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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Juliana Andreassa da Lomba
UM ESTUDO SOBRE AS PALAVRAS CANTADA, FALADA E
DECLAMADA E SEUS EFEITOS IMPRESSIVOS
Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem
São Paulo 2017
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Juliana Andreassa da Lomba
UM ESTUDO SOBRE AS PALAVRAS CANTADA, FALADA E
DECLAMADA E SEUS EFEITOS IMPRESSIVOS
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, sob a orientação da Profa. Dra. Sandra Madureira.
São Paulo
2017
Juliana Andreassa da Lomba
UM ESTUDO SOBRE AS PALAVRAS CANTADA, FALADA E DECLAMADA E
SEUS EFEITOS IMPRESSIVOS
Dissertação apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência para a obtenção do título de MESTRE em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem. Orientadora: Prof.ª Dra. Sandra Madureira.
São Paulo, _____ de __________ de 2017.
Banca Examinadora
_____________________________________________
_____________________________________________
_____________________________________________
Este trabalho foi produzido com auxílio do CNPq através da concessão de bolsa de estudos para PEPG-LAEL.
Dedico este trabalho à minha avó, Maria Madalena Andreassa, com todo meu amor eterno e gratidão por tudo que me ajudou a conquistar. (In memorian)
AGRADECIMENTOS
A Deus, primeiramente, por ter me dado força para continuar em frente
enfrentando as dificuldades que apareceram ao longo desses anos.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
pela ajuda para realização desta pesquisa.
À minha querida orientadora Profª. Drª. Sandra Madureira pelos
ensinamentos, pela paciência, pela atenção, pelos conselhos e por toda a ajuda em
todas as etapas deste trabalho. Seu trabalho foi além de me dar orientações.
Ao Prof. Dr. Mario Augusto de Souza pela paciência, ajuda e grandes
contribuições neste trabalho.
Às participantes da pesquisa e à todos os colegas do LIAAC (Laboratório
Integrado de Análise Acústica e Cognição) pela convivência agradável.
À querida professora Dra. Zuleica Camargo, inspiração de profissionalismo,
que me ajudou em importantes etapas deste trabalho. E à querida Dra. Lilían Kuhn
Pereira por sempre estar disposta a me ajudar.
À Maria Lúcia -LAEL, à Fátima – LIAAC e à Márcia – CEPRIL, pelas
conversas encorajadoras.
À toda Pontifícia Universidade Católica de São Paulo por me propiciar todo
conhecimento e aprendizagem necessários em minha formação acadêmica e
profissional.
Aos meus amados pais Paulo Rodrigues da Lomba e Marta Cristina
Andreassa da Lomba por terem me dado todo o suporte necessário para me tornar o
que sou hoje sendo meus exemplos de vida e, em especial, por terem me ajudado a
ter forças para concluir este trabalho, sempre me apoiando e consolando nos
momentos difíceis.
Ao meu namorado Michel Antonio Garcia que, com carinho e amor, teve
muita paciência durante esse período e me ajudou no que foi preciso em meu
trabalho.
Aos meus amigos e familiares que, cada um a sua maneira, me ajudaram
nas pesquisas que realizei.
À Piedade Soares que sorriu em muitos momentos alegres, mas também
chorou em muitos momentos desesperadores comigo durante esses anos.
Eu amo tudo o que foi
Tudo o que já não é
A dor que já me não dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.
Fernando Pessoa
LOMBA, Juliana A. Um estudo sobre as palavras cantada, falada e declamada e seus efeitos impressivos. 2017. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017.
RESUMO
Esta pesquisa enfrenta o desafio de abordar as faces e as interfaces de três formas
de linguagem oral. São seus objetivos: investigar as diferenças e similaridades entre
as palavras cantada, falada e declamada como estilos estilísticas de linguagem e de
expressão social e analisar seus efeitos impressivos, uma vez que as palavras
falada, cantada e declamada têm finalidades expressivas diversas.
Para atingir os objetivos propostos foram conjugados dois tipos de análises: acústica
e perceptiva. A análise acústica foi utilizada para verificar as diferenças de produção
entre os três estilos, enquanto a perceptiva, que implicou na aplicação de um
questionário de diferencial semântico a um grupo de juízes, foi utilizada para
investigar o impacto impressivo da sonoridade dos estilos mencionados.
Pela análise acústica foi possível verificar, por meio de medidas de frequência
fundamental, intensidade, duração e declínio espectral, as características prosódicas
de cada um dos estilos de palavra.
Pela análise perceptiva, os resultados apresentados mostram como cada estilo de
palavra atinge de maneira diferente os ouvintes, pois a avaliação dos descritores
selecionados para avaliá-los mostrou-se diferenciada, evidenciando efeitos
impressivos diversos.
Os resultados das análises acústica e perceptiva foram correlacionados por meio de
testes estatísticos de análise multidimensional.
As prosódias das palavras cantada, falada e declamada apresentam diferenças,
como mostrou os valores gerados pelo script ExpressionEvaluator (BARBOSA,
2009).
Portanto, concluímos que as palavras cantada, falada e declama causam efeitos
impressivos diversos que ativam o organismo de maneira diferenciada e têm como
papel social comunicar.
Palavras-chave: Palavra cantada; Palavra falada; Palavra declamada; Efeitos
Impressivos; Expressividade da Fala.
LOMBA, Juliana A. A study about the sung, spoken and recited styles and their
impressive effects. 2017. Dissertation (Master's Degree in Linguistics) - Pontifical
Catholic University of São Paulo, São Paulo, 2017.
ABSTRACT
This research endures the challenge of approaching the faces and interfaces of three
styles of oral language. Its objectives are: to investigate the differences and
similarities among the sung, spoken and recited styles as stylistic forms of oral
language and social expression and to analyze their impressive effects, since the
sung, spoken and recited styles have different expressive purposes.
To reach the proposed objectives two types of analysis were combined: acoustic and
perceptive. The acoustic analysis was used to verify the differences of production
among the three styles, while the perceptive analysis, which implied on the
application of a semantic differential questionnaire to a group of judges, was used to
investigate the impressive impact of the mentioned styles sonorities.
By the acoustic analysis it was possible to verify, through the fundamental frequency
measures, intensity, duration and spectral decline, the prosodic characteristics of
each one of the styles.
By the perceptive analysis, the presented results show how each style reaches the
listeners in a different way, since the evaluation of the selected descriptors to
evaluate them was differential, which evinced different impressive effects.
The acoustic and perceptive analysis results were correlated by using statistics tests
of multidimensional analysis.
The sung, spoken and recited styles prosodies present different aspects, as was
shown by the generated values in the script ExpressionEvaluator (BARBOSA, 2009).
Therefore, we conclude that the sung, spoken and recited styles cause different
impressive effects that activate the organism in different ways and they have the
communication as a social role.
Key-words: Sung style; Spoken style; Recited style; Impressive Effects; Speech
Expressivity.
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 - Exemplo do circuito da fala entre dois indivíduos.................................... 20
Figura 02 - Esquematização do circuito da fala.........................................................
20
Figura 03 - Cadeia da fala proposta por Denes e Pinson (1993)...............................
22
Figura 04 -
Cadeia da fala proposta por Denes e Pinson (1993) interpretada de
acordo com os conceitos trabalhados por Saussure................................
23
Figura 05 -
Traçado do valor de f0 (Hz) ao longo do enunciado “Não, eu vi uma
moto VERDE”, por um falante paulista..................................................... 32
Figura 06 -
Média dos valores atribuídos pelos juízes no questionário de diferencial
semântico ..................................…………………..……............................ 73
Figura 07- Dendograma com os agrupamentos dos 30 enunciados nos três estilos de palavra.………………………….……………………………………….…. 75
Figura 08- Mapa de fatores das dimensões 1 e 2 pelo método PCA…………......…. 76
Figura 09- Distribuição dos descritores utilizados no questioário de diferencial semântico as características acústicas geradas pelo script…………………................................................................................ 78
Figura 10- Dendograma com o agrupamento dos três estilos de palavra.................. 80
Figura 11- Mapa de fatores das dimensões 1 e 2 pelo método MFA.……................ 81
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 - Dados gerados pelo script ExpressionEvaluator (Barbosa,
2009)........................................................................................................ 74
Tabela 02 - Valores gerados dos descritos e dos parâmetros acústicos pelo
método PCA na dimensão 1.................................................................... 83
Tabela 03 - Valores gerados dos descritos e dos parâmetros acústicos pelo
método PCA na dimensão 2.................................................................... 84
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
LAEL Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem
LIAAC Laboratório Integrado de Análise Acústica e Cognição
MFA Análise de Fatores Múltiplos
PCA Análise de Componente Principal
PUC Pontifícia Universidade Católica
SP São Paulo
SUMÁRIO
I – INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 16
II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................................................ 18
2.1. A QUESTÃO SÍGNICA ...................................................................................................... 18
2.2.1. A arbitrariedade do signo .......................................................................................... 20
2.2. O SIMBOLISMO SONORO .............................................................................................. 28
2.2.1. A expressividade de fala ........................................................................................... 29
2.2.2. A proeminência ........................................................................................................... 31
2.2.3. As pausas .................................................................................................................... 32
2.3. AS PALAVRAS CANTADA, FALADA E DECLAMADA ................................................ 33
2.4. A EXPRESSÃO VOCAL DAS EMOÇÕES ..................................................................... 38
III – APRESENTAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DA PEÇA TOTATIANDO ................................. 42
IV – METODOLOGIA ........................................................................................................................ 65
4.1. OS SUJEITOS DE PESQUISA ........................................................................................ 65
4.2. CORPUS DE PESQUISA .................................................................................................. 65
4.3. A GRAVAÇÃO DO TEXTO ............................................................................................... 66
4.4. MEDIÇÃO DAS PAUSAS SILENCIOSAS E DOS ENUNCIADOS E OS TRECHOS
SELECIONADOS ........................................................................................................................... 67
4.5. QUESTIONÁRIO DE DIFERENCIAL SEMÂNTICO ..................................................... 68
4.6. ESTUDOS DAS CARACTERÍSTICAS ACÚSTICAS .................................................... 70
4.7. TESTES ESTATÍSTICOS: A ANÁLISE MULTIDIMENSIONAL .................................. 71
4.7.1. Procedimentos utilizados para a análise estatística ............................................. 71
V – ANÁLISES ................................................................................................................................... 73
5.1. ANÁLISE PERCEPTIVA .................................................................................................... 73
5.2. ANÁLISE ACÚSTICA ......................................................................................................... 74
5.2.1. MEDIDAS GERADOS PELO SCRIPT .................................................................... 74
5.5.2. Correlações entre as medidas acústicas e os resultados da avaliação
perceptiva dos descritores semânticos ................................................................................... 75
5.2.3. Agrupamento dos estímulos por tipo de palavra ................................................... 79
5.2.4. As pausas silenciosas ................................................................................................ 82
5.3. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ................................................................................. 83
VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................... 85
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 87
ANEXOS .............................................................................................................................................. 92
16
I – INTRODUÇÃO
A fala, a declamação e a canção são formas de linguagem oral que
conjugam aspectos verbais e não verbais. Por ser a linguagem oral a principal
ferramenta que o homem possui para a comunicação e a expressão de suas ideias e
sentimentos (FONTES e MADUREIRA, 2015), interessa investigar o seu papel
comunicativo.
Se a linguagem oral tem o poder de transmitir ao outro informações e
sentimentos, consequentemente, ela comunica, portanto, o canto, a fala e
declamação são formas de expressão social. É, notadamente, a partir da linguagem
oral como forma de expressão social, estudada pela Fonética, que esta pesquisa de
baseia.
Esta pesquisa tem como objetivos investigar as diferenças e similaridades
entre as palavras cantada, falada e declamada como formas estilísticas de
linguagem oral e de expressão social e analisar seus efeitos impressivos, levantando
as seguintes questões:
- As prosódias das palavras cantada, falada e declamada são semelhantes?
- Há diferenças entre os efeitos impressivos das palavras cantada, falada e
declamada?
Como hipótese de pesquisa, postulamos que as variações prosódicas que
distinguem as palavras cantada, falada e declamada causam efeitos impressivos
diversos que ativam o organismo de maneira diferenciada.
O que nos levou a levantar tais questões e tal hipótese foram as alternâncias
entre as palavras cantada, falada e declamada, empregadas na peça Totatiando
que traz o repertório de canções de Luiz Tatit e um poema de Mario de Andrade em
sua composição.
Tatit considera suas canções como derivadas da melodia da fala. Desta
maneira, Tatit define a palavra cantada, ou o canto falado, como a entoação que faz
17
parte da melodia, assim como faz parte da fala. A entoação faz com que a fala se
estenda ao canto e, completamos, à declamação.
Na peça Totatiando, Duncan ao interpretar um texto, faz alternâncias entre
as palavras cantada, falada e declamada. Essa dinâmica nos despertou o interesse
em investigar as funções expressivas e efeitos impressivos dessas três formas de
linguagem oral e o papel delas na construção da expressão social.
O desenvolvimento da pesquisa deverá contribuir para o avanço do campo
dos estudos da Estilística de Fala, ampliando o conhecimento sobre a
expressividade oral, visto que, utiliza abordagem inovadora para analisar em três
formas de linguagem oral o vínculo entre a produção e a percepção intermediado
pela acústica.
Esta dissertação compõe-se desta introdução e de mais cinco capítulos que
abordam o referencial teórico, a apresentação da organização da peça Totatiando,
os procedimentos metodológicos, as análises, a discussão dos resultados e as
considerações finais.
No capítulo dois são abordadas as teorias que embasam a pesquisa e as
descrições em torno das características das produções das palavras cantada, falada
e declamada.
No capítulo três é apresentada a organização da peça, com a
contextualização do espetáculo e as canções e o poema que o compõem.
No capítulo quatro, apresentamos os procedimentos metodológicos
adotados para a seleção e a gravação do corpus, para a elaboração do questionário
de diferencial semântico e para a escolha dos testes estatísticos.
No capítulo cinco são apresentadas as análises acústica e perceptiva,
juntamente com os métodos estatísticos utilizados e a discussão dos dados.
No capítulo final, retomamos os objetivos, as questões de pesquisa e a
hipótese, considerando-os em relação aos resultados obtidos pelas análises
acústica e perceptivas dos dados.
18
II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Neste capítulo serão discutidos conceitos teóricos referentes a questões
sobre a controvérsia entre a arbitrariedade e motivação do signo e sobre tópicos
relacionados: o simbolismo sonoro, a expressividade da fala e a expressão vocal
das emoções. Em foco, as palavras cantada, falada e declamada.
2.1. A QUESTÃO SÍGNICA
A conceituação dos signos difere de acordo com o estudioso da linguagem.
Neste capítulo, abordaremos, primeiramente, as conceituações de signo propostas
por Pierce e Saussure. Em seguida, apresentaremos o conceito de Benveniste em
relação à arbitrariedade do signo e a teoria de Jackobson em relação à motivação
do signo. Ambas essas teorias se diferenciam da teoria Saussuriana.
Partiremos do conceito de que a linguagem abrange qualquer forma de
comunicação. Segundo a teoria de Laver (1995), existem dois níveis de
simbolização que dão a linguagem uma natureza semiótica, sendo eles: o nível
gramatical e o nível fonológico.
O nível gramatical é constituído pelas unidades que podem ter um referente
externo, como as palavras e as frases. E o nível fonológico é composto por unidades
de consoantes e vogais, cuja função é agir como “construtores” dos elementos do
primeiro nível. A união desses dois níveis classifica a linguagem.
Segundo Maia (1985), a linguagem é algo digital, ou seja, concerne a
representação, em qualquer circunstância, por meio de signos. Na Linguística, o
pensamento de Saussure teve um grande impacto nos estudos da linguagem. A
linguagem, de acordo com Saussure, é definida como “um sistema de signos que
exprimem ideias”, um conjunto incognoscível entre matéria e objeto, composta por la
langue, o objeto universal e la parole, a matéria sensível, audível e visível.
Sendo a linguagem um sistema de signos, abordaremos como estudiosos
dos signos os conceituaram. Iniciaremos pela exposição do signo segundo Pierce.
Existem três tipos de funcionamento do signo, de acordo com Peirce (1975). O
19
primeiro é chamado de ícone, o segundo de índice ou indicador e o terceiro de
símbolo.
O signo chamado de ícone serve para convencionar ideias das coisas que
ele representa, imitando-as, assim, uma ideia interpretante deve ser produzida, e um
objeto a parte retoma essa ideia por meio da interpretação do cérebro. Nesse tipo de
signo é levada em consideração a semelhança com o objeto representado, como a
fotografia, por exemplo, que é uma forma de imitação. Representa a realidade, mas
não é a realidade em si.
O signo chamado de índice/indicador envolve a existência do objeto e nos
dá indicações daquilo que não está explicito. Podem ser exemplos de índices,
“termômetros, relógios, o andar gingado de um homem (índice de marinheiro),
entoações na voz de um falante”, entre outros. (SANTAELLA, 2008, p. 64)
E, o último signo é chamado de símbolo, em que seu significado foi
associado de acordo com seu uso. Nesse caso, está a maioria das palavras e
frases. O símbolo também não é a realidade, mas sim sua representação. Por
exemplo, a palavra livro não mostra o livro em si, mas é capaz de fazer com que nós
o imaginemos e associamos a palavra com o objeto. O símbolo, então, é apenas um
conector.
