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UMA REFLEXÃO DIDÁTICA SOBRE O CONCEITO DE MEDIANA E QUARTIS. Maria Inez Rodrigues Miguel – PUC-SP Cileda de Queiroz e Silva Coutinho – PUC-SP Resumo: As propostas curriculares oficiais do Brasil e de outros países dão ênfase aos tópicos relacionados à Análise Exploratória de Dados (AED), incluindo a Estatística Descritiva, a Probabilidade, a Inferência e a Análise Combinatória. Tal orientação exige professores preparados, tanto no que se refere aos conteúdos envolvidos, quanto à organização didática adequada para desenvolvê-los de modo eficiente nas salas de aula. Nesse artigo, um diagnóstico, visando identificar as concepções de professores a respeito da AED, é apresentado, cuja análise foi embasada pelo software CHIC (Classificação Hierárquica, Implicativa e Coesitiva) de análise multidimensional. Os resultados evidenciaram a falta de conhecimento dos participantes em relação aos conceitos da Estatística Descritiva, embora se mostrassem favoráveis aos itens que compõem a filosofia da AED. Nesse sentido, um exemplo de abordagem didática sobre mediana e quartis é apresentado. Palavras-chaves: Análise Exploratória de Dados. Mediana. Quartis. Organização Didática. Introdução A preocupação com o ensino e a aprendizagem de tópicos relacionados à Análise Exploratória de Dados, incluindo a Análise Combinatória, a Estatística Descritiva, a Probabilidade e a Inferência tem aumentado, de modo significativo, no Brasil e em outros países, tendo em vista as novas diretrizes para a educação. A análise exploratória de dados é uma filosofia que consiste no estudo dos dados a partir de todas as perspectivas e com todas as ferramentas possíveis, incluindo as já existentes. O propósito é extrair toda a informação possível, gerar novas hipóteses no sentido de construir conjecturas sobre as observações que dispomos. (BATANERO; ESTEPA; GODINO, 1991, p.2). 1 Nesta perspectiva, busca-se identificar quais conceitos e idéias constituem a base para a aplicação e implementação dessa filosofia, como enfoque principal do trabalho com a Estatística na Escola Básica. Neste sentido, deve-se considerar a utilidade, para os alunos, dos conceitos e procedimentos que serão então desenvolvidos. Para estes autores, o trabalho com a filosofia da Análise Exploratória de Dados (AED), precisa: ____________ 1 Esta filosofía consiste en el estudio de los datos desde todas las perspectivas, y con todas las herramientas posibles, incluso las ya existentes. El propósito es extraer cuanta información sea posible, generar hipótesis nuevas, en el sentido de conjeturar sobre las observaciones de las que disponemos.

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UMA REFLEXÃO DIDÁTICA SOBRE O CONCEITO DE MEDIANA E QUARTIS.

Maria Inez Rodrigues Miguel – PUC-SP Cileda de Queiroz e Silva Coutinho – PUC-SP

Resumo: As propostas curriculares oficiais do Brasil e de outros países dão ênfase aos tópicos relacionados à Análise Exploratória de Dados (AED), incluindo a Estatística Descritiva, a Probabilidade, a Inferência e a Análise Combinatória. Tal orientação exige professores preparados, tanto no que se refere aos conteúdos envolvidos, quanto à organização didática adequada para desenvolvê-los de modo eficiente nas salas de aula. Nesse artigo, um diagnóstico, visando identificar as concepções de professores a respeito da AED, é apresentado, cuja análise foi embasada pelo software CHIC (Classificação Hierárquica, Implicativa e Coesitiva) de análise multidimensional. Os resultados evidenciaram a falta de conhecimento dos participantes em relação aos conceitos da Estatística Descritiva, embora se mostrassem favoráveis aos itens que compõem a filosofia da AED. Nesse sentido, um exemplo de abordagem didática sobre mediana e quartis é apresentado. Palavras-chaves: Análise Exploratória de Dados. Mediana. Quartis.

Organização Didática. Introdução

A preocupação com o ensino e a aprendizagem de tópicos relacionados à Análise Exploratória de Dados, incluindo a Análise Combinatória, a Estatística Descritiva, a Probabilidade e a Inferência tem aumentado, de modo significativo, no Brasil e em outros países, tendo em vista as novas diretrizes para a educação.

