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  • Rev. FAE, Curitiba, v.5, n.2, p.37-48, maio/ago. 2002 |37

    Revista da FAE

    Uma discusso sobre o conceitode desenvolvimento*

    Gilson Batista de Oliveira**

    Resumo

    A busca desenfreada pela industrializao e pelo desenvolvimentoeconmico levou a maioria dos pases do mundo a concentrar seus esforosna promoo do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), deixando aqualidade de vida em segundo plano. O crescimento econmico era vistocomo meio e fim do desenvolvimento. Esta viso est mudando lentamente,mas deixou graves danos para a humanidade. Desta forma, o objetivodesse artigo esclarecer o significado do conceito de desenvolvimento,enfatizando a controvrsia existente entre este e o conceito de crescimentoeconmico. Procura-se ademais discutir a relao entre desenvolvimentoe meio ambiente, desenvolvimento e industrializao, assim como o conceitode desenvolvimento humano.

    Palavras-chave: crescimento econmico, desenvolvimento, industrializaoe desenvolvimento humano.

    Abstract

    A wild search for industrialization and economic development leads mostof the countries of the world to concentrate their efforts in promoting aGross National Product increase, letting quality of life be in a second level.The economic growth was seen as the only way of reaching development.This focus on growth is changing, little by little, nevertheless it broughtserious damages for humanity. The aim of this paper is to clarify the meaningof the concept of development, emphasizing the existing controversybetween this concept and the concept of economic growth. It argues therelation between development and environment, development andindustrialization, as well as the concept of human development.

    Key words: economic growth, development, industrialization and humandevelopment.

    *Este artigo baseado na discussocentral da dissertao de mestradodo autor, intitulada O Desenvol-vimento Humano e Social na RegioMetropolitana da Baixada Santista:1970, 1980 e 1991 apresentada,em julho de 1999 ao Curso deMestrado em DesenvolvimentoEconmico da Universidade Federaldo Paran.

    **Economista. Mestre em Desenvol-vimento Econmico pela Universi-dade Federal do Paran, UFPR.Professor da FAE - Business School.E-mail: [email protected]

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    Introduo

    O desenvolvimento da indstria e ocrescimento dos padres de consumo tm levadoo homem a refletir sobre a vida que leva. Isto ,pensar sobre os efeitos do processo de crescimentoeconmico no padro de vida da sociedade. Essaconscincia vem florescendo, principalmente, apartir da Segunda Guerra Mundial.

    A dcada de 1990 foi marcada por uma sriede debates sobre o chamado desenvolvimentosustentvel. Este conceito abrange a preocupaoda sociedade com a oferta futura de bens eservios indispensveis sobrevivncia dahumanidade. A ECO-92, no Rio de Janeiro, umexemplo da preocupao do homem com seuplaneta e com seu semelhante. As naes passama preocupar-se finalmente com os impactos doprocesso de crescimento na qualidade de vida.

    Neste artigo procura-se discutir o verdadeirosentido do desenvolvimento. Para tanto, abordada a relao entre o conceito de crescimentoeconmico e o conceito de desenvolvimento, assimcomo a relao entre desenvolvimento, meioambiente, industrializao e qualidade de vida.

    O sentido do desenvolvimento

    O debate acerca do conceito de desenvol-

    vimento bastante rico no meio acadmico,

    principalmente quanto distino entre

    desenvolvimento e crescimento econmico, pois

    muitos autores atribuem apenas os incrementos

    constantes no nvel de renda como condio para

    se chegar ao desenvolvimento, sem, no entanto,

    se preocupar como tais incrementos so

    distribudos. Deve-se acrescentar que apesar das

    divergncias existentes entre as concepes de

    desenvolvimento, elas no so excludentes. Na

    verdade, em alguns pontos, elas se completam

    (SCATOLIN, 1989, p.24).

    O desenvolvimento, em qualquer concepo,deve resultar do crescimento econmico acompa-nhado de melhoria na qualidade de vida, ou seja,deve incluir as alteraes da composio doproduto e a alocao de recursos pelos diferentessetores da economia, de forma a melhorar osindicadores de bem-estar econmico e social(pobreza, desemprego, desigualdade, condiesde sade, alimentao, educao e moradia)(VASCONCELLOS e GARCIA, 1998, p. 205).

