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Uma reflexão sobre a Extrafiscalidade no Imposto de Importação Alexander Marques Silva* 1 RESUMO O ordenamento jurídico brasileiro é deficitário no que tange ao protecionismo econômico, sobretudo, na utilização unicamente do instituto da Extrafiscalidade inserido no Imposto de Importação. A utilização do mencionado instituto no tributo proporciona uma exceção aos princípios da legalidade, da anterioridade e espera nonagesimal para regular as alíquotas incidentes quando da ocorrência do fato gerador. Foi realizada ainda uma análise acurada dos meios ministeriais que regulamentam através da CAMEX toda e qualquer política referente ao Comércio Exterior. Ressalta-se que o Imposto de Importação possui o caráter extrafiscal em maior proporção, o que não o exime do caráter fiscal. Demonstrado através de diversas fontes de estudos sobre o tema conclui-se quanto à necessidade de aprofundamento do estudo e de uma reformulação das políticas públicas que permeiam à distribuição e à utilização racional das políticas econômicas voltadas para o setor de importação e de comércio exterior. Palavras-Chave: Imposto de importação; Extrafiscalidade; Flexibilidade de alíquota; ABSTRACT The Brazilian legal system is deficient with respect to economic protectionism, especially in the use solely of the Institute of extrafiscality inserted in import taxes . The use of the mentioned institute in tribute provides an exception to the principles of legality, and expects nonagesimal prior to the regular tax rates when the triggering event . Was further performed an accurate analysis of the means by which govern ministerial CAMEX all policies relating to foreign trade . It is emphasized that the import tariff has the character extrafiscal in greater proportion, which does not relieve the fiscal character . Demonstrated through various sources of studies on the 1 * Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes (UCAM) SP – Monografia: “Extraterritorialidade do Imposto Territorial Rural”; Graduado em Direito pelo Centro Universitário UNA – Monografia: “Intervenção estatal: Uma reflexão sobre o instituto do Tombamento” Professor do Curso Preparatório para concursos Públicos CEP – Belo Horizonte/MG

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Uma reflexão sobre a Extrafiscalidade no Imposto de Importação

Alexander Marques Silva*1

RESUMO

O ordenamento jurídico brasileiro é deficitário no que tange ao protecionismo

econômico, sobretudo, na utilização unicamente do instituto da Extrafiscalidade

inserido no Imposto de Importação. A utilização do mencionado instituto no tributo

proporciona uma exceção aos princípios da legalidade, da anterioridade e espera

nonagesimal para regular as alíquotas incidentes quando da ocorrência do fato gerador.

Foi realizada ainda uma análise acurada dos meios ministeriais que regulamentam

através da CAMEX toda e qualquer política referente ao Comércio Exterior. Ressalta-se

que o Imposto de Importação possui o caráter extrafiscal em maior proporção, o que não

o exime do caráter fiscal. Demonstrado através de diversas fontes de estudos sobre o

tema conclui-se quanto à necessidade de aprofundamento do estudo e de uma

reformulação das políticas públicas que permeiam à distribuição e à utilização racional

das políticas econômicas voltadas para o setor de importação e de comércio exterior.

Palavras-Chave: Imposto de importação; Extrafiscalidade; Flexibilidade de alíquota;

ABSTRACT

The Brazilian legal system is deficient with respect to economic protectionism, especially in the

use solely of the Institute of extrafiscality inserted in import taxes . The use of the mentioned

institute in tribute provides an exception to the principles of legality, and expects nonagesimal

prior to the regular tax rates when the triggering event . Was further performed an accurate

analysis of the means by which govern ministerial CAMEX all policies relating to foreign trade

. It is emphasized that the import tariff has the character extrafiscal in greater proportion, which

does not relieve the fiscal character . Demonstrated through various sources of studies on the

1* Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes (UCAM) SP – Monografia: “Extraterritorialidade do Imposto Territorial Rural”;

Graduado em Direito pelo Centro Universitário UNA – Monografia: “Intervenção estatal: Uma reflexão sobre o instituto do Tombamento”

Professor do Curso Preparatório para concursos Públicos CEP – Belo Horizonte/MG

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subject concludes on the need for further study and an overhaul of public policies that permeate

distribution and rational use of economic policies aimed at the import sector and foreign trade .

INTRODUÇÃO

O interesse público torna o estado um interventor do bem particular. Diante

dessa afirmativa, o presente estudo visa criar uma reflexão sobre a intervenção estatal

no âmbito do Direito de propriedade através de uma análise do princípio da

Extrafiscalidade existente no Imposto de Importação.

O Imposto de Importação, também conhecido popularmente como tarifa

aduaneira, direitos de importação, tarifa das alfândegas ou direitos aduaneiros, é um

tributo de competência da União, nada mais justo, já que, em se tratando de um imposto

com implicações no relacionamento do país com outros países e organismos

internacionais, seu trato deve caber à União, que é logicamente o ente responsável por

este relacionamento, que evidentemente deve ser uniforme no âmbito internacional, não

se projetando a personalidade jurídica dos Estados-membros, mas da Federação como

um todo.

Outro fator de suma importância é o princípio da Extrafiscalidade existente no

Imposto de importação, que, dessarte justifica a espistemologia ora desenvolvida. No

Capítulo inaugural explicitam-se as Noções Gerais desse instituto da Extrafiscalidade,

tão importante na regulamentação da balança comercial, adentrando em seguida nas

limitações constitucionais inerentes ao instituto citado.