A análise exploratória de dados é uma filosofia que consiste no estudo dos dados a partir de todas as perspectivas e com todas as ferramentas possíveis, incluindo as já existentes. O propósito é extrair toda a informação possível, gerar novas hipóteses no sentido de construir conjecturas sobre as observações que dispomos. (BATANERO; ESTEPA; GODINO, 1991, p.2).1

Nesta perspectiva, busca-se identificar quais conceitos e idéias constituem a base para a aplicação e implementação dessa filosofia, como enfoque principal do trabalho com a Estatística na Escola Básica. Neste sentido, deve-se considerar a utilidade, para os alunos, dos conceitos e procedimentos que serão então desenvolvidos. Para estes autores, o trabalho com a filosofia da Análise Exploratória de Dados (AED), precisa:

____________ 1 Esta filosofía consiste en el estudio de los datos desde todas las perspectivas, y con todas las herramientas posibles, incluso las ya existentes. El propósito es extraer cuanta información sea posible, generar hipótesis nuevas, en el sentido de conjeturar sobre las observaciones de las que disponemos.

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o possibilitar a geração de situações de aprendizagem contextualizadas em temas que sejam de interesse para o aluno; o lançar mão de um forte apoio às representações gráficas (que facilitam a percepção da variabilidade no conjunto de dados observados); o empregar, preferencialmente, as estatísticas de ordem (que aportam maior facilidade na atribuição de significado pelo aluno da Escola Básica); o utilizar diferentes escalas para o estudo dos dados observados; o não utilizar (pois não é necessário) ferramentas matemáticas complexas.

Assim, com base nessa filosofia, buscamos discutir uma forma didática para a introdução ao conceito de mediana e de quartis, assim como mostrar resultados obtidos pela análise de um questionário diagnóstico respondido por professores em exercício na escola básica. Devido a pouca complexidade cognitiva e poucos conhecimentos matemáticos envolvidos, acreditamos que estes conceitos possam ser trabalhados a partir do terceiro ciclo do Ensino Fundamental, visando, desde cedo, dar condições ao aluno de perceber e analisar a variabilidade. O discurso dos professores

Buscando identificar o discurso de professores em exercício na Escola Básica sobre o ensino e a aprendizagem de conteúdos ligados à Estatística, particularmente sobre o uso das medidas separatrizes, aplicou-se um questionário para um grupo de 33 professores, sendo 23 participantes de um curso de mestrado profissional em uma instituição particular de ensino. A primeira parte do questionário visou à identificação do perfil, a segunda constou de algumas afirmações sobre ensino de estatística para as quais os respondentes assinalaram o grau de concordância e, finalmente, a última parte constou de problemas para serem resolvidos.

Entre os 33 respondentes, 17 são do sexo feminino e 16 do sexo masculino, com as idades distribuídas conforme Tabela 1 e tempo de magistério conforme Tabela 2.

Todos os dados foram devidamente codificados e tabulados para tratamento estatístico. Na Tabela 3 têm-se as freqüências para cada uma das afirmações da parte B do questionário. Uma análise multidimensional, mais detalhada, com uso do software CHIC (Classificação Hierárquica, Implicativa e Coesitiva) poderá ser encontrada em Coutinho e Miguel (2007, no prelo).

Tabela 1. Idade Tabela 2. Tempo de magistério

Idade (anos completos) Freqüência

Tempo de Magistério

(anos completos) Porcentagem

21 a 28 5 7 21,21 29 a 33 7 20 60,61 34 a 40 8 6 18,18 41 a 50 6 33 100,00

Mais de 50 7 TOTAL 33

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Tabela 3. Freqüência do grau de concordância com afirmações (parte B do questionário)

Para planejar o desenvolvimento de aulas, (em qualquer nível de ensino) que tenham por objetivo trabalhar conceitos da estatística descritiva, o professor deve: r1 r2 r3 Total

q1b possibilitar a geração de situações de aprendizagem contextualizadas em temas que sejam de interesse do aluno;

1 8 24 33

q2b lançar mão de representações gráficas, que, entre outros aspectos, podem facilitar a percepção da variabilidade em um conjunto de dados observados;

8 6 19 33

q3b empregar, preferencialmente, as estatísticas de ordem2, que aportam maior facilidade na atribuição de significado pelo aluno;

5 14 13 33

q4b não utilizar (pois não é necessário) fórmulas que exijam manipulações matemáticas complexas.

