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1 A CONCEPÇÃO DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE EJA II, PRESENTE NOS PROJETOS PEDAGÓGICOS DAS ESCOLAS Julio Antonio Moreto Secretaria Municipal de Educação de Campinas Doutorando do Laboratório de Gestão Educacional-FE-UNICAMP No trabalho de há algum tempo com a escola pública, mais precisamente com a educação de uma grande parcela da sociedade que por muitas vezes se vê fora deste universo educacional, inclusive com sucessivas tentativas de aproximações fracassadas, chama a atenção a forma como os profissionais que ali trabalham lidam com o fracasso, o sucesso, a desistência, o “desaparecimento” o abandono dos alunos em relação aos estudos. No caso específico da EJA II, o que poderia dar conta de juntar novamente esses cidadãos e garantir permanência e sucesso na escola? De primeira, pelos anos de estudo, trabalho, olhando para essa escola, seria o Projeto Pedagógico o que poderia aglutinar as práticas, ações, intenções, frustrações, equívocos, o que deu certo, o que deu errado... Daí parte a intenção de falar sobre ele, mais especificamente, de usar esse projeto para falar sobre EJA II, mais especificamente, ainda, sobre a formação dos professores que trabalham com essa modalidade de ensino. O homem, premido pelo cotidiano das ações da modernidade, se vê frente a compromissos, urgências, necessidades, contingências... para os quais o planejamento ajudaria a organizar esses afazeres. Desta forma, a elaboração de um conjunto organizado de ações, sob uma determinada concepção do trabalho a ser realizado, também podendo ser denominado planejamento, faz parte de um todo maior que é o projeto de vida de cada cidadão. Inserida na contemporaneidade que marca de forma incisiva a relação que se estabelece entre homem - sociedade; a escola, ao se organizar para dar conta da sua função explicitamente: com a educação daqueles que a ela estão vinculados, também constrói o seu projeto; pois o coletivo dos profissionais que ali trabalham elaboram os seus planejamentos que por sua vez compõem o Projeto Pedagógico. Este trabalho pretende olhar para os Projetos Pedagógicos de escolas de EJA II, do Ensino Fundamental Municipal de Campinas com a finalidade de discutir a concepção de formação continuada de professores indicada nos referidos documentos, endereçando a análise para uma possibilidade de conceber os professores como portadores de conhecimentos para a transformação das condições e de como o trabalho docente é concebido e realizado (KUENZER, 2002 e OLIVEIRA, 2002), para uma possível politização dos alunos de EJA II que são trabalhadores, na intenção de

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A CONCEPÇÃO DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE EJA II, PRESENTE NOS PROJETOS PEDAGÓGICOS DAS ESCOLAS

Julio Antonio Moreto

Secretaria Municipal de Educação de Campinas Doutorando do Laboratório de Gestão Educacional-FE-UNICAMP

No trabalho de há algum tempo com a escola pública, mais precisamente com a

educação de uma grande parcela da sociedade que por muitas vezes se vê fora deste universo educacional, inclusive com sucessivas tentativas de aproximações fracassadas, chama a atenção a forma como os profissionais que ali trabalham lidam com o fracasso, o sucesso, a desistência, o “desaparecimento” o abandono dos alunos em relação aos estudos. No caso específico da EJA II, o que poderia dar conta de juntar novamente esses cidadãos e garantir permanência e sucesso na escola? De primeira, pelos anos de estudo, trabalho, olhando para essa escola, seria o Projeto Pedagógico o que poderia aglutinar as práticas, ações, intenções, frustrações, equívocos, o que deu certo, o que deu errado... Daí parte a intenção de falar sobre ele, mais especificamente, de usar esse projeto para falar sobre EJA II, mais especificamente, ainda, sobre a formação dos professores que trabalham com essa modalidade de ensino.

