Uma Dica de Como Resolver a Previdência

7/25/2019 Uma Dica de Como Resolver a Previdncia

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uma dica de como resolver a previdncia -- e, por tabela, como resolver a crise fiscal.

(Estou exagerando, claro. Mas o tipo de estudo de polticas pblicas que precisa serfeito, para irmos alm dos ajustes pontuais e das disputas ideolgicas.)

1. O problema: a previdncia se tornou grande e complexa demais.

Uma tentao em polticas pblicas usar um nico instrumento para fazer mil coisas aomesmo tempo. A previdncia tenta fazer: (i) planejamento para a aposentadoria; (ii)redistribuir renda (entre profisses e entre classes sociais); (iii) oferecer uma rede deproteo bsica.

Eu sei que h aqui uma tentao ideolgica de discutir se isso DEVE existir, mas, como j

disse antes, vamos deixar isso para l: o welfare state existe no mundo todo, mas o Brasil

est errando na execuo.

Parte do motivo da execuo estar ruim misturar essas trs coisas em um grande bolo.Isso gera uma estrutura complexa demais e impede ver o resultado de cada projetoindividual.

Por isso, a primeira etapa separar tudo: assistncia social fica de um lado (com umasrie de programas com alvos especficos); redistribuio feito exclusivamente pelo ladoda tributao progressiva (que j existe e questo apenas de remover as brechas legais);e previdncia fica sendo somente previdncia.

2. A soluo: formao de poupana descentralizada

O problema da previdncia que uma troca "intertemporal": voc poupa hoje para usaramanh. Mas h muitas incertezas nisso. Onde o dinheiro ficar? Quanto realmenterender? Quem vai administr-lo? E vejam bem: isso um aspecto da realidade. No questo ideolgica. O dinheiro um bem escasso e o valor flutua ao longo do tempo. Notem como ter certezas absolutas nesse campo.

Quando o governo promete que nenhum problema ocorrer, ele est falsificando a

realidade. Ele pode apenas mover o risco de um lado para o outro. Ao fazer isso, ele puxatodo o risco para si mesmo e cria uma bomba-relgio: tudo fica bem... at o dia em que

tudo vai por gua abaixo. O governo pode criar um super-fundo (e se tornar o maiorinvestidor do pas, criando um incentivo altssimo para a corrupo) ou adotar um sistema

pay-as-you-go (a verso brasileira, onde ele gasta imediatamente o dinheiro, criando umadvida implcita que vai estourar no futuro, seja mudanas demogrficas, seja por causa de

uma crise fiscal).

A soluo incentivar a prudncia e a diversificao do risco. Eis uma soluo simples: aoinvs de pagar INSS ao governo, todo mundo obrigado a depositar ao menos 15% do

salrio em uma conta-aposentadoria privado (tipo o TFSA canadense ou o 401kamericano).


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Cada pessoa escolhe como investir seu capital. Depois de certa idade, a pessoa podesacar o dinheiro aos poucos ou comprar uma anuidade e ter uma renda perptua.

Esse sistema tem vantagens absurdas em relao ao nosso: (i) o risco fica diversificado;

(ii) no h mais risco demogrfico; (iii) os incentivos ficam corretamente alinhados (voc

recompensado por poupar); (iv) simplicidade (todo mundo sabe como funciona); (v)estabilidade (essa regra no precisa mudar nunca mais); (vi) igualdade (o mesmo princpiovaler para todos, acabando as brigas entre categorias profissionais).

E h aqui um elemento importante para os meus amigos distributivistas: ao invs de serum programa governamental, cada pessoa estaria criando capital prprio. o "trsalqueires" moderno. Cada pessoa teria seu patrimnio e poderia decidir o que fazer comele: torrar tudo at a ltima ponta (comprando uma anuidade) ou deixando um legado paraa famlia.

2. A questo da justia social

Uma crtica ao sistema anterior que os ricos iro se aposentar com mais recursos. verdade: esse um programa de poupana e no de "justia social". E bom que sejaassim: quando voc mistura as coisas, voc no tem nem poupana nem justia.