7 22 4 33

q5b considerar a necessidade dos alunos fazerem a coleta dos dados e como estes dados podem ser produzidos;

1 6 26 33

q6b considerar a necessidade de familiaridade com termos e idéias básicos da estatística descritiva, como média, moda, mediana, quartis, variância, desvio médio e desvio padrão;

2 7 23 33

q7b considerar a necessidade de familiaridade com termos e idéias básicos da representação gráfica e tabular, como freqüência absoluta e relativa, freqüência acumulada, gráfico de barras, colunas, de setor, histograma, ogiva, etc.;

1 12 19 33

q8b considerar a compreensão de noções básicas de probabilidade;

1 11 20 33

q9b considerar o estudo descritivo para a obtenção de inferências ou conclusões estatísticas.

3 14 14 33

Nota: (r1) corresponde a discordância total; (r2) concordância parcial e (r3) concordância plena.

Pode-se notar que, pelo menos no discurso, os professores concordam parcial ou plenamente com a necessidade de se trabalhar a estatística de forma contextualizada, concordam parcialmente com a não utilização de fórmulas (repetição do ensino tecnicista tradicional no trabalho com a estatística) e com a necessidade da familiaridade com termos e idéias da Estatística Descritiva, como mediana e quartis. No entanto, ao recolhermos os questionários, vários deles afirmaram, explicitamente, que não trabalham com tais conceitos, por não os conhecerem e não encontrarem material didático adequado para auxiliar no preparo e desenvolvimento de aulas sobre o tema.

O uso do software CHIC permitiu identificar relações entre respostas dadas, aprofundando nossa análise. O software agrupa as variáveis em categorias, segundo cálculos probabilísticos, mostrando comportamentos similares. Por exemplo, no agrupamento da ilustração 1, pode-se identificar

____________ 2 Estatísticas de ordem: mediana, quartis, decis, percentis.

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algumas relações no que se refere à opinião dos professores quanto às medidas separatrizes e seu papel no ensino e aprendizagem da Estatística.

Analisando a subclasse A3, observa-se, como característica deste grupo, a concordância parcial com itens que discutem a aprendizagem dos conceitos de base da Estatística Descritiva, tais como: a geração de situações de aprendizagem contextualizadas em temas que sejam de interesse do aluno

Ilustração 1. (q1br2), considerar a necessidade de familiaridade com termos subclasse A3 e idéias básicos da estatística descritiva, entre os quais mediana e quartis (q6br2), que deve considerar a necessidade de os alunos fazerem a coleta de dados e refletirem em como estes dados podem ser produzidos (q5br2), e a necessidade da familiaridade com termos e idéias básicos da representação tabular (q7br2). Os professores com mais de 50 anos de idade (7 em 33) são o que mais contribuíram para a identificação dos agrupamentos aqui obtidos, com risco de 0,204 e, como tal, são definidos no CHIC como variável típica do agrupamento. Entende-se como risco a probabilidade de se cometer um erro na afirmação feita.

Observa-se, assim, que estes professores podem, efetivamente, ser favoráveis ao trabalho com a estatística em suas aulas dentro de princípios que podem encaminhar para a filosofia da Análise Exploratória de Dados e permitindo ao aluno ocupar uma posição efetivamente de aprendiz ao invés de reproduzir técnicas apresentadas previamente.

Outro agrupamento importante indica que os professores que concordam plenamente em evitar o uso de fórmulas, também concordam plenamente com o emprego preferencial de estatísticas de ordem (mediana e quartis). O grupo que mais contribui nesse caso é aquele formado por professores com idades entre 41 e 50 anos (6 em 33), com risco de 0,169.

Dentre os tópicos relacionados à AED, as medidas de tendência central, em particular os quartis, foram selecionadas por dois motivos básicos. O primeiro deles refere-se à orientação dada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), que diz:

Para ampliar a análise dos alunos, levá-los a fazer resumos estatísticos e a interpretar resultados é fundamental que compreendam o significado e a importância das medidas de tendência central de uma pesquisa, ou seja, a média, a moda e a mediana. (PCN, 1997, p. 102, terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, Matemática)

A principal preocupação é a falta de material didático que, além de abordar o tema, (medidas de tendência central) também apresente “situações em que haja discrepâncias bastante acentuadas entre essas medidas para que os alunos possam refletir sobre qual é a mais significativa para expressar a tendência da maioria” (PCN, 1997, p. 102, terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, Matemática).