    Os debates sobre o desenvolvimentoeconmico foram acirrados no perodo posterior segunda grande guerra.1 Segundo Sunkell ePaz (1988), terminado o conflito blico, que foiresultado de fatores econmicos, polticos ehistricos muito profundos, que no cabeanalisar aqui, o tema foi encarado por todos ospases, principalmente os aliados, que visavamlivrar o mundo, e, obviamente, seus prpriosterritrios, dos problemas que os perseguiam(e ainda perseguem) nos perodos anteriores:guerra, desemprego, misria, discriminaoracial, desigualdades polticas, econmicas esociais. Essa preocupao revelou os anseios deprogresso e de melhoria das condies de vidadas naes e regies, que podem ser vislumbradostanto na primeira Declarao Inter-aliada de1941, como na Carta do Atlntico, do mesmoano, que expressavam o desejo de criarcondies para que todos os homens possamdesfrutar de seguridade econmica e social. Taisintenes foram reafirmadas em diversas

    1 A Segunda Guerra Mundial durou de 1939 a 1945.

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    declaraes e conferncias que sucederam operodo de guerra.2

    O documento de maior importncia dessapoca, no que tange a questes de desenvol-vimento, a Carta das Naes Unidas, divulgada,em abril de 1945, na Conferncia de SoFrancisco. Cabe lembrar que foi em So Francisco,nesse mesmo ano, a criao oficial daOrganizao das Naes Unidas (ONU), compostainicialmente por 51 pases, cuja finalidadeprimava pela manuteno e melhoramento dosnveis de qualidade de vida, ou seja, tinha comopropsito contribuir para a elevao dos nveisde desenvolvimento em todos os sentidos dotermo. Desde sua criao, a ONU est empenhadaem: promover o crescimento e melhorar aqualidade de vida dentro de uma liberdademaior; utilizar as instituies internacionais parapromoo do avano econmico e social;conseguir cooperao internacional necessriapara resolver os problemas internacionais deordem econmica, social, cultural ou de carterhumanitrio; e promover e estimular o respeitoaos direitos humanos e as liberdadesfundamentais de toda a populao do globo,sem distino de raa, credo, sexo, idioma ou cor.

    Com a ONU intensificaram-se os debatesacerca do conceito e dos meios para seconquistar o desenvolvimento. Passado o piorda crise blica (Segunda Guerra), foi criada,pelos pases aliados e pela prpria Organizaodas Naes Unidas, uma srie de programas eorganismos especiais para ajudar os pases atratar dos problemas econmicos e sociais demodo a manter o equilbrio mundial. Dentreesses, pode-se citar o Fundo MonetrioInternacional, o Banco Internacional deReconstruo e Desenvolvimento, o AcordoGeral de Tarifas e Comrcio, o Programa dasNaes Unidas para Agricultura e Alimentao, o

    Programa para a Educao, Cincia e Cultura, aOrganizao Mundial de Sade, a OrganizaoInternacional do Trabalho, cada um com funoe instrumentos especficos de atuao, mas comum objetivo em comum: melhorar a qualidadede vida das pessoas.

    No entanto, a controvrsia entre os conceitosde crescimento econmico e desenvolvimentoainda no foi bem esclarecida. Como bem observaScatolin (1989, p.06):

    Poucos so os outros conceitos nas Cincias Sociais quetm-se prestado a tanta controvrsia. Conceitos comoprogresso, crescimento, industrializao, transformao,modernizao, tm sido usados freqentemente comosinnimos de desenvolvimento. Em verdade, elescarregam dentro de si toda uma compreenso especficados fenmenos e constituem verdadeiros diagnsticosda realidade, pois o conceito prejulga, indicando em quese dever atuar para alcanar o desenvolvimento.

    O debate sobre o tema acirrado pelaconceituao econmica do termo desen-volvimento. Os economistas vem surgir anecessidade de elaborar um modelo dedesenvolvimento que englobe todas as variveiseconmicas e sociais.3 Sob o prisma econmico,desenvolvimento , basicamente, aumento dofluxo de renda real, isto , incremento naquantidade de bens e servios por unidade detempo disposio de determinada coletividade(FURTADO, 1961, p.115-116).