O signo de Peirce, ancorado em um estudo geral de todas as linguagens
difere do signo linguístico de Saussure. Peirce traz uma concepção lógica, filosófica
e científica da linguagem (SANTAELLA, 1983).
Então, o que é o signo peirciano?
O signo peirciano é algo que representa outra coisa, mas, para que essa
representação possa ocorrer, a relação entre signo e objeto é intermediada pelo
cérebro, e, assim que o indivíduo consegue fazer essa relação, temos aí um
interpretante.
E o que é o signo saussuriano?
O signo saussuriano reúne o conteúdo e a forma, ou seja, o significado e
significante, e a relação entre essas duas facetas do signo é arbitraria.
20
2.2.1. A arbitrariedade do signo
Cogitamos, agora, a questão da arbitrariedade do signo exposta em
Saussure, levando em consideração as questões abordadas por Peirce (1975). Uma
vez que nosso cérebro naturalmente é capaz de assimilar o signo com o objeto,
como se coloca a relação entre os elementos do signo binário?
Comecemos pela relevância dos estudos existentes sobre a arbitrariedade e
não arbitrariedade do signo, considerando se o processo de relação entre som e
sentido é realizado por convenção ou por natureza. Tal questão é discutida há muito
tempo na literatura sobre os estudos da linguagem (Saussure, Benveniste,
Jakobson).
Segundo a teoria dos signos linguísticos de Saussure, a unidade linguística
é algo duplo, composta pela união de dois termos. Esses termos são psíquicos e
estão acoplados no cérebro por um vínculo de associação, como representado nas
imagens como circuito da fala:
Figura 01. Exemplo do circuito da fala entre dois indivíduos.
Fonte: Saussure (2012)
Figura 02. Esquematização do circuito da fala.
Fonte: Saussure (2012).
21
Para que o circuito seja completo são necessários pelo menos dois sujeitos,
como representado em sujeito A e B. Como mostra a figura 01, o início do circuito
acontece no cérebro de um dos falantes. Ao originar-se no cérebro um conceito com
uma imagem acústica correspondente é um fenômeno considerado psíquico,
seguido de um processo fisiológico, uma vez que o cérebro transmite aos órgãos
fonadores uma correlação da imagem. Como consequência, na fala, as ondas
sonoras se propagam da boca de um até o ouvido do outro, de A para B, por
exemplo, ocasionando um processo físico. No caso do falante B, o inverso acontece.
O circuito vai do ouvido ao cérebro, transferência fisiológica da imagem acústica, e
no cérebro a associação psíquica da figura com o conceito. E, com a resposta de B,
consequentemente, o ato de repete.
Na figura 02 são apresentadas essas fases descritas acima, sendo possível
a visualização das partes físicas, as ondas sonoras, das partes fisiológicas, a
fonação e audição, e das psíquicas, imagens verbais e conceitos.
Em Laver (1995) também encontramos informações de como a fala é
produzida e chega até o ouvinte. Para que a comunicação ocorra o falante precisa
codificar a mensagem por meio dos níveis de simbolização – gramatical e fonológico
– vistos anteriormente, e o papel do ouvinte é decodificar a mensagem.
Em um discurso oral podemos dizer que, seguindo a concepção de Laver
(1995), não há apenas padrões linguísticos a serem seguidos, mas também
informações que precisam ser decodificadas e padrões paralinguísticos. Dessa
forma, somos capazes de decodificar a mensagem e, consequentemente, as
informações e, também, o falante, por meio de sua voz e sotaque.
Pela qualidade de voz de cada indivíduo é possível fazer julgamentos de
vários aspectos sobre suas características, como sexo, idade, atitude,
personalidade. Estudos e experimentos realizados provam que a voz pode revelar a
personalidade do sujeito, tema já discutido por Sapir. Para Sapir (1927), a análise da
fala deve partir de duas vertentes, sendo a primeira uma diferenciação entre o social
e o individual, ou seja, o que são normas impostas pela sociedade e o que parte da
individualidade do sujeito, e a segunda é a análise que leva em consideração os
níveis de fala, em que o nível mínimo é a voz.
22
Podemos relacionar as imagens sugeridas por Saussure e o fundamento de
Laver com a Cadeia da Fala (Speech Chain) proposta por Denes e Pinson (1993),
sendo o acústico operando como meio integrador, representada na figura 03.
Figura 03. Cadeia da fala.
Fonte: Denes e Pinson (1993)
O controle dos processos realizados em um ato de fala está no sistema
nervoso central. No cérebro do falante organiza-se a estrutura do enunciado
linguístico. O comando chega até os músculos do aparelho fonador, que controla a
organização da fala. Esses músculos provocam movimentos que produzem
distúrbios acústicos no ar, conhecidos como ondas sonoras.
Os pulmões, a laringe, a faringe, a boca e as fossas nasais são as estruturas
de destaque no aparelho fonador de fala. O ar é expirado dos pulmões onde, em
seguida, resultam em variações de pressão, que são os sinais acústicos que se
propagam no ar, sob a forma de ondas sonoras, transportando informações
linguísticas do falante, como observado na figura 03. Os sons são captados e
23
processados pelo aparelho auditivo do ouvinte. A informação é transmitida ao
sistema nervoso e decodificada pelo cérebro.
A figura 03 apresenta o nível acústico representado pelas ondas sonoras,
diferentemente do que fez Saussure, uma vez que não levou em consideração a
fala, mas sim, os signos linguísticos que eram produzidos no cérebro em nível
fisiológico, como mostra a figura 04.
Figura 04. Cadeia da fala proposta por Denes e Pinson (1993) interpretada de acordo com os conceitos trabalhados por Saussure.
Fonte: Gama-Rossi; Madureira (em apresentação).
Assim, como desenvolvido por Saussure, o signo consegue unir um conceito
a uma imagem acústica, ou seja, é capaz de unir um conceito a uma impressão
psíquica do som. Quando apenas pensamos em algum objeto sem falarmos seu
nome, a palavra surge em nossa mente, ou quando falamos conosco mentalmente,
são exemplo do que Saussure designava por imagem acústica. Conceito e imagem
acústica foram nomeados, respectivamente, de significado e significante.
24
A relação entre significado e significante, de acordo com a concepção
saussuriana é arbitrária, isto é, não existe uma relação direta entre som e sentido,
mas sim uma sonoridade sugestiva. Essa relação foi estabelecida por convenção e
todo meio de expressão que é aceito em sociedade é decretado por convenção.
Podemos considerar a arbitrariedade do signo linguístico em relação à
língua como sistema, objeto de estudo de Saussure, mas e quanto à fala,
especificamente? Não haveria também uma relação direta entre som e sentido?
Saussure foi enfático em alegar que a natureza do signo é arbitrária, ou seja,
é imotivado e não tem relação natural na realidade. Essa visão foi modificada em
Benveniste, que postula que a relação entre significante e significado estava
desfalcada de um terceiro elemento, que é a realidade, a própria coisa em destaque.
E, do ponto de vista da realidade, o signo é arbitrário, como já afirmado em
Saussure. Afinal, independente da nomenclatura de um signo variar de língua para
língua, os termos se aplicam a uma mesma vertente.
Porém, a relação entre significante e significado passa de arbitrária para
necessária em Benveniste do ponto de vista lógico, afinal, se não fosse necessária,
não haveria signo, como explica, “Há entre os dois uma simbiose tão estreita que o
conceito “boi” é como que a alma da imagem acústica boi” (1976, p. 55).
Para entendermos a abordagem do signo por Benveniste é preciso
compreender as diferenças que a separam da abordagem de Saussure. Saussure
aborda o signo como estrutura sistêmica, enquanto Benveniste o faz do ponto de
vista do locutor, ou seja, o signo em uso pelo homem.
Assim, a arbitrariedade e não arbitrariedade do signo linguístico vai
depender do ponto de vista a ser estudada, no caso a língua como estrutura e a
língua em uso, a fala, elemento de nosso estudo.
Controvérsias em relação à arbitrariedade do signo linguístico foram
levantadas por diversos autores, entre eles, Sapir (1927) ao defender que “a voz é
uma simbolização inconsciente”, acarretando elementos que, embora
inconscientemente produzidos, atribuem valores simbólicos à fala, e Jakobson que
discutiu a questão da motivação do signo. Abordou-a no estudo de linguagem
poética, na qual essa motivação surge de forma mais potente.
25
A linguagem poética revela a existência de dois elementos que agem no agenciamento fônico: a escolha e a constelação dos fonemas e de seus componentes; o poder evocador destes dois fatores, ainda que fique escondido, existe entretanto de maneira implícita no nosso comportamento verbal habitual. (JAKOBSON, 2010, p. 108)
Jakobson apontou a motivação do signo existente nos fonemas. Fonemas
graves como o ∕a∕ dão a ideia de grandeza, escuridão, elementos arredondados,
enquanto fonemas agudos como o ∕ i ∕ sugerem a imagem de pequenez, claridade,
elementos pontudos. Considerando, assim, o que Jespersen (1933) já havia
indicado, contestando a arbitrariedade do signo, de tal forma que a vogal ∕ i ∕, por
exemplo, em diversas palavras exprime a ideia daquilo que é pequeno.
Jakobson (1977) também altera os termos significante e significado para
som e sentido, respectivamente, ou seja, o som (significante) passa ser a transcrição
fonética da palavra e o sentido (significado) sua definição.
Em seu estudo sobre a estilística dos sons, Monteiro (2005) apresenta
experimentos realizados ao longo do tempo que evidenciam os trabalhos de
Jakobson que defendem o conceito de motivação do signo. Alguns exemplos são:
• Existem vocábulos que são agrupados pelo sentido, e apesar de não
possuírem semelhança etimológica, apresentam semelhança fonológica. No inglês,
temos as palavras father e mother, que se assemelham quanto à sonoridade, assim
como no latim, pater e mater;
• Em línguas indo-europeias, o grau dos adjetivos é construído por meio do
acréscimo no número de fonemas: strong – stronger - strongest, no inglês, por
exemplo. No português, entretanto, há sufixo diminutivos que alongam as palavras,
flor – florzinha, que constituído pela vogal ∕ i ∕ expressa a ideia de pequenez;
• O plural é sempre formado pelo acréscimo de vocábulos. Para entendermos o
motivo, Slobin (1980), seguindo a concepção de Jakobson de que o aumento
numérico é formado por um acréscimo fonológico, emprega o termo “metáfora
física”, ou seja, quando falamos de mais de um elemento é necessário mais sons.
Assim, é possível detectar aspectos na colocação dos fonemas que
exprimem de fato a motivação do signo e, consequentemente, a relação entre som e
26
sentido. Como explica Bosi (1977, p. 41), “Subjetivamente, parece inegável que a
palavra responde, por natureza, aos estímulos que se recebem do objeto.”, ou seja,
pode haver uma relação entre o plano sensorial e o plano articulatório.
Em seu experimento, Madureira (no prelo) investigou como o uso dos sons
dos róticos e configurações na qualidade de voz podem variar de acordo com o
conteúdo emocional que um poema pode acarretar, o que vai depender de suas
características acústicas e articulatórias. O som de uma fricativa pode indicar
aspereza ou som semelhante à água corrente, por exemplo.
O corpus utilizado foi o poema “O Navio Negreiro”, de Castro Alves e o
objetivo principal foi verificar se os trills, que foram produzidos nas estrofes do
poema, foram percebidos como som que sugere “agitação” e as fricativas glotais e
as aproximantes como sons que indicam “relaxamento”. Para obter essas
informações, um teste perceptivo foi aplicado a um grupo de 30 juízes graduandos
em Letras – Português/ Inglês.
Os estímulos apresentados no teste perceptivo foram modificados pelo
comando “reverse” no PRAAT, em que as palavras são todas produzidas ao
contrário, assim, não houve interferência semântica na escolha dos juízes.
Neste estudo, foi observado que o estado de relaxamento para agitação
corresponderam a mudanças de produção dos róticos, desde os menos salientes,
como a fricativa glotal, até variedades mais salientes, como o trill. Essas variações
dependem de características acústicas e articulatórias que podem acarretar na
motivação do signo e, portanto, na relação entre som e sentido.
Para explicar tal relação outros tipos de testes são realizados, em que o
indivíduo deve denominar a imagem por uma palavra não existente, mas construída,
mostram como a junção fônica das palavras podem se assemelhar com a imagem.
Allport (1974, apud MONTEIRO, 2005) realizou um teste em que as figuras
A e B abaixo deveriam ser denominadas por quidikaka e waleula:
27
Para a figura A foi escolhida a palavra waleula, uma vez que, o fonema
alveolar ∕ l ∕ junto com as demais vogais dão uma ideia daquilo que seja mais
arredondado e mais extenso, e quidikaka para a figura B, pois o fonema ∕ i ∕, como
visto anteriormente, remete aquilo que é pontudo, e junto com o fonema oclusivo ∕ k
∕, a palavra, quando pronunciada, remete a uma explosão, semelhante a figura.
De acordo com Imai, Kita, Nagumo e Okada (2008), indivíduos podem
relacionar corretamente pares de adjetivos, como bom/ mau, forte/ fraco e rápido/
devagar em línguas desconhecidas, assim sendo, eles não levam em consideração
o valor semântico das palavras, mas sim a sonoridade que elas apresentam, assim
como no teste apresentado anteriormente.
E, além das colocações dos fonemas, a leitura ou a pronunciação expressiva
das palavras podem evidenciar a mensagem, como destaca Bosi, “um autêntico
acorde vivido que fundiria o som do signo e a impressão do objeto.” (1977, p. 40).
Assim sendo, a enunciação tem impacto na fala.
De tal forma, estudar as características existentes na fala implica em
considerar a relação entre som e sentido, ou seja, considerar a potencialidade da
matéria fônica explorando os sentidos. Ohala (1982) utiliza o termo simbolismo
sonoro. Desta maneira, discutir as relações entre som e sentido implica em
reconhecer a potencialidade do simbolismo sonoro, ou seja, do vínculo direto entre
som e sentido, que é a base da expressividade sonora (MADUREIRA, 2004).
Os estudos citados anteriormente relacionados à arbitrariedade e não
arbitrariedade do signo revelam a importância de se estudar o vínculo entre som e
sentido. No caso de nossa pesquisa, o objeto de estudo temos a fala, que foi levada
em consideração nas observações de Benveniste e Jakobson.
28
Existem elementos no organismo que quando motivados são ativados e são
percebidos na fala, e esse processo acontece por natureza, uma vez que não foi
convencionado e pode acontecer de forma diferenciada de sujeito para sujeito e em
culturas variadas. Para explicar tal fenômeno, levantaremos estudos que revelam a
potencialidade do simbolismo sonoro, e, consequentemente, da expressividade da
fala.
2.2. O SIMBOLISMO SONORO
De acordo com Fonágy e Bérard (1988), atos da fala trazem à tona dois
tipos de mensagem. O primeiro possui uma função referencial que traz informações.
E o segundo possui mais de uma função que transpassa a identificação do falante,
aspectos estéticos da linguagem e expressividade, como emoções e atitudes.
Neste segundo tipo, a mensagem é produzida por meio de divergências, que
podem estar relacionadas a três níveis: respiratório, fonatório e articulatório. Essas
divergências apresentam características significantes que estão baseadas na
interpretação da produção dos sons da fala que rementem a estudos do simbolismo
sonoro.
De acordo com Madureira (2011, 2016), o simbolismo sonoro está baseado
em códigos biológicos: o código de frequência (Ohala, 1983; Ohala, 1984;
Chuenwattanapranithi, 2008), o código de esforço, o código de produção
(Gussenhoven, 2002, 2004), e, recentemente, foi acrescentado o código da sereia
(Gussenhoven, 2015).
O código de frequência remete às variações de frequência fundamental (f0)
que correspondem em nível de produção ao número de vibrações das pregas vocais
por segundo e em nível auditivo ao pitch, a sensação auditiva de som grave e
agudo. Sons graves são associados ao que é grande, forte, pesado, enquanto sons
agudos ao que é pequeno, frágil e leve. Estabelecem-se, assim, relações entre os
planos acústico e de sentido.
O código de esforço possui relação com a articulação. Na produção da fala,
quanto maior o esforço da articulação, maior a proeminência alcançada e maior a
29
duração dos segmentos fônicos. O código de produção está relacionado com a
pressão de ar subglótica: no início do discurso a pressão de ar subglótica aumenta e
no final ela abaixa.
E o código da sereia está relacionado com a qualidade de voz, no caso, a
voz soprosa que está associada com a sensualidade feminina, uma vez que esse
estilo de voz, natural ou produzido, está mais presente na fala das mulheres. A voz
soprosa é geralmente produzida pelo relaxamento das pregas vocais.
Esses quatro códigos biológicos evidenciam os efeitos de sentido que
podem ser alcançados pela prosódia corroborando para a expressividade da fala.
Estudos realizados por Imai, Kita, Nagumo e Okada (2008), demonstram que a
relação entre som e sentido estabelecida pelo simbolismo sonoro pode ocorrer
automaticamente, ou seja, de forma inconsciente de acordo com o estímulo do
organismo.
