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23 RESUMO UMAANÁLISE DAS LIMITAÇÕES ESTRUTURAIS DO MERCOSUL A PARTIR DAS POSIÇÕES DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA 1 Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 43, p. 23-41, out. 2012 Recebido em 23 de fevereiro de 2011. Aprovado em 11 de abril de 2011. Marcelo Passini Mariano Haroldo Ramanzini Júnior O objetivo deste trabalho consiste em analisar a construção do que chamamos de “modelo de Mercosul” presente na política externa brasileira, desde o início da década de 1990 até a segunda metade da década de 2000. Partindo do pressuposto de que as posições do Brasil têm um papel relevante na definição do arcabouço do processo de integração, a hipótese é que o padrão de comportamento brasileiro limita a amplitude do bloco, principalmente no que se refere à questão do seu aprofundamento, pois envolve questões como o comprometimento com as decisões tomadas, a legitimidade dos mecanismos institucionais criados, a coordenação das expectativas dos diversos atores domésticos e, principalmente, o alcance das medidas propostas para solucionar ou diminuir as assimetrias existentes entre os estados. As posições brasileiras são fundamentadas na lógica da intergovernamentalidade e são mais adaptadas à expansão do bloco do que propriamente ao seu aprofundamento. O artigo aborda os aspectos formadores do padrão de comportamento externo do Brasil e, em seguida, procura identificar as principais linhas de atuação do país em relação ao bloco no período analisado. Um dos argumentos principais do artigo diz respeito às sucessivas crises institucionais do Mercosul, procurando relacioná-las aos limites estruturais desse modelo, que é compatível com os elementos formadores da política externa brasileira, mas que não tem se mostrado suficiente para sustentar um processo de aprofundamento da integração. PALAVRAS-CHAVE: Mercosul; política externa brasileira; Itamaraty; integração regional. I. INTRODUÇÃO A política externa brasileira apresenta um padrão de regularidade específico que se relaciona com a singularidade da sua formulação e sua implementação. É possível identificar elementos de continuidade – ainda que na literatura sua expli- cação seja controversa – e princípios orientadores da ação externa. Neste trabalho, argumentaremos que a continuidade da política externa brasileira limita a amplitude do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e que as características do bloco devem compatibilizar-se com os dois principais elementos caracterizadores desta política: “autonomia” e “desenvolvimento”. Tratam-se de dois conceitos que permeiam a projeção internacional do Brasil e, ao mesmo tempo, são dois objetivos que auxiliam a consolidação de um padrão de comportamento externo brasileiro. Admitindo que o Brasil é o principal Estado do Mercosul, partimos da idéia de que o bloco regional deve estar, de alguma forma, de acordo com a sua política externa. Nesse sentido, acreditamos que entender o Mercosul significa, em boa medida, entender o modelo de Mercosul contido na política externa brasileira. A hipótese deste trabalho é que o padrão de comportamento internacional do Estado brasileiro limita a amplitude da integração, principalmente no que se refere à questão do aprofundamento do bloco. Ou seja, os aspectos de continuidade da política exterior do Brasil limitam a amplitude do Mercosul e, como veremos, a integração econômica tende a ficar limitada ao nível de uma união aduaneira. As características do bloco devem concordar com os princípios de autonomia e desenvolvimento que, por sua vez, expressam- se no Mercosul a partir de duas características principais do processo de integração no Cone Sul: a intergovernamentalidade e a dificuldade em lidar com as assimetrias existentes. Além dessas 1 Agredecemos os comentários dos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 43: 23-41 OUT. 2012

RESUMO

UMA ANÁLISE DAS LIMITAÇÕES ESTRUTURAISDO MERCOSUL A PARTIR DAS POSIÇÕES DA

POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA1

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 43, p. 23-41, out. 2012Recebido em 23 de fevereiro de 2011.Aprovado em 11 de abril de 2011.

Marcelo Passini Mariano Haroldo Ramanzini Júnior

O objetivo deste trabalho consiste em analisar a construção do que chamamos de “modelo de Mercosul”presente na política externa brasileira, desde o início da década de 1990 até a segunda metade da décadade 2000. Partindo do pressuposto de que as posições do Brasil têm um papel relevante na definição doarcabouço do processo de integração, a hipótese é que o padrão de comportamento brasileiro limita aamplitude do bloco, principalmente no que se refere à questão do seu aprofundamento, pois envolvequestões como o comprometimento com as decisões tomadas, a legitimidade dos mecanismos institucionaiscriados, a coordenação das expectativas dos diversos atores domésticos e, principalmente, o alcance dasmedidas propostas para solucionar ou diminuir as assimetrias existentes entre os estados. As posiçõesbrasileiras são fundamentadas na lógica da intergovernamentalidade e são mais adaptadas à expansãodo bloco do que propriamente ao seu aprofundamento. O artigo aborda os aspectos formadores do padrãode comportamento externo do Brasil e, em seguida, procura identificar as principais linhas de atuação dopaís em relação ao bloco no período analisado. Um dos argumentos principais do artigo diz respeito àssucessivas crises institucionais do Mercosul, procurando relacioná-las aos limites estruturais desse modelo,que é compatível com os elementos formadores da política externa brasileira, mas que não tem se mostradosuficiente para sustentar um processo de aprofundamento da integração.

PALAVRAS-CHAVE: Mercosul; política externa brasileira; Itamaraty; integração regional.

I. INTRODUÇÃO

A política externa brasileira apresenta umpadrão de regularidade específico que se relacionacom a singularidade da sua formulação e suaimplementação. É possível identificar elementosde continuidade – ainda que na literatura sua expli-cação seja controversa – e princípios orientadoresda ação externa. Neste trabalho, argumentaremosque a continuidade da política externa brasileiralimita a amplitude do Mercado Comum do Sul(Mercosul) e que as características do blocodevem compatibilizar-se com os dois principaiselementos caracterizadores desta política:“autonomia” e “desenvolvimento”. Tratam-se dedois conceitos que permeiam a projeçãointernacional do Brasil e, ao mesmo tempo, sãodois objetivos que auxiliam a consolidação de umpadrão de comportamento externo brasileiro.

Admitindo que o Brasil é o principal Estado doMercosul, partimos da idéia de que o blocoregional deve estar, de alguma forma, de acordocom a sua política externa. Nesse sentido,acreditamos que entender o Mercosul significa,em boa medida, entender o modelo de Mercosulcontido na política externa brasileira.

A hipótese deste trabalho é que o padrão decomportamento internacional do Estado brasileirolimita a amplitude da integração, principalmenteno que se refere à questão do aprofundamentodo bloco. Ou seja, os aspectos de continuidadeda política exterior do Brasil limitam a amplitudedo Mercosul e, como veremos, a integraçãoeconômica tende a ficar limitada ao nível de umaunião aduaneira. As características do blocodevem concordar com os princípios de autonomiae desenvolvimento que, por sua vez, expressam-se no Mercosul a partir de duas característicasprincipais do processo de integração no Cone Sul:a intergovernamentalidade e a dificuldade em lidarcom as assimetrias existentes. Além dessas

1 Agredecemos os comentários dos pareceristas anônimosda Revista de Sociologia e Política.

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características, serão abordados, na terceira seçãodesse trabalho, outros aspectos constitutivos doque chamamos de modelo de Mercosul presentena política externa brasileira.

O período estudado (1990-2008) demonstrouque o modelo de integração presente na políticaexterna brasileira foi defendido durante grandeparte do tempo, embora sua decadência tenha seiniciado já no final dos anos 1990. A crônica criseinstitucional vivida pelo bloco parece ser expressãodos limites estruturais desse modelo, que écompatível com os elementos de continuidade dapolítica externa brasileira – autonomia edesenvolvimento – mas que não é suficiente paragarantir um processo de integração regional commaior probabilidade de aprofundamento,principalmente porque a superação dessa criseimplicaria uma ruptura com o principal elementoconstituinte da singularidade dessa política: aautonomia. Nesse sentido, como argumentamVigevani et alii (2008, p. 5) os parâmetros deinserção internacional do Brasil “confluem para aconstrução de uma visão de inserção regional quedificulta o aprofundamento do Mercosul”.

