12
1 UMA METODOLOGIA EFICIENTE PARA PROJETO E FABRICO DE PRÓTESES EXTRAORAIS EM SILICONE Bárbara Mendes, Jorge Lino Alves * , Rui Neto, Mafalda Couto, Margarida Machado, Teresa Duarte INEGI, FEUP, Rua Dr. Roberto Frias, 400, 4200-465 Porto *e-mail: [email protected] RESUMO As próteses extraorais ajudam as pessoas a superar problemas emocionais causados por defeitos faciais (neoplasmas, traumas, etc.). Ao contrário das próteses de pernas, braços ou dedos, estas proporcionam aos pacientes alívio extremo e a satisfação de aceitação da sua aparência física. Convencionalmente, estas próteses são fabricadas por um anaplastologista através de um processo manual, dispendioso e demorado. Os avanços nas ferramentas de computação e engenharia possibilitaram uma melhoria significativa na conceção e fabrico de próteses de silicone. Deste modo, a motivação deste trabalho visa desenvolver uma metodologia para fabricar próteses faciais à medida. Foram assim desenvolvidos dois casos de estudo: uma rapariga de 15 anos, com um defeito congénito na orelha; e um homem de 52 anos, submetido a uma exenteração ocular virtual. A metodologia desenvolvida envolve seis tarefas: (i) aquisição de imagem; (ii) biomodelação 3D; (iii) conceção da prótese; (iv) fabrico do molde; (v) fabrico da prótese; e (vi) ajustes finais. A abordagem proposta deu origem a resultados encorajadores, pois permitiu reduzir o tempo do processo bem como obter próteses com o mínimo contacto e desconforto para os pacientes, potenciando um excelente resultado estético e funcional. PALAVRAS-CHAVE: Próteses extraorais, biomodelação, fabrico aditivo, silicones. AN EFFICIENT METHODOLOGY FOR DESIGN AND MANUFACTURING OF EXTRAORAL SILICONE PROSTHESES ABSTRACT Extraoral prosthesis help people overcome emotional problems caused by facial defects (neoplasms, trauma, etc.). Differently from leg, arm or finger prosthesis, these promote patient’s extreme relief and satisfaction in their physical appearance acceptance. Conventionally, these prosthesis are fabricated by an anaplastologist. Being a manual procedure, this method is expensive and time-consuming. Current advances on computational and engineering tools claim an improvement on design and manufacturing of silicone prostheses. This demand motivates this work that aims to develop a methodology for fabricating customized facial prostheses. Within this work, two case-studies were considered: a 15-year-old girl with a congenital defect of the ear: and a 52 year-old male that underwent a virtual ocular exenteration. The developed methodology entails six tasks: (i) data acquisition, (ii) 3-D biomodeling, (iii) prosthesis design, (iv) moulds fabrication, (v) prosthesis manufacturing and, (vi) final fittings. The proposed approach showed encouraging results, reducing the process time, and allowing the attainment of prostheses with the minimum contact and discomfort for the patients, disclosing excellent aesthetic and functional results. KEY WORDS: Facial prostheses, biomodelling, additive manufacturing, silicones. 1. INTRODUÇÃO A anaplastologia é um ramo da medicina que se destina à reabilitação protésica de estruturas da face e/ou do corpo ausentes, desfiguradas ou malformadas. Estes casos clínicos podem apresentar várias causas, nomeadamente edentulismo, acidentes de viação, malformações congênitas, remoções cirúrgicas de tumores,

UMA METODOLOGIA EFICIENTE PARA PROJETO E FABRICO …falves/Proteses extraorais jlino INEGI.pdf · 2 queimaduras, etc. Em alguns casos, os defeitos faciais e/ou corporais comprometem

  • Upload
    vonga

  • View
    215

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UMA METODOLOGIA EFICIENTE PARA PROJETO E FABRICO …falves/Proteses extraorais jlino INEGI.pdf · 2 queimaduras, etc. Em alguns casos, os defeitos faciais e/ou corporais comprometem

1

UMA METODOLOGIA EFICIENTE PARA PROJETO E FABRICO DE PRÓTESES EXTRAORAIS EM SILICONE

Bárbara Mendes, Jorge Lino Alves*, Rui Neto, Mafalda Couto, Margarida Machado, Teresa Duarte

INEGI, FEUP, Rua Dr. Roberto Frias, 400, 4200-465 Porto

*e-mail: [email protected]

