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UMA NOVA ABORDAGEM PARA CONSERVAÇÃO DE ÁGUA E SOLO NO ESPAÇO RURAL PLANTIO DIRETO - EXPERIÊNCIA BRASILEIRA Paulo Afonso Romano Consultor/OEA/SRH 1) INTRODUÇÃO 2) CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA SOB OS ASPECTOS: AMBIENTAL, ECONOMICO, SOCIAL, POLÍTICO E INSTITUCIONAL/LEGAL 3) PERDAS PELA EROSÃO HÍDRICA 4) SUSTENTABILIDADE AGRÍCOLA E CONSERVAÇÃO DE ÁGUA E SOLO 5) UMA PERSPECTIVA OTIMISTA 6) DIRETRIZES BÁSICAS PARA FORMULAÇÃO DE UMA PROPOSTA DE “AGRICULTURA CONSERVACIONISTA” 7) O PLANTIO DIRETO COMO BASE PARA UMA AGRICULTURA SUSTENTÁVEL: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA 1- TRODUÇÃO No Brasil, em períodos recentes são muitos os casos de degradação pelo uso inadequado do espaço físico e notadamente pela falta de cuidados no uso do solo e água. Tendo sido iniciado o processo de ocupação territorial em condição de abundância de terra de elevada fertilidade, e com baixíssima a dotação tecnológica (derrubada, queimada e semeadura), a agricultura empírica aí instalada, entretanto, foi suficiente para abastecimento de uma pequena, porém crescente população e formação dos primeiros ciclos econômicos do Brasil (cana de açúcar, algodão, café e pecuária) até a década de 50. Mais recentemente a partir da década de 70, a forte migração interna, de famílias de agricultores do Sul para o Centro OesteE PARTE DA Amazônia, de maneira organizada ou

UMA NOVA ABORDAGEM PARA CONSERVAÇÃO DE ÁGUA E SOLO … · Há forte preocupação também com o especial ecossistema do Pantanal cuja qualidade e quantidade de ... indicam perdas

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UMA NOVA ABORDAGEM PARA CONSERVAÇÃO DE ÁGUA E SOLO NO ESPAÇO RURAL

PLANTIO DIRETO - EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

Paulo Afonso Romano Consultor/OEA/SRH

1) INTRODUÇÃO

2) CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA SOB OS ASPECTOS: AMBIENTAL,

ECONOMICO, SOCIAL, POLÍTICO E INSTITUCIONAL/LEGAL

3) PERDAS PELA EROSÃO HÍDRICA

4) SUSTENTABILIDADE AGRÍCOLA E CONSERVAÇÃO DE ÁGUA E SOLO

5) UMA PERSPECTIVA OTIMISTA

6) DIRETRIZES BÁSICAS PARA FORMULAÇÃO DE UMA PROPOSTA DE

“AGRICULTURA CONSERVACIONISTA”

7) O PLANTIO DIRETO COMO BASE PARA UMA AGRICULTURA SUSTENTÁVEL: A

EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

1- TRODUÇÃO No Brasil, em períodos recentes são muitos os casos de degradação pelo uso inadequado

do espaço físico e notadamente pela falta de cuidados no uso do solo e água. Tendo sido

iniciado o processo de ocupação territorial em condição de abundância de terra de elevada

fertilidade, e com baixíssima a dotação tecnológica (derrubada, queimada e semeadura), a

agricultura empírica aí instalada, entretanto, foi suficiente para abastecimento de uma

pequena, porém crescente população e formação dos primeiros ciclos econômicos do Brasil

(cana de açúcar, algodão, café e pecuária) até a década de 50.

Mais recentemente a partir da década de 70, a forte migração interna, de famílias de

agricultores do Sul para o Centro OesteE PARTE DA Amazônia, de maneira organizada ou

não, mas estimulada pela oferta de terras e créditos baratos e abundantes construiu-se uma

nova fronteira agrícola – a da Região dos Cerrados, que hoje produz mais da metade dos

grãos e carne do País, além de outros produtos relevantes como café, algodão, etc com alta

e média tecnologia.