O argumento tanto diplomático quantogovernamental dos governos Collor de Mello,Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso foique a baixa institucionalização e o caráterintergovernamental do Mercosul seriam fatores quepossibilitariam avanços rápidos à integração,prescindindo de burocracias ou estruturasinstitucionais pesadas. No governo de Lula da Silva,a efetivação do Fundo para a ConvergênciaEstrutural do Mercosul (Focem) e do Parlamentodo Mercosul, são elementos que sugerem apossibilidade de uma mudança relativa em relaçãoà postura que o Brasil tinha em relação à questãoinstitucional, mas essas políticas devem, naverdade, ser pensadas, como um reflexo daspróprias dificuldades existentes. Mesmo admitindoque a partir de 2005 é possível observar certamudança no andamento do processo, ainda assimpermanece um esforço na defesa do que chamamosde modelo de Mercosul contido na política externabrasileira, que se mantém, também, por conta dopapel singular desempenhado pelo Itamaraty naformulação e, principalmente, na implementaçãoda estratégia brasileira em relação à integração. Aexpansão do bloco consolida-se como principalvetor, dificultando ainda mais seu aprofundamento,pois, na medida em que são incorporados novosestados ao processo de integração torna cada vez

mais difícil o tratamento adequado das assimetriasexistentes, sendo estas relacionadas à estrutura depoder, à formação econômica, às diferenças sociaise, também, culturais.

Visando aos objetivos acima descritos, opresente trabalho está estruturado da seguinteforma. Na seção seguinte, discutiremos a idéia decontinuidade da política externa brasileira, a questãodos paradigmas de ação externa, bem como o papelsingular que o Itamaraty detém no processo deformulação e implementação das estratégias deinserção internacional do Brasil. Em seguida,identificaremos os principais elementos quecompõem o que chamamos de modelo de Mercosulpresente na política externa brasileira. Nasconsiderações finais, retomaremos os principaisargumentos apresentados, de modo a sintetizar osprincipais pontos apresentados no artigo.

II. OS ELEMENTOS DE CONTINUIDADE NAPOLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

Na literatura sobre política externa brasileira épossível identificar uma série de estudos quedemonstram a existência de uma linha relativa decontinuidade na atuação externa do país. Asexplicações das razões da existência de uma matrizde atuação internacional brasileira, como veremosabaixo, são variadas, mas convergem no sentidode apontar um padrão de comportamento do Estadobrasileiro. Cervo entende que “o grau deprevisibilidade da política exterior do Brasil é dosmais elevados em termos comparativos. Atravésdo tempo, constitui-se um conjunto de valores eprincípios de conduta externa que perpassou asinflexões e mudanças de políticas” (CERVO, 1994,p. 26). Isso não quer dizer que não existammomentos de mudanças na história da políticaexterna brasileira, ou que os conceitos estruturantesda atuação brasileira no mundo não soframmodificações, de acordo com o momento histórico,ou de acordo com as elites que estão no poder,mas significa que as mudanças operacionalizam-se a partir de uma margem relativamente delimitada.Nesse sentido, os conceitos de autonomia edesenvolvimento podem ser destacados como osdois principais eixos que articulam a formulação ea implementação da política internacional do Brasil.

Duas interpretações a respeito do elemento decontinuidade na política externa brasileira sãocentrais. A primeira envolve aqueles que entendemque a atuação internacional do Brasil tem essaestabilidade ou essa característica de continuidade

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pelo fato de, ao longo do tempo, na história dapolítica externa brasileira, ter-se consolidadoprincípios ou tradições de atuação externa, queindicariam determinados parâmetros claros paraa inserção internacional. Os trabalhos que diretaou indiretamente incorporam essa perspectiva(BUENO & CERVO, 1992, LESSA, 1998; MELLO,2000; LAFER, 2004; PINHEIRO, 2004;OLIVEIRA, 2005; FAVERÃO, 2006) identificamclaramente a existência de princípios norteadoresda política externa brasileira. Por exemplo, Cervo(1994) entende que a orientação pacifista, juridicistae pragmática apresentam-se como constantes, mascom importância variada dependendo da situaçãodoméstica e das modificações no contextointernacional2. Lessa argumenta que: “ouniversalismo que, juntamente com o pacifismo, ojuridicismo e o realismo, constitui a molduraconceitual da práxis diplomática brasileira”(LESSA, 1998, p. 29). Na mesma linha, Pinheirosinaliza que “no plano das idéias, valores e doutrinasque orientam a ação externa do Brasil ao longo doúltimo século destaca-se a busca pela autonomia”(PINHEIRO, 2004, p. 7).

Além disso, constantemente, o própriodiscurso diplomático busca reforçar a idéia decontinuidade e o fato de determinados princípiosconstituírem-se em parâmetros de atuação externado Brasil (BARBOSA, 1996; BARROS, 1998).Afirmações como a de Lampreia exemplificameste tipo de argumento: “como o Brasil desejarelacionar-se com a comunidade internacional? A

resposta básica pode ser encontrada em princípiosque tradicionalmente têm orientado a nossapolítica externa, como os da não intervenção,respeito à autodeterminação, não ingerência emassuntos internos e solução pacífica decontrovérsias” (LAMPRÉIA, 1998, p. 10). Nessamesma direção, Barros considera que “acredibilidade internacional de um país depende,em grande medida, no respeito a uma atuaçãoexterna fundada em valores e princípios”(BARROS, 1998, p. 20). O fato de existir umadiplomacia consolidada, tradicional, com umaimportância singular no aparato estatal brasileiro(DANESE, 1999), possibilita à política externacontar com uma agência especializada, capaz dezelar pela implementação desses princípios.

Uma segunda interpretação, da existência deum padrão de comportamento mais ou menosprevisível do Estado brasileiro no sistemainternacional, deriva dos estudos que seconcentram, sobretudo, nos atores ou na dinâmicapolítica doméstica que delimita a atuação externado Brasil. Ou seja, buscam explicar a continuidadeou a descontinuidade a partir da análise doprocesso decisório ou de outros aspectos internosda formulação da política externa brasileira. Apesarda mudança de foco analítico e da diferenteexplicação da razão da continuidade, boa partedessa literatura, da mesma forma, verifica aexistência de elementos de continuidade na açãoexterna do Brasil. Nesse sentido, Lima (2000)argumenta que a despolitização da política externaem vários momentos da vida política nacional podeexplicar a peculiaridade de sua relativacontinuidade de orientação.

Para essa parte da literatura (LIMA, 1994;2005; NEVES, 2006; 2008; FARIAS, 2007) asrazões da continuidade são entendidas comorelacionadas com o “domínio” do Ministério dasRelações Exteriores na implementação da políticaexterna. Além disso, o espírito de corpo doItamaraty criaria incentivos para continuidades,apesar das diferenças existentes dentro da Casa(CHEIBUB, 1985). Arbilla argumenta que “ahomogeneidade e conformidade promovidas pelaspautas organizacionais do Ministériodesencorajam inovações conceituais radicalmentediferentes das sustentadas pela corporação. Antes,novas idéias tendem a ser ‘modeladas’ de maneiracompatível com o acervo diplomático”(ARBILLA, 2000, p. 346-347). Na visão de Neves

2 O “pacifismo” “refere-se à posição, defendida peladiplomacia brasileira, de buscar solucionar os conflitospor meio de negociações. Isto é, a política externa brasileiratradicionalmente resiste à idéia de usar a força para resolveras controvérsias no plano internacional. Já o “juridicismo”relaciona-se com a postura de respeito aos tratados,acordos e convenções internacionais, aceitando-os comoinstrumentos ordenadores da interação entre os atoresestatais e do próprio sistema de estados. Finalmente, temoso pragmatismo, também entendido como “realismo” napolítica externa brasileira. Essa tradição baseia-se na análisesobre o sistema internacional, a posição do Brasil nessesistema, as relações com as potências e a capacidade dedefesa dos interesses nacionais para, a partir dessescondicionantes, orientar a ação externa. Essas tradiçõesfundamentam-se no princípio da não confrontação, que setraduz no discurso e na ação marcada pelo respeito daautodeterminação dos povos e na defesa da política denão intervenção. Podemos verificar que tanto o primeiroelemento quanto o segundo estão intimamente interligados(CERVO, 1994).

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(2008), o maior interesse de outras unidades dedecisão doméstica na formulação da políticaexterna brasileira tende a criar possíveis incentivosa rupturas, apesar de esse cenário ser ainda poucoprovável, entre outros motivos, pelo fato de apresidência valorizar o papel do Ministério dasRelações Exteriores. Nessa linha da literatura que,a partir dos condicionantes domésticos, buscaentender se realmente existe um padrão regularde atuação brasileira no sistema internacional,ênfase especial é direcionada para o entendimentodo processo de tomada de decisões, como, porexemplo, no caso dos estudos que tentamdemonstrar que a autonomia da diplomaciabrasileira na formulação da política externabrasileira tem relação direta com a delegação depoder decisório do poder Legislativo para o poderExecutivo (LIMA & SANTOS 2001), bem comocom a autorização presidencial (LIMA, 1994), queseria, inclusive, um dos elementos quecontribuiriam para essa relativa continuidade naatuação internacional do país.