RESUMO

As próteses extraorais ajudam as pessoas a superar problemas emocionais causados por defeitos faciais (neoplasmas, traumas, etc.). Ao contrário das próteses de pernas, braços ou dedos, estas proporcionam aos pacientes alívio extremo e a satisfação de aceitação da sua aparência física. Convencionalmente, estas próteses são fabricadas por um anaplastologista através de um processo manual, dispendioso e demorado. Os avanços nas ferramentas de computação e engenharia possibilitaram uma melhoria significativa na conceção e fabrico de próteses de silicone. Deste modo, a motivação deste trabalho visa desenvolver uma metodologia para fabricar próteses faciais à medida. Foram assim desenvolvidos dois casos de estudo: uma rapariga de 15 anos, com um defeito congénito na orelha; e um homem de 52 anos, submetido a uma exenteração ocular virtual. A metodologia desenvolvida envolve seis tarefas: (i) aquisição de imagem; (ii ) biomodelação 3D; (iii ) conceção da prótese; (iv) fabrico do molde; (v) fabrico da prótese; e (vi) ajustes finais. A abordagem proposta deu origem a resultados encorajadores, pois permitiu reduzir o tempo do processo bem como obter próteses com o mínimo contacto e desconforto para os pacientes, potenciando um excelente resultado estético e funcional. PALAVRAS-CHAVE: Próteses extraorais, biomodelação, fabrico aditivo, silicones.

AN EFFICIENT METHODOLOGY FOR DESIGN AND MANUFACTURI NG OF EXTRAORAL SILICONE PROSTHESES

ABSTRACT Extraoral prosthesis help people overcome emotional problems caused by facial defects (neoplasms, trauma, etc.). Differently from leg, arm or finger prosthesis, these promote patient’s extreme relief and satisfaction in their physical appearance acceptance. Conventionally, these prosthesis are fabricated by an anaplastologist. Being a manual procedure, this method is expensive and time-consuming. Current advances on computational and engineering tools claim an improvement on design and manufacturing of silicone prostheses. This demand motivates this work that aims to develop a methodology for fabricating customized facial prostheses. Within this work, two case-studies were considered: a 15-year-old girl with a congenital defect of the ear: and a 52 year-old male that underwent a virtual ocular exenteration. The developed methodology entails six tasks: (i) data acquisition, (ii ) 3-D biomodeling, (iii ) prosthesis design, (iv) moulds fabrication, (v) prosthesis manufacturing and, (vi) final fittings. The proposed approach showed encouraging results, reducing the process time, and allowing the attainment of prostheses with the minimum contact and discomfort for the patients, disclosing excellent aesthetic and functional results. KEY WORDS: Facial prostheses, biomodelling, additive manufacturing, silicones.

1. INTRODUÇÃO A anaplastologia é um ramo da medicina que se destina à reabilitação protésica de estruturas da face e/ou do corpo ausentes, desfiguradas ou malformadas. Estes casos clínicos podem apresentar várias causas, nomeadamente edentulismo, acidentes de viação, malformações congênitas, remoções cirúrgicas de tumores,

Page 2: UMA METODOLOGIA EFICIENTE PARA PROJETO E FABRICO …falves/Proteses extraorais jlino INEGI.pdf · 2 queimaduras, etc. Em alguns casos, os defeitos faciais e/ou corporais comprometem

2

queimaduras, etc. Em alguns casos, os defeitos faciais e/ou corporais comprometem não só a aparência estética do paciente, mas também algumas funções biológicas como a fala, a mastigação, a expressão facial, o padrão de marcha, etc. Para além disso, problemas psicológicos associados à exclusão social e à falta de autoestima são também muito frequentes neste tipo de pacientes. Assim, é notória a importância da colocação de próteses faciais (auriculares, nasais ou oculopalpebrais) ou somáticas (mãos ou dedos) na qualidade de vida dos pacientes lesados e na sua reintegração social. Este tipo de próteses é adequado quando a reconstrução por cirurgia estética é impraticável ou contraindicada devido à idade do paciente, condição médica ou tecido residual insuficiente [1-4]. As próteses externas faciais são fabricadas em materiais aloplásticos biocompatíveis como o silicone e o acrílico e podem apresentar diferentes tipos de sistemas de retenção (adesivos, sucção, implantes osteointegrados, encaixe anatómico, óculos, entre outros). A produção deste tipo de próteses envolve três etapas principais: o projeto da prótese, o seu fabrico e o acabamento (ex.: coloração extrínseca, caracterização e sistema de retenção). Convencionalmente, o projeto de uma prótese facial ou somática consiste num processo manual que requer uma elevada destreza técnica. Esta abordagem envolve o levantamento de forma da parte em falta do paciente diretamente a partir do seu corpo (técnica conhecida por impressão ou lifecasting), usando alginato ou silicone. Em alguns casos, é necessário esculpir os modelos para garantir uma correta adaptação da prótese ao paciente, assim como a representação de algumas características estéticas [5-9]. Com os avanços dos sistemas de engenharia, o método convencional tem vindo a ser combinado com tecnologias digitais (ex.: digitalização 3D, manipulação de imagens médicas, modelação computacional e fabrico aditivo), com o intuito de conferir a estas próteses um aspeto mais real e simultaneamente otimizar o seu processo de produção em termos de tempos e custos [8]. Esta abordagem combinada é apresentada neste estudo, onde é proposta uma metodologia para projeto e fabrico de próteses faciais. É de referir que a mesma abordagem pode ser feita para o caso de próteses somáticas. São estudados dois exemplos de aplicação: i) uma prótese auricular parcial e ii) uma prótese oculopalpebral total.

