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Nº21 1º Semestre de 2009 Revista FACOM Resumo Abstract 1 Uma ciência integral, um propósito comum A modernidade constitui um sistema coerente organizado a partir do mercado mundial, dinâ- mico e intrinsecamente concentrador de riquezas. Ela foi se organizando, ao longo do último século, a partir da associação entre o industrialismo generalizado e o consumismo, de um lado, e a tecnociência, de outro, ambos geridos por finanças cada vez mais globais. Mas um salto de qualidade ocorre agora na medida em que este sistema estabelece uma relação predatória com a biosfera planetária até o limite da sua aniquilação (no que importa para nossa espécie), que torna sem sentido a idéia de progresso humano reduzido ao avanço dos poderes societá- rios sobre os fluxos de matéria e energia. 1 A modernidade já realizou a parcela de suas promessas que podia, efetivamente, implementar. A convergência de crises que vivemos (ambiental, econômica, energética, alimentar, hídrica) This article retakes the elective affinities between the development of science and modernity as a system modulated for the development of the capitalist global market. It explain that any alternative for the convergence of crises that marks the present time (with the environmental crisis as most serious) demands of a new vision of world, a new epistemological paradigm. This will demand the overcoming of a central characteristic of the scientific paradigm established by Galileu and Newton, already surpassed in the scientific community, but still widely present in the vulgata of the science transmitted for the media, the rigid separation between facts and values, objective knowledge of the world and production of meaning. Keywords: Science, Knowledge, Meaning, Sense, World Vision, Ecology, Humanism. Este artigo retoma as afinida- des eletivas entre o desenvol- vimento da ciência e da moderni- dade como sistema modulado pelo desenvolvimento do mercado mundial ca- pitalista, mostrando como qualquer alternativa para a convergência de crises que marca a atualidade (tem a crise ambiental como a mais grave) exige a constituição de uma nova visão de mundo, um novo paradigma epistemológico. Isto exigirá a superação de uma característica central do modo científico de pensar estabelecido por Galileu e Newton, já am- plamente questionado na comunidade científica, mas ainda amplamente presente na vulgata da ci- ência transmitida pela mídia, a rígida separação en- tre fatos e valores, conhecimento objetivo do mun- do e produção de sentido. Palavras-chave: Ciência, Conhecimento, Significa- do, Sentido, Visão de Mundo, Ecologia, Humanismo José Correa Leite

Uma ciência integral, um propósito comum

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Resumo Abstract

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Uma ciência integral, um propósito comum

A modernidade constitui um sistema coerente organizado a partir do mercado mundial, dinâ-mico e intrinsecamente concentrador de riquezas. Ela foi se organizando, ao longo do último século, a partir da associação entre o industrialismo generalizado e o consumismo, de um lado, e a tecnociência, de outro, ambos geridos por finanças cada vez mais globais. Mas um salto de qualidade ocorre agora na medida em que este sistema estabelece uma relação predatória com a biosfera planetária até o limite da sua aniquilação (no que importa para nossa espécie), que torna sem sentido a idéia de progresso humano reduzido ao avanço dos poderes societá-rios sobre os fluxos de matéria e energia.1A modernidade já realizou a parcela de suas promessas que podia, efetivamente, implementar. A convergência de crises que vivemos (ambiental, econômica, energética, alimentar, hídrica)

This article retakes the elective affinities between the development of science and modernity as a system modulated for the development of the capitalist global market. It explain that any alternative for the convergence of crises that marks the present time (with the environmental crisis as most serious) demands of a new vision of world, a new epistemological paradigm. This will demand the overcoming of a central characteristic of the scientific paradigm established by Galileu and Newton, already surpassed in the scientific community, but still widely present in the vulgata of the science transmitted for the media, the rigid separation between facts and values, objective knowledge of the world and production of meaning.

Keywords: Science, Knowledge, Meaning, Sense, World Vision, Ecology, Humanism.

Este artigo retoma as afinida-des eletivas entre o desenvol-

vimento da ciência e da moderni-dade como sistema modulado pelo

desenvolvimento do mercado mundial ca-pitalista, mostrando como qualquer alternativa para a convergência de crises que marca a atualidade (tem a crise ambiental como a mais grave) exige a constituição de uma nova visão de mundo, um novo paradigma epistemológico. Isto exigirá a superação de uma característica central do modo científico de pensar estabelecido por Galileu e Newton, já am-plamente questionado na comunidade científica, mas ainda amplamente presente na vulgata da ci-ência transmitida pela mídia, a rígida separação en-tre fatos e valores, conhecimento objetivo do mun-do e produção de sentido.

Palavras-chave: Ciência, Conhecimento, Significa-do, Sentido, Visão de Mundo, Ecologia, Humanismo

José Correa Leite

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mostra que ela desencadeou forças (produtivas e destrutivas) e dinâmicas (avanços qualitativos do conhecimento, abundância, crescente impac-to e interdependência entre a humanidade e a biosfera planetária de conjunto) que já não po-dem ser contidas ou resolvidas em seus marcos, que remetem para além de sua lógica; a manu-tenção do seu enquadramento básico revela-se, em face da presença destes elementos, cada vez mais destrutiva. Mas se uma nova forma de civili-zação é necessária, ela não poderá se viabilizar simplesmente como rejeição de alguns aspectos do mundo moderno, mas como sua superação sistêmica, remetendo para uma nova organiza-ção social, um novo sistema relações globais e também uma nova infra-estrutura mental e seus valores explícitos e implícitos.

Toda grande mudança histórica do passado envolveu alteração profunda das formas

de produção de sentido e de apreen-são do entorno, da visão social de mundo dos envolvidos, das suas

formas básicas de conhecimento e significação, rompendo com gri-

lhões que aprisionavam o pensamen-to anterior. Esta é, de fato, uma das ca-

racterísticas da emergência de uma nova civilização, ainda mais evidente quando se

pretende que isso se dê como resultado de uma revalorização da atividade política. Quando os gregos passaram a viver em cidades-estado e a desenvolver relações políticas, tiveram que inventar, nos séculos VI e V a.C., a filosofia – pois sua existência não era mais compreensível, para os setores mais ativos das pólis, a partir do pensamento mítico, o que por sua vez alavancou o desenvolvimento das relações políticas (como demonstraram Vernant e Meier). Da mesma for-ma, a vida na modernidade demandou, depois do final do século XV, com o questionamento da visão de mundo estruturada pela fusão do cris-tianismo e do aristotelismo (Koyré), a invenção de uma nova forma de conhecimento, que afinal emergiu, sob a forma do pensamento científico, experimental e quantitativo, no século XVII e se tornou inseparável do capitalismo, do individua-lismo, dos estados nacionais e da política mo-derna, alavancando estas dimensões da existên-cia contemporânea.As condições históricas do presente demandam hoje, como requisito para o avanço no processo “civilizatório”, a sistematização e difusão de um

novo entendimento da vida, uma nova vi-são social de mundo, uma nova compre-ensão do ser humano e de sua relação com a natureza, a sociedade e o conhe-cimento, apta a nos fornecer orientações no âmbito expandido, planetário, em que se apresenta agora a comunidade huma-na – mais poderosa do que nunca, mas sem parâmetros para utilizar este poder, destruindo celeremente a vida na Terra. O parâmetro anterior, oriundo do mundo industrial, estrutura-se tendo o mercado como mecanismo de alocação de recur-sos em um mundo de escassez, engen-drando crescente arrogância e hybris, perdendo racionalidade na medida em que transitamos, nas últimas décadas, para fora da escassez. Sem uma forma de compreendermos nossos problemas à altura das transformações que o mundo exige, estamos condenados a repetirmos velhas fórmulas e nos recolocarmos em sucessivos impasses. Esta forma de co-nhecimento que necessitamos – poderí-amos chamá-la de uma “ciência integral” para retomar com outro nome o projeto que foi, em sua época, o de Galileu, o de uma “ciência nova” – terá, como as for-mas do passado, que fornecer não só uma epistemologia própria (fundamen-tando critérios de verdade ou validade das afirmações), mas também sua cos-mologia (como vemos o mundo e nos relacionamos com ele), ontologia (o que pode ou não existir e sob que formas) e ética (que valores devemos perseguir na existência humana) práticas, além de ajudar a plasmar os novos processos de subjetivação e orientar a tomada de deci-sões em uma sociedade sustentável.Se é uma ilusão pretendermos mudar o mundo a partir de uma reforma moral dos indivíduos que ignore a política e o poder, é igualmente ingênuo querermos transi-tar para outra sociedade sem colocarmos a disputa de idéias na sua acepção mais ampla no coração da atividade política, de fato aceitando as premissas e funda-mentos do mundo moderno e reduzindo a política real à manipulação das disputas de poder nestes marcos.