Diferente da fase anteriormente mencionada, trata-se de agricultura exigente em tecnologias

porque implantada em solos pobres em nutrientes, mas altamente favoráveis à intensa

mecanização. Além disso, é cada dia mais comum o cultivo em seqüência para obtenção de

2 safras/ano: a safra normal (primavera/verão) e a “safrinha”(verão/outono).

Um dos principais impactos sobre as águas é causado pelo assoreamento de cursos d’água

e nascentes. Observa-se neste caso que as áreas em referência situam-se

predominantemente no Planalto Central onde, por conseqüência da orografia, altitude e boas

precipitações formam-se as principais bacias hidrográficas brasileiras. São conhecidas as

“Águas Emendadas”, no Distrito Federal, de elevado simbolismo e onde nascem as bacias

Amazônica, do Paraná e do São Francisco.

Portanto, ao lado do uso intensivo do solo está a exposição da frágil rede hidrológica aos

impactos do processo produtivo quando não baseado em práticas conservacionistas.

Há forte preocupação também com o especial ecossistema do Pantanal cuja qualidade e

quantidade de água dependem dos processos de uso do solo nas chapadas (parte alta) a

sua montante. São notáveis os prejuízos com o assoreamento daquele único e complexo

ambiente, com incalculáveis prejuízos de toda ordem, como já evidente na sub-bacia do Rio

Taquari.

É sempre oportuno salientar que na natureza é melhor “prevenir que remediar”. Os custos de

recuperação são, às vezes, insuportáveis para a sociedade, e pior, raramente se consegue o

retorno ao nível natural anterior à degradação.

2- CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA SOB OS ASPECTOS: AMBIENTAL; ECONOMICO, SOCIAL E POLÍTICO, E INSITUCIONAL/LEGAL.

Embora seja difícil segmentar a avaliação do contexto, propõe-se para orientar análise,

discussão e reflexão e para melhor entendimento, as seguintes abordagens:

a) De ordem cultural – baseada numa real e, às vezes, aparente abundância na oferta

de água e solo foram geradas posturas acomodatícias e perdulárias no país inteiro, exceto

parte do Nordeste brasileiro. Não deve ser por outra razão que até recentemente os livros

escolares repetiram, por gerações, o ensinamento de que a “água é um recurso natural renovável”. Amadurecida a reflexão, com a promulgação da Lei no 9433 de 18/01/97

começou a ser difundido o conceito de que “água é um recurso finito e vulnerável”,

possuindo valor econômico. Como todo processo de mudança cultural, este marco de

identificação das duas fases não gera nenhuma transformação, por si; apenas promove o

primeiro passo em sua direção, seja pela nova base regulatória, seja pela rica discussão do

tema pela sociedade. Essa é uma mudança de paradigmas.

De cunho cultural e sociológico deve ser mencionado um aspecto relevante: no curto período

de 1950 a 2000 (duas gerações) a sociedade brasileira saiu da característica tipicamente

rural para a urbana, invertendo a posição de 20% da população na área urbana para os

atuais 80%, e vice-versa. Em escala mundial não se tem notícias de tão rápida (e as vezes

traumática) transição.

b) De ordem ambiental – na relação da água com o solo, a observação dos processos

naturais revela a mais íntima e direta interação. Por exemplo, solo poluído, águas poluídas.

E vice-versa. Há uma verdadeira cumplicidade nos resultados (positivos ou negativos): sem

água as plantas e toda a micro fauna da terra não vicejam.

No ciclo hidrológico um dos momentos mais sublimes é aquele em que, após as chuvas a terra recolhe a água, e em seu aconchego, filtra-lhe e reservando-a para, através da recarga do lençol freático, alimentar todos os corpos d’água novamente no período de estiagem. c) De ordem econômica, social e política - são inumeráveis as perdas pela falta de

conservação da água e do solo. A maioria delas deriva da falta de percepção ou ignorância

sobre, dos processos que ocorrem no cotidiano, fazendo com que muitas vezes problemas

ambientais se confundam com mazelas sociais, gerando um círculo vicioso entre pobreza e

degradação ambiental, com uma forte relação causal.

d) De ordem institucional/legal – a Constituição Brasileira estabelece que a água, além

de ser um bem comum é sempre de domínio dos Estados ou da União; seus principais

usuários, entretanto, são em regra, agentes privados (agricultores, indústrias, usinas

hidrelétricas, empresas de água e saneamento, etc).