2. METODOLOGIA A metodologia proposta envolve quatro etapas principais: i) aquisição de dados, ii ) projeto da prótese, iii ) fabrico e iv) acabamento. A aquisição de dados é feita por métodos tradicionais de levantamento de forma a partir do corpo do paciente e/ou através de técnicas digitais de manipulação e processamento de imagens médicas e digitalização 3D. Em relação ao projeto da prótese, convencionalmente efetuado por escultura, este é realizado utilizando programas de modelação computacional que oferecem ferramentas chave como o espelhamento e a suavização. De seguida, são fabricados protótipos da prótese e da parte desfigurada e/ou malformada do paciente por SL (estereolitografia) de modo a validar o conceito projetado. Posteriormente, é estudado um sistema de retenção adequado à prótese, sendo o projeto da prótese editado sempre que é necessária uma extensão/adaptação da prótese (como por exemplo em sistemas de retenção por adesivos ou por encaixe anatómico). O fabrico das próteses é realizado através de moldes em silicone, os quais são obtidos com recurso à técnica de SL. Após o fabrico, existe uma etapa de validação onde se verifica o ajuste e encaixe anatómico, a orientação e proporção da prótese, o apoio na superfície da face, etc. Uma vez validada, a prótese é por fim submetida a uma caracterização estética (colocação extrínseca, unhas, pelos, etc.) para apresentar uma aparência realística e, sempre que aplicável, acoplada a um sistema de retenção (óculos, sistema de implantes, etc.). Um fluxograma da metodologia proposta está representado na Fig. 1.

Page 3: UMA METODOLOGIA EFICIENTE PARA PROJETO E FABRICO …falves/Proteses extraorais jlino INEGI.pdf · 2 queimaduras, etc. Em alguns casos, os defeitos faciais e/ou corporais comprometem

3

Figura 1: Fluxograma da metodologia proposta para o projeto e fabrico de próteses faciais.

3. CASO DE ESTUDO I: PRÓTESE AURICULAR PARCIAL Descrição do caso de estudo O primeiro caso de estudo diz respeito a uma paciente de 15 anos que apresenta um defeito congénito na orelha, o que originou o subdesenvolvimento da mesma, tal como se pode observar na Fig. 2. Esta deformidade auricular congénita reduz quase na totalidade a capacidade auditiva da paciente, para além do caráter inestético evidente que gera outros problemas de foro psicológico, como a falta de autoestima. A reconstrução de uma orelha por cirurgia estética é um procedimento complexo, sem garantias de sucesso e que exige geralmente um elevado número de intervenções cirúrgicas [10]. Desta forma, uma prótese auricular em silicone é uma solução interessante e a ter em consideração.

Aquisição de dados

Projeto da prótese

Fabrico da prótese

Estudo do sistema de retenção

Fabrico do molde

Vazamento do silicone com pigmentação

Verificação de ajuste da prótese em silicone no modelo SL da parte desfigurada e/ou malformada

Fabrico por SL da prótese projetada e da parte desfigurada e/ou malformada do paciente

Coloração extrínseca e acabamentos finais

Modelos corretos?

