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas

    STEFANI, Celia Regina Baider

    O Sistema Ferrovirio Paulista: um estudo sobre a evoluo do transporte de passageiros sobre trilhos / Clia Regina Baider Stefani; Orientador Francisco Capuano Scarlato. So Paulo, 2007.

    304f.: il., fotografias, mapas.

    Dissertao (Mestrado Programa de Ps-Graduao em Geografia. rea de concentrao: Geografia Humana) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo.

    1. Geografia Humana. 2. Sistema Ferrovirio. 3. Estado de So Paulo. 4. Polticas pblicas. 5. Transporte de passageiros. I. Ttulo. II. Scarlato, Francisco Capuano.

    CDD 304.2

  • DEDICATRIA

    Para Erik e Eduardo,

    Ado e Clia (In memorian)

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo a todos os colegas da turma da graduao de 1996, e a todos os outros colegas de outras turmas, inclusive das matrias da Ps, que foram se juntando ao longo dos semestres e que fizeram com que as vindas dirias ou semanais ao Departamento de Geografia, tornassem-se cada vez mais prazerosas.

    Agradeo aos amigos Anglica e Nedir, cuja colaborao e intensa amizade nunca ser esquecida.

    Agradeo aos colegas do Departamento de Histria, em especial ao Lus, pela amizade sincera.

    Agradeo ao Mauro, por estar sempre presente.

    Agradeo ao Eduardo pelo imenso carinho e pela ajuda no trabalho de campo e na formatao dessa dissertao.

    Agradeo Vanessa pela grande amizade e pela ajuda nas pesquisas.

    Agradeo a Carlos Roberto de Almeida pelo vasto material de pesquisa e pelo olhar, ao mesmo tempo realista e carinhoso, sobre as ferrovias no Brasil.

    Agradeo a todos os funcionrios das bibliotecas visitadas, em especial ao Carlos, do Museu Ferrovirio de Jundia, que disponibilizou importante material do acervo ferrovirio.

    Agradeo a todos os professores do Departamento de Geografia, da Graduao e da Ps-Graduao, pelo aprendizado, pelos trabalhos de campo e pela amizade. Agradeo, em especial, ao professor Mrio Di Biasi, pelo carinho e incentivo durante todos os anos de convvio.

    Agradeo, de forma muito especial, ao professor e orientador Francisco Capuano Scarlato, que permitiu ampla liberdade na execuo do trabalho.

  • Quem vai chorar, quem vai sorrir?

    Quem vai ficar, quem vai partir?

    Pois o trem est chegando

    T chegando na estao

    o trem das 7 horas

    o ltimo do serto

    (Raul Seixas, Trem das 7)

  • RESUMO

    STEFANI, C.R.B. O Sistema Ferrovirio Paulista: um estudo sobre a evoluo do transporte de passageiros sobre trilhos. 2007. 304f. Dissertao (Mestrado) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas. Universidade de So Paulo, So Paulo, 2007.

    Nos ltimos anos do sculo XX, o Sistema Ferrovirio Paulista estampou, constantemente, manchetes da mdia impressa e televisiva. O mote das reportagens era quase sempre o mesmo: estaes abandonadas e depredadas, m utilizao do material permanente, carros de passageiros, locomotivas e vages apodrecendo nos ptios, desconsiderao ao usurio com a erradicao dos trens de longo percurso. O que as reportagens quase nunca apresentavam, no entanto, a gnese desse quadro de degradao, que teve suas bases fincadas, entre outros fatores, na escolha poltica pelo transporte rodovirio e na privatizao da malha ferroviria. Objetivando trazer tona tal realidade, a presente dissertao procurou analisar a espacialidade e a histria da evoluo do Sistema Ferrovirio no Estado de So Paulo, enfocando, especialmente, o transporte de passageiros, seja em longo-percurso, seja na Regio Metropolitana da capital. Para tanto, analisou-se, inicialmente, a implantao e o desenvolvimento do Sistema Ferrovirio em So Paulo, relacionando-o produo cafeeira e ao processo de urbanizao-industrializao da capital paulista. Num segundo momento, discutiu-se as polticas de implementao do Sistema Rodovirio e suas conseqncias para o transporte ferrovirio no Estado, discorrendo-se tambm sobre as alteraes administrativas das ferrovias. Por fim, pde-se criticar a privatizao da Rede Ferroviria Federal e as recentes transformaes no transporte metro-ferrovirio da capital. Acredita-se, desta forma, que o trabalho apresenta reflexes apoiadas numa reviso da literatura a respeito do tema, e em dados e apontamentos de reportagens de revistas especializadas e da grande mdia que possam servir para a construo de conjecturas acerca do futuro do transporte sobre trilhos no Estado de So Paulo.

    Palavras-chave: Ferrovias. Polticas pblicas. Transporte de passageiros.

  • ABSTRACT

    STEFANI, C.R.B. The So Paulo Railway System: a study about the evolution of the passengers' transport on trains. 2007. 304f. Dissertation (Master's degree) University of Philosophy, Letters and Humanities. University of So Paulo, So Paulo, 2007.

    In the last years of the century XX, the So Paulo Railway System printed, constantly, headlines of the media printed and television. The theme of the reports was almost always the same: abandoned stations and depredated, bad use of the permanent material, passengers' cars, locomotives and wagons deteriorating at the patios, disregard to the user with the eradication of the trains of long course. The one that the reports hardly ever presented, however, it is the genesis of that degradation picture, that had their fixed bases, among other factors, in the political choice for the road transport and in the privatization of the rail mesh. Aiming at to bring to the surface such reality, to present dissertation tried to analyze the geography and the history of the evolution of the Railway System in the state of So Paulo, especially focusing the passengers' transport, be in long-course, be in the Metropolitan Area of the capital. For so much, it was analyzed, initially, the implantation and the development of the Railway System in So Paulo, relating it to the coffee production and the process of urbanization-industrialization of the capital from So Paulo. In a second moment, it was discussed the politics of implementation of the Road System and their consequences for the rail transport in the state, being also talked about the administrative alterations of the railroads. Finally, it could be criticized the privatization of the Federal Railway Net and the recent transformations in the subway-rail transport of the capital. It is believed, this way, that the work presents reflections leaning in a revision of the literature regarding the theme, and in data and notes of reports of specialized magazines and of the great media that can be for the construction of you conjecture concerning the future of the transport on rails in the state of So Paulo.

    Key-words: Railroads. Public politics. Transport of passengers.

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Crescimento do nmero de passageiros no Estado de So Paulo (1867-1897).................................................................................................... 84

    Tabela 2 Crescimento do nmero de passageiros no Estado de So Paulo (1908-1918).................................................................................................... 90

    Tabela 3 Nmero de automveis importados pelo Brasil (1946-1959)............. 111

    Tabela 4 Frota nacional de veculos cadastrados (1958-1985)........................ 116

    Tabela 5 Investimentos no setor de transportes no Brasil (1960-1972), em milhes de cruzeiros.......................................................................... 124

    Tabela 6 Evoluo das redes virias no Brasil (1951-1979), em milhares de quilmetros......................................................................................... 125

    Tabela 7 Evoluo da frota rodoviria no Brasil (1960-1979)........................... 125

    Tabela 8 Evoluo da frota ferroviria no Brasil (1960-1979)........................... 126

    Tabela 9 Transporte de mercadorias no Brasil em percentuais (1950-1979)... 127

    Tabela 10 Transporte de passageiros intermunicipais no Brasil em percentuais (1950-1979)........................................................................................ 127

    Tabela 11 Passageiros transportados pela malha ferroviria no Estado de So Paulo (1940-1946)............................................................................. 131

    Tabela 12 Passageiros transportados por ano no trecho urbano e suburbano do Municpio de So Paulo (1957-1973)................................................. 135

    Tabela 13 Nmero de passageiros transportados por ano no Municpio de So Paulo (1974-1981)............................................................................. 144

    Tabela 14 Balano de funcionamento da Fepasa (1971-1981).......................... 161

    Tabela 15 Dados referentes ao transporte de Cargas na malha ferroviria nacional (1979-1983)........................................................................................ 179

    Tabela 16 Dados referentes ao transporte de passageiros na malha ferroviria nacional (1979-1983)......................................................................... 180

    Tabela 17 Desenvolvimento do Metr na cidade de So Paulo (1995-1999)..... 230

    Tabela 18 Desenvolvimento da CPTM na Regio Metropolitana de So Paulo (1995-1999)........................................................................................ 243

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Lista de Mapas

    Mapa 1 Mapa da So Paulo Railway................................................................ 40

    Mapa 2 Traado da Ferrovia Companhia Paulista............................................ 49

    Mapa 3 Traado da Ferrovia Sorocabana........................................................ 52

    Mapa 4 Traado da Ferrovia Mogiana.............................................................. 54

    Mapa 5 A marcha do caf no Estado de So Paulo, de 1836 1935.............. 56

    Mapa 6 A evoluo ferroviria em So Paulo, de 1870 1900........................ 56

    Mapa 7 A evoluo ferroviria em So Paulo, de 1900 1940........................ 57

    Mapa 8 Traado da ferrovia So Paulo-Minas.................................................. 62

    Mapa 9 Traado da Ferrovia Araraquara.......................................................... 65

    Mapa 10 Traado da Estrada de Ferro Central do Brasil................................... 75

    Mapa 11 Traado da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil................................ 81

    Mapa 12 Malha ferroviria brasileira em 1930.................................................... 95

    Mapa 13 Plano geral de Viao Nacional........................................................... 99

    Mapa 14 Plano Rodovirio Brasileiro................................................................ 101