No segundo capítulo, adentra-se ao tributo propriamente dito, iniciando a

explanação com uma breve análise do Direito de Propriedade, uma vez que o objeto ora

tributado pelo Imposto de Importação, ou seja, o Produto importado trespassa o

conceito de propriedade, uma vez que, vg, o sujeito passivo da obrigação tributária se

confunde com o proprietário do produto, o que não obsta em haver responsaveis

solidários. Em seguida, faz-se uma reflexão quanto as noções gerais do Imposto de

Importação seguido dos processo necessários e inerentes ao ato administrativo de

lançamento e exigência da obrigação tributária, denominado neste estudo como Das

classificações dos produtos e incorporação à economia nacional.

Por fim, o capítulo derradeiro soma as análises dos capítulos antecedentes

demonstrando um pouco da prática do Instituto da Extrafiscalidade no Imposto de

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Importação, subdividindo-se em Noções gerais e Ato de Variação da Alíquota do

Imposto de Importação.

Desde os primórdios no Brasil, tornaram-se comuns os litígios envolvendo o

Poder Público, em todas as suas vertentes, que, por meio de políticas públicas ou de

outros instrumentos estatais, visa promover a efetivação do princípio funcional

proprietário importador, seja pessoa física ou jurídica e, assim, proporciona um

dinamismo nas questões doutrinária, conceitual e jurisprudencial.

Este estudo visa lançar um olhar crítico e renovador ao tradicional instituto

tributário da Extrafiscalidade como instrumento do Imposto de Importação, estatuído a

fim de controlar a balança comercial, estimulando ou desetimulando determinado

comportamento, aplicando-se alíquotas mais altas à medida que se necessita ou que o

princípio da seletividade assim o exigir, sem, contudo, abandonar o princípio

constitucional da função social, dos direitos difusos ao mesmo tempo o direito

individual à propriedade.

A exposição do tema e seus desdobramentos neste estudo é primorosa, de salutar

e fácil absorção, sendo abordada de forma simples e objetiva, convidando o leitor a

deliciar-se com sua leitura.

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CAPÍTULO I

DA EXTRAFISCALIDADE

1.1 – Noções Gerais

A finalidade dos tributos no Brasil, em regra, é que seja de caráter

meramente arrecadatório. Porém, o Direito Tributário nacional possui alguns princípios

que refletem diretamente na natureza da cobrança do tributo, entre esses princípios

destaca-se o da Extrafiscalidade. Tal princípio encontra escopo na previsão

constitucional (BRASIL,1988) insculpida no artigo 150, §1º, in verbis:

Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III - cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (...) § 1º - A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I. (BRASIL, 1988)

Conforme exposto, a fiscalidade ou o caráter fiscal dos tributos é a

regra, já que o Estado depende de recursos financeiros para exercer seu caráter precípuo

intervencionista na sociedade. A exceção ocorre quando a cobrança de determinado

tributo não visa à finalidade arrecadatória.

Cabe ressaltar, que as exceções previstas no texto constitucional do

artigo 150, §1º, constituem taxativamente a Extrafiscalidade dos tributos mencionados e

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que se correlacionam com alguns outros princípios como o da seletividade, do não

confisco, da progressividade entre outros, como será tratado oportunamente.

Roque Antônio Carrazza, nos demonstra que;

A Extrafiscalidade consiste no uso de instrumentos tributários com fins diversos, ou seja, com fins não fiscais ou extrafiscais. No caso, o uso extrafiscal dos tributos tem por objetivo disciplinar, favorecer ou desestimular os contribuintes a realizar determinadas ações, por considerá-las convenientes ou nocivas ao interesse público. (CARRAZZA, 2006, P.374)

Raimundo Bezerra Falcão, brilhantemente, demonstra a distinção

entre fiscalidade e Extrafiscalidade, como adiante se vê;

Considerando a tributação como ato ou efeito de tributar, ou ainda, como o conjunto dos tributos, podemos afirmar que: a) a tributação se diz fiscal enquanto objetiva retirar do patrimônio dos particulares os recursos pecuniários – ou transformáveis em pecúnia – destinados às necessidades públicas do Estado; b) tributação extrafiscal é o conceito que decorre do de tributação fiscal, levando a que entendamos extrafiscalidade como atividade financeira que o Estado desenvolve sem o fim precípuo de obter recursos para seu erário, mas sim com vistas a ordenar a economia e as relações sociais, sendo, portanto, conceito que abarca, em sua amplitude, extensa gama de opções e que tem reflexos não somente econômicos e sociais, mas também políticos [...] (FALCÃO, 1981, p. 118)

Dessarte, a Extrafiscalidade apresenta-se como instrumento tributário

com o objetivo de estimular, coibir ou induzir outros comportamentos, tendo em vista

outra finalidade que não a de caráter meramente arrecadatório, mas tendo como escopo

valores até mesmo constitucionalmente tutelados.

No estudo atual sobre a Extrafiscalidade, os doutrinadores

tributaristas divergem quanto ao entendimento aprofundado da conceituação de tal

princípio e seus reflexos. Discussão que atinge mais o caráter epistemológico do que

propriamente prático. Senão vejamos.

As divergências doutrinárias contabilizam-se com maior enfoque em

duas correntes. A corrente precípua e majoritária, defendida por doutrinadores como

Sacha Calmon, Misabel Derzi, Aliomar Baleeiro, Rui Barbosa Nogueira, Fábio

Fanucchi, entre outros, entende a forma restritiva do caráter extrafiscal, ou seja,

endossado constitucionalmente, o objetivo de uma política fiscal não seria somente o

arrecadatório, mas de utilizar o tributo para outros fins, como o de estimular ou

desestimular comportamentos, pelas vias da oneração ou da desoneração, por exemplo.