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Toda ação humana pressupõe a adesão não só a teorias como também a valores, concepções morais e formas de entendimento – a visões de mundo no sentido forte do termo. Um forte movi-mento de mudança tem que estar alicerçado em uma produção comum de sentido, propósito, fi-nalidade, em um novo processo de significação.

A ciência, sua vulgata e a perda de sentido na modernidade

A ciência, que se impôs como a visão de mundo moderna, nos forneceu a chave para a compre-ensão e o domínio da natureza. Se hoje algumas de suas premissas fundadoras nos parecem simplistas, no passado elas foram revolucioná-rias em termos cognitivos e práticos, dando à hu-manidade poderes antes considerados divinos (tornamo-nos “deuses de prótese”, diria Freud), prometéicos ou fáusticos, e impulsionando um salto moral na trajetória da nossa espécie.Maquiavel fundou o pensamento moderno bus-cando “entender as coisas como elas são”, se-parando este entendimento das avaliações dos comportamentos morais (com a valoração da política medida pelo que seria depois conheci-do como razão de estado). É neste terreno que se formou no século XVII, a ciência moderna, experimental e quantitativa, consolidando a se-paração entre fatos e valores, portadora de ver-dades comprovadas, desvendando os segredos da natureza – um livro escrito em linguagem ma-temática, diria Galileu – e portanto (pensou-se cada vez mais) tornando-a passível de previsão e controle. Como afirmava seu contemporâneo, o chanceler Bacon, “conhecimento e poder são para o homem uma única coisa” (Novum Or-ganum, livro 1, aforismo 3). Esta ciência “dura” – nascida da crise pirrônica dos séculos XVI e XVII, em uma Europa dilacerada pela disputa entre crenças religiosas e ansiando por certezas em um mundo em que nenhuma forma pré-es-tabelecida de conhecimento parecia mais ofere-cer segurança ou garantias – sempre pretendeu neutralidade axiológica, buscando separar rigo-rosamente aquilo que é daquilo que aspiramos. Ela foi, como colocou Descartes, uma “filosofia prática, pela qual, por conhecer a força e a ação do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos cercam... po-deremos empregá-los em todos aqueles usos a que são apropriados, tornando-nos assim como

que mestres e possuidores da natureza” (Discurso sobre o método, parte VI). Ela forneceu os alicerces epistemológi-cos para o revolucionário movimento de idéias que foi o Iluminismo, com sua va-lorização da razão e da universalidade – com suas formulações sobre o direito natural e declarações generosas sobre a liberdade, a igualdade e a fraternidade de todos os seres humanos. O mesmo vale para a posterior Revolução Indus-trial, embora aqui os termos do debate tenham que ser matizados. Não estamos falando sobre a dimensão normalmen-te tratada por historiadores como Hobs-bawn ou Kuhn, que constatam, correta-mente, que a Revolução Industrial não foi uma aplicação técnica das descobertas científicas anteriores (a engenharia é um empreendimento do século XIX). Mas a Revolução Industrial inglesa (ocorrida na segunda metade do século XVIII) se deu no interior do universo cognitivo criado ou consolidado pela Revolução Científica ao longo do século XVII: mecânico, atomis-ta, determinista, valorizando as práticas experimentais, que tinha em Newton seu grande herói intelectual. Deu-se no mar-co da consolidação de uma mentalidade anterior à própria Revolução Científica, que a pressupunha, onde já imperava “um novo modo, mais puramente visual e quantitativo do que o antigo, de perceber o tempo, o espaço e o ambiente natural” que, segundo Crosby (A mensuração da realidade, p. 211), vem do final do feu-dalismo e se consolida no final do sécu-lo XVI, mentalidade que teria dado aos europeus habilidades administrativas, comerciais, navais, militares e industriais decisivas para imporem sua suprema-cia no mundo. Deu-se, para retomarmos uma formulação de Koyré, no marco de uma cosmologia em que o homem não vivia mais no interior de um “mundo fe-chado”, mas sim de um “universo infinito”.No mundo mecânico e atomístico em que a humanidade passou a viver depois de Descartes e Newton, a ciência reduzia o papel do acaso na existência, dissolvia o cosmos – como totalidade abarcan-do também o divino e o transcenden-

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te, portadora de sentido para todas as coisas, e agora substituído pelo universo imanente da res extensa, da necessidade bruta – e surgia como garantia de verdades demonstráveis, es-tabelecendo uma enorme superioridade sobre os conhecimentos baseados na fé ou na argu-mentação descolada da experiência. A ciência baseada em evidencias empíricas demonstraria sua efetividade e empoderaria a sociedade mo-derna frente à natureza, desencantada e tomada como substrato inerte da ação humana, atingin-do seu ponto culminante com a formulação, por Darwin, da evolução por seleção natural – mo-mento decisivo da eliminação da teleologia da esfera da ciência. O positivismo foi o corolário desta identificação entre ciência e verdade, se-parando a objetividade que a ciência propiciava no entendimento dos fatos da subjetividade dos juízos de valores e das crenças, apoiado na con-vicção de que a humanidade teria, com a ciência moderna, se assenhorado de poderes capazes de moldar a natureza em função de seus desíg-nios. Uma nova epistemologia, cosmologia e on-tologia se reforçavam mutuamente, separadas de uma ética explícita (mas carregando uma im-plícita). No final do século XIX, esta ciência ala-vancava o desenvolvimento tecnológico e logo estabelecia as bases para o surgimento de uma esfera tecno-científica.As práticas científicas concretas, na medida em que se desenvolviam fieis ao seu projeto de entender e controlar o mundo, foram dissol-vendo algumas destas crenças em segmentos da comunidade científica e apreendendo pouco a pouco o caráter complexo do universo. Uma modificação qualitativa do que se entendia ser a prática científica explodiu no século XX, em especial com a mecânica quântica, estimulando uma revisão da idéia de “Ciência” nos círculos especializados e abrindo espaço para algo que talvez pudesse ser designado como uma multi-plicação de “ciências”. Isso, todavia, nunca levou a uma redefinição ampla, em escala social, da concepção inicial de ciência, mecânica, atomís-tica, quantitativa e “neutra”, buscando separar fatos de valores como garantia de objetividade, cada vez mais difundida como vulgata para par-celas crescentes da sociedade. Esta ciência, magicamente portadora de um futuro radiante para a humanidade, em que todos nossos pro-blemas seriam solucionados por meios técnicos cada vez mais poderosos, tornou-se, como bem

perceberam os frankfurtianos, um mito com existência real, embasado no predo-mínio da razão instrumental na civilização capitalista industrial. Esta ciência-mito tem uma dupla face. De um lado, estimu-la a efetivação de todo tipo de sonhos (da derrota de doenças terríveis e extensão da vida ao transporte veloz e a comu-nicação instantânea) e pesadelos (das armas de destruição em massa à indus-trialização completa da vida) tecnológi-cos, que se transformaram na tecnosfera contemporânea e modulam boa parte da pesquisa científica. De outro, o mito con-tinua presente como desejos-fantasias nas capas das revistas jornalísticas se-manais, que hoje prometem “a cura do câncer”, “transplantes de órgãos a partir de células tronco” e “vidas saudáveis de 150 anos”, como há dez anos prometiam a decifração do “livro da vida” e a “cura de todas as doenças”, e há trinta anos prometiam a “colonização da Lua e via-gens à Marte” e a “vida no fundo do mar”. Assim, diferente do pensamento mítico, da religião e da filosofia, que a antecede-ram como formas totalizadoras de conhe-cimento, a ciência cresceu e se tornou hegemônica no entendimento do mundo como portadora da promessa de controle da natureza, mas não como portadora ex-plícita de valores – dos parâmetros para se definir o certo e o errado, o bom e o mau, o justo e o injusto, para estabelecer propósitos de vida... Mas não é possível ao ser humano viver sem atribuir sentido. Os projetos políticos (e existenciais) da modernidade tiveram, assim, tanto que assumir os valores implícitos na proposta original da ciência (“verdade”, “controle das condições de existência”, “desempe-nho”, “objetividade”, “neutralidade”) como continuar recorrendo aos sistemas de va-lores herdados das visões de mundo do passado, as religiões e filosofias.As visões de mundo antes dominantes foram formadas no período denominado por Jaspers de Era Axial, a partir do sécu-lo VI a.C., como respostas historicamente situadas à crise do pensamento mítico, até então vigente. As religiões – designa-ção que recobre realidades cosmológi-

