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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADELINE BEATRIZ COUTO
MONOGRAFIA RESPONSABILIDADE CIVIL NOS
CONTRATOS DE FRETAMENTO E DE TRANSPORTE MARÍTIMO EVIDENCIADO PELO CONHECIMENTO DE EMBARQUE PERANTE A LEGISLAÇÃO NACIONAL
ITAJAÍ 2009
1
ADELINE BEATRIZ COUTO
MONOGRAFIA RESPONSABILIDADE CIVIL NOS
CONTRATOS DE FRETAMENTO E DE TRANSPORTE MARÍTIMO EVIDENCIADO PELO CONHECIMENTO DE EMBARQUE PERANTE A LEGISLAÇÃO NACIONAL
Monografia desenvolvida para o Estágio Supervisionado do Curso de Comércio Exterior do Centro de Ciências Sociais Aplicadas - Gestão da Universidade do Vale do Itajaí.
Orientador: Bruno Tussi, LL.M. (IMLI)
ITAJAÍ 2009
Agradeço a Deus pela vida, e por ter me dado forças nesta jornada, aos meus familiares e amigos, que compreenderam todas as vezes em que estive ausente, ao meu orientador, Bruno Tussi, por seu infinito apoio e paciência ao longo deste trabalho, enfim, agradeço a todos que de alguma forma se tornaram fundamentais em minha vida.
“É preferível suportar os males que temos do que voar para aqueles que
não conhecemos”. William Shakespeare
EQUIPE TÉCNICA
a) Nome do estagiário Adeline Beatriz Couto b) Área de estágio Direito Marítimo c) Orientador de conteúdo Prof. Bruno Tussi, LL.M. (IMLI) e) Responsável pelo Estágio Profª. Natalí Nascimento
RESUMO
A responsabilidade civil que decorre do contrato de fretamento e do contrato de transporte marítimo evidenciado pelo conhecimento de embarque, foi apresentada por meio qualitativo, ou seja, a coleta de dados foi feita por meio bibliográfico e o conteúdo será disposto por textos explicativos. Relatando os motivos pelo qual o contrato de fretamento é realizado, e apresentando seu instrumento de contrato e a natureza jurídica, assim como as principais espécies de contrato de fretamento existentes. Outro contrato demonstrado é o contrato de transporte marítimo evidenciado pelo conhecimento de embarque, cabendo uma análise especifica sobre o conhecimento de embarque, suas formas de emissão e finalidades. No inadimplemento dos contratos de fretamento e contrato de transporte, surge a responsabilidade civil para responsabilizar o causador do dano, ou ainda apontar as hipóteses excludente de responsabilidade civil, cabendo desta forma, uma análise específica do caso. Palavras-chave: Responsabilidade civil. Contrato de fretamento. Contrato de transporte marítimo.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................8 1.1 Objetivo geral ................................................................................................9 1.2 Objetivos específicos ....................................................................................9 1.3 Justificativa ...................................................................................................9 1.4 Abordagem geral do problema....................................................................10 1.5 Questões específicas..................................................................................10 1.6 Pressupostos ..............................................................................................11
2 METODOLOGIA ................................................................................................12 2.1 Tipo de pesquisa.........................................................................................12 2.2 Área de abrangência...................................................................................13 2.3 Coleta e tratamento dos dados ...................................................................13 2.4 Apresentação e análise dos dados .............................................................13
3 CONTRATO DE FRETAMENTO .......................................................................14 3.1 Instrumento do contrato de fretamento: carta-partida .................................15 3.2 Natureza jurídica da carta-partida...............................................................15 3.3 Gestão náutica e gestão comercial relativas ao contrato de fretamento.....17 3.4 Espécies de carta-partida ...........................................................................19
3.4.1 Fretamento a casco nu: seu conceito e obrigações.............................19 3.4.1.1 Da obrigação do fretador ..............................................................20 3.4.1.2 Das obrigações do afretador.........................................................20
3.4.2 Fretamento por tempo: seu conceito e obrigações ..............................21 3.4.2.1 Das obrigações do fretador...........................................................22 3.4.2.2 Das obrigações do afretador.........................................................23
3.4.3 Fretamento por viagem: seu conceito e obrigações ............................23 3.4.3.1 Das obrigações do fretador...........................................................24 3.4.3.2 Das obrigações do afretador.........................................................25
4 CONTRATO DE TRANSPORTE MARÍTIMO.....................................................26 4.1 Conhecimento de embarque marítimo........................................................26
4.1.1 Emissão ...............................................................................................27 4.1.1.1 Nota de reserva (booking note) ....................................................28 4.1.1.2 Mate’s receipt e dock’s receipt......................................................28
4.1.2 Espécies de conhecimento de embarque ............................................29 4.1.2.1 Nominativo não à ordem (sea way bill) .........................................29 4.1.2.2 Conhecimento de embarque nominal ...........................................30 4.1.2.3 Conhecimento de embarque ao portador .....................................31
4.1.3 Funções do conhecimento de embarque.............................................31 4.1.3.1 O conhecimento de embarque como evidência escrita da existência do contrato de transporte...............................................................32 4.1.3.2 O conhecimento de embarque como recibo de entrega da mercadoria......................................................................................................32 4.1.3.3 O conhecimento de embarque como título de propriedade da mercadoria......................................................................................................33
5 RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CONTRATOS DE FRETAMENTO E DE TRANSPORTE EVIDENCIADO PELO CONHECIMENTO DE EMBARQUE PERANTE A LEGISLAÇÃO NACIONAL ...................................................................35
5.1 Responsabilidade civil contratual e extracontratual ....................................36
5.2 Responsabilidade civil contratual atinente ao contrato de fretamento ........37 5.2.1 Responsabilidade civil perante terceiros..............................................38
5.3 Responsabilidade civil contratual decorrente do contrato de transporte marítimo.................................................................................................................40
5.3.1 Da identificação do transportador ........................................................40 5.3.2 Responsabilidade civil do transportador pelas perdas e avarias nas cargas 42 5.3.3 Responsabilidade civil do transportador por atrasos ...........................43 5.3.4 Cláusulas de limitação de responsabilidade ........................................44 5.3.5 Excludentes de responsabilidade civil do transportador marítimo .......45
5.3.5.1 Ausência de nexo causal e culpa exclusiva..................................45 5.3.5.2 Caso fortuito ou força maior..........................................................46 5.3.5.3 Vício próprio e vício redibitório......................................................48
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................50 REFERÊNCIAS.........................................................................................................51 ASSINATURA DOS RESPONSÁVEIS......................................................................53
1 INTRODUÇÃO
Os contratos de fretamento e de transporte marítimo evidenciado pelo
conhecimento de embarque são distintos contratos de utilização do navio. Enquanto
o primeiro, visa a exploração do navio ou de seus serviços, o segundo, contempla
apenas o transporte de cargas e de pessoas por água.
Considerando a destinação econômica do navio, se evidencia o navio como
elemento técnico da navegação, como o instrumental econômico na atividade
marítima, seja na empresa de navegação ou seja na empresa de transporte.
Logo, o seu emprego na indústria da navegação torna-o sujeito à riscos nas
variadas formas, seja em relação ao próprio navio, em relação à carga ou pessoas
transportadas, ou ainda, em relação à terceiros.
Ao tornar-se estes riscos em danos concretos, como avarias ou perdas, tem-
se inicialmente a preocupação em identificar o agente causador do dano, para que
este possa repará-lo da forma mas justa possível.
Neste momento, o Direito Brasileiro atua como regulador das
responsabilidades ou possíveis excludentes de responsabilidade decorrente dos
danos causados.
Tendo em vista a preocupação em responsabilizar àquele que causou o dano,
com este trabalho, pretende-se analisar a responsabilidade civil decorrente da
inadimplência do contrato de fretamento e contrato de transporte de mercadorias.
Na monografia, constarão informações sobre os conceitos de contrato de
fretamento e contrato de transporte marítimo evidenciado pelo conhecimento de
embarque, destacando suas principais espécies, e definindo, por fim, a
responsabilidade civil decorrente de danos, avarias ou perdas de acordo com cada
contrato, bem como as hipóteses de exclusão da responsabilidade civil.
1.1 Objetivo geral
Apresentar a responsabilidade civil atinente ao contrato de fretamento e
contrato de transporte evidenciado pelo conhecimento de embarque, perante a
legislação brasileira.
1.2 Objetivos específicos
Os objetivos específicos são:
• apresentar as espécies de contratos de fretamento marítimo e respectivas
obrigações entre as partes contratantes;
• descrever as funções do conhecimento de embarque, como evidência do
contrato de transporte;
• relatar a responsabilidade civil atinte ao contrato de fretamento e contrato de
transporte perante a legislação brasileira.
1.3 Justificativa
O transporte marítimo de mercadorias, seja por meio de contrato de
fretamento ou contrato de transporte, envolve de uma parte, a retribuição pelo
serviço ou transporte, e de outra parte, a disponibilização do navio ou seus serviços,
ou ainda o transporte.
Contratualmente, os envolvidos no contrato possuem responsabilidades
específicas em relação ao transporte das mercadorias, e ainda, perante terceiros,
devendo sempre responder por seus atos que ocasionem danos a algo ou à alguem.
Justifica-se por esta pesquisa a importância da análise da responsabilidade
civil decorrente do contrato de fretamento, e do contrato de transporte evidenciado
pelo conhecimento de embarque.
A realização da pesquisa será viável devido a ampla quantidade de material,
no que diz respeito à livros, artigos, sites e abrangência existente acerca do assunto
deste trabalho.
A pesquisa é relevante, tanto para os acadêmicos do Curso de Comércio
Exterior, quanto para aquele que o desenvolve, por ampliar seus conhecimentos e
obter uma visão aprofundada sobre o tema.
1.4 Abordagem geral do problema
O transporte de mercadorias efetuado através de contrato de fretamento ou
contrato de transporte está sempre sujeito à riscos e possíveis danos às
mercadorias, seja por culpa do transportar ou de terceiros.