    2 O desejo de disseminar o progresso e o desenvol-vimento econmico tambm estava expresso na Declaraodas Naes Unidas, firmada por representantes de 26 naes,em 1942.

    3 Para Souza (1993, p. 15), a discusso a respeito dodesenvolvimento econmico no Brasil tomou forma comos estudos da Comisso Mista Brasil-Estados Unidos (1951/53) e do Grupo Misto BNDES-CEPAL (1953/55), queforneceram elementos para os planos nacionais [dedesenvolvimento] subseqentes.

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    Sandroni (1994) j considera desenvolvimentoeconmico como crescimento econmico(incrementos positivos no produto) acompanhadopor melhorias do nvel de vida dos cidados e poralteraes estruturais na economia. Para ele, odesenvolvimento depende das caractersticas decada pas ou regio. Isto , depende do seu passadohistrico, da posio e extenso geogrficas, dascondies demogrficas, da cultura e dos recursosnaturais que possuem.

    Milone (1998) diz que para se caracterizaro desenvolvimento econmico deve-se observarao longo do tempo a existncia de variaopositiva de crescimento econmico, medidopelos indicadores de renda, renda per capita,4

    PIB5 e PIB per capita, de reduo dos nveis depobreza, desemprego e desigualdade e melhoriados nveis de sade, nutrio, educao, moradiae transporte.

    Souza (1993) aponta a existncia de duascorrentes de pensamento econmico sobre otema. A primeira corrente encara o crescimentocomo sinnimo de desenvolvimento, enquantona segunda crescimento condio indispensvelpara o desenvolvimento, mas no condiosuficiente. Na primeira corrente esto os modelosde crescimento da tradio clssica e neoclssica,como os de Harrod e Domar.6 J na segundacorrente esto os economistas de orientaocrtica, formados na tradio marxista7 oucepalina,8 que conceitua o crescimento como umasimples variao quantitativa do produto,enquanto desenvolvimento caracterizado por

    mudanas qualitativas no modo de vida daspessoas, nas instituies e nas estruturasprodutivas. So exemplos dessa ltima correnteos economistas Raul Prebisch e Celso Furtado.

    O desenvolvimento deve ser encarado comoum processo complexo de mudanas etransformaes de ordem econmica, poltica e,principalmente, humana e social. Desenvolvimentonada mais que o crescimento incrementospositivos no produto e na renda transformadopara satisfazer as mais diversificadas necessidadesdo ser humano, tais como: sade, educao,habitao, transporte, alimentao, lazer,dentre outras.

    Scatolin (1989, p.15) diz que essa visocomeou a ser difundida, no final da dcada de1940, pelos economistas estruturalistas (ligados

    O desenvolvimento deve serencarado como um processo

    complexo de mudanas etransformaes de ordem

    econmica, poltica e,principalmente, humana e social

    4 O termo per capita utilizado para fazer referncia aopeso mdio. Isto , quer dizer que representa o somatrio davarivel em questo dividido pela populao.

    5 Produto Interno Bruto o somatrio de todos os bense servios produzidos em uma economia em determinadoperodo de tempo.

    6 O modelo de Harrod e Domar engloba trs variveisbsicas para explicar o crescimento: taxa de investimento (I),taxa de poupana (S) e relao produto/capital (Y/K). Paraesses economistas, a taxa de crescimento do produto (Y) determinada pela propenso a poupar (s=S/Y), que representaa parcela da renda no consumida, que servir para ofinanciamento do investimento, multiplicada pela relaomarginal produto/capital (v=DY/DK=DY/DI), que, por sua vez,representa a variao do produto se aumentar uma unidadeadicional de capital. Algebricamente, Y=s.v. Assim, setivermos, por exemplo, s=15% e v=0,20 teremos Y=0,03.Isto quer dizer que o pas pode crescer 3% se tiver uma taxade poupana de 15% da renda e uma relao produto/capitalde 0,20 (VASCONCELOS e GARCIA, 1998).

    7 Pensamento formado no modelo criado por Karl Marxque defende a supresso da explorao do homem por seusemelhante e a instalao do regime socialista.

