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Um rato que tinha medo Um rato tinha medo de gato. Nisso não era diferente dos outros ratos. Pavor, tremor, ânsia, vida incerta. Mas, igual a todos os outros da sua espécie, o nosso rato teve, no entanto, um facto diferente em sua vida – encontrou-se com mágico. Conversa vai, conversa vem, ele explicou ao mágico a sua sina e o seu pavor. O mágico então transformou-o exactamente naquilo que ele mais temia e achava mais poderoso sobre a terra – um gato. O rato, então, passou a perseguir os outros ratos mas adquiriu imediatamente um medo terrível de cães. E nisso também não era diferente de todos os outros gatos. A única diferença foi que tornou a se encontrar com o mágico. Falou-lhe então do novo medo e foi transformado outra vez na coisa que mais temia: cão. Cão, pôs-se logo a perseguir os gatos. Mas passou a temer animais maiores, como o leão, o tigre, onça, boi, cavalo, tudo. Mágico vem e resolve transformá-lo, então, num leão, o mais poderoso dos animais. E o nosso ratinho, guindado assim à letra O da classe animal, passou então a recear quando ouvia passo de caçador. Então o mágico chegou, transformou-o de novo num rato e disse, alto e bem som: Moral: − Meu filho, quem tem coração de rato não adianta ser leão. Fernandes, Millôr (2004). Pif-paf. Lisboa: O Independente.

Um rato que tinha medo Millôr Fernandes

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Page 1: Um rato que tinha medo Millôr Fernandes

Um rato que tinha medo

Um rato tinha medo de gato. Nisso não era diferente dos outros ratos. Pavor, tremor, ânsia, vida incerta. Mas, igual a todos os outros da sua espécie, o nosso rato teve, no entanto, um facto diferente em sua vida – encontrou-se com mágico. Conversa vai, conversa vem, ele explicou ao mágico a sua sina e o seu pavor. O mágico então transformou-o exactamente naquilo que ele mais temia e achava mais poderoso sobre a terra – um gato. O rato, então, passou a perseguir os outros ratos mas adquiriu imediatamente um medo terrível de cães. E nisso também não era diferente de todos os outros gatos. A única diferença foi que tornou a se encontrar com o mágico. Falou-lhe então do novo medo e foi transformado outra vez na coisa que mais temia: cão. Cão, pôs-se logo a perseguir os gatos. Mas passou a temer animais maiores, como o leão, o tigre, onça, boi, cavalo, tudo. Mágico vem e resolve transformá-lo, então, num leão, o mais poderoso dos animais. E o nosso ratinho, guindado assim à letra O da classe animal, passou então a recear quando ouvia passo de caçador. Então o mágico chegou, transformou-o de novo num rato e disse, alto e bem som:

Moral: − Meu filho, quem tem coração de rato não adianta ser leão.

Fernandes, Millôr (2004). Pif-paf. Lisboa: O Independente.