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O segundo, que motivou o enfoque nos quartis, refere-se à possibilidade de se trabalhar o conceito a partir de um mesmo algoritmo que permitirá ao aluno localizar e dar o significado, no caso de dados não agrupados em classes (LANGFORD, 2006). Esse autor cita a existência de doze métodos distintos para se determinar os quartis inferior e superior (no caso de dados não agrupados em classes), quando se trabalha em um curso de estatística elementar, sendo que a escolha depende do texto ou do instrumento (computador, calculadora) que se está utilizando.

A proposta, neste artigo, é a de apresentar uma definição didaticamente operacional de quartis, ou seja, que permita determinar uma estratégia para encontrá-los, que seja eficiente em qualquer situação (para qualquer tamanho de conjunto de dados) e acessível à compreensão dos estudantes desde as séries iniciais, independente do uso de materiais didáticos tais como calculadoras e planilhas eletrônicas. A que estamos propondo coincide com o Método 4, identificado por Langford (2006), como “exclusivo” e se aproxima daquela eleita pelo autor como “a que segue mais de perto a idéia de que o quartil inferior deixa 25% abaixo e 75% acima e analogamente para o quartil superior” (LANGFORD, 2006, p. 15, tradução nossa). Este método se baseia no estudo do resto da divisão do número de elementos no conjunto de dados por quatro. Na seqüência aprofundaremos essa idéia. Uma primeira abordagem para a mediana e quartis: contagem Em um primeiro momento, um problema que pode suscitar um procedimento autônomo do aluno na direção da construção do conceito de mediana e de quartis trata da organização dos dados de forma a que possam ser agrupados primeiramente em duas categorias com mesmo número de elementos, para depois agrupá-los em quatro categorias com mesmo número de elementos. Tais agrupamentos, quando se trabalha com um conjunto de não muitos dados, sem utilização de uma tabela de distribuição de freqüências, exigem do aluno apenas a ordenação de números naturais (supondo que se trabalhem com dados quantitativos discretos) e divisão em partes iguais. Tais conhecimentos são possíveis em alunos desde o segundo ciclo do Ensino Fundamental (9 anos de idade em diante). O uso da tabela de distribuição de freqüências fica para uma segunda etapa, visando à generalização da estratégia construída.

Um contexto bastante simples e ligado ao cotidiano do aluno nas séries iniciais é, por exemplo, identificar a quantidade de lápis de cor em um estojo (Tabela 4) ou o número de bolinhas de gude em um pacote, ou mesmo, o número de figurinhas colocadas em um álbum (o professor pode levantar os dados em sala de aula, com informações coletadas com seus alunos, sem necessidade de apresentar um conjunto já estabelecido).

Tabela 4. Quantidade de lápis de cor em um estojo Exemplo 1 5 6 7 8 9 10 11 12 Exemplo 2 5 6 7 8 9 10 11 12 13 Exemplo 3 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 Exemplo 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

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O primeiro problema proposto seria: qual a posição que deixa o mesmo número de elementos à direita e à esquerda na tabela? Qual o valor que ocupa essa posição? Em seguida, pede-se ao aluno que divida o grupo em quatro subgrupos com mesmo número de elementos em cada um Quais seriam os valores que limitariam essas novas categorias formadas?

Uma questão importante guiará a análise: qual o significado que se pode atribuir a estes valores quando se pensa em variação dos dados observados?

Perceba-se que nessa questão o aluno deverá identificar os cinco valores de base para a análise da variação em torno da mediana: valor mínimo, primeiro quartil, mediana, terceiro quartil e valor máximo.