A identificação e responsabilização do causador dos danos encontra amparo
na legislaçao brasileira, a fim de garantir que o agente causador do dano seja
responsabilizado por seus atos.
Desta forma, serão abordados neste trabalho as principais responsabilidades
civil decorrente do contrato de fretamento e do contrato de transporte marítimo
evidenciado pelo conhecimento de embarque.
1.5 Questões específicas
As questões específicas que norteiam este trabalho são:
• Quais as principais espécies de contratos de fretamento marítimo
existentes?
• Quais as principais funções do conhecimento de embarque marítimo?
• Como surge a responsabilidade civil nos contratos de fretamento e de
transporte marítimo evidenciado pelo conhecimento de embarque?
1.6 Pressupostos
Os pressupostos que respondem às questões específicas são:
• O contrato de fretamento marítimo abrange três espécies principais:
fretamento a casco nu, fretamento por tempo e fretamento por viagem.
A maior diferenciação das espécies está relacionada a gestão náutica
e a gestão comercial do navio. No contrato a casco nu, o fretador
disponibiliza o navio ao afretador, sem estar armado e equipado para
fins de navegação marítima, atribuindo ao afretador a responsabilidade
pela gestão náutica e gestão comercial do navio. No contrato por
tempo, o fretador disponibiliza os serviços do navio ao afretador,
totalmente armado e equipado, sendo que a gestão náutica permanece
com o fretador, enquanto a gestão comercial passa para o afretador.
No contrato por viagem, o fretador disponibiliza o navio ou seus
serviços para a realização de uma ou mais viagens pré-estabelecidas,
onde a gestão náutica e a gestão comercial permanecem com o
fretador.
• As principais funções do conhecimento de embarque marítimo são:
evidenciar a existência de um contrato de transporte marítimo entre a
companhia marítima e o embarcador, poder ser utilizado como recibo
de entrega da carga ao transportador e representar um título de
propriedade da mercadoria, podendo ser transferível e negociável.
• A responsabilidade civil surge no momento em que é configurado o
inadimplemento contratual, ocorrendo principalmente, no que diz
respeito ao transporte marítimo, de avarias ou perdas das cargas
confiadas para o transporte.
2 METODOLOGIA
Este capítulo indicará a metodologia utilizada no desenvolvimento da
monografia, bem como os aspectos relacionados à caracterização do projeto e sua
área de abrangência.
2.1 Tipo de pesquisa
Para o desenvolvimento deste traballho, o método utilizado foi de caráter
qualitativo, pois “na pesquisa qualitativa a preocupação do pesquisador não é com a
representatividade numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da
compreensão de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma
trajetória etc”. (GOLDENBERG 2000, p. 14).
Em relação aos meios de investigação, a pesquisa foi do tipo bibliográfica.
Segundo Gil (1987, p. 44), “Trata-se de levantamento de toda a bibliografia já
publicada, em forma de livros, revistas, publicações avulsas e impresa e artigos
científicos”.
Quando aos fins, foi utilizado o método explicativo, expondo as características
de um determinado procedimento. Na visão de Mattar (2001), a pesquisa descritiva
agrupa uma série de pesquisas cujos processos apresentam importantes
características em comum. Diferentemente do que ocorre na pesquisa exploratória,
a elaboração das questões de pesquisa pressupõe profundo conhecimento do
problema a ser estudado. O pesquisador precisa saber examente o que pretende
com a pesquisa, isto é, quem ou o que deseja medir, quando e onde fará, como o
fará e por que deverá fazê-lo.
2.2 Área de abrangência
A pesquisa foi realizada na área de Comércio Exterior, mas especificamente
na área de Direito Marítimo.
2.3 Coleta e tratamento dos dados
Os dados utilizados para esta pesquisa foram extraídos de fontes
secundárias, por meio de bibliografias, artigos, livros e sites da internet.
2.4 Apresentação e análise dos dados
As informações geradas da coleta de dados, que correspondem aos
objetivos, questões específicas e pressupostos, foram apresentados em forma de
textos descritivos e conclusivos, a fim de facilitar a compreensão dos leitores.
3 CONTRATO DE FRETAMENTO
No contrato de fretamento, uma das partes contratantes, o fretador,
disponibiliza o navio ou parte dele a outra parte contratante, denominado afretador,
para fins de navegação marítima.
Martins (2008) sustenta, que o elemento fundamental dos contratos de
fretamento é a exploração comercial e a utilização do navio inclusive para o
transporte de mercadorias ou pessoas pelo mar, e que o fretamento contempla em
segundo plano, e não como consequência obrigatória o transporte. Com efeito, o
fretamento visa a utilização dos serviços do navio e não o transporte propriamente
dito.
Diante de tais entendimentos, é importante ressaltar, que um contrato de
fretamento pode ser realizado por diversos motivos. Pode ser realizado por um
exportador ou importador em decorrência da falta de navio de linha regular para o
transporte da carga, falta de espaço neste mesmo navio ou vantagem em relação ao
frete, dentre outros aspectos.
Por derradeiro, o contrato de fretamento permite aos empresários da navegação obter no mercado não regular os navios apropriados aos seus propósitos comerciais, sejam estes de realizar o transporte de cargas próprias ou de terceiros. (MARTINS, 2008, p. 145).
Nesse sentido, um navio pode ser afretado por um armador para
complementação de sua frota, ou por um armador que deseja utilizar
comercialmente um navio mas não pretende investir um alto custo na sua compra.
Já Gibertoni (2005), entende que um contrato de fretamento também pode ser
utilizado por um armador em decorrência de um acidente com um de seus navios,
afretando outro em substituição ao avariado.
Por fim, diante das diversas razões pelo qual um contrato de fretamento é
realizado, a seguir será apresentado o instrumento pelo qual se evidenciam os
contratos de fretamento, sua natureza jurídica, bem como as espécies de contratos
existentes e consequente obrigações entre as partes.
3.1 Instrumento do contrato de fretamento: carta-partida
O instrumento pelo qual se evidencia um contrato de fretamento é a carta-
partida. A expressão carta-partida surgiu na Idade Média, quando os contratos de
fretamento eram redigidos em apenas um pedaço de papel e posteriormente
divididos ao meio, de alto a baixo, ficando uma parte do contrato com o fretador e
outra com o afretador.
Segundo Gibertoni (2005), a justaposição e o confronto das duas partes era o
meio de se averiguar, mais tarde, a autenticidade do título e o que se houvera
ajustado.
Na carta-partida são estabelecidas as relações jurídicas entre fretador e
afretador, ou seja, nela são mencionados todos os detalhes acertados entre as
partes, como: nome do navio; valor e forma de pagamento; prazos de vigência do
contrato; penalidades por atrasos; obrigações das partes e outras informações.
(GOMES, 1978).
Na visão de Martins (2008, p. 156), a “carta-partida é o instrumento por
excelência que comprova o contrato de fretamento firmado entre as duas partes
principais do contrato de fretamento: fretador e afretador”.
A carta-partida, portanto é, o documento que evidencia a existência de um
contrato de fretamento, e nela são estabelecidos os termos e as condições
contratuais acordadas.
3.2 Natureza jurídica da carta-partida
Existem quatro correntes de doutrinas que se destacam e definem a natureza
jurídica dos contratos de fretamento.
A primeira doutrina caracteriza o contrato de fretamento como contrato de
transporte, pois tem como obrigação o transporte de coisa.
Nesta doutrina, na opinião de Fernandes e Leitão (2007), enquadram-se os
contratos de fretamento por viagem, pois o fretador tem a obrigação de transportar a
mercadoria de um porto a outro mediante retribuição.
[…] em relação aos afretamentos por viagem, […] estes contratos são uma espécie do gênero contrato de transporte, tendo-se a espécie a mesma natureza do gênero. (FERNANDES; LEITÃO, 2007, p. 36).
Os autores desta corrente afirmam, que o objetivo nesta modalidade de
fretamento é apenas o transporte, diferente do fretamento a casco nu que visa o uso
total do navio, e do fretamento por tempo que visa a utilização dos serviços do navio
para a realização de uma viagem, e não o transporte da mercadoria.
Na segunda corrente, Lanari (1999) e Gibertoni (2005) defendem que o
fretamento apresenta certas características que o aproximam do contrato de
transporte, contrato de locação e contrato de prestação de serviços.
Para Gibertoni (2005), não há diferenciação entre contrato de fretamento e
contrato de transporte, mantendo o mesmo entendimento dos autores da primeira
doutrina, porém ela enquadra todas as modalidades de fretamento como contratos
de locação do navio.
A terceira corrente sustenta que o contrato de fretamento seria um negócio
misto de locação de coisa e prestação de serviços.
Segundo Martins (2008), muitos autores1 enquadram o contrato de fretamento
por tempo nesta corrente doutrinária, por defenderem que há uma natureza mista de
locação de coisa e prestação de serviços nesta espécie de contrato.
A quarta doutrina defende que o contrato de fretamento é autônomo, e que
não há ligação entre contrato de transporte e contrato de fretamento, conforme
Martins (2008).
No contrato de transporte a obrigação do contratado é efetuar uma operação
de transporte, ou seja, movimentar algo ou alguém de um ponto a outro, diverso
daquele existente no contrato de fretamento, que, por sua vez, impõe ao fretador a
obrigação de disponibilizar a embarcação ou o seu serviço, independente da sua
utilização para o transporte.
Levando-se em consideração que o direito marítimo é um ramo do direito
autônomo e possui características, peculiaridades e princípios diversos dos demais 1 Anjos e Gomes (1992); Sampaio de Lacerda (1984); Azeredo Santos (1968); Filho (1990).
ramos, não há como se filiar a uma doutrina diversa daquela defendida por Martins2,
ou seja, de que o fretamento marítimo possui natureza jurídica própria e autônoma,
diversa do mero transporte, locação ou prestação de serviço.