No espectro institucional e legal pode-se ainda ressaltar o que Lei das Águas (no 9.433 de

08/01/97), dentre outros fundamentos dispõe: “a gestão dos recursos hídricos deve proporcionar sempre seus usos múltiplos, ser descentralizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades”.

As diretrizes gerais de ação estabelecem, expressando a clareza das leis naturais, que na

implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos o planejamento dos recursos

hídricos, o dos setores de usuários e o planejamento regional, estadual e nacional devem

estar articulados. Além disso, é destacada a diretriz sobre a necessária “articulação da gestão de recursos hídricos com a do uso do solo”. Já se mencionou a inseparabilidade

dos processos que ocorrem na interação solo e água. Portanto, do ponto de vista de gestão

nada mais propício ao exercício da integração.

Neste sentido a Lei nº 9984 de 21/07/2000 é muito clara:

“Art.3o – Na implementação dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos deverão ser incorporadas medidas que assegurem a promoção da gestão integrada das águas superficiais, subterrânea e meteóricas....” “parágrafo único. Os Planos de Recursos Hídricos deverão incentivar a adoção de práticas que resultem no aumento das disponibilidades hídricas das respectivas bacias Hidrográficas, onde essas práticas forem viáveis”.

Entretanto, toda a abordagem formal (legal e institucional) será sempre insuficiente para

abarcar todo o espectro dos processos naturais e no casa da água, também econômicos,

sociais, etc.

O “espírito da Lei” sinaliza para integração do processo em toda sua abrangência e

complexidade. Isso implica em considerar um dos passos mais importantes do ciclo da água,

que é, após as chuvas, sua infiltração e mistura ao solo e a formação do complexo solo x

água x planta. É nesse momento de profunda interação que a água exerce uma de suas

mais nobres funções a de possibilitar a produção econômica e a manutenção da

biodiversidade. Também neste processo, ao infiltrar e percolar no solo ela estará sendo

armazenada e liberada lentamente para alimentar os fluxos contínuos que vão abastecer o

lençol freático subterrâneo e gerar as nascentes, que formarão os cursos d’água. Quebrado

o ciclo neste ponto estratégico, o resultado conhecido é a redução da oferta e boa

distribuição de água, no tempo e no espaço, incluindo a eliminação de corpos d’água

(especialmente os superficiais) que antes exerciam funções vitais nas comunidades.

Infelizmente isso é comum, pois a maior parte da área ocupada com a agropecuária está

assentada em pastagens degradadas, precária rede de estradas vicinais, além de formas

tradicionais de cultivo.

3- PERDAS PELA EROSÃO HÍDRICA

Mesmo não existindo informações abrangentes para o país como um todo, pode-se

conhecer a magnitude dos diversos tipos de perda a partir de algumas informações, tais

como:

Pesquisas da FAO, juntamente com a CODEVASF – Companhia de Desenvolvimento da

Bacia do São Francisco na década de 80, indicam perdas de solo pela erosão hídrica da

ordem de 25t/ha/ano na Bacia do São Francisco. Afora os efeitos do assoreamento de

represas, distúrbios e redução da biodiversidade, estimou-se em US$ 1,2 bilhão/ano, o

equivalente a perdas de nutrientes das plantas arrastados junto com os sedimentos.

É de se notar que os mesmos nutrientes, substâncias e compostos químicos,

cumulativamente, são em geral tóxicos e causam distúrbios no sistema aquático, ampliando

a perda geralmente não contabilizada.

Monitoramento realizado no importante Programa Paraná Rural (programa integrado de

conservação da água e solo) revelou perdas de solo 20 t/ha/ano e conseqüentes perdas de

nutrientes estimadas US$ 242 milhões/ano, projetada para a área agricultada de 6,0 milhões

de ha naquele Estado; diminuiu em cerca de 45% o custo de tratamento de água em

municípios da área monitorada.

Estudos da Universidade Federal de Viçosa indicam fortes perdas por erosão hídrica em

pastagens degradadas. Como mencionado, a maior parte da área em produção

agropecuária no Brasil encontra-se em pastagens estimando-se que 50% delas estejam com

algum grau de degradação.