Ao mesmo tempo, a estabilidade da políticaexterna brasileira seria mais o resultado de umanarrativa construída pela diplomacia do quepropriamente um fato da realidade (LIMA, 1994;2005). Na nossa visão, o corpo diplomáticoapropria-se desse fato da realidade, ou seja, dasformas de continuidade da atuação externabrasileira, para reforçar seu discurso político.Contudo, a construção discursiva é mais umimportante fator de influência sobre essaregularidade histórica, e não sua causa fundamental.De alguma forma, há a aceitação de que o padrãode comportamento brasileiro, principalmente emcomparação com a ação externa de outros países,tende a ter certa regularidade que ultrapassa asmudanças domésticas. Em nossa visão, essainterpretação (LIMA, 1994; 2005) não anula, nemé totalmente alternativa à interpretação que enfatizaos princípios e tradições da política externa(CERVO, 1994; MELLO 2000; OLIVEIRA, 2005;FAVERÃO, 2006). Analiticamente, é preciso buscara junção dos elementos que explicam essaestabilidade. O fato de haver um mito sobre essacontinuidade não significa que essa regularidadenão exista. Essa continuidade, comoargumentaremos, expressa-se de modo maisevidente por meio dos objetivos centrais demanutenção da autonomia e suporte aodesenvolvimento, podendo ser empiricamenteverificada.

Outro modo de interpretação, que pode seradicionado à idéia de que existe uma regularidadeno comportamento externo brasileiro, são asanálises derivadas da idéia, ou do conceito, depotência média ou país intermediário (SENNES,2001; MARQUES, 2005; LIMA & HIRST, 2006;HURREL & NARLIKAR, 2006). As potênciasmédias seriam um grupo específico de países nosistema internacional e teriam um tipo próprio deinserção externa, na medida em que sediferenciariam das grandes potências e não seconfundiriam com os países pequenos ou poucoexpressivos no sistema. Keohane (1969) colocaque as potências médias são “system-affectingstate”, isto é, aqueles estados que não consegueminfluenciar os rumos do ordenamento mundial emtermos individuais, mas que podem ter algum pesopor meio de alianças e articulações coletivas nosâmbitos regional e global. Uma potência média,na óptica de Keohane, pode ser definida comoum Estado cujos líderes “consideram que eles nãopodem agir sozinhos de forma efetiva, mas quetalvez consigam provocar um impacto sistêmicopor meio de um pequeno grupo ou instituiçãointernacional” (idem, p. 296).

Para os autores que estudam a política externabrasileira a partir da perspectiva de potênciamédia, existiria, assim, um padrão decomportamento derivado da própria realidadecaracterística do país. Isso explicaria ocomponente de “institucionalismo pragmático”presente na política exterior do Brasil, identificadopor Pinheiro (2004). Uma potencia média teriaum padrão relativamente específico de atuaçãoexterna, em virtude das próprias limitações de seruma potência média. Nesse sentido, as análisesestruturadas a partir da noção de potência médianão são discordantes, principalmente, do discursodiplomático, pois reforçam a idéia de que o Brasiltem um papel singular no mundo, por conta desuas características intrínsecas. E, também, nãoentram em contradição com as análisesacadêmicas que identificam um padrão decomportamento da política externa brasileira ouque enfatizam o processo decisório domésticocomo a variável explicativa da continuidade.

A partir da análise da política externa brasileiraem casos específicos, ou em curto período detempo, alguns estudos (VIGEVANI, 1995;FARIAS, 2007; MARZAGÃO, 2007; OLIVEIRA,2007; MARQUES, 2009) têm grande utilidade por

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contribuírem para entender as causas dessaregularidade, embora não tenham como foco acompreensão de uma continuidade nocomportamento brasileiro. O trabalho de Farias(2007) demonstra que a tese da autonomiadecisória do Itamaraty às vezes não é facilmenteverificada. Mesmo assim, parece ser possívelressaltar a capacidade de influência do Itamaratyno processo de implementação das decisões e suaconseqüente capacidade de garantir uma relativacontinuidade da política externa brasileira dosanos 1990 e 2000. Shaffer, Sanchez e Rosenberg(2008) entendem que o maior engajamentobrasileiro na Organização Mundial do Comércio(OMC) pode ser explicado pela emergência deuma rede de interação entre sociedade civil, setorprivado e setor governamental. Independente desua validade geral, esse argumento parece sercompatível com o entendimento que ressalta acapacidade de influência do Itamaraty no processode definição das posições brasileiras em camposimportantes, como nas negociações na OMC ouno Mercosul. É importante considerar que osestudos com foco específico sobre a atuaçãobrasileira em determinada questão (aliás os quemais crescem na literatura) permitem incorporaressas informações e aproximar-se mais dascausas dessa regularidade, no âmbito do debatesobre a continuidade.

O elemento de autonomia pode ser entendidocomo o conceito essencial ou fundamental dapolítica externa brasileira (VIGEVANI &MARIANO, 2006). Nesse caso, é importanteconsiderar que não é exclusivo da política exteriordo Brasil, mas da política externa de qualquerEstado. Do ponto de vista de um Estado nacional,a busca de autonomia é o que garante suaidentidade diante do sistema internacional. Então,a ação diplomática e a atuação internacionalbuscam, por excelência, algum grau deautonomia. Contudo, a forma como essaautonomia vai ser operacionalizada de um paíspara outro vai depender, sobretudo, dascircunstâncias de cada país, de sua localização,sua história e da visão de mundo de suas elites. Otermo autonomia, no caso brasileiro, remete à idéiade ampliação das margens de atuação ou deescolha do Estado brasileiro perante as limitaçõesimpostas pelo sistema internacional. Portanto, elaé relativa e depende muito do contexto domésticoe/ou internacional em que a política externa estásendo implementada.

Apesar disso, o elemento da autonomia é ocomponente que se volta mais diretamente àsquestões do Estado e ele seria o atributo essencialda ação do Estado brasileiro; diferente do termo“desenvolvimento”, outro elemento essencial napolítica externa brasileira, mas também dequalquer país que ainda não alcançou um patamarde desenvolvimento a ponto de ser reconhecidocomo um país no qual o padrão de vida érazoável. Não sendo um país plenamentedesenvolvido em suas capacidades, a ação externado Brasil busca condições para viabilizar odesenvolvimento. O que é importante frisar é quedesenvolvimento, no caso da política externabrasileira, é o elemento essencial àquilo que serelaciona à ação do governo, diferentemente daautonomia, que se relaciona diretamente com aação do Estado. Sendo o desenvolvimento umelemento que se relacionaria mais com a açãogovernamental seria então um elemento no qual avariação seria maior. Essa variação depende dasmudanças no contexto internacional, mas,sobretudo, do contexto doméstico, do jogo deforças políticas, econômicas e sociais existentesno interior do Estado brasileiro e que semanifestam por meio de determinados períodosda história política nacional.

Nesse sentido, pode-se considerar que amudança governamental ou as modificações noregime político nacional influenciam ascaracterísticas relacionadas ao elementodesenvolvimento. É importante notar que oelemento desenvolvimento da política externa nãosignifica que, por si só, esse elemento correspondaao total das políticas de desenvolvimento de umdeterminado governo, mas que procura relacionar-se com essas políticas, buscando contribuir paraque o país supere a condição de não desenvolvido.A política externa busca condições para que seusresultados possam ter sinergia com as políticasgovernamentais que estão sendo implementadasem um determinado período, o que significa quepode haver variações na forma como o elementodesenvolvimento é entendido e operacionalizado.Portanto, o elemento desenvolvimento tem essacaracterística de ligação com os governos que sesucedem e, portanto, podemos concluir que odesenvolvimento é o componente com maiorvariação ao longo do tempo no padrão deregularidade da política externa brasileira.

Por ser uma característica que tem maioríndice de variação, o desenvolvimento talvez

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represente as conhecidas inflexões na políticaexterna. É importante reconhecer que“desenvolvimento” é uma característica analíticageral para determinar um dos elementosfundantes do padrão de respostas brasileiros àsquestões internacionais. No entanto, oentendimento do elemento desenvolvimento, demaneira empírica, depende da compreensão daconcepção dominante das el ites em umdeterminado momento. É a partir desseentendimento que se verifica como ocorre aconstrução discursiva da política externa. Nãosó a construção, mas, também, a forma comoas escolhas tomadas ao longo de um determinadoperíodo de tempo são justificadas. Ou seja, oelemento de tradição tem de estar adaptado àrealidade do momento.