3.3 Gestão náutica e gestão comercial relativas ao contrato de fretamento
Para melhor entendimento das espécies de contrato de fretamento, é
necessário dividir a gestão de um navio em gestão náutica e gestão comercial,
distinguindo as responsabilidades relativas ao fretador e afretador de acordo com
cada espécie de contrato.
De acordo com Gibertoni (2005), a gestão náutica diz respeito à navegação
em geral, referindo-se ao equipamento e armação do navio, manutenção,
conservação, custos de reparos, seguros, salários da tripulação e outros.
Anjos e Gomes (1992, p. 189), afirmam que, a gestão náutica se subdivide
em gestão náutica administrativa e gestão náutica propriamente dita.
A gestão administrativa se ocupa dos cuidados com o casco, máquinas e aparelhos do navio, seu aprovisionamento, equipagem, etc. A gestão náutica propriamente dita, refere-se à navegação, estabilidade, manobra do navio e aparelhos, etc.
Enquanto a gestão náutica diz respeito ao equipamento e armação em geral
do navio, a gestão comercial diz respeito aos assuntos referente às cargas. Nela, “se
insere o aprovisionamento da máquina, operações relativas ao carregamento e
descarga, despesas de escala e de portos”. (MARTINS, 2008, p. 148).
Destaca-se, ainda, que a gestão comercial engloba os assuntos relativos à
carga e ao frete, isto é, fechamento de novos contratos, conclusão dos contratos,
relacionamento com corretores e outros.
2 Reitera-se que a autora sustenta a autonomia do contrato de fretamento, independente de sua modalidade, afirmando que “em seara de contratos marítimos, tal visão engendra diferenciação entre contrato de transporte e contrato de fretamento e resvala-se na pressuposição básica de que o contrato de transporte diz respeito apenas ao transporte de mercadorias pelo mar. O contrato de fretamento diz respeito a operacionalização do navio, ao uso do navio”. (MARTINS, 2008, p. 141).
Para fins didáticos, apresenta-se a seguinte tabela, com o intuito de auxiliar
na compreensão da distinção das responsabilidades decorrentes da gestão náutica
e gestão comercial do navio, de acordo com cada espécie de contrato.
Tabela 1: Distinção das responsabilidades decorrentes da gestão náutica e gestão comercial
do navio, de acordo com cada espécie de contrato.
Contrato de Fretamento Gestão náutica Gestão comercial
por viagem fretador fretador
por tempo fretador afretador
a casco nu afretador afretador
Fonte: Elaboração própria
Da análise da tabela, percebe-se, claramente, a função de cada parte
envolvida no contrato de fretamento marítimo, podendo-se, ainda, afirmar quem será
o responsável pela gestão náutica e comercial da embarcação durante o tempo de
vigência de cada espécie de contrato.
Desta forma, é correto afirmar que o fretador assume a gestão náutica
completa no fretamento por viagem e por tempo, não permitindo ao afretador que
tome qualquer decisão quando o assunto é a armação e navegabilidade do navio.
Por sua vez, a gestão comercial é sempre bem definida nos dois tipos de
contratos acima descritos, recaindo na esfera do afretador apenas no caso do
fretamento por tempo.
Quando o assunto é fretamento a casco nu, tanto a gestão náutica como a
comercial estão sob responsabilidade do afretador, até porque, neste tipo de
contrato, o afretador assume a posse e o controle da embarcação, tornando-se,
perante terceiros, o armador do navio.
Assim, a análise do contrato realizado entre as partes é fundamental para
estipulação da responsabilidade do fretador e afretador em cada caso concreto que
se apresente, devendo-se estar atento sempre para as obrigações assumidas por
cada um deles ao contratar o serviço.
Finalmente, estando bem definidas as responsabilidades decorrentes da
gestão de exploração de um navio, o estudo das espécies poderá ser iniciado.
3.4 Espécies de carta-partida
Os contratos de fretamento abrangem três espécies principais: fretamento a
casco nu (bareboat charter party), fretamento por tempo (time charter party) e
fretamento por viagem (voyage charter).
3.4.1 Fretamento a casco nu: seu conceito e obrigações
No contrato de fretamento a casco nu (bareboat charter party ou demise
charter party), o afretador tem a posse, o uso e o controle total do navio por um
prazo determinado, contra o pagamento de uma prestação denominada hire.
Nos contratos de afretamento a casco nu, o fretador, obriga-se a disponibilizar o navio, sem estar armado e equipado, ao afretador mediante o pagamento de uma retribuição (hire) pagável em intervalos determinados durante o período do contrato. (MARTINS, 2008, p. 208).
O traço predominante nesta modalidade de contrato é o controle da
embarcação pelo afretador, pois é ele quem arma, provisiona, fornece a equipagem
define o capitão e demais tripulação, paga o combustível e os reparos necessários a
embarcação.
Destarte, a gestão náutica e gestão comercial são de responsabilidade do
afretador, que assumirá, por conseguinte, a responsabilidade por tudo o que ocorrer
dentro do navio, seja em relação à carga, ao maquinário, equipamentos ou à
tripulação. (GIBERTONI, 2005).
A esse respeito, afirma Martins (2008), que como o controle total do navio fica
por conta do afretador, em casos de acidentes ou qualquer dano causado a
terceiros, o afretador é o único responsável pelo navio, não podendo o fretador ser
responsabilizado por qualquer dano ou ato do afretador.
Há que se analisar, por oportuno, a diferenciação entre bareboat charter party
e demise charter party. No demise charter party o fretador poderá nomear o
comandante e o chefe de máquinas, porém, estes serão contratados e controlados,
e, por consequência, empregados do afretador a casco nu. Entretanto, no bareboat
charter party o afretador nomeia e contrata o comandante e o chefe de máquinas de
sua escolha, sem qualquer intervenção do fretador. (MARTINS, 2008).
Na seqüência, serão apresentadas as obrigações entre fretador e afretador
nos contratos de fretamento a casco nu.
3.4.1.1 Da obrigação do fretador
No contrato de fretamento a casco nu, a principal obrigação do fretador é
entregar o navio, na data e local acordado na carta-partida, em perfeito estado de
navegabilidade e adequado às especificações do contrato de fretamento.
Para que o navio seja considerado em perfeito estado de navegabilidade, é
necessário que ele reúna todos os requisitos pré-estabelecidos na carta-partida,
como por exemplo, o bom funcionamento do maquinário do navio. (GIBERTONI,
2005).
Como consequência da obrigação anterior, o fretador deverá proceder com
todos os reparos e substituições decorrentes de vício ou desgaste natural do navio
sempre que necessário.
Martins (2008), afirma que, as demais reparações e substituições que não
decorram de vício ou desgaste natural, serão de responsabilidade do afretador.
3.4.1.2 Das obrigações do afretador
A principal obrigação do afretador no contrato a casco nu é pagar o hire -
retribuição pela utilização do navio. O valor do hire e a forma de pagamento são
especificados na carta-partida, e calculado em função da Tonelada de Porte Bruto3 e
por mês de uso do navio. (ANJOS; GOMES, 1992).
3 A Tonelada de Porte Bruto diz respeito ao tamanho da embarcação, o navio como um todo. (MARTINS, 2008).
Segundo Martins (2008), poderá ocorrer situações onde o navio deixará de
atender às especificações da carta-partida, e por consequência, o pagamento do
hire poderá ser suspenso. Essa suspensão recebe o nome de off-hire.4
Todavia, há apenas uma hipótese que ampara o off-hire independente de
amparo contratual, a saber: o vício ou desgaste natural do navio. Nas demais
manutenções, reparos e substituições no navio que não decorram de vício ou
desgaste natural, o hire continuará sendo cobrado pelo fretador.
De acordo com Martins (2008), insere-se ainda nas obrigações do afretador a
restituição do navio ao fretador, nas mesmas condições em que foi recebido, salvo
os vícios ou desgaste natural pelo uso e tempo; e as obrigações contratuais com o
comandante e a tripulação, por serem contratados e subordinados a ele.
3.4.2 Fretamento por tempo: seu conceito e obrigações
No contrato de fretamento por tempo (time charter party), o fretador entrega
os serviços do navio ao afretador mediante uma retribuição ou contra-prestação.
Entregar os serviços do navio ao afretador significa entregar o navio totalmente
armado e equipado, com comandante e tripulação a bordo.
O contrato de fretamento por tempo – TCP – define-se como o contrato pelo qual o fretador se obriga a disponibilizar o navio armado, equipado e em condição de navegabilidade à disposição do afretador, por tempo determinado, mediante uma retribuição (hire). (MARTINS, 2008, p. 192).
Outrossim, cabe mencionar que no fretamento por tempo não há transferência
de posse do navio, apenas haverá a partilha das gestões, onde o fretador
permanecerá no controle e posse do navio, responsável pela gestão náutica,
enquanto a gestão comercial passa para o afretador.
Diante da partilha de gestão, mencionada anteriormente, faz-se necessário
analisar as obrigações atribuídas ao fretador e afretador no contrato de fretamento
por tempo, como será verificado a seguir.
4 “Na expressão off-hire se enquadram as hipóteses do navio estar fora de fretamento, ou seja, em inavegabilidade absoluta ou relativa e deixar, por conseguinte, de atender às condições acordadas no contrato de fretamento”. (MARTINS, 2008, p. 186).
3.4.2.1 Das obrigações do fretador
No contrato de fretamento por tempo, a principal obrigação do fretador é
assegurar a eficiência e o desempenho do navio durante a vigência do contrato,
devendo proceder com os reparos e substituição de equipamentos decorrentes de
vícios ou desgaste natural no navio sempre que necessário.
De acordo com Martins (2008, p. 197),
O armador-fretador deve manter o navio em condições de navegabilidade desde o momento da colocação do navio à disposição do afretador e assim mantê-lo durante todo o tempo de duração do contrato.