Uma das principais causas da erosão, as estradas vicinais (municipais e rurais), em geral

mal planejadas, mal construídas e mal conservadas, num total aproximado de 1,27 milhão

de Km, causam perdas econômicas e ambientais extraordinárias.

Segundo a CODASP – Companhia de Desenvolvimento Agrícola do Estado de São Paulo,

50% da erosão hídrica no Estado de São Paulo são devidos às condições das estradas de

terra. Isso provavelmente seja explicado pelo fato de São Paulo ser um Estado com

melhores cuidados conservacionistas em sua agricultura (Gráfico 1).

Realçando os problemas causados pelas estradas vicinais inadequadas, estudos mostram

que elas são a causa de 90% dos sedimentos produzidos em áreas de reflorestamento.

Perdas de Terra Associadas ao Uso, no Estado de São Paulo

35%50%

14%1%

CulturasAnuaisCulturasTemporáriasCulturasPermanentesEstradasRurais

Observa-se que os estudos, em geral, referem-se apenas à erosão hídrica, não

contemplando outras perdas como a erosão eólica, já existente em solos mal manejados de

áreas agrícolas do Centro Oeste.

FONTE: CODASP- Companhia de Desenvolvimento Agrícola do Estado de São Paulo

As perdas enormes de biodiversidade de difícil cálculo, e a redução da vida útil dos

reservatórios (patrimônio social) representam elevados custos sociais, econômicos e

ambientais.

Possivelmente, a mais nociva das perdas seja o empobrecimento dos solos, causando a

baixa produtividade e renda do produtor e, em conseqüência, gerando o ciclo vicioso da

pobreza e degradação ambiental, bloqueando a possibilidade do desenvolvimento

sustentável, como conseqüência final.

4- SUSTENTABILIDADE AGRÍCOLA E CONSERVAÇÃO DE ÁGUA E SOLO Do ponto de vista ecológico, a introdução de sistemas de cultivos baseados no uso intensivo

de insumos industriais químicos e em processo motomecânicos afetou drasticamente o

equilíbrio ambiental na produção agrícola. A destruição das florestas e da biodiversidade

genética, a erosão dos solos e a contaminação dos recursos naturais e dos alimentos

tornaram-se quase inerentes à produção agrícola. Esta crescente preocupação com o

ambiente e com a qualidade de vida no planeta levou ao surgimento de um novo

“paradigma” das sociedades modernas: a “sustentabilidade agropecuária”.

Esse paradigma procura transmitir a idéia de que o desenvolvimento e o crescimento da

agricultura devem atender às necessidades desta e das próximas gerações, ou seja, deve

ser algo benigno para o ambiente e para a sociedade, durante longos períodos. Dentro deste

enfoque, surgiram várias definições, procurando explicar o que se entende por “agricultura

sustentável”, quase todas expressando insatisfação com o padrão dito "moderno" da

agricultura e defendendo a necessidade de um novo padrão, que também garanta a

segurança alimentar e agrida menos o meio ambiente. Foram, então, formulados conceitos

que permitem abrigar interesses, que abrangem desde setores mais conservadores, que se

contentariam com simples ajustes nos atuais padrões produtivos, até tendências radicais

que defendem mudanças em todo o sistema agroalimentar. Apesar das contradições em

relação ao teor de mudanças, há um consenso no sentido de que agricultura sustentável é,

antes de mais nada, um objetivo a ser atingido, e que este pode ser explicado por “renda para o agricultor e conservação ambiental”. Neste sentido, a definição de agricultura

sustentável proposta pelo National Research Council dos Estados Unidos (NRC, 1991), é

uma das mais aceitas internacionalmente:

“Agricultura sustentável não constitui algum conjunto de práticas especiais, mas sim

um objetivo que é o de alcançar um sistema produtivo de alimento e fibras que

possibilite”:

(a) aumentar a produtividade dos recursos naturais e dos sistemas agrícolas,

permitindo que os produtores respondam aos níveis de demanda engendrados

pelo crescimento populacional e pelo desenvolvimento econômico;

(b) produzir alimentos sadios e nutritivos que permitam o bem estar humano;

(c) garantir renda líquida suficiente para que os agricultores tenham um nível de vida

aceitável e possam investir no aumento da produtividade do solo, da água e de

outros recursos, e

(d) corresponder às normas e expectativas da comunidade.”