    Mapa 15 Terminais ferrovirios privados no Estado de So Paulo.................. 167

    Mapa 16 Traado da 10 Diviso da RFFSA em So Paulo............................. 176

    Mapa 17 Traado da 9 Diviso da RFFSA em So Paulo............................... 177

    Mapa 18 Traado da 6 Diviso da RFFSA em So Paulo............................... 178

    Mapa 19 Malha ferroviria brasileira ps-privatizao...................................... 211

    Mapa 20 Malha da Amrica Latina Logstica em 2006..................................... 213

    Mapa 21 Traado do Anel Ferrovirio em 1970................................................ 215

    Mapa 22 Traado do trecho sul do Rodoanel................................................... 218

    Mapa 23 Traado do futuro Ferroanel em So Paulo....................................... 219

    Mapa 24 Traado da Rede Metroviria em So Paulo..................................... 232

    Mapa 25 Novas estaes da linha F da CPTM................................................. 275

    Mapa 26 Extenso da linha C da CPTM........................................................... 276

  • Lista de Fotografias

    Fotografia 1 Trem Cruzeiro do Sul, sucateado.............................................. 197

    Fotografia 2 Via permanente, sem rede area em Canitar............................ 198

    Fotografia 3 Armazm abandonado na Estao de Ipauss......................... 199

    Fotografia 4 Ponte abandonada da ex-Cia Mogiana, em So Paulo............. 199

    Fotografia 5 Estao de Salto Grande, abandonada..................................... 200

    Fotografia 6 Carros de passageiros abandonados no ptio de Presidente Altino (A).............................................................................................. 201

    Fotografia 7 Carros de passageiros abandonados no ptio de Presidente Altino (B).............................................................................................. 201

    Fotografia 8 Composies abandonadas no ptio da Estao de Bauru...... 202

    Fotografia 9 Estao de Botucatu, invadida pela Prefeitura....................... 203

    Fotografia 10 Biblioteca do Museu Ferrovirio de Jundia, abandonada......... 205

    Fotografia 11 Parte do conjunto arquitetnico da Estao de Jundia............ 206

    Fotografia 12 Biblioteca do Museu Ferrovirio de Jundia, restaurado........... 206

    Fotografia 13 Vila Inglesa de Paranapiacaba................................................ 207

    Fotografia 14 Composio abandonada em Paranapiacaba........................... 209

    Fotografia 15 Metr e ferrovia correndo lado a lado........................................ 227

    Fotografia 16 Integrao metr-ferrovia na Estao Brs.............................. 231

    Fotografia 17 Trem da CPTM estacionado na Estao Brs.......................... 239

    Fotografia 18 Vista geral da Estao Brs...................................................... 241

    Fotografia 19 Estao Santo Amaro da CPTM................................................ 246

    Fotografia 20 Estao Granja Julieta da CPTM.............................................. 246

    Fotografia 21 Estao Jurubatuba da CPTM................................................... 247

    Fotografia 22 Trens na Estao Brs.............................................................. 248

    Fotografia 23 Estao Arthur Alvim da CPTM, desativada.............................. 249

    Fotografia 24 Estao Carlos de Campos da CPTM, desativada................... 250

    Fotografia 25 Composies estacionadas na Estao Brs........................... 251

    Fotografia 26 Surfistas ferrovirios no Rio de Janeiro..................................... 254

    Fotografia 27 Transito congestionado na Avenida Radial Leste, que corre paralela aos trilhos do metr e da ferrovia, em dia de greve do metr.......................................................................................... 255

    Fotografia 28 Catracas de transferncia entre o Metr e a CPTM na Estao Brs........................................................................................... 270

    Fotografia 29 Antiga estao de trem do Brs................................................ 271

  • Lista de Quadros

    Quadro 1 Projetos para instalao de indstrias automobilsticas aprovados (1956-1957)........................................................................................ 113

  • Lista de Desenhos

    Desenho 1 Integrao metr-ferrovia na Estao da Luz................................... 242

    Desenho 2 Situao atual da malha ferroviria por linha..................................... 259

  • LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    ABPF Associao Brasileira de Preservao Ferroviria

    ALL Amrica Latina Logstica S/A

    BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

    BNDES Banco Nacional e Desenvolvimento Econmico e Social

    CAM Coordenadoria de Assistncia aos Municpios

    CBTU Companhia Brasileira de Trens Urbanos

    CFN Companhia Ferroviria do Nordeste

    Cobrasma Companhia Brasileira de Materiais Ferrovirios

    CMTC Companhia Municipal de Transportes Coletivos

    CND Conselho Nacional de Desestatizao

    Condephaat Conselho de Defesa do patrimnio Histrico, Arqueolgico, Artstico e Turstico

    CPEF Companhia Paulista de Estradas de Ferro

    CPG Coordenadoria de Planejamento e Gesto

    CPI Comisso Parlamentar de Inqurito

    CPTM Companhia Paulista de Trens Metropolitanos

    CTC Coordenadoria de Transporte Coletivo

    DER Departamento de Estradas de Rodagem

    DNER Departamento Nacional de Estradas de Rodagem

    DO Diviso Operacional

    DRM Diretoria de Transporte Metropolitano

    EMTU Empresa Municipal de Transportes Urbanos

    Emplasa Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S/A

    FDTE Fundao para o Desenvolvimento Tecnolgico de Engenharia

    FEPASA Ferrovias Paulistas S.A.

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    FUMEFI Fundo Metropolitano de Financiamento e Investimentos

    GEIA Grupo Executivo da Indstria Automobilstica

    GEIPOT Grupo Executivo de Integrao da Poltica de Transportes

    GEM Grupo Executivo do Metropolitano

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IFE Inspetoria Federal de Estradas

    IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

  • Mafersa Material Ferrovirio S/A

    ONG Organizao no-governamental

    PITU Programa Integrado de Transportes Urbanos

    POLI Escola Politcnica da Universidade de So Paulo

    I PND I Plano Nacional de Desenvolvimento

    II PND II Plano Nacional de Desenvolvimento

    I PND-NR I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova Repblica

    REF Rede Ferroviria Estadual

    RFFSA Rede Ferroviria Federal S.A

    SIM Sistema Integrado Metropolitano

    SR Superintendncia Regional

    STM Secretaria de Transportes Metropolitanos

    STT Secretaria dos Transportes Terrestres

    STU-SP Sistema de Trens Urbanos de So Paulo

    TCE Tribunal de Contas do Estado

    TIM Trem Intra-Metropolitano

    TKU Tonelada por quilmetro til

    UNICAMP Universidade de Campinas

  • SUMRIO

    INTRODUO.......................................................................................................... 17

    1 A IMPLANTAO E O DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA FERROVIRIO EM SO PAULO............................................................................................ 25

    1.1 As vias de Comunicao que antecederam o Sistema Ferrovirio no pas e no Estado de So Paulo............................................................................ 25

    1.2 A Supremacia Inglesa no desenvolvimento Ferrovirio Mundial............ 30

    1.3 O desenvolvimento da produo cafeeira e os primeiros incentivos para a construo de ferrovias no pas............................................................... 33

    1.4 A implantao da primeira estrada de ferro em So Paulo e as transformaes scio-espaciais na cidade................................................ 37

    1.5 O desenvolvimento da cultura cafeeira em So Paulo e a construo de trs grandes ferrovias: a Paulista, a Sorocabana e a Mogiana................ 46

    1.6 O avano do caf rumo ao norte e ao oeste do Estado: a construo da So PauloMinas e da Araraquara.............................................................. 59

    1.7 Restries, concesses e domnio estrangeiro: a ao do Estado na implantao e administrao das ferrovias............................................... 67

    1.8 O descompasso na marcha caf/ferrovia: a construo da Central do Brasil e da Noroeste..................................................................................... 72

    1.9 Imigrao/industrializao: a diversificao do transporte de carga e o crescimento do transporte de passageiros em So Paulo....................... 82

    2 A IMPLEMENTAO DO SISTEMA RODOVIRIO E SUAS CONSEQNCIAS PARA O TRANSPORTE FERROVIRIO EM SO PAULO........................................................................................................... 94

    2.1 Os antecedentes da implantao do sistema rodovirio em So Paulo. 94

    2.2 A implementao da indstria automobilstica em So Paulo............... 106

    2.3 As conseqncias, para o sistema ferrovirio, da escolha pelo modelo rodovirio.................................................................................................... 120

    2.4 As principais transformaes no sistema de transporte ferrovirio em So Paulo at a dcada de 1970................................................................ 129

    2.4.1 As melhorias no sistema de subrbios na Regio Metropolitana de So Paulo............................................................................................................. 129

    2.4.2 A criao da Rede Ferroviria Federal......................................................... 136

    2.4.3 A fundao da Companhia do Metropolitano de So Paulo......................... 139

    2.4.4 A Criao da Fepasa.................................................................................... 145

  • 2.5 As polticas nacionais de desenvolvimento e o gerenciamento do

    Sistema Ferrovirio ps-1970................................................................... 148

    2.6 Administrao da Fepasa.......................................................................... 152

    2.6.1 Primeira Gesto 1971/75.......................................................................... 153

    2.6.2 Segunda Gesto 1975/79......................................................................... 155

    2.6.3 Terceira Gesto 1979/83.......................................................................... 159

    2.6.4 Quarta Gesto 1983/87............................................................................. 162

    2.6.5 Quinta Gesto 1987/91............................................................................. 165

    2.6.6 Sexta Gesto 1991/94.............................................................................. 169

    2.7 A administrao da Rede Ferroviria Federal RFFSA......................... 174

    3 A PRIVATIZAO DA REDE FERROVIRIA FEDERAL E AS RECENTES TRANSFORMAES NO TRANSPORTE METRO-FERROVIRIO DA CAPITAL...................................................................................................... 187