Pela relação que se estabelece entre efeitos de sentido e parâmetros de
natureza fonatória, articulatória e acústica são de interesse para a investigação
sobre a produção e a percepção da melodia das palavras cantada, falada e
declamada.
Portanto, estudar o simbolismo sonoro também como levantar dados sobre a
expressividade da fala, uma vez que, para entendermos como atitudes, emoções,
personalidade e outros aspectos biopsicosocias são interpretados a partir da fala é
necessário considerar as características fonéticas que são interpretadas como pistas
de efeitos de sentido.
2.2.1. A expressividade de fala
A fala é expressiva, assim sendo, em sua totalidade tem o papel de, além de
comunicar, transmitir emoções, sentimentos, personalidade, entre outros, tanto
positivas quanto negativas, e sua expressividade está relacionada com o simbolismo
sonoro. A relação existente entre simbolismo sonoro e a expressividade da fala se
dá levando em consideração elementos utilizados na produção da fala.
30
Na fala, a expressividade é caracterizada por elementos melódicos e
rítmicos, denominados de recursos fônicos por Madureira (2004). A autora considera
que toda fala é expressiva, uma vez que, até mesmo uma enunciação sem emoção
acarreta efeitos de sentido, ou seja, a fala pode causar impressões no ouvinte
independente de como ela é produzida, causando assim, efeitos impressivos
positivos ou negativos.
Segundo Madureira (2004), a construção da expressividade da fala se dá
por meio de relações entre som e sentido, o simbolismo sonoro, e entre os
elementos segmentais (vogais e consoantes) e prosódicos (ritmo, entoação,
qualidade de voz, taxa de elocução, pausas e padrões de acento).
De tal forma, a necessidade de se expressar e compreender emoções faz
parte da comunicação humana. Beller (2006) utiliza o termo expressividade como
sendo um nível de informação na produção da mensagem falada que transmite
emoção, atitude e humor. A expressividade vai além das palavras, pois pode ser
percebida por índices paralinguísticos, como sons não verbais e prosódia.
Sons não verbais também são considerados fenômenos na fala. São sons
que não trazem função linguística alguma. Por exemplo, a respiração, que pode ser
um elemento importante para expressividade, mas não para aspectos semânticos.
Sons da fala verbais e não verbais aparecem ordenados de uma maneira
sequencial ao longo do tempo. Ao mesmo tempo, a acústica destes elementos
sonoros é produzida pela prosódia. A prosódia engloba a entoação, a acentuação, o
ritmo, a qualidade de voz e a pausa.
Como explica Barbosa e Madureira (2015, p. 197), “A prosódia molda,
assim, nossa enunciação imprimindo a “o que se fala” um “modo de falar” que é
dirigido intencionalmente ou não ou ouvinte.”, ou seja, a prosódia molda o que se
quer transmitir ao ouvinte; a forma como a fala chegará até os ouvidos. Isso pode
ser proposital ou não.
Além da função paralinguística, como no caso das expressões de estados
afetivos e extralinguíticas, como as que indicam gênero, sexo e origem social, entre
outros fatores, a prosódia pode exercer funções linguísticas. Entre as funções
linguísticas da prosódia encontram-se: a atribuição de proeminência, ou seja, a
31
qualidade de um elemento linguístico em relação a outro em termos de saliência
auditiva; a expressão de modalidade do enunciado (asserção, interrogação); a
demarcação de constituintes linguísticos (palavras, sintagmas, orações e frases) e o
uso das pausas. As funções de proeminência e das pausas serão retomadas e
explicitadas nas seções que se seguem.
2.2.2. A proeminência
A proeminência tem um papel significativo na fala expressiva, afinal ela
funciona como um marcador para enfatizar aquilo que tem mais importância em um
enunciado, uma vez que algumas sílabas são enfatizadas para chamar a atenção do
ouvinte das partes mais importantes, como explicam Barbosa e Madureira (2015,
p.199) “as funções de proeminência que assinalam a saliência auditiva de um
constituinte prosódico em relação a outro.”.
Para que uma sílaba seja percebida como proeminente há uma queda na
pós-tônica e uma maior duração na sílaba, que, em nível auditivo, é percebido como
um som mais agudo e mais longo. Em uma análise acústica, para a avaliação da
proeminência, os principais correlatos acústicos a serem observados são: o contorno
de f0, a duração da sílaba, a intensidade e a ênfase espectral, apesar de alguns
teóricos acreditarem que esses correlatos podem variar.
Para explicar a função de proeminência, coloquemos o exemplo que
Barbosa e Madureira (2015) utilizaram. A palavra “verde” no enunciado “Não, eu vi
uma moto VERDE” possui mais energia, valores de f0 aumentados e maior duração,
comparada aos outros elementos do enunciado. O que mostra que a palavra “verde”
tem importância na fala é uma descida brusca da curva de f0 na sílaba tônica, como
mostra a figura 05.
32
Figura 05. Traçado do valor de f0 (Hz) ao longo do enunciado “Não, eu vi uma moto VERDE”, por um falante paulista.
Fonte: Barbosa e Madureira (2015).
2.2.3. As pausas
Laver (1995) considera que as pausas silenciosas são intervalos de silêncio
acima de 200 ms. As pausas silenciosas podem ser classificadas em dois tipos: as
fluentes ou as hesitativas (MERLO, 2006). As pausas fluentes aparecem em
fronteiras sintáticas fortes, como entre sentenças, sujeito e predicado, e as pausas
hesitativas , ao contrário, aparecem em fronteiras sintáticas fracas (CRUTTENDEN,
1994). No exemplo abaixo, é possível ver uma sentença com os dois tipos de pausa
silenciosa:
(Sujeito 4, narrativa de cartoon): “aí o pai pede um copo... (pausa hesitativa)
d’água...(pausa fluente) o filho diz que já vai pegá...” (MERLO, 2006, p. 211)
As pausas fluentes, em relação à prosódia, aparecem em grupos acentuais
e servem para delimitá-los (MERLO, 2006).
Por sua vez, as pausas preenchidas são caracterizadas por lacunas na fala
que no português aparecem como “éh”, “ah”, “ahn” e “mm”, um material não
linguístico (LAVER, 1995). Para o autor, as pausas preenchidas podem variar entre
as comunidades sociolinguísticas.
33
De tal forma, a pausa, silenciosa ou preenchida, é um dos elementos que faz
parte da prosódia, como citado anteriormente. Barbosa e Madureira (2015) definem
que o papel da pausa é “assinalar uma fronteira prosódica”.
Para Cagliari (1992), a pausa tem a função de segmentar a fala, para tanto a
pausa pode ser usada para diversos fins, designar uma mudança repentina na fala,
por exemplo. Quando se quer reforçar as palavras com pausas, isso pode significar
que o autor quer se impor, colocar autoridade no que está dizendo. Outro aspecto
importante é o fato de a pausa servir também como forma de focar naquilo que vai
ser dito ou para segmentar a fala de várias maneiras (CAGLIARI, 1992).
Segundo Cotes (2007), dependendo de sua função, as pausas podem ser
delimitativas, expressivas, de planejamento discursivo ou de estruturação discursiva.
As pausas que aparecem com função delimitativa marcam os componentes da frase,
como as palavras, os grupos de palavras e as frases. As pausas expressivas têm a
função de colocar em destaque as palavras que o falante pretende enfatizar. As
pausas de planejamento discursivo são empregadas para dar continuidade na fala, e
as pausas de estruturação discursiva têm a função de ordenar as partes do discurso.
De tal forma, as pausas exercem um papel relevante na expressividade da fala e
suas durações foram medidas na produção das palavras cantada, falada e
declamada.
2.3. AS PALAVRAS CANTADA, FALADA E DECLAMADA
Estudar as características das palavras cantada, falada e declamada implica
em investigar melodias e seus efeitos impressivos.
Os elementos melódicos são utilizados na construção das palavras falada,
cantada e declamada. Segundo Tatit (1996, p. 9), “Cantar é uma gestualidade oral,
ao mesmo tempo contínua, articulada, tensa e natural, que exige um permanente
equilíbrio entre os elementos melódicos, linguísticos, os parâmetros musicais e a
entoação coloquial”, ou seja, cantar engloba elementos musicais, prosódicos e
linguísticos, assim, para o cancionista não é tão importante apenas o que se diz,
mas sim, a forma como se diz, e esta forma é dita de acordo com a melodia.
34
Segundo Tatit, no enleio entre a melodia e os elementos linguísticos, o
cancionista deve produzir uma oralidade que se aproxima ao máximo da fala para
que soe algo mais natural possível, levando em consideração que seu maior
instrumento é a entoação, uma vez que, é a partir do processo entoativo que a fala
pode se estender ao canto.
Tatit apresenta suas canções como melodias da fala, surgindo, assim, a
palavra cantada, que é um canto falado. O elemento responsável pelo canto falado é
o processo entoativo por trás da melodia.
A canção bem como a fala e a declamação são caracterizadas pela
entoação. O que difere o canto da fala é como a entoação é utilizada. Na fala e na
declamação o processo entoativo é alterado livremente, já na canção este processo
é fixado e expressado da mesma forma durante toda a canção. A palavra cantada
deve se aproximar da entoação da palavra falada.
Tatit (1996) argumenta que a voz que canta está dentro da voz que fala. A
voz que fala é momentânea, depois de ser dita, desaparece e nunca mais será
reproduzida da mesma forma. O sentido pode ser o mesmo, mas um discurso nunca
é realizado da mesma maneira que antes o fora. Já a voz que canta quando
incorporada em uma canção permanece imortal, “As inflexões caóticas das
entoações, dependentes da sintaxe do texto, ganham periodicidade, sentido próprio
e se perpetuam em movimento cíclico como um ritual.” (TATIT, 1996, p. 15).
Na voz que fala, canta e declama periodicidades, aperiodicidades e silêncios
alternam-se. Schafer (1991) aponta como as periodicidades sonoras podem ser
percebidas de diversas formas e como aperiodicidades, ou seja, ruídos, muitas
vezes despercebidos, podem ser usados para produzir música, mostrando ainda que
tanto na fala quanto na canção há musicalidade. Para Schafer (1991) o ruído não
deixa de ser um som musical. Ele é a parte negativa do que existe no som, todo som
que interrompe indesejavelmente aquilo que se está ouvindo é considerado um
ruído.
O som também pode ser interrompido por silêncios, e os silêncios colaboram
para constituir a trama sonora. E, em relação aos silêncios, Wisnik (1989, p.18)
35
aponta que “O som é presença e ausência e está, por menos que isso apareça,
permeado de silêncio.”.
Voz, ruído e silêncio constituem a sonoridade das palavras cantada, falada e
declamada. A teoria acústica da produção da fala, apresentada por Fant (1970),
explica como se geram no aparelho fonador essas fontes de voz e ruído. A fonte de
voz é gerada pela vibração das pregas vocais e as fontes de ruído contínuo pela
passagem da corrente de ar entre articuladores muito aproximados, tornando-a
turbulenta. As fontes de ruído transiente, pela liberação abrupta da corrente de ar
que estava interrompida pelo contato entre articuladores. As fontes de voz e ruído
constituem os sons da fala ao sofrerem a ressonância no trato vocal (que
compreende desde a glote fechada até os lábios e as narinas). A produção da fala
depende dos órgãos que formam o aparelho fonador e que compreendem a parte
respiratória (que fornece a corrente de ar), a fonatória (que as modificam) e a
articulatória.
O elemento chave para o estudo de acústica da fala é a noção de espectro,
que designa a faixa de amplitude e frequência contidas num determinado som. Os
sons são analisados acusticamente perante aos parâmetros de frequência, duração
e intensidade.
A variação de tom define, também, o tom natural da voz cantada (baixo,
soprano, contra-alto). O tom corresponde à altura de voz em que um som é gerado,
dependendo do número de vezes que ocorre a vibração das cordas vocais. Em
nível de produção a voz está relacionada à taxa de vibrações das pregas vocais. Em
nível acústico o correlato do número de vibrações é a frequência fundamental e em
nível auditivo o correlato é o pitch que corresponde à sensação auditiva que permite
classificar o som como grave ou agudo.
Uma vibração de frequência lenta dá a sensação de um tom baixo, enquanto
uma vibração rápida dá a de um tom alto. Por exemplo, uma voz com 120 vibrações
das cordas vocais por segundo (120 Hz) dará um tom grave, enquanto a voz com
500 vibrações por segundo (500 Hz) dará uma voz aguda. Contudo, o ouvido
humano é capaz de detectar um grande número de tons diferentes.
36
Para produzir a voz cantada, ajustes fonatórios e articulatórios são
realizados. Como resultado acústico desses ajustes, verifica-se o formante do cantor
(SUNDBERG, 1995) que corresponde a uma intensificação das frequências em
torno de 3 kHz. Nessa região ocorre uma concentração dos formantes F3, F4 e F5
devido ao abaixamento da laringe e a expansão da cavidade faríngea.
A voz que fala, que canta e que declama é usada para expressar opiniões,
ideias, ou seja, desenvolver uma ligação comunicativa. E na música, segundo
Schafer (1991), a intencionalidade de uma conexão comunicativa é a mesma que se
dá em uma conversa oral.
Quando interlocutores estão em uma conversa o esperado é que um fale e o
outro escute e depois invertam os papéis. Com relação à música não há muita
diferenciação. Na experiência realizada por Schafer (1991), os interlocutores tiveram
como objetivo comunicarem-se por meio dos instrumentos, mas com coerência.
Logo que um falava o outro respondia de acordo com o que foi dito anteriormente,
assim como acontece em um diálogo produzido pela fala. Quando vozes coocorrem
o entendimento fica mais complicado, e isso se dá com os sons musicais também,
pois ao invés de haver sons positivos (sem ruído), haverão apenas sons negativos
(com ruído).
Os elementos que organizam o sistema sonoro são o agudo, grave, forte,
suave, curto, longo, rápido e lento. Esses elementos formam as texturas sonoras
(SCHAFER, 1991) que constituem a expressividade sonora.
Resultados de um estudo realizado por Madureira e Camargo (2010),
levando em consideração a declamação do poema “A Valsa” de Casimiro de Abreu
feita por um ator, revelaram que o ator utilizou o simbolismo sonoro para indicar a
dinâmica da dança junto com a dinâmica do estado afetivo do observador da dança.
Os elementos prosódicos na declamação do poema foram aplicados de
forma a revelarem uma relação entre os compassos e os movimentos da dança. O
fim da dança no poema é expressado pelas mudanças na taxa de elocução, no ritmo
e na entoação da fala, o que mostra o uso do simbolismo sonoro e favorece na
discussão da relação entre som e significado.
37
Resultados de outro estudo realizado por Madureira (2008), agora levando
em consideração a declamação do poema “Soneto da Fidelidade” de Vinicius de
Moraes realizada por uma atriz e um ator, mostraram como a relação entre som e
sentido pode ser construída. Esse estudo considera o uso de elementos prosódicos
(qualidade de voz e entoação) e de variantes segmentais na declamação do poema.
Para a realização de uma declamação é necessária uma interpretação
prévia do texto poético pelos falantes. A escolha dos elementos prosódicos e das
variantes segmentais pelos locutores reflete a sua produção de significados, pois a
partir da leitura de poemas, os locutores tecem correlações entre som e sentido e
isso afeta a forma como a expressividade da fala é construída. (MADUREIRA, 2008).
Na canção, para construir a expressividade musical, o compositor pode se
limitar a determinados elementos, o que Schafer chama de “paleta limitada”, criando,
assim, certa atmosfera. Como exemplo disto, Schafer dá o exemplo de duas peças
distintas: “A tarde de um fauno”, de Claude Debussy e a“Noite numa montanha
deserta”, de Modeste Moussorgsky. A primeira apresenta elementos musicais
suaves, graves e lentos, enquanto a segunda se apropria de valores fortes, agudos
e rápidos. Nesse sentido são opostas, entretanto, as duas peças podem ser
consideradas composições “líricas”, de acordo com Schafer, uma vez que, possuem
como finalidade criar e sustentar uma atmosfera determinada. Se fossem
composições “dramáticas” precisariam de valores opostos com mudanças
inesperadas.
Outro elemento formal da música é o timbre, segundo Schafer (1991, p.76),
“O timbre é essa superestrutura característica de um som que distingue um
instrumento do outro, na mesma frequência e amplitude”, ou seja, o timbre é o que
distingue a qualidade do tom de voz de um instrumento ou cantor.
Na fala, a mudança de timbre é feita de maneira constante e rápida,
enquanto na música esta mudança não ocorre tão rapidamente. Quando uma mãe
se zanga com o filho, por exemplo, o timbre da voz é alterado involuntariamente
devido ao estado emocional no qual se encontra, mas, na música, o compositor
precisa de um tempo maior para que a mudança do timbre do instrumento aconteça.
38
Esses elementos citados anteriormente gerarão a harmonia, a melodia e o
ritmo da canção, tanto instrumental quanto vocal. A harmonia de uma música se dá
por duas ou mais notas tocadas juntas. Diferentemente da harmonia, a melodia se
dá por notas tocadas separadamente.