Assumindo que “para se ter uma agricultura sustentável, é necessário um manejo sustentável”, a FAO constituiu um grupo internacional de trabalho para estabelecer a base

do entendimento e do conceito de “manejo sustentável”. Para este grupo (Smyth et al. 1993),

“manejo sustentável combina tecnologias, políticas e atividades, integrando princípios sócio-

econômicos com preocupações ambientais, de modo que se possa, simultaneamente:

“Manter ou melhorar a produção e os serviços (produtividade), Reduzir o nível de risco da produção (segurança), Proteger o potencial dos recursos naturais e prevenir a degradação da qualidade do

solo e da água (proteção), Ser economicamente viável (viabilidade), e

Ser socialmente aceitável (aceitabilidade).”

Estes cinco objetivos, ou seja, produtividade, segurança, proteção, viabilidade e aceitabilidade, são os “pilares” (fundação), sobre os quais o paradigma do manejo

sustentável é construído. Para se atingir a sustentabilidade é preciso alcançar todos os

cinco objetivos.

5- UMA PERSPECTIVA OTIMISTA

Contrapondo ao intenso intemperismo e, sobretudo à concentração das chuvas (fatores de

erodibilidade) e conseqüentemente das atividades de plantio em curto período de tempo, o

Brasil possui hoje tecnologia e sistemas de produção adequados sob o prisma da

sustentabilidade. Um dos exemplos mais destacados é o do plantio direto (sem

revolvimento e pulverização do solo e com manutenção de matéria vegetal como cobertura

do solo).

Como já evidenciado, o uso do solo pelas atividades urbanas ou rurais (agricultura, pecuária,

principalmente, as municipais e rurais no interior dos estabelecimentos) tem sido, em geral,

insustentável.

Há, entretanto, exemplos notáveis, principalmente na agricultura, de recuperação de áreas

em degradação.

Se consideradas as áreas com pastagens degradadas e a necessidade expansão da área

agricultável principalmente pela transformação das pastagens em cultivos (com ou sem a

integração lavoura/pecuária), está o Brasil frente a um estimulante desafio de expansão de

fronteira agrícola de forma sustentável e, sobretudo, sem derrubada de floresta,

especialmente, a Amazônia. É estratégica essa abordagem. A construção de uma agricultura

conservacionista contribui para os seguintes objetivos:

- atender aos preceitos de produção sustentável;

- ampliar competividade internacional, com redução de custos;

- desbloquear barreiras não tarifárias que se relacionam à exigências de produtos

obtidos dentro de certos padrões ambientais (como conservação de água, solo e

biodiversidade, seqüestro de carbono, etc)

- possibilitar certificação de produtos e rastreabilidade, assegurando melhor qualidade

e suporte de marketing no plano internacional e nacional.

- ampliar a oferta e melhorar a qualidade da água.

Para a cadeia do agronegócio e regiões produtoras,a agricultura conservacionista amplia

emprego, renda e, sobretudo estabilidade via melhoria de competividade e imagem junto ao

mercado. Tudo isso como conjunto significa alcançar o desejável nível de sustentabilidade

do agronegócio.

A complexidade dos problemas remete naturalmente para uma abordagem multidisciplinar e

interinstitucional, devendo, atender decididamente a diretrizes básicas como:

descentralização; compartilhamento; protagonismo; empreendedorismo; mobilização social e

capacitação.

Como no exercício federativo, também deverá ser intensa a busca da interação e sinergia

entre os organismos ambientais e setoriais, de um lado, e entre esses e os produtores

(atores principais do processo) de outro.

Este será certamente um profundo, profícuo e amplo exercício do princípio da

transversalidade para conservar e revitalizar solos e recursos hídricos como parte nobre do

patrimônio social e nacional.

Para isso, serão necessárias estratégias e políticas que considerem a realidade de um

processo com as seguintes características: difuso, exigente quanto à integração e

diversificado quanto a opções técnicas.

É crucial entender e valorizar que o único momento de distribuição natural e plenamente democrática da água é quando ela se oferece em forma de chuvas. A partir

daí, dependendo de como é tratada:

- fica algum tempo gerando benefícios no espaço do solo ou próximo dele;

- escorre, causando erosão e perdas, tornando-se indisponível em curto prazo, e

gerando o ciclo de escassez relativa ou seja falta água onde existe oferta de água.