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A segunda corrente, defendida por autores como Ricardo Lobo

Torres e por Marcos de Freitas Gouvêa, denominada por grande parte como Teoria

Ampla ou Amplo em Relação à Matéria, defende que além do caráter indutor capaz de

estimular e desestimular comportamentos sem objetivos arrecadatórios, a

Extrafiscalidade abarca outra faceta do Direito Tributário finalístico, qual seja, atividade

indutora, subjacente mas não dissociada do parâmetro arrecadatório. Logo, conforme

entendimento de Ricardo Lobo Torres, a Extrafiscalidade caracteriza-se por encontrar

identidade em uma espécie autônoma de ingressos públicos, com intuito de produzir

prestações de naturezas não tributárias.

Como já citado, a divergência exposta trata apenas de uma dicotomia

conceitual e epistemológica, mas que de fato, observa-se nitidamente em comum que a

Extrafiscalidade reflete o objetivo excepcional do tributo, o qual transcende o caráter

meramente financeiro com reflexos nos âmbitos sociais, políticos e econômicos.

Outrossim, é de bom alvitre ressaltar que ainda que um tributo possua

a conotação da Extrafiscalidade, ele ainda possuirá o caráter arrecadatório, uma vez que

a arrecadação é uma condição sine qua non, não só para a vida do Estado, mas da

própria criação e existência dos tributos, no caso em epígrafe, o caráter fiscal apenas

não será o ponto essencial de sua instituição.

De certo modo, torna-se mais adequada a teoria restritiva, haja vista

que existem outros princípios e institutos que se correlacionam não só com tributos, mas

com outros gêneros de agregação pecuniária ao patrimônio estatal que não são fiscais,

mas também não se enquadram no paradigma da Extrafiscalidade, já que não têm a

conotação de estimular ou desestimular dado comportamento ou, sequer, guardam

qualquer tipo de vínculo com as ações emanadas dos contribuintes. Como exemplos,

citamos as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico - CIDEs, as Taxas de

exercício Poder de Polícia, isenções, entre outras.

Enfim, sabias as palavras da inenarrável mestra Misabel Derzi;

(…) não se trata apenas de reconhecer a existência de desigualdades, mas usa-se o Direito Tributário como instrumento de política social, atenuadora das grandes diferenças econômicas ocorrentes entre pessoas, grupos e regiões. (…) a Carta fundamental brasileira, ao contrário da alemã, estabelece as bases em que se assenta o Estado Democrático de Direito, fixando-lhes metas de justiça e igualdade social e, coerentemente, faz repercutir o princípio do Capítulo do Sistema Tributário. Pessoalidade, seletividade, extrafiscalidade e progressidade são princípios que espelham a busca da maior justiça tributária. (DERZI, 2000).

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Portanto, a Extrafiscalidade é um dos maiores reflexos da busca

suprema de nossa Carta Magna, de justiça e de aspiração constante das igualdades

econômicas, sociais e culturais, já que tal instituto estimula ou desestimula certos

comportamentos danosos ou que comprometam o alcance da sociedade igualitária tão

almejada.

1.2 – Das Limitações Constitucionais

Em que pese haver a incidência de correntes doutrinarias distintas

quanto ao ponto de vista conceitual da Extrafiscalidade, do ponto de vista pragmático,

ambas as correntes compactuam que o princípio base deste capítulo, segue (e deve

seguir) as permissões e vedações constitucionais do poder de tributar, ainda que essas se

apresentem mais benéficas ao sujeito passivo do tributo.

Diante dos princípios tributários previstos na Constituição Federal,

sobretudo, no Titulo VI – Da Tributação e do Orçamento, Capítulo I - Sistema

Tributário Nacional, Seção II – da Limitação do Poder de Tributar, o instituto da

Extrafiscalidade deve coadunar com todos, bastando, no entanto, o conflito aparente

com os princípios do Não-confisco e da Capacidade Contributiva, em casos

especificamente estudados mais adiante.

Inaugurando este item de estudo citamos o princípio da legalidade

frente à Extrafiscalidade. Ora, como é nítido e certo, qualquer que seja o tema versado

em direito tributário, a legalidade é princípio obrigatório a ser observado, conforme se

depreende do artigo 9º c/c I do Código Tributário Nacional – CTN, in verbis:

Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - instituir ou majorar tributos sem que a lei o estabeleça, ressalvado, quanto à majoração, o disposto nos artigos 21, 26 e 65;(BRASIL, 1966)

Assim, observa-se que a exceção posta no artigo supracitado,

enquadra-se no instituto da Extrafiscalidade de alguns tributos como Imposto de

Importação, Imposto de Exportação, entre outros. Mas conforme previsto no artigo 150,

I da CRFB/88, in verbis:

Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (BRASIL,1988)

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Conforme já exposto no início do Capítulo, a exceção que legitima a

Extrafiscalidade advém do próprio texto constitucional brasileiro, inclusive no mesmo

artigo 150, porém, dessa sorte, no parágrafo único. Há que se salientar, que o texto

permissivo, não só versa sobre a excepcionalidade aos princípios da anterioridade e da

espera nonagesimal, mas também a outros princípios dentre os quais encontramos o da

Legalidade.