Veja a previdncia brasileira. Ela comea tentando promover a justia social, mas terminasendo regressiva -- na mdia, ela transfere recursos dos pobres para os ricos. E oproblema no s na mdia: a prpria complexidade do sistema geradora de injustias.Surgem vrios desequilbrios internos, disputas de poder entre categorias profissionais e

incentivos que afetam -- e distorcem -- todo o mercado de trabalho. uma loucura.Comea com uma inteno positiva e termina com efeitos extremamente nocivos.

Portanto, justia social mesmo SEPARAR as duas coisas: vamos parar de interferir com

a microeconomia e deixar as pessoas fazerem suas escolhas dentro de um conjunto deregras igualitrias. Previdncia previdncia; distribuio de renda distribuio de renda.

E creio que isso pode ser aceito tanto por libertrios como por progressistas: ao separar asduas coisas, ns faremos as duas coisas com mais qualidade.

O objetivo do texto no discutir assistncia social, mas vou apenas mostrar como a regraanterior tornaria ainda mais fcil a assistncia para idosos. Poderamos colocar como

condio para pedir assistncia social a compra de uma anuidade vitalcia com o capitalformado ao longo da vida. Essa anuidade tornaria evidente o nvel de renda que a pessoa

objetivamente possui -- o que seria, alis, difcil de fraudar, pois passaria tambm pelafiscalizao privada -- e o governo poderia entrar simplesmente com o complemento.

Alis, isso no nada de outro mundo. mais ou menos o que j tem no Canad: se suaaposentadoria oficial est abaixo de "x", o governo lhe ajuda a chegar at "x". No caso, "x"deveria ser determinado anualmente pelo parlamento, impedindo de surgir problemas

oramentrios.


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E eu sei o que meus amigos progressistas iro dizer: isso garante apenas um piso, masno impede algumas pessoas de terem aposentadorias altssimas. Eu respondo: e issono maravilhoso? O objetivo da previdncia garantir um padro-mnimo. Mas, se voc

continua preocupado com o teto, o caminho melhor usar outros meios. De novo, vamosolhar para o primeiro mundo: tributao progressiva no imposto de renda e imposto sobre

herana funciona muito melhor do que aposentadorias pblicas. Essas comeam com apromessa de corrigir injustias, mas terminam gerando super-aposentadorias.

Obviamente, isso s um exemplo. Sei que alguns amigos acham que o caminho darenda bsica (basic income) seria melhor. assunto para outro texto (embora no resistoem dizer que acho que invivel devido ao nvel da renda brasileira).

Em suma: nessa nova regra, no apenas teremos uma regra de aposentadoria melhor,mas teremos TAMBM a possibilidade de um mecanismo mais eficiente de assistnciasocial.

3. A transio mais fcil do mundo

Esse sistema to maravilhosamente simples que permite a gente sair rapidamente donosso sistema assustadoramente complexo.

E isso preciso reforar: o sistema brasileiro complexo demais. O que gera problemasat para reform-lo: ele tem muitas excees, o que exige uma longa avaliao tcnica, edepois cada exceo vai ser discutida pelos grupos de interesse. O negcio j comeacomo um Frankenstein e depois ainda passa de novo por vrios comits! No h

esperana por esse caminho.

O nosso caminho mil vezes mais simples. Se o governo estiver com uma base de dadosorganizada, s aplicar um algoritmo e a coisa estar resolvida para sempre em poucas

horas.

Eis o caminho: calcular o valor-presente de cada regra de aposentadoria e transferir o valorpara as novas contas privadas. Done.

o tipo de coisa que d para fazer com um pouquinho de Python ou de R. O princpio

terico o seguinte: se voc vai receber "x" reais por ms do governo at morrer e suaexpectativa de vida "y" anos, a gente calcula -- considerando o preo de desconto do

capital, inflao, etc. -- quanto seria para o governo quitar a dvida que assumiu com vocimediatamente.

Para quem ainda no se aposentou, s um pouquinho mais complicado: a gente faz umclculo parcial. Voc se aposentaria com "w reais" por ms, mas s contribuiu com "z

porcento" dos anos necessrios. Fazemos o clculo do valor parcial e, depois, atransferncia desse valor.