Isso já ocorre na maioria das regiões à exceção do semi-árido em que a escassez é

absoluta e natural.

6) DIRETRIZES BÁSICAS PARA FORMULAÇÃO DE UMA PROPOSTA DE “AGRICULTURA CONSERVACIONISTA”

1. Considerar áreas já desmatadas como prioridade de ação, incluindo as pastagens

degradadas.

2. Valorizar do zoneamento econômico e ecológico e sua combinação com eficiente

sistemas de crédito e de seguro rural visando estímulo a sustentabilidade;

3. Adotar, com ênfase, os princípios e diretrizes da Lei 9.433 (Lei das Águas)

4. Priorizar tecnologias que aumentem a quantidade e permanência de massa vegetal sobre o solo;

5. Valorizar o conceito de produção sustentável, não apenas do ponto de vista de

econômico, mas também ambiental e mercadológico, introduzindo a certificação de

qualidade ambiental;

6. Manter racionalidade e fidelidade à diretriz de descentralização, compartilhamento e

desburocratização;

7. Respeitar e valorizar a participação dos agentes privados componentes da cadeia do

agronegócio especialmente o produtor e suas associações, que em última instância

são os gestores do processo produtivo e de conservação, e portanto da

sustentabilidade; apoiar experiências, a exemplo dos CAT- Clubes dos Amigos da

Terra e suas Entidades.

8. Valorizar a perspectiva da oportunidade mais que da responsabilidade no processo

de mobilização social, estimulando sempre a ação coletiva (microbacias como base,

associações de produtores, etc);

9. Prospectar mecanismos que assegurem continuidade do processo para possibilitar o

alcance de metas de curto, médio e longo prazo;

10. Exercitar capacidade criativa e gerar mecanismos de estímulo segundo diferentes

regiões, características de produtores, de produtos, utilizando-se a experiência e o

saber local, etc.

11. Ajustar a formulação de programas à perspectiva de busca de recursos nacionais e

de organismos internacionais;

12. No plano federativo, e na perspectiva da transversalidade, estimular a maior

participação de Estados (políticas públicas estaduais como ICMS ecológico etc) e

Municípios (responsáveis pelas estradas vicinais, uso do solo urbano, serviços de

água, e esgoto, etc).

13. Discernir sobre as diferenças culturais e experiências de produtores rurais e de suas

regiões;

14. Ter em conta as possibilidades de ampliação da renda e emprego, bem como sua

sustentabilidade;

15. Valorizar instrumentos de ação preventiva. Exemplo: planos diretores de ocupação

territorial (a nível municipal), planos diretores de bacias hidrográficas, Plano Nacional

de Recursos Hídricos;

16. Considerar insuficientes os resultados do uso dos instrumentos de comando e

controle (leis ambientais, de recursos hídricos, lei agrícola), principalmente a

fiscalização e penalidades, e associá-los à estímulos e a organização e mobilização

dos produtores rurais;

17. Ater-se ao fato de que, em geral, os agricultores não conservam ou não revitalizam

solos e recursos hídricos por razões culturais e técnicas (desinformação), e /ou de

insuficiência de renda ou até de motivação.

18. Priorizar estímulo a ações integradas e suas combinações. Ex: zoneamento agrícola

+ conservação e adequação de estradas + plantio direto + integração

lavoura/pecuária + rotação de cultivos, plantio em nível, barragens de contenção, etc.

19. Considerar inserção da dimensão conservacionista no processo de reforma agrária

(obviamente antes dos assentamentos) nos planos mestres e durante a execução

dos projetos e de cada parcela.

20. Buscar estratégia para mobilização dos municípios. Exemplo: facilitar, com

treinamento, apoio técnico e projeto-piloto a readequação/conservação de estradas

vicinais.

21. Avaliar experiências exitosas e ampliar sua eficácia integrando-as a outras e

estabelecendo sistemas de monitoramento.

22. Adotar métodos de validação de tecnologias e processos conservacionistas que

incluam a rede de pesquisa, técnicos de campo, representantes de elos da cadeia do

agronegócio e principalmente os produtores rurais.