Por este motivo, os contratos de fretamento por tempo devem reunir
características necessárias para o bom funcionamento da embarcação, sendo que
as mais importantes são a velocidade, a capacidade de carga e o consumo de
combustível pelo navio.
Segundo Martins (2008), essas características afetam diretamente o
afretador, pois se o navio não apresentar estas características durante o contrato, o
afretador terá sérios prejuízos financeiros.
Estes prejuízos se justificam, à medida que, no contrato por tempo é
acordado a velocidade que o navio deverá alcançar, tal como sua capacidade de
carga e consumo de combustível. Quaisquer alterações nessas características
afetam diretamente ao afretador, como por exemplo, se o navio ter capacidade de
carga menor que a esperada, o afretador não poderá transportar a quantidade de
carga que tem à sua disposição, deixando de lucrar com isto.
Deverá, ademais, o fretador manter o navio em perfeitas condições de
navegabilidade, devidamente armado e equipado, desde o momento da colocação
do navio à disposição do afretador até o encerramento do contrato.
3.4.2.2 Das obrigações do afretador
A principal obrigação do afretador é pagar o hire, usualmente pago
adiantadamente por um período mensal, independente da efetiva utilização do navio,
salvo a hipótese de off-hire.
De acordo com Martins (2008), no contrato de fretamento por tempo, o
afretador poderá colocar o navio off-hire em qualquer hipótese que afete a
navegabilidade ou operacionalidade do navio. Isto significa que durante o período
em que o navio estiver off-hire, o hire não poderá ser cobrado ou exigido pelo
fretador, salvo as hipóteses previamente acordadas no contrato.
No que diz respeito aos gastos do navio, Martins (2008, p. 202) assevera que
as despesas relacionadas ao afretador são:
[...] todos os combustíveis e água para as caldeiras, despesas portuárias, de praticagem (obrigatória ou não) ou de reboque, despesas consulares, direitos portuários de cais e de tonelagem assim como quaisquer outras taxas que venham a ser impostas ao navio, agenciamentos, comissões, despesas de carregamento, estiva, descarga, pesagem, conferência, vistorias, alimentação.
Cabe ainda ressaltar, que o afretador poderá ser responsável, em alguns
casos acordados na carta-partida, pelas despesas com lubrificantes.
Gibertoni (2005), afirma que, como o combustível é arcado pelo afretador, é
de seu interesse na escolha do navio, saber a velocidade e o consumo de
combustível, para avaliar a capacidade e eficiência do navio durante a vigência do
contrato.
3.4.3 Fretamento por viagem: seu conceito e obrigações
No contrato de fretamento por viagem (voyage charter party), o fretador
disponibiliza os serviços do navio ao afretador, para a realização de uma ou mais
viagens pré-estabelecidas, de um porto a outro, mediante pagamento de uma
retribuição chamada frete.
O termo "por viagem" não tem significado restritivo, podendo o contrato ser
por várias viagens com o mesmo navio. Quando o contrato é para apenas uma
viagem, a carta-partida é chamada de single voyage charter party, e quando é para
mais viagens, é chamada de consecutive voyage charter party. (MARTINS, 2008).
No single voyage, o fretador obriga-se a transferir mercadorias de um porto a
outro em uma única viagem, diferentemente do consecutive voyage que envolve
mais de uma viagem do navio por um período de tempo.
A seguir, serão analisadas as obrigações cabíveis ao fretador e afretador no
contrato de fretamento por viagem.
3.4.3.1 Das obrigações do fretador
Assim como nas modalidades de fretamento apresentadas anteriormente, a
maior obrigação do fretador é disponibilizar o navio na data e local acordados na
carta-partida, em perfeito estado de navegabilidade, e assim mantê-lo durante todo o
percurso da viagem.
Isto significa que o navio deve estar com suas máquinas principais e
auxiliares em ótimo estado de funcionamento, tripulado, abastecido, e estruturado
para receber e acondicionar as mercadorias do afretador. (ANJOS; GOMES, 1992).
Como a gestão náutica e gestão comercial são de responsabilidade do
fretador, Gomes (1978) afirma que, como consequência, o fretador deverá assegurar
a estabilidade e navegabilidade do navio, além de manter em segurança as cargas
no navio e assegurar que sejam mantidas nas mesmas condições em que foram
recebidas.
No que tange às responsabilidades do fretador, afirma Gibertoni (2005), que o
fretador deverá iniciar a viagem imediatamente após o término das operações de
carregamento do navio. Qualquer atraso no início da viagem que não seja por força
maior ou caso fortuito, ele será responsabilizado.
Do mesmo modo, no final da viagem, o navio deverá ser conduzido ao porto
de desembarque informado na carta-partida, sob pena do fretador ser
responsabilizado por danos causados ao afretador.
Ressalta-se ainda, que no contrato de fretamento por viagem, o fretador
também é responsável por todos os custos pertinentes à viagem e à movimentação
da carga, inclusive pelo combustível utilizado, que geralmente é incluído no valor do
frete. (MARTINS, 2008).
3.4.3.2 Das obrigações do afretador
Segundo Gibertoni (2005), além da obrigação de pagar o frete, o afretador
deverá estar com as cargas prontas para embarque no momento do aviso de
prontidão5, e cumprir com os prazos estabelecidos na carta-partida para embarque
ou desembarque da carga.
O afretador deverá ainda, entregar ao fretador a carga em quantidade e
qualidade acordadas, obedecendo às disposições do contrato, não introduzindo ao
navio mercadorias que sejam ilícitas ou proibidas no porto de embarque e/ou
desembarque. (MARTINS, 2008).
Encerrado o estudo das principais espécies de contrato de fretamento, e
consequente obrigação entre as partes contratantes, no capítulo a seguir, será
apresentado o contrato de transporte marítimo evidenciado pelo conhecimento de
embarque, e suas peculiaridades.
5 “Notificação de pronto a operar, notícia de prontidão. [...] é a comunicação a afretador, embarcador, recebedor ou outra pessoa determinada pelo contrato de ter o navio chegado ao porto ou berço, conforme o caso, e estar pronto a carregar ou descarregar”. (MARTINS, 2008, p. 221).
4 CONTRATO DE TRANSPORTE MARÍTIMO
O contrato de transporte marítimo é o contrato pelo qual uma parte
contratante se obriga a levar coisa ou pessoas, de um local a outro, mediante uma
retribuição previamente estabelecida.
É um acordo escrito mediante o qual o armador se compromete a transportar mercadorias por água, numa expedição marítima, recebendo em troca uma quantia em dinheiro denominada frete. (GIBERTONI, 2005, p. 174).
Diferentemente do contrato de fretamento, analisado no capítulo anterior, a
finalidade dos contratos de transporte marítimo não é utilização do navio ou seus
serviços, mas o efetivo transporte da carga de um ponto ao outro pelo mar.
Geralmente, os contratos de transporte marítimo são realizados por navios de
linha regular, que são navios que seguem rotas fixas e permanentes, com datas de
chegada e saída pré-estabelecidas, e transportam mercadorias de centenas de
embarcadores em uma mesma viagem. (LANARI, 1999).
Isto ocorre, pois os navios de linha regular normalmente transportam
mercadorias de embarcadores que desejam remeter pequenas quantidades de
mercadorias ao exterior, não sendo necessário optar por um contrato de fretamento,
mas sim, por um contrato de transporte.
Em suma, o contrato de transporte é firmado de qualquer forma em direito
admitido, ou seja, verbal ou escrito, e evidenciado por meio de um documento
chamado conhecimento de embarque, analisado a seguir.
4.1 Conhecimento de embarque marítimo
O conhecimento de embarque, também conhecido como conhecimento de
transporte ou bill of lading, é o principal documento utilizado no transporte marítimo,
por via do qual se identificam as mercadorias nele descritas e carregadas no navio
para o seu transporte até o porto de destino designado.
Gilbertoni (2005), afirma que, o conhecimento de embarque faz prova do
recebimento da mercadoria a bordo do navio, resultando na obrigação do
transportador em entregá-la no lugar de destino, e somente à pessoa a quem o
conhecimento estiver consignado.
Além de fazer prova da propriedade da mercadoria, o conhecimento de
embarque consagra-se como a evidência escrita do contrato de transporte.
De acordo com Vieira (2003, p. 45):
O Conhecimento de Embarque (Bill of Lading) é o principal documento utilizado na formalização de um contrato de transporte marítimo de linha regular, devendo estar contida nele toda a informação necessária à realização do transporte e à delimitação das responsabilidades das partes.
Diante disso, faz-se necessário verificar as formas de emissão do
conhecimento de embarque, bem como analisar as suas espécies.
4.1.1 Emissão
O conhecimento de embarque é emitido e assinado pela companhia de
navegação, proprietária ou armador da embarcação responsável pelo transporte da
mercadoria.
A partir da emissão do conhecimento de embarque o comandante torna-se o
verdadeiro depositário das mercadorias que recebeu a bordo de seu navio,
obrigando-se a guardar, acondicionar, conservar e entregar as mercadorias nos
portos de destino, àquele que lhe apresentar o conhecimento original relativo às
mercadorias nele mencionadas. (SALGUES, 2008).
O conhecimento de embarque poderá ser emitido em quantas vias forem
necessárias e solicitadas pelo embarcador, normalmente emitido em três vias
originais e três vias não negociáveis. Todavia a quantidade de vias originais deverá
obrigatoriamente constar no conhecimento, para que todos os interessados saibam
quantos originais circulam no mercado. (VIEIRA, 2003).
Segundo Martins (2008, p. 267) “o teor das informações a serem lançadas no
conhecimento de embarque é variável”. Como regra, as informações exigidas são:
nome e endereço da companhia de navegação; nome do exportador; nome do
importador; nome de quem vai ser notificado quando da chegada da mercadoria;
portos de embarque, destino ou transbordo; total de volumes; tipo de mercadoria;
peso bruto e volume cúbico; forma de pagamento do frete (prepaid ou collect); data
do embarque; nome do agente da companhia transportadora no porto de embarque,
com o carimbo e a assinatura do responsável. (VIEIRA, 2003).