Isso significa que, em um determinadomomento histórico, “desenvolvimento” significaalgo que em outro momento histórico não é amesma coisa. Por exemplo, a idéia de“desenvolvimento”, durante o período de RioBranco (1902-1912), estava relacionadaprincipalmente com o poder oligárquico de umaeconomia agrário-exportadora baseadaprincipalmente no café e alguns outros bensagrícolas (BUENO, 2003). Havia uma composiçãode elite muito clara e não havia muitoquestionamento quanto aos caminhos que apolítica governamental deveria seguir,principalmente no que se refere aos temaseconômicos. A política externa considerava osetor doméstico dominante e dava apoio àeconomia agroexportadora, fortalecendo-se naestrutura do Estado brasileiro. Havia, nesseperíodo, certa estabilidade doméstica que permitiaà política externa fortalecer-se como tal e ganharfuncionalidade junto ao conjunto de políticasgovernamentais visando um determinado statusquo econômico. Um outro exemplo, de maiorprojeção da política externa, foi durante o governoVargas, a partir principalmente de 1937. Nesseoutro momento, “desenvolvimento” significavaatender ao núcleo central decisório que clamavapela necessidade de criar as bases de uma políticaeconômica baseada na industrialização. Portanto,analiticamente, o que observamos é que acategoria “desenvolvimento” necessita trazer astradições e princípios da política externa quehistoricamente vão se consolidando às demandase às necessidades de determinado períodogovernamental.

No Brasil, as mudanças de governo nãonecessariamente eliminam as linhas principais daconduta externa brasileira que se baseiam naautonomia e no desenvolvimento. Além dasinterpretações analíticas, no campo da pesquisaacadêmica, temos as interpretações do própriocorpo diplomático no sentido de reforçar essasidéias, buscando adaptar as circunstâncias domomento à tradição. Como vimos acima, mesmohavendo divergências quanto às causas daregularidade, existem, nas diferentesinterpretações, o reconhecimento de que a açãoexterna brasileira mantém-se com um grau relativode continuidade. Relativo porque em algunsmomentos existem inflexões, mas as rupturas sãomais improváveis. Na conjunção dos conceitosde autonomia e desenvolvimento, a políticaexterna brasileira consegue, de alguma forma eao longo do tempo, manter-se atual. Em algunsperíodos históricos, quando há uma maiorconexão entre os objetivos de autonomia e os dedesenvolvimento, a política externa daqueleperíodo tende a consolidar-se na história e/oufortalecer novos elementos ou conceitos que sãoincorporados à tradição.

Parece correto considerar que normalmente asinergia entre os elementos de autonomia edesenvolvimento ocorre quando há certaestabilidade doméstica. Ou seja, quando estásendo implementada, no nível doméstico, umconjunto de políticas que reforçam a estabilidade,a política externa ganha maior funcionalidade efica evidente o benefício possibilitado pela tradiçãoe pelo corpo diplomático profissionalizado. Asingularidade dessa política fica clara, e é possívelcolher benefícios concretos quando isso é visível.Nesses momentos, reforça-se a capacidade ou alegitimidade que a continuidade da política externavai ganhando ao longo do tempo. Por exemplo,no governo Cardoso (1994-2002)3, a idéia dedesenvolvimento econômico estava associada àliberalização econômica, ao programa deprivatizações e à diminuição do peso do Estadona economia. A política externa incorporou esseentendimento de desenvolvimento no contexto da

3 Vieira (2002), em seu estudo sobre a diplomaciabrasileira e a forma como o discurso desta apresentava achamada “autonomia pela integração”, demonstra a formapela qual ocorre a acomodação entre a “tradição”diplomática e as necessidades do momento, chamando-ade “adequação ao padrão hegemônico”.

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idéia de autonomia pela participação-integração(FONSECA JÚNIOR, 1998; LAMPREIA, 1998).No caso do governo Lula, durante o primeiromandato, em virtude da crise domésticaocasionada pelas denúncias de corrupção etambém pelo fato de representar a ascensão denovos atores com capacidade de disputar ocontrole das estruturas governamentais nacionais,não houve uma formulação oficial, um conceitoou um qualificativo para a idéia de autonomia,pois se tratava de um período de forte instabilidadedoméstica.

No segundo governo de Lula o crescimentoconsolida-se, a população tem uma melhora nacondição de vida principalmente pelos programassociais do governo e, por isso, seria um períodopropício para a formulação e/ou inclusão de novosconceitos. No entanto, a crise econômica efinanceira internacional de 2008-2009 e acampanha eleitoral para a sucessão presidencialde 2010 dificultaram esse processo de construçãodas justificativas das escolhas tomadas comrelação ao ambiente internacional. Nesse sentido,não é possível afirmar que tenha sido um períodode modificação ou de inclusão de conceitos novosna política externa. Apesar da boa aprovação dogoverno e a obtenção de resultados concretosvisando o fortalecimento da economia e dacomposição das forças políticas dominantes, nãohouve um contexto propício para oestabelecimento de uma narrativa diplomática queapresentasse conceitos ou paradigmasdelimitadores e legitimadores da ação externa, comcapacidade de conciliar ou compor as diferentesvisões em conflito.

Portanto, podemos dizer que a política externabrasileira tem condições de elaborar paradigmasquando os dois principais elementos dessa política– autonomia e desenvolvimento – são atendidosde maneira clara, e, principalmente, resultam embenefícios para as políticas nacionais dedesenvolvimento. Além dos paradigmas“americanista” e “globalista”, presentes na políticaexterna brasileira de tempos em tempos, é possívelverificar o surgimento de padrões decomportamento que se manifestam por meio deconceitos que visam não só orientar asexpectativas dos atores domésticos, mas,principalmente, justificar, perante estes atores,escolhas que estão sendo tomadas no nível daatuação internacional do Brasil, além de orientar

as expectativas dos demais atores internacionais.É, a partir desse entendimento, que pode sercompreendido os conceitos de “autonomia nadependência” (MOURA, 1980), autonomia pela“distância” (FONSECA JÚNIOR, 1998) e“autonomia pela participação” (idem). Não é oobjetivo deste trabalho abordar as diversasmanifestações desse tipo de conceituação,principalmente porque não está claro em quemedida são conceitos analíticos. No governo FHC,havia um esforço diplomático construtivo nanarrativa, de modo a cunhar uma expressão docomportamento. Falava-se de “autonomia pelaparticipação” ou de “integração” (FONSECAJÚNIOR, 1998; LAMPREIA, 1999) como formade justificar as escolhas tomadas. Esse esforçonão ocorre nesse período por uma razão aleatória.Mas, sim, além dos fatores mencionados acima,pelo fato de a diplomacia passar por um momentoem que ela precisa dialogar mais com a sociedade,em virtude da democratização e das demandas demaior participação dos outros atores domésticosna formulação da política externa. O esforço paraa construção de um paradigma para a políticaexterna no período posterior à Guerra Fria inicia-se, principalmente, a partir do governo Collor deMello, mas consolida-se no governo FHC. Adiplomacia parece construir uma narrativa na qualse usa um conceito para resumir, de algumaforma, esses dois elementos de autonomia edesenvolvimento, mesmo que não explicitamentecolocados.

Como argumentamos, atualmente, no governoLula, o corpo diplomático acaba tendo certadificuldade quanto aos conceitos a seremconstruídos, por conta do maior debate existentea respeito das escolhas brasileiras no sistemainternacional. Diminui-se a capacidade dadiplomacia em formular conceitos, como, porexemplo, “autonomia pela integração” ou“autonomia pela diversificação” (VIGEVANI &CEPALUNI, 2007) em virtude do debate sobre aquestão da política externa e sobre a própriacapacidade da diplomacia em sustentar-se comoum elemento de tradição. Na medida em que hámaiores discordâncias quanto às escolhas, e issoé natural em virtude das mudanças ocorridas,principalmente após a (re)democratização do paíse conforme o aprofundamento do que se chamade processos de globalização da economia, orecurso a qualquer tipo de formulação abrangentefica mais difícil. No entanto, isso não significa

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que a política externa tenha perdido a capacidadede auto-reproduzir-se reforçando seu elemento decontinuidade. Pois a causa dessa estabilidade talveznão seja somente a narrativa, mas, em maior grau,a continuidade do corpo de profissionais dentrodo aparato estatal dotada de grande capacidadepara formular e implementar as diretrizes de açãoexterna do Brasil.