    8 Refere-se aos economistas que seguem os ensinamentosda CEPAL Comisso Econmica para Amrica Latina e Caribe.

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    CEPAL), que passaram a encarar o desenvol-vimento de maneira bem distinta do crescimento.Enquanto este era entendido como um processode mudana quantitativa de uma determinadaestrutura, desenvolvimento era interpretado comoum processo de mudana qualitativa de umaestrutura econmica e social.

    Seguindo o raciocnio de Souza (1993), odesenvolvimento econmico requer um ritmo decrescimento econmico contnuo9 (k) e superiorao crescimento da populao (r). Isso, claro,englobando mudanas estruturais e melhorianos indicadores de qualidade de vida. Ocrescimento aparece, portanto, como a chavepara a soluo dos problemas humanos e para odesenvolvimento. Porm, numa definio maisdetalhada, a questo saber como as variaesde k so distribudas entre a populao. Ainda,se este crescimento fruto de investimentos emhabitao, educao, dentre outros fatores quecontribuem para melhorar as condies de vida,ou em armas (equipamentos militares).Analogamente, se tivermos k

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    Desenvolvimento e meio ambiente

    A preocupao em preservar o meio ambientefoi gerada pela necessidade de oferecer populao futura as mesmas condies e recursosnaturais de que dispomos. Essa problemtica, quese faz constantemente presente nos nossos dias,foi abordada inicialmente na teoria econmica,em 1798, por Thomas R. Malthus, na sua obra AnEssay on the Principle of Population, e retomadacom maior fora na segunda metade do sculopassado pelo chamado Clube de Roma, queelaborou e publicou um relatrio intitulado TheLimits to Growth, em 1972, sob a organizao deDornella H. Meadows.

    Malthus (1996) demonstra preocupao como estrangulamento da produo de alimentos, quecresce, na sua viso, linearmente em relao aocrescimento exponencial da populao. Adefinio de crescimento linear e crescimentoexponencial pode ser melhor entendida seolharmos os conceitos da matemtica de funolinear e funo exponencial. A funo linear temprogresso aritmtica enquanto a funoexponencial tem progresso geomtrica. Assim, ocrescimento da populao seria sempre maior queo acrscimo na produo de alimentos, e chegariao dia cuja sobrevivncia da humanidade ficariacomprometida. Porm, Malthus no contava queas inovaes das tcnicas e do modo de produoampliassem a produtividade do setor agrcola,tampouco previa uma reduo nas taxas decrescimento da populao.

    Os autores do texto apresentado pelo Clubede Roma retomaram o postulado de Malthusacrescendo novos elementos discusso. O modeloelaborado por eles apresenta cinco grandes temasde preocupao global: 1) acelerao daindustrializao; 2) aumento dos indicadores dedesnutrio; 3) rpido crescimento populacional;4) deplorao dos recursos naturais no renovveis

    e 5) deteriorao do meio ambiente. Obviamente,sempre pensando no longo prazo, para garantir asobrevivncia das geraes futuras, procuraramdirecionar os debates para o carter sustentvel dodesenvolvimento. Com isso, chamaram a atenopara problemas, principalmente poluio edegradao do meio ambiente, que afetam aqualidade de vida de todo o planeta ereacenderam a chama do debate sobre o sentidodo desenvolvimento (MEADOWS et al., 1972).

    O movimento em torno do desenvolvimentosustentvel, contra a degradao ambiental, naatualidade muito grande. Centenas deorganizaes no governamentais (ONGs) epraticamente todos os governos e rgos oficiaisdo mundo lutam pelo controle da poluio epela preservao da natureza como forma degarantir a qualidade de vida no nosso planeta.10

    A idia de desenvolvimento sustentvel estfocada na necessidade de promover odesenvolvimento econmico satisfazendo osinteresses da gerao presente, sem, contudo,comprometer a gerao futura. Isto , tem queatender s necessidades do presente, semcomprometer a capacidade das novas geraesatenderem s suas prprias necessidades(COMISSO..., 1991, p.46).

    Pensar em desenvolvimento ,antes de qualquer coisa, pensarem distribuio de renda, sade,

    educao, meio ambiente...