    3.1 O Sistema Ferrovirio Paulista no cenrio nacional: a privatizao da malha ferroviria federal........................................................................... 187

    3.2 O cenrio ferrovirio ps-privatizao em So Paulo............................ 194

    3.3 As metas do Plano Metropolitano da Grande So Paulo....................... 220

    3.4 A expanso da Rede Metroviria............................................................... 226

    3.5 A constituio da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos CPTM: primeiras aes........................................................................................... 235

    3.6 A administrao da CPTM: projetos em desenvolvimento..................... 239

    3.7 A administrao da CPTM: problemas a solucionar.............................. 252

    3.8 Transporte pblico versus transporte privado: um problema ainda sem soluo em So Paulo............................................................................... 260

    3.9 O incerto futuro do transporte sobre trilhos em So Paulo.................. 269

    CONSIDERAES FINAIS.................................................................................... 278

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS....................................................................... 289

    BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR CONSULTADA............................................. 297

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  • OO SSiisstteemm aa FFeerr rroovviirr iioo PPaauu lliissttaa:: uu mm eessttuu dd oo ssoobbrree aa eevvoolluu oo dd oo ttrraannsspp oorr ttee dd ee pp aassssaaggeeiirrooss ssoobbrree ttrr iillhhooss

    17

    INTRODUO

    Entre os anos de 1998 e 2001, em plena virada do sculo, o sistema

    ferrovirio paulista passou a ocupar, constantemente, manchetes de jornais.

    O processo de privatizao da quase totalidade da malha ferroviria do pas,

    que tivera incio em 1996, passa a ser alvo de inmeras denncias por parte da

    grande mdia: estaes abandonadas e depredadas, m utilizao do material

    permanente, carros de passageiros, locomotivas e vages apodrecendo nos ptios,

    desconsiderao ao usurio com a total eliminao dos trens de longo percurso,

    entre tantas outras.

    Esse quadro chamava a ateno para um outro: os primeiros sinais de uma

    melhora no precrio sistema de transporte ferrovirio na regio metropolitana de So

    Paulo, com a construo de novas estaes, aquisio de trens de passageiros e a

    gradativa integrao com os demais modais de transporte. O sistema ferrovirio vivia,

    novamente, um perodo conturbado e ao mesmo tempo contraditrio em sua histria.

    A busca das razes que levaram privatizao do sistema e a eliminao do

    transporte de longo percurso, por um lado, e das melhorias que eram prometidas ao

    usurio da ferrovia na capital, por outro, motivaram o estudo de todo o processo

    evolutivo do sistema ferrovirio em So Paulo, desde suas origens, at os dias

    atuais.

    Descobriu-se ento que o caminho percorrido pelas ferrovias em So Paulo

    possui diversas particularidades que acabam por diferenci-la da malha ferroviria

    de grande parte do pas. Essas particularidades que, em grande parte, foram

    determinadas por fatores econmicos, polticos e sociais que o Brasil vivenciou,

  • OO SSiisstteemm aa FFeerr rroovviirr iioo PPaauu lliissttaa:: uu mm eessttuu dd oo ssoobbrree aa eevvoolluu oo dd oo ttrraannsspp oorr ttee dd ee pp aassssaaggeeiirrooss ssoobbrree ttrr iillhhooss

    18

    tornam-se mais explcitas medida que se estuda a evoluo o transporte ferrovirio

    dentro de um contexto histrico-espacial mais abrangente.

    A busca por uma anlise conjuntural mais ampla da problemtica levantada,

    no entanto, acarretou o surgimento e a contnua existncia de dificuldades

    metodolgicas para a confeco do estudo. Como o pressuposto do trabalho parte

    da idia de que somente uma discusso mais abrangente seria capaz de alcanar

    as respostas que o estudo propunha, a metodologia do trabalho foi construda de

    acordo com as demandas que emergiam desse trabalho.

    Estudos que analisam as ferrovias no constituem fato novo nos meandros

    acadmicos, nem mesmo nos meandros geogrficos, como colocam Margareth

    Martins (1995) e Luciano Luz (2006), pesquisadores que realizaram trabalhos sobre

    ferrovias e que definiram, de acordo com a tipologia, cinco tipos de estudos, sendo

    os quatro primeiros identificados por Martins (1995) e o ltimo acrescentado por Luz

    (2006):

    1. As descries factuais do desempenho das empresas ferrovirias;

    2. Os estudos das relaes entre as ferrovias e outras atividades

    econmicas;

    3. As publicaes oficiais das empresas;

    4. Os trabalhos acadmicos (clssicos) sobre o assunto;

    5. As recentes produes acadmicas que analisam a decadncia e

    prospectam os rumos das ferrovias.

    Levando em considerao as categorias elencadas, o presente estudo

    estaria enquadrado em pelo menos trs delas. Enquadra-se no segundo tipo de

    estudo, ao associar o comrcio do caf e a implementao do parque

    automobilstico, ao apogeu e ao declnio ferrovirio, respectivamente. Pode, da

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    19

    mesma forma, ser enquadrado no terceiro tipo de estudo, uma vez que possui, como

    uma de seus alicerces, vrias publicaes oficiais, como os Planos Nacionais de

    Desenvolvimento e os relatrios anuais das empresas. E, finalmente, pode ser

    enquadrado no quinto tipo de estudo, uma vez que toma como base toda uma

    retrospectiva histrico-espacial da evoluo das ferrovias no Estado de So Paulo,

    para tentar antever o destino do transporte sobre trilhos no Estado.

    O estudo parte do pressuposto que as ferrovias so o resultado da evoluo

    de um conjunto de tcnicas que se apresentam no bojo de um tempo especfico, a

    modernidade, com uma funo especfica, a circulao. Dessa forma, a

    implementao das ferrovias, na grande parte dos locais onde se instalou, acabou

    por inserir esses lugares num processo constante e permanente de modernizao

    e racionalizao.

    Para Milton Santos (1999), o espao geogrfico um dos campos

    privilegiados da ao racional. Essa caracterstica lhe conferida pela tcnica,

    presente nos objetos e nas aes. Assim, o espao geogrfico da modernidade se

    caracteriza como um espao da racionalidade, um espao da sobreposio das

    tcnicas. Dessa forma, a ferrovia, enquanto objeto, pode ser analisada como

    resultado da evoluo de um conjunto de tcnicas, que se insere na histria por

    meio de um conjunto de aes humanas e que vai construindo, com o tempo, sua

    dimenso espacial e social. Ainda de acordo com Milton Santos, o tempo, o espao

    e o mundo "so realidades histricas que devem ser mutuamente conversveis, se a

    preocupao epistemolgica totalizadora".

    A opo por um estudo sobre ferrovias que, alm de totalizante, fosse

    retrospectivo, tambm tem sua razo de ser. Santos (1999) lembra que a totalidade

    no uma simples soma das partes, porque as partes que formam a totalidade no

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    bastam para explic-la. Ao contrrio, a totalidade que explica as partes. Assim, a

    realidade atual no pode ser desvinculada nem de todas as realidades anteriores,

    nem de cada uma das realidades que a formam. Como ser observado no decorrer

    do trabalho, aes pretritas e presentes esto intimamente vinculadas no

    desenvolvimento das ferrovias, e se explicam mutuamente.

    A implementao e o desmonte da tcnica ferrovia no ocorre

    desvinculada da ao do Estado, ao contrrio, tem no Estado sua mola propulsora.

    Isto significa dizer que, metodologicamente, este trabalho tambm compreende uma

    reflexo sobre as polticas pblicas que o Estado paulista e o Estado brasileiro

    implementaram para a construo, o desenvolvimento e a manuteno ou no dos

    diferentes usos da ferrovia. No possvel afirmar, no entanto, que este trabalho

    versa apenas sobre polticas pblicas, uma vez que a realidade das ferrovias, seus

    mltiplos papis, muitas vezes ultrapassa as aes do Estado, e limitar-se a apenas

    esse aspecto implicaria na negao da totalidade e da retrospectiva a qual o

    trabalho se prope.

    Dessa forma, para entender as causas da privatizao da malha ferroviria

    paulista pelo Estado e sua responsabilidade na total extino do transporte de

    passageiros de longo percurso, foram estudadas as principais polticas federais e

    estaduais que direcionaram o gerenciamento do sistema ferrovirio, principalmente

    durante e aps a implantao do sistema rodovirio no pas.

    Da mesma forma, para entender a manuteno do transporte ferrovirio de

    passageiros na Regio Metropolitana de So Paulo e as possibilidades de melhoria

    que so delineadas, foram estudadas as principais modificaes pelas quais passou

    o sistema ao longo de sua histria, assim como o papel da ferrovia, ao lado dos

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    demais modais de transporte, no prprio processo de industrializao e urbanizao

    da capital paulista.

    Finalmente, para entender o provvel destino do transporte de passageiros

    ferrovirios, foram estudadas as transformaes pelas quais passa o sistema na

    atualidade, principalmente aps a implantao do metr paulistano, j que ambos

    esto atualmente inscritos numa mesma modalidade: o transporte de passageiros

    sobre trilhos.

    Dessa forma, no primeiro captulo, abordada a implantao do sistema

    ferrovirio em So Paulo, levando-se em considerao as questes polticas e

    econmicas que culminaram no desenvolvimento da extensa malha ferroviria

    paulista. As polticas de incentivo construo ferroviria, o crescimento da cultura

    cafeeira e a imigrao, por terem um papel decisivo no surgimento e

    desenvolvimento das principais ferrovias, encontram-se presentes neste captulo,

    assim como o papel da malha ferroviria no processo de urbanizao e

    industrializao da capital.

