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Uma Análise do Tratamento de Sequências Numéricas em Livros Didáticos Segundo as Ideias de Fischbein William Vieira 1 GD4 Educação Matemática no Ensino Superior Apresenta-se neste artigo uma análise dos tratamentos de sequências numéricas em livros de Cálculo Diferencial e Integral. Mais especificamente, investiga-se se e como alguns livros didáticos favorecem as interações entre os aspectos (ou componentes) formal, algorítmico e intuitivo na construção de conceitos relativos às sequências numéricas. As obras analisadas foram selecionadas a partir das ementas das disciplinas de Cálculo IV, Sequências e Séries e Análise Real das instituições de Ensino Superior nas quais aplicamos nossos instrumentos de pesquisa. Os livros com maior incidência nessas ementas foram selecionados e a análise dessas obras é o primeiro dos procedimentos metodológicos previstos em nossa Tese de Doutorado em Educação Matemática, que tem por objetivo fornecer subsídios para a elaboração de outros dois instrumentos: o roteiro de entrevistas com professores que ensinam sequências e o questionário diagnóstico, a ser aplicado para alunos que já estudaram sequências numéricas no nível superior, a fim de verificar as dificuldades que os professores apontam e que os alunos confirmam ou não no ensino e na aprendizagem de sequências numéricas. Palavras-chave: Ensino de Cálculo. Sequências Numéricas. Componente Intuitiva. Componente Formal. Componente Algorítmica. Em nosso trabalho de doutoramento em Educação Matemática nos propomos a analisar as dificuldades apresentadas por alunos do nível superior quando do estudo de sequências numéricas. O trabalho está dividido em três etapas metodológicas: análise de livros didáticos, entrevista com professores que ensinam Cálculo e aplicação de questionário diagnóstico para alunos que já estudaram sequências numéricas. As obras foram analisadas segundo as ideias de Fischbein (1994) com o objetivo de fornecer elementos para a elaboração do roteiro de entrevista e do questionário diagnóstico. As obras analisadas são as indicadas nas ementas das disciplinas Cálculo Diferencial e Integral IV e Sequências e Série dos cursos de Licenciatura em Matemática das instituições de ensino superior nas quais aplicaremos nossos instrumentos de pesquisa. Não pretendemos fazer um ranqueamento das obras analisadas, mas interpretar as estratégias de abordagem e de ensino de sequências numéricas que cada uma delas oferece e quais aspectos são favorecidos, ou não, em cada uma dessas abordagens. 1 Doutorando em Educação Matemática Universidade Anhanguera de São Paulo, e-mail: [email protected], orientadora: profa. Dra. Vera Helena Giusti de Souza.

Uma Análise do Tratamento de Sequências Numéricas em ... · Em nosso trabalho de doutoramento em Educação Matemática nos propomos a analisar as ... obras selecionadas podem

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Uma Análise do Tratamento de Sequências Numéricas em Livros

Didáticos Segundo as Ideias de Fischbein

William Vieira1

GD4 – Educação Matemática no Ensino Superior

Apresenta-se neste artigo uma análise dos tratamentos de sequências numéricas em livros de Cálculo

Diferencial e Integral. Mais especificamente, investiga-se se e como alguns livros didáticos favorecem as

interações entre os aspectos (ou componentes) formal, algorítmico e intuitivo na construção de conceitos

relativos às sequências numéricas. As obras analisadas foram selecionadas a partir das ementas das

disciplinas de Cálculo IV, Sequências e Séries e Análise Real das instituições de Ensino Superior nas quais

aplicamos nossos instrumentos de pesquisa. Os livros com maior incidência nessas ementas foram

selecionados e a análise dessas obras é o primeiro dos procedimentos metodológicos previstos em nossa Tese

de Doutorado em Educação Matemática, que tem por objetivo fornecer subsídios para a elaboração de outros

dois instrumentos: o roteiro de entrevistas com professores que ensinam sequências e o questionário

diagnóstico, a ser aplicado para alunos que já estudaram sequências numéricas no nível superior, a fim de

verificar as dificuldades que os professores apontam e que os alunos confirmam ou não no ensino e na

aprendizagem de sequências numéricas.

Palavras-chave: Ensino de Cálculo. Sequências Numéricas. Componente Intuitiva. Componente Formal.

Componente Algorítmica.