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cas, axiológicas e éticas muito diferentes nos rei-nos e impérios do Oriente Médio, Pérsia, Índia e Extremo Oriente – e as filosofias – nas cidades-estado das Bacias do Mediterrâneo que conhe-ciam uma vida política – foram constituídas para restabelecer a identidade e os processos de sig-nificação dos membros de distintas sociedades antigas em lugar dos sistemas de “pensamentos selvagens” anteriores. Mas as filosofias e religi-ões foram murchando e perdendo vigência na Cristandade como formas efetivas de conheci-mento, entendimentos totalizadores do mundo, na medida em que os europeus se colocaram no centro da formação da nova economia-mundo, engendraram o capitalismo como sistema social maquínico, construíram novas relações cada vez mais instrumentais com a natureza e deslancha-ram a dinâmica da modernidade. O novo mundo que se constituiu a partir de 1492 demandava uma nova forma de conhecimento, que permi-tisse aos europeus, que o dominavam, adminis-trarem sua existência – forma afinal encontrada, depois de 150 anos de disputas entre a visão de um universo regido por leis da filosofia natural apreensíveis pela matemática (simbolizado por Copérnico) e o naturalismo mágico ou vitalista (simbolizado por Paracelso), na “ciência nova” de Galileu e Newton. A Ciência (experimental e quantitativa) tornou-se inseparável da modernidade, fornecendo os alicerces de sua instituição material e imaginária. A Revolução Industrial consolidaria este entendi-mento do mundo, fornecendo um estímulo irre-sistível à ciência: ela se tornava cada vez mais necessária para gerar lucros para as grandes empresas industriais. Desde o final do século XIX, ciência e técnica se combinavam nos depar-tamentos de pesquisa das grandes corporações. Alimentada também por vultosos investimentos governamentais (afinal a pesquisa científica e sua aplicação na produção de armamentos se pôs, cada vez mais, no coração da “seguran-ça nacional”), uma vasta esfera tecno-científica tornou-se central no mundo capitalista/moder-no. A mediação entre a sociedade e a natureza passou a ser exercida, cada vez mais, por com-plexos sistemas peritos, que possibilitam a vida urbana, fornecem energia, propiciam transportes e circulação de pessoas e mercadorias em es-calas gigantescas, viabilizam a comunicação e oferecem, para as parcelas afluentes da humani-dade, uma vida cada vez mais confortável (mas

trazendo também novos riscos, de alta conseqüência). Do nascimento à morte, a vida das parcelas dominantes da so-ciedade se desenvolve hoje em casulos dependentes da tecnociência e o próprio Homo sapiens se torna objeto da técnica, que assiste sua concepção e nascimen-to, medicaliza sua vida, modula seu com-portamento e sua vida sexual e afetiva e estende sua existência (o “homem como objeto da técnica” para Hans Jonas).E estas ciência e técnica flanqueiam, agora, novos umbrais, graças à revolu-ção da informática e das novas tecnolo-gias de comunicação, que tanto acelera-ram a produção, circulação e acesso a uma cultura cada vez mais sofisticada e sedutora (com a banalização da imagem) como alavancaram e globalizaram a cir-culação de informações e a produção do conhecimento científico (e de sua aplica-ção técnica). As tecnologias da informa-ção alteraram a organização econômica e modificaram o cotidiano de bilhões de pessoas. Mas também viabilizaram no-vos ramos de pesquisa (genética, bio-tecnologias, nanotecnologias, análise dos sistemas complexos...) e trouxeram novas promessas fáusticas – além de no-vas ameaças, maiores e mais catastrófi-cas do que nunca (como as iniciativas de geoengenharia planetária ou o terrorismo com armas biológicas). Mas embora a ciência praticada tenha se tornado cada vez mais complexa e dis-tante de seu modelo inicial, ela continuou assimilada pelo imaginário social no seu formato original: portadora de certezas em um mundo de incertezas e instabili-dade, neutra e objetiva, porque basea-da na separação de fatos e valores. No senso comum, um conhecimento neutro, que pode ser usado para o bem ou para o mal. Esta vulgata – que amesquinha o trabalho de desconstrução de mitos e certezas das grandes mentes que cons-truíram a visão de mundo científica nos primeiros séculos da modernidade – é também uma caricatura da ciência real-mente praticada na produção do conhe-cimento de ponta sobre o universo e a vida, embora por vezes espelhe bem a

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produção científica normal, altamente especia-lizada, parcelizada e bastante associada à téc-nica modulada pelas necessidades do mercado e controlada por patentes. Sua prevalência e o lugar simbólico que ocupa no mundo atual não são, todavia, um acaso. Estão estreitamente li-gados à busca de controle técnico localizado das várias esferas da existência. É necessário tornar a realidade mecânica, para torná-la instrumen-tal, previsível e manipulável. Uma causalidade probabilística não garante, para além de âmbitos técnicos limitados, nem controle, nem resultados seguros, passíveis de serem transformados em mercadorias...Por não ser produtora de sentido, a ciência não eliminou nem a religião, nem a filosofia, que sub-sistiu de forma implícita ou explícita. Em lugar al-gum isso ficou mais explícito do que nas ciências humanas ou sociais. A concepção original de ci-ência, apesar de todas ambições (mecanicistas, positivistas, funcionalistas e estruturalistas), era impraticável na análise da sociedade. Para que algo aproximado pudesse existir, foi necessária uma reciclagem da filosofia e sua reforma, pela atribuição do caráter de verdade científica a uma crença (filosófica), a idéia da história como pro-gresso humano; liberalismo e marxismo, capita-lismo e socialismo compartilhavam esta mesma crença, na qual o progresso econômico foi gra-dativamente deslocando o progresso moral ou da razão do lugar central que tinha no Iluminis-mo. O critério maior de legitimação de qualquer governo tornou-se o crescimento econômico, sua capacidade de aumentar o acesso de sua população a bem materiais (ou aquilo que o con-sumismo e a cultura da descartabilidade consi-dera um aumento do bem-estar). Mesmo para o marxismo – com exceções, como Mariátegui ou Benjamin – era bom o que impulsionava os fins últimos do desenvolvimento das forças produti-vas, do fortalecimento da classe trabalhadora, nos parâmetros da racionalidade instrumental difundida pela Ciência moderna, o que lhe criou uma grande dificuldade para a reflexão ética!Hoje o “progresso” não é mais auto-evidente, não pode mais ser tomado como um valor em si. Muito do que é chamado de progresso (a co-meçar pela acumulação generalizada de bens de consumo duráveis identificados com conforto e status social, pela geração de energia de fon-tes fósseis e pela maneira como grande parte da humanidade se desloca pelo planeta nos atuais

sistemas de transporte – ou seja, a maio-ria da atividade produtiva atual) está des-truindo grande parte dos ecossistemas do planeta e produzindo uma extinção em massa de espécies, que poderá arrastar consigo a humanidade. Não é necessá-rio, todavia, nem mesmo chegarmos ao neoliberalismo e à crise ecológica para questionarmos o progresso. Basta recor-darmos que o século XX foi a época mais violenta da história humana, marcada do início ao fim por genocídios – dos armê-nios aos ruandenses, passando pelos en-tão ultramodernos campos de extermínio nazistas – e pela ameaça do holocaus-to nuclear, e que Auschwitz e Hiroshima cristalizavam as técnicas mais modernas de sua época. A modernidade organizada a partir do sistema auto-télico que é o capitalismo construiu as formas de conhecimento ne-cessárias para sua efetivação e suprimiu aquelas que não lhe eram funcionais. A vulgata da ciência funcionou e ainda fun-ciona, principalmente para as camadas afluentes e globalizadas da humanidade, como a visão estruturante de sua relação com o mundo. Isso tem uma parcela de responsabilidade não desprezível por nos encontrarmos, neste momento em que estamos em uma encruzilhada inédita para nossa espécie, frente a um cenário mental tão desalentador: a incapacidade de as instituições estabelecidas fornece-rem uma medida estratégica para a ação humana para além da quantificação mer-cantil; as parcelas afluentes da humani-dade mergulhadas na voragem consu-mista e agentes ativas da destruição da vida no planeta; vastas legiões de mise-ráveis passivas e desesperançadas, mui-tas vezes regredindo à fundamentalismos religiosos; uma cultura, tornada descartá-vel, funcional para estimular a expansão permanente da produção industrial, mas que já não oferece aquilo que toda cultu-ra do passado oferecia, parâmetros está-veis para a produção de sentido, para a existência e a atividade humanas.No mundo cada vez mais sem sentido em que vivemos, o descontrole e a hybris ex-pressos na globalização são percebidos