    A segunda parte do trabalho estuda a implantao e a implementao do

    sistema rodovirio no pas e o papel do Estado de So Paulo, como plo de atrao

    de empresas automotivas. Estuda tambm as polticas que privilegiaram a

    construo das rodovias, estimulando tanto o transporte individual quanto o

    transporte coletivo sobre rodas. Por meio de dados oficiais, organizados em tabelas,

    tenta-se demonstrar as conseqncias que teve para o setor ferrovirio, da escolha

    pelo modelo rodovirio, no cenrio paulista e nacional. Tambm neste captulo, so

    enfocadas as principais transformaes vivenciadas pelo sistema ferrovirio a partir

    da dcada de 50: a estatizao das ferrovias brasileiras por meio da criao da

    Rede Ferroviria Federal S/A (RFFSA) e da Ferrovia Paulista S/A (Fepasa), as

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    primeiras melhorias nos trens suburbanos de passageiros e a criao da Companhia

    do Metropolitano de So Paulo. Faz parte ainda deste captulo, o estudo das

    administraes da Rede Ferroviria Federal e da Fepasa aps a fuso e estatizao

    das ferrovias.

    O terceiro captulo faz um estudo das modificaes ocorridas a partir de

    1990, no sistema ferrovirio paulista e nacional, que levaram diviso, ruptura

    desse sistema: de um lado, o processo de privatizao do transporte de carga, com

    a total eliminao do transporte de passageiros de longo percurso, e de outro, as

    intenes governamentais e as promessas de modernizao de uma malha frrea

    urbana ainda estagnada, mas que consegue destaque devido a sua articulao com

    o metr. Este captulo aborda tambm os problemas vivenciados pela empresa e

    pelos usurios, os projetos em desenvolvimento e as perspectivas futuras para o

    transporte pblico em So Paulo.

    A forma como as diferentes questes foram sendo discutidas ao longo desse

    estudo no permitiu que fosse obedecida uma cronologia histrica rgida, como

    habitual nos trabalhos de semelhante envergadura. H, porm, um exerccio de

    retomada histrica sempre que ocorre um hiato temporal, no intuito de articular,

    entre si, os temas que so estudados ao longo dos trs captulos e de no se perder

    de vista a linha mestra, o objetivo geral do trabalho.

    Algumas dificuldades foram encontradas ao longo da pesquisa. A maior

    delas, sem dvida, foi a escassez bibliogrfica do perodo recente. Praticamente

    todas as obras disponveis, que trabalham o sistema como um todo, no vo alm

    de 1970/80. A maior parte delas foi publicada antes desse perodo.

    Essa falta de material bibliogrfico obrigou que a pesquisa se estendesse a

    diversos rgos pblicos. Foram ento consultadas as bibliotecas da Secretaria

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    Estadual de Transportes, da Empresa de Desenvolvimento Rodovirio S/A DERSA,

    do Arquivo do Estado de So Paulo, da Rede Ferroviria Federal S/A e do Museu

    Ferrovirio de Jundia. Os sites das principais empresas ligadas ao setor de

    transporte como a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos CPTM e

    Companhia do Metrovirio Paulista Metr, tambm foram consultados. Vasto

    material veiculado por meio de jornais de grande circulao, de peridicos e de

    revistas especializadas, permitiu, alm da complementao das informaes oficiais,

    uma reflexo mais profunda sobre a atualidade do sistema.

    A elaborao do terceiro captulo envolveu tambm trabalho de campo. As

    fotos usadas para ilustrar alguns trechos do sistema metro-ferrovirio, fazem parte

    desse trabalho que foi complementado com informaes de vrios usurios. As fotos

    que retratam a ferrovia no interior do Estado, foram gentilmente cedidas. As

    informaes obtidas, assim como as fotos, foram de real importncia, pois ajudaram

    a dimensionar, alm do descaso com o patrimnio pblico, os problemas ainda

    enfrentados no dia a dia da populao.

    Importante destacar o que rgo pblico que mais disponibilizou material de

    pesquisa foi a Biblioteca do Museu Ferrovirio de Jundia, em So Paulo.

    Recuperada por ex-ferrovirios, possui um importante acervo das ferrovias paulistas,

    em especial da Companhia Paulista. Entre os documentos disponibilizados, que

    ajudaram a embasar o trabalho esto o Histrico das Ferrovias Paulistas e os

    Relatrios Anuais das Administraes da Ferrovia Paulista S/A - Fepasa.

    O nico rgo pblico que se recusou a fornecer material de pesquisa,

    mesmo tendo sido este solicitado por meio de ofcio, foi a biblioteca da Rede

    Ferroviria Federal S/A, localizada na Estao da Luz, em So Paulo, cujo acesso

    foi vetado ao pblico aps a privatizao da malha ferroviria federal, que colocou a

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    empresa em processo de liquidao. Dessa forma, todo estudo sobre a

    administrao da RFFSA (captulo 2), foi feito por meio de publicaes de artigos em

    jornais e revistas especializadas, principalmente, nas edies da Revista Ferroviria.

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    1 A IMPLANTAO E O DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA FERROVIRIO

    EM SO PAULO

    Na presente seo levantada e discutida a implantao do sistema

    ferrovirio em So Paulo, levando-se em considerao as questes polticas e

    econmicas, internas e externas ao pas, que culminaram no desenvolvimento da

    malha ferroviria paulista. So discutidas as polticas de incentivo construo

    ferroviria, a disseminao da cultura cafeeira e a imigrao, que tiveram um papel

    decisivo no surgimento e desenvolvimento das principais ferrovias. discutido

    tambm neste captulo, o papel da malha ferroviria no processo de urbanizao e

    industrializao da capital paulista.

    1.1 As vias de Comunicao que antecederam o Sistema Ferrovirio no pas

    e no Estado de So Paulo

    Antes da implementao das ferrovias, a comunicao no interior do pas

    encontrava inmeras dificuldades: grandes distncias separando os diversos

    ncleos de povoamento; relevo acidentado, com coberturas florestais densas; cursos

    de rios, em sua maioria, com inmeros acidentes e traados tortuosos; escarpas e

    serras ngremes separando a faixa costeira do interior do territrio.

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    A navegao martima era a grande responsvel pela comunicao ao longo

    da costa. J a navegao fluvial, apesar da grande dificuldade em vrios trechos,

    devido presena de saltos e corredeiras, foi importante na ligao do Sudeste e do

    Sul com as capitanias de Gois e Mato Grosso, por meio dos rios Tiet e Paran e

    seus afluentes. No sculo XVIII, esta ligao chega ao extremo norte, por meio dos

    rios Tocantins, Araguaia, Tapajs e Madeira. Nessa mesma poca, instalado um

    caminho ligando o Rio Grande do Sul a So Paulo, que se tornou muito importante,

    pois passa a englobar a extremidade meridional do pas ao seu sistema de

    comunicaes e transporte.

    De acordo com Caio Prado Jnior (1998), os percursos disponveis at o

    sculo XIX eram, em sua maioria, muito extensos e dificultosos, chegando a atingir

    milhares de quilmetros e consumindo meses de viagem. Era o caso, por exemplo,

    das ligaes entre So Paulo e Mato Grosso, onde se fazia necessrio percorrer

    grande extenso dos rios Tiet, Paran e vrios rios da bacia do Paraguai, para se

    alcanar Cuiab que era ento o centro e capital da regio mineradora de Mato

    Grosso. Os estreitos caminhos de terra, poca das chuvas, transformavam-se em

    lamaais intransponveis. A falta de ponte sobre os rios aumentava em muito os

    trajetos, diante da necessidade de voltas considerveis em busca de lugares

    prprios para a travessia. O transporte de mercadorias se fazia praticamente todo ou

    no dorso de animais, ou carregados por escravos.

    Para o autor, mesmo com todas essas dificuldades, o sistema de

    comunicao interno teve um papel relevante no apenas na estrutura de nosso

    modelo colonial, no sentido interior-porto, mas tambm no contato com pases

    vizinhos. Ele incentivou o comrcio, principalmente de cavalos, na fronteira entre

    Mato Grosso e Bolvia e de muares, entre Rio Grande do Sul e a regio Platina.

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    Havia comrcio tambm entre o norte do pas e o Peru, devido utilizao do alto

    Amazonas como rota de comrcio via Belm. As vias abertas pelos tropeiros para o

    comrcio interno de gado e charque ajudaram na coeso entre diversos povoados

    do sul e sudeste e foram, na maioria dos casos, precursoras da malha ferroviria

    que viria a se instalar na regio.

    O processo geopoltico se caracterizou pela ocupao de pontos esparsos, a princpio no litoral e, em seguida, nos eixos fluviais e nos caminhos, utilizando estes pontos como reas de apoio difuso do povoamento e explorao do territrio (ANDRADE, 1995, p.29).

    Para Andrade (1995), a ao lusitana, nos primeiros sculos da colonizao,

    foi decisiva tanto para efetivar a ocupao dos grandes espaos que iam sendo

    conquistados, como para promover a territorializao desses espaos, na medida

    em que a populao crescia e que os meios de comunicao e de transportes

    disponveis permitiam. As atividades econmicas tiveram papel fundamental nesse

    processo: enquanto o acar determinou a ocupao da faixa litornea, o gado e

    ouro determinaram a ocupao do interior.

    Para Raffestin (1993), at a poca contempornea, a rede de circulao e a

    rede de comunicao, na verdade, formavam uma s rede, eram interdependentes,

    isso porque, se comunicar, na maioria das vezes, implicava em circular. As novas

    tecnologias, porm, em essencial o telgrafo e a ferrovia, acabaram por dissoci-las.