Schafer (1991) afirma que para a construção de uma melodia é preciso que
haja movimentos do som em diferentes frequências. Enquanto a fala utiliza o som de
maneira contínua, as melodias musicais possuem limitações de movimento; a
melodia da fala é chamada de entoação.
Além da entoação, um elemento prosódico de relevância para compor as
texturas sonoras é o ritmo. Schafer discute dois tipos de ritmos musicais, os
regulares e os irregulares. Ritmos regulares propõem divisões cronológicas do
tempo real, ou seja, ritmos mecânicos que acompanham a sequência cronológica
dos atos em uma melodia. Todavia, os ritmos irregulares comprimem ou expandem
o tempo real, criando, assim, um tempo virtual.
Na fala e na declamação, consideram-se os ritmos acentual e silábico. Para
Barbosa (2006, p.193) “a tendência de uma língua para um ritmo acentual ou
silábico pode ser explicada respectivamente pela maior ou menor força de
acoplamento do oscilador acentual sobre o silábico”, sendo que nesse modelo de
ritmo de osciladores acoplados, o silábico está relacionado com a determinação das
sílabas fonéticas, entendidas como unidades que se estendem de vogal a vogal e o
ritmo acentual com os locais de acentos frasal.
Portanto, considerar as características das palavras cantada, falada e
declamada também evidencia estudos sobre as emoções transmitidas pela fala
como forma de expressão vocal.
2.4. A EXPRESSÃO VOCAL DAS EMOÇÕES
As emoções quando refletidas na fala podem ser estabelecidas como
reposta do organismo a eventos do ambiente e, para tal estudo, existem diversas
perspectivas que aparecem em destaque sobre a expressão vocal das emoções
para fundamentar a natureza das emoções, sendo elas: a perspectiva darwiniana, a
39
perspectiva jamesiana, a perspectiva cognitivista, a perspectiva socioconstrutivista e
a perspectiva fisiológica (FONTES, 2014).
Para este estudo nos baseamos na perspectiva cognitivista que tem como
fundamento principal o processo de avaliação positiva ou negativa e defende que as
emoções tem associação a um padrão determinado de avaliação. Como adepto
desta perspectiva, Scherer (2003) criou o modelo push/pull, que são processos
paralelos que ocorrem na expressão vocal das emoções.
O push effect refere-se a aspectos mais internos e fisiológicos, como
mudanças no organismo que causam um efeito direto nos parâmetros de
vocalização. Enquanto o pull effect mostra aspectos mais externos e sociais, regidos
por convenções sociais.
Segundo Beller (2006) há métodos utilizados especificamente para coletar
dados de fala emotiva. Três tipos de dados podem ser coletados: dados naturais,
estimulados e produzidos.
Os dados naturais compreendem dois tipos de contexto: o contexto livre em
que todas as emoções podem ser produzidas e o contexto forçado que é dedicado a
cenários específicos em que um número limitado de emoções pode ser produzido.
Nos dados estimulados ocorrem mudanças que são realizadas na gravação, levando
em consideração as emoções no ato de fala. E, por sua vez, os dados produzidos
são realizados por atores que simulam emoções enquanto falam algum texto e isso
é gravado.
As falas emotivas, simuladas ou não, apresentam informações suficientes
para que o ouvinte perceba o estado emocional de quem falou. Assim, a
identidade de um falante, no caso da comunicação oral, é caracterizada por sua voz.
O estilo de fala lida com a maneira como o falante reproduz sua voz, levando em
consideração aspectos físicos, sociais e profissionais (BELLER, 2006).
A modalidade também é um aspecto importante da comunicação oral. Pode
ser definida em três categorias: pergunta, afirmação e exclamação. A partir de
análises acústicas é possível caracterizar as diferenças de produção entre essas
modalidades. Uma pergunta é caracterizada por um valor alto de f0 no pico da parte
tônica e uma inflexão crescente. Uma afirmativa é caracterizada por um valor baixo
40
de f0 no pico da parte tônica e uma inflexão decrescente. Nas frases interrogativas,
por exemplo, a entoação é elemento principal para transformar uma afirmação em
pergunta em muitas línguas, como o alemão, o russo e o português (FONÁGY,
1993).
Para Fonágy (1993), a interpretação da modalidade se baseia em três
fatores melódicos: a altura da subida final, a frequência que o pico melódico que a
curva atinge na frase e frequência fundamental no ponto de inflexão que precede a
subida final. A subida final é de extrema importância na análise.
Diferenciados métodos que possibilitam a extração da frequência
fundamental (f0) e, também, a amostragem de gráficos das variações de frequência,
reproduzem a abstração de um fator físico, fator esse responsável pela percepção
do movimento da melodia.
Para destacar os elementos melódicos significativos em relação à
modalidade das frases, são realizadas análises estatísticas das variações de
frequência e intensidade (FÓNAGY, 1993).
Fónagy (1993) também evidencia que as experiências feitas por
Issatschenko e por Schädlich são capazes de provar que os elementos responsáveis
pela caracterização das configurações melódicas são as variações de f0. Denes
(1959) realizou experiências da mesma espécie e notou que um tom mais elevado é
geralmente interpretado como o tom de uma pergunta que acarreta surpresa.
Com os resultados de outras experiências com base na manipulação dos
parâmetros de frequência fundamental, intensidade e duração, foi possível notar que
é o ângulo da subida que diferencia uma exclamação assertiva de uma questão
total. Já uma subida contínua, uma curva côncava, evidencia uma frase
interrogativa. Uma subida brusca remete às exclamações assertivas. Por sua vez,
uma subida lenta que apresenta uma forma convexa propõe uma frase inacabada
acarretada por uma reflexão ou hesitação.
A intensidade pode ser, da mesma forma, usada para análise. Uma curva de
intensidade ascendente acentua o caráter interrogativo de uma frase. É possível,
ainda, colocar uma curva de intensidade em que uma subida rápida é seguida de
41
uma queda brusca. A frase não terá mais características de uma frase interrogativa,
mas sim, de uma exclamativa.
As experimentos realizados por Fonágy (1993) revelam outra dimensão
perceptiva, a musicalidade. Se a musicalidade da frase, considerada em relação a
sua modalidade, é aumentada proporcionará uma frase de caráter mais
interrogativo.
Fonágy, além da modalidade, dedicou-se à análise da expressividade da fala
(atitudes, emoções), tema central em nosso trabalho.
A expressão de emoções na fala revela tendências básicas que não estão
relacionadas diretamente com a língua do falante, mas sim com um “sistema
semiótico paralinguístico” (FONÁGY, 2000, p. 18), que tem a ver com as relações
entre som e sentido. Esse sistema apresenta três regras:
1ª: a reprodução voluntária de sintomas associada ao aparelho vocal, por exemplo, a
contração da língua e dos lábios, que está associada a emoções negativas, como
raiva e desprezo;
2ª: a identificação dos órgãos da fala com outras partes do corpo. Os movimentos
dos órgãos vocais podem ser substituídos por gestos corporais;
3ª: Isoformismo quantitativo de expressividade, que está relacionado com os níveis
de intensidade, altura e duração.
Sendo assim, podemos considerar aspectos importantes que decorrem da
ideia de que as características fonéticas usadas em termos expressivos tem
motivação fisiológica, não consciente, mas motivada.
Discutidos os fundamentos teóricos que embasam nosso trabalho,
apresentaremos, antes dos procedimentos metodológicos, a organização estrutural
da peça Totatiando da qual foi extraído o corpus da pesquisa. Consideramos
relevante essa apresentação para situar o contexto do trabalho com o canto falado,
a fala cantada e a fala declamada, uma vez que temos como um dos objetivos
investigar, por meio de descritores semânticos, os efeitos impressivos que esses três
estilos têm.
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III – APRESENTAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DA PEÇA TOTATIANDO
O espetáculo Totatiando, que desencadeou a motivação para a realização
de nossa pesquisa, foi inspirado na obra de Luiz Tatit e conta com 16 canções e um
poema de Mário de Andrade, interpretados de forma teatral pela cantora,
compositora e intérprete Zélia Duncan e gravado em 29 de setembro de 2012, no
Teatro Tuca em São Paulo. A ideia de realização da peça teatral partiu de Zélia
Duncan em querer apresentar um trabalho inspirado na obra de Luiz Tatit. Desde as
apresentações do grupo Rumo, Duncan questionava se eles cantavam falando ou se
eles falavam cantando.
Daí a ideia de construir os personagens a partir dos três estilos de palavra,
cantado, falado e declamado. Duncan atua as canções e constrói os personagens.
As características de cada personagem são construídas por meio da expressão
facial, corporal e vocal, sendo esta última o objeto de nosso estudo.
Duncan convidou Regina Braga para dirigir, que, com o convite, começou a
montar o espetáculo. Em entrevista no making off da peça, Duncan explica que o
primeiro passo foi decidir quais as músicas que fariam parte do repertório e
investigar sobre cada personagem.
De tal forma, a peça, ora falada, ora cantada e ora declamada segue uma
sequência cronológica de começo, meio e fim: a primeira canção explicita a ideia de
começo e a última a ideia de término. Em cada canção, Duncan interpreta um
determinado personagem, cuja características são exploradas de acordo com o
sentido da canção. E, para dar mais impacto aos acontecimentos de cada
personagem, a cantora mescla a fala e o canto e é acompanhada por trilha musical.
Não há troca de figurino, com exceção de alguns acessórios. A mudança de
uma personagem para outra é feita pela voz. São os estilos de palavras, cantada,
falada e declamada responsáveis pela alternância das personagens durante a peça.
Foram utilizados para a produção das palavras, cantada, falada e declamada os
dados produzidos, como citados anteriormente por Beller (2006), em que Duncan
simula emoções para a caracterização de personagens durante as canções.
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O cenário foi montado pensando na origem de Tatit, a cidade de São Paulo.
A maquiagem e o figurino são discretos para que realmente a troca do contexto de
cada canção seja realizada por meios das expressões acima citadas.
A trilha sonora também faz parte da atuação e, consequentemente, de cada
personagem. As expressões facial, gestual e vocal de Duncan acompanham a trilha
sonora.
Totatiando conta com a Direção Geral de Regina Braga, Direção Musical de
Bia Paes Leme, com os músicos Webster Santos e Tércio Guimarães, Direção de
Arte e Cenografia de Simone Mina, com o design de Luz Wagner Freire, Direção de
Vídeo de Hugo Prata e Direção de Produção de Deco Gedeon.
A seguir apresentamos a letra das canções e o texto do poema, e a maneira
como eles são interpretados:
1. O meio
Assim era no princípio Metáfora pura Suspensa no ar Assim era no princípio Só bocas abertas Inda balbuciantes Querendo cantar Por isso que sempre no início A gente não sabe como começar Começa porque sem começo Sem esse pedaço não dá pra avançar Mas fica aquele sentimento Voltando no tempo faria outro som Porque depois de um certo ponto Tirando o começo até que foi bom Por isso é melhor ter paciência Pois todo começo começa e vai embora O problema é saber se já foi Ou se ainda é começo Porque tem começo que às vezes demora Que passa um bom tempo Inda está no começo Que passa mais tempo Inda não está na hora Tem gente que nunca sai do começo Mas tem esperança de sair agora Se todo começo é assim O melhor começo é o seu fim Um dia ainda há de chegar Em que todos irão conquistar
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Um meio pra não começar Agora depois do começo Já estou me sentindo Bem mais à vontade Talvez já esteja no meio Ou começo do meio Porque bem no meio Seria a metade É bom demais estar no meio O meio é seguro pra gente cantar Primeiro, acaba o bloqueio E a te o que era feio começa a soar Depois todo aquele receio Partindo do meio, podia evitar Até para as crianças nascerem Nascendo no meio, não iam chorar Diria, sem muito rodeio No princípio era o meio E o meio era bom Depois é que veio o verbo Um pouco mais lerdo Que tornou tudo bem mais difícil Criou o real, criou o fictício Criou o natural, criou o artifício Criou o final, criou o início O início que agora deu nisso Mas tudo tomou seu lugar Depois do começo passar E cada qual com seu canto Por certo ainda vai encontrar Um meio para nos alegrar
Duncan abre o espetáculo com esta canção, pois fala sobre o começo das
coisas e como esse começo é difícil, assim, tudo deveria começar pelo meio e não
pelo começo. Isso remete ao próprio começo do espetáculo.
Para complementar essa ideia de começo, meio e fim, Duncan utiliza uma
estrofe da música “O Rei” também de Tatit, utilizando a palavra falada.
“Por fim Um menino lá Que sempre caçoava do rei Foi se aproximando E falando com a voz muito digna: Qual é o rei que não morre, meu rei? Nos ajude a entender esse enigma E o rei Supertranqüilo Pensou um pouquinho E com muito carinho Contou pro menino
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Que um rei que não morre E nunca envelhece E que é vitalício É só o reinício.”
2. Ah!
Ah! Não pode usar qualquer palavra Então é por isso que não dava Eu tentava, repetia, achava lindo e colocava Se não cabe, se não pode Tem que trocar de palavra
Ah! Mas é tão boa essa palavra Carregada de sentido com um som tão delicado Agora eu vou ter que trocar? Ah! Vá se danar Ah! Tem que caber? Ah! Ninguém repara Ah! Tem que entender? Ah! Mas tá na cara Então muda?!? Han... han... Hum Chiiii Ai ai ai ai ai ai ai Han? Haa tá Nossa! É isso?! Hei! Hou! Ara! Ah! Ah!
Esta canção é apresentada quase como uma discussão em que o
personagem interpretado questiona o porquê de não poder utilizar qualquer palavra
na possível elaboração de um texto. Esta canção se assemelha a um diálogo.
3. Falta alguma coisa
Não sei Falta alguma coisa Mas eu preciso decidir rápido Porque já estou ficando atrasada Puxa vida! Era alguma coisa Que eu ganhei de presente O que será? Não sei Pois se o sapato e a meia e a bolsa Estão combinando muito bem E essa blusa, a saia e as joias Mas que falta alguma coisa, falta
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E eu odeio sair com essa sensação absurda De que falta alguma coisa em mim Mas preciso decidir rápido Porque eu já estou ficando atrasada Era um presente que uma amiga me trouxe Num dia de festa... Eu então tive certeza Que tudo este ano seria tão bom E fiz planos Mas deixe estar Eu vou recuperar aquela confiança E hoje quando eu chegar lá no escritório Eu dou um jeito no meu rosto e nos cabelos Coloco uns livros na estante E uma flor na minha mesa Eles nem vão notar Que falta alguma coisa em mim
Durante esta canção a conjugação entre fala e canto é muito clara. Toda a
canção oscila em ora falada ora cantada com a interpretação de um personagem
que, tristemente, alega se sentir vazio, como se algo estivesse faltando para que ele
pudesse se sentir feliz e completo.
4. Sonhei
Sonhei que estava dentro do seu sonho E não podia me expressar Meu sonho era tão tímido e confuso Mal consigo recordar Seu sonho sim causava sensação Brilhante como poucos sonhos são Seu sonho tinha tudo resolvido Tudo fazia sentido Mesmo sem interpretação Meu sonho estava ali tão deslocado Um simples conteúdo sublimado Se ao menos pra livrar-me desse estado Alguém tivesse me abordado Mas tive a sensação que foram horas Foram dias foram meses Em que tive o privilégio De estar sempre ao seu lado É claro que seria bem melhor Se você tivesse reparado Mas nada no meu sonho Abalava o seu ar imperial Meu sonho estava dentro do seu sonho Que era o sonho principal Sonhei que nem mesmo dentro do seu sonho Haveria solução
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Sonhei que achei um meio infalível De chamar sua atenção Sonhei que não havia mais ninguém Você iria então olhar pra quem? Sonhei que estando ali tão disponível Sendo o único possível tudo acabaria bem Sonhei que você veio pro meu lado Meu coração bateu descompassado Sonhei que seu olhar no meu olhar Já estava um pouco desfocado Sonhei que pressenti alguma coisa Que corri ao seu encontro Que por mais que eu corresse Chegaria atrasado Sonhei que nosso encontro foi etéreo Você tinha evaporado Mas tenho que dizer Sonhei o sonho que sempre sonhara sonhar Você, sentindo a força do meu sonho Fez de tudo pra acordar.
Esta canção tem uma lírica que utiliza a repetição do som consonantal [s],
como na frase: “Sonhei o sonho que sempre sonhara sonhar”.
O personagem relata um sonho que teve em que estava dentro de outro
sonho, no caso, no sonho da pessoa amada.