    10 As ONGs so instituies privadas, sem fins lucrativos,que implementam aes socioambientais. Nos ltimos anos,as ONGs tm tido participaes significativas na luta pelapreservao do meio ambiente e por uma melhor qualidadede vida em diversas regies. Dentre outras aes, as ONGsvm realizando programas de educao ambiental, deproteo de mananciais, de coleta seletiva e reciclagem delixo e de conservao da fauna e da flora.

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    A histria do pensamento sobre desenvol-vimento sustentvel est diretamente ligada histria do pensamento ambiental. O conceitode desenvolvimento sustentvel parteinextrincvel do movimento ambientalista quesurgiu na Europa e nos Estados Unidos nasdcadas de 1960 e 1970. Basicamente, podemosdividir a evoluo da preocupao com odesenvolvimento sustentvel em cinco temas:

    1) preservao da natureza;

    2) desenvolvimento da administrao(gerenciamento) e da cincia ecolgicanos trpicos;

    3) ambientalismo e crise global;

    4) ecologia global, conservao e meioambiente;

    5) ambientalismo global.

    Sachs (1993), discutindo a questo dodesenvolvimento sustentvel, aponta cincodimenses de sustentabilidade dos sistemaseconmicos que devem ser observadas para seplanejar o desenvolvimento: social, econmica,ecolgica, espacial e cultural. O objetivo dasustentabilidade social melhorar os nveis dedistribuio de renda, com a finalidade de diminuira excluso social e a distncia (econmica) quesepara as classes sociais. A sustentabilidadeeconmica diz respeito a aumentos na eficinciado sistema, seja na alocao de recursos ou na suagesto. Sustentabilidade ecolgica concerne preservao do meio ambiente, sem, contudo,comprometer a oferta dos recursos naturaisnecessrios sobrevivncia do ser humano. Asustentabilidade espacial refere-se ao tratamentoequilibrado da ocupao rural e urbana, assimcomo de uma melhor distribuio territorial dasatividades econmicas e assentamentos humanos.J a sustentabilidade cultural diz respeito alterao nos modos de pensar e agir da sociedadede maneira a despertar uma conscincia ambiental

    que provoque reduo no consumo de produtoscausadores de impactos ambientais.

    Considerando essas dimenses, na viso deSachs (1993), consegue-se atingir o desenvol-vimento sustentvel. Isso, obviamente, noesquecendo que os agentes econmicos(empresas, famlias e governo) tm carncias queno podem deixar de ser atendidas.

    Satisfazer as necessidades e as aspiraes humanas oprincipal objetivo do desenvolvimento. Nos pases emdesenvolvimento, as necessidades bsicas de grandenmero de pessoas alimento, roupas, habitao,emprego no esto sendo atendidas. Alm dessasnecessidades bsicas, as pessoas tambm aspiramlegitimamente a uma melhor qualidade de vida. Nummundo onde a pobreza e a injustia so endmicas,sempre podero ocorrer crises ecolgicas e de outrostipos. Para que haja um desenvolvimento sustentvel, preciso que todos tenham atendidas as suas necessidadesbsicas e lhes sejam proporcionadas oportunidades deconcretizar as suas aspiraes e uma vida melhor(COMISSO..., 1991, p.46-47).

    Essa discusso fundamental para esclarecera controvrsia entre o conceito de crescimentoeconmico e o conceito de desenvolvimento.Ampliao do produto importante, mas notraz por si s desenvolvimento.

    Pensar em desenvolvimento , antes dequalquer coisa, pensar em distribuio de renda,sade, educao, meio ambiente, liberdade,lazer, dentre outras variveis que podem afetara qualidade de vida da sociedade.

    Industrializao e desenvolvimento

    Na literatura especializada em economia muito comum associar desenvolvimento comindustrializao, pois a indstria responsvelpor incrementos positivos no nvel do produto,no assim chamado crescimento econmico. Issoocorre, principalmente, devido ampliao da

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    atividade econmica advinda dos efeitos deencadeamento oriundos do processo de indus-trializao. Tais efeitos servem para aumentar acrena de que a industrializao indispensvelpara se obter melhores nveis de crescimento ede qualidade de vida. Essa a razo pela qualtodos os pases do mundo almejam tantoindustrializar seu territrio.