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por parcelas cada vez maiores das populações, que intuem que esta civilização gera uma irracio-nalidade sistêmica crescente. Mas as próprias vi-das destas pessoas parecem tornar-se cada vez mais sem propósito – sem que elas vislumbrem alternativas dotadas de credibilidade. O consu-mo, o espetáculo, o individualismo e os modis-mos não são suficientes para dar um significado denso à existência humana, gerando uma crise no processo de identificação do indivíduo com a sociedade. “Não existe uma auto-representação da sociedade como centro de sentido e de va-lor, uma sociedade como que inserida em uma história passada e uma história por vir, dotada ela mesma de sentido, não ‘por si mesma’, mas pela sociedade que constantemente a re-vive e a re-cria dessa forma” (Cornelius Castoriadis, A ascensão da insignificância, p. 156).1 Esta perda de sentido é uma dimensão central da crise de civilização em que estamos mergulhados. A sociedade atual, é certo, continua reproduzin-do crenças milenares que tem a adesão – pro-funda ou superficial – de bilhões de pessoas. Mas, fundamentalmente, produz um sentido ba-nal para a existência de seus membros afluentes (e influentes): o hedonismo, o narcisismo, o dar-se bem e a busca de gozos privados são difun-didos obsessivamente, produzindo ansiedade permanente nas pessoas. As opiniões, posições e desejos destas cama-das se tornam cada vez mais volúveis e estes indivíduos “leves”, libertos dos imperativos das tradições e do peso do passado, são apresen-tados por alguns como pessoas mais livres. Li-povetsky caracteriza a sociedade atual como “pós-moralista”, devido ao “crepúsculo do dever” e ao desenvolvimento da “ética indolor dos no-vos tempos democráticos”. Giddens vai falar da “intimidade como democracia” e da prevalência da política dos estilos de vida. Mas estas são variedades modernas do indivi-dualismo possessivo ligadas a uma cultura que se tornou uma mercadoria entre outras, em cir-culação permanente, não oferecendo mais re-ferências estáveis às pessoas. Se elas captam uma dimensão da existência de certas parcelas da sociedade, nada dizem sobre os grandes di-lemas do mundo atual. Ou, se o fazem, é pela negativa: a formação de estruturas de persona-lidade manipuladoras e manipuláveis, que reifi-cam os seres humanos, incapazes de empatia ou identificação com o outro (Adorno), que fa-

zem do desempenho demandado pelo sistema seu princípio de realidade (Mar-cuse), que consomem significados e ex-periências de vida através das imagens presentes em tudo e, antes de mais nada, em uma cultura efêmera, desprovida da densidade que a cultura ligada à vida vi-vida sempre teve (Debord).Mas as crises que se assomam em uma grande crise sistêmica demandam outra organização do mundo social e psíquico, outro modelo de civilização. O horizonte hoje colocado é o da ruptura não apenas com o capitalismo globalizado, mas com a civilização moderna. Na disputa política e de idéias dos últimos duzentos anos, a modernidade – expressa quer nos capita-lismos, quer nos socialismos – represen-tou o aprimoramento humano, a melho-ria, o desenvolvimento e seus inúmeros sinônimos frente ao “antigo regime”, à “velha ordem”, às formações sociais ar-caicas, pré-capitalistas ou a um capitalis-mo considerado “primitivo” para as forças produtivas disponíveis para a humanida-de. É nesta ótica que socialistas se apre-sentavam como as forças do “progresso” contra a “reação” e se alinhavam com outras forças progressistas contra os re-acionários. Até bem recentemente, como, por exemplo, na disputa conceitual trava-da no pensamento social dos anos 1980, frente a pós-modernismos considerados apologistas da ordem neoliberal, a es-querda sempre se colocava como defen-sora da modernidade – identificada com o projeto iluminista. Mas não é necessário sublinhar que, se tomamos a modernida-de como uma época histórica, nada re-presenta melhor a culminância do projeto moderno na época de seu esgotamento, no terreno das idéias, do que o pós-mo-dernismo relativista, sua afirmação irres-trita do construtivismo social e seu culto dos fragmentos, em que culturas e estilos de vida são consumidos em um mercado de significados.O fato de a humanidade ter-se tornado mais poderosa em sua capacidade de manipular matéria e energia não significa que ela tenha se tornado mais sábia! Isso só resultaria de novas instituições sociais

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e de novos processos de subjetivação, que te-riam que constituir seres humanos muito distin-tos dos atuais. E da difusão pelo tecido social de uma compreensão muito mais abrangente e in-tegrada dos processos da natureza e sociedade, hoje chapada e unidimensional, de um conheci-mento do mundo muito mais profundo.

Pistas para uma ciência integral

O diagnóstico traçado até aqui obriga, para ser-mos responsáveis, que trabalhemos pela cons-trução de saídas coletivas nos diversos âmbitos – e, nos marcos que discutimos aqui, inicialmen-te no âmbito “filosófico”. Quais os caminhos para superarmos uma situação epistemológica e axio-lógica tão deprimente? Como pode emergir uma nova forma de conhecimento capaz de fornecer parâmetros melhores para orientar nossa atua-ção individual e coletiva? Quaisquer respostas que formulemos são aproximações tateantes e incertas, esboços de caminhos que só se reve-larão falsos ou verdadeiros a posteriori, se forem efetivamente percorridos pelas sociedades atu-ais ou futuras; de outra maneira, terão sido ape-nas potenciais não efetivados.Nossa época demanda uma visão de mundo qualitativamente mais integrada e complexa, dis-tinta daquelas hoje em circulação, capaz de tota-lizar uma apreensão e vivência muito mais plena da natureza, oferecer uma compreensão menos idealizada da história humana, da sociedade e da ciência moderna, colocar em perspectiva as demais formas de conhecimento e a inserção so-cial do próprio conhecimento, situar o indivíduo o mundo, confrontá-lo com sua condição limitada e orientar sua ação. Temos necessidade de uma revolução epistemológica prática, uma nova for-ma de conhecimento capaz de superar em di-versas áreas a separação entre fatos e valores, capaz de buscar ao mesmo tempo apreender da forma mais rigorosa a realidade e reconhecer sua relação com valores estruturantes de signi-ficado para a humanidade, restabelecendo uma idéia de propósito e sentido comum à atividade humana.As formas de conhecimento são invenções so-ciais, somente possíveis em algumas circuns-tâncias históricas únicas. Não ajuda muito es-pecular abstratamente sobre estas condições; devemos, pelo contrário, mostrar as transforma-ções que vem se dando no terreno epistemoló-

gico contemporâneo, para evidenciarmos como elas podem apontar um novo mar-co cognitivo, capaz de lidar com muitos aspectos da existência não apreendidos pelas formas passadas de conhecimento. E não podemos deixar, neste percurso, de partir da ciência, a forma de conheci-mento dominante que herdamos, embora ela não baste para dotar a humanidade da sabedoria necessária para enfrentar os desafios do presente – Habermas vai destacar (em “Fé e saber”) o papel civili-zador desempenhado pelo senso comum de uma opinião pública democraticamen-te esclarecida pela ciência, que terá um impacto tanto maior quanto mais próxi-mos do nosso cotidiano forem estes co-nhecimentos científicos, embora o filóso-fo não problematize a ciência necessária para cumprir hoje este papel.Há, em primeiro lugar, um desenvolvimen-to interno da própria ciência, em seus ra-mos de ponta, que caminhou para fora do modelo axiológico, cosmológico e ontoló-gico proposto pela física newtoniana. Este modelo tinha se infiltrado gradativamente no “mundo da vida” moderno oferecendo uma falsa mas muito eficiente âncora de segurança existencial para a visão secu-lar de mundo. Mas ele foi sendo solapado até o ponto de deixar de existir na pesqui-sa. Uma reforma inicial deste sistema foi empreendida pela física einsteiniana com a introdução do espaço-tempo pela relati-vidade geral. Mas foi a introdução da fun-ção de onda pela mecânica quântica que nos conduziu a um mundo que obedecia uma lógica probabilística. As implicações filosóficas das descobertas de Planck, Bohr, Dirac, Heisenberg e Schorödinger na primeira metade do século XX parece-ram chocantes e inaceitáveis até mesmo para um dos formuladores originais da mecânica quântica, Einstein – que ten-tou, sem êxito, nos assegurar que deus não é um jogador de dados compulsivo. Todavia, se não tínhamos mais no mundo dos fenômenos quânticos uma causali-dade determinista, ele continuava inse-rido em uma perspectiva geral passível de cálculo e manipulação técnica para produzir efeitos controlados (das armas