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Esse seria, alis, um momento de imensa clareza nas contas pblicas. Ns iramos abrir acaixa-preta da previdncia e saber exatamente o valor do passivo financeiro que o governofoi varrendo l para dentro.

4. O problema: o governo est quebrado

Nem tudo so flores. O nico defeito desse plano sua maior virtude: ele deixaria claroque o governo atual est quebrado.

E esse o grande golpe: o governo sempre esteve quebrado. Ele promete ao povo o que impossvel e depois vai dando calotes moderados e parciais. E isso enlouquece apopulao, fazendo com que cada grupo comece a brigar entre si para ser menoscaloteado do que os outros. uma tristeza. E isso vai continuar enquanto tivermos essesistema falsificado.

O novo sistema acaba com a falsificao: iremos descobrir com clareza o valor atual dadvida do governo com a populao.

Vai ser uma descoberta assustadora, mas tambm incontornvel. Alis, isso vaiaumentar imediatamente o grau de confiana no governo. Teremos finalmentetransparncia total. At a dvida explcita ficar mais barata de carregar.

O problema que essa dvida implcita certamente ser vrias vezes maior do que advida explcita (a do Tesouro). Como poderamos pag-la?

aqui que chega a parte dura: precisaremos fazer uma grande reforma do estadobrasileiro para liberar esse valor.

O primeiro passo fechar os bancos pblicos de desenvolvimento. E isso tender a ser

neutro do ponto de vista macroeconmico: o dinheiro que o governo tirar da economia deum lado, voltar imediatamente nas contas privadas de investimento. Ser, alis, o maiorprograma de transferncia de renda para o povo da histria: mais poupana popular,menos BNDES. Haver mais diversificao e menos esquemas de corrupo. Win-win.

Mas provavelmente isso tambm no ser suficiente. Vamos ter que vender ativos. O lado

bom que... iremos vender ativos. O governo ir se afastar das para-estatais que estogerando tantos casos de corrupo.

Se isso ainda no for o suficiente (no ser), chegar uma fase ainda mais dura: cortar os

benefcios.

Porm, at nisso o nosso plano vantajoso: os cortes de benefcios ocorrero de qualquerjeito, mas apenas esse plano permite que os cortes sejam realmente igualitrios eprogressivos -- e que ocorram DEPOIS das outras alternativas serem testadas. o nicojeito, afinal, de termos uma viso geral do valor concreto de TODAS as aposentadorias.


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E a voltamos para a nossa tabelinha de converso. s aplicar um novo algoritmo,escolhendo o grau de progressividade dos cortes. Um corte bsico de 10% subindo atchegar em 40% em quem est no teto? Ouch. Ningum quer pensar nisso. Mas isso vai

acontecer de todo jeito... e ser feito s cegas. O que significa que alguns tero 0% decortes e outros tero 50% (quando considerado as reposies salariais e a inflao). Em

nosso sistema, haver cortes... mas sero transparentes e, por isso, mais justos.

5. The day-after: transparncia e estabilidade

Eu sei que h muita coisa aqui que no foi tratada -- penses, seguro-desemprego. Issotudo seria movido para programas especficos, tornado o sistema mais claro.

E "clareza" a palavra-chave. O nosso sistema muito obscuro. E ele gera uma "luta decategorias" dentro da sociedade: h uma disputa constante para conseguir reajustes,

aumentos, etc. Essa briga nociva em si mesmo. Nenhuma justia sair delas, mas

apenas privilgios que iro gerar mais brigas e mais distores.

Essa reforma acaba com tudo isso. Teremos uma regra igualitria, com os incentivosalinhados e promoveremos uma "pacificao" nas disputas de classe. Provavelmenteiramos at recuperar o "grau de investimento", pois pularamos para uma transparnciacontbil maior do que tnhamos h alguns anos.

Claro que isso precisa ser estudado com mais calma para vermos como implementar oplano, mas... no vejo porque no comear a trabalhar nisso agora mesmo.

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