23. Retribuir ao agricultor como agente principal do processo, quando por eficiência

conservacionista, ele mostra ser também prestador de serviços ambientais para a

sociedade.

7- O PLANTIO DIRETO COMO BASE PARA UMA AGRICULTURA SUSTENTÁVEL: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

Efetivamente o plantio direto (PD) representa uma mudança de paradigma na utilização do

solo para agricultura uma vez que em relação ao plantio convencional (PC) ele altera

conceitos nos planos ambiental, tecnológico, econômico e gerencial.

No plantio convencional realiza-se o preparo do solo através do revolvimento repetido

anualmente pelas operações de aração e gradagem. Com a excessiva desagregação de

suas partículas na superfície e a compactação da sub-superfície, o solo torna-se vulnerável

à erosão, especialmente nas condições tropicais e sub-tropicais com chuvas intensas (de

1500 a 2000 mm/ano) onde se prática a maior parte da agricultura do País.

Ao contrário, no plantio direto não existem aquelas operações. Uma camada de matéria

orgânica representada por resíduos de cultivos anteriores (milho, soja, etc.), pastagens ou

outros cultivos para produzir matéria seca, absorve o impacto das gotas de chuva sobre o

solo e reduz a velocidade do escorrimento, propiciando maior infiltração da água e

conseqüentemente diminuição da erosão.

Adicionalmente, as raízes mortas das plantas formam uma extensa rede de capilares que,

facilitando a aeração do solo e a infiltração da água, promovem o desenvolvimento de uma

ativa micro-fauna atuante no processo de produção de matéria orgânica e retenção de

umidade.

Tudo isso significa a substituição de atividade mecânica por biológica, requerendo ampliação

de pesquisas e monitoramento para ajustamentos tecnológicos no trato de um novo

ambiente enriquecido por maior oferta de matéria orgânica, melhor condições de umidade e

temperatura do solo, etc.

Adequações têm sido feitas com sucesso, na criação e adaptação de implementos na e

configuração de máquinas para maior eficiência técnica econômica e ambiental do método.

Sabendo-se que a principal causa da perda de solo e suas conseqüências é a erosão

hídrica, convém conhecer informações sobre a potência deste método comparando-o ao

plantio convencional na conservação de água e solo. O quadro 1 é auto-explicativo da

potência conservacionista do plantio direto, mostrando redução de perdas de 17,7,

ton/ha/ano de solo e incremento da infiltração de água de chuva em 95,2 mm/ano, quando

comparado ao plantio convencional.

P e r d a s d e S o l o s & Á g u a P D v s P C

7 65 , 62 3 , 3P e r d a s p o r e r o s ã o

( t o n / h a / a n o )6 9 , 24 2 , 41 3 7 , 6P e r d a s d e á g u a

( m m / a n o )

P o r c e n t a g e m R e d u z i d a

P l a n t i oD i r e t o

P l a n t i o C o n v e n c i o n a l

C a t e g o r i a

F o n t e : d e M a r i a ( 1 9 9 1 ) – r e s u m o d e 3 0 e x p e r i m e n t o s n o B r a s i l .

É realidade pungente o incremento do plantio direto no Brasil, como mostra o gráfico no 2,

registrando um espetacular aumento de sua adoção, alcançando 13,5 milhões/ha em 1999

em contraste com apenas 1,0 milhão de ha em 1990. (Gráfico 2) estima-se que em 2003 a

prática do plantio direto tenha alcançado a marca de 19,0 milhões de hectares. Neste

mesmo período a área total ocupada com cultivos anuais (grãos e oleaginosas) ampliou

apenas 1% ao ano, e a produção total cresceu 93%, atingindo um volume de 115 milhões de

toneladas.

Gráfico 2

Quadro 1

Esquematicamente, mostra-se a seguir os fundamentos e efeitos do plantio convencional

(PC) e do plantio direto (PD).

Com todas as dificuldades de mensuração das perdas em questão, inúmeros autores,

utilizando diferentes metodologias, produziram importantes documentos para informação,

reflexão e debate sobre projeções de prejuízos causados à sociedade e ao País pela erosão

hídrica. A seguir três resultados desses esforços:

a. Modelo para minimização de impactos sócio-econômicos e ambientais decorrentes

da erosão do solo (Prusky 2002; GPRH/UFV).