5. Haicai
Quando fiz de tudo poesia pra dizer o que eu sentia fui mostrar ela não me ouvia e mesmo insistindo todo dia era inútil não me ouvia
Sofia! Sofia! não ouvia e não havia o que fizesse ela atender sempre dispersiva sempre tão ativa Sofia é do tipo que não pára não espera e mal respira imagine se ela vai ouvir poesia! Sofia, escuta essa, vai é pequena é um haicai
Por fim
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noite de lua cheia prometeu que me ouviria bem mais tarde ás onze e meia nunca senti tanta alegria mas cheguei ela já dormia
Sofia! Sofia! não ouvia e não havia o que fizesse ela acordar Sofia quando dorme sente um prazer enorme fui saindo triste abatido tipo tudo está perdido imagine agora a chance que me resta pra pegá-la acordada só encontrando numa festa
Então, liguei de novo pra Sofia confirmando o mesmo horário mas numa danceteria a casa de tão cheia já fervia e ela dançando nem me via
Sofia! Sofia! não ouvia e não havia o que fizesse ela parar Sofia quando dança pode perder a esperança mas eu tinha que tentar:
Sofia estou aqui esperando pra mostrar pra você aquela poesia, aquela, lembra? que eu te lia, te lia, te lia, e você não ouvia, não ouvia, não ouvia hoje é o dia vem ouvir vai ela é pequenininha parece um haicai e foi feita especialmente Sofia, eu estou falando com você pára um pouco vamos lá fora eu leio e vou embora ou então aqui mesmo te leio no ouvido se você não entender a gente soletra, interpreta etc, etc, etc... nada, nada, nada, só pulava não ouvia uma palavra
Aí já alguma coisa me dizia
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que do jeito que ia indo ela nunca me ouviria essa era a verdade crua e fria que no meu peito doía
Sofria! Sofria! e foi sofrendo que eu cheguei nessa agonia de hoje em dia fico aqui pensando onde é que estou errando
Será que é o conceito de poesia ou é defeito da Sofia?
Ainda vou fazer novos haicais reduzindo um pouco mais todos muito especiais ah, Sofia vai gostar demais!
Antes de começar a canção, Duncan cita uma frase de Tatit para introduzi-
la: “Dois presentes de avô, um rádio de pilha e um violão, lançaram-me no mundo da
canção e livraram-me, em parte, do tédio e dos temores da infância. Com o tempo
eu percebi que as melodias das canções não têm origem, propriamente, musical.
Elas são sugeridas pelas espontâneas entoações da fala. Todos nós, falantes da
língua, produzimos canções, só que a gente esquece.”.
O personagem interpretado deseja, desesperadamente, que uma garota,
chamada Sofia, lhe dê atenção e ouça um haicai feito para ela, porém, Sofia, não lhe
dá atenção e, mesmo assim, o personagem não perde a esperança de um dia ela
ouvi-lo.
A tensão da canção se dá pelo o auxílio de instrumentos musicais que ora
se mescla com o canto ora com a fala.
Há também uma jogada com o nome Sofia e a palavra sofria.
6. Banzo
E aí, Matilde como está? Penso que já está habituada não sente mais minha falta?
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não sente? Eu também não sinto nada
Tô te escrevendo apenas por acaso ia passando vi sua foto me deu banzo sabe dessas crises de saudade e nostalgia já não tinha isso há muitos dias escrever procê foi uma prova se cê pensa que foi fácil foi fácil uma ova eu fiquei lá durante dias mergulhado num dilema escrevo, não escrevo escrevo, não escrevo escrevo!
'té que valeu a carta ficou boa dá procê ver que eu sou outra pessoa! também eu tava muito alucinado né, matilde? Eu via o seu vulto toda noite! Hoje quando vejo já nem ligo eu converso com seu vulto hoje somos bons amigos
Cê não sabe eu estou mais calmo e totalmente envolvido com o trabalho já tenho outra menina não é linda mas já dá pra quebrar o galho
Ainda não temos problemas de casal tudo que eu faço ela ainda acha legal é que no começo é assim mesmo né, matilde? É só depois que vira um temporal
Enfim, matilde a minha transa é esta você acha que dá certo ou cê acha meio besta?
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Pode falar você só vai 'tar me ajudando eu nem 'tou muito empolgado aliás já é tempo de você me contar tudo do seu lado que que cê faz na hora de dormir cê pensa em alguém por exemplo, pensa em mim? Pode me dizer com sua franqueza de costume não tenho mais nenhum ciúme e se você já tem outro carinha quero que jogue no fogo essas mal traçadas linhas!
Esta canção, na verdade, é uma carta falada. O personagem que escreve
para sua ex, Matilde, descreve como está sua vida e revela que sente saudade do
passado.
Também, conforme a leitura da carta existe a junção de canto e fala
nitidamente.
Sendo uma carta, a linguagem apresentada é bem informal, como se
estivesse sendo falada, como no trecho:
“'té que valeu
a carta ficou boa
dá procê ver
que eu sou outra pessoa!”
7. Olhando a paisagem
Odete me deixou lá fora olhando a paisagem Foi dar uma voltinha, fazer qualquer coisa Ê Odete, toda enigmática Nunca diz aonde vai
Mas bem que ela foi inteligente mostrando a paisagem Pois eu não estava fazendo nada mesmo Imagine que coisa tediosa ficar ali esperando Sem ter o que olhar
No entanto não tinha sentido ela demorar tanto Deixando-me ali horas e horas Anoitecia, passavam-se os dias E nada de Odete voltar
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Até que eu fiquei desconfiado que algum imprevisto Algum contratempo tivesse afligido Odete Foi a conta! Entrei pra dentro e comecei a telefonar Liguei pra um monte de gente E todos foram unânimes Infames! Tentavam me convencer Que Odete não ia voltar E pediam pra que eu desistisse Que desistir uma pinoia! Eu respondia Vai voltar, sim!
Então me acalmei bem depressa olhando a paisagem Pois não dá outra, tem que esperar mesmo Ela disse: "vou dar uma voltinha, Fazer qualquer coisa, já volto"
É claro que nem sempre sai como a gente planeja Vou até ali já volto... não volta! Não controla, acontecem mil coisas Você acaba se envolvendo
O que me intrigava na história é que o tempo passava Passava e já tinha um mês e meio E olha que isso é muito! Pra quem espera o tempo passa devagar
Mas quando eu já estava no auge da desilusão e da desesperança Quem é que aparece? Quem é que pinta na minha paisagem? Quem é que vem segurando um pacote? Quem é que pede pra eu dar uma mãozinha? Quem é que me aperta, me abraça e me dá um beijo, quem é? Quem é que chega com a cara cansada E no entretanto ainda topa fazer um café? Quem é? Quem é? Quem é? Vamos, respondam só isso:
ODETE!
Exatamente!
Esta canção é mais falada do que cantada, uma vez que, o personagem
descreve sua longa espera por sua amada, Odete. Nos pontos de mais tensão há o
auxílio dos instrumentos musicais e os trechos são cantados.
O trecho abaixo, na peça, a resposta “Odete” é dada pele plateia, criando
uma interação com o público:
“Vamos, respondam só isso:
ODETE!”
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8. Época de sonho
Vera, eu tive um sonho com você...
Nossa! Sabe a venda?
Eu estava lá na porta
E ouvia você cantando
Mas cantando mesmo!
"O que que deu na Vera", eu pensava
Ela nunca foi disso
E será que é ela mesmo? Xii...
Vai ver que ela está distraída
Pois nem é época de cantoria
Eu fui me aproximando
Queria ver seu rosto de perto
E vi. Você estava tão feliz!
Quer que eu conte?
Você estava tão feliz
Que eu pensei que você fosse explodir
E eu achei estranho
Nós nem estamos em fase de felicidade
O que é que deu na Vera
Então fui perguntar: ô Vera!
Vera, o que é que há com você?
Nossa!
Você estava tão entretida
Que só cantava, dançava e dizia:
"Cê não vê? É que eu estou, enfim, apaixonada!"
Vê que absurdo, Vera!
E nem é época de paixão.
O personagem conta para outra personagem, Vera, que havia sonhado com
ela. Nesse sonho, Vera cantava muito, pois alegava estar apaixonada.
Esta canção é quase toda falada, sendo cantada na parte em que Vera diz
estar apaixonada.
9. De favor
Fui viver de favor Nesse seu coração Me alojei num lugar Que é talvez um porão Não tem luz não tem cor Mas tem ar do pulmão
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Fui viver em você Nesse lar da paixão Mesmo assim no fundão Quando o amor não vem não Posso bem cultivar Minha doce ilusão
Se você tem palpitação Eu quase entro em convulsão Mas percebendo como são Os seus ruídos Que chegam sem parar Aos meus ouvidos Eu tento imaginar Que é um cupido Que vem no sangue bom E que uma flecha foi lançada Bem na minha direção
Embora de favor Morar num coração É íntimo demais E o ritmo que faz De cada batimento Promessa do momento É ótimo sentir Poético ouvir O som que vem do fundo Do músculo que é um dos Últimos locais De sonho dos casais Embora no porão Morar num coração Refaz
O personagem diz ter ido morar no coração da pessoa amada. Esta canção
é toda cantada. A própria voz e os sons de fundo auxiliam na mudança da melodia.
10. Dodói
Eu ando tão dodói Mas tão dodói Que quando ando dói Quando não ando dói Meu corpo todo dói Tendão dói Dedão dói Pomo-de-adão dói Ouvido dói Libido dói Fígado dói Até meu dom dói Pois quando canto Não importa o tom dói
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Esta canção é de Luiz Tatit e Itamar Assumpção.
Antes da canção começar, Duncan cita mais uma fala de Tatit: “Depois de
muito tempo encontrei-me com Itamar Assumpção num show de Zélia Duncan. Eu
sabia que ele já estava doente, mas naquela noite parecia muito bem, com uma
energia invejável. Passou por mim quase correndo e disse, “Vou te ligar para
fazermos umas parcerias”. Fiz um aceno positivo e provavelmente uma expressão
entre espanto e incredulidade. Mas, dias depois, o compositor de Negô Dito me ligou
e disse “Anota aí”, eram uns versos que acabara de fazer ditados por telefone.”.
Esta canção relata a época em que Itamar Assumpção estava doente. É
interpretada de forma sofrida, como se o personagem estivesse mesmo com todo
tipo de dor.
11. Eu sou eu
Você reclama que eu estou tão diferente você não sabe o que diz, é evidente como é que pode, de repente, alguém ficar tão diferente diferente de quê, como é que dá pra saber? só eu que sei, eu que vivo o tempo todo comigo o tempo todo, não digo mas o bastante pra me reconhecer
Eu estou aqui pra provar que eu sou eu vim desfazer essa dúvida cruel pois só de te mostrar que não sou outro eu já me sinto outro, já valeu
Você diz que eu já não sou mais aquele passa por mim e pergunta "quem é ele?" como é que pode alguém deixar de ser aquele que já foi se quem já foi ainda é enquanto vive ainda é pode dizer o que quiser mas se ta aí é porque é nem é preciso ter fé pois se tem corpo, cheiro, alma, voz, qualé
Eu estou aqui pra provar que eu sou eu vim desfazer essa dúvida cruel pois só de te mostrar que não sou outro eu já me sinto outro, já valeu
Mas mesmo eu que sou eu tive receio se não sou eu, nem sou outro, estou no meio como é que fica a minha imagem individual e social
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apresentando-me assim, sou diferente de mim mas sou eu mesmo no fim isso não cola é ruim quem é que crê nisso aí? é preferível dizer então esqueça
Eu estou aqui pra provar que eu sou eu vim desfazer essa dúvida cruel pois só de te mostrar que não sou outro eu já me sinto outro, já valeu.
Antes de começar a canção, Duncan fala um pouco sobre sua experiência
musical e como alguns músicos de São Paulo influenciaram seu repertório artístico.
A fala de Duncan pode servir como uma introdução do que traz a letra desta canção.
Esta letra aborda a temática da identidade. O personagem afirma ser o
mesmo de sempre, mesmo que terceiros o julguem diferente do que ele costumava
ser.
12. Sem destino
Tudo que era o meu destino Na verdade nunca me aconteceu Pode ter acontecido Pra alguma pessoa Mas não era eu Vivo assim na vida sem previsão Todo mundo tem destino, eu não Nunca os fatos são de fato fatais Não confio na fortuna jamais Puro por acaso e nada mais Tudo que já estava escrito No meu caso nunca se concretizou Só talvez o aniversário Que é na mesma data E não se alterou Era pra eu já ter encontrado um amor Era pra eu já ter esquecido o anterior Era pra eu já ter aprendido a sonhar Era pra eu correr o mundo e voltar Mas viagem sem destino, não dá Quero minha sina Quero minha sorte Quero meu destino Quero ter um norte Quero ouvir uma vidente Que me conte tudo Só esconda a morte
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Quero uma certeza mínima Que se confirme Que não seja trote Por não ter o meu destino Vivo em desatino Como d. Quixote Quem não tem o seu destino Chega a noite Pensa que tudo acabou Se levanta muito cedo Nunca sabe bem Por que que levantou Nada tem urgência para cumprir Pode virar do outro lado e dormir Pode ficar nessa até o entardecer Todos os amigos vão entender Levantar sem ter destino Pra quê? Ser assim tão sem destino Me preocupa muito Me deixa infeliz Sempre quis o meu destino Foi o meu destino Que nunca me quis Mesmo algum sucesso que ele previu Era pra me revelar, desistiu Acho que ele foi atrás de outro alguém Pois destino tem destino também E só revela aquilo que lhe convém.
Esta canção é acompanhada do violão e teclado. A melodia e a voz
constroem a canção.
O personagem relata uma vida sem destino, uma vida que parece estar
presa no passado e sem a existência de um futuro possível. Entretanto, também
existe a vontade do personagem em ter um destino.
As mudanças durante a letra são realizadas por oscilações na voz e na
melodia com auxílio dos instrumentos.
13. Quando eu morrer quero ficar
Quando eu morrer quero ficar Quando eu morrer quero ficar, Não contem aos meus inimigos, Sepultado em minha cidade, Saudade. Meus pés enterrem na rua Aurora, No Paissandu deixem meu sexo,
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Na Lopes Chaves a cabeça Esqueçam. No Pátio do Colégio afundem O meu coração paulistano: Um coração vivo e um defunto Bem juntos. Escondam no Correio o ouvido Direito, o esquerdo nos Telégrafos, Quero saber da vida alheia, Sereia. O nariz guardem nos rosais, A língua no alto do Ipiranga Para cantar a liberdade. Saudade... Os olhos lá no Jaraguá Assistirão ao que há de vir, O joelho na Universidade, Saudade... As mãos atirem por aí, Que desvivam como viveram, As tripas atirem pro Diabo, Que o espírito será de Deus. Adeus.
Este é um poema de Mário de Andrade e introduz a próxima música, uma
vez que cita alguns bairros de São Paulo, assim como a próxima canção de Tatit.
A apresentação do poema se dá pela palavra declamada.
14. Esboço
Cara de palhaço Pinta de boneco Pula o tempo todo Não dá nem uma parada Parece até ligado Na tomada Todo emocionado Com a própria brincadeira Qualquer coisinha cai Na choradeira Uns dizem que é homem Outros que é mulher Dizem que é velho Por isso pinta a cara Pinta porque é moço Pinta porque é velho Pinta porque é macho
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Pinta por capricho Não é por nada disso Não é homem, não é mulher Ele é um bicho E ele passeia, passeia Passeia como se fosse um turista E cumprimenta todo mundo Que freqüenta a Bela Vista E mesmo que ele esteja sem dinheiro Dá uma passadinha nos botecos de Pinheiros Chega com uma cara que dá pena Mas é gente muito boa Lá da Vila Madalena Sempre sobra um copo de cerveja Fica tão contente Mas não quer que ninguém veja Então procura o centro da cidade Na Liberdade Lá ele aparece algumas vezes Lá os seus amigos são chineses Canta umas canções em pot-pourri E o pessoal morre de rir E no fim da noite Dá o último giro No Bom Retiro Meio delirante Meio inconseqüente Muito colorido Um destaque na paisagem É todo uma figura Um personagem Não adianta perder tempo Desprezando a sua imagem Pois nunca ele ligou Pra essas bobagens Corpo de moleque Corpo de borracha Todo amolecido Dobra tudo Nada racha Dizem que é um esboço Que é alguém de carne e osso Dizem que é um colosso Por dentro e por fora É gente como a gente A gente sente Pois se aperta ela chora E ele vagueia, vagueia Vagueia como se fosse um cachorro Avança, volta um pouco Chegando até Socorro Lá ele não conhece muita gente Então pega a Marginal, o Jóquei Clube E segue em frente Gosta de entrar um pouco na USP Gosta de sentir que é estudante
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Mesmo que não estude ele embroma Com tanta perfeição Que sempre sai com um diploma E vem pra casa então todo feliz Em Vila Beatriz Tem os seus horários de paquera Tem o seu lugar no Ibirapuera Tem o seu amor em Santo Amaro Que ele encontra pelo faro E tem um gosto muito próprio E muito raro Balança a cabeça Mexe o coração Passa pela Penha Pela Lapa, pelo Brás E já não sabe bem mais O que faz Todo envergonhado Quando encontra uma criança Perde o rebolado Sempre dança Tido como louco Fala muito pouco Pula, gesticula Flexível, inquebrável Vai ver que ele é amável Vai ver, é provável Vai ver que ele é uma fera Vai ver que ele devora Vai ver que cê chegando Bem pertinho, dando um sopro Ele evapora.
Esta canção é um esboço de São Paulo. O personagem passeia pelos
principais pontos da cidade durante a canção. Seus atos sempre são relatados em
3ª pessoa do singular.
Duncan mescla sutilmente em alguns momentos o canto e fala.