Outrossim, ressaltemos ainda que a exceção ao princípio da

legalidade atrelado à Extrafiscalidade, não implica que as alterações de alíquotas ou de

bases de cálculos não sejam vinculados. Ora, a própria definição de tributo trazida à luz

pelo Código Tributário Nacional, no artigo 3º, estabelece como sendo inerente à

existência do tributo a obrigatoriedade de ser um ato vinculado, in verbis: Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. (BRASIL,1966)

A Extrafiscalidade, persí, para surtir efeitos deverá estar legalmente

prevista de acordo com o próprio tributo a ser extrafiscal. Dessarte, a Constituição

Federal e o Código Tributário Nacional, preveem quais os casos em que estão

autorizados a aplicação do pluricitado instituto. Atente-se que mesmo sendo

desnecessária a edição de uma lei para a alteração seja da base de cálculo seja da

alíquota de um tributo, não quer dizer que o princípio da legalidade não esteja presente,

haja vista que a dispensa da lei que altera somente subsistirá quando houver lei que

autorize previamente.

Em segunda análise, o princípio da Não-surpresa deverá ser

observado quando da majoração de tributos, mesmo aqueles que sejam iminentemente

extrafiscais, como é o caso do Imposto de Importação, do Imposto de Exportação, do

Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou

Valores Mobiliários – IOF, do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI.

Importante atentar que, por vezes o tributo não está obrigado a

observar o princípio da anterioridade, por vezes, alternadamente, o princípio da espera

nonagesimal, também denominado noventena com derivações para a nova noventena.

Assim, tomemos como exemplo uma suposta majoração da alíquota exercida no IPI,

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essa somente produziria efeitos após noventa dias de sua decretação, uma vez que, a

alteração da alíquota do IPI, apesar de não seguir o princípio da anterioridade, deverá

sempre obedecer ao princípio da espera nonagesimal, e, por conseguinte, atingindo a

contento, a obediência ao princípio da Não-surpresa.

Em análise seguinte, o princípio da igualdade também encontra

escopo junto à Extrafiscalidade. Esse estudo merece ser analisado com maior

parcimônia haja vista que certos cientistas do direito entendem que por se tratar a

Extrafiscalidade de uma exceção à regra dos tributos tornar-se-ia exceção também ao

princípio da igualdade, já que tal paridade seria dispare frente a um instituto de via

excipiente.

Outrossim, diverge a douta corrente majoritária, possuidora de

célebres estudiosos como Sacha Calmon e Misabel Derzi, entre outros, donde se

depreende que, independentemente de ser exceção quanto à aplicabilidade prática, a

Extrafiscalidade é um instituto do Direito Tributário e, para tanto, deverá seguir a

premissa da igualdade, conforme predispõe a Constituição Cidadã de 1988.

Um ponto exemplificativo do ora exposto, analisamos ao nos

depararmos com o entendimento diverso, ainda que mínimo, mas diverso, quando se

trata da imunidade dada ao proprietário de pequenas glebas rurais quando se diz respeito

ao Imposto Territorial Rural.

Ora, nada divergente o é. A imunidade dada ao pequeno proprietário

rural, além de atender ao caráter jurídico de justiça, quando trata os iguais com

igualdade e os desiguais com desigualdade, na medida de sua desigualdade, é previsto

no artigo 153, §4º II da CRFB/88 regulamentado pelo artigo 2º da lei 9393/96, in verbis: Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...) § 4º O imposto previsto no inciso VI do caput: (...) II - não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore o proprietário que não possua outro imóvel. (BRASIL, 1988) Art. 2º Nos termos do art. 153, § 4º, in fine, da Constituição, o imposto não incide sobre pequenas glebas rurais, quando as explore, só ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel. Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, pequenas glebas rurais são os imóveis com área igual ou inferior a : I - 100 ha, se localizado em município compreendido na Amazônia Ocidental ou no Pantanal mato-grossense e sul-mato-grossense;

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II - 50 ha, se localizado em município compreendido no Polígono das Secas ou na Amazônia Oriental; III - 30 ha, se localizado em qualquer outro município. (BRASIL, 1996)

Assim, se o próprio texto constitucional e a norma infraconstitucional

convalidam a distinção dada ao proprietário da gleba rural, não há que prosperar tal

antagonismo criado por parte minoritária da doutrina.

Em momentos oportunos também, serão analisados os princípios da

Capacidade Contributiva e do Não-confisco, sobretudo, com ênfase da Extrafiscalidade

no Imposto de Importação.

Enfim, a Extrafiscalidade é um instituto do Direito Tributário que

deverá atender os requisitos e demais princípios da matéria jurídica estudada. Com

exceções extremamente pontuais, a Extrafiscalidade guardará sempre as mesmas

características do Direito tributário, até mesmo porque está inserida em seu contexto em

condições precípuas.

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CAPÍTULO II

DO IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO

2.1 – Conceito de propriedade

A Propriedade é o mais amplo e importante Direito Real no

ordenamento brasileiro. Possui inclusive outros direitos reais inseridos em suas

características básicas que congrega os poderes de usar, gozar, dispor e reivindicar a

coisa de qualquer pessoa que, injustamente, a detenha ou possua. Desse modo preceitua

o Código Civil brasileiro em seu artigo 1228, in verbis:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. (BRASIL, 2002)

A etimologia do vocábulo propriedade origina-se do latim proprietas,

derivado de proprius, denotando-se o que pertence a uma pessoa.

O mestre civilista Carlos Roberto Gonçalves, demonstra-nos que;

O direito de propriedade recai tanto sobre coisas corpóreas quanto incorpóreas. Quando recai exclusivamente sobre coisas corpóreas tem a denominação peculiar de domínio, expressão oriunda de domare, (...) correspondendo à ideia de senhor ou dominus. (GONÇALVES,2010, p.229.)

A definição jurídica de propriedade varia de acordo com o país assim

como com a contextualização histórica. Destarte preceitua LACERDA DE ALMEIDA

(1908, p.22) que o direito das coisas “é a expressão jurídica do estado atual da

propriedade”.