Em nosso trabalho de doutoramento em Educação Matemática nos propomos a analisar as

dificuldades apresentadas por alunos do nível superior quando do estudo de sequências

numéricas. O trabalho está dividido em três etapas metodológicas: análise de livros

didáticos, entrevista com professores que ensinam Cálculo e aplicação de questionário

diagnóstico para alunos que já estudaram sequências numéricas. As obras foram analisadas

segundo as ideias de Fischbein (1994) com o objetivo de fornecer elementos para a

elaboração do roteiro de entrevista e do questionário diagnóstico.

As obras analisadas são as indicadas nas ementas das disciplinas Cálculo Diferencial e

Integral IV e Sequências e Série dos cursos de Licenciatura em Matemática das instituições

de ensino superior nas quais aplicaremos nossos instrumentos de pesquisa. Não

pretendemos fazer um ranqueamento das obras analisadas, mas interpretar as estratégias de

abordagem e de ensino de sequências numéricas que cada uma delas oferece e quais

aspectos são favorecidos, ou não, em cada uma dessas abordagens.

1 Doutorando em Educação Matemática – Universidade Anhanguera de São Paulo, e-mail:

[email protected], orientadora: profa. Dra. Vera Helena Giusti de Souza.

Sobre o papel que as obras recomendadas desempenham, no desenvolvimento dos cursos

em que são utilizadas, concordamos com Barufi (1999) que sustenta a seguinte posição

Entendemos que o livro didático escolhido pelo professor (...) constitui um forte

indício do tratamento que será dado ao curso. O livro preferido faz transparecer

muitas das preocupações do professor, suas crenças, suas escolhas

metodológicas. (BARUFI, 1999, p. 7)

Cumpre destacar que a interação entre os aspectos (ou componentes) algorítmico, intuitivo

e formal (FISCHBEIN, 1994) podem ser observadas quando um sujeito está em atividade

matemática e está claro para nós que um livro didático é estático e não apresenta o

movimento da atividade; entretanto, procuramos observar, em nossas análises, como as

obras selecionadas podem contribuir para a aprendizagem de um sujeito que se debruça

sobre elas, no que diz respeito à interação entre os aspectos descritos por Fischbein (1994).

Neste artigo, apresentamos a análise de duas obras que são indicadas por todas as ementas

verificadas, precedida por um breve resumo das ideias de Fischbein (1994).

Fundamentação Teórica

O psicólogo romeno Efraim Fischbein, em seu artigo The interaction between the formal,

the algorithmic, and the intuitive componentes in a mathematical activity (1994), coloca

em discussão a necessidade de verificarmos se há interação entre aspectos formais,

algorítmicos e intuitivos ligados a qualquer conceito em Matemática, quando observamos

um sujeito em atividade matemática. Estes são, segundo o autor, os três aspectos básicos a

serem considerados quando tratamos a Matemática como uma atividade humana, feita por

seres humanos.

Segundo Fischbein, ao considerar a interação desses três aspectos, estamos olhando a

Matemática como um processo criativo e não como um corpo de conhecimentos

estruturado e já estabelecido. Atentar para este processo criativo significa entender essa

ciência como uma atividade humana, que envolve momentos de “iluminação, hesitação,

aceitação e refutação” (FISCHBEIN, 1994, tradução nossa).

Essa perspectiva, reitera o autor, deve guiar nossas escolhas quando ensinamos

Matemática, se desejamos que os estudantes sejam capazes, eles mesmos, de produzir

afirmações matemáticas, construir provas e avaliar, formal e intuitivamente, a validade

dessas produções (FISCHBEIN, 1994).

O aspecto formal refere-se aos axiomas, definições, teoremas e demonstrações. Estes

elementos compõem, de fato, o núcleo das ciências matemáticas e precisam ser levados em

conta quando analisamos o processo de criação matemático. Fischbein reitera que

“Axiomas, definições, teoremas e provas têm de penetrar como um componente ativo do

processo de raciocínio. Eles devem ser inventados ou aprendidos, organizados, checados e

usados ativamente pelo estudante” (FISCHBEIN, 1994, tradução nossa); alerta também

que o pensamento proposicional e o uso de construções hipotético-dedutivas não são

adquiridos espontaneamente pelos jovens e que somente um adequado processo de ensino

pode dar a esses elementos formais características verdadeiramente funcionais

(FISCHBEIN, 1994).