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uma imagem do mundo contra-intuitiva, probabilística, de interdependência – avassaladora e nada confortante para os seres humanos que buscam certezas e um lugar especial no universo. O que significa para os não especialis-tas, por exemplo, dizer que o universo é constituído de 5% de matéria comum, 23% de matéria escura e 72% de ener-gia escura? – sendo que nem mesmo os cientistas sabem o que seja a matéria e a energia escuras. Mas o aspecto deci-sivo é que grande parte das implicações destas descobertas ou debates não fica restrito aos cientistas, mas vaza da ciên-cia para o senso comum, influenciando aos poucos, mas de forma profunda, as crenças e conhecimentos da população como um todo (como podemos observar, por exemplo, com um tema mais consoli-dado, como o do darwinismo).Estamos, pois, longe dos discursos pós-modernos sobre “o fim da ciência”; suas fronteiras são, ao invés disso, mais am-plas do que jamais o foram, com uma nova era de descobertas se abrindo em vários campos ligados às perguntas fun-damentais e mesmo existencialmente decisivas (por exemplo, a pesquisa por planetas extra-solares persegue hoje, de forma prática, a resposta à questão da existência da vida fora da Terra). Isso não remete tampouco para qualquer re-conciliação com a religião ou o mito, mas para terrenos ainda mais inóspitos e ins-táveis, de modo que é fácil compreender-mos porque a imagem que se difunde da ciência é a da proposta newtoniana. No abismo entre a multiplicidade de ciências complexas, o que elas nos revelam e a perplexidade perante as questões que nos trazem, de um lado, e a difusão satu-rada da vulgata pela mídia e pelo sistema escolar, de outro, a maioria da população continua agindo com base em um senso comum contraditório que por vezes igno-ra aspectos básicos das ciências. Isso permite entender porque mesmo a idéia simples da modificação imanente da vida explicada pela evolução por seleção na-tural esteja hoje sob o ataque religioso do criacionismo! Mas para os formuladores

nucleares aos circuitos integrados, do laser à aparelhos de tomografia). Uma terceira ruptu-ra, ainda mais profunda, em geral associada à figura de Prigogine, foi a introdução da flecha do tempo (do tempo irreversível) como aspecto central da realidade pela física dos processos de não-equilíbrio (que levou a conceitos novos de ampla utilidade como os de auto-organização e estruturas dissipativas) e pelo desenvolvimento dos sistemas dinâmicos instáveis – que constata que a irreversibilidade e o fluxo do tempo são fenômenos ontológicos incontornáveis, dando para parte das leis da natureza o sentido de pos-sibilidades e não mais de certezas. É temerário retomarmos em um parágrafo, ainda mais para alguém de fora das ciências naturais, o significado destas descobertas para a física em primeiro lugar, mas também para a química, cos-mologia, meteorologia, etc, disciplinas que foram sendo obrigadas à romper com a idéia de uma natureza mecânica e atomista, regida por um determinismo linear e pela previsibilidade, onde o limite para a previsão seria nosso precário co-nhecimento da realidade, para captar fenômenos e níveis de existência mais básicos regidos por lógicas probabilísticas e dinâmicas complexas, marcadas por processos emergentes, caóticos e de autopoiese (Maturana e Varela). Os fenômenos probabilísticos são, há muito, conhecidos na vida cotidiana em experiências como os jogos de azar ou os limites da preci-são das medidas. Mas as questões colocadas em voga no século XX alteram profundamente a compreensão da realidade no seu nível mais fundamental, ontológico. E esta lógica passa ser cada vez mais aplicada não apenas à biologia (surgimento e evolução da vida) e à ecologia (nas dinâmicas das populações), mas também a fenômenos sociais (na análise de comportamen-tos coletivos, do trânsito às multidões, passando pela lógica de mercado).A imagem do mundo, ontologia e cosmologia de-senhadas pela ciência até o século XIX seriam pálidas simplificações, até mesmo caricaturas, se comparadas com aquelas que a ciência foi impulsionando no último século. O que é a matéria, o que é o universo, o que é a vida, o que é a inteligência, como se constituíram e vêm se modificando são, todas, questões cien-tíficas maiores cujas respostas cada vez mais complexas (e sempre resultantes de trajetórias cheias de avanços e impasses) oferecem hoje

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dade da ciência frente aos relativismos, elaborar uma lista de valores cognitivos abrangentes (desdobrados em inúmeros outros), utilizados na escolha de paradig-mas ou estratégias: adequação empírica, consistência, simplicidade, fecundidade (fertilidade), poder explicativo e verdade ou certeza; ele as distingue das “virtudes científicas” que fundamentam uma au-tonomia da ciência, como objetividade, distanciamento, honestidade, integrida-de, razoabilidade, submissão à evidência (Valores e atividade científica, cap.III). Os valores cognitivos que garantem a obje-tividade do empreendimento científico são aqui distintos dos valores sociais que orientam a escolha das linhas e temas de pesquisa. Hilary Putnam retoma a tradi-ção pragmatista (e Pierce) para lembrar que toda a experiência é permeada de valor e normatividade; a ciência é carre-gada de valores epistêmicos: coerência, plausibilidade, razoabilidade, simplicida-de, naturalidade, beleza de uma hipó-tese, sucesso preditivo passado, etc (O colapso da verdade e outros ensaios, cap 2). “O conhecimento dos fatos pressupõe o conhecimento dos valores”, conclui Pu-tnam, apesar de “a história da filosofia da ciência da última metade do século ter sido amplamente uma história das tenta-tivas [com Popper, Reichenbach, Carnap, Quine]... de evadir-se dessa questão” (cap.8, p. 191-2).2Se as ciências são portadoras de valores, cabe perguntar que valores almejamos para esta atividade, além das “virtudes científicas”; uma pergunta que remete, de fato, para a questão de que ciência pre-cisamos e desejamos. Em termos menos abstratos, será que a lógica da pesqui-sa científica, nas suas culturas teóricas, seus resultados e nos sistemas técnicos decorrentes seria a mesma se o obje-tivo é o controle de processos naturais, medidos em termos de menor dispêndio de energia, tempo e custo, considerando que os recursos naturais são, para fins práticos, inesgotáveis e a biosfera não é ameaçada pela atividade humana?; ou se o objetivo é a geração de energia e a organização de sistemas de transpor-

e formadores da opinião pública estes debates mais sofisticados podem modelar e remodelar uma visão do mundo.A ciência cumpriu bem demais, neste terreno, sua missão, remetendo-nos para um universo que a humanidade considera, pelos valores que embasam as visões de mundo hoje dominantes, aterrador e inaceitável – um universo que só po-deria ser amplamente assimilado nos marcos de outra cosmologia, outra ontologia e, fundamen-talmente, de outra ética. Mas é claro que esta ciência de ponta da atualidade só terá o alcance potencial que lhe damos se for apresentada de forma distinta para um público amplo de forma que as implicações existenciais e axiológicas que coloca sejam aceitas, permitindo a aceitação da fragilidade da vida e da condição humana. Temos, em segundo lugar, as conclusões de mais de dois séculos de debates da filosofia das ciências. A separação de fatos e valores e a neutralidade axiológica sempre foram assumi-das pela ideologia da ciência e pela filosofia es-pontânea dos cientistas como um de seus traços fundantes. Mas esta imagem não pode ser con-ciliada com a realidade. Desde Thomas Kuhn, ficou por demais estabelecido o caráter histórico do empreendimento científico (ainda que para Kuhn esta evolução não signifique seu enraiza-mento na história social mas seja o resultado da descrição da história interna da ciência, de seus paradigmas, que são patrimônio de uma comuni-dade de pesquisadores). A ciência se transforma na medida em que as co-munidades científicas assumem novos paradig-mas, que oferecem os programas de pesquisa normais, em torno dos quais trabalham a qua-se totalidade dos cientistas. Estas comunidades são componentes estratégicos da enorme cama-da de peritos que integram a esfera tecnocientífi-ca que hoje media a relação da sociedade global com a natureza, trabalhando o projeto de elimi-nar o caráter natural da natureza, constituir um mundo purgado da natureza – tomada por uma busca de onipotência, em uma espécie de hybris que tem afinidades eletivas com a dos mercados sem controle. Embora a ciência normal tenha se pretendido desprovida de valores (apesar de ter na eficá-cia e no controle da natureza seus valores fun-damentais, tematizados na origem por Bacon), ela é permeada por aspectos normativos. Hugh Lacey vai, procurando salvaguardar a objetivi-

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O problema transforma-se, então, não só no que a tecnologia está fazendo conos-co, mas na questão política do que nós po-demos fazer com a tecnologia realmente existente à nossa volta e que tecnologia queremos para o futuro. Os imperativos sociais fundamentais são internalizados como orientações de prioridades para a pesquisa científica e como culturas téc-nicas determinadas. É colocado como uma questão prática que o problema da ciência, da técnica e dos valores se torna passível de solução. Quando, por exemplo, movimentos camponeses ou ambientalistas de todo o mundo afirmam que as sementes incorporam valores e os contrapõem aos valores que legitimam a Monsanto. Ou quando as comunidades de software livre questionam a eficácia dos softwares proprietários, enfatizando que a mobilização colaborativa é mais eficaz para gerar conhecimento, com-partilhá-lo e produzir um desenvolvimen-to técnico mais horizontal. Ou ONGs se perguntam sobre o sentido da pesquisa de ponta por corporações farmacêuticas se as patentes impedem que centenas de milhões de pessoas tenham acesso aos medicamentos de que necessitam para as doenças negligenciadas, enquanto bilhões são investidos em sofisticar e re-ciclar remédios de uso contínuo, aumen-tando cada vez mais a parcela de gastos com saúde nas economias de mercado e impedindo que a população pobre tenha acesso também aos medicamentos para estas doenças. Depois de um século de experiências traumáticas com o uso des-trutivo da tecnologia de ponta, produzida por determinadas orientações de pesqui-sa das ciências duras, da energia nucle-ar à genética, elas deixam de ser vistas como neutras, para se tornarem o foco de disputas políticas intensas, que buscam reinseri-las em outras culturas técnicas, organizadas a partir de imperativos dis-tintos da produção de armas ou consoli-dação de monopólios.Evidentemente, de nada ajuda tomarmos a discussão da forma esquemática com que ela aparece nas páginas dos jornais.