Custos anuais devidos à erosão dos solos

Valor econômico

Impactos

(US$ 106)

Perdas de nutrientes

3,178.80

Depreciação da terra

1,824.00

Tratamento de água para consumo humano (aumento do custo)

0,37

Manutenção de estradas

268,80

Reposição de reservatórios

65,40

Custo Total 5,337. 41

Obs: As perdas e custos derivam do uso do solo sob plantio convencional.

No mesmo trabalho técnico, os autores evidenciaram o plantio direto como método

preventivo de perdas de água e solo mostrando, por experimentos que “as vazões máximas

de escoamento superficial obtidas com o plantio direto foram de 32,6 a 72,5% inferiores às

obtidas para plantio convencional; o plantio direto promoveu o retardamento tanto do tempo

de ocorrência do início como do pico de escoamento superficial e os volumes do

escoamento superficial no plantio direto foram de 32,5 a 51,3% inferiores aos encontrados

no preparo convencional”.

b. Uso Agrícola dos Solos Brasileiros

Fonte: Embrapa/2002 – por Celso Vainer Manzatto, Elias de Freitas Junior e José Roberto

Rodrigues Peres.

Analisando as perdas anuais internas à fazenda, pelo uso do plantio convencional, relativas

à erosão hídrica com o conseqüente carreamento de fertilizantes, calcáreo e matéria

orgânica, os autores estimaram em US$ 2,64 bilhões o total de prejuízos causados aos

produtores.

A seguir, a estimativa de custos anuais externos à propriedade devidos à erosão dos solos

no Brasil, segundo o mesmo documento:

Total Impactos US$

milhões

Tratamento de água para consumo

49,7

Reposição de reservatórios

78,4

Manutenção de estradas

132,8

Recarga de aqüíferos

512,0

Consumo de combustíveis

520,0

Gases de efeito estufa

0,5

Energia elétrica em áreas irrigadas

21,0

Custo Total 1314,4

Portanto, por essa metodologia, as perdas anuais devidas à erosão hídrica (dentro e fora da

fazenda) somam cerca de US$ 4,0 bilhões/ano.

Importante registrar que no trabalho técnico em referência publicado pela EMBRAPA-

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, foram reservados dois capítulos para

enfatizar a importância do plantio direto como resposta conservacionista às perdas do plantio

convencional. O capítulo 14 intitula-se “Uma resposta conservacionista – O impacto do Sistema Plantio Direto” onde se resume: “esse sistema tem auxiliado ou promovido diretamente, melhorias no solo, na água e na qualidade de vida dos produtores rurais,

gerando ainda reflexos positivos na sociedade como um todo. Há que se promover o seu

crescimento em todo o país aliado a um processo contínuo de pesquisa visando seu

desenvolvimento especialmente no Cerrado”. Esse, portanto, um decisivo libelo da

capacidade do plantio direto em contribuir decisivamente para o desenvolvimento sustentável da agricultura tendo como premissa a captação, infiltração e manutenção da água de chuvas no solo, reduzindo o processo erosivo.

Já o capítulo 15 refere-se a “Cenários sobre a adoção de práticas conservacionistas baseadas no plantio direto e seus reflexos na produção agrícola e na expansão do uso do solo”, indicando vantagens já enumeradas, podendo contribuir para a almejada

revolução verde sustentável no Brasil, estribada neste método econômico e

conservacionista de manejo solo/água/planta.

c. John Landers e outros em “Impactos Ambientais do Plantio Direto no Brasil: uma

primeira aproximação”(I Congresso Mundial de Agricultura de Conservação –

Madrid/2001) estimam que atualmente o plantio direto já esteja gerando benefícios

(dentro e fora da fazenda) na ordem de US$ 1,4 bilhão/ano, valor infinitamente maior

do que o dispêndio do governo e da sociedade na conservação de água e solo. Os

mesmos autoresprojetam em mais de US$ 3,0 bilhões/ano os benefícios com a

adoção do plantio direto em 80% da área cultivada no Brasil.

As fotos recentes provocam impacto pela comparação entre plantio direto e o

convencional.