Assim, como discutimos acima, a narrativada estabilidade e os conceitos diplomáticos quesão instrumentalizados para fins de justificarescolhas, parecem, atualmente, encontrar maioresdificuldades de operacionalização. Contudo, issonão significa que o elemento de singularidade dapolítica externa esteja esgotando-se. A capacidadede reprodução dessa linha de continuidadecontinua ativa, já que não é possível observarmudanças significativas. Haveria uma ruptura namatriz de comportamento da política externabrasileira, principalmente se houvesse umamudança no princípio da autonomia, pois, no quese refere ao princípio do desenvolvimento, jáhouve rupturas em diferentes momentoshistóricos. Durante certo período, odesenvolvimento estava relacionado com omodelo agroexportador, depois com o objetivo decriar uma economia industrializada e,posteriormente, com a liberalização econômica.Poder-se-ia identificar uma mudança se o elementode autonomia, entendido como manutenção demargens de manobra, fosse, de alguma forma,modificado. Ou seja, se houvesse perda deautonomia no âmbito regional buscandoimpulsionar as disciplinas da integração paramanter o nível razoável de autonomia em outrosâmbitos como, por exemplo, no enfrentamentodas negociações com as potências econômicasou nas grandes negociações internacionais. Issonão tem ocorrido. Mesmo havendo integraçãoregional onde o Brasil participa ativamente, noCone Sul e na América do Sul, não há nos acordos,até o momento, perda significativa de autonomiado Estado brasileiro. Mantém-se intacto oprincípio da autonomia na política externa, mesmohavendo um processo de integração em processo.Trata-se de uma peculiaridade do Mercosul, poisos processos de integração têm comopressuposto central a perda de autonomia emalgumas funções do Estado nacional pararecompô-las em nível regional, diminuindo,portanto, as possibilidades de atuação isolada doEstado (MATTLI, 1999; HAAS, 2004). O

aumento de pressões sobre a regularidade dapolítica externa brasileira não significa quenecessariamente haverá uma mudança no padrãode comportamento da política exteriorrepresentados pelos elementos de autonomia edesenvolvimento.

Ainda no que refere aos pressupostos dosprocessos de integração regional, entendemos serimportante utilizar o conceito de “paymaster”desenvolvido por Mattli (1999). A partir de umestudo abordando diversas experiências deintegração regional, o autor chega à conclusão deque, nos processos com maior capacidade deaprofundamento, ou seja, nos quais as instituiçõesregionais criadas absorveram uma maiorquantidade de funções governamentais (antesdesenvolvidas plenamente no nível do Estadonacional), houve a atuação central de um Estadocom disposição e capacidade de arcar com a maiorparte dos custos da integração. Tal atuaçãotambém estaria presente nos casos em que essasfunções acabaram, de alguma forma, sendolegitimadas no seu exercício.

É importante lembrar que os custos, nesseconceito, não se limitam aos custos financeirosda integração, advindos da necessidade doprocesso de a integração regional lidar com asassimetrias existentes, mas, essencialmente, aoscustos políticos e institucionais resultantes dacriação de uma nova estrutura regional degovernança. No caso do Estado paymaster, énecessário que se aceite a diminuição daautonomia estatal em prol das instituiçõesregionais. O caso típico levantado por Mattli(idem) é o da Europa e o papel que a AlemanhaOcidental desempenhou no processo deconstrução da integração européia. Então, partindodo pressuposto que essa idéia está correta, o casodo Mercosul coloca, para o Brasil, um papelfundamental: o papel de ser o paymaster daintegração. Se no início da integração regional,na segunda metade dos anos 1980, que estavamais concentrado no eixo Brasil-Argentina, haviacerta aceitação do modelo de integração conectadocom as questões que são essenciais para o seuaprofundamento, a partir dos anos 1990, namedida em que há um fortalecimento das idéiasliberais no bojo da “nova ordem internacional”, oMercosul vai voltando-se para um processo maisregido pelas leis do mercado e menos regido pelosestados ou por perspectivas de desenvolvimento

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regional (MARIANO, 2000; VAZ, 2002). Ou seja,a capacidade de intervenção dos estados nosassuntos que são essenciais à construção deinstituições e à equalização das diferençaseconômicas e sociais fica em segundo plano.Então, desse ponto de vista, o Brasil que teria umpotencial em ser paymaster acaba demonstrando,ao longo do tempo, falta de disposição ou decapacidade em atuar nessa direção.

A perda de autonomia nacional é entendida naação internacional brasileira voltada ao Mercosulcomo algo que deve ser controlado. Então, namedida em que se evita perder autonomia no nívelregional, começa-se a inviabilizar ou colocarlimites ao próprio processo de desenvolvimentoda integração regional no Cone Sul. O que nãosignifica dizer que a expansão (a outra dimensãoda integração regional) não esteja sendo bemaceita, porque, na medida em que há poucadisposição para lidar com a assimetria (ou seja,aceita-se um nível de assimetria alto), então aexpansão não se torna um problema econômico esocial em si, mas, principalmente, uma questãode disposição política dos atores envolvidos emaceitar a inclusão de novos estados-membros.Portanto, compreender a dinâmica de integraçãono Mercosul passa, necessariamente, porcompreender como a política externa brasileiraconecta-se aos objetivos da integração necessáriospara que essa experiência tenha um sucessorelativo. Não é possível desconectar o papel doBrasil com o Mercosul existente atualmente. EsseMercosul histórico teria relação com a ação doEstado brasileiro perante os seus vizinhos etambém seria reflexo do nível decomprometimento que se tem aceitado. Portanto,entender o Mercosul, em boa medida, é entendera capacidade de influência da ação brasileira sobreo processo.

III. O MODELO DE MERCOSUL PRESENTENA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

Antes de prosseguir vale ressaltar que essaseção do artigo é uma síntese das conclusões dotrabalho de Mariano (2007) que se fundamentou,em boa medida, em falas, discursos, atas dereuniões, normativas, textos, documentos,declarações públicas de diplomatas erepresentantes governamentais, obtidas a partirdo levantamento empírico e confrontadas com aanálise da bibliografia especializada e dos fatosnoticiados. Grande parte da pesquisa histórica

sobre a gestão governamental brasileira dosassuntos relacionados ao Mercosul foi realizadautilizando-se técnicas de pesquisa apoiadas emum uso mais intenso das inovações das tecnologiasde informação, principalmente a partir deprogramas e soluções de gerenciamento eletrônicode documentos experimentados e adaptados empesquisas realizadas no Centro de Estudos deCultura Contemporânea (Cedec)4.

Em virtude do que foi discutido nas sessõesanteriores, pode-se afirmar que o principal,embora não o único, limite estrutural da integraçãono Cone Sul é a própria regularidade docomportamento externo brasileiro. Essaregularidade, além de dar previsibilidade à açãointernacional do Brasil, torna relativamenteimprováveis mudanças importantes nesse padrãode comportamento. Por conta disso, entendemosque os fundamentos da política externa brasileiralimitam a amplitude do processo de integração.De certa forma, podemos dizer que o Mercosulpossível é o Mercosul que é compatível com alinha de continuidade da política externa brasileira.Sendo assim, e se os dois principais elementosformadores dessa estabilidade, como colocadosanteriormente, forem a autonomia e odesenvolvimento, então ter um Mercosul maisprofundo, em que o comprometimento brasileirocom as instituições do bloco seria mais acentuadoe haveria a disposição em diminuir o nível dasassimetrias entre os países, implicaria umamodificação significativa desses dois elementos.A autonomia teria de ser relativizada a um ponto

4 Essas tecnologias permitiram formar, organizar e indexarbases de dados específicas para o estudo da política externabrasileira e, particularmente, para os estudos sobre oMercosul. Essas bases foram formadas por hemerotecasdigitalizadas, banco de normativas do Mercosul, coleçõesde clippings específicos sobre o assunto, dados baixadosda internet, documentos e textos selecionados. Algumasdas principais bases de dados utilizadas foram:“Normativas Mercosul”; hemerotecas “IntegraçãoRegional 1986-2004” e “Política Exterior Econômica”selecionadas ao longo dos anos pelo Prof. Dr. TulloVigevani; notícias coletadas a partir das bases de discursose seleção diária de notícias do Ministério de RelaçõesExteriores, disponível em seu site na internet (BRASIL.MRE, 2012) e notícias coletadas a partir dos serviços declipping da Câmara Federal, também disponível em seusite na internet (BRASIL. CÂMARA FEDERAL, 2012).Algumas dessas bases encontram-se no sítio do Consórciode Informações Sociais (ANPOCS, 2012).

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que poderia significar certa ruptura, já que, paraque haja um Mercosul mais profundo, é necessárioque o Estado brasileiro aceite as disciplinasacertadas com seus parceiros, não somentecolocando a serviço da integração estruturas doEstado brasileiro, como podemos ver nosempréstimos do Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico e Social (Bndes)para a América do Sul, mas, principalmente,aceitando a criação de mecanismos regionaiscomuns nos quais as principais decisões, mesmoque tendo grande peso do Estado brasileiro, seriamcompartilhadas com os outros membros. Essasituação significaria uma alteração significativa dadefesa da autonomia no âmbito regional. Nessesentido, a política externa brasileira sofreria certaruptura, já que aceitaria uma maior perda daautonomia nacional, condizente com oaprofundamento da integração regional. Pinheiro(2004), apesar de não trabalhar com esse tipo dehipótese, fornece elementos bens estruturados nosentido do argumento que estamosdesenvolvendo, quando considera que no entornoregional a lógica da política externa brasileira é ade ganhos relativos, procurando preservar odiferencial de poder do país.