O homem, premido pelo cotidiano das ações da modernidade, se vê frente a compromissos, urgências, necessidades, contingências... para os quais o planejamento ajudaria a organizar esses afazeres. Desta forma, a elaboração de um conjunto organizado de ações, sob uma determinada concepção do trabalho a ser realizado, também podendo ser denominado planejamento, faz parte de um todo maior que é o projeto de vida de cada cidadão. Inserida na contemporaneidade que marca de forma incisiva a relação que se estabelece entre homem - sociedade; a escola, ao se organizar para dar conta da sua função explicitamente: com a educação daqueles que a ela estão vinculados, também constrói o seu projeto; pois o coletivo dos profissionais que ali trabalham elaboram os seus planejamentos que por sua vez compõem o Projeto Pedagógico. Este trabalho pretende olhar para os Projetos Pedagógicos de escolas de EJA II, do Ensino Fundamental Municipal de Campinas com a finalidade de discutir a concepção de formação continuada de professores indicada nos referidos documentos, endereçando a análise para uma possibilidade de conceber os professores como portadores de conhecimentos para a transformação das condições e de como o trabalho docente é concebido e realizado (KUENZER, 2002 e OLIVEIRA, 2002), para uma possível politização dos alunos de EJA II que são trabalhadores, na intenção de

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caminhar na contra-mão das marcas de uma concepção neoliberal das relações sociais de produção capitalista. A suposição inicial aqui feita é de que as discussões apontadas pelas autoras acima poderão não estar presentes nos Projetos Pedagógicos, por se tratarem de questões que em princípio fogem, ou melhor, extrapolam as discussões da didática e da metodologia, muito presentes nas escolas e por serem talvez concernentes às associações de classes e/ou organizações sindicais, todavia são discussões e análises necessárias para a “desfragmentação” social e a individualização vivenciadas neste início de século. A análise documental foi o método adotado, tendo sido construído o modelo de análise dos dados a partir de categorias como: a) explicitação da proposta de formação; b) relação dos temas tratados com o cotidiano do trabalho do professor; c) discussão do trabalho do professor da escola pública na sociedade atual; e e) propostas para enfrentamento da lógica da intensificação do trabalho, para dar conta do objeto pesquisado.

Com isto posto, o que fica então para a continuidade do relato deste trabalho será entender, ou melhor procurar pistas do que seja esse objeto pesquisado: o Projeto Pedagógico. Projeto Pedagógico

A palavra projeto não é recente na literatura educacional brasileira, está presente desde seu início, quando Anchieta veio para “ensinar” os nativos a escreverem. Ali havia um projeto explícito, inclusive escrito a ratio studiorum. Todavia a concepção de Pedagógico, e mais recentemente Político-Pedagógico, aparece por volta dos anos de 1970 e início de 1980, é o que pode-se observar das leituras de De ROSSI (2006), FREITAS (2002), ROMÃO (2000), VEIGA (2003), dentre outros. Enquanto um projeto que prevê ações para o seu desenvolvimento, na emancipação da escola das amarras de possíveis “pacotes” e “legislações” totalizadores, é imprescindível buscar mais pelo seu processo de construção, (VEIGA, 2003: 275), sempre realimentado a cada etapa (ano, semestre...), pelas expectativas daqueles que dão vida a esse trabalho, constituído de avanços, vitórias, retrocessos, equívocos: caminhadas. Na esteira dessa emancipação, o caráter político marca uma forma de conceber este documento que norteará as ações da escola, menos técnicas e mais voltadas para as questões dos alunos, dos profissionais, dos pais, rompendo inclusive com normas e prescrições pré-estabelecidas na forma de leis, decretos... (MONFREDINI, 2002: 45-6)1 1 A partir daqui, ao se referir a Projeto Pedagógico, será inserida a dimensão Político, sendo doravante denominado de Projeto Político Pedagógico (PPP).