Por simples contagem e estratégias de agrupamentos simples, o aluno identifica facilmente que, para o Exemplo 1, a posição está entre o quarto e o quinto elementos, enquanto que para o Exemplo 2, a posição é ocupada pelo quinto elemento. Assim, uma resposta esperada, sem que se configure um problema para o aluno, é que, no Exemplo 1, o elemento está entre 8 e 9, calculando-se, assim, a média aritmética entre esses dois termos, o que resulta 8,5. No Exemplo 2, a indicação do 9 como termo procurado é imediata; assim, sucessivamente, ele determina os valores procurados nos exemplos 3 e 4, atribuindo-lhes um significado. Perceba-se que, nestes exemplos, o aluno determina o valor mediano nos quatro conjuntos sem mesmo a necessidade de uma definição formal, que será feita apenas após a estabilização desse novo conceito. O aluno pode analisar que 50% dos elementos indicados no Exemplo 1 são menores do que 8,5, enquanto que 50% deles são superiores a 8,5, indicando uma primeira idéia da variação contida no conjunto estudado.

Analogamente, por contagem em cada um dos conjuntos, se fará a determinação do primeiro e terceiro quartis e dos valores máximo e mínimo observados, visando responder à questão colocada.

A introdução da tabela de distribuição de freqüências representa uma limitação ao método de contagem simples e cria assim, para o aluno, a necessidade de busca de uma estratégia mais eficiente, mais geral. O aluno passa, então, a pesquisar essa nova estratégia, não por vontade do professor, ou como uma tarefa de aula, mas por uma necessidade pessoal de resolver o problema proposto. Uma estratégia eficaz para a determinação da mediana e quartis Considere a Tabela 5, na qual se tem o número de pessoas que habitam na residência de cada aluno, em quatro turmas da escola.

A Tabela 5 pode ser proposta tal como a apresentamos, ou separadamente, ou seja, uma tabela para cada turma, dependendo do grau de familiaridade dos alunos com as tabelas de distribuição de freqüências. O uso inadequado pode mudar o foco da aprendizagem, deixando o estudo das medidas separatrizes em segundo plano, em relação ao da representação tabular.

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Tabela 5: Número de pessoas na residência de alunos das 5as séries, turmas A, B, C e D

Pessoas na mesma

residência

Turma A Turma B Turma C Turma D Freq Freq ac Freq Freq ac Freq Freq ac Freq Freq ac

3 5 5 2 2 3 3 5 5 4 13 18 8 10 5 8 10 15 5 10 28 10 20 8 16 16 31 6 5 33 13 33 14 30 10 41 7 3 36 8 41 8 38 2 43

TOTAL 36 41 38 43

Observe-se que, neste caso, a contagem para a realização dos agrupamentos é cognitivamente custosa e traz para o aluno a necessidade da busca de novas estratégias. Uma discussão comparativa com as análises da Tabela 4 permitirá, aos alunos, a percepção das regularidades na localização das medidas e sua associação com os restos da divisão por 4.

Assim, em cada um dos exemplos, vamos nos questionar sobre o resto da divisão do número de elementos analisados por 4 (queremos 4 subconjuntos de mesma quantidade de elementos). O objetivo é analisar o significado desse resto para a localização da mediana e dos quartis.

Na Turma A, tem-se 36 elementos, obtendo-se, na divisão de 36 por 4, nove e resto zero, ou seja, 9 elementos em cada um dos quatro subconjuntos pretendidos; assim o quartil inferior (Q1) é a média entre o 9º e 10º elementos, isto é, entre 4 e 4, donde, Q1= 4; a mediana (md ou Q2) é a média entre o 18º e 19º, conforme estudado anteriormente, ou seja, entre 4 e 5, donde, md= 4,5; o quartil superior (Q3) é média entre 27º e 28º, isto é, entre 5 e 5, donde, Q3= 5. Pode-se facilmente perceber que o fato de termos resto zero significa que todos os elementos serão agrupados em cada um dos quatro subconjuntos que se quer formar. Dessa forma o valor que limita esses subconjuntos não é um valor observado, mas calculado pela média aritmética entre o último elemento de um subconjunto e o primeiro elemento do subconjunto seguinte, e assim sucessivamente, justificando o interesse pelo resto da divisão por quatro. Cognitivamente, tal procedimento é de baixo custo para o aluno e exige apenas o conhecimento sobre ordenação e sobre divisão no conjunto dos números Naturais.