Os elementos de continuidade operam no casodo Mercosul a partir do que chamamos de modelode Mercosul contido na política exterior do Brasil.O modelo foi construído a partir da análisehistórica das posições e posturas apresentadaspelos negociadores brasileiros durante o períodoestudado. Nesse modelo, aintergovernamentalidade e a dificuldade em lidar-se com as assimetrias entre os países são doisaspectos centrais.

Além dessas características, outros aspectosconstitutivos do modelo de Mercosul presente napolítica externa brasileira são: i) a centralidadedos governos. Desde o antecedente direto doMercosul, ou seja, desde a Declaração de Iguaçude 1985, até os dias de hoje, os governos,sobretudo, o poder Executivo, têm tido papelcentral nos destinos do processo de integração;ii) a vontade política concentrada nos presidentes.Se há uma centralidade governamental nessemodelo, também é possível verificar que, dentreos atores governamentais, é reservado um papelespecial para a presidência da república; iii) adefesa da estabilidade democrática na região.Tanto a centralidade dos governos, quanto a

grande importância da vontade políticapresidencial, fundamentam-se na defesa daestabilidade democrática na região. Essa defesada democracia, no entanto, não é muito precisaquanto ao tipo de democracia que se deseja paraos países participantes. É definida essencialmentepor oposição aos movimentos de ruptura da ordempolítica como o estabelecimento de ditadurasmilitares, realidade esta que marcou grande parteda história política latino-americana; iv) a soluçãode conflitos pela via diplomática e nãoinstitucional. Mesmo existindo mecanismos desolução litigiosa desde o início do Mercosul –inicialmente o Protocolo de Brasília e suasubstituição posterior pelo Protocolo de Olivos –sua utilização foi, em geral, adiada pelos governos,privilegiando-se a solução diplomática dosassuntos que não se resolveram “naturalmente”.A intervenção governamental brasileira na maiorparte das vezes foi no sentido de oferecerbenefícios pontuais aos estados reclamantes, tantopor meio do Bndes, quanto mediante a concessãode maior acesso ao mercado brasileiro; v) a uniãoaduaneira como limite. O objetivo de consolidara união aduaneira é mais um elemento do modelo,pois permite manter a autonomia como objetivomáximo da política externa brasileira e, ao mesmotempo, consolidar o uso do Mercosul e da Américado Sul como plataformas para a inserçãointernacional; vi) estratégia de integraçãodirecionada para os assuntos menos polêmicos.Essa estratégia corresponderia ao estágio deintegração negativa nos processos de integraçãoregional (NYE, 1994), ou seja, os negociadoresdiretos do processo e as regras criadas deixariampara um segundo momento as questões menosconsensuais. Principalmente durante os anos1990, mas também nos dias de hoje, apesar deimportante no momento inicial da integração, essacaracterística visivelmente percebida nas posiçõesbrasileiras a respeito dos mecanismosinstitucionais criados, bem como nas posiçõesgovernamentais diante de determinadas demandasconcretas dos outros sócios, teve como corolárioum acumulo de pendências sobre as quais asinstituições criadas não estavam e não estãoadaptadas para enfrentar; vii) a diplomacia comoformuladora. Essa característica é fundamentalpara entender o modelo, já que, entre os principaisatores do processo, é perceptível a superioridadeque o corpo diplomático brasileiro assume comoimportante gestor da integração. Entre as

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principais forças endógenas ao Mercosul, ou seja,aquelas presentes na própria dinâmica deinteresses e expectativas que orientam a ação dosatores domésticos em relação à integração, aatuação da diplomacia brasileira foi central para oformato assumido pela integração ao longo dosanos, sendo um ator de grande relevância nodestino e na condução das decisões que definema estrutura institucional do bloco; viii) aarticulação diplomática Brasil-Argentina. Essacaracterística tem tido menor ênfase na visão dealguns analistas (HIRST, 2006), apesar de, nosúltimos anos, ter sido importante na maior partedo tempo. Mesmo assim, a pesquisa que originoueste trabalho não permite afirmar com certeza quea expansão do processo para a América do Sulacabaria por substituir a articulação originária,sendo uma característica central do modelo queé a articulação bilateral entre os dois países; ix) ainexistência de um paymaster. Quanto a esseaspecto, nosso entendimento é que, no modelode Mercosul presente na política externa brasileira,pode haver certa liderança do Brasil desde que elanão se traduza em uma transferência profundade funções e fundos governamentais nacionaispara o âmbito regional. Os diversos exemplosenvolvendo várias crises no bloco demonstraramque a posição brasileira foi de pagar os custos doprocesso (institucionais ou econômicos), mas apartir das próprias instituições nacionais, visandosempre manter um mínimo de coesão necessáriaà manutenção dos objetivos brasileiros de inserçãointernacional5; x) o regionalismo aberto. A idéiado regionalismo aberto reforça outros elementosdo modelo como a estrutura institucionalintergovernamental, a inexistência de umpaymaster e o objetivo de consolidar uma uniãoaduaneira. Essa concepção, que é uma formulaçãoda Cepal do começo dos anos 1990, consideraque um bloco econômico regional deve estaradaptado aos fluxos de comércio internacional,

evitando criar desvios de comércio. Correspondeà formação de arranjos comerciais regionais coma meta de não criar obstáculos ao comérciointernacional; xi) inclusão limitada de novos atoresdomésticos. Essa característica, apesar decaminhar para um processo de mudança, ocorre,em boa medida, em virtude do peso da diplomaciaem fases importantes do processo decisório dobloco, em detrimento da participação efetiva deoutros atores governamentais e/ou nãogovernamentais domésticos.

A crise do Mercosul, ou a sucessão de crisesque o Mercosul vem sofrendo nesses últimosanos, independente do tipo ou das posiçõespolíticas dos governantes, fica clara seconsiderarmos os aspectos presentes no modelobrasileiro destacados acima. Por exemplo, seconsiderarmos o elemento da centralidade dosgovernos e a vontade política concentrada nospresidentes, é possível verificar que a posição doslideres ou chefes de Estado, mesmo quandoenvolvidos em uma conjuntura favorável do pontode vista ideológico, como a dos primeiros anosdo século XXI (AYERBE, 2008), acaba sendouma variável de desestabilização do processo deintegração. Pois, na medida em que os governosganham centralidade – lembrando que o papelpresidencial é determinante no andamento doprocesso de integração do Mercosul – qualqueralteração de humor, ou desavenças entre aslideranças, acaba tendo uma capacidadesignificativa de frear o avanço ou oaprofundamento do processo já que os presidentessão atores domésticos com grande capacidade deintervenção sobre as negociações. Mesmo nãoestando presentes no dia-a-dia do processo, estessão atores importantes do ponto de vista do grandeimpacto que suas posturas podem apresentar. Namedida em que essas lideranças dependem do jogopolítico doméstico para que possam manter-secomo representantes de agrupamentosdominantes no centro decisório de cada país e,se entendermos, como argumenta Lima (2005),que as novas lideranças latino-americanas tendema ser mais sensíveis ao atendimento das demandasde suas populações, independentemente dosefeitos que suas ações possam ter para osprocessos de integração regional, é provável quehaja algum tipo de conflito envolvendo essaslideranças, já que, no Mercosul, não se observa acriação de mecanismos institucionaiscomunitários capazes de lidar com as questões

5 Mesmo com a nova realidade da integração a partir de2005 ainda é possível ver que esta questão continua válida.Apesar da implementação de mudanças reais no sentidodo Brasil tornar-se o principal pagador do processo, comoo advento recente do Focem ou da instalação do Parlamentodo Mercosul, estas foram muito lentas. Não se consegueatingir a velocidade necessária devido à sucessão das crisesinstitucionais vividas e, principalmente, em virtude dacrise de expectativas entre os atores governamentais esociais, gestadas durante anos e acumuladas principalmentea partir de 1999.

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relacionadas às assimetrias existentes entre associedades que estão conectando-se.

Podemos dizer que, em um processo deintegração caracterizado pela alta assimetria, hámaior probabilidade de surgimento de conflitos,a não ser que existam instrumentos institucionaispara a sua solução no curto prazo (principalmentede conflitos comerciais) e/ou em médio e longoprazo, como mecanismos de reconversãoprodutiva, de investimentos em infraestrutura ede apoio à interconexão dos parques industriaisou das cadeias produtivas, entre outros fatores.Aliado às assimetrias, observa-se que a soluçãode conflitos tem sido realizada pela viadiplomática, em vez de se privilegiar as própriasinstituições criadas no bloco. Desde o Protocolode Brasília até a instituição do TribunalPermanente de Revisão, poucas foram as vezesem que o Brasil utilizou o mecanismo de soluçãode controvérsias do Mercosul (BRESSAN, 2008),em claro contraste com a importância atribuídaao mecanismo de solução de controvérsias daOMC (RAMANZINI JÚNIOR, 2006). A soluçãode conflitos pela via diplomática, além de dificultara institucionalização dos processos de solução decontrovérsias no âmbito regional, acabaenfraquecendo também as próprias instituiçõesque são criadas, já que os atores domésticos nãovêem formas práticas de resolver os seusproblemas no âmbito da integração. Há umatendência de que esses conflitos reforcem osâmbitos nacionais e não os regionais. Então, oscanais de pressão são fortalecidos no âmbito doEstado nacional em detrimento do que seria acriação de uma arquitetura ou de uma governançaregional mais institucionalizada.