Não

Sim

Page 4: UMA METODOLOGIA EFICIENTE PARA PROJETO E FABRICO …falves/Proteses extraorais jlino INEGI.pdf · 2 queimaduras, etc. Em alguns casos, os defeitos faciais e/ou corporais comprometem

4

Figura 2: Fotografias da orelha com deformidade. Aquisição de dados Para a aquisição de dados, numa primeira fase foi feita uma digitação 3D da orelha diretamente da face da paciente com um sistema de luz estruturada 3D (ATOS III Triple Scan, GOM mbH, Braunschweig). No entanto, não foi possível captar a totalidade da forma anatómica da orelha devido à complexidade da deformidade da mesma. Para contornar este problema, recorreu-se à técnica de impressão usando alginato, para obter as formas da orelha malformada e da orelha sã (Fig. 3a). A partir destas impressões, foi feito o vazamento de resina pigmentada e obteve-se os modelos físicos das orelhas. Estes modelos foram então digitalizados (Fig. 3b), recorrendo ao equipamento ATOS III Triple Scan.

a) b)

Figura 3: Aquisição de dados: a) Técnica de lifecasting usando alginato; b) Modelos .STL obtidos por

digitalização 3D dos modelos em resina da orelha malformada e da orelha sã. Projeto da prótese auricular O projeto da prótese foi realizado com o software de biomodelação 3-matic® 8.0 (Materialise NV, Leuven, Bélgica), onde os ficheiros .STL resultantes da digitalização 3D podem ser manipulados e editados. O primeiro passo do projeto da prótese consistiu no espelhamento da orelha sã segundo o eixo de simetria da face (Fig. 4). De seguida, a imagem espelho da orelha foi sobreposta à orelha com defeito de forma a encontrar o posicionamento e orientação mais adequados. Para o caso em estudo esta tarefa revelou-se mais difícil do que o esperado face às diferenças de tamanho, rotação e espessura entre as duas orelhas (Fig. 5).

Page 5: UMA METODOLOGIA EFICIENTE PARA PROJETO E FABRICO …falves/Proteses extraorais jlino INEGI.pdf · 2 queimaduras, etc. Em alguns casos, os defeitos faciais e/ou corporais comprometem

5

Figura 4: Resultado do espelhamento da orelha sã.

Figura 5: Sobreposição da espelhagem da orelha sã à orelha com defeito. Após se ter efetuado a sobreposição mais adequada, foi realizado um ajuste dimensional da orelha sã à orelha com deformidade (Fig. 6a). Posteriormente, foi feita uma subtração da orelha malformada à orelha sã de modo a obter a forma da prótese desejada (Fig. 6b).

Figura 6: a) Resultado do ajuste da orelha sã à orelha malformada; b) Forma da prótese desejada. Foi estudado o método de retenção mais adequado, tendo-se optado por um encaixe anatómico de ajuste elástico. Desta forma, fez-se uma extensão da prótese no 3-matic® 8.0 (Fig. 7) de modo a envolver toda a orelha malformada e, assim aumentar a superfície de contacto e apoio da mesma. Com este encaixe anatómico pretende-se assegurar a fixação da prótese, bem como a sua correta colocação e orientação.

Figura 7: Modelo da prótese da orelha com encaixe anatómico.

b) a)

Page 6: UMA METODOLOGIA EFICIENTE PARA PROJETO E FABRICO …falves/Proteses extraorais jlino INEGI.pdf · 2 queimaduras, etc. Em alguns casos, os defeitos faciais e/ou corporais comprometem

6

Fabrico da prótese auricular Os modelos .STL da orelha malformada e da prótese foram prototipados em SL (Fig. 8a) e 8b) e foi validado o encaixe dos mesmos (Fig. 8c). Na Fig. 8d) encontra-se o protótipo da prótese com encaixe anatómico.

Figura 8: Modelos em resina (SL): a) orelha defeituosa; b) protótipo da prótese; c) montagem inicial; d)

protótipo da prótese com encaixe anatómico Para o fabrico da prótese, primeiramente construi-se uma caixa de madeira (Fig. 9a) contendo o modelo da Fig. 8b) para o vazamento de um silicone (VTX 959 da SLM, dureza Shore 40). Após a cura do silicone (aproximadamente 24 h), obteve-se o molde. Para a prótese foi utilizado um silicone de dureza Shore 20 (Dragon Skin® Series, Smooth-On), adequado à parte anatómica em estudo (i.e., orelha). Foi também realizada uma palete de cores com mistura de dois pigmentos (SIL Tone light skin e medium skin, Smooth-On) para se definir a formulação de pigmento a utilizar de acordo à tonalidade de pele da paciente. A Fig. 9b) ilustra o processo de enchimento do molde com o silicone pigmentado. A prótese final é apresentada na Fig. 9c) e com encaixe anatómico na Fig. 9d).

Figura 9: a) Fabrico de molde em silicone; b) Enchimento com silicone pigmentado; c) Montagem da prótese

em silicone no protótipo SLA da orelha malformada; d) Prótese em silicone com encaixe anatómico.