Destacam-se ainda, outras peculiaridades na emissão do conhecimento de
embarque, que poderá ser precedida pela emissão de documentos denominados
nota de reserva, mate's receipt e dock’s receipt, que remetem a necessidade de
análise específica.
4.1.1.1 Nota de reserva (booking note)
A nota de reserva ou reserva de praça é um documento preenchido pelo
embarcador, através do qual é formalizada a reserva de determinado espaço no
navio.
Martins (2008, p. 270) define booking note como o “ato de reservar um
espaço, em determinado navio, para transporte de uma carga de um porto a outro”.
Na nota de reserva são descritas as condições da reserva, como a definição
do transportador, embarcador, o tipo de mercadoria e seus respectivos pesos e
volumes, tipo de embalagem, frete e demais informações relevantes.
4.1.1.2 Mate’s receipt e dock’s receipt
O mate’s receipt é um documento de emissão do imediato, no qual são
especificadas todas as características da carga, e que deverão ser verificadas antes
do seu embarque.
Segundo Lanari (1999), as características verificadas são: marcas de
identificação, tipo de empacotamento, quantidade e tamanho da mercadoria, assim
como qualquer falha ou vício que a mercadoria possa conter.
Para Martins (2008, p. 269),
O mate’s receipt é considerado o BL temporário, ou inicial, ou ainda o recibo provisório da carga, um recibo para embarque (Bill of ladind for shipment). É um documento de emissão do embarcador que é encaminhado ao transportador para a emissão do BL.
Cabe ressaltar que o mate’s receipt precede a emissão de um conhecimento
de embarque. Segundo Gomes (1978), muitos agentes entregam o original do
mate’s receipt ao embarcador, porém este não poderá ser utilizado como
comprovante de propriedade ou posse da carga, apenas o conhecimento de
embarque tem poder para comprovar a posse ou propriedade da carga.
Já, o dock’s receipt, é um recibo de carga emitido por um armazém ou um
cais, atestando que as mercadorias foram recebidas pela companhia de navegação
para embarque.
Martins (2008), afirma que, o dock’s receipt apresenta as mesmas
características do mate’s receipt, porém, a sua utilização não é tão usual.
4.1.2 Espécies de conhecimento de embarque
O conhecimento de embarque poderá ser emitido de três maneiras:
nominativo não a ordem, nominativo, e ao portador.
4.1.2.1 Nominativo não à ordem (sea way bill)
Também conhecido como consignment note, freight bill ou ainda way bill, o
sea way bill é um documento não negociável semelhante a um conhecimento de
embarque, utilizado apenas para documentar o transporte da mercadoria.
Segundo Martins (2008, p. 268),
O way bill, assim como o BL, é considerado prova da prévia conclusão ou evidência do contrato de transporte marítimo internacional de mercadorias e da recepção dos bens pelo transportador.
Vale ressaltar, que o way bill é um recibo da mercadoria a ser transportada, e
evidência escrita de um contrato de transporte entre as partes, não podendo ser
utilizado como título de propriedade da mercadoria, e consequentemente não pode
ser transferível. (VIEIRA, 2003).
Os way bill são muito úteis para agilizar a liberação das mercadorias no
destino, no caso de as mesmas serem consignadas ao próprio embarcador, ou em
casos onde a mercadoria chega ao destino antes da documentação.
4.1.2.2 Conhecimento de embarque nominal
O conhecimento de embarque nominal é o conhecimento nominativo
propriamente dito. Nele deve constar o nome do consignatário da carga, ou seja, o
proprietário da carga ao qual será facultado exigir a entrega da mercadoria no porto
de destino.
Como conhecimento nominal, sua emissão poderá ser nominativo à ordem e
nominativo não à ordem. Nominativo à ordem significa estar consignado em nome
do destinatário ou à ordem do próprio embarcador ou de seu agente no porto de
destino. Nominativo não à ordem ocorre mediante claúsula expressa no contrato e
não pode ser transferido por endosso.6
O conhecimento nominativo à ordem é o mais utilizado, visto que possibilita a
transmissibilidade de forma rápida, além de configurar relevante instrumento de
crédito. (MARTINS, 2008).
De acordo com Gomes (1978, p. 243):
6 O endosso se dá através da simples assinatura no verso do título de crédito. (MARTINS, 2008).
Conhecimento nominativo à ordem é o que permite endosso. Conhecimento nominativo NÃO à ordem não pode ser endossado, não obstante a mercadoria possa ser negociada.
O endosso é o meio pelo qual se transfere a propriedade de um título
nominativo com cláusula “à ordem”. Endosso em preto é aquele que menciona
expressamente no título o nome do beneficiário do endosso, e somente este poderá
reclamar a mercadoria7. Segundo Gomes (1978), o endosso em branco é aquele em
que o nome do beneficiário no endosso é omitido, ou seja, quem estiver com sua
posse pode reclamar a mercadoria.
4.1.2.3 Conhecimento de embarque ao portador
O conhecimento de embarque ao portador é aquele que nele não consta o
nome do consignatário ou de qualquer outra pessoa, sendo que a carga pertence a
quem possuir a via original do conhecimento.
Um conhecimento será ao portador quando o nome diz claramente, quando não menciona nenhum nome, quando diz ser à ordem mais não de quem ou ainda quando diz ser à ordem de determinada pessoa e esta o endossa em branco. (ESTEVES, 1988 aput MARTINS, 2008, p. 283).
Segundo Martins (2008), a transmissão do conhecimento ao portador se faz
apenas por passagem de mão a mão, por mera tradição.
4.1.3 Funções do conhecimento de embarque
O conhecimento de embarque desempenhada três funções básicas:
evidenciar a existência de um contrato de transporte, servir de recibo de entrega da
mercadoria ao transportador, e representar um título de propriedade da mercadoria.
7 Ou endossá-lo novamente.
4.1.3.1 O conhecimento de embarque como evidência escrita da existência do contrato de transporte
O conhecimento de embarque não é efetivamente, o contrato, mas a
evidência escrita da existência de um contrato de transporte marítimo, pois reflete os
termos e as condições contratuais, consistindo, portanto, em prova escrita da
existência do mesmo.
Como instrumento do contrato de transporte, o conhecimento marítimo serve para registrar as condições convencionadas, expressa ou taticamente, para o transporte pactuado [...]. (MARTINS, 2008, p. 277).
Para Anjos e Caminha (1992, p. 217), o "conhecimento é o documento que
prova a propriedade da carga e, nos embarques em navios de linha regular, também
evidencia a existência de um contrato de transporte".
Todavia, afirma Martins (2008), o contrato de transporte marítimo é um
contrato-padrão, elaborado pelo transportador, cujas cláusulas são pré-
estabelecidas unilateralmente por ele, não cabendo ao embarcador, participar
efetivamente da negociação do transporte.
Em consequência, o conhecimento de embarque, por ser a evidência escrita
do contrato de transporte, também é considerado um contrato de adesão, obrigando
os embarcadores a aderirem a cláusulas e condições impostas pelo transportador,
sem a possibilidade de discutir ou modificar o seu teor.
4.1.3.2 O conhecimento de embarque como recibo de entrega da mercadoria
O conhecimento de embarque tem a finalidade de recibo de entrega da
mercadoria, sendo a comprovação por escrito de recebimento da mercadoria a
bordo para o transporte.
Conforme Martins (2008), após o embarque da carga no navio, o comandante
passa a ser o seu fiel depositário, e como tal está obrigado a guardá-la, protegê-la e
acondicioná-la de forma a resguardar seu conteúdo. A responsabilidade do
comandante inicia no momento em que recebe a carga até a sua entrega no porto
de descarga.
O comandante tem ainda, a responsabilidade de verificar o tipo de mercadoria
e proceder com a estiva correta relativa a esta carga. Na prática, esta verificação
não ocorre, pois como muitas cargas são acondicionadas em contêineres, o
comandante não tem como proceder com a vistoria das cargas contidas neles, visto
que todos os contêineres são recebidos lacrados. (MARTINS, 2008).
Contudo, quando o comandante perceber que determinada mercadoria está
danifica, seja em relação à embalagem, quantidade ou à própria carga, o
comandante deverá fazer ressalvas no conhecimento de embarque relativas à
mercadoria e seu dano. Neste caso diz-se que o conhecimento é sujo (unclean bill of
ladind ou foul bill of lading). E não havendo constatação de danos a mercadoria, o
conhecimento de embarque é emitido sem ressalvas. Diz-se neste caso que o
conhecimento é limpo (clean on board bill of lading). (MARTINS, 2008).
Ademais, poderá ocorrer a menção do termo said to contain no conhecimento
de embarque. De acordo com Martins (2008, p. 281), este termo indica, “que a
mercadoria é carregada por um embarcador que a classifica por determinado tipo,
quantidade e condição”, isentando o emitente do conhecimento de embarque de
responsabilidade, mesmo na hipótese de informações incorretas do embarcador.
Tais inserções são procedimentos-padrão a favor do transportador, e visa
evitar que seja responsabilizado por avarias ou faltas que não provocou.
4.1.3.3 O conhecimento de embarque como título de propriedade da mercadoria
O conhecimento de embarque utilizado como título de crédito é a prova da
propriedade da carga nele descrita, sendo o documento de resgate da mercadoria
junto ao transportador no destino final.
De acordo com Gibertoni (2005, p. 201),
Em tais condições, o conhecimento permite a circulação da propriedade da mercadoria, podendo esta ser vendida quando embarcada, a bordo, ainda em viagem, pela passagem do conhecimento de uma mão para outra, devidamente endossado, quando necessário.
Nos termos de análise precedente, o conhecimento de embarque como título
de crédito, poderá ser emitido de três modos: nominativo à ordem, nominativo não à
ordem e ao portador.