Outro elemento presente no modelo, a uniãoaduaneira como limite, expressa-se no fato deque, para avançar além dessa etapa de integraçãoeconômica, seria necessário trabalhar com asassimetrias de maneira mais efetiva e, ao mesmotempo, seria necessário admitir certosmecanismos que limitassem, sobremaneira, aautonomia do Estado nacional. Nesse sentido, aestratégia de integração direcionada para osassuntos menos polêmicos é o que resta dessaintegração. É uma integração que acaba sendodirecionada pelo mercado em detrimento daintervenção das instituições regionais no sentidode conduzir uma integração regional maisprofunda e menos assimétrica. A expectativa,

durante boa parte do tempo, principalmente, masnão somente nos anos 1990, era de que o processode integração fosse mais o resultado de umaabertura dos mercados do que propriamente deuma indução, pelos estados, dos caminhos que aintegração deveria tomar.

A defesa da estabilidade democrática na regiãopermanece também como um elementoimportante, presente na política externa brasileira,do modelo de integração no Cone Sul. Nãosignifica dizer que o Mercosul não sofra de umdéficit democrático, sobretudo, do ponto de vistainstitucional e dos atores que conduzem a dinâmicado processo, mas, se mantém a idéia de que ospaíses necessitam ser democráticos paraparticiparem da integração, o que justifica,inclusive, a polêmica em torno da entrada daVenezuela no bloco, já que existe, ao mesmotempo, uma certa imprecisão sobre qual modelode democracia os países participantes do blocodeveriam apresentar. De qualquer forma, aintegração no Cone Sul ainda se mantém comouma integração que prioriza a existência de umambiente democrático. No entanto, essa defesanão é incompatível com uma integração limitada,do ponto de vista do aprofundamento. Orestabelecimento da democracia nos países daregião é um dos motivos da própria integração doCone Sul (MARIANO, 2001; GARDINI, 2005),mas não é suficiente para garantir umdesenvolvimento mais estável do processo.

A diplomacia mantém-se, ao longo do tempo,como a principal formuladora, o que permite autilização do bloco como instrumento ouplataforma da inserção internacional brasileira e,em certa medida, explica o lento e insuficienteenvolvimento de segmentos sociais dos paísesparticipantes. Há, assim, uma dificuldade emreconhecer as decisões da integração, entendidacomo decisões envolvendo a política domésticacomo um todo. Dessa forma, a integração temdificuldade de firmar-se ou conectar-se com aspolíticas governamentais existentes nos países ecom as demandas sociais. Muitas vezes, aintegração não alcança adequadamente as decisõesdos estados nacionais em questões essenciaiscomo nas políticas tributárias, cambiais, de saúde,educação, desenvolvimento e outras, mantendoesse “descolamento” dos objetivos da integraçãoem face das realidades nacionais. Ainda não sepensa a integração como um nível de alcance da

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totalidade ou de boa parte das decisões dos estadosnacionais. Permanece a separação, até certo pontouma separação que em grande sentido ésuperficial, entre o que é um assunto domésticoe o que é externo.

Ainda nesse sentido, a diplomacia tende amanter o nível da integração em um nível inicialou no estágio de integração negativa (NYE, 1994),já que com isso pode garantir seu protagonismono processo que faz com que as demais agênciastenham dificuldade em inserir-se ouimpossibilidade de fazê-lo, em virtude de os efeitosdessa integração ainda serem razoavelmentelimitados, dificultando a tomada de posições maisclaras dos agentes governamentais nãonecessariamente ligados às questões de políticainternacional do país.

Em virtude dos fatores apresentados acima,os atores domésticos e outras agênciasgovernamentais têm dificuldade em incorporar-se na dinâmica da integração na medida em quenão vêem a esfera regional como um âmbito ondesuas ações possam ser implementadas e/ou ondeos vetos devam ser realizados ou os apoiosempreendidos. Isso faz que os atores privilegiemo âmbito nacional e não o regional.

As características levantadas até o momentoexprimem ou denotam que, de fato, o Mercosulexistente desde o começo dos anos 1990 tem granderelação com os elementos colocados no modelode Mercosul presente na política externa brasileira.Dessa forma, a integração no Cone Sul apresentalimites claros na medida em que não consegueprocessar adequadamente as demandasprovenientes dos interesses domésticos(CAMARGO, 2006). Ao não fazer isso, impõe umasérie de incertezas no processo, levando em algunsmomentos, por motivos que podem ser atécircunstanciais, atores domésticos a levantarem-se e tentarem bloquear a dinâmica da integração.Nesse sentido, dois exemplos, entre vários, sãoemblemáticos. O primeiro é a chamada “Guerradas Geladeiras”, que se iniciou em julho de 2004,entre Brasil e Argentina, em virtude das restriçõesdo governo argentino à entrada de produtosbrasileiros da linha branca. Esse episódio recebeuampla cobertura por parte da mídia, especialmentepelo fato de sua causa, em boa medida, ser atribuídaà personalidade do então Presidente argentino,Néstor Kirchner. Demonstrou também avulnerabilidade das economias do bloco quando um

setor – neste caso, dominado por empresasmultinacionais com plantas nos dois países – decidetransferir parte de sua produção de um local parao outro em razão das mudanças no preço dosfatores produtivos. Esse tipo de conseqüência éesperado em um processo de integração regionale, principalmente, em uma fase do desenvolvimentotecnológico na qual a mobilidade do capitalprodutivo é crescente. Contudo, o Mercosul nãodispunha e não dispõe de mecanismos comunitáriospara controlar ou diminuir os efeitos negativosadvindos do aproveitamento das vantagenscompetitivas, que pode gerar, entre outras coisas,desemprego e crise social.

Outro episódio que mostra a dificuldade dobloco em lidar com a questão dos conflitos foi acrise das “papeleras” entre Argentina e Uruguaipela construção de uma fábrica de celulose, afinlandesa Botnia, na localidade uruguaia de FrayBentos, às margens do rio Uruguai. Diversosgrupos de interesses estiveram envolvidos noprocesso que culminou com o pedido do governoargentino, temendo os impactos ambientais daobra, de que a questão fosse tratada na CorteInternacional de Justiça, de Haia (LAFER, 2006).O fato relevante desse caso foi que a tentativa desolução desse contencioso não se deu no âmbitodo Mercosul ou nas instituições comunitárias parasolução de controvérsias, mas diante de um órgãoexterno ao bloco. Em virtude das limitaçõesestruturais da integração do Mercosul, algumasdas quais estamos discutindo, as dificuldadescircunstanciais, inerentes a qualquer processo deintegração, no caso do Cone Sul, crescem emimportância e tendem a transformar-se emproblemas diplomáticos que aumentam a incertezae a percepção de que as instituições são frágeis,incapazes de coordenar o que os diferentes atoresdomésticos e governamentais esperam daintegração do Mercosul.

Os dois casos citados acima podem sercontextualizados nessa perspectiva. Portanto,entendemos que a atual crise do Mercosul é umacrise de expectativas. As crises das papeleras,entre Argentina e Uruguai, ou da linha branca,entre Brasil e Argentina, denotam que mesmohavendo condições nas quais as diferençasideológicas entre os governos não são tão im-portantes, há uma tendência de que as instituiçõesregionais criadas não consigam trabalhar com osconflitos, sejam eles comerciais, sejam

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diplomáticos. Esses dois exemplos seriamdemonstrações da fragilidade institucional do blocoque responde muito a esse modelo de Mercosulpresente na política externa brasileira.

Podemos afirmar que os conflitos entre ospaíses do bloco não são conseqüência apenas doaumento da interdependência, mas do aumentoda interdependência combinado com a ausênciade instituições capazes de gerenciar as demandasresultantes desse aumento.

Se partirmos do entendimento de que umaintegração regional materializa-se por meio daarquitetura institucional que gradativamente vaisendo construída, então, nesse sentido, essasinstituições, ao assumirem funçõesgovernamentais que antes estavam no âmbito dosestados nacionais, necessitam que suas decisõessejam gradativamente legitimadas por aqueles quesofrerão seus efeitos. O processo de legitimaçãodepende do relacionamento político que vaiestabelecendo-se entre os atores domésticos e asinstituições do bloco.