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Ora, não há que se falar em fixação ou rigidez da conceituação tendo

em vista que a primária garantia constitucional não estabeleceu tal definição, sendo,

portanto, parametrizado o texto magno por normas infraconstitucionais, sobretudo, pela

legislação ordinária.

Sabias as palavras do soberano mestre Caio Mário da Silva Pereira,

em que se denota que a conceituação de propriedade: Mais se sente do que se define (...), pois a ideia de ‘meu e teu’, a noção do assenhoramento de bens corpóreos e incorpóreos independe do grau de conhecimento ou do desenvolvimento intelectual. (PEREIRA, 2004, vol. IV, p.89)

Destacamos ainda a definição proposta por Cunha Gonçalves na qual

O direito de propriedade é aquele que uma pessoa singular ou coletiva efetivamente exerce numa coisa determinada em regra perpetuamente, de modo normal e absoluto, sempre exclusivo, e que todas as outras pessoas são obrigadas a respeitar. (CUNHA GONÇALVES, 1952)

Ressalta-se ainda que a propriedade em si divide-se em plena (ou

absoluta) e limitada. Em conformidade com o já citado artigo 1.228 do Código Civil

brasileiro, o proprietário possui o direito de usar, gozar, fruir e reivindicar a coisa de

quem injustamente a detenha.

A propriedade plena ou absoluta é exercida por quem agrega todos os

direitos inerentes ao proprietário de forma simultânea e irrestrita. Enquanto a

propriedade limitada observa a restrição a algum ou alguns dos mesmos direitos, desde

que os demais permaneçam de forma plena.

Já o artigo 1.331 do Código Civil brasileiro prevê, in verbis:

Art. 1.331. A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário. (BRASIL, 2002)

Há que se entender o direito de propriedade de forma plena com certa

parcimônia no que tange sua definição e suas consequências, tendo em vista que mesmo

o proprietário absoluto no auge do pleno gozo de seus direitos ainda é limitado pela

forma jurídica.

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A Constituição Federal (BRASIL, 1998) privilegia e determina que a

propriedade deverá atender à sua função social, conforme encontra-se insculpido no

artigo 5º, XXIII2. Sendo assim, o livre direito de gozar e fruir da coisa não consiste na

prerrogativa de abusar da coisa, de destruí-la, de inutilizá-la, de permanecer inútil.

Segundo ensinamento grandioso de Carlos Roberto Gonçalves “É de

ressaltar que o caráter absoluto e ilimitado da propriedade tem, ao longo dos anos,

sofrido limitações e restrições, importando uma incessante redução dos direitos do

proprietário” (2010, p.229).

Findadas as noções gerais sobre a Propriedade, temos definições

variadas que alcançam um profícuo âmago dos diversos tipos de propriedades

existentes. A seguir, adentraremos ao tema de forma a especificar a propriedade

sobretudo móvel, definindo parâmetros da função social e demonstrando-os de acordo

com a Constituição Federal e legislações pertinentes.

2.2 – Noções gerais sobre o Imposto de Importação

O Imposto de Importação (II) é um imposto federal, cuja finalidade é

puramente econômica (regulatória) e de proteção, assim denominada também a

extrafiscalidade. Ele age taxando produtos trazidos do exterior para que não haja

concorrência desleal com os produtos brasileiros, o que geraria um desequilibrio da

balança comercial e seria demasiadamente danos à economia do país.

A Seção III que versa sobre os impostos de competência da União, é

parte integrante do Título VI – Da Tributação e do Orçamento e do Capítulo I – Do

Sistema Tributário Nacional, definindo no artigo 153, I, quanto ao Imposto de

Importação, in verbis:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I - importação de produtos estrangeiros; (BRASIL,1988)

Igualmente dispõe o artigo 19 do Código Tributário Nacional – CTN,

in verbis: 2 A Constituição da República Federativa do Brasil. Artigo 5º, XXIII – “a propriedade atenderá a sua função social”

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Art. 19. O imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional. (BRASIL,1966)

Assim, demonstra-se que o fato gerador do Imposto de Importação é

a entrada do produto estrangeiro no territorio nacional. Adiante veremos que a entrada

do produto estrangeiro no território não se trata de simples e mera compreensão, já que

essa entra pode coincidir com a entrada física do produto, mas que a lei versa em

verdade, sobre a entrada jurídica do produto, ou seja, de sua incorporação à economia

nacional.

Interessante ressaltar, que pacificamente e incontroverso entre

doutrinas e jurisprudências, encontra-se o entendimento de que um produto nacional ora

incorporado à outra economia e posteriormente retorna ao país de origem com o fito de

incorporar definitivamente àquela economia constitui Fato Gerador do Imposto de

Importação, e, portanto, ocorre nitidamente a Hipótese de Incidência do Tributo ora

mencionado.

Exemplificando, um veículo fabricado no Brasil que, após exportado

e incorporadoà economia estrangeira, retorna ao Brasil com objetivo de novamente

compôr à economia, deverá ter seu lançamento efetivado e, portanto, ser tributado como

se nacional não o fosse.

Sabiamente pacificado entre doutrinas e jurisprudências também o é,

a questão de produtos de mera passagem não serem objetos da Hipótese de Incidência

do Imposto de Importação, uma vez que não se tornaram parte da economia nacional.

Como exemplo, citamos exposição intinerante de obra de arte que

adentra fisicamente o território nacional, mas que não possui o objetivo de permanência.

Outro exemplo, seria o produto que desembarca em território nacional, mas com destino

a outro país fronteiriço.