O aspecto algorítmico corresponde às técnicas e procedimentos de resolução. Este

componente também tem um caráter fundamental no processo de entendimento e criação,

uma vez que apenas o conhecimento das estruturas formais (axiomas, definições,

teoremas) não é suficiente para conferir habilidade em resolver problemas. Essas

habilidades, sustenta Fischbein, devem ser sistematicamente treinadas para que sejam

adquiridas (FISCHBEIN, 1994).

O aspecto intuitivo diz respeito a uma intuição cognitiva, um entendimento intuitivo, uma

solução intuitiva. A intuição cognitiva é o que um sujeito considera autoevidente e não vê

necessidade de prova ou justificação (FISCHBEIN, 1994). Consideramos autoevidentes,

para quase todos os sujeitos, afirmações do tipo “A parte é menor que o todo”, “Uma série

infinita tende ao infinito, pois somamos valores indefinidamente” ou “Se o termo geral de

uma série tende a zero, então a série é convergente”.

Pela sua natureza, o conhecimento intuitivo exerce um papel coercitivo no raciocínio,

definindo caminhos e estratégias para a resolução de problemas. Por vezes, isso se torna

um facilitador do processo de conhecimento, se estiver de acordo com verdades

logicamente justificáveis; em outros casos, torna-se um caminho para contradições e

equívocos - como no caso das afirmações apresentadas no parágrafo anterior - e, desta

forma, podem se configurar em dificuldades e obstáculos para o processo de aprendizagem

(FISCHBEIN, 1994).

Sobre o papel que o conhecimento intuitivo desempenha no processo de aprendizagem,

Fischbein et al. (1981) alertam que

O problema de identificar os vieses intuitivos naturais do aluno é importante

porque afetam - às vezes de uma maneira muito forte e permanente – seus

conceitos, suas interpretações, sua capacidade de compreender, de resolver e de

memorizar em uma determinada área. Estamos naturalmente inclinados a manter

interpretações que se adequam a esses vieses naturais e intuitivos, e esquecer ou

distorcer aqueles que não se encaixam a eles. (FISCHBEIN et al., 1981, tradução

nossa)

Análise das Obras

Começamos com a análise da obra Cálculo com Geometria Analítica – Volume 2 (1987),

de George Simmons. No prefácio, o autor apresenta os princípios e as ideias que nortearam

a elaboração da obra e o que constitui, em grande medida, sua visão sobre como deve se

realizar um curso introdutório de Cálculo.

O texto em si (...) é tradicional na matéria e na organização. Dei grande ênfase à

motivação e à compreensão intuitiva, e os refinamentos da teoria foram

negligenciados. (...) pois a essência do Cálculo não está em teoremas e em como

prová-los, mas nos instrumentos que fornece e na forma de utilizá-los. Meu

propósito maior foi o de apresentar o Cálculo como arte poderosa de resolver

problemas. Naturalmente, desejo convencer o estudante de que os instrumentos-

padrão do Cálculo são razoáveis e legítimos, mas não à custa de transformar o

assunto numa disciplina lógica enfadonha, dominada por definições

supercuidadosas, apresentações formais de teoremas e provas meticulosas. (...) O

objetivo principal do texto é explorar assuntos para os quais o Cálculo é útil (...)

e não sua natureza lógica, quando encarado do ponto de vista especializado (e

limitado) do matemático puro moderno. (SIMMONS, 1987, p. XIV)

Fica claro nessa introdução que o propósito do livro é o de privilegiar abordagens mais

intuitivas, afastando-se do excesso de rigor e formalismo.

Uma particularidade da obra de Simmons (1987), que a diferencia da maioria dos livros de

Cálculo, é o fato de apresentar séries infinitas antes de estudar sequências numéricas. No

Capítulo 13, o autor faz um rápido esboço das séries, sem tratar das sequências numéricas

e, no Capítulo 14, após trabalhar as sequências numéricas, aborda as séries numéricas e de

funções sob um ponto de vista mais profundo, buscando uma fundamentação mais sólida

dos conceitos básicos (SIMMONS, 1987, p. XVI).

No início do item reservado às sequências numéricas, intitulado Sequências Convergentes,

o autor destaca o tratamento que será dado a este tópico.