Sendo assim, na medida em que as instituiçõesdo Mercosul restringem o acesso dos atoresdomésticos ao processo decisório e apresentam-se limitadas quanto à capacidade de processar asdemandas existentes, aliado ao fato de que, nasmanifestações públicas mais importantes sobreassuntos relacionados ao bloco, o elemento maisvalorizado tende a ser o conflito, em detrimentodas possíveis estratégias de cooperação, podemosverificar que o processo político regional acabapor inibir o compartilhamento no seio dassociedades de uma visão de futuro na qual aintegração possa tornar-se parte da solução dosproblemas domésticos. Pelo contrário, na medidaem que a crise é supervalorizada, em que asquestões circunstâncias ganham status de questõesestruturais, isso faz que os mais atores domésticosmais valorizados enxerguem fragilidade nasinstituições regionais, em vez de força. Asinstituições acabam sendo vistas como incapazesde orientar uma ação construtiva no sentido deaprofundar a integração. A expressão desse limiteestrutural é a crise de expectativas que a própriaarquitetura institucional acaba gerando.

IV. CONCLUSÕES

Os dois principais elementos presentes napolítica externa brasileira, autonomia edesenvolvimento, discutidos na segunda seção

deste texto, são centrais para o entendimento daregularidade da política externa brasileira emrelação ao Mercosul. Esses dois aspectos e asquestões centrais da política exterior do Brasil jáforam retratados anteriormente; no entanto, éimportante discutir porque elas são determinantespara entender a defesa da intergovernamentalidadee a dificuldade em lidar-se com as assimetrias,que são elementos cruciais para compreender oque chamamos de modelo de Mercosul contidona política externa brasileira.

A intergovernamentalidade, na medida em queresguarda um alto nível de autonomia para oEstado nacional, faz com que este tenha uma fortecapacidade de intervenção em relação à políticade integração regional. Dessa forma,compatibiliza-se, adequadamente, com o elementode autonomia da política exterior do Brasil. Amanutenção das margens de manobra vale nãosomente para as relações brasileiras com outraspartes do mundo, mas, também, para a políticaregional. Contudo, a manutenção de margens deação amplas para os estados-membros dificulta oaprofundamento do próprio processo deintegração, pois pode criar desconfianças nosdemais atores no sentido de aceitação dasdisciplinas da integração, já que o Mercosul écaracterizado pela existência de fortes assimetrias,principalmente de poder.

A intergovernamentalidade torna-se centralpara manter a linha de continuidade da políticaexterna brasileira, já que romper com aintergovernamentalidade seria o mesmo queromper com o princípio da autonomia, pois nessecaso haveria a necessidade de aceitar mecanismosregionais com características de supranaciona-lidade, mesmo que limitados. No caso da questãodo desenvolvimento, não se trata necessariamentede rompimento, mas de qual seria a concepçãode desenvolvimento e como ele poderia seralcançado. Se o desenvolvimento na políticaexterna brasileira pode ser entendido como aquiloque poderia possibilitar benefícios imediatos quesustentem as composições governamentais domomento, então as políticas nacionais dedesenvolvimento brasileiro seriam aquelas quedariam vazão não somente a uma tentativa dasuperação da condição de não desenvolvido, mastambém, principalmente, dariam suporte aosprincipais setores dominantes da política e daeconomia brasileira. Isso se tem traduzido, até omomento, na tentativa de menos partilhar ou

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conectar os setores e cadeias produtivas noMercosul e mais no sentido de conseguirbenefícios no curto prazo para os setoreseconômicos nacionais, inviabilizando qualquertratamento mais profundo da questão dasassimetrias. Essa política também se viabiliza nabusca de projetar o Brasil como um ator relevanteem diversos foros do sistema internacional, nofortalecimento das relações do país com outrospaíses crescentemente relevantes no cenáriointernacional5, bem como na busca de aumentarsuas exportações para os mercados dos paísesdesenvolvidos (VIGEVANI & RAMANZINIJUNIOR, 2009). Nesse sentido, a questão dodesenvolvimento fica comprometida porque osganhos potenciais do Mercosul são limitados poressas posturas. Isso não significa que setoresimportantes da economia brasileira não estejamtendo benefícios concretos com o Mercosul. Pelocontrário, isso está ocorrendo, como demonstraa expansão dos interesses econômicos brasileirosna região e a instrumentalização do bloco comoplataforma para os objetivos de inserção brasileirana economia internacional. Contudo, não implicater uma visão de desenvolvimento compartilhada.

Para lidar-se de maneira mais efetiva com asassimetrias no âmbito regional, seria necessáriouma mudança da postura histórica brasileira emnão aceitar a perda de autonomia. Como isso nãoocorreu até o momento, a questão dodesenvolvimento inserida em uma lógica regionalfica comprometida, pois os ganhos potenciais doMercosul – aquilo que a realização da integraçãopoderia oferecer – são limitados pela manutençãodo princípio de autonomia da política externabrasileira que, como vimos, tem como corolário

a defesa da intergovernamentalidade. Diante dasituação relatada acima, o resultado é que aintegração econômica regional acaba sendolimitada a uma união aduaneira imperfeita, comriscos de retrocesso para uma área de livre-comércio. De qualquer forma, vale dizer que umaunião aduaneira, em tese, pode ser viabilizada poruma arquitetura institucional intergovernamental,assim como pode também ser gerenciadamantendo-se um alto grau de autonomia estatalcom relação à política regional. No entanto,consolidar plenamente esse estágio e até mesmoultrapassá-lo torna-se menos provável na medidaem que a manutenção da autonomia é um eixoestruturador das posições brasileiras diante daintegração.

Nessa lógica, restaria a possibilidade degerenciamento contínuo de uma união aduaneiracom um nível importante de assimetria. Contudo,na medida em que essas assimetrias mantêm-sealtas, em virtude da ausência de instrumentosregionais adequados, a tendência é que essa uniãoaduaneira não se complete e acabe sendo debilitadapor uma lógica na qual os conflitos sãosobrevalorizados, já que os meios de superaçãodesses conflitos relacionam-se com uma mudançade postura do principal Estado da integração, demodo a aceitar de maneira clara as disciplinas deuma política regional no sentido de seuaprofundamento. Por conta disso, entendemosque estamos em uma fase critica da integração. Aquestão é saber se é possível manter uma situaçãocomo essa por um longo tempo, na qual as crisestornam-se crônicas e os atores envolvidos, nãosó estatais, mas também outros atores domésticosnão governamentais, podem considerar que aintegração não é uma opção interessante.

Atualmente, é possível afirmar que, ao longodo tempo, vai consolidando-se, na estratégia denegociação brasileira, a visão de uma integraçãolimitada, capaz de expandir-se incluindo novosestados, mas não de aprofundar-se. A atual crisedo Mercosul é, na verdade, uma sucessão decrises que se iniciou em 1999, com adesvalorização cambial brasileira e que,gradativamente, vai incorporando-se comocaracterística do bloco. Entendemos que aperspectiva de solução dessa situação aparentaser a superação do elemento de autonomia dapolítica externa brasileira. Historicamente, comodiscutimos na segunda seção deste trabalho, essa

5 No caso, oportunidades oferecidas pelas relações com aChina para grupos empresariais ou sociais consolidamuma dinâmica não diretamente convergente com aintegração regional, pois seus benefícios independem dacomplementaridade produtiva regional. Em alguns casos,os excedentes no intercâmbio com a China, importantespara a Argentina, podem alimentar um fenômenoclassificado como formas modernas de nacional-desenvolvimentismo (GODIO, 2006). No caso brasileiro,a balança comercial tem apresentado alternâncias,favoráveis e desfavoráveis; contudo, ao sustentar umcrescimento que não se pode comparar ao de outros países,a China estimula reorientações estratégicas, seja no setorde tecnologia avançada (p. ex., Embraer e lançamento desatélites), seja no setor de commodities (p. ex., Vale doRio Doce).

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modificação no padrão de comportamentobrasileiro apresenta-se como sendo improvável,o que faria da integração no Cone Sul um processode baixo comprometimento, tendente à expansãoe não ao aprofundamento.

Acreditamos que a crise vivida pelo blocoparece ser expressão do que buscamos discutirneste trabalho. O elemento central não é só a

resolução das assimetrias, mas, principalmente,uma ruptura do principal elemento que constituiua singularidade da política externa brasileira, queé a questão da autonomia. Ao mesmo tempo emque há indícios de fortes pressões sobre amanutenção desse princípio, temos um históricode comportamento estatal brasileiro no qual essaquestão vem consolidando-se e, portanto, essehistórico não pode ser desprezado.

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