Cabe ressaltar que em ambos os exemplos de produtos de mera

passagem, os produtos deverão ser declarados, incluindo o tempo de permanência em

território nacional, subsistindo o direito ao lançamento tributário e persistindo a

Obrigação Tributária caso ocorra o descumprimento do prazo ora declarado.

Em conformidade com o artigo 6º e 7º do Decreto-lei 288 de 28 de

fevereiro de 1967, tributa-se inclusive por possuir isenções e imunidades ímpares, e

assim, inserir na qualidade de estrangeira, os produtos que entram no restante do

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território nacional a oriundos da zona franca de Manaus – ZFM. Já que tais produtos são

importados ou produzido na ZFM, porém não são submetidas aos tributos que as tornam

nacionalizadas ou possuem tamanha isenção que as tornam incompatíveis com a livre

concorrência, vez que não completam a regra precípua referente ao Fato Gerador

constante do CTN, logo, quando importadas por importador em outro ponto do território

nacional, assim entendido por aduaneiro, deverão ser submetidas à tributação sobre

importação do II e demais tributos incidentes.

Outro item que merce uma análise acurada, é a Base de Cálculo do

tributo alvo de nossa epistemologia jurídica, já que tal base deverá adotar uma das três

formas, conforme previsto também no CTN, desta feita no artigo 20, in verbis: Art. 20. A base de cálculo do imposto é: I - quando a alíquota seja específica, a unidade de medida adotada pela lei tributária; II - quando a alíquota seja ad valorem, o preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da importação, em uma venda em condições de livre concorrência, para entrega no porto ou lugar de entrada do produto no País; III - quando se trate de produto apreendido ou abandonado, levado a leilão, o preço da arrematação. (BRASIL, 1966)

Minudentemente analisado adiante, o Valor Aduaneiro alcança uma

importância ímpar ao incidir o imposto de importação sobre produto cuja entrada

ocorrera em territorio nacional, adequando-se, principalmente, ao inciso II do

supracitado artigo e que, destaca-se, é o mais recorrente entre as três Bases de Cálculo

aqui apresentadas.

2.3 – Das classificações dos produtos e incorporação à economia nacional

A CAMEX – Câmara de Comércio Exterior, é um órgão que integra

o Conselho de Governo da Presidência da República e objetiva a formulação, adoção,

implementação e coordenação de políticas e atividades relativas ao comércio exterior de

bens e serviços e turismo.

Cabe ao Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e

Comércio Exterior, a presidência da CAMEX, o qual compõe a câmara juntamente com

os Ministros de Estado Chefe da Casa Civil; das Relações Exteriores; da Fazenda; da

Agricultura, Pecuária e Abastecimento; do Planejamento, Orçamento e Gestão; e do

Desenvolvimento Agrário.

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Como o tema comércio exterior é por demais abrangente, diversos

órgãos da administração pública possuem competências relacionadas ao assunto, bem

como executam ações e desenvolvem políticas sobre esta matéria. Dessa forma, a fim de

permitir uma coadunação de ações integradas e coerentes entre si por parte do governo,

é função da CAMEX é definir diretrizes, bem como coordenar e orientar ações desses

órgãos do governo que possuem competências na área de comércio exterior. Ademais, a

Câmara deve ser previamente consultada sobre matérias relevantes relacionadas ao

tema, que por vezes ainda estejam omissas ou obscurecidas por normas

regulamentadoras, ainda que consistam em atos de outros órgãos federais.

Dentre as diversas competências da CAMEX, destacamos com maior

rigor a de fixar as alíquotas do imposto de importação, atendidas as condições e os

limites estabelecidos em lei e de definir nomeclaturas, salvaguardas, isenções tributárias

e regulagem da balança comercial de produtos declarados pela própria câmara como

essenciais ou de similiriedade inexistente no Brasil, o que proporcionará uma redução

na alíquota utilizada que poderá chegar a índices nulos.

A CAMEX foi criada e regulamentada pelo Decreto 4.732 de 10 de

junho de 2003, a qual define sua composição, estrutura, competências e campos de

atuação, além de formas de deliberação.

Importante ressaltar que a resolução nº 79 de 01º de outubro de 2012,

define quais os parâmetros para que produtos que não possuem similariedade com

outros no Brasil, tenham alíquota aplicada em zero ou dois porcento. Bastando que tal

produto seja integrante e esteja classificado nos capítulos e códigos da NCM –

Nomeclatura Comum do MERCOSUL, conforme dispõe o artigo 1º, inciso I da

mencionada resolução. O fato de reduzir a alíquota para produtos sem produção local

recebe a denominação de ex-tarifários. Sendo que até 30 de outubro de 2013, a

CAMEX, somente durante o ano citado, já classificou 2.318 produtos como ex-

tarifários, segundo informações do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e

Comércio Exterior – MDIC.

Pois bem, cabe também à CAMEX definir a essencialidade do

produto e a alíquota referente ao imposto de importação aplicável no caso em suma. O

Imposto de Importação segue o princípio da seletividade, pois varia de acordo com o

país de origem das mercadorias (devido aos acordos comerciais) e com as características

do produto, principalmente quanto à sua essencialidade, como é o caso de alimentos,

medicamentos entre outros.