Todo estudo razoavelmente satisfatório de séries deve estar baseado numa

definição cuidadosa de convergência de sequências. No entanto, o

comportamento de muitas sequências é fácil de ser entendido sem explanações

elaboradas, e uma teoria maçante de sequências convergentes seria um obstáculo

indesejável (...). Discutiremos, portanto, as sequências bem resumidamente e

tentaremos nos manter num percurso intermediário entre informalidade

excessiva e detalhes tediosos. (SIMMONS, 1987, p. 36)

Usando linguagem corrente, o autor define informalmente sequências numéricas e destaca

algumas notações; e parte então para o Exemplo 1 (SIMMONS, 1987, p. 37), no qual

apresenta oito tipos de sequências (constante, convergentes, divergentes, limitadas,

alternadas e definidas por somas parciais), que servem de referência para a discussão,

também bastante informal, destes conceitos.

Em seguida, anuncia que o principal interesse é o conceito de limite de sequência e

apresenta a explicação

Grosso modo, isto refere-se ao fato de que certas sequências { } têm a

propriedade de ter os números cada vez mais próximos de um número real

quando cresce” (SIMMONS, 1987, p. 37, grifo do autor);

que é dita de outra maneira, ao expressar o limite de sequências com uma mistura de

linguagem corrente e elementos da definição formal, acompanhada do exemplo da

sequência de termo geral

, no qual explora o módulo da diferença entre o termo

geral e o limite 1.

Uma representação gráfica dessa sequência – uma linha horizontal marcando o intervalo

numérico entre 0 e 1 e alguns pontos destacados (Figura 1) – é exibida após a conclusão de

que

(SIMMONS, 1987, p. 38).

Figura 1: Representação gráfica de sequência convergente (SIMMONS, 1987, p. 38)

Usando a linguagem corrente, o autor apresenta, então, a definição formal de limite de

sequências e explora algumas notações para esse conceito.

Embora tenha destacado que privilegia a motivação e a intuição na obra, o que se verifica é

uma mistura confusa entre linguagem corrente e elementos formais relacionados às

sequências numéricas. Há poucas representações gráficas no texto e as articulações entre

elas e os problemas de origem não são claras, o que compromete o desenvolvimento de

competências como a visualização e o estabelecimento de relações, por parte do estudante;

propriedades operatórias dos limites de sequências são apresentadas sem nenhum tipo de

justificação e o exemplo de aplicação para essas propriedades não deixa claro quais, nem

como, estão sendo aplicadas.

Os exercícios e problemas propostos, em sua maioria do tipo calcule e mostre que,

privilegiam aspectos algorítmicos – pouco trabalhados no texto – e formais – solicitando

aplicações da definição – e pouco requerem da articulação entre aspectos formais,

algorítmicos e intuitivos para os conteúdos relativos às sequências numéricas. Esse caráter

confuso no qual a obra se apresenta, por um lado dificulta a iniciação no estudo de

sequências e, por outro, não faz um aprofundamento adequado do assunto.

Analisamos também o livro de James Stewart, Cálculo - Volume II (2001) no que se

refere ao assunto sequências numéricas; outras edições desta obra são indicadas nas

ementas que analisamos, contudo não há mudanças estruturais significativas entre elas e

esta que escolhemos.

No prefácio de sua obra, Stewart destaca que “Tentei escrever um livro que tome parte na

descoberta do cálculo pelos estudantes – por seu aspecto prático bem como por sua

surpreendente beleza” (STEWART, 2001, p. vii) e essa colocação dá uma medida dos

desígnios da obra. Com a intenção de mesclar as aplicações e o desenvolvimento das

técnicas do Cálculo, sem deixar de apresentar “uma avaliação da beleza intrínseca do

assunto” (STEWART, 2001, p. vii), o autor apresenta os pilares que sustentam seu

trabalho.

A ênfase está na compreensão dos conceitos. (...) Tentei implementar essa meta

através da Regra de Três: “Tópicos devem ser apresentados geométrica,

numérica e algebricamente”. Visualização, experimentação numérica e gráfica e

outras abordagens mudaram radicalmente a forma de ensinar o raciocínio

conceitual. Mais recentemente, a Regra de Três foi expandida tornando-se a

Regra de Quatro com o acréscimo do ponto de vista verbal ou descritivo.

(STEWART, 2001, p. vii)

Nos comentários sobre o capítulo 11, que trata das Sequências Infinitas e Séries, Stewart

destaca que “Agora os testes de convergência têm justificativas intuitivas, bem como

provas formais” (STEWART, 2001, p. ix), o que indica o tratamento que o autor reserva

para esta parte da obra.