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A emancipação que tem o caráter político, também esteve presente quando a Secretaria Municipal de Educação de Campinas, em 1990, indicou para as escolas o PPP como

“... construção e reconstrução coletiva, solidária, com autonomia e objetivos comuns. Significa unidade de idéias e de trabalho. Visa a integrar os diferentes segmentos da Unidade Educacional na busca de uma linha norteadora, para que, através das diversidades existentes, se consiga uma unidade de propósitos (sem que cada Unidade Educacional perca sua autonomia).”

Desta forma, agrega à concepção de emancipação e de caráter político, a autonomia da escola em estar construindo a sua proposta pedagógica, a partir de “diretrizes” , menos do que um pacote ou imposição.

Uma ação articulada com o espaço do entorno da escola (ROMÃO, op.cit.: 124) – o coletivo - aparece como mais uma concepção que agrega a até aqui apresentada, ampliando desta forma o processo de decisão sobre o que constará ou não deste Projeto que antes de ser Pedagógico é Político, no sentido de colaborar com a emancipação dos cidadãosdas suas condições de existência e trabalho, ao apontar para aqueles que fazem a escola “cidadã”.

Como documento escrito guarda, então, características, peculiaridades, de quem o elabora; este coletivo mais amplo do que os profissionais da escola. Neste aspecto, se constitui enquanto “... um texto com contexto e história e não mera declaração de princípios genéricos, estanques, nunca revisados.” (De ROSSI, op.cit.:60)[grifos da autora]. Isto significa que é histórico, porque produzido pelos homens que fazem a história do seu tempo, marcada pelas suas vivências, pelas suas certezas e pelas suas incertezas, mas que estão ali registradas enquanto seu patrimônio intelectual e cultural.

Assim, a emancipação, o político, a autonomia, o coletivo e a história, referem-se à construção de um PPP que poderá, caso tenha fôlego e persistência fazer frente à ofensiva hegemônica neoliberal, marcadamente afirmada, por exemplo, pelo modo como o “Banco Mundial chega ao interior das escolas públicas por meio de programas, projetos e planos elaborados por seus técnicos e conselheiros e endossados pelo Ministério da Educação...” (SILVA, 2003: 299), jogando forte no individualismo como a marca do empreendedorismo, na contramão de posições e concepções firmadas através do coletivo dos profissionais da educação pública. Este então, num breve retrospecto é o retrato do que seria o PPP, numa atitude prospectiva de avanço nas questões sociais, juntamente com as educacionais.

Desta forma, a partir daqui, no retorno ao objetivo primeiro deste trabalho e com a finalidade de buscar responder às inquietações colocadas no início, apontadas enquanto instigantes para a pesquisa, o próximo passo dirá do material pesquisado.

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O material pesquisado Para a constituição deste trabalho, tendo em vista sua abrangência, uma pesquisa que com fôlego não tão forte, mas incisiva nos seus resultados, dada a sua brevidade, por se tratar de um recorte dentro de uma outra de caráter mais abrangente que diz respeito ao doutoramento em andamento na Faculdade de Educação da Unicamp, foi eleita a análise documental, constituída pelos PPPs produzidos por um conjunto de escolas de uma das regiões da cidade de Campinas, entendendo que “A fonte escolhida depende necessariamente do objeto do estudo e da forma como foi definido, embora também das possibilidades materiais e, muito especialmente, da criatividade do pesquisador.” (LANG, 1999: 59), corroborando, assim, para a análise aqui empreendida. Os documentos coletados para este trabalho referem-se a um universo de quatro escolas, sendo duas Escolas Municipais de Ensino Fundamental (EMEF), localizadas na periferia da cidade, atendendo à educação básica de 1ª. a 8ª. série, além do segmento de EJA II; e dois Centros Municipais de Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos (CEMEFEJA), localizados na região central da cidade, atendendo exclusivamente alunos de EJA; escolas da Rede Municipal de Campinas. Um levantamento do número de PPPs destas escolas somou um total de dezoito documentos, abrangendo os anos de 2003 a 2007. Num primeiro momento, a categoria explicitação da proposta de formação,que daria conta de indicar se os documentos previam momentos para que houvesse a formação continuada dos professores, aparece na tabela I.