    Sobre esse tema, Sunkel e Paz (1988)observam que o desenvolvimento da indstria foidurante algum tempo considerado como sinnimode desenvolvimento econmico. Esse processo, noentanto, no se d necessariamente de maneiraespontnea, pode ser deflagrado por medidas eaes dos governos que vem na indstria ocaminho para alcanar o desenvolvimento. A idiade buscar o desenvolvimento por meio daindustrializao reforada pelo desempenho dasnaes mais industrializadas do planeta, comoEstados Unidos e Inglaterra por exemplo, quealcanaram nveis elevados de conforto e dequalidade de vida.11

    Na dcada de 1950, os pases subdesenvol-vidos deram ateno especial elaborao e implementao de planos para se alcanar odesenvolvimento. Porm, esses planos limitavam-se a promover um processo de industrializaointensivo que, por ser sinnimo de crescimentoeconmico, era encarado como um processo dedesenvolvimento econmico (MILONE, 1998).

    De acordo com Sunkel e Paz (1988), aspolticas de industrializao e de redistribuiode renda foram influenciadas pelas experinciasdos Estados Unidos, com o New Deal,12 e dosregimes existentes na Alemanha e Itlia, queadotaram poltica de gastos pblicos para eliminaro desemprego e sair da crise desencadeada pelaqueda da bolsa de Nova Iorque, em 1929, bemcomo pela experincia planificadora da extintaUnio Sovitica.

    Na Amrica Latina e no Brasil, durante asdcadas de 1950, 1960 e 1970, as polticas dedesenvolvimento enfatizavam a necessidade depromover o crescimento do produto e da rendapor meio da acumulao de capital e daindustrializao baseada na estratgia desubstituio de importaes. Essa estratgiavisava produzir internamente o que antes eraimportado. Para tanto, protegiam-se os produtoresinternos da concorrncia estrangeira por meiode taxas e tarifas de importao, alm de umasrie de benefcios concedidos pelos governos,que acreditavam ser a industrializao a chavedo desenvolvimento. Esse foi o caminho escolhidopara se tentar romper os laos de dependnciaque os pases perifricos (subdesenvolvidos ouem desenvolvimento) mantinham, e ainda

    mantm, com os pases centrais (desenvolvidos).13

    Sunkel e Paz (1988) dizem que os pasescentrais, notadamente os Estados Unidos,preocupados com problemas de abastecimento deprodutos estratgicos, alimentos e insumosindustriais provenientes da Amrica Latinapromoveram, juntamente com pases dessa regio,a intensificao da produo agrcola e de certas

    11 Por isso, a industrializao era entendida a um stempo como a soluo para os problemas enfrentados pelaAmrica Latina e o caminho para o desenvolvimento(SCATOLIN, 1989, p.16).

    12 Programa de governo criado e implementado pelopresidente norte-americano Franklin Roosevelt, em 1933, queprevia gastos pblicos para gerar emprego e renda e incentivara demanda agregada da economia.

    13 Apenas para se ter uma idia, no ato de criao daONU, dos 51 pases que participaram da Conferncia de SoFrancisco, em 1945, slo unos diez o doce podamconsiderarse pases desarrollados e industrializados; de losrestantes constituan una proporcin mayoritaria loslatinoamericanos, que no haban sufrido em sus territorioslos efectos destructivos del conflito belico mundial (SUNKELe PAZ, 1988, p.19).

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    indstrias bsicas para que suas economiaspudessem continuar funcionando normalmente.Essa cooperao, ao invs de romper, fortaleceu eperpetuou os laos de dependncia entre os pasesdo centro e os da periferia.

    Sobre esse assunto, Souza (1993, p.14) dizque o processo de industrializao no apareceuem todos os lugares a um s tempo, mas emalgumas regies do mundo. No obstante,dentro de cada pas, o crescimento tem-seconcentrado em alguns centros. Acentuaram-seas desigualdades entre pases e regies [epessoas], as quais tornaram-se mais evidentescom o crescimento mais do que proporcional doscentros industrializados.