    Quanto aos caminhos da cidade de So Paulo, de acordo com Porto (1992),

    a urbanizao da pequena vila do perodo colonial foi orientada pelas Ordens

    religiosas que aqui construram suas igrejas e conventos. De pontos de referncia,

    essas antigas construes passaram a dar nome aos primeiros logradouros da

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    cidade, como a Rua So Bento, o Largo e a Rua So Francisco, o Largo e a Rua do

    Carmo.

    Em 1822, ano da proclamao da Independncia, So Paulo era uma

    pequena cidade, de ruas pouco extensas, estreitas e tortuosas e com uma

    populao de 6.920 habitantes. O permetro urbano restringia-se estreita rea

    formada no entorno do rio Anhangaba, tendo como limite o rio Tamanduate. Em

    1828 instalada a Academia de Direito no prdio do Convento Franciscano, o que

    veio a dar novo impulso cidade com a vinda de estudantes, em sua maioria filhos

    de fazendeiros, que passaram a fixar residncia na cidade.

    De acordo com Reis Filho (1994), antes da construo das ferrovias, as

    cidades que no se encontravam dentro da faixa litornea eram sempre pequenas e

    sua populao quase que totalmente dedicada atividade rural. Esses fatores no

    permitiam o crescimento de atividades econmicas na rea urbana. Todo transporte

    era feito em lombo de burros e mulas por meio dos diversos "caminhos de tropas"

    que cortavam a serra. Calados com lajes, esses caminhos faziam a ligao do

    planalto com vrios portos: de Sorocaba a Iguape; de So Paulo a Santos; de

    Jacare a So Sebastio; de Taubat e Pindamonhangaba a Ubatuba e de

    Guaratinguet a Parati, no Rio de Janeiro.

    Dessa forma, para cada porto no litoral, havia um caminho na serra e um

    "porto seco" no planalto, que servia de parada para os tropeiros e de posto de

    comrcio e armazenagem das mercadorias transportadas por terra ou por

    embarcaes. Em So Paulo, esse porto seco encontrava-se na regio que hoje

    compreende o Mercado Municipal e o Parque D.Pedro II, indo at o Vale do

    Anhangaba, de onde partiam vrios dos caminhos e estradas que, por meio dos

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    terrenos menos acidentados do interior, ligavam a capital paulista aos Estados

    vizinhos.

    O primeiro caminho, pavimentado com pedras, ligando Santos a So Paulo,

    foi construdo entre 1788 e 1798 e ficou conhecido como "Calada de Lorena", em

    homenagem a Bernardo Jos de Lorena, capito-general responsvel pelo

    alargamento e calamento do caminho no trecho de serra.

    J os caminhos e estradas do planalto eram, de acordo com Matos (1981),

    resultado do aproveitamento e adaptao dos velhos caminhos bandeirantes como

    os que levaram s regies mineradoras de Gois e Vila Rica e que deram origem a

    vrias cidades como Batatais, Casa Branca e Franca, no norte do Estado. Para o sul,

    eram utilizados os velhos caminhos de tropas, que levaram, por meio de Sorocaba,

    aos campos de Curitiba, Lages, Vacaria e Viamo, alm do caminho do litoral, que

    chegava Curitiba e Paranagu, por meio do Vale do Ribeira.

    Apesar de contribuir, basicamente, com atividades ligadas agricultura de

    subsistncia, ao apresamento indgena e ao comrcio, So Paulo foi, mesmo antes

    da implantao das ferrovias, o centro mais importante do planalto, assim como

    Santos sempre foi o principal porto do Estado e o papel do eixo Santos - So Paulo -

    Campinas explica, em grande parte, o crescimento da cidade.

    A primeira viagem de automvel entre So Paulo e Santos s viria a ocorrer

    em 1908, quando foi inaugurada a primeira estrada construda com essa finalidade,

    a Estrada da Maioridade. Durou 37 horas. S aps 1913, por meio de diversas

    melhorias, que veio permitir a passagem regular de veculos, passando a ser

    denominada ento de Caminho do Mar (TOLEDO, 2002).

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    1.2 A Supremacia Inglesa no desenvolvimento Ferrovirio Mundial

    As distncias j no se medem hoje por quilmetros, mas por horas que se gastam para venc-las. (...). A periodicidade orgnica e funcional substituda pela mecnica em todos os setores da vida em que pode realizar-se a usurpao (AZEVEDO, s/d, p.27/28).

    Quando foi implantada a primeira ferrovia em So Paulo, os caminhos

    ferrovirios j se encontravam em plena expanso em vrios pases da Europa e

    tambm nos Estados Unidos. Os vages de ferro, na verdade, j eram amplamente

    utilizados desde o sculo XVI, nas regies mineradoras da Inglaterra, Frana e

    Alemanha. Conhecidos como vagonetes, inicialmente, eram impulsionados por

    animais ou pelo prprio homem. No final do sculo XVIII, com a inveno da roda de

    ferro, passaram a deslizar sobre trilhos, facilitando o transporte de carvo e outros

    minrios no interior das minas (GUTIERREZ, 1997).

    Aps o desenvolvimento da primeira mquina a vapor, na Inglaterra, por

    volta de 1770, vrias tentativas foram feitas para se desenvolver um veculo sobre

    rodas de ferro. Mas somente entre 1822/1825 que entra em funcionamento a

    primeira locomotiva a vapor, puxando vages de carga num pequeno trecho

    ferrovirio ligando o porto de Stockon s minas da cidade de Darlington e em 1832,

    o primeiro trecho para transporte de carga e passageiros, ligando Liverpool

    Manchester, na Inglaterra.

    Aps vencer a oposio das grandes empresas que detinham o monoplio

    do transporte fluvial, as ferrovias passaram a se espalhar por toda a Europa e

    Amrica do Norte e, em poucos anos, tornaram-se o principal meio de transporte

    tanto de cargas quanto de passageiros. Em 1850 os Estados Unidos j possuam

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    mais de 10.000 km, a Inglaterra 9.800 km, a Alemanha 5.800 km e a Frana 2.200

    km de linhas frreas em atividade (GUTIERREZ, 1997).

    Ainda para Gutierrez (1987), a construo das ferrovias na Amrica Latina,

    representava, para as naes industrializadas, principalmente para a Inglaterra, um

    dos melhores terrenos para inverso de capitais, no s pela inverso em si, uma

    vez que se abria um leque imenso de possibilidades de ganho em atividades

    comerciais e financeiras, como tambm, pelas garantias que os governantes

    outorgavam a esses pases nos contratos de construo e explorao das ferrovias.

    Para Francisco Hardman (1988), vivamos um perodo florescente da

    sociedade das trocas desiguais e do maquinismo como espetculo, e o mercado

    mundial ganhava concretude com a ferrovia e a navegao a vapor. O autor coloca

    no mesmo nvel simblico, as estaes ferrovirias europias e as grandes

    exposies mundiais do sculo XIX, uma vez que ambas colocavam mostra, a

    ideologia de progresso contra a barbrie, vinculada imagem de riqueza das naes.

    Nenhuma outra inovao da revoluo industrial incendiou tanto a imaginao quanto a ferrovia, como testemunha o fato de ter sido o nico produto da industrializao do sculo XIX totalmente absorvido pela imagstica da poesia erudita e popular. (...) A estrada de ferro, arrastando sua enorme serpente emplumada de fumaa, velocidade do vento, por meio de pases e continentes, com suas obras de engenharia, estaes e pontes formando um conjunto de construes que fazia as pirmides do Egito e os aquedutos romanos e at mesmo a Grande Muralha da China empalidecerem de provincianismo, era o prprio smbolo do triunfo do homem pela tecnologia (HOBSBAWM, 1977, p.72).

    Para Hobsbawm (1977) no foi primordialmente o desenvolvimento de

    mquinas industriais, como os teares para processamento e transformao do

    algodo, que colocou a Inglaterra no grande centro irradiador da revoluo industrial,

    uma vez que vrios outros pases europeus j haviam alcanado o mesmo nvel

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    tcnico na produo dessas mquinas. Na verdade, houve uma soma de fatores que

    se conjugaram para que isso ocorresse: a Inglaterra possua uma economia

    bastante forte e um Estado suficientemente agressivo para conquistar o mercado de

    seus competidores e uma grande quantidade de ferro e carvo. A necessidade de

    maior rapidez na extrao e transporte dessas matrias primas, bsicas para a

    industria txtil inglesa, estimularam a inveno bsica que iria transformar as

    indstrias de bens de capital: a ferrovia.

    A linha frrea ou os trilhos sobre os quais corriam os carros era uma resposta bvia; acionar estes carros por meio de mquinas era tentador; acion-los ainda por meio de mquinas mveis no parecia muito impossvel. Finalmente, os custos do transporte terrestre de grandes quantidades de mercadoria eram to altos que provavelmente os donos de minas de carvo localizadas no interior perceberam que o uso desse meio de transporte de curta distncia poderia ser estendido lucrativamente para longos percursos (HOBSBAWM, 1977, pp.71-72).

    E no demorou muito para se perceber que, de meio, a ferrovia poderia se

    transformar em fim, pois com seu apetite voraz por ferro e ao, carvo, maquinaria

    pesada, mo-de-obra e investimentos de capital ela propiciava a demanda macia

    que se fazia necessria para as indstrias de bens-de-capital se transformarem to

    profundamente quanto a industria algodoeira. Nas duas primeiras dcadas das

    ferrovias (1830-1850), a produo de ferro na Gr Bretanha subiu de 680 mil pra

    2.205.000 toneladas e a de carvo, de 15 milhes para 49 milhes de toneladas.

