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Uma carta do papa em 2020.

Artigo de Karl Rahnerby Moiss Sbardelotto 4 min read original

No livro The content of faith, do

telogo jesuta Karl Rahner(1904-

1984, foto abaixo), organizado a partir

de seus escritos, consta o trecho abaixo,

intitulado Uma carta do papa em

2020. Expressa-se nele a profecia do

pensamento de Rahner, em um artigo

que oferece um vislumbre de esperana

de que, um dia, algum papa ser

suficientemente corajoso para enviar

tal carta Igreja e ao mundo.

Este breve ensaio parece ser particularmente relevante neste

momento na histria, em que as rodas parecem estar caindo do

carro institucional mais seriamente do que em qualquer momentoanterior. O que Karl Rahner escreve aqui se encaixa muito bem

com os muitos pensamentos j publicados nos ltimos tempos,

incluindo os de Dom Geoffrey Robinson.

O artigo foi publicado no stio australiano Catholica, 03-05-2012.

A traduo de Moiss Sbardelotto.

Eis o texto.
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Embora eu no atribua a nenhum dos meus antecessores, ou ao

menos aos meus predecessores imediatos, uma falta de

humildade e de modstia, parece-me que hoje um papa [no ano

2020] pode, at mesmo publicamente, fazer esta autoavaliao

crtica mais claramente do que costumava ser feita. Pessoasimportantes na histria do mundo e da Igreja costumaram ter a

ideia de que a sua autoridade legtima se colocaria em risco se

deixassem seus "sditos" ver que eles tambm eram apenas seres

humanos que cometiam erros. Era somente aps a sua morte que

os historiadores da Igreja eram autorizados a descobrir falhas,

erros ou hesitaes em um papa.

Mas, se eu estou convencido de que, mesmo como papa, eu

continuo sendo um ser humano que ir cometer falhas, talvez at

mesmo graves, por que no me seria permitido reconhecer isso

mesmo durante a minha vida? Ser que a mentalidade de pessoas

que realmente no importam tanto hoje a de que a autoridade

no sofre danos, mas ao contrrio lucra quando o seu portador

admite abertamente as limitaes de um pobre e pecador ser

humano, e no tem medo de reconhec-los? Por enquanto, ao

menos, estou disposto a ouvir discusses pblicas em minha

presena, eventualmente para aprender com os outros e para

reconhecer que eu aprendi.

Mesmo como papa, eu gostaria de continuar aprendendo. Deixe

que as pessoas percebam que um papa pode errar, cometer

equvocos, estar mal informado e escolher o tipo errado de

assistentes. Tudo isso evidente, e eu acredito que nenhum papa

recente duvidou seriamente disso. Mas por que tal evidncia deve

permanecer oculta e encoberta? Pedro permitiu que Paulo oconfrontasse frente a frente, e eu suponho que Pedro reconheceu

que Paulo estava certo. Mesmo hoje, um papa pode se permitir


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algo desse tipo. Eu, pessoalmente, reivindico esse direito e estou

disposto, se necessrio, a permitir que a minha autoridade sofra

uma perda, o que seria meu dever aceitar.

Eu no deverei ser um grande papa. Eu no tenho os meios para

isso. Portanto, no vou ter um complexo de inferioridade se eu

parecer bastante modesto em comparao com os grandes papas

do sculo XX. Para mim, isso parece ser providencial. Tenho a

sensao de que, atravs da sua

grandeza, esses papas tiveram uma

influncia na Igreja que provavelmente

nunca pretenderam ter e que teve seu

lado questionvel, uma influncia que

eu vou tentar compensar com o meu

pontificado mais modesto.

No verdade? Esses papas no

fomentaram involuntariamente uma mentalidade na Igreja quesuperestima a funo apropriada do papa, de acordo com o dogma

e de como ela foi na maior parte da histria dos papas? Essa

mentalidade no implica que um papa deva ser, em todos os

aspectos, o maior da Igreja, um ponto de referncia para todos os

impulsos, um mestre superior a todos os pensadores e telogos,

um santo e um profeta, um homem que conquista todos oscoraes com a sua personalidade fascinante, um grande lder que

molda o seu sculo e empalidece estadistas e outras grandes

personalidades na insignificncia, um pontfice a quem todos os

bispos se referem respeitosamente, como pequenos oficiais

pernate o seu rei, a fim de ouvir obedientemente as suas palavras

e ordens ?


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Eu no vou me tornar um papa desses e no considero necessrio

isso a todos. O papa tem uma tarefa na Igreja que estritamente

limitada, apesar da jurisdio universal e da plenitude da

autoridade de ensino mencionada pelo Conclio Vaticano

Primeiro. Vou exercer essa plenitude de poder, mas dentro doslimites impostos sobre mim pelas limitaes da minha prpria

natureza. Isso e nada mais.

Eu no vou ser o mais santo da Igreja. Perante Deus, eu sou menos

do que os santos que vivem hoje na Igreja, aqueles que rezam em

silncio, aqueles que so misticamente arrebatados, aqueles que

perecem por causa de sua f nas prises dos inimigos de Cristo e

da Igreja, aqueles que amam altruisticamente, como Teresa de

Calcut, todos os heris desconhecidos e no recompensados do

dever e da abnegao cotidianos.

Ningum pode negar que at mesmo um Inocncio III

empalidece diante de Francisco de Assis, e que os papas Pio dosdois ltimos sculos so menos importantes do que um Cura

d'Ars ou do que uma Santa Teresinha de Lisieux. Voc podem

dizer, claro, que eu estou comparando realidades que no podem

ser comparadas. No entanto, na vida da Igreja e diante do tribunal

eterno de Deus, santos e grandes telogos como um Toms de

Aquino ou um John Henry Newmanso mais importantes doque a maioria dos papas, e sobretudo mais importante do que

jamais vou ser.

H muitos carismas na Igreja, e o papa no tem todos em si

mesmo. Se verdade que podemos realmente compreender

apenas os nossos prprios carismas, ento at mesmo um papa
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deve dizer a si mesmo que ele no pode avaliar tudo o que vive na

Igreja, e que s Deus, e no o papa, se encontra onde tudo o que

bom e santo na Igreja se funde em uma sinfonia perfeita.

por isso que nenhum dano ser feito se o meu pontificado

corrigir, em certa medida, a mentalidade dos cristos piedosos

que equivocadamente esperam dos papas aquilo que eles podem

receber apenas dos santos e das grandes mentes da Igreja e,

possivelmente, de si mesmos.

Ser que h cristos, e talvez papas, que se lembram de que, ao

rezar o Pai Nosso com esperana impaciente pela vinda do reinoeterno de Deus, eles esto rezando tambm pelo fim do papado?

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