15. Felicidade
Não sei porque eu tô tão feliz Não há motivo algum pra ter tanta felicidade Não sei o que que foi que eu fiz Se eu fui perdendo o senso de realidade Um sentimento indefinido Foi me tomando ao cair da tarde Infelizmente era felicidade Claro que é muito gostoso Claro que eu não acredito Felicidade assim sem mais nem menos é muito esquisito
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Não sei porque eu tô tão feliz Preciso refletir um pouco e sair do barato Não posso continuar assim feliz Como se fosse um sentimento inato Sem ter o menor motivo Sem uma razão de fato Ser feliz assim é meio chato E as coisas nem vão muito bem Perdi o dinheiro que eu tinha guardado E pra completar depois disso Eu fui despedido e estou desempregado Amor que sempre foi meu forte Não tenho tido muita sorte Estou sozinho, sem saída, sem dinheiro e sem comida E feliz da vida!!! Não sei porque eu tô tão feliz Vai ver que é pra esconder no fundo uma infelicidade Pensei que fosse por aí, fiz todas terapias que tem na cidade A conclusão veio depressa e sem nenhuma novidade O meu problema era felicidade Não fiquei desesperado, não, fui até bem razoável Felicidade quando é no começo ainda é controlável Não sei o que foi que eu fiz Pra merecer estar radiante de felicidade Mais fácil ver o que não fiz Fiz muito pouca aqui pra minha idade Não me dediquei a nada Tudo eu fiz pela metade, porque então tanta felicidade E dizem que eu só penso em mim, que sou muito centrado Que eu sou egoísta Tem gente que põe meus defeitos em ordem alfabética E faz uma lista Por isso não se justifica tanto privilégio de felicidade Independente dos deslizes dentre todos os felizes Sou o mais feliz Não sei porque eu tô tão feliz E já nem sei se é necessário ter um bom motivo A busca de uma razão me deu dor de cabeça, acabou comigo Enfim, eu já tentei de tudo, enfim eu quis ser conseqüente Mas desisti, vou ser feliz pra sempre Peço a todos com licença, vamos liberar o pedaço Felicidade assim desse tamanho Só com muito espaço!
Logo que a canção anterior termina, Duncan interpreta esta outra canção,
porém utilizando a palavra falada e a capela. O que faz a melodia acontecer é a
entoação da voz.
Este personagem descreve sua felicidade sem motivo e sua busca para
entender o porquê disso.
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16. Rodopio
Ah, tem que ser Tem que ser hoje que eu vim Que eu vim com tudo que tem Que tem haver com você Você bem sabe que sim Que simplesmente é assim Assim que vejo você Você de frente pra mim Eu me arrepio Grito, pulo, assobio Gesticulo e rodopio E vou girando Até cair no meio-fio Olho pra você, sorrio Mas você não dá um pio Na verdade eu fiz de tudo E "cê" não viu, não viu, não viu Tá provado que não viu Eu dei um grito e um rodopio Mas você se distraiu É que eu "to" achando Que tem mais do que isso Você deve estar vivendo Um momento difícil Momento que não quer compromisso É isso! Como que eu não me toquei muito antes Daqui há pouco "cê" terá seus momentos sadios Querendo de volta os meus rodopios Ah, tem que ser Tem que ser hoje que eu vim Que eu vim com tudo que tem Que tem haver com você Você bem sabe que sim Que simplesmente é assim Assim que vejo você Você de frente pra mim Eu me arrepio Grito, pulo, assobio Gesticulo e rodopio E vou girando Até cair no meio-fio Olho pra você, sorrio Dessa vez você me viu Tá na cara Pois você também sorriu Me viu, me viu Pois você também sorriu Agora vou contar pra todos Vou espalhar pelo Brasil!
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A melodia desta canção se dá pela entoação da voz e pelo auxílio dos
instrumentos e sons.
O personagem relata sua reação ao ver a pessoa amada, reação de
ansiedade com felicidade, principalmente quando esta pessoa o vê.
A linguagem é bem informal, como no trecho:
“E "cê" não viu, não viu, não viu
Tá provado que não viu.”
17. Essa é pra acabar
Sempre foi difícil terminar Sempre é um suplício esse momento Mas temos que acabar Não adianta essa demora Se tudo acaba um dia Então porque que não agora Vamos entender esse momento Vamos acabar enquanto é tempo Tocando e cantando O tempo vai passando A gente entra numas De repente é o fim do ano Essa é pra acabar Foi feita só pra isso É pra lembrar vocês Que existem outros compromissos Não serve pra ouvir e deixar feliz Feliz da vida Não serve pra cantar porque ela É até meio comprida Não serve pra dançar Não serve pra entreter Aí você me pergunta Mas então serve pra quê? Serve pra acabar Não tem outro sentido É pra acabar com o show Ou destruir o nosso ouvido É pra acabar com a história Que esse show tá meio chocho É bom acabar com isso Que dá ódio, deixa roxo Isso não é orquestra Não é uma filarmônica Temos que acabar como se fosse bomba atômica Acho que agora exagerei Mas deu pra entender O que eu quis dizer?
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Tem hora que é do show Tem hora que é da vida E os dois estão ligados Pela porta de saída E nem é uma questão só de entender Vocês também têm mais o que fazer Ficando por aqui A coisa é enfadonha Acaba o repertório E a gente fica com vergonha Essa é pra acabar Pra dar o ponto final É pra romper de vez Nosso cordão umbilical Nós vamos conseguir Se todos, todos cooperarem Até o iluminador já disse: Parem! Parem! Parem! Temos que parar Parar com esse inferno Temos que evitar Que esse show se torne eterno Essa é pra acabar Não temos outra escolha É como se tivesse que estancar O show com rolha Se a gente for deixar Isso não acaba, vira inércia Eu sei porque eu já vi Eu já tive essa experiência Tem que dar um fim Também não é bom pra mim Mas é a realidade Que nos faz agir assim Essa é pra acabar Então que acabe logo Que eu já não aguento mais Se isso não acaba eu me sufoco Tchau, tchau, tchau...
Nesta última canção, Duncan inicia sua interpretação utilizando a palavra
falada e a cantada a capela. Mais uma vez, as melodias da fala e da canção são
justapostas.
Quando começa o refrão, ela volta a utilizar a palavra cantada acompanhada
pelos instrumentos musicais. Entretanto, ainda há oscilação entre canto e fala.
Esta última canção, Duncan diz na peça, é realmente para acabar. Além de
a letra ser sobre o fim de algum show ou espetáculo, é, também, utilizada para
encerrar a peça.
65
IV – METODOLOGIA
Neste capítulo serão apresentados os processos metodológicos da
pesquisa. São considerados o sujeito da tarefa de produção, os sujeitos de tarefa de
percepção, o corpus da pesquisa, as medidas acústicas realizadas por meio da
aplicação do script ExpressionEvaluator (BARBOSA, 2009), a medição da duração
das pausas silenciosas do texto nos estilos de fala cantada, falada e declamada e
dos enunciados gravados utilizados para a aplicação do questionário de diferencial
semântico aplicado.
4.1. OS SUJEITOS DE PESQUISA
O sujeito de tarefa de produção escolhido foi uma cantora profissional de 51
anos de idade que iniciou sua carreira em 1986, e trabalha solo desde 1999. Atua
em gravação de jingles e backing vocal em estúdio e é professora de canto erudito e
popular.
Os sujeitos, juízes da tarefa de percepção, que consistiu de um questionário
de diferencial semântico, eram alunos da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, cursando licenciatura em Letras-Inglês, Comunicação e Multimeios e
mestrado e doutorado no programa LAEL (Linguística Aplicada e Estudos da
Linguagem). Ao todo participaram 50 juízes.
4.2. CORPUS DE PESQUISA
Como corpus deste estudo foi selecionado o texto Sonhei da peça
Totatiando. Acreditamos que a escolha do corpus se deu por ser uma canção que
seria mais adequada para a gravação nos três estilos de palavra, tanto por sua
melodia, quanto pela letra. A seguir apresentamos a transcrição desse texto.
Sonhei que estava dentro do seu sonho E não podia me expressar Meu sonho era tão tímido e confuso
66
Mal consigo recordar Seu sonho sim causava sensação Brilhante como poucos sonhos são Seu sonho tinha tudo resolvido Tudo fazia sentido Mesmo sem interpretação Meu sonho estava ali tão deslocado Um simples conteúdo sublimado Se ao menos pra livrar-me desse estado Alguém tivesse me abordado Mas tive a sensação que foram horas Foram dias foram meses Em que tive o privilégio De estar sempre ao seu lado É claro que seria bem melhor Se você tivesse reparado Mas nada no meu sonho Abalava o seu ar imperial Meu sonho estava dentro do seu sonho Que era o sonho principal Sonhei que nem mesmo dentro do seu sonho Haveria solução Sonhei que achei um meio infalível De chamar sua atenção Sonhei que não havia mais ninguém Você iria então olhar pra quem? Sonhei que estando ali tão disponível Sendo o único possível tudo acabaria bem Sonhei que você veio pro meu lado Meu coração bateu descompassado Sonhei que seu olhar no meu olhar Já estava um pouco desfocado Sonhei que pressenti alguma coisa Que corri ao seu encontro Que por mais que eu corresse Chegaria atrasado Sonhei que nosso encontro foi etéreo Você tinha evaporado Mas tenho que dizer Sonhei o sonho que sempre sonhara sonhar Você, sentindo a força do meu sonho Fez de tudo pra acordar.
4.3. A GRAVAÇÃO DO TEXTO
O texto foi gravado em três estilos: canto à capela, leitura e declamação,
constituindo as palavras cantada, falada e declamada, objetos de nossa pesquisa.
67
A gravação foi realizada em ambiente silencioso, por meio do gravador de
Ipad versão 9.3.5 (13g36), modelo md371 br/a, com uma distância de 60 cm entre o
equipamento e a boca.
Após a gravação, os áudios foram convertidos para arquivos .wav para que
pudessem ser editados no programa PRAAT, desenvolvido por Paul Boersma e
David Weenink, versão 6.0.20, da Universidade de Amsterdã.
Com os arquivos sonoros convertidos, foi realizada a edição. Intervalos de
silêncio foram inseridos antes e depois de cada verso para formar os estímulos para
o questionário de diferencial semântico.
Após a edição, foram realizadas as segmentações dos arquivos sonoros.
Foram segmentados os trechos de pausa silenciosa e os trechos vozeados, para
posterior medição de durações. Os trechos foram segmentados seguindo as
instruções apresentadas no Manual de Fonética Acústica Experimental (BARBOSA
e MADUREIRA, 2015).
4.4. MEDIÇÃO DAS PAUSAS SILENCIOSAS E DOS ENUNCIADOS E OS
TRECHOS SELECIONADOS
A partir da gravação do texto Sonhei nos três estilos de palavra, foi feita a
medição da duração das pausas silenciosas e da duração dos trechos de canto, fala
e declamação em milissegundos (ms) nas produções de cada verso por meio do
programa PRAAT.
Após a realização das medições, foram selecionados trechos em cada um
dos estilos para serem julgados com base no questionário de diferencial semântico.
Esses trechos foram escolhidos por terem uma duração semelhante. A seguir,
relacionamos os dez trechos escolhidos:
1 Sonhei que estava dentro do seu sonho E não podia me expressar
68
2 Meu sonho era tão tímido e confuso Mal consigo recordar
3 Seu sonho tinha tudo resolvido Tudo fazia sentido, mesmo sem interpretação
4 Sonhei que você veio pro meu lado Meu coração bateu descompassado
5 Meu sonho estava dentro do seu sonho Que era o sonho principal
6 Sonhei que havia um jeito infalível De chamar sua atenção
7 Sonhei que estando ali tão disponível Sendo o único possível, tudo acabaria bem
8 Sonhei que nosso encontro foi etéreo e Você tinha evaporado
9 Sonhei que seu olhar no meu olhar Já estava um pouco desfocado
10 Você, sentindo a força do meu sonho Fez de tudo pra acordar
4.5. QUESTIONÁRIO DE DIFERENCIAL SEMÂNTICO
Após a seleção dos recortes do texto, os descritores selecionados levaram
em consideração três aspectos: a musicalidade, a emoção e o envolvimento. Para
avaliar esses aspectos, foram escolhidos três descritores: melodioso, comovente e
cativante, cabendo aos juízes, em sua avaliação auditiva dos enunciados, considerar
o quão esses aspectos os afetam.
A escolha dos descritores foi baseada nas características expressivas
abordadas no capítulo da fundamentação teórica desta tese. O descritor melodioso
69
remete à questão da entoação (TATIT, 1996), o comovente ao aspecto comotivo e o
cativante ao trabalho entre som e sentido que promove a expressividade oral.
Para o estudo do texto nos estilos de palavra cantada, falada e declamada
foram utilizados 3 descritores, variando em 5 graus. O questionário de diferencial
semântico foi aplicado a um grupo de 30 juízes que julgaram produções de fala,
canto e declamação de enunciados selecionados do texto.
Os juízes ouviram os enunciados e, a partir da impressão que a sonoridade
desses enunciados lhes causou, os juízes avaliaram, com a utilização dos
descritores e da escala de graus de 1 a 5, os efeitos impressivos provocados por
cada enunciado. A apresentação dos enunciados foi feita de maneira aleatória e as
respostas dos juízes foram anotadas por eles em um formulário fornecido pelo
pesquisador.
A seguir, apresentamos as instruções para a realização da tarefa de
avaliação perceptiva e o questionário de diferencial semântico que construímos para
o propósito do nosso estudo.
AVALIAÇÃO
Escute os arquivos sonoros e avalie a sensação que esses lhes transmitem em relação aos aspectos mencionados (melodioso comovente e cativante). Avalie também o grau em que essa sensação se manifesta (de 1 a 5: grau 1 pouco; grau 5 muito).
1 2 3 4 5
Melodioso
Comovente
Cativante
70
4.6. ESTUDOS DAS CARACTERÍSTICAS ACÚSTICAS
Para analisar as características acústicas dos 30 enunciados, foi utilizado o
script ExpressionEvaluator desenvolvido por BARBOSA (2009) rodado no PRAAT.
Os parâmetros gerados automaticamente pelo script consideram medidas de
frequência fundamental (f0), tais como mediana, semiamplitude entre quartis,
assimetria e quantil 99,5%, e 1ª derivada de f0 (média, desvio padrão e assimetria),
intensidade (assimetria), declínio espectral (média, desvio padrão e assimetria) e
espectro de longo termo - ELT (desvio padrão).
As medidas extraídas são apresentadas a seguir:
1. mednf0: mediana de f0: mede a f0 habitual do falante;
2. sampquartisf0: semiamplitude entre quartis de f0: mede a variação dos
valores de f0;
3. quan995f0: quantil 99,5% de f0: medida usada para encontrar o limite superior
de f0 do falante;
4. assimf0: assimetria de f0: mede a assimetria de distribuição de f0;
5. medderivf0: média da derivada de f0: mede a taxa de variação e, também,
considera sua velocidade;
6. desvpaddf0: desvio padrão da derivada de f0: medida de dispersão de acordo
com a alternância da taxa de variação de f0;
7. assimdf0div10: assimetria da derivada de f0: examina relações de como os
desvios em relação à média são agrupados, se a esquerda ou a direita;
8. assimint: assimetria de intensidade: mede a intensidade normalizada;
9. medinclinespec: média de declínio espectral: média dos valores da proporção
de intensidade. Leva-se em consideração como medida do nível de tensão laríngea.
10. desvpadinclinespec: desvio padrão de declínio espectral: mede o desvio
padrão de declínio espectral;
71
11. assiminclinespec: assimetria de declínio espectral: mede a assimetria de
distribuição das medidas de declínio espectral;
12. slopeLTAS: desvio padrão de espectro de longo termo - ELT: desvio padrão
das medidas normalizadas de intensidade ao longo de intervalos de frequências.
4.7. TESTES ESTATÍSTICOS: A ANÁLISE MULTIDIMENSIONAL
Os resultados do questionário de diferencial semântico foram
correlacionados com os das medidas acústicas geradas pelo script
ExpressionEvaluator no ambiente do R (R Comander e FactoMineR), um programa
de desenvolvimento integrado usado para testes estatísticos, criado e mantido por
John Fox, do Departamento de Sociologia da Universidade McMaster, Ontário,
Canadá, com o apoio em testes estatísticos de análise multivariada. Foram
aplicados dois métodos: o PCA (Principal Component Analysis) e o MFA (Multiple
Factor Analysis),
O método PCA (Principal Component Analysis) foi criado pelo matemático
britânico Karl Pearson em 1901 e é utilizado para identificar a correlação existente
entre as características dos dados. Esse método tem como objetivo reduzir o
número de dimensões do conjunto de dados de modo que a interpretação possa ser
facilitada.
O método de análise de múltiplos fatores, MFA, é utilizado em grupos de
variáveis quantitativas e qualitativas e, pela interpretação dos resultados, é possível
verificar a dispersão entre as variáveis de cada grupo, assim como a
heterogeneidade entre os grupos (FONTES, 2014).
4.7.1. Procedimentos utilizados para a análise estatística
Para analisar os dados, primeiramente, criamos uma planilha Excel da
Microsoft com as variáveis estudadas. Foram registrados para cada um dos 30
enunciados os valores das medidas acústicas geradas pelo script
72
ExpressionEvaluator e os graus atribuídos pelos juízes aos descritores no
questionário de diferencial semântico.