Finalizado o estudo do contrato de transporte evidenciado pelo conhecimento
de embarque, no capítulo a seguir, será apresentada a responsabilidade civil
decorrente do contrato de fretamento marítimo e contrato de transporte evidenciado
pelo conhecimento de embarque.
5 RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CONTRATOS DE FRETAMENTO E DE TRANSPORTE EVIDENCIADO PELO CONHECIMENTO DE EMBARQUE PERANTE A LEGISLAÇÃO NACIONAL
O termo responsabilidade está ligado à origem da própria palavra, derivada
do latim respondere, que significa responder por alguma coisa. Logo, o termo
responsabilidade serve para indicar a situação daquele que, por qualquer título, deva
arcar com as consequências de um ato danoso.
Neste sentido, a responsabilidade civil contribui na busca pela reparação do
dano causado a alguém, justamente em função de um comportamento humano
violador de um direito legal ou contratual.
A responsabilidade civil para Diniz (1998, p. 42),
É a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou de animal sob a sua guarda, ou ainda, de simples imposição penal.
Martins (2008, p. 324) afirma que, de fato, o prejuízo causado a terceiros é o
dano, e este deve “ser compreendido como a lesão de qualquer natureza, em
prejuízo de um bem jurídico titulado pela lei”. O dano pode ser dividido em dano
patrimonial (ou material) e dano moral (ou pessoal ou extrapatrimonial).
O dano patrimonial (material) consiste em uma lesão ao patrimônio material
da vítima, resultando em uma desvalorização ou destruição do mesmo, sendo
passível de avaliação pecuniária ou de indenização, para que o patrimônio afetado
se reconduza ao status anterior ao dano.
No dano patrimonial, o prejuízo se reveste de um valor econômico, atingindo diretamente o patrimônio do prejudicado, cuja indenização inclui os danos emergentes (damnum emergens), que constitui o prejuízo, iminente e/ou efetivo, e os lucros cessantes (lucrum cessans) correspondente ao que a vítima deixou de ganhar em conseqUência do ato ilícito do infrator. (ANJOS; CAMINHA GOMES, 1992, p. 228).
O cálculo do dano patrimonial é feito através da diferença entre o bem
deteriorado e o real valor do bem. Pode haver tanto o ressarcimento em dinheiro ou
a restituição natural da coisa quando possível.
Já o dano moral, é a lesão a interesses não patrimoniais da vítima, ou seja,
se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral.
O dano moral limita-se ao campo da dignidade, da honra ou da moralidade de uma pessoa. Mas para efeito de responsabilidade civil, o dano moral é inverso ao patrimonial, portanto, abrange todos e quaisquer interesses extrapatrimoniais. (ANJOS; CAMINHA GOMES, 1992, p. 228).
Partindo-se do conceito que a responsabilidade civil consiste na obrigação de
reparar prejuízo em virtude do dano causado, e para a análise da responsabilidade
civil nos contratos de fretamento e transporte marítimo evidenciado através do
conhecimento de embarque, faz-se necessário estabelecer algumas distinções entre
responsabilidade civil contratual e extracontratual.
5.1 Responsabilidade civil contratual e extracontratual
No que diz respeito à responsabilidade civil, destaca-se o interesse na
distinção entre a responsabilidade civil contratual da extracontratual8. Tal
diferenciação não se justifica à medida que, qualquer que seja a espécie de
responsabilidade civil, sempre será apontado como pressuposto inicial a obrigação
de reparar os prejuízos causados a outrem.
Afirma Martins (2008, p. 328), que os elementos que se afiguram
indispensáveis à configuração da responsabilidade civil, independente da distinção
entre responsabilidade contratual e extracontratual, são:
Fato lesivo, imputável, causado pelo agente por ação ou omissão voluntária (dolo), negligência, imprudência ou imperícia (culpa), incorrendo em violação patrimonial ou moral; ocorrência de dano patrimonial ou moral; e nexo de casualidade entre o dano patrimonial; ou moral.
Cabe ressaltar, que as distinções existentes na responsabilidade contratual e
extracontratual dizem respeito à matéria de prova ou à extensão dos efeitos do
dano.
8 Também chamada AQUILIANA. (DINIZ, 1998, p. 24).
Na responsabilidade civil contratual, o dever de indenizar decorre do
incumprimento das obrigações contratuais ou da mora no adimplemento total ou
parcial de relações obrigacionais do ato negocial.
Conforme Martins (2008), compete ao devedor suscitar ausência de
pressupostos9 da responsabilidade civil e provar que, inobstante o inadimplemento
contratual, não estão presentes os pressupostos e/o não houve culpa.
Por conseguinte, na responsabilidade civil extracontratual, o dever de
indenizar decorre de atos ilícitos extracontratuais, ou seja, a obrigação de reparar o
dano não está ligada à existência de um contrato, mas decorre de um
comportamento impróprio. Sampaio (2003) sustenta que a responsabilidade
extracontratual está relacionada a um comportamento socialmente reprovável, seja
este por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violação de direito
ou dano causado a terceiros, ainda que exclusivamente no âmbito moral.
Na responsabilidade extracontratual, “o ônus da prova, como regra geral, é da
vítima, que deverá indicar os pressupostos da responsabilidade civil e provar a culpa
do causador do dano”. (MARTINS, 2008, p. 332-3).
Diante da diferenciação entre responsabilidade civil contratual e
extracontratual, a seguir, será apresentada a responsabilidade civil contratual
atinente aos contratos de fretamento.
5.2 Responsabilidade civil contratual atinente ao contrato de fretamento
No contrato de fretamento, as responsabilidades que dizem respeito à
execução do contrato são sempre bem definidas, e se iniciam, com a obrigação do
fretador em disponibilizar o navio ou seus serviços ao afretador, mediante
retribuição.
9 “Quatro são, portanto, os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva ou clássica: 1. Ação ou omissão (comportamento humano). 2. Culpa ou dolo do agente. 3. Relação de casualidade. 4. Dano experimentado pela vítima”. (SAMPAIO, 2003, p. 30).
No primeiro instante, o fretador tem a responsabilidade de disponibilizar um
navio em boas condições de navegabilidade, e adequado aos interesses do
afretador, independente da espécie de fretamento contratada. (GIBERTONI, 2005).
Qualquer situação em contrário resultará em inadimplência contratual. O
mesmo ocorre quando o afretador deixa de pagar o frete ou hire ao fretador.
Em sequência, as responsabilidades decorrem das respectivas obrigações
assumidas em gestão náutica e gestão comercial, nos termos da análise
precedente. (MARTINS, 2008).
Todavia, cabe ressaltar, que faz-se necessário uma análise mais profunda
das responsabilidades por danos ocorridos a terceiros, verificados a seguir.
5.2.1 Responsabilidade civil perante terceiros
Para análise da responsabilidade civil perante terceiros, faz-se necessário
relembrar algumas características importantes relativas a cada espécie de contrato.
No contrato a casco nu, conforme já analisado, o navio é entregue
desarmado e desequipado, por prazo determinado, para a utilização do afretador na
forma que este bem entender.
Desta forma, o afretador torna-se perante terceiros e também perante o
fretador, o único responsável por todos os assuntos relativos ao navio e às cargas
transportadas por ele. Portanto, o afretador a casco nu é responsável tanto pela
gestão náutica, quanto a pela gestão comercial do navio.
Afirma Martins (2008), que o afretador ainda assume os danos causados ao
navio ou às cargas em caso de colisão ou abalroação do navio, e que na hipótese
do fretador ser considerado responsável solidário, o afretador deverá reembolsar
todas as importâncias que o fretador for obrigado a pagar a terceiros, resultantes da
exploração comercial do navio.
Neste contexto, existe a figura de apenas um transportador marítimo: o
afretador, que como tal, deverá responder por todos os danos causados à carga de
terceiros.
Já no contrato por viagem ocorre o inverso, ou seja, todas as
responsabilidades citadas acima correm por conta do fretador, pois no contrato por
viagem, o fretador disponibiliza os serviços do navio ao afretador, para a realização
de uma ou mais viagens pré-estabelecidas. Tanto a gestão náutica, quanto a gestão
comercial continuam sob aêgide do fretador.
Gibertoni (2005) afirma, que o afretador poderá utilizar os serviços do navio
para o transporte de mercadorias próprias ou de terceiros. Em caso de transporte de
mercadorias de terceiros, o afretador assume a situação jurídica de transportador
perante os seus embarcadores, assumindo, por consequência, todas as
responsabilidades atribuídas ao transportador marítimo.
Por conta do contrato de fretamento inicial, o fretador responde ao afretador
em casos de avarias ou perdas nas cargas, e, o afretador responde perante os seus
embarcadores, contratualmente ligados, seja por subfretamento, ou por contrato de
transporte. (MARTINS, 2008).
No contrato de fretamento por tempo, a gestão é compartilhada, ou seja,
todas as responsabilidades por avarias ou perdas decorrentes da gestão náutica são
atribuídas ao fretador, e as decorrentes da gestão comercial são atribuídas ao
afretador.
Cabe ressaltar, que nesta modalidade de fretamento, o afretador é
considerado o transportador perante os seus embarcadores, e por isso, assume
todas as responsabilidades relativas às cargas, podendo responsabilizar o fretador
em casos de danos provenientes da falta náutica.
Ressalta-se que as responsabilidades perante terceiros atribuídas ao
afretador ou fretador, quando caracterizados como transportadores, é igual a
responsabilidade do transportador no contrato de transporte. Assim sendo,
apresentar-se-á a responsabilidade civil do transportador decorrente do contrato de
transporte, aplicável tanto ao afretador como ao fretador, dependendo do caso.
5.3 Responsabilidade civil contratual decorrente do contrato de transporte marítimo
No contrato de transporte marítimo, a principal responsabilidade do
transportador é proceder com a entrega da mercadoria no porto de destino, devendo
entregar os bens confiados para o transporte nas mesmas condições recebidas, sob
pena de se configurar, a rigor, o inadimplemento da obrigação assumida e, com ela,
a respectiva responsabilidade.