tes sem emissão de carbono e a preservação da biodiversidade do planeta, produzindo o mínimo impacto sobre a biosfera já que a humanidade a está desestabilizando de maneira catastrófica?Estas não são questões em uma primeira abor-dagem científicas, mas são também questões científicas, com as quais a comunidade científica não pode lidar apenas na condição de cidadã, já que envolvem empoderamento e expertise técni-ca em suas áreas, definições que não podem ser tomadas apenas por critérios democráticos, etc. Devemos ampliar a educação científica da socie-dade e o controle social sobre as atividades tec-no-científicas; todavia isso não elimina o papel central que os “especialistas” terão não apenas nos debates de prioridades sociais, mas também na sua viabilização em termos científicos e tec-nológicos. E isso requer que esta comunidade esteja mobilizada em torno de outros valores, que ela os coloque no centro de sua atividade de pesquisa.Em terceiro lugar, presenciamos hoje, nas dis-cussões dos movimentos sociais sobre as ciên-cias naturais e a tecnologia, um questionamento da separação entre valores e fatos, definições morais e conhecimento científico ou, como co-locava Weber, a racionalidade substantiva e a racionalidade formal. É esta que, na moderni-dade, avança com o mercado e a administração impessoal. Heidegger vai deslocar a ênfase da administração para a tecnologia: a “jaula de fer-ro” da burocracia de Weber vai se transformar em todo o sistema tecno-científico que conforma a vida material moderna: de realidade neutra, a tecnologia passa a ser vista como dotada de um valor fundamental, a pura dominação. Este debate foi herdado por Adorno e Horkheimer, na saída da Segunda Guerra Mundial, em particu-lar na Dialética do esclarecimento, que retrata de forma brilhante a transformação da razão em mito e a dominação cada vez mais destrutiva da natureza pela humanidade alienada, mas sem oferecer nenhuma rota de escape da onipresen-te dominação da razão transformada em técni-ca. É Herbert Marcuse que se recusa a aceitar esta aporia e propõe uma mudança no caráter da instrumentalidade, coerente com os objetivos de emancipação, uma “tecnologia da libertação, produto de uma imaginação científica livre para projetar e produzir as formas de um universo hu-mano sem exploração e exaustão” (An essay on liberation, p. 19).3

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tores da sociedade e apresentava, nesta disputa, alguma capacidade inclusiva; ele se esvaiu com a globalização neoliberal e o colapso dos socialismos burocráticos. Agora, a constatação do fracasso do mito moderno do progresso, compartilhado de maneira quase universal, criou um pro-fundo impasse epistemológico nas huma-nidades, enquanto a inércia reproduz os velhos paradigmas herdados do século XIX e da virada para o século XX (ou suas reatualizações). As crises do presente se avolumam sem que qualquer alternativa política real, que alimentava o pensa-mento crítico, cresça e ocupe o vazio. Em termos kuhnianos, a ciência social normal não faz mais sentido como antes e outro paradigma deveria ser utilizado; mas so-mente se ele puder ser proposto de forma coerente, com mais poder explicativo que o antigo...Por fim, em quinto lugar, atingimos, com a questão ambiental, um patamar que nos remete inequivocamente para além da lógica da modernidade. Temos aqui uma determinação que subsume, hoje, todos os demais níveis da existência social. Boa parte da comunidade científica con-cernida no estudo do sistema Terra con-cluiu, a partir das suas áreas de conheci-mento e dentro de todos os limites deste conhecimento que já debatemos, que a biosfera do Planeta Terra está no limiar de uma “mudança de estado” devido à conjugação dos impactos dos processos industriais e do modo de vida consumis-ta sobre as dinâmicas do “sistema Terra” (atmosfera, mares, temperatura). Efetiva-da, esta mudança será, pela sua rapidez, catastrófica para quase todos os seres vivos do planeta e para a humanidade. Evitar esta mudança ou atenuar seus impactos é o imperativo maior na defesa do que podemos considerar de “civiliza-ção” e impõe uma rápida mudança tanto nas matrizes de energia e transportes da sociedade atual, como na ruptura com o consumismo. O problema se torna, to-davia, mais dramático porque todos sa-bemos dos enormes obstáculos que se opõem a isso.

As pesquisas com transgênicos, por exemplo, não são, em termos rigorosos, um mal em si ou o princípio da precaução deveria ser aí tomado de forma tão estrita que paralisasse toda inves-tigação, mas estes quase nunca são os pontos fulcrais em debate (ao contrário do que se ale-ga). Nenhum geneticista trabalhando para as grandes corporações de agronegócios ou nas universidades em associação com elas deveria poder, honestamente, pretextar que seu trabalho represente o avanço do conhecimento huma-no ignorando que ele contribui para uma vasta maquinaria econômico-social que está retirando de bilhões de camponeses o controle das condi-ções de sua existência.Conceber as ciências e as técnicas como cam-pos de disputa de interesses, valores e rumos da civilização industrial e pós-industrial – superando tanto a visão ingênua da sua neutralidade (que é um problema distinto da sua objetividade e re-produtibilidade), como a ideologização primária que as vinculavam mecanicamente a interesses de classe – se tornou central para movimentos sociais que dialogam com centenas de milhões de pessoas pelo mundo afora. Mas temos que reconhecer o tamanho do desafio: quase todos os programas de pesquisa científica, seus parâ-metros de avaliação e as culturas técnicas exis-tentes são hoje muito mais um obstáculo do que um ponto de apoio para a luta por uma socieda-de sustentável.Em quarto lugar, temos a situação das ciências sociais. O entendimento do mundo e da exis-tência humana foi, ao longo dos últimos dois séculos, gradativamente separado da religião e secularizado. Navegando entre a vulgata das ciências nascidas da revolução newtoniana (de-pois reforçada pela darwinista), cada vez mais poderosa, e as ideologias oriundas das filosofias políticas, as ciências humanas moldaram uma apreensão “progressista” da sociedade e, nesta medida, auxiliaram na produção de sentido pelos indivíduos. Elas reivindicavam, em consonância com a razão, um estatuto de cientificidade, coe-rente com um horizonte mais amplo de futuro a ser construído, difundido por toda a vida social e alimentando uma dinâmica de disputa de idéias e projetos – um sentido de história, tão forte entre a Revolução Francesa e último quarto do século XX. Mas este impulso durou enquanto o capita-lismo estava sendo desafiado por uma alternati-va socialista vista como concreta por amplos se-

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Daí o paradoxo que vivemos: a ecologia é uma ciência natural na acepção forte do termo, nas-cida como um ramo da biologia na esteira do darwinismo na segunda metade do século XIX, mas estruturada no século XX dentro de uma lógica complexa. Mas é esta ciência que está hoje no coração da Política, dos debates de so-ciedade mais vitais e estratégicos. Ao colocar-se o problema macro da relação entre a socieda-de global e a biosfera planetária, ela constata a inviabilidade da continuidade do uso de com-bustíveis fósseis, do industrialismo e do consu-mismo... a inviabilidade a longo prazo do mundo hoje existente.Mas o paradoxo se amplia porque nenhum co-nhecimento ou sistema de idéias científico alia a análise da realidade viva (inclusive da socieda-de humana no mundo) com a defesa de valores tão explícitamente como a ecologia. Trata-se de uma compreensão “objetiva” dos sistemas vivos desenvolvida a partir da valorização da diver-sidade da vida, que portanto enfatiza a impor-tância da preservação desta diversidade, das condições de sustentabilidade dos diferentes ecossistemas, etc. E é ela que se coloca no cen-tro da análise do mundo atual e de suas contra-dições, justificando a necessidade e urgência de outra forma de civilização. Qualquer que seja a apreciação que se tem da obra de James Love-lock, a defesa de Gaia, a preservação de certas características da biosfera planetária é um pré-requisito para a própria possibilidade de sobre-vivência da nossa espécie em marcos que pos-samos nos reconhecer como humanos. Porque projetando os futuros possíveis, isso não está mais dado em quaisquer condições: alguns se jogam de braços abertos nos delírios tecnocrá-ticos e na vertigem do pós-humano, sonhando com a passagem pela singularidade (ou con-vergência tecnológica) ou com o surgimento de máquinas espirituais (Kurzweil). Mas, de outro lado, a ecologia acolhe, no diagnóstico do que é necessário para preservar a vida, numerosas ciências “duras” (climatologia, metereologia, pla-netologia, biologia, zoologia, botânica, oceano-grafia, etc), podendo conduzi-las para direções muito diferentes dos pesadelos da tecno-ciência. É entre estes dois caminhos que a humanidade terá que escolher. Em um caso, o conhecimento dominante será o oferecido pela ciência clássica. Em outro, por uma ciência integral, onde a ecolo-gia terá um papel estruturante não apenas como