Após a criação da planilha Excel, os dados foram exportados para um
arquivo .txt por meio do bloco de notas e lidos no ambiente do R. Primeiramente, foi
verificado se a distribuição dos dados era normal. Constatada a normalidade, foi
aplicado o PCA, com o qual foi realizada a análise de correlação e gerados as
tabelas e os gráficos.
Após a aplicação do PCA, foi criada uma nova variável qualitativa,
agrupando os estímulos por tipo de palavra (cantada, falada e declamada) e
realizada uma análise pelo MFA.
73
V – ANÁLISES
5.1. ANÁLISE PERCEPTIVA
As respostas dos juízes ao questionário de diferencial semântico foram
tabuladas para cada enunciado. Em seguida, foram calculadas as médias dos
valores atribuídos aos descritores pelos juízes e gerado o gráfico a seguir. Os
resultados em relação à canção são apresentados em azul, os da fala em vermelho
e os da declamação em verde.
Figura 06. Média dos valores atribuídos pelos juízes no questionário de diferencial semântico.
Fonte: o autor
O gráfico da Figura 06 mostra a média dos valores atribuídos pelos juízes
aos descritores para cada estilo de palavra. É possível constatar que em relação ao
descritor melodioso, o canto obteve um valor mais alto em comparação aos demais
estilos. Na declamação, os valores mais altos foram atribuídos aos descritores
“comovente” e “cativante”. Por fim, em relação à fala, o valor mais alto foi atribuído
ao descritor referente à comoção.
74
As pontuações mais baixas foram atribuídas, no caso do canto, ao descritor
“comoção”. Na fala e na declamação, entretanto, os valores mais baixos foram
atribuídos ao descritor “melodioso”.
Concluímos, assim, que a palavra cantada foi apontada como mais
melodiosa, a palavra falada mais comovente e a palavra declamada mais comovente
e cativante, já que os valores ficaram bastante próximos em relação a esses dois
descritores.
5.2. ANÁLISE ACÚSTICA
5.2.1. MEDIDAS GERADOS PELO SCRIPT
As medidas geradas pela aplicação do script ExpressionEvaluator
(BARBOSA, 2009) para cada enunciado nos três estilos de palavra são
apresentados na Tabela 01 a seguir.
Tabela 01. Dados gerados pelo script ExpressionEvaluator (Barbosa, 2009).
Enunciados mednf0 sampquartisf0 quan995f0 assimf0 medderivf0 desvpaddf0 assimdf0div10 assimint medinclinespec desvpadinclinespec assiminclinespec slopeLTAS
CE01 0,43 0,58 1,04 -0,05 0,67 0,23 -0,07 0,34 0,18 0,13 -0,99 1,62
CE02 -0,1 0,31 0,3 0,08 -0,57 0,24 0,41 0,24 0,25 0,15 -0,45 2,06
CE03 -0,15 0,21 2,77 0,07 -4,03 1,35 -0,28 0,49 0,26 0,17 -0,16 2,1
CE04 0,12 0,55 0,71 0,07 -0,41 0,36 0,23 0,5 0,22 0,13 0,32 1,49
CE05 0,13 0,25 0,6 0,25 0,22 0,18 0,58 0,43 0,25 0,17 0,79 1,63
CE06 -0,1 0,3 0,17 -0,04 -0,8 0,15 0,34 0,4 0,21 0,13 -0,06 1,56
CE07 -0,2 0,3 0,22 0,05 0,71 0,2 0,55 0,41 0,25 0,14 0,3 1,82
CE08 0,29 0,33 0,76 0,009 0,75 0,17 0,21 0,27 0,21 0,15 0,31 1,5
CE09 0,04 0,2 0,2 -0,27 -1,62 0,23 0,38 0,46 0,24 0,13 0,17 1,75
CE10 0,06 0,33 3,57 0,3 0,51 0,92 0,11 0,51 0,22 0,14 0,13 1,78
FE01 0,06 0,32 3,11 0,002 8,36 0,91 0,99 0,55 0,28 0,14 -0,17 2,5
FE02 -0,27 0,26 0,12 0,14 -0,4 0,21 0,42 0,48 0,29 0,23 -1,18 2,13
FE03 0,05 0,48 0,84 0,02 -0,7 0,28 0,36 0,52 0,31 0,16 -0,63 2,5
FE04 -0,13 0,37 1,11 0,18 -1,39 0,51 0,53 0,5 0,3 0,17 -0,25 2,22
FE05 -0,2 0,26 0,18 0,02 -0,46 0,26 0,27 0,6 0,28 0,17 -0,87 2,46
FE06 -0,21 0,4 0,44 0,12 -1,22 0,18 0,21 0,76 0,27 0,18 -0,54 2,27
FE07 0,07 0,62 1,09 0,02 -1,2 0,26 0,11 0,33 0,33 0,13 -0,01 2,25
FE08 -0,1 0,36 0,51 0,08 0,26 0,24 0,33 0,45 0,29 0,14 -1,74 2,27
FE09 0,02 0,42 0,67 -0,05 -1,54 0,61 -0,32 0,42 0,3 0,16 -0,25 2,39
FE10 -0,08 0,38 0,74 -0,06 -0,04 0,41 0,37 0,61 0,26 0,18 -0,39 2,56
DE01 0,65 0,88 1,54 -0,13 -2,36 0,8 0,05 0,58 0,26 0,2 -0,56 2,26
DE02 0,27 0,93 1,62 0,09 -0,81 0,63 -0,19 0,49 0,25 0,2 -0,48 2,21
DE03 0,27 0,74 1,25 0,02 -0,68 0,43 0,42 0,53 0,26 0,16 -0,38 2,32
DE04 0,24 0,66 1,22 0,03 -1,8 0,74 0,54 0,4 0,24 0,17 0,19 1,88
DE05 0,4 0,96 1,86 -0,03 0,2 0,58 -0,33 0,42 0,23 0,15 -0,76 2,05
DE06 -0,0004 0,6 1,41 0,05 -1,3 0,29 0,17 0,55 0,23 0,18 -0,64 1,85
DE07 0,28 0,92 1,85 0,08 -1,32 0,68 0,86 0,42 0,29 0,17 0,07 2,22
DE08 0,17 0,53 0,75 -0,07 -1,36 0,42 0,52 0,6 0,23 0,19 -0,33 2,17
DE09 0,35 0,69 1,31 -0,01 -1,14 0,41 0,6 0,44 0,26 0,18 0,27 1,87
DE10 0,15 0,95 2,14 0,09 -0,09 0,72 0,22 0,58 0,22 0,17 -0,46 2,09
Fonte: o autor
75
Os valores elencados na Tabela 01 foram submetidos á análise estatística
multidimensional. As correlações obtidas são consideradas a seguir.
5.5.2. Correlações entre as medidas acústicas e os resultados da avaliação perceptiva dos descritores semânticos
Para analisarmos as correlações existentes entre os três estilos de
palavras, levando em consideração as características acústicas geradas pelo script
ExpressionEvaluator e os graus atribuídos para os descritores pelos juízes, foi
aplicado o método de análise estatística multidimensional PCA.
Pela aplicação do método PCA foi possível averiguar como as palavras
cantada, falada e declamada foram agrupadas de acordo com suas características
acústicas e os resultados da avaliação perceptiva. No gráfico da Figura 07 a seguir,
apresentamos os agrupamentos dos enunciados analisados.
Figura 07. Dendograma com os agrupamentos dos 30 enunciados nos três estilos de palavra.
Fonte: o autor
76
Verifica-se no gráfico da Figura 07 que os 30 enunciados nos três estilos de
palavras foram distribuídos em seis agrupamentos.
No primeiro agrupamento, da esquerda para a direita no gráfico da Figura
07, os enunciados são todos referentes à palavra cantada. Dois enunciados da
palavra cantada, o de número 3 e o de número 10, entretanto, formaram um
agrupamento à parte. Abordaremos o enunciado de número 3 na seção 5.2.3 deste
capítulo.
No terceiro agrupamento, todos os enunciados referem-se à palavra
declamada. No entanto, o enunciado de número 26, referente à palavra declamada,
ocorreu no sexto agrupamento, o qual, à semelhança do quarto e quinto
agrupamentos, contêm enunciados referentes ao estilo de palavra falada.
No gráfico da Figura 08, a seguir, a distribuição dos agrupamentos pode ser
visualizada no mapa de fatores das dimensões 1 e 2.
Figura 08. Mapa de fatores das dimensões 1 e 2 pelo método PCA.
Fonte: o autor
77
Observa-se no gráfico da Figura 08 as nuvens de pontos formadas pela
distribuição dos enunciados nos seis agrupamentos, consideradas as dimensões 1 e
2 do espaço vetorial.
A escolha das dimensões deve ser considerada pela verificação da melhor
distância entre os estímulos de tal modo a permitir a validação (FONTES, 2014). De
acordo com Husson, Lê e Pagès (2011), para que as dimensões apresentem valores
relevantes, é preciso aplicar a somatória dos valores das duas dimensões
apresentadas no gráfico e correlacioná-la com o número de estímulos trabalhados.
No caso do nosso estudo, o valor obtido, que corresponde à somatória dos valores
da dimensão 1 da dimensão 2 foi 43,18, o que pode ser considerado adequado,
levando-se em consideração que tínhamos 30 estímulos e 15 variáveis, como é
demonstrado na tabela do Anexo I. Não consideramos as demais dimensões, pois a
consulta à tabela de variáveis independentes, que constitui o Anexo I, revelou que
os valores atingidos por essas dimensões apresentavam-se abaixo
dos valores mínimos estabelecidos na tabela. Se aumentássemos os números de
estímulos e o número de juízes, potencialmente obteríamos confiabilidade para
análise dos dados nas dimensões 3 e 4.
Os números dos enunciados da palavra cantada, que aparecem em preto no
gráfico da Figura 08, referem-se aos enunciados do agrupamento 1. Os enunciados
3 e 10, em vermelho, que fazem parte do canto, estão no agrupamento 2 e próximos
aos enunciados em verde do agrupamento 3 que se referem à declamação.
Os enunciados 12 e 14, em azul escuro, e o 11 formaram agrupamentos à
parte. O enunciado 26, por sua vez, que no gráfico anterior apareceu no
agrupamento da palavra falada, no gráfico da Figura 8, aparece no próprio
agrupamento referente à declamação, porém, ainda se aproxima ao agrupamento de
enunciados da fala.
Para entendermos o agrupamento nas dimensões 1 e 2 é preciso
correlacionar a nuvem de pontos com o gráfico da Figura 8 a seguir. Foram
calculados os valores de Zscore para cada variável apresentada nesse gráfico.
78
Figura 09. Distribuição dos descritores utilizados no questionário de diferencial semântico as características acústicas geradas pelo script.
Fonte: o autor
No gráfico da Figura 09 são apresentadas as projeções das variáveis da
pesquisa: os descritores utilizados no questionário de diferencial semântico e os
parâmetros acústicos. O gráfico mostra a representatividade de cada uma das
variáveis por meio de suas projeções nas dimensões 1 e 2 do espaço vetorial.
Quanto mais perto da borda está o vetor das variáveis, mais representativo
ele é da projeção do plano, como podemos observar em relação ao indicador do
descritor melodioso (Z.ME), que está bastante próximo da borda, revelando assim,
que a esse descritor foi atribuído pelos juízes um valor alto que se revela na maior
projeção dos vetores.
Essa variável está no espaço onde foram agrupados os enunciados da
palavra cantada como pudemos verificar anteriormente na Figura 09. Em oposição,
temos a variável do desvio padrão de espectro de longo termo – ELT (slopeLTAS).
Portanto, no eixo X, quanto mais melodioso, menor o declínio espectral e vice versa.
No eixo Y, as variáveis com maior influência são a semiamplitude entre quartis de f0
79
(sampquartisf0), o desvio padrão da derivada de f0 (desvpaddf0) e o quantil 99,5%
de f0 (quan995f0).
O descritor cativante (Z.CAT) também apresenta representatividade e
influencia a distribuição dos enunciados da declamação e do enunciado 10 que,
como explicamos anteriormente, compreende uma parte declamativa e outra
cantada. Para esses mesmos enunciados, o descritor comovente (Z.COM), por outro
lado, apesar de não ser tão representativo, associa-se ao descritor cativante.
Influenciando no agrupamento dos enunciados da fala, como podemos
observar pela confrontação dos gráficos das Figuras 08 e 09 é possível observar
que a média de declínio espectral (medinclinespec), apresenta maior
representatividade do que as variações de f0.
5.2.3. Agrupamento dos estímulos por tipo de palavra
Para uma verificação do agrupamento dos estímulos por estilo de palavra,
uma nova variável qualitativa foi criada para cada conjunto de enunciados,
compreendendo, portanto, a classe dos enunciados de 1 a 10 da palavra cantada,
de 11 a 20 da palavra falada e de 21 a 30 da palavra declamada. Incluída essa nova
variável, aplicou-se o método MFA que gerou, como mostramos a seguir, o
dendograma da Figura 10, no qual é possível observar os agrupamentos dos três
tipos de palavras.
80
Figura 10. Dendograma com o agrupamento dos três estilos de palavra.
Fonte: o autor
Do enunciado de número 1 ao enunciado de número 10, temos a palavra
cantada, do enunciado de enunciado de número 11 ao enunciado de número 20, a
palavra falada, e do enunciado de número 21 ao enunciado de número 30, a palavra
declamada.
Com o método MFA, a distinção entre os estilos de palavras ficou melhor
evidenciada como podemos verificar na Figura 11, a seguir.
81
Gráfico da Figura 11. Mapa de fatores das dimensões 1 e 2 pelo método MFA.
Fonte: o autor
Nas dimensões 1 e 2 da Figura 11, os três estilos de palavras foram
separados igualmente em três agrupamentos. No primeiro agrupamento, com os
enunciados de 1 a 10, estão os enunciados referentes à palavra cantada. No
segundo agrupamento, com os enunciados de 11 a 20, estão os enunciados
referentes à palavra falada; e, no terceiro agrupamento, com enunciados de 21 a 30,
estão os enunciados referentes à palavra declamada.
O enunciado 3, assim como apresentado no método PCA, apesar de fazer
parte do canto, está um pouco afastado do seu agrupamento, se comparado com os
demais enunciados. Isso ocorreu devido a dois fatores: as respostas dos juízes no
questionário de diferencial semântico e os parâmetros acústicos analisados.
Pela resposta dos juízes, esse enunciado foi classificado como mais
melodioso, como os outros enunciados do canto, porém, em relação aos descritores
comovente e cativante, obteve um valor próximo aos enunciados da palavra
declamada.
82
Comparados os slopes de LTAS, por meio do programa PRAAT, verificamos
que o estilo de palavra cantada apresentava maior intensidade nas frequências por
volta de 3.000 Hz, fato que remete ao formante do cantor (SUNDBERG,1995).
5.2.4. As pausas silenciosas
A medição da duração das pausas entre os enunciados foi realizada para
que fossem verificadas as diferenças de produção entre os três estilos de palavras.
O uso da pausa silenciosa diferenciou a produção dos três tipos de palavras.
Na produção da palavra cantada foram realizadas 26 pausas silenciosas,
tendo a mais longa a duração de 3270 milissegundos e a mais curta a de 338
milissegundos.
Na produção da palavra falada, 23 pausas silenciosas foram realizadas,
tendo a mais longa a duração de 1860 milissegundos e mais curta a de 358
milissegundos.
Por fim, a produção da palavra declamada apresentou o maior número de
pausas: um total de 51 pausas silenciosas. A pausa mais longa teve a duração de
2852 milissegundos e a mais curta a de 203 milissegundos.
Por meio da verificação das pausas existentes na construção das palavras
cantada, falada e declamada é possível diferenciar os três estilos (Ver Anexo II).
Por meio de uma análise no PRAAT, foi possível identificar que na produção
das palavras cantada, falada e declamada houve diferenças quanto à duração dos
enunciados.
Por exemplo, o enunciado “Sonhei que estava dentro do seu sonho e não
podia me expressar” no canto teve a duração de 5415ms, na fala teve a duração de
3249ms e na declamação teve a duração de 5378ms.
Para a verificação dos valores de duração obtidos dos outros enunciados,
verificar anexo III.
83
5.3. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A discussão dos resultados será feita com base nas tabelas que
apresentaram os valores de correlação das variáveis relacionadas à avaliação dos
descritores e à medição dos parâmetros acústicos.
A tabela a seguir apresenta os valores de correlação referentes à dimensão
1.
Tabela 02. Valores gerados dos descritos e dos parâmetros acústicos pelo método PCA na dimensão 1
Dim,1
Quanti
Correlation p,value
Z,slopeLTAS 0,9202 0
Z,medinclinespec 0,7658 0
Z,assimint 0,5812 8,00E-04
Z,desvpadinclinespec 0,439 0,0152
Z,assiminclinespec -0,4919 0,0058
Z,CAT -0,7268 0
Z,ME -0,9266 0 Fonte: o autor
O valor com mais alto grau de correlação obtido é referente ao LTAS, com
0,9202, que se opõem ao descritor “melodioso”, com -0,9266. Esse parâmetro
acústico, como mostra o gráfico da Figura 9, está no espaço da declamação, que foi
considerada pelos juízes menos melodiosa. O próximo valor de correlação mais
significativo é referente à variável de declínio espectral, com 0,7658, que se opõem
ao descritor “cativante”, com -07268. Esse parâmetro acústico, como mostra o
gráfico da Figura 09, está no espaço da fala, que foi considerada pelos juízes menos
cativante.