TABELA I – Relação ano e apresentação de propostas de formação continuada e professores nos PPPs

AnoNº PPP

existentes Com proposta de

formação continuada 2003 03 02 2004 04 01 2005 04 04 2006 04 04 2007 04 04

É possível perceber que de 2003 a 2005 houve um aumento de escolas que apresentaram uma proposta de formação continuada dos professores, o que se mantém em 2007. Nos projetos, grosso modo, encontram-se, além dos horários destinados aos momentos de formação continuada dos professores, também uma agenda de discussão, a do coletivo dos professores contendo os temas mais

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significativos para o trabalho, apesar de duas escolas apresentarem neste ano, apenas informações burocráticas acerca da formação continuada (como dia e horário das reuniões, talvez por entenderem que, como para 2007 foram solicitados somente os “adendos” ao PPP, não seriam necessárias outras informações). Há três hipóteses que podem contribuir para com esse aumento: o fato de que as equipes de profissionais, na sua grande maioria se manterem trabalhando nestas escolas, além da equipe gestora que pouco tem se modificado, ultimamente, a partir do concurso público, de 2002; o outro é que a que a Equipe Educativa do Naed, através de um trabalho realizado pelo Coordenador Pedagógico prosseguiu em um diálogo com as escolas, iniciado em 2001, no sentido de, após a leitura do PPP apontar para o coletivo dos profissionais destas escolas questões para serem pensadas no sentido primeiro de ampliar a ação do PPP, sem a imposição de modificações que não fossem assumidas por todos. Uma outra hipótese para esse aumento, diz respeito à garantia de horário previsto na jornada dos professores do município para reuniões com seus pares para a formação em serviço, pois as mudanças introduzidas no ofício de professor

“...exigem mais tempo de trabalho do professor, tempo este que, se não aumentado na sua jornada objetivamente, acaba se traduzindo numa intensificação do trabalho, que o obriga a responder a um número maior de atividades em menos tempo.” (OLIVEIRA, op.cit.:132).

Necessário se faz, desta forma, que sejam pensados momentos de trabalho em que o professor possa dar conta dos seus afazeres, inclusive sendo-lhe reservado um momento para a formação continuada.

Para os professores da SME de Campinas, há um tempo que varia de um total de 05 a 10 horas aulas, de acordo com a jornada para: Trabalho Docente Individual, Trabalho Docente Coletivo, Trabalho Docente de Preparação de Aula (Campinas, 2007: 29), além de 9 horas semanais “... para participação de projetos compatíveis com a atividade docente...” (Campinas, op.cit.:art.81). A reserva de um tempo para a formação, faz coro, desta forma, com

“... toda a produção mais avançada no campo da educação esteve e está voltada para a compreensão da profissão do educador, da complexidade das tarefas de organizar a escola, construir seu projeto coletivo e viabilizar os compromissos do Ensino Fundamental.” (FREITAS, apud BITTENCOURT, 2006: 69)

Este fato colabora para que os profissionais da educação tenham garantido momentos de pensarem e organizarem o seu trabalho; e também garantias de que isto será remunerado como deve ser remunerado o trabalho realizado por qualquer outro trabalhador, a fim de que este profissional possa, ao olhar parar o que faz, pensar possibilidades de se reconhecer enquanto portador de um conhecimento técnico e de compromisso político com a transformação, na contramão de um projeto que pode torná-lo “...subsumido pelo capital, tal como no toyotismo”. (KUENZER, op.cit.: 81).