uma ciência normal, mas como fonte da sabedoria necessária para reestruturar as condições de existência humanas.A partir da ecologia adentramos outro ter-reno axiológico, invisível para o mundo moderno. Nele comparecem a questão da sustentabilidade, dos direitos da natu-reza e dos animais, da responsabilidade dos seres humanos de hoje para com as gerações futuras (para Hans Jonas o co-ração da ética contemporânea). Era uma questão que já tinha sido corretamente intuída, há mais de duas décadas, por Perry Anderson, que lembrava que “as relações entre natureza e história trazem-nos para o momento constitutivo, longa-mente adiado, da moralidade socialista”. Em síntese, podemos constatar que a lógica complexa da realidade natural e social e os conhecimentos da ciência de ponta estabelecida para compreendê-la vêm sendo gradativamente apropriados pela sociedade contemporânea – tan-to por setores da comunidade científica como por uma série de movimentos so-ciais, que rompem na prática com o mito da neutralidade axiológica. Isso tem, todavia, pouca relação com o lugar sim-bólico ocupado pela imagem dominante mitificada da ciência na fundamentação do mundo atual, que deve ser combatida pelos movimentos sociais e pela própria comunidade científica.Necessitamos, na encruzilhada histórica em que adentramos, de outros programas de pesquisa, outra lógica de valoração do trabalho científico, outro tipo de intervenção dos membros da comunidade científica na esfera pública (consideremos, por um ins-tante, a forma como tem atuado James Hansen na questão da mudança climáti-ca...). A ecologia – uma ciência voltada não para o controle e a dominação da natureza mas para o entendimento das condições de preservação da vida – oferece um en-quadramento macro para a reorganização do conjunto da esfera tecno-científica e da própria sociedade. Oferece também um paradigma de ciência muito mais útil para a vida prática da humanidade, na atualidade, do que o modelo newtoniano ainda difundi-do e tão instrumentalizado pelo poder.

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Isso não elimina o impulso científico de decifrar os mistérios da existência (que os confrontou desde o século XVII como estamos agora fa-zendo, da física de partículas à cosmologia, da genética à paleontologia, da metereologia à pla-netologia?) e oferecer novos poderes à huma-nidade, reduzindo as incertezas e melhorando suas condições de vida. Mas isso deve ser ra-dicalmente desconectado do enquadramento da ciência pela tecno-ciência mercantil, das ambi-ções fáusticas ou prometéicas de moldarmos a natureza segundo nossas fantasias ou fazermos da acumulação de bens industriais, tornados símbolos de status, o propósito da vida. A ciência nova e integral que necessitamos para nos orientar no trânsito para outra civilização deve partir da constatação de que somos par-te dos sistemas vivos e dependemos deles para continuarmos a existir; que devemos alcançar alguma espécie de equilíbrio na relação com a biosfera do planeta; que nossos conhecimentos são limitados e que, em muitos casos continua-rão sendo, porque parte importante daquilo que existe segue uma lógica probabilística; que esta imprevisibilidade deve ser vista por nós como parte do encanto da existência; e que tudo isso exige assumirmos outros valores na base desse conhecimento objetivo do mundo e da produção de sentido a ela associada.

Um propósito comum

Devemos agora retomar nosso problema maior: vivemos uma civilização que não oferece aos seus membros um sentido de vida na acepção forte do termo. Na sua ausência, vale tudo. O que emerge das ciências de ponta é uma visão da existência como processos complexos, dos quais temos um conhecimento limitado e um controle ainda menor. É a necessidade ver-nos como parte integrante da biosfera do planeta e, se queremos sobreviver, solidários com ela. Esta compreensão não nos oferece apenas o melhor conhecimento possível da realidade, mas também uma apreen-são do nosso lugar no universo, uma definição do que pode ou não pode existir ou ser feito e uma nova escala de avaliação moral da ação humana em sociedade frente à natureza. Mas esta ciência, se vier a se impor como paradigma dominante, ainda não é, em si mesma, suficiente para ofe-recer um prumo para a ação dos indivíduos uns frente a outros em sociedade.

A linha que separa a ciência das outras formas de conhecimento é, neste nível, bastante tênue, e deverá ser cruzada conscientemente pela comunidade cien-tífica, dotando-se de objetivos e propósi-tos que não emergem da própria ciência (como percebeu Lovelock, quando viu sua teoria de Gaia como sistema auto-regulado ganhar contornos míticos – que ele rejeita veementemente). Porque a crí-tica do progresso, ou pelo menos à visão de progresso construída nos últimos dois séculos – subjacente a toda a discussão que fizemos até este ponto – traz à tona um problema de enorme complexidade e abrangência. A crença no progresso sem-pre esteve baseada não apenas no avan-ço científico, mas, antes de tudo, em uma convicção filosófica, no humanismo, para Erich Fromm, na sua “expressão mais simples, a crença na unidade da raça hu-mana e na possibilidade de o homem se aperfeiçoar a si mesmo através do pró-prio esforço”. Era, de fato, o humanismo que oferecia a base filosófica subjacente a todo movimento de reforma social que procurava realizar a idéia de perfectibili-dade humana na história, desde que esta idéia foi formulada pela primeira vez pe-los filósofos cristãos do Renascimento, no século XV. Embora suas raízes pos-sam ser encontradas nos filósofos gre-gos, nos profetas hebreus e na pregação de Cristo, este humanismo floresceu na modernidade, se tornando constitutivo do nosso pensamento filosófico e políti-co com Pico della Mirandola, fornecendo os valores e as justificativas de todas as propostas utópicas depois de Thomas Morus, que afirmou pela primeira vez a igualdade fundamental de todos os seres humanos frente à idéia até então vigente da desigualdade inata. Dos niveladores da Revolução Inglesa aos socialistas do século XX, passando pelos iluministas, todo pensamento social progressista foi humanista. Seria possível sustentar, sem o alicerce do progresso (que é distinto da possibilidade de aperfeiçoamento da vida humana em sociedade), um projeto políti-co emancipador?

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Mas os desesperançados não podem ver-se como construtores de seu próprio des-tino, nem ter qualquer identificação com um projeto filosófico sofisticado. Para eles, esta resposta filosófica é insuficien-te; suas angústias encontram respostas no terreno religioso, capaz de oferecer absolutos aos fiéis, como indica o cres-cimento dos fundamentalismos religio-sos. A filosofia se formou, frente ao mito, como resposta alternativa à religião para a produção de significado para os seres humanos no contexto da centralidade da vida política, seja na Grécia seja como na modernidade, e só pode se sustentar se a política for colocada no coração da vida social. É a vitalidade do debate político e da esfera pública que cria condições para o rechaço dos absolutos. Entramos em uma era de crise e de gran-des dilemas que certamente estimulam a retomada prática dos debates de mo-delo de civilização e da disputa política por eles. A política pode, pois, voltar a se colocar no centro da condição huma-na contemporânea e demandar um co-nhecimento capaz de sintonizá-la com o presente e com os poderes de que a hu-manidade agora dispõe. Porém, para que esta disputa tenha um desfecho positivo, uma nova visão de mundo terá que es-tabelecer sua hegemonia, tornando-se o senso comum para parcelas significativas da sociedade.Mas não podemos dizer que a construção de um sentido comum para uma espécie humana – obrigada, nesta quadra histó-rica, a se confrontar com a fragilidade de sua humanização e seus limites como comunidade planetária – resultará tão somente de uma filosofia política que se apóie nos conhecimentos fornecidos pela ecologia. Uma nova visão de mundo não surge da justaposição de conhecimentos/crenças já estabelecidos, mas de sua fu-são em algo novo, não planejado. Trata-se, sempre, de um fenômeno de “emer-gência”, do surgimento do novo a partir de propriedades imprevistas a partir dos elementos antes disponíveis.