    Sliwiany (1987) argumenta que a industriali-zao no gera unicamente aumento do produtoe da renda nacional, ela amplia a distncia entrecrescimento econmico e desenvolvimento(qualidade de vida), pois provoca, dentre outrosfatores, a destruio e poluio do meioambiente, distores de urbanizao e alienaodo ser humano.

    Cano (1985, p.29) observa que nas regiesindustrializadas do Brasil a qualidade de vidabaixou consideravelmente: ganharam maisindstrias e mais empregos, mas tambmganharam mais filas de transporte, menos gua,escolas e hospitais (...) e muito mais favelas.

    A participao do Estado como regulador,produtor e indutor do desenvolvimento notrouxe apenas bons resultados para os pases da

    Amrica Latina, inclusive o Brasil. Conseguiu-se,sem dvida alguma, ampliar a estruturaprodutiva, mas ampliou-se tambm o hiato entreas taxas de crescimento e de desenvolvimento.Industrializao e crescimento nem sempresignificam desenvolvimento. O Brasil um bomexemplo disso.

    A necessidade de promover a industrializaoe o crescimento econmico ofusca a viso dosplanejadores e dificulta a visualizao daquilo querealmente importa no processo de desenvol-vimento: a qualidade de vida da populao.

    Por muito tempo foi esquecido que as pessoasso tanto os meios quanto o fim do desenvol-vimento econmico. O que importa, na verdade,mais do que o simples nvel de crescimento ou deindustrializao o modo como os frutos doprogresso, da industrializao, do crescimentoeconmico so distribudos para a populao, demodo a melhorar a vida de todos.

    O desenvolvimento humano

    Aps vrias dcadas na busca de comopromover o crescimento econmico, est seredescobrindo que este por si s no suficiente.Pensa-se hoje, cada vez mais, como as pessoasso afetadas pelo processo de crescimento, ouseja, se os incrementos positivos no produto e narenda total esto sendo utilizados ou direcionadospara promover o desenvolvimento humano.

    O conceito de desenvolvimento humano , portanto, maisamplo do que o de desenvolvimento econmico,estritamente associado idia de crescimento. Isso nosignifica contrap-los. Na verdade, a longo prazo, nenhumpas pode manter e muito menos aumentar o bem-estar de sua populao se no experimentar um processode crescimento que implique aumento da produo e daprodutividade do sistema econmico, amplie as opesoferecidas a seus habitantes e lhes assegure a oportunidadede empregos produtivos e adequadamente remunerados.

    Por muito tempo foi esquecidoque as pessoas so tanto os

    meios quanto o fim dodesenvolvimento econmico

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    Por conseguinte, o crescimento econmico condionecessria para o desenvolvimento humano [e social] e aprodutividade componente essencial desse processo.Contudo, o crescimento no , em si, o objetivo ltimo doprocesso de desenvolvimento; tampouco assegura, por sis, a melhoria do nvel de vida da populao(PROGRAMA..., 1996, p.01).

    Cada vez mais, a sociedade preocupa-se emvislumbrar como o crescimento econmicoafeta a qualidade de vida de toda a populao.At bem pouco tempo, os pases e regies eramclassificados entre ricos e pobres, usando-separa isso, exclusivamente, as variaes do PIB,sem ao menos tentar medir a qualidade de vidados habitantes.

    Furtado (1974, p.75) afirma que a idia dedesenvolvimento econmico um simples mito.Graas a ela tem sido possvel desviar as atenesda tarefa bsica de identificao das necessidadesfundamentais da coletividade e das possibilidadesque abrem ao homem os avanos da cincia, paraconcentr-las em objetivos abstratos como so osinvestimentos, as exportaes e o crescimento.

    Lentamente isso est mudando. As pessoas eseu nvel de vida esto se tornando o propsitofinal do desenvolvimento, pois mais importantesaber que oportunidades as crianas e os jovenstm de acesso educao, sade e a uma moradiadigna, enfim, de desfrutar uma longa vidaprodutiva que lhes permita manter uma famlia,do que saber simplesmente qual foi a variao doPIB do perodo anterior (PROGRAMA..., 1996).