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Ao olhar para a próxima categoria a da relação dos temas tratados com o cotidiano do trabalho do professor, é possível perceber que importa mais às escolas discutirem, de acordo com o que está apontado nos PPPs, questões relativas ao trabalho “escolar”, quer seja em relação à didática, à metodologia, ao conteúdo e à avaliação (ambos temas pedagógicos), presentes no ideário do professor e dos profissionais que coordenam a formação continuada, quando se deparam com a incumbência de dar conta da escolarização dos seus alunos, a fim de inclusive, quem sabe, responder às cobranças recorrentes sobre os altos índices de reprovação e da “baixa qualidade” a que todo momento a mídia expõe a escola pública. Parece ser de importância menor, pois não aparecem na agenda de discussão das escolas, a divisão do trabalho, as relação de produção do trabalho na sociedade contemporânea, haja vista que “a divisão do trabalho é agora um facto social que precisa ele mesmo de ser explicado e cuja configuração resulta da distribuição de papéis diferentemente valorizados pela sociedade.” (RODRIGUES, 2002: 132)

Uma discussão que também qualificaria o debate, em se tratando da pauta de formação continuada dos professores, contemplaria o fato de “... a atitude e as expectativas do professor podem ser mais determinantes sobre a aprendizagem e o rendimento do aluno do que o seu domínio da matéria ou das técnicas de ensino”. (TORRES, 2000: 162), uma vez que de nada adiantará um professor que se sinta imbuído de seus deveres profissionais, domina os conteúdos, os programas, etc., mas desconhece ou não discute as condições pelas quais as relações se estabelecem na contemporaneidade; não discute o que significa ser professor para esta sociedade que cobra uma “qualidade” que está a serviço de uma ordem social que preserva interesses individuais, econômicos, políticos ... As próximas categorias por serem resposta uma da outra, são apresentadas seguidas e dizem respeito: à discussão do trabalho do professor da escola pública na sociedade atual; e as propostas para enfrentamento da lógica da intensificação do trabalho

Para dar conta do objeto pesquisado, não foi possível encontrar referências a estas categorias nos PPPs, talvez porque o trabalho do professor, presente no imaginário e, muitas vezes nos manuais pedagógicos, diz do seu fazer enquanto aquele que dá aulas, que ensina. Então, a discussão do que é feito na escola, inclusive nas horas de formação continuada dos professores não seria, inclusive, a discussão da sua profissionalização. Pelo que é encontrado na literatura,, as escolas optam por discutir o trabalho deste profissional, muitas vezes como alguém com um fazer que não se constituí enquanto profissão, pois o magistério guarda ainda muito da concepção de “sacerdócio”, “animador”, “facilitador”, “mediador”, haja vista discurso recorrente, inclusive encontrado em literatura especializada.

A partir da década de 1980 os professores imprimem uma discussão nacional do estatuto da sua profissão, quando se afirmam enquanto trabalhador, por conseguinte

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enquanto profissional da escola pública que têm direitos,, além de deveres para com a sociedade (ANDRADE, op.cit.), pois “... não é possível continuar afirmando, em definitivo, que se pode melhorar a qualidade da educação sem melhorar substancialmente a qualidade dos docentes, o que por sua vez leva a reconhecer o quanto é inseparável a qualidade profissional da qualidade de vida.” (TORRES, op. cit.: 167) Assim, se a escola não discute, ou se discute, não o faz no sentido de titular esse profissional; deixam de aparecer, também, propostas para o enfrentamento desta lógica da intensificação do trabalho, por exemplo em relação à jornada dupla e por vezes tripla; à precarização das relação de trabalho, haja vista a formação das cooperativas de professores, com os trabalhos terceirizados. (BITTENCOURT, op.cit.: 71).