A idéia da ecologia como valorização da diver-sidade da vida não é suficiente para fundamen-tar a defesa da vida humana, dar-lhe qualquer destaque perante as outras espécies animais ou embasar um comportamento moral perante ou-tros seres humanos – em especial quando nossa espécie está produzindo uma grande extinção em massa da vida na Terra. O humanismo, que fez isso em grande parte da época moderna, foi sendo corroído não só pelo mercado, pela bar-bárie moderna (dos genocídios das populações americanas a Auschwitz e Hiroshima!) e pela cri-se do progresso, mas também pelo trabalho de desconstrução, pelo pensamento social e filosófi-co, das fontes transcendentais de sentido. Marx, Nietzsche e Freud, cada um deles fixando cada vez mais a humanidade na imanência da nature-za e da cultura, mostraram que todas as idéias são construções sociais e históricas, sujeitas à injunções de classe, de poder, dos desejos dos indivíduos. Se o homem e a mulher fazem-se a si próprios, como afirma a antropologia, eles tam-bém estabelecem seus valores. São os desejos humanos que engendram os valores humanos.Os atributos e potencialidades da espécie huma-na são efetivados no curso da história, sempre abrindo ou fechando possibilidades de desenvol-vimento, de acordo com as instituições estabele-cidas pelos seres humanos e os agenciamentos de subjetividade que elas propiciam. Daí emer-ge uma idéia da incompletude (assim como de incerteza) do ser humano, caracterizado por um processo permanente de humanização potencial, bem como pela possibilidade de desumanização. Sartre, otimista, dizia: “somos seres que se de-batem para estabelecer relações humanas e para chegar a uma definição do homem... buscamos viver juntos, como homens, buscamos ser ho-mens. Por conseqüência, é através desta procura que podemos considerar nosso objetivo. Noutras palavras: nosso objetivo é atingir um corpo cons-tituído no qual qualquer um seja um homem e no qual as coletividades sejam humanas”.O humanismo expressa, assim, não valores ab-solutos, mas o processo pelo qual buscamos como espécie realizar, em cada contexto his-tórico e social, aquilo que podemos, neste mo-mento, ser – nossas potencialidades. Na filosofia política, isso já foi apresentado como nossa es-sência como seres genéricos que podem, com a modernidade, verem-se como senhores de si mesmos, superando sua condição heterônoma.

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mo que isso fosse dolorosamente difícil), [agora] o fosso crescente entre aquilo de que (indiretamente) nos tornamos cons-cientes e aquilo que podemos (direta-mente) influenciar eleva a incerteza que acompanha todas as escolhas morais a alturas sem precedentes, nas quais nos-sos dotes éticos não estão acostumados e talvez nunca sejam capazes de operar. A partir dessa dolorosa percepção de impotência, talvez insuportável, ficamos tentados a correr em busca de abrigo. A tentação de converter em ‘inatingível’ o que é ‘difícil de administrar’ é constante, e crescente...” (Amor líquido, p. 119).4Construir as formas de pensamento e as instituições democráticas para lidar com esta “impotência”, com esta realidade “di-fícil de administrar” que é, por vários mo-tivos, transformada em “inatingível” – ‘su-praliminar”, como chama Gunter Anders –, leva tempo, mas o tempo humano não é linear, é o resultado das experiências vi-vidas, e a velocidade de todos os proces-sos nos quais estamos imersos está se acelerando brutalmente, numa escala que nunca aconteceu antes. O mundo con-temporâneo está propiciando a realização de experiências comuns a toda humani-dade, agora integrada por redes globais de produção e comunicação, pelas quais circulam não só os fluxos de poder e in-formação do capital, mas também de pen-samento e cultura, imaginação criativa e ação contra-hegemônicos.Mas é necessário um ponto para cata-lisar isso – uma nova forma de entender o mundo que seja simultaneamente uma ciência e uma filosofia (política e prática), que seja um saber a orientar a pesquisa de ponta e atividade das pessoas comuns.Não podemos construir uma visão de mundo como uma mensagem de fé, uma revelação, uma proposta teórica ou um experimento de laboratório. Mas po-demos estimular o diálogo entre todos aqueles que, partindo da crença em es-sências e valores transcendentais, afir-mam a prioridade de defesa da vida e da dignidade humanas; que, partindo do entendimento filosófico da incompletu-de estrutural da nossa espécie, buscam

Há, na espécie humana, uma tensão permanen-te entre os impulsos, as possibilidades e as fan-tasias de nossa imaginação (a dimensão menos compreendida de nossa capacidade simbólica, que inclui tanto nossa afetividade e criativida-de, como nossa destrutividade), parte das quais sempre se efetivam na vida, e o caráter social inato de nossa espécie (afinal somos animais so-ciais, como todos os nossos parentes primatas) que se expressa na moral comum que fomos acumulando, com altos e baixos, na história. É essa “humanização”, para alguns ligada a valo-res transcendentes, essências ou absolutos, para outros construção humana no seu devir, o univer-sal concreto – contestável, incerto, sempre em disputa, mas muito real – sobre o qual podemos nos apoiar para defender os direitos humanos, construir relações de respeito e solidariedade en-tre indivíduos e culturas, sobreviver e talvez me-lhorar como espécie, pelos agenciamentos que novas instituições venham a permitir. Sem isso, todo o poder sobre a natureza se ex-pressa principalmente como capacidade destru-tiva, como predação do planeta, como enfatiza a ecologia profunda.Há muito em jogo nos complexos conflitos dos dias que correm, como bem perceberam os filó-sofos contemporâneos (veja-se, por exemplo, o debate Sloterdijk, Fukuyama, Habermas e Gorz). Em um contexto histórico em que nossa capaci-dade destrutiva é tão ressaltada, o antigo pânico do pensamento conservador a respeito da perda de controle da sociedade por parte dos tementes a Deus, dos sábios, dos aristocratas ou simples-mente dos poderes estabelecidos produz o res-surgimento de todo tipo de tentações autoritárias, algumas sob formas “modernas” e “sofisticadas”. Se o humanismo é uma forma de domesticação da fera humana, por que não medicamentalizar o controle social? Por que não adotar formas mais eficazes, industriais, de domesticar homens que a engenharia genética promete disponibilizar? Por que não nos entregarmos às promessas da tecno-ciência capitalista?O medo da utopia, de que fala Jameson, ganha hoje, com a estruturação concreta de uma co-munidade humana planetária, novas determina-ções, que Bauman expôs com propriedade. “Se a miséria que [antes] podíamos não apenas ver, mas também mitigar ou curar, nos lançava numa situação de escolha moral capaz de ser adminis-trada pela ‘expressão soberana da vida’ (mes-

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avançar em sua humanização; com os que pela criação artística ou pelo erótico buscam a bele-za e o êxtase – porque o ser humano é a fonte do fato estético e a sexualidade, o erotismo e o amor inseparáveis da condição humana; com todos que se opõem à monocultura das men-tes e sustentam o reconhecimento prático da diversidade cultural, em especial na aceitação dos direitos coletivos das comunidades; e com o pensamento científico que compreende de for-ma cada vez mais profunda as determinações e condicionamentos biológicos de nossos desejos, aspirações e comportamento moral, bem como das mediações que a cultura (entendida como parte específica da natureza humana e não em oposição a ela) impõe a isso. É no cruzamen-to de vários saberes científicos e filosóficos, de percepções estéticas e espirituais, que a huma-nidade – ou, de maneira mais concreta, o direito de todos à boa vida humana (“sumak kawsay” em quéchua, normalmente traduzido por “bem viver”) – pode ser assumida como um valor em si, de fato, com o qual possamos nos identificar plenamente, em pé de igualdade com a defesa da vida em toda a sua diversidade sustentada pela ecologia.O humanismo de nossa época, ou melhor, o ve-tor resultante dos vários humanismos, não pode assim ser mais o mesmo do passado, dado por uma humanidade abstrata tomada por delírios de onipotência, mas a apreensão concreta de uma humanidade que se compreende compartilhan-do o planeta com todo um conjunto de formas de vida e se reconhecendo como diversa e frágil. É só desta convergência de ciências e saberes em um mesmo corpo de entendimento do mun-do, dos fatos sociais e da nossa relação com a biosfera que poderemos conformar um propósito comum para a humanidade na perigosa traves-sia histórica em que estamos.

1 Este texto foi apresentado no Fórum Mundial Ciência e Democracia, realizado em Belém nos dias 24 e 25 de janeiro de 2009. Sua temática é um prolongamento do artigo “Ecologia, tecnologia e conhecimento”, pu-blicado na revista FACOM, nº 19, do 1º semestre de 2008. Agradeço a leitura atenta de Marcos Barbosa de Oliveira, nos acordos e desacordos que pontua.

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José Correa LeiteProfessor de Filosofia e Sociologia da Comu-nicação na FACOM-FAAP. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC. É um dos promotores do processo Fórum Social Mundial e do Movimento Ecologia Urbana.