A parte sobre sequências infinitas traz uma alternância entre a linguagem corrente e o

simbolismo matemático. No início, uma definição informal de sequências é apresentada e,

embora o autor destaque que uma sequência pode ser definida como uma função, não

explora a fundo as possibilidades dessa perspectiva. Entendemos que uma explanação

sobre o domínio das sequências reais, nos números Naturais, teria papel relevante para o

estabelecimento da relação entre aspectos intuitivos e formais relacionados às sequências,

como o caráter discreto do domínio da função. O Exemplo 1, que segue essa definição, traz

Figura 4 Figura 3

três tipos de notações algébricas para sequências (Figura 2), algumas com o índice não

começando em 0 ou 1, mas também não explora essa questão.

Figura 2: Representações algébricas de sequências numéricas (STEWART, 2001, p. 693)

No Exemplo 2, o autor destaca o fato de uma sequência numérica nem sempre estar

definida por uma regra algébrica, dando um exemplo de uma sequência cujo termo geral

é definido como o -ésimo dígito decimal do número ; também apresenta a sequência

de Fibonacci como um exemplo de sequência definida recursivamente (STEWART, 2001,

p. 694). Chamar a atenção para o fato de uma sequência nem sempre estar definida por

uma lei algébrica entendemos ser extremamente pertinente, pois evita o desenvolvimento

de aspectos intuitivos equivocados por parte do estudante; contudo, o texto não volta a dar

destaque para essa questão e no desenrolar da obra somente sequências definidas por leis

algébricas são exploradas. O que consideramos importante no Exemplo 2 pode não causar

o impacto a que se propõe.

Após os exemplos, o autor usa a sequência de termo geral

para introduzir o

conceito de convergência. Neste caso, dois tipos de gráficos são explorados: marcando os

valores de em um eixo ordenado; e pontos num plano, conforme Figuras 3 e 4.

Figuras 3 e 4: Representações gráficas de sequências convergentes (STEWART, 2001, p. 694)

No caso da Figura 4, o autor chama a atenção do leitor para o fato do domínio ser o

conjunto dos inteiros positivos e que, por isso, o gráfico é representado por pontos

isolados. A exploração de diferentes representações é importante para a inter-relação de

aspectos intuitivos, formais e algorítmicos, pois possibilita ao sujeito observar um objeto

matemático sob muitas perspectivas, de preferência que explorem características diferentes

desse objeto; contudo, também é necessária uma boa articulação entre essas diferentes

representações, para que elas não se tornem estéreis. A nosso ver, o texto peca ao não fazer

uma boa interação entre os gráficos e a função de origem e por não explorar, por exemplo,

aspectos algorítmicos que poderiam favorecer a associação entre as diferentes

representações.

A partir das representações ilustradas nas Figuras 3 e 4 , o autor faz a seguinte afirmação

A partir da Figura 3 ou 4 parece que os termos da sequência estão se aproximando de 1 quando se torna grande. De fato, a diferença

pode ser feita tão pequena quanto se deseja tomando suficientemente grande.

Indicamos isso escrevendo

(STEWART, 2001, p. 694)

Aqui o autor usa parte da definição de limite de sequências de maneira informal, mas a

diferença

aparece sem maiores explicações e a interação entre os aspectos

formais da definição e os intuitivos que as figuras pretendem imprimir não ficam

estabelecidas de maneira evidente e podem tornar essa passagem pouco elucidativa para o

leitor.

O trecho citado acima também esconde um conflito entre os aspectos intuitivos da Figura 4

e o formalismo do

, já catalogado pela literatura como um obstáculo

epistemológico “O limite é ou não atingido?” (CORNU, 1983, tradução nossa);

observamos na Figura 4 que “parece que os termos (...) estão se aproximando de 1”

(STEWART, 2001, p. 694) e há uma linha horizontal tracejada em 1, indicando

corretamente que a imagem 1 não será atingida pelos temos da sequência, mas ao final se

impõe que

, sem esclarecer a diferença entre os dois aspectos envolvidos

nessa questão, quais sejam, o fato dos termos da sequência jamais atingirem a imagem 1,

mas que seu limite é 1. O autor evita, assim, uma discussão também bastante pertinente

sobre a natureza intuitiva da noção de limite e o formalismo associado a ela.

Após esse exemplo, o autor apresenta a notação , generalizando a ideia de

convergência de uma sequência para um número ; essa argumentação é seguida de

dois gráficos (Figura 5) e de um comentário que chama a atenção do leitor para as

semelhanças entre a definição de convergência de sequência e a de funções reais no

infinito, tratada no volume I da obra, embora o autor não tenha, ainda, apresentado a

definição formal de convergência de sequências numéricas.