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Suas alíquotas estão definidas na Tarifa Externa Comum (TEC), que

é a tarifa aduaneira utilizada pelos países do MERCOSUL e é baseada na Nomenclatura

Comum do MERCOSUL (NCM). A base de cálculo do imposto de importação é o valor

aduaneiro da mercadoria. O Imposto de Importação é calculado pela aplicação das

alíquotas fixadas na TEC sobre essa base de cálculo, conforme abaixo:

Imposto de Importação = TEC (%) x Valor Aduaneiro

Cabe antes de prosseguirmos, destacarmos quanto à conceituação de

valor aduaneiro. Para a doutrina majoritária de Sacha Calmon, Aliomar Baleeiro e

Misabel Derzi, trata-se simplesmente do valor da mercadoria no comércio em geral, ou

seja, é o valor que aquele bem alcança, de forma média, no mercado comum.

A Receita Federal do Brasil, depreende que valor Aduaneiro é

apurado na forma prevista no Acordo Sobre a Implementação do Artigo VII do GATT

(Acordo de Valoração Aduaneira ou, simplesmente, AVA-GATT). O AVA-GATT

estabelece seis diferentes métodos para a determinação do valor aduaneiro das

mercadorias importadas. Esse acordo determina que, sempre que não for possível a

utilização do primeiro método de valoração, deve-se passar sucessivamente aos métodos

seguintes, até que se chegue ao primeiro que permita determinar o valor aduaneiro.

O acordo do AVA-GATT estabelece ainda, em seu Artigo 1º, que o

valor aduaneiro de mercadorias importadas seja determinado, preferencialmente, pelo

primeiro método, ou seja, o valor de transação, que é o preço efetivamente pago ou a

pagar pelas mercadorias, em uma venda para exportação para o país de importação.

O preço efetivamente pago compreende todos os pagamentos

efetuados ou a efetuar como condição da venda das mercadorias e não necessariamente

feitos em dinheiro. Dessa forma, citamos exemplificativamente, uma permuta de

mercadorias nas quais os valores são distoantes entre sí, devendo todos os valores das

mercadorias transacionadas e valores de diferenciação entrarem no cômputo da

estipulação do valor aduaneiro. Assim, toda e qualquer forma de pagamento indireto

que eventualmente seja realizado é parte integrante do valor aduaneiro, conste ele ou

não da fatura comercial apresentada à autoridade aduaneira.

Dessa forma, o valor aduaneiro da mercadoria não se confunde com o

valor faturado nem com o valor para fins de licenciamento das importações, embora

muitas vezes eles coincidam. O valor aduaneiro das mercadorias importadas significa o

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valor das mercadorias para fins de incidência de direitos aduaneiros ad valorem sobre

mercadorias importadas.

Na maioria das vezes, o valor aduaneiro da mercadoria é encontrado

a partir do seu valor FOB (Free on Board), acrescido dos valores do frete e seguro

internacionais, convertendo-se esses valores para Reais, por meio da taxa de câmbio do

dia do registro da importação, ou seja, da entrada jurídica em território nacional, que,

vg, coincide com o desembaraço aduaneiro, mas que são independentes entre si.

Essa entrada jurídica do produto entende-se como sendo a

incorporação à economia nacional, que nada mais é que o fato gerador do Imposto de

Importação. Tangivelmente, ocorre com o lançamento do produto no SISCOMEX –

Sistema Integrado de Comércio Exterior, que é um sistema utilizado pelo governo do

Brasil, com seu desenvolvimento ocorrido pelo Banco Central – BACEN e sua

operacionalização pela Receita Federal, para o controle do comércio exterior, que por

um fluxo único, registra atividades, acompanhamento e controla as referidas operações,

tornando assim o momento formal de entrada e incorporação de produtos na economia

nacional.

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CAPÍTULO III

DA EXTRAFISCALIDADE NO IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO

3.1 – Noções Gerais

A Extrafiscalidade no Imposto de Importação, não só no Brasil mas

em todo o mundo, possui grande importância enquanto instrumento de arrecadação de

tributos e, sobretudo, de proteção economica e social, daí o caráter essencialmente

extrafiscal do imposto de importação.

Hugo de Brito Machado, discorre sobre a importância do imposto de

importação no contexto atual.

Se não existisse imposto de importação, a maioria dos produtos industrializados no Brasil não teria condições de competir no mercado com seus similares produzidos em países economicamente mais desenvolvidos, onde o custo industrial é reduzido graças aos processos de racionalização da produção e ao desenvolvimento tecnológico de um modo geral. Além disso, vários países subsidiam as exportações de produtos industrializados, de sorte que seus preços ficam consideravelmente reduzidos. Assim, o imposto funciona como valioso instrumento de política econômica (MACHADO, 2003, p. 272).

A função extrafiscal do imposto de importação vem sendo

questionada em virtude da crescente globalização que, cada vez mais, combate esta

postura protecionista por parte dos Estados, defendendo a negociação internacional.

Entretanto, a extrafiscalidade ainda é a principal função do imposto de importação,

sendo inclusive intensamente utilizada em negociações internacionais como forma de

cessão mútua.

3.2 – Ato de Variação da Alíquota do Imposto de Importação

Conforme explicitado, está autorizado pela Constituição Federal e

pelo Código Tributário Nacional, a variação da Alíquota do Imposto de Importação, por

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ato fundamentado do poder executivo, com o fito de equalizar a balança comercial e

criar e coordenar a proteção comercial no Brasil, assim disposto, respectivamente, in

verbis: Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I - importação de produtos estrangeiros; § 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V. (BRASIL, 1988). Art. 21. O Poder Executivo pode, nas condições e nos limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas ou as bases de cálculo do imposto, a fim de ajustá-lo aos objetivos da política cambial e do comércio exterior. (BRASIL, 1966)

Excetua-se que a Constituição Federal de 1988 recepcionou em parte

esse artigo do CTN, haja vista que apenas a variação da alíquota neste caso é que foi

autorizada, inexistindo in casu, a variação da Base de Cálculo para o Imposto de

Importação, mediante ato do poder executivo, desta feita, realizado pela CAMEX.