4. CASO DE ESTUDO II: PRÓTESE OCULOPALPEBRAL TOTAL Descrição do caso de estudo Para efeitos de estudo de uma prótese oculopalpebral, foi simulada virtualmente uma exenteração orbital de um homem adulto voluntário com 52 anos de idade.

a) b) c) d)

a) b) c) d)

Page 7: UMA METODOLOGIA EFICIENTE PARA PROJETO E FABRICO …falves/Proteses extraorais jlino INEGI.pdf · 2 queimaduras, etc. Em alguns casos, os defeitos faciais e/ou corporais comprometem

7

Os pacientes com defeitos orbitais têm de lidar com a perda de visão e a inerente alteração de estilo de vida. Além disso, alguns destes casos têm impacto a nível social e pessoal causado pela aparência estética resultante da deformação facial. Através de procedimentos cirúrgicos, a reconstrução de uma deformação facial é muito complexa, sendo muito difícil de camuflar mesmo através de transplantes de pele. Assim, as próteses faciais são uma solução adequada para estes casos. Aquisição de dados Através do scanner de luz estruturada 3D (ATOS III Triple Scan, GOM mbH, Braunschweig) foi possível capturar, com elevada resolução, a superfície facial do voluntário. Previamente à digitalização da superfície completa da face, o paciente foi colocado com a cabeça numa posição estável e com uma expressão natural (Fig. 10a). Previamente à digitalização da superfície completa da face, foi necessário proceder à pintura da face com pó branco de maquilhagem para remover eventuais brilhos da face que podem dificultar ou impedir a aquisição de dados. O resultado desta aquisição de dados, tal como no caso de estudo I) consistiu numa nuvem de pontos tridimensional da superfície facial. Através destes dados, foi possível gerar um modelo 3D de alta resolução da face do voluntário, com nível de detalhes e rigor dimensional elevados, que permite a sua exportação em formato .STL (Fig. 10b).

Figura 10: a) Digitalização 3D; b) Modelo 3D da face do voluntário.

Projeto da prótese oculopalpebral Após obtenção do ficheiro .STL da face do voluntário, este foi importado para o software 3-matic® 8.0. O ficheiro foi primeiramente submetido a um tratamento de imagem, pois como se trata de uma superfície composta por triângulos, alguns surgem distorcidos e fora do lugar. Foi, então, efetuada uma exenteração virtual de forma a simular a face de um paciente com a ausência da zona orbital (Fig. 11a). De salientar que para cada caso deve ser efetuada uma avaliação à região orbital afetada para verificar a existência de algum entalhe ósseo ou tecido mole que possa potenciar o melhor método de retenção aplicável especificamente para cada caso. Para a reconstrução digital da prótese do presente caso, no modelo tridimensional da face do voluntário com exenteração virtual foi criado um plano de simetria sagital do ponto medio da face. De seguida, foi copiada a superfície facial e submetida a um espelhamento pelo plano criado (Fig. 11b). Uma vez obtida a superfície espelhada pelo eixo de simetria, procedeu-se a uma subtração à face original, permitindo obter um modelo prévio da reconstrução da zona ocular. Após o tratamento de imagem, obteve-se um protótipo de prótese que é apresentado na Fig. 11c).

a) b)

Page 8: UMA METODOLOGIA EFICIENTE PARA PROJETO E FABRICO …falves/Proteses extraorais jlino INEGI.pdf · 2 queimaduras, etc. Em alguns casos, os defeitos faciais e/ou corporais comprometem

8

Figura 11: a) Ficheiro .STL da face com exenteração; b) Face original com plano de simetria e espelho do

modelo sobreposto; c) Forma da prótese oculopalpebral. Com o modelo da prótese obtido, decidiu-se modelar a prótese com olho de vidro. Através de uma medição do diâmetro da órbita do paciente diretamente no ficheiro .STL decidiu-se adquirir um olho de vidro de 26 mm (KL Glass Eyes, Alemanha, Art. Nr. 900PA, referência de cor MB03). Este olho foi marcado com pontos de referência (Figura 12a) para possibilitar a montagem tridimensional de imagens de diferentes ângulos de digitalização. O modelo possui uma saliência, correspondente à zona da íris, que foi delimitada por uma marcação circular de 12 mm de diâmetro (Figura 12b) corresponde à média do diâmetro da íris de um homem adulto.