Figura 5: Representação gráfica de sequências convergentes (STEWART, 2001, p. 694)

O texto segue, então, para a definição formal de limite de sequências (Figura 6) e traz duas

representações gráficas (Figuras 7 e 8) dessa situação.

Figura 6: Definição de sequência convergente (STEWART, 2001, p. 695)

No caso da Figura 7, não há uma articulação clara entre os aspectos formais da

desigualdade | | da definição e os aspectos intuitivos do gráfico, que propõe, de

forma confusa, uma sequência cujos termos se alternam em torno do limite .

Figura 7: Representação gráfica da definição de sequência convergente (STEWART, 2001, p. 695)

O texto também não faz uma articulação entre o formalismo da desigualdade | |

e os valores e , representados na Figura 8. Além disso, a exploração

desse gráfico (Figura 8) deveria ser marcada pelo fato do limite corresponder à

aproximação dos termos (imagens da função) do número no eixo y, situação não

representada na figura. Essa representação pode desenvolver uma intuição equivocada com

respeito ao limite da sequência, que pode ser confundido com a aproximação dos pontos da

linha horizontal que passa por , o que não é verdade.

Figura 8: Representação gráfica da definição de sequência convergente (STEWART, 2001, p. 695)

Em seguida, o autor estabelece uma relação entre a definição de sequências apresentada e a

definição de convergência de funções de variáveis reais e enuncia, sem demonstrar, o

seguinte teorema (STEWART, 2001, p. 695).

Figura 9: Teorema 2 (STEWART, 2001, p. 695)

Traçar um paralelo entre os resultados para funções de variáveis reais e sequências

numéricas é uma característica bastante explorada nesta parte da obra, que procura reforçar

o fato dos resultados sobre sequências serem um caso particular das funções reais. Embora

alerte para a necessidade de ser inteiro – como no enunciado do teorema da Figura 9 –,

entendemos que há um abuso dessa associação no texto e características particulares das

sequências numéricas podem ser relegadas a segundo plano, como o caráter discreto de seu

domínio, por exemplo.

A obra passa, então, a apresentar uma série de teoremas e propriedades sobre a

convergência de sequências, sem qualquer demonstração ou justificativa, que são seguidos

de exemplos de aplicação; também são apresentadas e exemplificadas definições de

sequências crescentes/decrescentes e limitadas. Há um uso abundante de representações

gráficas dos termos da sequência no plano (como a Figura 5); no entanto, persiste o tipo de

abordagem que já observamos acima: falta articulação entre as figuras – que procuram

imprimir aspectos intuitivos – e os aspectos formais a que se referem. O capítulo termina

com o teorema que afirma que toda sequência limitada e monotônica é convergente, que é

o único que vem acompanhado da demonstração formal, que faz uso dos conceitos de

majorante e supremo, definidos anteriormente (STEWART, 2001, p. 700).

Embora Stewart destaque nos comentários iniciais sobre o capítulo que “Agora os testes de

convergência têm justificativas intuitivas, bem como provas formais” (STEWART, 2001,

p. ix), isso não se verifica na parte destinada às sequências, que é construída com base em

teoremas, sem demonstração, seguidos de aplicação; de maneira geral, não há articulação

clara entre os aspectos intuitivos, que as abundantes figuras pretendem desenvolver, com

os aspectos formais que as originam. Além disso, aspectos algorítmicos, que poderiam

favorecer uma interação maior entre as representações gráficas e os resultados formais, são

pouco explorados ao longo do texto.

Considerações Finais

Reiteramos que nosso objetivo não é o de ranquear ou classificar as obras analisadas, mas

entendemos que este olhar crítico pode favorecer um uso mais adequado e enriquecedor

desses textos. Além disso, também concordamos com Barufi (1999) quando afirma que “os

livros selecionados apresentam todos propostas que são válidas e que podem ser apreciadas

dentro de determinado contexto” (BARUFI, 1999, p. 147) e que a obra escolhida pelo

professor/aluno pode propiciar, em maior ou menor grau, vivência dos significados que

podem facilitar a construção do conhecimento.

No que diz respeito ao desenvolvimento da nossa tese de doutoramento, as análises dos

livros didáticos cumpriram o importante papel de orientar a construção dos demais

instrumentos de nossa pesquisa, que buscam entender as dificuldades relacionadas ao

processo de aprendizagem de sequências numéricas no nível superior.

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