Endereçando a discussão para o caso da relação de professores trabalhadores que ensinam, educam, fazem o trabalho educacional com os alunos que são trabalhadores, ou que premidos pelas relações de trabalho, procuram por postos de trabalho, é possível tomar emprestado de TANGUY (1997) um conceito de formação, para os PPPs que em seus eixos2, em relação à EJA, dizem de uma educação para e além de

“... ações que visam à transmissão de conhecimentos gerais ou especializados (no seio de instituições de estatutos diversos, de formação inicial ou contínua) mas também um conjunto de ações de orientação (operacionalizadas por meio de dispositivos apropriados) e de integração no meio social ...” (TANGUY, 390:1997)

como se quisessem com isso demarcar seus espaços dentro de uma educação que já excluiu por vezes seus alunos, construiu histórias de multi-repetências; todavia não olham, ou melhor se esquecem de olhar para os professores que são trabalhadores, que trabalham com trabalhadores: os seus alunos, que muitas vezes são expropriados do mundo do trabalho e de seus direitos trabalhistas. Em agindo assim, os professores estarão confirmando e colaborando para uma possível despolitização dos quadros do magistério que, por conseguinte, em tese, não conseguiriam (como professores que fazem educação pública) politizar os trabalhadores: seus alunos, quando não vêem como importante as discussões apontadas para a agenda dos momentos de formação continuada dos professores nas escolas públicas.

Com essas análises, o desfecho do trabalho está se aproximando, constituindo em uma sinalização possível à questão ou às indagações aqui colocadas.

2 Eixo é uma das partes intituladas pelas escolas do PPP, diz respeito ao tema que será tratado pelo coletivo da escola durante aquele ano ou um período maior de tempo; para onde convergirão todas as ações.

A questão da despolitização do trabalhador não cabe somente à escola e aos professo-res a responsabilidade, sendo que esta discussão passa por outros setores da socieda-de (associações profissionais, sindicatos ...); mas à escola cabe a responsabilidade de ensinar a partir de uma concepção que humanize e politize aqueles que ali se encontram.

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Considerações finais Ao apresentar este trabalho num encontro que discute Educação de Jovens e Adultos, as questões que dizem respeito à formação continuada dos profissionais da educação, no caso os professores, que trabalham com os trabalhadores necessita ser revista, caso seja almejado um PPP que guarde em si a possibilidade da emancipação, do político, da autonomia, da coletivo e da história. Um Projeto que apresente a formação em questão alicerçada na discussão do que significa ser professor da escola pública contemporânea, que se constitui enquanto trabalhador e, como tal, como profissional. Buscar pela qualidade da educação pública é enfrentar as artimanhas e as armadilhas, pois “No mundo há muitas ARMADILHAS e é preciso quebrá-las”3 colocadas por concepções como professor competente, professor empreendedor, professor qualificado, professor nota 10, ... professor ... professor ... professor ... , que tem no coletivo destes profissionais dentro da escola uma arma contra o descrédito da profissão, a favor da profissionalização da profissão docente, que são os momentos de formação continuada, as reuniões em que o coletivo dos profissionais, trabalhadores da educação estão, com seus pares, para planejarem ações que façam sentido ao PPP construído na contramão das ações de desmonte da escola pública contemporânea. É possível que se a pesquisa tivesse fôlego para enveredar por outros caminhos, por exemplo de olhar para as Avaliações Semestrais dos PPPs, as atas das reuniões dos momentos de formação dos professores, o resultado poderia ser mais abrangente, talvez com respostas mais plausíveis para as questões colocadas, contudo esta, então, é uma primeira aproximação da temática, necessitando de outros cotejos. Assim são estas iniciais possibilidades de olhar para a formação continuada dos professores de EJA II, para os PPPs, enquanto articuladores dos momentos de formação e para os profissionais da educação, principalmente os professores, enquanto portadores de um fazer que é específico, pois lhe é dado pelo magistério e não porque são ou deixam de ser “amigos da escola”, ou “voluntários”, por exemplo, na escola da família. Referências Bibliográficas BITTENCOURT, Agueda Bernardete. “Sobre o que falam as coisas lá fora: formação

continuada dos profissionais da educação.” In: FERREIRA, Naura Syria Crapeto (org.) Formação continuada e gestão da educação. 2ª. Ed. São Paulo: Cortez, 2006 p.65-93

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3 Folder do 16º Congresso de Leitura do Brasil.

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