Na Turma B, tem-se 41 elementos, obtendo-se, na divisão de 41 por 4, 10 e resto um, ou seja, 10 elementos em cada um dos quatro subconjuntos pretendidos e sobra um elemento central que é a mediana, conforme estudado anteriormente, ou seja, a mediana ocupa a 21ª posição e vale 6; o Q1 é a média entre os elementos da 10ª e 11ª posições, isto é, entre 4 e 5, donde, Q1=4,5; o Q3 é a média entre o 31º e 32º elementos, isto é, entre 6 e 6, donde, Q3= 6. Para facilitar a determinação e compreensão, os alunos podem facilmente perceber que, excluída a mediana, os quartis representam a mediana dos dois subconjuntos obtidos.

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Na Turma C, tem-se 38 elementos, obtendo-se, na divisão de 38 por 4, 9 e resto dois, ou seja, 9 elementos em cada um dos quatro subconjuntos pretendidos e sobram dois elementos; como a mediana, conforme já estudado, é a média entre o 19º e 20º elementos, isto é, entre 6 e 6, ou seja, ela vale 6, os dois elementos que sobram serão os quartis inferior e superior, ou seja, Q1=5, o 10º elemento e Q3=6, o 29º elemento, que são as medianas dos dois subconjuntos obtidos com a divisão da mediana.

Na Turma D, tem-se 43 elementos, obtendo-se, na divisão de 43 por 4, 10 e resto três, ou seja, 10 elementos em cada um dos quatro subconjuntos pretendidos e sobram três elementos: um deles, o central (22ª posição) é a mediana como já estudado, ou seja, ela vale 5; os outros dois, elementos centrais em cada um dos outros dois subconjuntos obtidos com a divisão da mediana, serão os quartis inferior e superior, ou seja, Q1=4 (11ª posição) e Q3=6 (33ª posição).

Os conjuntos de dados das Tabelas 4 e 5 foram submetidos aos aplicativos Excel e SPSS e os resultados obtidos estão na Tabela 6.

Tabela 6. Valores da mediana e quartis superior e inferior obtidos em aplicativos

Observa-se que a abordagem dada no texto difere, em alguns casos, dos resultados obtidos com os dois aplicativos, justificando a diferença entre as concepções dos quartis inferior e superior que existem, citadas por Langford (2006). Obviamente tais diferenças aparecem, mais freqüentemente, quando não há coincidência de valores, como nos casos da Tabela 4; já para os habitantes por residência, em que há muita repetição, quase não há diferença (vide Tabela 6).

Os resultados do SPSS diferem daquele apresentado neste texto, por considerar, no caso de n ímpar, o valor mediano em cada subconjunto, para a obtenção dos quartis; tal método é identificado em Langford (2006) como sendo “inclusivo”, enquanto que o apresentado neste texto é identificado como “exclusivo”, pelo fato de não considerar o valor mediano, para a determinação dos quartis inferior e superior.

Em relação ao Excel, os valores dos quartis inferior e superior são determinados valendo-se dos percentis e com o uso de interpolação; assim, a

Turma EXCEL SPSS NOSSOQ1 4 4 4

A md 4,5 4,5 4,5 Q3 5 5 5 Q1 5 5 4,5 B md 6 6 6 Q3 6 6 6 Q1 5 5 5 C md 6 6 6 Q3 6 6 6 Q1 4 4 4 D md 5 5 5 Q3 6 6 6

Exemplo EXCEL SPSS NOSSOQ1 6,75 6,5 6,5

1 md 8,5 8,5 8,5 Q3 10,5 10,5 10,5 Q1 7 7 6,5 2 md 9 9 9 Q3 11 11 11,5 Q1 7,25 7 7 3 md 9,5 9,5 9,5 Q3 11,75 12 12 Q1 7,5 7,5 7 4 md 10 10 10 Q3 12,5 12,5 13

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posição ((n-1)0,25 +1), com interpolação, define o quartil inferior e a posição ((n-1)0,75+1), com interpolação, define o quartil superior; no Exemplo 1 da Tabela 1, obtém-se: ((8-1)0,25+1)=2,75 e, portanto o quartil inferior está entre o 2º e 3º elementos (6 e 7), com a interpolação de que ele está a ¾ do 2º e a ¼ do 3º, ou seja, ele vale 6,75, como mostra a Tabela 6.