De acordo com Martins (2008), a responsabilidade do transportador é
contratual e objetiva (independente de agir com culpa). Com efeito, o contrato de
transporte é um contrato peculiar que tem a obrigação de fim e não de meio, onde o
resultado positivo é imprescindível para o seu regular aperfeiçoamento. “Nele, o
devedor da obrigação, vincula-se ao resultado propriamente dito e não apenas aos
meios para se obtê-lo”. (CREMONEZE, 2009).
Assim, torna-se obrigação do transportador entregar a mercadoria confiada a
ele para transporte, nas mesmas condições em que foi recebida. Se o resultado final
não for alcançado pelo transportador marítimo, implicará na inexecução da
obrigação assumida por ele e, consequentemente, a figura da responsabilidade civil.
Diante da possibilidade de não aperfeiçoamento do contrato de transporte,
deve-se identificar, primeiramente, a figura do transportador marítimo, para então,
identificar suas respectivas responsabilidades decorrentes da sua inadimplência
contratual, ou ainda, as hipóteses de limitação ou exclusão das responsabilidades.
5.3.1 Da identificação do transportador
No comércio marítimo, nem sempre a figura do armador coincide com a do
transportador, ou seja, o transportador não precisa ser necessariamente o
proprietário ou o armador do navio, e poderá nem sempre executar efetivamente o
transporte.
Por este motivo, faz-se necessário a análise específica de um personagem
muito importante do Direito Marítimo, alvo de acirradas e polêmicas discussões no
âmbito da responsabilidade civil: o NVOCC (Non Vessel Operating Commom
Carrier), conhecido no Brasil como transportador não proprietário de navio.
Trata-se, em verdade, de um transportador (ou mesmo um armador) que exerce suas atividades sem navio, valendo-se, para tanto, dos navios de armadores constituídos. O NVOCC é, em síntese, um transportador que mantém o controle sobre parte do navio sem ter que comprá-lo, tampouco tomá-lo em contrato de afretamento e, mesmo, ocupar-se com sua administração. (CREMONEZE, 2009, p. 79).
A vantagem em se contratar um NVOCC, está no fato, de que este oferece
condições de transporte a pequenos embarcadores que possuem pequenos lotes de
mercadorias a serem transportados, contudo, não encontram facilidades para seus
embarques, justamente por não haver a necessidade da utilização de todo um
container, mas apenas parte dele.
Desta forma, o NVOCC, recebe diversas cargas, de diversos embarcadores,
para unitização em apenas um container. Para formalizar a operação de transporte,
o NVOCC emite para cada um dos embarcadores, um conhecimento de embarque
relativo à carga confiada para o transporte, tornando-se perante os embarcadores, o
transportador de fato.
Todavia, cabe ressaltar, que anteriormente a emissão do conhecimento de
embarque, o NVOCC recebeu do armador ou responsável pelo transporte do navio,
um conhecimento de embarque em seu nome, relativo às cargas em geral que este
irá embarcar. (CREMONEZE, 1999).
Percebe-se então, a emissão de dois conhecimentos de embarque: um
emitido pelo transportador em nome do NVOCC, e outro emitido pelo NVOCC em
nome de um embarcador.
No que tange a responsabilidade civil nessa situação, Cremoneze (2009, p.
81) afirma que,
analisando-se estritamente a cadeia de responsabilidade civil contratual, tem-se que o NVOCC responde perante o dono da carga ou seu segurador e o transportador de fato, perante o NVOCC. Ocorre muitas vezes, de o NVOCC não ter patrimônio para responder pelos prejuízos decorrentes da inexecução do contrato de transporte. E como indica sua própria denominação, não tem navios para arrestos ou embargos.
Com efeito, sempre que o NVOCC não for capaz de arcar com os prejuízos
causados em razão do inadimplemento do contrato de transporte, o transportador de
fato será responsabilizado em conjunto com o NVOCC:
A expedição de dois conhecimentos marítimos para um mesmo contrato de transporte não pode ser ferramenta do inadimplemento, mas, ao contrário, instrumento da responsabilidade conjunta, pois ambas as personagens do Direito Marítimo, NVOCC e transportador de fato, assumiram, em momentos diferentes, mas num mesmo contexto fático, o dever de transportar uma determinada carga. (CREMONEZE, 2009, p. 81-82).
Importante ressaltar, que o contrato de transporte é um só, apenas dividido
em dois instrumentos, razão pelo qual existe o vínculo jurídico entre o transportador
de fato e o NVOCC, no que se refere à responsabilidade civil por qualquer evento
danoso relacionado o transporte em geral da carga.
5.3.2 Responsabilidade civil do transportador pelas perdas e avarias nas cargas
O transportador marítimo assume diversas obrigações em virtude do contrato
de transporte e se descumprir qualquer uma delas, responderá por perdas e danos.
O transportador marítimo é responsável pelas avarias ou extravios de mercadorias confiadas ao seu transporte de forma objetiva, isto é independentemente de culpa. Em outras palavras, ocorrendo problemas, com a carga embarcada, ele está a priori obrigado a ressarcir o dono das mercadorias dos prejuízos sofridos, tenha agido ou não com culpa no episódio. Essa obrigação decorre da sua condição de depositário da carga a bordo, pois todo o depositário, como guardião que é da coisa alheia, está obrigado a restituir a coisa depositada tal como ela lhe foi entregue. (CREMONEZE; MACHADO FILHO, 2009).
No instante em que recebe a mercadoria, o transportador assume a mesma
natureza atribuída a um depositário.10 A natureza de depositário implica no dever de
cuidar da mercadoria, isto é, guardar, conservar e restituir tal como lhe foi confiada.
Martins (2008) afirma, que o transportador poderá recusar transportar
mercadorias perigosas ou embaladas inadequadamente, visando garantir a
segurança do navio e das demais mercadorias a bordo, podendo, ademais, recusar
mercadorias cujo transporte ou comercialização não sejam permitidos.
Destaca-se ainda, que se constatadas irregularidades na mercadoria, o
armador deverá incluir ressalvas no conhecimento de embarque, o que tornará o
conhecimento sujo (unclean bill of loading).
Martins (2008) ressalta que, a ressalva lançada no conhecimento de
embarque não configura prova excludente da responsabilidade civil do
transportador, apenas vem sendo considerada, em regra, como indício de prova.
Na hipótese de perdas, para ter direito a indenização, o embarcador deverá
demonstrar que sua mercadoria não chegou ao seu destinatário, e nas hipóteses de
contrato de transporte firmado com a cláusula said to contain, geralmente
mencionada nos conhecimentos onde as mercadorias são lacradas, a
responsabilidade do transportador restringe-se ao transporte, não podendo ser
responsabilizado pelo desaparecimento da carga. (MARTINS, 2008).
5.3.3 Responsabilidade civil do transportador por atrasos
No transporte marítimo, é admissível responsabilizar o transportador por
atrasos na entrega da mercadoria. Como regra, o transportador deverá seguir a rota
pré-estabelecida, não podendo alterá-la sem razão plausível.
Todavia, poderão ocorrer situações onde o desvio de rota é necessário,
como na hipótese de desvio com o propósito de preservar a vida humana ou a
carga, ou ainda o próprio navio. Nesses casos, o desvio de viagem exclui a
10 O depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e a diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como a restituí-la, com todos os frutos e acrescidos, quando lhe exija o depositante. (Art. 1.266, do Código Civil).
responsabilidade do transportador no que diz respeito a perdas e/ou danos
decorrentes do atraso na entrega da mercadoria. (MARTINS, 2008).
Segundo Salgues (2003), existem outras hipóteses que poderão ocasionar o
atraso na entrega da mercadoria, como no caso do navio ficar retido em qualquer
porto relativo a sua escala, ou se ficar provado que o atraso foi decorrente da
condição de navegabilidade do navio. Em ambos os casos, o transportador
responderá por perdas e/ou danos perante seus embarcadores.
De acordo com Martins (2008), o atraso na entrega da mercadoria poderá
ocorrer ainda em decorrência de arribada, o que é admissível, em regra,
independente do prazo ajustado para a efetiva entrega da mercadoria.
5.3.4 Cláusulas de limitação de responsabilidade
O Direito Brasileiro não reconhece a validade das cláusulas de exoneração de
responsabilidade do transportador, 11 porém, vêm admitindo cláusulas limitativas de
responsabilidade.
A limitação de responsabilidade é amparada no Código Civil, art. 750:
A responsabilidade do transportador, limitada ao valor constante do conhecimento, começa no momento em que ele, ou seus pressupostos, recebem a coisa; termina quando é entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se aquele não for encontrado.
Regra geral, a cláusula de limitação de responsabilidade não se aplica em
casos onde houve irregularidades no transporte, apenas em situações onde houve
perda, avaria ou atraso. Cabe ressaltar, que a responsabilidade do transportador é
prefixada independente de haver ocorrido ou não falta de sua parte.
No que diz respeito ao valor a ser indenizado, Lanari (1999, p. 151) assevera
que, a soma a indenizar “[...] é reduzida consideravelmente pelo transportador que a
estabelece no contrato a um determinado valor por unidade de volume ou peso, ou
tendo em vista o importe do frete”.
11 A Súmula 161 do STF dispõe que: “Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar”.
Todavia, se configurada culpa grave, a cláusula de limitação torna-se
inoperante à obrigação de indenização, isto porque, o valor da indenização poderá
ser irrisória se comparado ao valor real da mercadoria.
5.3.5 Excludentes de responsabilidade civil do transportador marítimo
A responsabilidade do transportador é objetiva, porém, poderá ocorrer
situações previstas em lei, que eximirão o transportador da responsabilidade pela
inexecução do contrato.
