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Uma nova vida Era uma vez uma menina muito simpática que se ria com tudo, apesar de ser órfã. Chamava–se Mariana e tinha uns olhos amendoados, cor de avelã, cabelo escuro e encaracolado e um sorriso maravilhoso que demonstrava a sua beleza natural. No orfanato, Mariana destacava-se por ser uma menina diferente. A sua cor diferenciava-a dos outros meninos, pois era escura como chocolate negro. Apesar de bela, não gostava da sua pele porque, às vezes, era alvo de troça por parte dos seus colegas. A vida naquele lugar era difícil. Com apenas oito anos, já tinha passado por muito, mas tinha aprendido a ultrapassar os seus problemas. Estava habituada a ter visitas, nunca esperando nada delas, pois sabia que as crianças de tez branca eram sempre as escolhidas pelos pais que as adotavam. Certo dia, numa manhã de sol, Mariana recebeu a sua primeira visita. Era uma senhora ruiva, divertida e meiga, com um sorriso simpático a alegrar o seu rosto redondo cheio de sardas. Ao contrário da maior parte das pessoas que visitavam o orfanato, aquela não parecia importar-se com a cor de pele da pequena menina negra que, depois de passar o dia com ela, começou a perceber o que era uma ‘família’. Ao cair da noite, Mariana deitou-se na sua pequena cama e cobriu-se com um velho cobertor. Como tinha dificuldade em adormecer, começou a pensar no dia maravilhoso que tinha passado. Relembrou a ida ao parque, o

Uma nova vida, texto premiado

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Page 1: Uma nova vida, texto premiado

Uma nova vida

Era uma vez uma menina muito simpática que se ria com tudo, apesar

de ser órfã. Chamava–se Mariana e tinha uns olhos amendoados, cor de avelã,

cabelo escuro e encaracolado e um sorriso maravilhoso que demonstrava a

sua beleza natural. No orfanato, Mariana destacava-se por ser uma menina

diferente. A sua cor diferenciava-a dos outros meninos, pois era escura como

chocolate negro. Apesar de bela, não gostava da sua pele porque, às vezes,

era alvo de troça por parte dos seus colegas.

A vida naquele lugar era difícil. Com apenas oito anos, já tinha passado

por muito, mas tinha aprendido a ultrapassar os seus problemas. Estava

habituada a ter visitas, nunca esperando nada delas, pois sabia que as

crianças de tez branca eram sempre as escolhidas pelos pais que as

adotavam.

Certo dia, numa manhã de sol, Mariana recebeu a sua primeira visita.

Era uma senhora ruiva, divertida e meiga, com um sorriso simpático a alegrar o

seu rosto redondo cheio de sardas. Ao contrário da maior parte das pessoas

que visitavam o orfanato, aquela não parecia importar-se com a cor de pele da

pequena menina negra que, depois de passar o dia com ela, começou a

perceber o que era uma ‘família’.

Ao cair da noite, Mariana deitou-se na sua pequena cama e cobriu-se

com um velho cobertor. Como tinha dificuldade em adormecer, começou a

pensar no dia maravilhoso que tinha passado. Relembrou a ida ao parque, o

primeiro gelado que comeu, a primeira vez que tinha andado num baloiço e a

primeira vez que tinha sentido o amor de mãe. A pequena era muito bem

tratada pela governanta do lar que, sabendo das suas dificuldades, lhe dava

muitos doces. Mesmo assim, sentia falta de uma mãe.

A senhora que a tinha ido visitar chamava-se Francisca, tinha cerca de

vinte e oito anos e era professora numa escola primária. Apesar de lhe ter dito

que a ia adotar, Mariana não tinha muitas esperanças. Também lhe tinha dito

que vivia com o seu marido, Tomás, e que este era advogado. Mariana

estranhou essa palavra que desconhecia, mas continuou a sorrir.

No dia seguinte, Francisca apareceu novamente no orfanato e

perguntou-lhe com uma voz carinhosa:

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- Mariana, queres vir viver comigo? Prometo que te tratarei bem, que

vais sentir-te em casa, que vais ser feliz connosco e, assim, construiremos uma

família.

A menina nem sabia o que haveria de responder, tanta era a felicidade e

entusiasmo que sentia naquele momento, até que deu por si agarrada à barriga

de Francisca, dizendo:

- Sim, por favor, leve-me! Não é que esteja farta de estar aqui, mas

quero mesmo muito ter uma família. Só tenho uma pergunta a fazer-lhe...

- Então, faz lá a pergunta, mas podes tratar-me por tu- pediu Francisca.

- Está bem! Então... aqui vai. Por que é que me escolheu a mim e não

fez como a maior parte das pessoas brancas e levou um menino ou uma

menina de cor branca? Por que é que me escolheu a mim, se eu sou diferente?

– questionou Mariana.

- Sabes, minha querida, às vezes, ser diferente é bom e eu gosto. Quero

dizer, adoro coisas diferentes e tu és uma das minhas preferidas! – afirmou

Francisca.

E assim foi. Depois de Mariana fazer a mala e Francisca preencher toda

a papelada necessária a comprovar que ela e o marido ficavam com a sua

guarda, seguiram caminho, rumo à nova casa.

Após terem estacionado o carro na garagem, Mariana pediu à sua mãe

adotiva para saírem de forma a poder apreciar o seu novo lar por fora.

Foi então que, de repente, Mariana se apercebeu que vivia numa casa

muito parecida com um castelo de contos de fada.

Mal abriram a porta, surgiu uma pequena criança com aproximadamente

quatro anos a gritar energicamente:

- Mamã!

A menina era baixa, magra e de tez amarelada. Tinha olhos rasgados,

os lábios muito finos e uns cabelos compridos de um castanho claro cor de

noz.

Mariana só percebeu quem era aquela rapariga quando Francisca

começou a explicar tudo:

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- Maria, esta menina que veio com a mamã - apontando para Mariana - é

a tua nova irmã.

- Mariana, como já deves ter percebido, esta é a minha filha, Maria.

Logo, serás a sua irmã mais velha, portanto, porta-te bem porque, para ela,

serás um exemplo a seguir.

Vindo da cozinha, apareceu Tomás. Um homem alto e musculado, mas,

ao mesmo tempo, elegante e de tez pálida. O seu cabelo curto e loiro

assemelhava-se a raios solares. Ao ver Mariana, aproximou-se bastante

sorridente e com dois chupa-chupas na mão. Um para Mariana, para lhe dar as

boas vindas e outro para Maria, para ela não ficar ciumenta.

Passados dois anos, a governanta do orfanato resolveu fazer uma visita

para saber como a sua ex-orfã preferida se tinha adaptado à sua nova família.

A velha senhora ficou bastante feliz quando viu a menina, agora com dez anos,

a brincar no jardim com a sua irmã mais nova, Maria e o seu cão de raça

francesa, Cores.

Colorida pela variedade de tons de pele, vivia feliz, aquela família

“diferente”.

Margarida Pedrosa e Leonor Monteiro

(pseudónimos)