Figura 12: a) Olho de vidro da KL Glass Eyes com referências para digitaliazação (Art. Nr. 900PA, MB03,

Alemanha); b) Modelo tridimensional do olho protésico. O ficheiro .STL da prótese foi encaixado na face exenterada, e nela foi marcada uma circunferência de 12 mm de diâmetro, correspondente à posição da íris (Figura 13a). Esta marcação foi posicionada de acordo com a observação visual, de maneira a que o olhar apresentasse um aspeto natural e alinhado. O modelo do olho protésico foi, então alinhado com a prótese previamente modelada (Figura 13b), utilizando como referência as circunferências marcadas no olho e na prótese. a) b)

Figura 13: a) Marcação da posição da íris na prótese; b) Alinhamento e desenho do local da íris.

a) b)

Page 9: UMA METODOLOGIA EFICIENTE PARA PROJETO E FABRICO …falves/Proteses extraorais jlino INEGI.pdf · 2 queimaduras, etc. Em alguns casos, os defeitos faciais e/ou corporais comprometem

9

Projeto e conceção do molde para a prótese oculopalpebral Decidiu-se projetar um molde em .STL no software 3-matic® que permitisse obter uma cavidade ocular, pela introdução do olho protésico no molde (servindo de macho). Foi esboçado um projeto para este molde, apresentado na Figura 14a). A montagem final do modelo 3D em 3-matic® do molde projetado está representada na Figura 14b).

a) b)

Figura 14: a) Esboço do molde para obtenção da prótese oculopalpebral com cavidade ocular; b) Montagem completa do molde realizado em 3-matic® 8.0.

O molde foi fabricado por estereolitografia, de acordo com a metodologia referida anteriormente e está representado na Error! Reference source not found.Figura 15a). Os guiamentos foram colocados na moldação inferior (Figura 15b).

a) b)

Figura 15: a) Molde da prótese oculopalpebral em SLA, olho protésico, guiamentos de aço e suporte do olho; b) Moldação inferior com guiamentos e moldação superior.

Fabrico da prótese oculopalpebral Seguindo o mesmo processo utilizado no caso de estudo I, após o fabrico do modelo final em silicone, foi verificado o encaixe da prótese e a simetria no modelo da face do voluntário em SL, como é visível na Fig. 16a). Pela fotografia da Figura 16b) é possível comparar a região oculopalpebral do voluntário e a prótese concebida.

Canais de guiamento (diâm.: 3.2 mm)

Canais de guiamento (diâm.: 3 mm)

Canal de saída de ar

Bacia de vazamento

Suporte do olho (macho)

Page 10: UMA METODOLOGIA EFICIENTE PARA PROJETO E FABRICO …falves/Proteses extraorais jlino INEGI.pdf · 2 queimaduras, etc. Em alguns casos, os defeitos faciais e/ou corporais comprometem

10

Figura 16: a) Prótese oculopalpebral encaixada no modelo SL da face do voluntário; b) Face do voluntário

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO O presente estudo demonstra o potencial da técnica digital no projeto de próteses faciais, mas também denota algumas limitações que devem ser tidas em consideração de forma a melhorar o projeto destas próteses. As limitações e vantagens são discutidas nas categorias seguintes: aquisição de dados, projeto, fabrico e acabamento. Aquisição de dados Ao longo do desenvolvimento do presente trabalho foi possível verificar que a aquisição de dados de formas complexas tais como orelhas é particularmente difícil e demoroso. Para além disso, existe um conjunto adicional de complicações que podem interferir negativamente na obtenção das superfícies alvo, tais como brilhos da pele ou ainda o movimento inadvertido dos pacientes. Projeto da prótese A metodologia proposta permite a reconstrução tridimensional da anatomia específica de cada paciente, fornecendo a capacidade de visualizar a zona com deformação e pontos de ancoragem das próteses com elevada precisão. Assim, é possível introduzir planos de referência tridimensionais, verificar as dimensões e posições relativas e determinar o método mais adequado a cada caso. Em alternativa à cirurgia, a biomodelação oferece evidentes vantagens na reconstrução de próteses faciais, fornecendo um resultado estético muito satisfatório e permitindo melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Fabrico As tecnologias utilizadas no presente estudo mostraram ser capazes de reproduzir eficazmente uma prótese completa, contudo a execução das várias etapas necessita de melhorias de forma a otimizar o processo atual. O processo SL produziu os modelos com a precisão requerida e com a dureza necessária para resistir aos esforços de corte envolvidos no processo de desmoldagem. Além disso, permitiu a produção de peças com detalhes de pequena dimensão e espessura muito fina, o que resultou numa melhoria significativa da qualidade das próteses bem como a sua aplicação e conforto.

b) a)

Page 11: UMA METODOLOGIA EFICIENTE PARA PROJETO E FABRICO …falves/Proteses extraorais jlino INEGI.pdf · 2 queimaduras, etc. Em alguns casos, os defeitos faciais e/ou corporais comprometem

11

Acabamento Como trabalho futuro, pretende-se aplicar algumas técnicas de acabamento nos casos em estudo, nomeadamente a coloração extrínseca em ambos os casos, e a introdução de uma prótese ocular de acrílico no interior da prótese oculopalpebral em silicone. Irá também ser tida em consideração outro tipo de caracterização, com a colagem de pelos (pestanas e sobrancelhas).