Cumpre salientar que esta possibilidade de alteração de alíquota pelo

Poder Executivo só deve se concretizar em circunstâncias especiais que a justifiquem, e

ainda assim, restritas aos limites estabelecidos em legislação ordinária. (MACHADO,

2003, p. 299).

Como ato administrativo que são, as alterações de alíquotas pelo

Poder Executivo, devem conter, necessariamente, a motivação bem fundamentada do

uso da extrafiscalidade em cada caso, pois a motivação evita o desvio de finalidade do

ato. (MACHADO, 2003, p. 308).

Cabe salientar que a Fazenda Nacional tem utilizado

comumentemente a variação da alíquota do Imposto de Importação, sob a justificativa

de que se trata de um imposto Extrafiscal, como se este fato persí bastasse. De forma

sapientíssima nos ensina Hugo de Brito Machado:

A extrafiscalidade, porém, não elide o princípio da legalidade. Justifica, por

certo, sua atenuação, simplesmente para permitir maior rapidez nas

mudanças, sem o que o fim extrafiscal em muitos casos não seria alcançado.

Não pode, entretanto, servir de pretexto para aumentos de alíquotas do

imposto sem obediência ao princípio da legalidade mediante indicação

genérica de circunstâncias que justificam o aumento, nem muito menos

justifica a violação do principio da irretroatividade da lei (MACHADO,

2003, p.321).

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Diante do exposto deve haver mais seriedade quanto ao uso da

extrafiscalidade por parte do poder executivo no Brasil. A fim de se evitar qualquer

questionamento ou mesmo sanção por parte de organismos ou da comunidade

internacional.

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CONCLUSÃO

Foi realizado um estudo analítico do instituto da Extrafiscalidade no

Imposto de Importação, sob a perspectiva econômica, social e hermenêutica das

respectivas legislações sobre o tema, estabelecendo uma análise reflexiva sobre

doutrinas e jurisprudências acerca dos efeitos sociais advindos do mencionado tributo

frente ao Código Civil brasileiro e à Constituição da República Federativa do Brasil e

entre o Imposto de Importação e a legislação vigente específica.

Após a mencionada análise, concluímos que o Imposto de

Importação – II, não se trata apenas de um tributo, mas de uma forma de intervenção do

Estado sobre a propriedade particular, com o fito de regular comportamentos e tornar

racional e equitativa a economia nacional, principalmente no combate à entrada maciça

de produtos estrangeiros, o que desregularia a balança comercial e consequentemente a

economia, tudo isso instrumentalizado pelo instituto da Extrafiscalidade. Ambos

pertencentes ao direito público, tributário, que ocorre de forma vinculada, conforme

definido pelo CTN.

Entretanto, cabe ressaltar que, notoriamente, o sistema utilizado para

regulação alfandegário é falho em diversos aspectos. Tido eminentemente com

Extrafiscal, o II possui em grande parte uma conotação Fiscal, como podemos notar na

destinação do recurso para o chamado “caixa geral” do poder executivo, conforme

disposto na Constituição Federal. Notamos ainda este caráter fiscal ao percebermos que

as imunidades e isenções não abarcam números consideráveis de sujeitos ativos do

tributo.

Dessarte, ainda que subjetivamente às vistas do importador ou do

homem médio brasileiro, a forma com que é tratado o assunto, depreende mais um

caráter punitivo do que igualitário de fato. Isso ocorre devido à ausência de outras

políticas substitutivas e devido ao mínimo apoio e incentivo do estado ao sujeito

passivo, que se sente injustiçado, tolhido e desamparado pelas políticas públicas falhas e

pela alta carga tributária a que está submetido.

De certo que o Brasil, pelo fato de ser um país de história recente,

diante do contexto mundial, ainda tem bastante a aprender com outros países que

possuem um evoluído sistema protecionista, preservacionista e de incentivo, o que gera,

além da de um crescimento social, através da geração de renda e empregos, fatores

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econômicos preponderantes para o aumento do PIB, gera também uma racionalização

do comércio interno.

Importante salientar que, não basta ter como resultado o acréscimo de

postos de trabalho, de renda ou de quantidade de importadores, faz-se necessária a

construção do caminho que leva a esse objetivo de tornar equanime a política de

importação, não sobretaxando aqueles que necessitam da importação para manterem sua

atividade empresária, que transpassa pela real qualificação de pessoas potencialmente

empregáveis no setor e, sobretudo, da mudança cultural estruturada pela educação

voltada à elevação da importância do sistema autoregulatório do setor, com estudos

sobre a adequação às necessidades aos diversos rincões do país já que as variáveis são

muitas, a formação dos vários profissionais necessários ao setor, entre outras estratégias

não menos importantes mas diferentes das políticas paternalistas associadas à máxima

da arrecadação a todo custo adotadas hodiernamente no Brasil.

Diante de todo o exposto, concluímos que possivelmente, a solução

para tal disparidade estaria em torno de uma política voltada ao campo e à indústria,

incentivando o crescimento sustentável e produtivo, para então depender menos

possível de tipos arcaicos e frágeis de protecionismo econômicos, pragmatizado pelo

estado com maior seriedade e mínimo interesse particular daqueles que detêm o poder

da transformação. Deixamos claro que o intuito não é de um estado socialista, neo-

liberalista, comunista ou fascista, mas realmente democrático de direitos e deveres, no

qual efetivamente o interesse coletivo sobrepõe o individual.

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