    O desenvolvimento humano est ocupandolugar central no debate sobre o desenvolvimentodesde o incio da dcada de 1990. A maior provadisso a importncia que ganhou o RelatrioMundial de Desenvolvimento Humano publicado,a partir de 1990, pelo PNUD.14 Nesse relatrioprocurou-se conduzir a discusso sobre odesenvolvimento de forma diferentes da usual. Aquesto central passa da tradicional pergunta de

    quanto se est produzindo para como isto estafetando a qualidade de vida da populao. Paradifundir essa idia, a Organizao das NaesUnidas vem realizando uma srie de confernciasque abrangem direta ou indiretamente asquestes sociais.15

    A publicao do primeiro relatrio sobre odesenvolvimento humano suscitou uma srie dedebates acerca da eficincia das polticas decrescimento para promover o desenvolvimentohumano. Como bem resume Rodrigues (1993,p.20), o crescimento econmico carece desentido, se no consegue promover, em ltimainstncia, o desenvolvimento humano [e social],entendido como a realizao (ou satisfao)pessoal dos indivduos de um pas/regio.

    Dessa forma, para atingir o desenvolvimentohumano, tem-se que reduzir a excluso social,caracterizada pela pobreza e pela desigualdade.Em termos simplrios, os pases ou regiesdevem concentrar-se no apenas no crescimentodo bolo, mas tambm na sua distribuio.16

    14 Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento.15 Por exemplo, a Cpula Mundial da Infncia (Nova

    Iorque, 1990), a Conferncia das Naes Unidas para o MeioAmbiente (Rio de Janeiro, 1992), a II Conferncia Internacionalde Direitos Humanos (Viena, 1993), a ConfernciaInternacional sobre a Populao e Desenvolvimento (Cidadedo Cairo, 1994), a Cpula Mundial de Desenvolvimento Social(Copenhague, 1995) e a IV Conferncia sobre a Mulher,Desenvolvimento e Paz (BEIJING, 1995).

    16 Delfim Netto quando comandava o Ministrio daFazenda, durante a vigncia do regime militar no Brasil,elaborou uma mxima para justificar sua poltica econmicaque apresentava caractersticas de concentrao de renda e,nitidamente, excludente. Devemos fazer o bolo crescer paradepois distribuir, era sua frase predileta. Essa poltica agravouas desigualdades sociais e elevou o custo social do sistemaeconmico brasileiro. Para maiores detalhes, ver FURTADO(1974 e 1977).

  • Rev. FAE, Curitiba, v.5, n.2, p.47-48, maio/ago. 2002 |47

    Revista da FAE

    Para auxiliar a monitorar a eficincia daspolticas adotadas para atingir o to sonhadodesenvolvimento, imprescindvel a existnciade um amplo quadro de indicadores dequalidade de vida e desenvolvimento humano.

    Consideraes finais

    No Brasil, na Amrica Latina e em todo ochamado Terceiro Mundo comum se observara distribuio desigual de recursos bsicos paraa maioria da populao, tais como educao,sade, saneamento bsico, habitao, renda,dentre vrios outros. Essa desigualdade inerente ao processo de crescimento dessasregies e deve ser combatida para gerar maiorese melhores benefcios para todos.

    O ser humano nunca recebeu toda atenoque merece. Sempre se pensou em termosabstratos, como a elevao do PIB e da renda,esquecendo-se de questionar como o homem afetado por isso.

    A distribuio dos frutos do crescimento

    econmico deve ser regida pelos princpios da

    necessidade e da justia social e no, apenas e

    to-somente, pelos desgnios das foras

    econmicas dominantes e das relaes de poder

    poltico e dos processos de deciso que,

    geralmente, favorecem algumas regies e grupos

    em detrimento das regies mais carentes e das

    camadas marginalizadas da populao.

    A sociedade pode, e deve, se organizar para

    transformar os impulsos de crescimento econmico,

    geralmente desencadeados por foras externas

    regio, em desenvolvimento, ou seja, em melhores

    nveis de qualidade de vida para todos.

    preciso pensar um novo cenrio que

    favorea o conjunto da populao e no, apenas

    e to-somente, pequenos grupos sociais. preciso

    pensar em uma economia social, a servio de todos,

    em favor da melhoria dos indicadores de qualidade

    de vida. No se pode pensar o contrrio, seria como

    andar na contramo da histria.

    Referncias

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