6. CONCLUSÕES Neste trabalho foram apresentados dois casos de estudo de uma metodologia para o projeto e fabrico de próteses faciais adaptadas à deformidade de cada paciente através de ferramentas de computação e engenharia. As etapas necessárias para o desenvolvimento das próteses são: (i) aquisição de dados; (ii ) biomodelação 3D; (iii ) projeto da prótese; (iv) fabrico do molde; (v) fabrico da prótese; e (vi) ajustes finais. Devido à produção individualizada deste tipo de próteses, é difícil determinar com precisão o tempo economizado com a integração deste novo método. No entanto, comparando este método com o convencional, conclui-se que este é menos demorado. A maior vantagem da aplicação desta metodologia centra-se em casos específicos de deformações estéticas severas cuja intervenção cirúrgica de correção é por vezes difícil e sem garantias de sucesso. O recurso a próteses faciais pode ser uma mais-valia, permitindo aos pacientes resultados de alta precisão estética e funcionalmente satisfatórios. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem o financiamento do Projeto SAESCTN-PII & DT/1/2011 cofinanciado pelo Programa Operacional Regional do Norte (ON.2 - O Novo Norte), sob Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), através do Fundo de Desenvolvimento EUROPEU Regional (FEDER). REFERÊNCIAS 1. KARAKOCA, S.; AYDIN, C.; YILMAZ, H.; BAL, B. T. "Retrospective study of treatment outcomes with

implant-retained extraoral prostheses: Survival rates and prosthetic complications". The Journal of Prosthetic Dentistry, 2010, vol 103, núm. 2, pp. 118 - 126.

2. HORTA, R; BARBOSA, R., MARQUES M., REBELO M., COSTA-FERREIRA, A.; REIS, J; AMARANTE. J., “Reconstruction of the middle third of face with the temporal flap, Ann PlastSurg” , 63: 288-91, 2009.

3. OLIVEIRA, I., LEAL, N., SILVA, P.; COSTA-FERREIRA, A., Neto R., Lino, J., Reis, A. “Advanced Engineering Tools for Design and Fabrication of a Custom Nasal Prosthesis”. 10th Int. Conference on Numerical Analysis and Applied Mathematics. Kos, Greece. 2012.

4. RUI FÉLIX, TERESA P. DUARTE, RUI J. L. NETO, F. JORGE LINO, “Projecto e Fabrico de Próteses Maxilo-Faciais Metálicas à Medida do Paciente – Parte I”, O Molde, Revista da Cefamol, Associação Nacional da Indústria dos Moldes, Ano 22, nº 91, pp. 18-22, outubro de 2011.

5. BI, Y.; WU, S.; ZHAO, Y.; BAI, S. "A new method for fabricating orbital prosthesis with a CAD/CAM negative mold". The Journal of Prosthetic Dentistry, 2013, vol 110, núm. 5, pp. 424 - 428.

6. RUI FÉLIX, TERESA P. DUARTE, RUI J. L. NETO, F. JORGE LINO, “Projecto e Fabrico de Próteses Maxilo-Faciais Metálicas à Medida do Paciente – Parte I”, O Molde, Revista da Cefamol, Associação Nacional da Indústria dos Moldes, Ano 22, nº 91, pp. 18-22, outubro de 2011.

7. RUI FÉLIX, TERESA P. DUARTE, RUI J. L. NETO, F. JORGE LINO, “Projecto e Fabrico de Próteses Maxilo-Faciais Metálicas à Medida do Paciente – Parte II”, O Molde, Revista da Cefamol, Associação Nacional da Indústria dos Moldes, Ano 23, nº 92, pp. 20-23, janeiro de 2012.

8. MENDES, B. "Desenvolvimento de metodologia digital para projeto e fabrico de próteses extraorais”. Departamento de Engenharia Mecânica, Universidade do Porto, 2014.