Esse tipo de discussão com os alunos (é claro que a abordagem do Excel é bastante complexa, mas, a do SPSS é razoável e pode ser uma das estratégias sugeridas por eles mesmos) pode ser enriquecedor no processo de conceitualização, pois pode suscitar o debate sobre o que é um parâmetro e o que é um estimador desse parâmetro, assim como as conseqüências sobre os resultados das opções feitas para o cálculo.

O professor poderá propor discussões que favoreçam a institucionalização de que, sendo n o número de elementos do conjunto de dados, em que, pelas suas características, decidiu-se pelo tratamento não agrupado em classes, tem-se, na divisão de n por quatro, quatro restos possíveis: 0, 1, 2 e 3 (classes de restos módulo 3); em cada caso, a determinação da mediana e quartis inferior e superior segue o método correspondente ao exemplo apresentado, sendo necessária, no caso de muitos elementos no conjunto de dados, a determinação das freqüências acumuladas para a obtenção dos pretendidos valores que ocupam posições especificadas na série de Rol.

Uma análise dos valores obtidos no contexto das situações propostas permite que o professor avalie o significado dado à mediana e quartis pelos alunos. Sugere-se o uso do resumo dos cinco números ou o gráfico de caixa (bloxplot) (TUKEY, 1977, apud LANGFORD, 2006) que facilitam a análise dos valores obtidos. A Ilustração 2 exibe o boxplot do Exemplo 3, Tabela 4, deste texto.

exemplo 3

141210864

__ Em resumo, pode-se dizer que, no Exemplo 3, os valores que a variável

em estudo assume vão de 5 a 14, sendo que pelo menos 50% deles são menores que 9,5. Sabe-se, ainda, que pelo menos 25% dos valores mais altos assumidos pela variável são de 12 a 14. A simetria da representação indica a simetria dos valores da variável.

min Q1 md Q3 max

Ilustração 2. Gráfico bloxplot do Exemplo 3, obtido no SPSS

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Algumas considerações finais O diagnóstico apresentado evidencia que, embora despreparados para o ensino da Estatística, os professores pesquisados se mostraram favoráveis a novas estratégias de ensino, fundamentadas nos pressupostos da filosofia da Análise Exploratória de Dados, sugerida em Batanero, Estepa e Godino (1991).

As orientações curriculares para que o ensino da Estatística se inicie no Ensino Fundamental e a falta de material didático que possa auxiliar o professor na organização de suas aulas, tanto no que se refere ao conteúdo, quanto ao modo de desenvolvê-lo, evidencia a necessidade e importância de pesquisas na área.

Neste texto, apresentamos algumas idéias, relacionadas às medidas separatrizes: mediana e quartis, que podem esclarecer e sugerir organizações para o seu ensino de modo adequado para cada nível de escolaridade; as diferentes concepções, para a determinação dos quartis, precisam ser conhecidas para que o professor, ao propor o trabalho autônomo do aluno na construção de seu conhecimento, tenha elementos para orientar, de forma adequada, o processo de aprendizagem.

O uso de representações, como o bloxplot, pode auxiliar na atribuição de significado para as medidas separatrizes determinadas e na elaboração de uma análise fundamentada a respeito da variável em estudo, além de ser mais um elemento que pode auxiliar no estudo sobre a variabilidade de um conjunto de dados. Salientamos que o ensino destas medidas, assim como de outras da Estatística Descritiva, não deve ser limitado à sua determinação, mas, tão importante quanto, deve servir de subsídio para a obtenção de um discurso conclusivo a respeito da variável que o conjunto de dados representa. Referências BATANERO, C; ESTEPA, A.; GODINO, J. D. Análisis Exploratorio de Datos: sus Posibilidades en la Enseñanza Secundaria. Suma, n. 9, p. 25-31, 1991. Disponível em: <http://www.ugr.es/~batanero>. Acesso em: 14 dez. 2006. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais, Ensino Fundamental, 1997. COUTINHO, C.Q. S.; MIGUEL, M. I. R. Análise exploratória de dados: um estudo diagnóstico sobre concepções de professores. No prelo. 2007. LANGFORD, E. Quartiles in elementary statistics. Journal of Satatistics Education. v.3, n14, 2006. Disponível em: <http://www.amstat.org/publications/jse/jse_archive.html>. Acesso em: 28 maio 2007.