    Detentores da tcnica e do capital necessrios e vidos por multiplicarem esse

    capital, os ingleses dominaram, por vrias dcadas a construo de ferrovias em

    todos os continentes do planeta.

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    33

    1.3 O desenvolvimento da produo cafeeira e os primeiros incentivos para

    a construo de ferrovias no pas

    Morre o sculo XIX. A exportao de So Paulo passa a ocupar o primeiro lugar no rol das exportaes nacionais. A Provncia, aos poucos, substitui na liderana do pas, as regies antes mais prsperas. Os estadistas baianos e fluminenses, que dirigiam britanicamente o Imprio, caem com a proclamao da Repblica, para ceder lugar aos paulistas enriquecidos, donos da economia nacional. Vai soar a hora do caf, do Norte Americano, de quem copiaremos sofregamente at a indumentria poltica (MILLIET, 1982, p.26).

    A construo das primeiras ferrovias em So Paulo est intimamente ligada

    ao sucesso advindo das plantaes de caf no Estado. O crescimento da produo

    cafeeira, por sua vez, reflexo do quadro poltico e econmico que o pas vivenciava.

    O declnio da produo do ouro na regio de Minas Gerais traz de volta o

    modelo agro-exportador no pas. O acar volta a ser, por algum tempo, nosso

    principal produto no mercado internacional. Favorece, de incio, as regies agrrias

    mais antigas que se estendiam da Bahia at o Maranho e que, por algum tempo

    voltam a ocupar a posio dominante que havia sido parcialmente perdida com a

    minerao. Porm, no decorrer do sculo XIX, a utilizao da beterraba na

    fabricao do acar faz cair seu preo na Europa e nos Estados Unidos e a

    produo do nordeste brasileiro, que j vinha sofrendo com a represso do trfico

    negreiro por parte da Inglaterra, volta novamente a declinar (PRADO Jr., 1998).

    O acar comea a se desenvolver tambm, na metade do sculo XIX, no

    sudeste do pas, utilizando boa parte do capital e da mo-de-obra anteriormente

    destinada minerao, sendo o responsvel pela ocupao inicial do solo na regio

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    de Mogi-Gua, Jundia, Porto Feliz e Sorocaba, regio esta que ficou conhecida

    como o "quadriltero do acar" em So Paulo (MATOS, 1981).

    Ao mesmo tempo, no decorrer do sculo XVIII e incio do sculo XIX, o caf

    comea a adquirir importncia nos mercados internacionais e sua cultura ento

    largamente estimulada nas colnias tropicais da Amrica e sia. De acordo com

    Grieg (2000), o caf sem disseminou, no exterior, primeiro entre os operrios. Usado

    como estimulante, ajudava a manter o trabalhador desperto nas longas e rduas

    jornadas de trabalho. Rapidamente, porm, passou a ser apreciado tambm pelas

    elites. A partir da, as casas de caf se transformaram em sofisticados pontos de

    encontro por toda a Europa e Estados Unidos.

    Vindas da Guiana Francesa por volta de 1720, as primeiras sementes que

    chegaram ao Brasil comearam a ser plantadas no norte do pas, ao longo dos rios

    Negro e Madeira. Em alguns anos j havia se espalhado pelos quintais de vrias

    propriedades, podendo ser encontrado no Cear, Alagoas e Bahia. Chega ao Rio de

    Janeiro por volta de 1760, mas s comea a se plantado em larga escala aps 1800.

    Em 1820, os cafeicultores do Rio de janeiro colhem as primeiras safras. Uma dcada

    depois, o caf j ocupa o segundo lugar na de exportao brasileira; mais dez anos

    e j figura como o primeiro produto de exportao, respondendo por 20% do

    consumo mundial (GRIEG, 2000).

    De acordo com Motta Sobrinho (1978, p.21), o caf, que chegou ao Rio de

    Janeiro no final do sculo XVIII, "foi introduzido ao longo do Paraba quase ao

    mesmo tempo em que no vale fluminense e no paulista, logo aps o esgotamento

    das minas". Vrias cidades paulistas como Areias, Bananal, Pindamonhangaba,

    Taubat e Jacare, passam a se destacar na produo cafeeira a partir de 1836,

    utilizando, todas elas, mo de obra escrava.

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    Entre 1830 e 1850, o Vale do Paraba tinha se tornado o centro da produo

    cafeeira enquanto que a regio de Campinas era fortemente aucareira. At ento,

    nenhuma linha ferroviria havia sido construda e o transporte era feito por escravos

    ou em lombo de burros. A produo do sul de Minas, Rio de Janeiro e das cidades

    do extremo "norte" paulista, como Areias e Lorena, era escoada por meio dos portos

    de Parati e Angra dos Reis enquanto que a produo das cidades entre

    Guaratinguet at Jacare, pelos portos de Ubatuba e Caraguatatuba (MOTTA

    SOBRINHO, 1978).

    Devido a este rpido crescimento do comrcio de caf e s dificuldades que

    os caminhos existentes impunham ao modelo agro-exportador, desde as primeiras

    dcadas do sculo XIX, o governo imperial mostrava interesse na construo de

    uma rede ferroviria. Havia tanto interesses econmicos, de escoamento de nossa

    produo agrcola, quanto estratgicos, de defesa de nossas fronteiras. No entanto,

    a situao financeira do pas se encontrava comprometida pela dvida externa. De

    acordo com Prado Junior (1998), nossa emancipao poltica j comea com uma

    crescente dvida externa provocada pela vinda da corte portuguesa ao Brasil em

    1808. Na metade do sculo XIX, o servio da dvida j consumia 40% do total da

    receita do pas. Alm do volume da dvida, a guerra contra o Paraguai havia deixado

    as finanas do pas profundamente comprometidas e, dessa forma, a participao do

    governo na implantao das ferrovias limitou-se aos incentivos. O capital teria que

    vir da iniciativa privada.

    De acordo com Diviso de Documentao da Fepasa (1991), a primeira

    medida para incentivar a construo de ferrovias ocorreu durante a Primeira

    Regncia, em 1835. A Lei Geral n 101, sancionada pelo ento Regente Diogo

    Antonio Feij, concedia carta de privilgio a um grupo de pessoas ou a companhias

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    interessadas na construo de estradas de ferro que, partindo do Rio de Janeiro,

    fizessem a interligao para as provncias de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e

    Bahia.

    Aps algumas tentativas mal sucedidas, em 1852 foi editada nova lei geral,

    nos mesmos moldes da primeira, mas desta vez, permitindo a construo total ou

    parcial de um caminho de ferro com uma srie de vantagens e garantias aos futuros

    empreendedores. Entre as vantagens oferecidas por essa nova lei s companhias

    interessadas, encontravam-se: o direito de desapropriao dos terrenos necessrios

    construo da estrada; iseno de impostos de importao de todo material,

    mquinas e objetos destinados construo; privilgio de uso numa rea que

    abrangia cinco lguas de cada lado da estrada; direito de explorao de todo minrio

    de ferro assim como de toda madeira que se encontrasse nessa linha de privilgio e

    direito de obter terras devolutas em termos mais favorveis do que os normalmente

    permitidos por lei.

    A alterao mais importante na antiga Lei Feij, no entanto, foi a que

    garantia o retorno anual de 5% do capital aplicado, na forma de juros, pagos em

    ouro, pelo Governo Federal. Algumas Provncias ainda estabeleceram um juro

    complementar de 2%. Se o lucro obtido pela companhia ultrapassasse os 8 ou 9%,

    dependendo do contrato, metade desse montante retornaria ao governo.

    Em funo dessas medidas, Jos Evangelista de Souza, o "Baro de Mau",

    tentou, por diversas vezes, desenvolver empreendimentos ferrovirios em So Paulo.

    J dono de um pequeno trecho ferrovirio, de companhias de iluminao e

    transportes no Rio de Janeiro e de navegao a vapor no Rio Grande do Sul e no

    Amazonas, Mau tentou obter recursos junto ao Tesouro Nacional, uma vez que o

    capital exigido para construo do trecho de serra era muito alto. Tais recursos, no

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    entanto, foram-lhe negados e o Baro de Mau foi ento buscar junto a grandes

    investidores ingleses, os recursos necessrios para a construo da primeira ferrovia

    em So Paulo, a So Paulo Railway, iniciada em 1860 e concluda sete anos depois.

    Aps a construo desse primeiro trecho, a malha ferroviria paulista comeou a

    alongar os seus tentculos em todas as direes do Estado, seguindo o caminho

    das reas j exploradas e, mais tarde, das novas frentes abertas pelos produtores

    de caf.

    1.4 A implantao da primeira estrada de ferro em So Paulo e as

    transformaes scio-espaciais na cidade

    A primeira estrada de ferro paulista, ligando Santos a Jundia, tinha como

    principal objetivo, o escoamento de nossa produo agrcola. Nesse

    empreendimento, por meio de Decreto, era concedido ao Baro de Mau,

    juntamente com o Marqus de Monte Alegre (Conselheiro Antonio Pimenta Bueno),

    o direito de construo e explorao da ferrovia pelo prazo de 90 anos. Neste

    empreendimento, Irineu Evangelista associou-se empresa inglesa The Railway

    Company que acabou dando seu nome ferrovia: The So Paulo Railway.