De acordo com Martins (2008), o Direito Brasileiro consagra como
excludentes de responsabilidade civil do transportador as hipóteses de ausência de
nexo causal e culpa exclusiva, vício próprio ou redibitório, caso fortuito e força maior.
5.3.5.1 Ausência de nexo causal e culpa exclusiva
Entende-se como nexo causal, o vínculo existente entre o prejuízo e a ação.
Tal nexo representa uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que
produziu, de tal modo, que esta é considerada como sua causa. Contudo, não será
necessário que o dano resulte imediatamente do fato que o produziu. Basta, apenas,
que se verifique que o dano não teria acontecido se o fato não tivesse ocorrido.
Segundo Diniz (2007), este poderá não ser a causa imediata do dano, mas,
se for condição para a produção, o agente responderá pela consequência.
No Direito Marítimo, precisamente no que diz respeito à responsabilidade civil
do transportador, a ausência de nexo causal caracteriza como inexistente a
responsabilidade civil do transportador marítimo, pois se não há fato ou omissão
imputável ao devedor, não há o que ocorrer em mora.
A culpa exclusiva da vítima também consagra como excludente a
responsabilidade civil do transportador, e isto decorre da ausência de nexo causal.
Segundo Martins (2008, p. 560), “[...] a responsabilidade civil pressupõe ação
ou omissão do agente, excluindo a obrigação de indenizar se comprovada a culpa
exclusiva da vítima, admissível nos contratos de transporte”.
Nesse mesmo sentido, na ausência de nexo causal se enquadra a hipótese
de culpa exclusiva de terceiros, amparado pelo art. 14 do Código de Defesa do
Consumidor.
5.3.5.2 Caso fortuito ou força maior
O caso fortuito e força maior são as causas excludentes de responsabilidade
mais utilizadas pelo transportador marítimo, e fazem parte do gênero fortuidade,
sendo diferentes apenas, no que diz respeito ao agente causador.
De acordo com Lanari (1999), enquanto no caso fortuito o agente causador é
a força da natureza (tempestades, tufões, raios, tremores de terra, etc), na força
maior, o agente causador é a conduta humana (greves, saques, incêndios, etc).
Para efeito da exclusão de responsabilidade por caso fortuito ou força maior,
é importante ressaltar que a caracterização da fortuidade depende de três
pressupostos essenciais: imprevisibilidade, inesperabilidade e irresistibilidade.
Segundo Cremoneze (2009), esses elementos precisam estar presentes ao
mesmo tempo diante de um caso concreto, para se cogitar a ocorrência de
fortuidade. A ausência de qualquer um deles invalida a invocação de fortuidade,
levando-se em consideração que quem a invoca, terá o ônus de prová-la.
Regra geral,
Só se falará em fortuidade se o transportador marítimo conseguir provar, à luz do caso concreto, a ocorrência de um fenômeno imprevisível, inevitável e irresistível, sob pena de não se aproveitar alegação em tal sentido. Significa dizer que a falta de apenas um dos requisitos em destaque tem o condão de afastar eventual caracterização de fortuidade. (CREMONEZE, 2009, p. 105).
A falta de qualquer dos elementos é o bastante para descaracterizar a
fortuidade. Na prática, os transportadores tem-se utilizado da presença de apenas
um dos requisitos para alegarem fortuidade, isto porque, ainda utilizam uma idéia a
muito ultrapassada, de que a expedição marítima é uma aventura, sujeita a riscos e
perigos, todos imprevisíveis ao homem.
Em sentido contrário, Cremoneze (2009), afirma que, atualmente, os navios
são planejados e construídos no mais alto padrão de tecnologia, capazes de
suportar os mais furiosos e tempestuosos mares. Além disso, a expansão da
informática, permitiu a ciência meteorológica, os mais poderosos recursos de
comunicação, e radares capazes de prevenir, a qualquer tempo, das condições
adversas do mar e do clima.
Desta forma, pode-se assegurar que, mesmo em uma adversidade climática,
a alegação de fortuidade dificilmente resultará em exclusão de responsabilidade,
pois a eficiência dos serviços de plotagem emite informações precisas e confiáveis
das condições climáticas, dificultando a alegação de fortuidade pelo transportador.
Naquilo que toca a conduta humana, por força maior, o roubo tem sido o
aspecto mais discutido na doutrina e na jurisprudência brasileira.
De acordo com Cremoneze (2009), muitos doutrinadores entendem que o
roubo afasta a responsabilidade do transportador marítimo por eventual
inadimplemento contratual, isto porque, defendem que o roubo é um acontecimento
inevitável e, sendo também imprevisível, é de fato irresistível.
Em contra-partida, o fato de a criminalidade ser frequente em um certo local,
nos quais a pirataria não é tão difícil de ocorrer, torna-se previsível pelo
transportador a ocorrência de roubos nesses lugares. Afinal, “todo aquele que se
dispõe a transportar mercadorias e valores sabe que, a qualquer momento, pode vir
a ser vítima de roubo ou de um furto [..]”. (CREMONEZE, 2009, p. 112).
Diante de tais fatos, nunca é tarde lembrar, que o contrato de transporte
resulta em obrigação de fim, na qual uma parte obriga-se a pagar uma quantia a
outra parte, e esta por sua vez, obriga-se a transportar e assegurar a integridade da
mercadoria até sua entrega no porto de destino. Qualquer hipótese de inexecução
do contrato, resultará na responsabilidade do transportador.
5.3.5.3 Vício próprio e vício redibitório
O vício próprio é a condição natural de certas coisas que tendem a se destruir
ou avariar sem intervenção de terceiros. Para Lanari (1999) “[...] é o prejuízo
resultante de uma culpa só atribuída ao objeto que a sofre [...]”.
Afirma Martins (2008, p. 554-5), que o vício próprio,
Compreende, efetivamente, todo e qualquer evento danoso, previsível ou imprevisível, que resulta na própria natureza da carga transportada, sem que ocorra direta ou indiretamente por culpa do transportador. Enquadram-se dentre as hipóteses de vício próprio: evaporação ou vazamento de líqüidos; apodrecimento ou deterioração de cargas perecíveis; diminuição de peso e volume de mercadorias, fermentação, acidez ou efervescência de fluidos.
Em sentido contrário, o vício oculto ou redibitório resulta em defeito a
mercadoria transportada, pré-existente ao embarque, que impede sua utilização ou
importa desvalorização.
Ora, se os danos constatados nos bens confiados para o transporte marítimo preexistiam ao próprio transporte, não há que se falar em culpa do transportador. Mas, a prova da existência do vício [...] compete exclusivamente ao transportador marítimo [...]. (CREMONEZE, 2009, p. 101).
Atente-se, ainda, que caberá ao transportador, a respectiva produção da
prova, geralmente por meio de perícia judicial, excluindo sua responsabilidade por
vício oculto da mercadoria.
De acordo com Cremoneze (2009), não havendo prova específica para tal
vício mantém-se, em desfavor do transportador, a responsabilidade pelo
inadimplemento contratual.
Importante ressaltar, que nas hipóteses de suspeitas de vício, é facultativo ao
transportador, lançar ressalvas no conhecimento de embarque, tornando-o sujo
(unclean on board).
Martins (2008) assevera, que na ausência de ressalvas, o conhecimento de
embarque, será considerado limpo (clean on board), e engendra, em tese,
responsabilidade do transportador.
Por fim, é certo afirmar que a responsabilidade civil do transportador é
objetiva, ou seja, independente de culpa, este sempre responderá pelos danos
causados à terceiros.
O transportador somente poderá se eximir de sua responsabilidade
reparatória, caso tenha tomado todas as medidas de segurança para a carga, e
tenha provado a ausência de nexo causal entre o fato danoso e a sua conduta
perante o fato ocorrido, ou ainda nas hipóteses de ter ocorrido culpa exclusiva de
terceiros, ou ainda por vício próprio da mercadoria.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como objetivo destacar a responsabilidade civil nos
contratos de fretamento e contrato de transporte marítimo evidenciado pelo
conhecimento de embarque.
Para o seu desenvolvimento, o trabalho foi dividido em três partes. Nos
primeiros capítulos, foram apresentados os contratos de fretamento marítimo e
transporte marítimo, respectivamente, e suas espécies principais.
Pode-se identificar, o que contrato de fretamento marítimo distingue-se do
contrato de transporte marítimo pelo seu elemento fundamental: a utilização do
navio.
No contrato de fretamento, o navio ou seus serviços são entregues ao
afretador, mediante retribuição, para o transporte de mercadorias próprias ou de
terceiros. O instrumento contratual é a carta-partida, e nela constam todos os termos
e condições pactuadas entre as partes contratantes.
No contrato de transporte marítimo, o transportador tem a obrigação de
transportar a mercadoria de um ponto a outro pelo mar, sem a efetiva utilização do
navio, tendo como obrigação a entrega da mercadoria no porto de destino, tal como
lhe foi confiada para o transporte. O contrato de transporte é evidenciado através do
conhecimento de embarque.
Percebe-se através do estudo realizado, que na vigência desses contratos,
poderão ocorrer avarias ou perda das cargas confiadas para o transporte,
configurando inadimplência contratual, e consequentemente, a responsabilidade civil
do transportador.
Por fim, no terceiro capítulo, foi feita uma análise específica da
responsabilidade do transportador, verificando-se ainda, as hipóteses excludentes
de responsabilidade civil amparado pela legislação brasileira.
Sendo assim, o objetivo geral deste trabalho foi alcançado, uma vez que
foram identificadas a responsabilidade civil atinentes aos contratos de fretamento e
contrato de transporte evidenciado pelo conhecimento de embarque, bem como,
suas hipóteses excludente de responsabilidade.
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ASSINATURA DOS RESPONSÁVEIS
Nome do estagiário Adeline Beatriz Couto
Orientador de conteúdo Prof. Bruno Tussi, LL.M. (IMLI)
Responsável pelo Estágio Profª. Natalí Nascimento