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UNIVERSIDADE ANHANGUERA DE SÃO PAULO
MARIKO KAWAMOTO
Habilidades de visualização em Geometria espacial: um diagnóstico com
alunos de 3º ano do Ensino Médio
SÃO PAULO
2016
2
3
MARIKO KAWAMOTO
Habilidades de visualização em Geometria espacial: um diagnóstico com
alunos de 3º ano do Ensino Médio
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Universidade Anhanguera de São Paulo como exigência
parcial para obtenção do título de MESTRE EM
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, sob a orientação da Profa.
Dra. Vera Helena Giusti de Souza.
SÃO PAULO
2016
4
Ficha catalográfica
K32h
Kawamoto, Mariko
Habilidades de visualização em Geometria espacial: um diagnóstico
com alunos de 3º ano do Ensino Médio / Mariko Kawamoto. – São Paulo,
2016.
181 p.: il; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Coordenadoria de
Pós-Graduação – Universidade Anhanguera de São Paulo, 2016.
Orientador (a): Profa. Dra. Vera Helena Giusti de Souza
1. Habilidades de visualização. 2. Modelos concretos. 3. Tipos de
justificativa. 4. Planificação. 5. Geometria Espacial.
CDD 372.7
5
UNIVERSIDADE ANHAGUERA DE SÃO PAULO
MARIKO KAWAMOTO
Habilidades de visualização em Geometria espacial: um diagnóstico com alunos de 3º
ano do Ensino Médio
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de MESTRE em
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, na Universidade Anhanguera de São Paulo – UNIAN, à
seguinte banca examinadora:
Professora Doutora Vera Helena Giusti de Souza (Orientadora)
Doutorado em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC/SP) em 2008.
Professora Doutora Maria Elisa Esteves Lopes Galvão
Doutorado em Matemática pela Universidade de São Paulo (USP) em 1984.
Professora Ana Paula Jahn
Doutorado em Didática da Matemática pela Universidade Joseph Fourier (Grenoble 1),
França 1998.
São Paulo, ___ de ____________ de 2016.
6
Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Dissertação, por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura _
7
Dedico
À minha filha, Karina e ao meu marido, Miguel, com
muito amor e carinho.
8
9
Agradecimentos
Aos meus pais (in memorian), que com amor e carinho, me incentivaram e me
apoiaram em todos os passos da minha vida.
À minha orientadora Profa. Vera Helena, pela amizade, carinho, incentivo, apoio
e paciência em todos os momentos da pesquisa. Principalmente pelas valiosas sugestões
que permitiram a conclusão do estudo.
À Profa. Ana Paula pelas valiosas críticas e sugestões na banca de Qualificação,
que muito contribuíram para o desenvolvimento da pesquisa.
À Profa. Maria Elisa, pelas sugestões e pelo apoio em muitos momentos da
pesquisa.
Aos meus colegas e amigos da Escola onde leciono que me incentivaram e
colaboraram com sugestões, em especial à Adriana, Lúcia Helena, Rosa, Silvana e Sílvia.
Aos alunos que aceitaram participar e colaboraram com a realização desta
pesquisa. Sem eles este trabalho não existiria.
A todos os meus amigos e colegas de mestrado, em especial à Ana Paula, Carlos,
Eduardo, Felipe, Rachel, Sidney e Tiago que estiveram presentes me aconselhando e
incentivando com carinho.
À Universidade Anhanguera de São Paulo, pela oportunidade e pela concessão da
bolsa e a todos os professores do Programa de Pós-Graduação da Universidade, pela
oportunidade de aprendizado, crescimento, realização profissional e pessoal.
10
11
RESUMO
Este estudo foi desenvolvido com o objetivo de verificar se alunos de 3ª série do Ensino
Médio mostram ter desenvolvido habilidades de visualização em Geometria Espacial e se,
quando questionados ou não, preocupam-se em justificar o raciocínio feito. São propostas
duas questões de pesquisa “Quais habilidades de visualização alunos de 3ª série do Ensino
Médio mostram ter desenvolvido ao longo da escolaridade?” e “Que tipos de argumentos
utilizam para justificar a resposta dada?” e, para respondê-las, escolheu-se como
fundamentação teórica as ideias apresentadas por Gutiérrez sobre a visualização em
Geometria Plana e Espacial e o quadro dos níveis de raciocínio geométrico elaborado por
Parzysz. Com base nessas ideias, estruturou-se o estudo apresentado neste texto, que pode ser
classificado como uma pesquisa diagnóstica com análise qualitativa dos dados. Para atingir o
objetivo proposto e responder às questões de pesquisa, elaborou-se dois instrumentos, que
foram utilizados com 22 alunos de uma 3a série do Ensino Médio de uma escola pública da
cidade de São Paulo, em duas sessões de 1 hora e 50 minutos, separadas por treze semanas. O
primeiro instrumento, uma tarefa de reconhecimento com nove questões, teve por objetivo
avaliar conhecimentos prévios dos alunos quanto a conceitos básicos de Geometria Plana, ao
uso de nomenclatura correta e à interpretação de representações planas de figuras
tridimensionais. A análise dessa tarefa apontou falta de conhecimento de alguns conceitos de
Geometria Plana, tais como de altura de uma figura plana, de polígono regular e de
nomenclatura adequada. O segundo instrumento, uma atividade com dez questões abertas,
algumas delas baseadas em exames institucionais, foi estruturada a partir dos resultados
obtidos com a tarefa de reconhecimento, com o objetivo de diagnosticar quais habilidades de
visualização são mobilizadas e quais tipos de justificativa, dados. A análise dos protocolos
mostra que estes participantes não utilizam habilidades de visualização, não sabem
decodificar uma representação plana de figuras tridimensionais, não sabem associar figuras
tridimensionais com uma dada planificação e não dão justificativa para a resposta apresentada,
mesmo quando solicitada e, quando o fazem, usam argumentos perceptivo-dedutivos, ou seja,
baseados apenas na observação. Com os resultados obtidos, sugere-se a necessidade de
abordagens diferenciadas em Geometria, ao longo de toda a escolaridade básica, por meio de
modelos concretos, planificações, codificação e decodificação de representações planas de
figuras planas ou tridimensionais e atividades investigativas, para propiciar aos alunos a
criação de um rico repertório de imagens, o desenvolvimento da visualização (no sentido de
Gutiérrez), a aprendizagem das regras de representação plana de figuras bi e tridimensionais e
a aquisição da capacidade de elaborar argumentos tanto perceptivo-dedutivos como
hipotético-dedutivos (no sentido de Parzysz), qualidades tão necessárias para o
desenvolvimento do conhecimento em Geometria Plana ou Espacial.