    O projeto tcnico foi desenvolvido por um grupo de engenheiros ingleses,

    sob a liderana de James Brunlees, presidente da Associao dos Engenheiros

    Civis de Londres e do engenheiro Daniel Makinson Fox, responsvel pela edificao

    de uma ferrovia nas encostas dos Pirineus, entre Espanha e Frana. A obra, que

    contou com capital e com mo de obra inglesa, concentrou-se na Vila de

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    Paranapiacaba (lugar onde se v o mar" em tupi-guarani), l fixando residncia,

    engenheiros e funcionrios, para poder concluir o trecho mais difcil da ferrovia, o da

    Serra do Mar. Em apenas 8 km, tiveram de ser vencidos os 800 metros de altura que

    separam o litoral do Planalto Paulista. Iniciada em 1860, a ferrovia, com extenso de

    139 km, foi entregue ao trfego em 1867.

    Junto com os primeiros trilhos os ingleses trouxeram para So Paulo um

    problema que persiste at hoje: a diferena das bitolas (largura entre os trilhos). De

    acordo com Adolpho Augusto Pinto (1977), ao se iniciar a construo do sistema

    ferrovirio no pas, foram as grandes companhias construtoras inglesas que

    escolheram, por questes evidentemente econmicas, a largura a ser adotada na

    linha. No houve cuidado nessa escolha nem critrios que levassem em conta a

    nossa realidade quela poca.

    Enquanto a largura normal em uso nas grandes linhas da Europa no

    ultrapassava 1,45 metros, no Brasil, contra a indicao de todas as circunstncias

    que estavam a impor uma bitola mais modesta, como a de 1,20 metros, que seria o

    suficiente para suportar o volume de carga transportada, foi adotada a bitola de 1,60

    metros. O custo de implantao das linhas com bitola de 1,60 metros mostrou-se

    economicamente invivel e rapidamente passaram a ser adotadas, tambm sem

    critrios, larguras das mais diversas como 1,00 metro, 0,96 metros e 0,60 metros,

    dando origem a problemas com os quais se convive at hoje, como as constantes

    baldeaes e as trocas de composies.

    Assim como as bitolas, as demais condies tcnicas como a curvatura

    mxima e as rampas de inclinao, tambm no tiveram uma uniformizao definida.

    Isso impedia que tanto os vages de carga quanto os carros de passageiros

    desenvolvessem uma velocidade superior aos 50 km por hora.

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    Sendo o nico caminho para o mar por via frrea, a The So Paulo Railway,

    em poucos anos, com a construo das ferrovias que a ela se interligavam, passou a

    transportar um volume de carga to intenso, que exigiu a duplicao da linha no

    trecho de serra. Para que fosse levada a cabo essa duplicao, a companhia exigiu

    algumas mudanas em seu contrato original, entre elas a que dizia respeito ao prazo

    para resgate da ferrovia pelo Governo, que foi prorrogado inicialmente at 1927 e

    depois, at 1946.

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    Mapa 1. Mapa da So Paulo Railway. Fonte: BRASIL-IBGE (1954).

    Em 1860, o Jardim Pblico da Luz, que havia sido inaugurado em 1825,

    perde parte de sua rea para a construo da primeira estao da So Paulo

    Railway. De estrutura modesta, somente daria espao para a arquitetura que

    observamos hoje, em 1901. Apesar do servio regular da ferrovia ter sido iniciado

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    apenas em 1867, a viagem inaugural ocorre j em 1865, quando j haviam sido

    construdas as estaes da Luz e da Mooca (PORTO, 1992).

    A partir de 1870 a cidade passa a se desenvolver com rapidez espantosa.

    Muitos fazendeiros do caf fixam residncia na cidade, que passa a concentrar cada

    vez mais comrcio e servios, assim como as primeiras indstrias. Multiplicam-se as

    residncias com o loteamento de antigas chcaras ao redor da cidade. Ainda de

    acordo com Porto (1992), dentre os bairros que hoje compem a capital e seu

    entorno e que surgiram a partir desses loteamentos podem ser citados Pinheiros,

    Vila Mariana, Ibirapuera, Mandaqui, Penha, So Miguel, Santana e Santo Amaro.

    De acordo com Reis Filho (1994), as primeiras indstrias, instaladas entre

    1860 e 1890 na capital paulista, acompanham o trajeto das vias frreas. Entre os

    empresrios responsveis pela instalao dessas indstrias encontram-se nomes

    conhecidos como os Silva Prado, Aguiar de Barros e Lacerda Franco, em sua

    maioria, bares, condes e viscondes que formavam a oligarquia mercantil ligada ao

    caf. No final do sculo aparecem os primeiros imigrantes de peso equivalente: os

    Matarazzo, os Crespi, os Scarpa e os Siciliano, quase todos com ttulos de nobreza

    adquiridos, certamente, ao peso de muitas sacas de caf.

    A primeira fbrica de tecidos da cidade chamava-se simplesmente

    Companhia Industrial. Foi fundada em maio de 1874 pelo major Diogo de Barros na

    Rua Florncio de Abreu, prxima Estao da Luz. Em 1914 foi adquirida pelo

    grupo Antonio Pereira Incio, av dos Ermrio de Morais, passando a chamar-se

    Fbrica Lusitnia. A Segunda indstria txtil nasceu no Bom Retiro em 1889,

    tambm prxima Luz. Seu fundador, Luis Anhaia, havia sido um dos scios da

    Fbrica So Luiz, em It.

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    Seguindo o caminho da So Paulo Railway, instalada em 1885, no bairro

    da gua Branca, por Joaquim Sales, a Companhia Antarctica Paulista que, de incio,

    produzia gelo e banha e s mais tarde passou a produzir cerveja. Por volta de 1920,

    as instalaes da gua Branca foram vendidas para as Indstrias Matarazzo e para

    o Clube Palestra Itlia, mas os pavilhes, voltados para a ferrovia, guardavam at a

    pouco tempo a aparncia da poca de sua fundao. E a velha cervejaria no

    abandonou o trajeto da ferrovia. Apenas mudou de estao: foi para o bairro da

    Mooca.

    Nasceram, tambm, nessa poca, no bairro da gua Branca, a Vidraria

    Santa Marina, de Antonio Prado (que fornecia garrafas para a Cia. Antarctica), a

    Fbrica Santana, uma das maiores indstrias txteis, instada no bairro do Brs por

    Antonio Penteado e tambm no bairro do Brs, o primeiro moinho dos Matarazzo.

    Foi, alis, nas regies do Brs, Mooca e Belenzinho que nasceram as

    primeiras vilas operrias, onde as casas de construo simples, dispostas prximas

    ou mesmo ao lado das indstrias, viriam abrigar as famlias de operrios, formados

    quase que totalmente por imigrantes.

    O crescimento proporcionado pelo binmio caf/ferrovia no ficou restrito

    apenas cidade de So Paulo, mas provocou profundas alteraes tambm na

    regio porturia de Santos. Entrepostos, armazns para estocagem, servios de

    carga e descarga e casas de comrcio, dentre outros, comeam a empregar um

    nmero cada vez maior de pessoas. Por volta de 1915, aps as obras de

    saneamento e drenagem das reas at ento inundadas, que provocavam

    epidemias e afastavam turistas, toda orla da praia comea a se desenvolver (REIS

    FILHO, 1994).

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    Como intermedirio entre o fazendeiro e o exportador, surge a figura do

    comissrio, responsvel no s pela negociao do preo de venda do caf, mas

    tambm pela compra de gneros alimentcios, manufaturas e ferramentas que

    chegavam ao porto com destino s fazendas, chegando mesmo a assumir a funo

    de banqueiros, financiadores de compra de escravos e terras. Mais tarde, o servio

    do comissrio d origem formao de grandes empresas, formadas pela elite

    cafeeira que passa a residir em So Paulo e Santos ou pelo capital internacional. O

    servio do comissrio s tem sua importncia diminuda aps 1903, com a criao

    do sistema de armazns gerais, que permitiam aos fazendeiros a facilidade de

    negociao direta com o exportador (GRIEG, 2000).

    Diferentemente do interior do Estado, onde as ferrovias foram implantadas,

    preferencialmente, em terrenos mais altos e menos acidentados do Planalto

    Ocidental Paulista e da Depresso Perifrica, evitando dessa forma os perigos de

    inundaes, na capital, as estradas de ferro foram instaladas nos vales, paralelas ao

    leito dos rios Tamanduate, Tiet e Pinheiros.

    Petrone (1958) afirma que os terrenos na regio das vrzeas dos rios, que

    acompanhavam o traado ferrovirio, no eram apreciados como locais de

    residncia e, por terem preo mais baixo, acabaram por atrair os estabelecimentos

    fabris, propiciando o crescimento da rea urbanizada ao longo de todos eles.

    O processo de urbanizao e industrializao na capital paulista comea,

    tambm, a evidenciar a diferenciao social, seja na formao de novos bairros junto

    rea urbana mais centralizada, quanto nos prolongamentos nas diferentes regies

    da cidade. De um lado, vo surgindo os bairros "jardins", no entorno da regio da

    Avenida Paulista, que juntamente com a regio de Higienpolis e Campos Elseos,

    vo instalar os membros da oligarquia cafeeira e industrial, servidos por uma

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    extensa rede de bondes que interligava a regio central da cidade, alm dos

    primeiros automveis importados, smbolo de prestgio e poder. De outro, os bairros

    perifricos, formados no entorno das indstrias, ao longo dos eixos ferrovirios da

    Santos-Jundia, e mais tarde, da Sorocabana e da Central do Brasil e que vo

    abrigar os trabalhadores assalariados e suas famlias.

    De acordo com Stiel (1978), at o incio do sculo XX, a regio central da

    cidade era servida por pequenos carros e tlbures puxados por animais. Em 1903

    comeam a circular os primeiros automveis, mas em nmero ainda reduzido. Em

    1909 havia apenas 145 automveis regularmente registrados, entre particulares, de

    aluguel e de carga.