Os descritores “melodioso” e “cativante” estão no espaço do canto, que foi
considerado mais melodioso e depois mais cativante pelos juízes.
A tabela a seguir apresenta os valores de correlação referentes à dimensão
2.
84
Tabela 03. Valores gerados dos descritos e dos parâmetros acústicos pelo método PCA na
dimensão 2
Dim,2
Quanti
Correlation p,value
Z,sampquartisf0 0,7802 0
Z,mednf0 0,6859 0
Z,desvpaddf0 0,6695 1,00E-04
Z,quan995f0 0,6252 2,00E-04
Z,desvpadinclinespec 0,3926 0,0319
Z,COM 0,3765 0,0403
Z,assimdf0div10 -0,371 0,0436 Fonte: o autor
O valor da variável mais relevante obtido é referente à semiamplitude entre
quartis de f0, com 0,7802, e, como mostra o gráfico da Figura 9, está no espaço da
declamação, constatando, assim, que a palavra declamada apresentou uma maior
variação de f0 em sua produção.
A partir da análise dos resultados obtidos, podemos tirar duas conclusões:
há um contínuo, que inclui as palavras cantada e falada em extremos e a declamada
entre esses dois extremos, contínuo esse observado a partir do eixo X das
dimensões 1 e 2 e orientado pelas características do LTAS; há uma aproximação
entre a palavra cantada e a falada, observada no eixo Y das dimensões 1 e 2 e
orientada pelas variações de frequência fundamental. Nesse eixo, a palavra
declamada distancia-se dos outros dois estilos de palavra.
85
VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Walk on, walk on What you got they can't steal it.
(Bono)
Nesta pesquisa, tivemos como objetivos investigar as diferenças e
similaridades entre as palavras cantada, falada e declamada como formas
estilísticas de linguagem oral e de expressão social e analisar seus efeitos
impressivos.
Retomando a primeira pergunta de pesquisa apresentada, sendo ela: “As
prosódias das palavras cantada, falada e declamada são semelhantes?”, é possível
constatar que, de acordo com a produção das palavras cantada, falada e
declamada, a palavra cantada se aproxima da produção da palavra declamada, com
durações de enunciados com fala e durações de pausas mais próximas. Apesar da
produção da declamação ter tido um número maior de pausas, as pausas foram
mais curtas, aproximando-se da duração das pausas da produção do canto.
No entanto, as prosódias das palavras cantada, falada e declamada
apresentam diferenças, como mostrou os valores gerados pelo script
ExpressionEvaluator.
Retomando a segunda pergunta de pesquisa apresentada, sendo ela: “Há
diferenças entre os efeitos impressivos das palavras cantada, falada e declamada?”,
podemos observar que pelos resultados dos juízes obtidos pelo questionário de
diferencial semântico é possível concluir que as palavras cantada, falada e
declamada causam efeitos impressivos diversos. O canto foi classificado como mais
melodioso, no entanto, menos comovente. A fala foi considerada mais comovente,
no entanto, menos melodiosa. Por fim, a declamação foi classificada como mais
comovente, no entanto, para os três descritores, os valores ficaram bastante
próximos.
Como hipótese de pesquisa, postulamos que as variações prosódicas que
distinguem as palavras cantada, falada e declamada causam efeitos impressivos
86
diversos que ativam o organismo de maneira diferenciada, portanto, os resultados
que obtivemos confirmam a hipótese formulada.
No canto, o melodioso sobrepuja o cativante e o comovente. Na fala, o
comovente sobrepuja o melodioso e o cativante. Na declamação, os três descritores
se aproximam em termos de resultados e isso revela características compartilhadas
com os outros dois estilos.
A interpretação das características das palavras cantada, falada e
declamada levaram às duas conclusões: o contínuo entre fala, declamação e canto
orientada pelas características do LTAS e o distanciamento da declamação em
relação aos outros dois estilos de palavra considerados, orientado pelas variações
de frequência.
Na peça, Duncan justapõe inúmeras vezes o canto e a fala, começando com
um e terminando com outro, ou vice-versa, mas a declamação não se justapõe aos
outros dois estilos de palavra. Na peça, a declamação do poema é utilizada como
uma fronteira que introduz a abordagem dos bairros de São Paulo.
As palavras cantada, falada e declamada são sonoridades que podem ser
entendidas a partir das relações que se estabelecem entre o detalhe fonético e os
efeitos de sentido (MADUREIRA, 2016) e que remetem aos usos e códigos do
simbolismo sonoro, interpretado dentro de um conceito de motivação sígnica.
O olhar sobre as palavras cantada, falada e declamada a partir deste
trabalho almeja continuidade, contemplando um horizonte a descortinar.
87
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92
ANEXOS
ANEXO I – TABELA PARA VALIDAÇÃO DOS VALORES DE CORRELAÇÃO
Fonte: HUSSON, François; LÊ, Sébastien; PAGÈS, Jérôme, 2011.
Obs: Para a validação da escolha das dimensões a serem consideradas, no caso de
30 estímulos e 15 variáveis, o valor estimado na tabela acima é 33.2. Nas
93
dimensões 1 e 2, obtivemos nesta pesquisa o valor de 43. 18, como indicado na
seção 5.2.2.
94
ANEXO II - TABELAS COM A MEDIÇÃO DA DURAÇÃO DAS PAUSAS
SILENCIOSAS
Canção
Fala
Declamação
Pausas
Duração (ms)
Pausas Duração
Pausas Duração
PC01 3270
PF01 642
PD01 228
PC02 3037
PF02 1004
PD02 1050
PC03 1331
PF03 755
PD03 1005
PC04 781
PF04 1586
PD04 895
PC05 338
PF05 576
PD05 1790
PC06 1430
PF06 1784
PD06 527
PC07 1009
PF07 679
PD07 552
PC08 930
PF08 869
PD08 727
PC09 2865
PF09 674
PD09 2300
PC10 2915
PF10 1525
PD10 349
PC11 2396
PF11 438
PD11 1413
PC12 2649
PF12 824
PD12 421
PC13 2558
PF13 759
PD13 416
PC14 2547
PF14 1142
PD14 1774
PC15 2789
PF15 1471
PD15 262
PC16 1108
PF16 603
PD16 485
PC17 749
PF17 1561
PD17 1854
PC18 1323
PF18 1860
PD18 365
PC19 831
PF19 1237
PD19 2161
PC20 768
PF20 358
PD20 415
PC21 3070
PF21 623
PD21 578
PC22 3306
PF22 1434
PD22 841
PC23 2242
PF23 673
PD23 1439
PC24 2363
PF1 a PF23 12131
PD24 240
PC25 2704
PD25 1000
PC26 2280
PD26 483
PC1 a PC26 18820
PD27 1561
PD28 276
PD29 659
PD30 1737
PD31 452
PD32 1114
PD33 2852
PD34 383
95
PD35 802
PD36 1804
PD37 1067
PD38 1633
PD39 238
PD40 764
PD41 1065
PD42 402
PD43 237
PD44 203
PD45 1642
PD46 223
PD47 451
PD48 1464
PD49 531
PD50 333
PD51 709
PD1 a PD51 18782
96
ANEXO III – DURAÇÃO DOS ENUNCIADOS
Canto
Enunciado Trecho Duração (ms)
CE01 Sonhei que estava dentro do seu sonho e não podia me expressar
5421
CE02 Meu sonho era tão tímido e confuso mal consigo recordar
5329
CE03 Seu sonho sim causava sensação
3071
CE04 Brilhante como poucos sonhos são
3117
CE05 Seu sonho tinha tudo resolvido
2715
CE06 tudo fazia sentido mesmo sem interpretação
4098
CE07 O sonho estava ali tão deslocado
3022
CE08 Um simples conteúdo sublimado
2922
CE09 Se ao menos pra livrar-me desse estado alguém tivesse me abordado
5237
CE10 Mas tive a sensação que foram horas, foram dias foram meses em que tive o privilégio de estar sempre ao seu lado
9221
CE11 É claro que seria bem melhor se você tivesse reparado
5783
CE12 Mas nada no meu sonho abalava o seu ar imperial
5145
CE13 Meu sonho estava dentro do seu sonho que era o sonho principal
5914
CE14 Sonhei que mesmo dentro do seu sonho haveria solução
5231
97
CE15 Sonhei que achei um jeito infalível de chamar sua atenção
5470
CE16 Sonhei que não havia mais ninguém
2913
CE17 Você iria então olhar pra quem?
3197
CE18 Sonhei que estando ali tão disponível sendo o único possível tudo acabaria bem
6862
CE19 Sonhei que você veio pro meu lado
3113
CE20 Meu coração bateu descompassado
3308
CE21 Sonhei que seu olhar no meu olhar já estava um pouco desfocado
5202
CE22 Sonhei que pressentia alguma coisa que e corri ao seu encontro e que por mais que eu corresse chegaria atrasado
9504
CE23 Sonhei que nosso encontro foi etéreo e você tinha evaporado
6033
CE24 Mas tenho que dizer sonhei o sonho que sempre sonhara sonhar
5811
CE25 Você, sentindo a força do meu sonho fez de tudo pra acordar
5881
CE26 Mas tenho que dizer sonhei o sonho que sempre sonhara sonhar
5968
CE27 Você, sentindo a força do meu sonho fez de tudo pra acordar
7120
Fala
Enunciado Trecho Duração (ms)
FE01 Sonhei que estava dentro do seu sonho e não podia me expressar
3251
FE02 Meu sonho era tão tímido e confuso mal consigo recordar
4160
98
FE03 Seu sonho sim causava sensação brilhante como poucos sonhos são
4776
FE04 Seu sonho tinha tudo resolvido tudo fazia sentido mesmo sem interpretação
5709
FE05 Meu sonho estava ali tão deslocado um simples conteúdo sublimado
4877
FE06 Se ao menos pra livrar-me desse estado alguém tivesse me abordado
3883
FE07 Mas tive a sensação que foram horas, foram dias, foram meses em que tive o privilégio de estar sempre ao seu lado
6931
FE08 É claro que seria bem melhor se você tivesse reparado
2985
FE09 Mas nada no meu sonho abalava o seu ar imperial
3554
FE10 Meu sonho estava dentro do seu sonho que era o sonho principal
4021
FE11 Sonhei que mesmo dentro do seu sonho
2352
FE12 Haveria solução 966
FE13 Sonhei que achei um jeito infalível de chamar sua atenção
3505
99
FE14 Sonhei que não havia mais ninguém você iria então olhar pra quem?
4575
FE15 Sonhei que estando ali tão disponível sendo o único possível tudo acabaria bem
5205
FE16 Sonhei que você veio pro meu lado meu coração bateu descompassado
4482
FE17 Sonhei que seu olhar no meu olhar já estava um pouco desfocado
4147
FE18 Sonhei que pressenti alguma coisa e que corri ao seu encontro e que por mais que eu corresse chegaria atrasado
7171
FE19 Sonhei que nosso encontro foi etéreo e você tinha evaporado
3913
FE20 Mas 332
FE21 Tenho que dizer sonhei o sonho que sempre sonhara sonhar
4071
FE22 Você, sentindo a força do meu sonho fez de tudo pra acordar
4156
FE23 Mas tenho que dizer sonhei o sonho que sempre sonhara sonhar
4336
FE24 Você, sentindo a força do meu sonho fez de tudo pra acordar
4600
Declamação
Enunciado Trecho Duração (ms)
100
DE01 Sonhei que estava dentro do seu sonho
3211
DE02 E não podia me expressar
2050
DE03 Meu sonho era tão tímido e confuso mal consigo recordar
5943
DE04 Seu sonho sim causava sensação brilhante como poucos sonhos são
6914
DE05 Seu sonho tinha tudo resolvido tudo fazia sentido mesmo sem interpretação
8495
DE06 Meu sonho estava ali
1057
DE07 Tão deslocado 1371
DE08 Um simples conteúdo sublimado
2943
101
DE09 Se ao menos pra livrar-me desse estado alguém tivesse me abordado
6313
DE10 Mas 302
DE11 Tive a sensação que foram horas, foram dias, foram meses em que tive o privilégio de estar sempre ao seu lado
1096
DE12 É claro 766
DE13 Que seria bem melhor
1671
DE14 se você tivesse reparado
1912
DE15 Mas nada 1229
DE16 No meu sonho 909
DE17 Abalava o seu ar imperial
2537
DE18 Meu sonho estava dentro do seu sonho
3102
DE19 Que era o sonho principal
2302
DE20 Sonhei 700
DE21 Que mesmo dentro do seu sonho
2435
102
DE22 Haveria solução 1490
DE23 Sonhei que achei um jeito infalível de chamar sua atenção
5263
DE24 Sonhei 533
DE25 Que não havia mais ninguém
2252
DE26 Você iria então 1395
DE27 Olhar pra quem? 1220
DE28 Sonhei que estando ali
1522
DE29 Tão disponível sendo o único possível
4313
DE30 Tudo acabaria bem
2266
DE31 Sonhei que você veio pro meu lado
2907
DE32 Meu coração bateu descompassado
4526
DE33 Sonhei que seu olhar no meu olhar já estava um pouco desfocado
7073
DE34 Sonhei 738
DE35 que pressentia alguma coisa
2123
103
DE36 E que corria ao seu encontro e que por mais que eu corresse chegaria atrasado
6563
DE37 Sonhei que nosso encontro foi etéreo e você tinha
5714
DE38 Evaporado 1077
DE39 Mas 372
DE40 Tenho que dizer 953
DE41 sonhei o sonho que sempre sonhara sonhar
4523
DE42 Você, sentindo a força do meu sonho
3578
DE43 Fez de 713
DE44 Tudo 473
DE45 Pra acordar 972
DE46 Mas eu 432
DE47 Tenho que dizer 971
DE48 Sonhei o sonho que sempre sonhara sonhar
4083
DE49 Você, sentindo a força do meu sonho
3557
DE50
Fez
479
DE51 De tudo 1133
104
DE52
Pra acordar
1100
105
ANEXO IV - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Laboratório Integrado de Análise Acústica e Cognição LIAAC
Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem LAEL
Termo de consentimento livre e esclarecido
Nome do(a) Participante:__________________________________ ___Data: ____/____/_____
Endereço:______________________________________________Cidade: _______________
Estado:______CEP:_____________Telefone:(____)_____________RG: __________________
CPF: ________________ Passaporte: ______________________________
Nome do Pesquisador Principal: Juliana Andreassa da Lomba
Instituição: Laboratório Integrado de Análise Acústica e Cognição da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo – LIAAC-PUCSP
Título do estudo: UM ESTUDO SOBRE AS PALAVRAS CANTADA, FALADA E DECLAMADA E
SEUS EFEITOS IMPRESSIVOS
Propósito do estudo: Procedimentos: Gravação do texto Sonhei retirado da peça Totatiando. E
responder ao questionário de diferencial semântico.
1. Riscos e desconfortos: nenhum. 2. Benefícios: Minha participação é voluntária e não trará qualquer benefício direto, mas
proporcionará um melhor conhecimento sobre as variações de produção de sons no Português Brasileiro, como também para futuros estudos na área das Ciências da Fala.
3. Direitos do participante: Eu posso me retirar deste estudo a qualquer momento, sem sofrer nenhum prejuízo e tenho direito de acesso, em qualquer etapa do estudo, sobre qualquer esclarecimento de eventuais dúvidas.
4. Compensação financeira: Não existirão despesas ou compensações financeiras relacionadas à minha participação no estudo.
5. Incorporação ao banco de dados do LIAAC: Os dados obtidos com minha participação, na forma de gravações em áudio e respostas do questionário serão incorporados ao banco de dados do LIAAC, cujos responsáveis zelarão pelo uso e aplicabilidade das amostras exclusivamente para fins científicos, apenas consentindo o seu uso futuro em projetos que atestem pelo cumprimento dos preceitos éticos em pesquisas envolvendo seres humanos. Algumas amostras poderão ser usadas em publicação referente ao modelo, sem que haja identificação do falante e sem que seus direitos sejam atingidos.
6. Em caso de dúvida quanto ao item 8, posso entrar em contato com os responsáveis pelo banco de dados do LIAAC (Profa. Dra. Sandra Madureira, Profa. Dra. Zuleica Camargo, e Prof. Mário Fontes) no telefone: (11) 3670-8333.
7. Confidencialidade: Compreendo que os resultados deste estudo poderão ser publicados em jornais profissionais ou apresentados em congressos profissionais, sem que minha identidade seja revelada.
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8. Se tiver dúvidas quanto à pesquisa descrita posso telefonar para o pesquisador Juliana Andreassa da Lomba no número (11) 97252-8059 a qualquer momento.
Eu compreendo meus direitos como um sujeito de pesquisa e voluntariamente consinto em participar deste estudo e em ceder meus dados para o banco de dados do LIAAC. Compreendo sobre o que, como e porque este estudo está sendo feito. Receberei uma cópia assinada deste formulário de consentimento.
Assinatura do sujeito participante Data
Assinatura do pesquisador