Page 12: UMA METODOLOGIA EFICIENTE PARA PROJETO E FABRICO …falves/Proteses extraorais jlino INEGI.pdf · 2 queimaduras, etc. Em alguns casos, os defeitos faciais e/ou corporais comprometem

12

9. F. JORGE LINO, H. BARBADO, TERESA DUARTE, RUI J. NETO E RICARDO PAIVA, “Aplicação da Prototipagem Rápida na Área Médica”, artigo Revista Saúde Oral, Revista Profissional de Estomatologia e Medicina Dentária, Bimestral, nº 50, pp. 66-74, setembro/outubro 2006.

10. LAPIN, G. A. F. "Avaliação dos resultados em reconstruções de orelha por defeito congênito ou trauma ". Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, 2010, vol 25, núm. 1, pp. 64 - 74.

SOBRE LOS AUTORES Bárbara Mendes, Estudante do Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica da FEUP, Portugal. Licenciada em Biomecânica (ESTG-IPLeiria, Portugal). Jorge Lino Alves, Professor Associado do DEMec da FEUP, Portugal, Investigador do INEGI e Coordenador Unidade NOTEPAP da FCT. Doutorado em Ciências e Engenharia dos Materiais, tem realizado trabalho de investigação na área de desenvolvimento de produto, utilizando as tecnologias de fabrico aditivo, processos de conversão e fabrico rápido de ferramentas. Tem também estado ligado a diversos projetos e teses de mestrado na área do design industrial, materiais cerâmicos, comportamento mecânico dos materiais e sua relação com a microestrutura. Rui Neto, Professor Auxiliar Convidado do DEMec da FEUP, Portugal, é Diretor da Unidade de Fundição e Novas Tecnologias do INEGI. Licenciado em Engenharia Mecânica (FEUP), mestre em Engenharia Mecânica (FEUP). Os principais interesses de investigação são fabrico aditivo, fundição, metalurgia e materiais em geral. Participou e liderou inúmeros projetos de investigação industrial aplicada na área do desenvolvimento de processos de fabrico, prototipagem rápida, fabrico rápido de ferramentas e novas tecnologias em fundição. É autor de diversas publicações nas suas áreas de interesse e orientou vários alunos de Mestrado. Mafalda Couto, Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica na Universidade do Minho (UM), área de Biomateriais, Biomecânica e Reabilitação. Trabalhou no CSIC - Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Grupo de Bioingeniería - Instituto de Automática Industrial Madrid, programa de intercâmbio Erasmus. Trabalhou no Instituto de Ciências da Vida e Saúde (ICVS), Escola de Ciências da Saúde da UM numa bolsa de investigação científica incluída no projeto para o estudo através da simulação numérica da evolução e resultado da parede torácica após procedimento cirúrgico para correção do pectus excavatum. Trabalha no INEGI, no projeto e fabrico de próteses à medida do paciente (silicone ou Ti-6Al-4V) para substituição da anca, correção óssea crânio-maxilo-facial e pacientes com ausência de órgãos/membros externos. Margarida Machado, investigadora coordenadora no INEGI desde setembro 2013. Julho de 2007, completou o mestrado integrado em Engenharia Biomédica na Universidade do Minho. Março a julho de 2006, desenvolveu projeto de investigação no Centro de Biomateriales da Universidad Politecnica de Valência ao abrigo do programa ERASMUS. Doutorada em 2013 em Engenharia Biomédica pela UM. Foi investigadora convidada no IST, Lisboa (“008/2009) e na University of Florida (Junho-Dezembro 2010). O seu trabalho científico foi distinguido 2x em conferências internacionais. Primeiro prémio “Best Oral Presentation by a Young Researcher”, comité científico da 7th EUROMECH Solid Mechanics Conference, 2009. “Best Student Paper Award”, ASME 2011, International Design Engineering Technical Conferences and Computers and Information in Engineering Conference. Autora de diversas publicações em revista, tendo atualmente um h-index de 7. Teresa P. Duarte, Professora Auxiliar DEMec da FEUP, Portugal, é Investigadora da Unidade de Fundição e Novas Tecnologias do INEGI. É licenciada em Engenharia Metalúrgica (FEUP), mestre em Engenharia de Materiais (FEUP) e doutora em Engenharia Mecânica (FEUP). Os principais interesses de investigação são prototipagem rápida, fundição, metalurgia e materiais cerâmicos. Participou em vários projetos de investigação industrial aplicada na área do desenvolvimento de processos de fabrico, prototipagem rápida e materiais cerâmicos. É autora de algumas publicações nas áreas de interesse e orientou vários alunos de Mestrado.