    Quanto aos bondes, eles comeam a ser introduzidos pela Companhia

    Carris de Ferro de So Paulo, a partir de 1872, puxados por animais. Somente a

    partir de 1900, quando ocorre a unificao de todas as linhas com a criao da

    Companhia Viao Paulista, que eles passam a ser eletrificados e circular numa

    freqncia mais regular.

    Em 1901, a Cia Viao Paulista arrematada, em leilo, pela So Paulo

    Tramway, Ligth and Power e os bondes passam ento a ser o principal meio de

    locomoo na ligao entre a regio central da cidade e os novos bairros que vo

    surgindo em seu entorno.

    De acordo com Porto (1992), em 1883, So Paulo j era um centro

    comercial cheio de vida e j era ntida a diferena entre o velho ncleo de ruas

    estreitas e tortuosas e a parte nova, formada pelos bairros da Luz, Bom Retiro e

    Campos Elseos, onde se tornava comum a presena de ruas extensas e largas, que

    viriam a facilitar a circulao dos novos meios de transporte.

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    Em fins do sculo XIX, graas s indstrias que vo se instalando ao longo

    das ferrovias, a zona urbana vai se expandindo e os riachos que margeavam a

    cidade passam a dar seu nome aos bairros que vo se formando como gua Branca,

    Tatuap, Mooca e Ipiranga.

    Por 90 anos, perodo que durou a concesso, a So Paulo Railway foi a

    maior empresa ferroviria do Brasil, em volume de carga. Segundo muitos autores,

    foi graas a esse monoplio que ela jamais se interessou em expandir suas linhas

    alm de Jundia.

    Seu monoplio s foi quebrado em 1936, com a inaugurao do ramal

    Mairinque-Santos, da Estrada de Ferro Sorocabana. Nos anos seguintes foi

    construdo um segundo ramal da Sorocabana, ligando a estao de Presidente

    Altino, em Osasco, a Santo Amaro e ao alto da serra, permitindo acesso a So Paulo

    sem passar por Mairinque. Inaugurado por volta de 1950 o ramal abriu para a ento

    subprefeitura de Santo Amaro a possibilidade de instalao de um bairro industrial.

    Em 1946, aps o trmino da concesso, a The So Paulo Railway foi

    encampada pelo Governo Federal, passando a denominar-se ento, Estrada de

    Ferro Santos a Jundia, sob administrao direta do Ministrio de Viao e Obras

    Pblicas, atual Ministrio dos Transportes.

    No dia anterior ao trmino da concesso, um grande incndio, considerado

    criminoso, destruiu quase toda documentao da ferrovia, assim como boa parte da

    estao da Luz, a mais importante da So Paulo Railway, onde estavam instalados

    os escritrios da companhia inglesa. A estao, aps longo perodo de reforma,

    conseguiu ser restaurada, mas os documentos, importante acervo histrico da

    ferrovia, ficaram irremediavelmente perdidos.

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    1.5 O desenvolvimento da cultura cafeeira em So Paulo e a construo de

    trs grandes ferrovias: a Paulista, a Sorocabana e a Mogiana

    As primeiras experincias do cultivo do caf em Campinas ocorrem em 1817

    e, em algumas dcadas, as plantaes j haviam se expandido pelos vales dos rios

    Mogi e Pardo. Em 1870, quando a produo do vale do Paraba comea a declinar,

    os cafezais j dominavam uma extensa regio do noroeste paulista, fundando novas

    cidades como Ribeiro Preto, So Pedro do Turvo, Piraju, Campos Novos Paulistas

    e So Jos do Rio Preto. Essa regio tornou-se a principal produtora de caf em

    finais do sculo XIX (GRIEG, 2000).

    A extenso da malha ferroviria passa a acompanhar o desenvolvimento

    das plantaes de caf e a partir de Jundia, com exceo apenas da Estrada de

    Ferro Central do Brasil, que comeam a se desenvolver as demais ferrovias

    paulistas.

    Detendo o monoplio da ligao entre o interior e o litoral no transporte

    tanto de carga quanto de passageiros, o grupo ingls que construiu a So Paulo

    Railway, diante dos grandes lucros advindo desse monoplio, desistiu do

    prolongamento da linha. De acordo com a Diviso de Documentao da Fepasa,

    essa desistncia abriu espao para que o capital advindo da cultura cafeeira, em

    mos de fazendeiros e negociantes da regio, iniciasse a construo da Companhia

    Paulista de Estradas de Ferro (CPEF), em 1870. O trecho inaugural, entre Jundia e

    Campinas, comea a funcionar em 1872 e menos de um ano depois, j dando lucro

    e pagando regularmente os juros de seus acionistas sem precisar da ajuda garantida

    pelo governo, a Companhia Paulista inicia sua expanso, com a obteno de

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    diversas concesses. Delas resultaram a abertura ao trfego do trecho at Rio Claro,

    em 1876, e do ramal de Porto Ferreira, em 1880.

    A chegada do ramal s margens do Rio Mogi-Gua determinou a criao

    de um servio de navegao fluvial entre Porto Ferreira e Pontal, numa distncia de

    200 km e a alterao do nome da empresa para Companhia Paulista de Vias

    Frreas e Fluviais.

    Em 1892, com suas obras paralisadas na cidade de Rio Claro, adquire as

    linhas da The Rio Claro Railway e prossegue as obras de seu prolongamento por

    So Carlos, Araraquara, Bebedouro e Barretos e muitas outras cidades paulistas,

    voltando sua antiga denominao, chegando at Colmbia, margem do Rio

    Grande, na fronteira com Minas Gerais, numa extenso de 507 km.

    Nesse tempo, a estrada j se destacava por importantes melhoramentos

    ferrovirios, como o servio de carro-restaurante, carros pullman e trens de

    passageiros com carro-leito.

    Em 1919, partindo de estudos iniciados em meio Primeira Guerra Mundial,

    a Paulista comeava a eletrificar suas linhas, onde circularia a primeira composio

    eltrica do pas, em 1922. Somando-se os inmeros ramais construdos ao longo de

    seu percurso, at 1950, perfaz a extenso de 1.896 km. Com a incorporao de

    algumas pequenas vias frreas, chega ao ano de 1952 com uma extenso total de

    2.154 km. A maior dificuldade encontrada pela Companhia, foi a diferena de bitola

    (1,60 - 1,00 e 0,60 metros) existente entre diversos trechos ao longo de seu percurso,

    obrigando-a a constantes baldeaes.

    Sendo uma das poucas ferrovias paulistas que se mantiveram em mos de

    particulares, a Companhia Paulista foi um modelo de administrao capitalista,

    sendo a precursora na implantao de inovaes, como locomotivas e carros de

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    passageiros modernos, eliminao do uso do carvo por meio da eletrificao de

    suas linhas, criao de escolas para formao de profissionais, construo e

    montagem desde peas at composies inteiras em suas oficinas. Para tanto,

    administrava com mo de ferro seu corpo de funcionrios, no permitindo que

    prosperassem greves ou qualquer outro movimento reivindicatrio dentro da

    empresa.

    A figura a seguir mostra o traado da Companhia Paulista.

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    Mapa 2. Traado da Ferrovia Companhia Paulista. Fonte: SOUZA (2006).

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    Dois anos aps o incio da construo da Companhia Paulista, em 1872, tem

    incio a construo da Estrada de Ferro Sorocabana, que surge da fuso de duas

    empresas particulares: a Companhia Ituana e a Companhia Sorocabana, esta at

    ento mais associada produo algodoeira.

    A Companhia Ituana finalizou a construo de sua linha inicial, ligando

    Jundia It, em 1873. Foram trs anos para a construo dos primeiros 67,5 km.

    Mais tarde, deu incio ao ramal de Capivari e seu prolongamento at Piracicaba que

    foi finalizado em 1886.

    Em 1875 a Sorocabana inaugura sua pequena estao, no Bairro da Luz e

    em 1876, seu trecho inicial de 129 km, ligando So Paulo Sorocaba. Permanece

    apenas com esse trecho at sua fuso com a Companhia Ituana, em 1892,

    passando a chamar-se ento Companhia Unio Sorocabana e Ituana.

    Tendo investido alm de seus recursos tentando fazer avanar suas linhas

    at limites do Paran e Mato Grosso, a Sorocabana v-se obrigada, em 1904, a

    entregar todo seu acervo ao governo federal, pois a Provncia, por fora de contrato

    com a Companhia, no poderia adquirir a estrada antes de vencidos os trinta anos

    aps sua construo. Em 1905, porm, vencido esse prazo, o governo de So Paulo

    adquire-a do governo federal e passa a arrend-la, a partir de 1907, por um prazo de

    dez anos, a um consrcio franco-americano. Quando volta administrao do

    Estado, se estabelece como Repartio Industrial subordinada Secretaria de

    Viao e Obras Pblicas.

    No perodo ps-guerra, semelhante ao que aconteceu com as outras

    ferrovias paulistas encampadas pelo governo, passa por um plano de remodelao

    de seu traado e de seu material. Novas linhas so construdas, entre as quais vale

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    destacar o ramal Mairinque-Santos, construdo em 1927, que foi o segundo elo de

    ligao com o litoral e que foi eletrificado, prioritariamente, em 1939.

    Tornou-se importante no transporte de passageiros de longo percurso pelo

    fato de vir a se articular, em Bauru, com a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e, em

    Itarar, com a Viao Paran-Santa Catarina. A linha tronco da Sorocabana, que

    liga So