Palavras-chaves: habilidades de visualização; modelos concretos; tipos de justificativa;
planificação; Geometria Espacial.
12
13
ABSTRACT
The aim of this thesis is to verify the existence of visualization skills for three-dimensional
Geometry in students attending the last grade of Brazilian secondary school (16-18 years old)
and, moreover, whether they care to explain their reasoning upon being asked about it or not.
The questions proposed for this research are “What visualization skills do students in the last
grade of secondary school manifest to have acquired throughout the scholarship?” and “What
type of arguments do they use to justify their answers?” In order to provide answers to these
questions, a theoretical basis has been chosen, including the ideas proposed by Gutiérrez on
visualization in two-dimensional and three-dimensional Geometry and Parzysz levels of
geometric reasoning. The text is structured on these ideas and may be classified as a
diagnostic research followed by qualitative data analysis so that, in order to attain the
proposed aim and answer the research questions, two instruments were devised, which were
used with 22 Brazilian students from a public school in São Paulo city. They were applied in
two sessions of 1 hour and 50 minutes, separated by thirteen weeks. The first instrument is a
recognition task with nine questions intended to assess previously acquired knowledge about
basic two-dimensional geometric concepts, their use of proper nomenclature and their
interpretation of two-dimensional representations of three-dimensional figures. Analysis of
this task points to a lack of knowledge about some concepts in two-dimensional Geometry
such as the height of two-dimensional figures, regular polygons, and a proper nomenclature.
The second instrument is a task with ten open questions, including some from state
educational examinations, structured from the results of the recognition task and aiming to
diagnose and identify what visualization skills has been mobilized and what kind of
justification for the answers to the questions the participants use. Protocols analysis shows
that it may be said that these students do not use visualization skills, do not know how to
decode two-dimensional representations of three-dimensional figures, do not know how to
associate three-dimensional figures with a planning of them, do not provide a justification for
their answers, even when asked, and, when they do, they use perceptive-deductive arguments,
strictly based on visual observation. These results suggest the use of differentiated approaches
to Geometry, along the Basic School, by means of concrete models, planning, coding and
decoding of two-dimensional representations of two-dimensional and three-dimensional
figures and investigative activities, in order to stimulate the students, respectively, to create a
rich own image repertoire, to develop visualization (as defined by Gutiérrez), to learn the
rules for two-dimensional representations of two and three-dimensional figures, to acquire the
capacity to elaborate perceptive-deductive and hypothetical-deductive arguments (as defined
by Parzysz), all qualities which are so necessary to develop knowledge in Plane and Spatial
Geometry.
Keywords: abilities of visualization; concrete models; justification types; planning; three-
dimensional Geometry.
14
15
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Casa dos arames farpados ..................................................................................................... 37
Figura 2: Desenho 1: Quadrado ABCD e Desenho 2: Triângulo ABC ................................................... 38
Figura 3: Caça Palavras ......................................................................................................................... 39
Figura 4: Faixa de Möbius (Formigas) (1963) ....................................................................................... 39
Figura 5: Uma das possíveis planificações de um dado. ....................................................................... 40
Figura 6: Desenho 4: Um cubo ............................................................................................................. 40
Figura 7: Elipsóides ............................................................................................................................... 41
Figura 8: Desenho 5: Representação de um quadrado e uma pirâmide de base quadrada ................. 44
Figura 9: Desenho 6: um plano P e três ponto A, B, C .......................................................................... 45
Figura 10: Desenho 7: Visão frontal em perspectiva de uma pirâmide de base quadrada................... 47
Figura 11: Adaptação do esquema do procedimento da concepção até a correção. ........................... 55
Figura 12: Enunciado das Questões 1 e Questão 2. ............................................................................. 58
Figura 13: Enunciado das Questões 3 e Questão 9. ............................................................................. 61
Figura 14: Enunciado das Questões 4 e Questão 5. ............................................................................. 62
Figura 15: Enunciado das Questões 6 e Questão 7. ............................................................................. 64
Figura 16: Enunciado da Questão 8. ..................................................................................................... 65
Figura 17: A pirâmide com a indicação da altura do aluno 17, na questão 8. ...................................... 65
Figura 18: Planificação da questão 1. ................................................................................................... 68
Figura 19: Protocolo de A7 da Questão 1a. .......................................................................................... 80
Figura 20: Protocolo de A10 da Questão 1b e 1c. ................................................................................ 82
Figura 21: Protocolo de A5 da Questão 1b e 1c. .................................................................................. 83
Figura 22: Protocolo de A1 da Questão 1c. .......................................................................................... 83
Figura 23: Protocolo de A7 da Questão 1b. .......................................................................................... 83
Figura 24: Protocolos de A3 e de A20 da Questão 2a e 2c. .................................................................. 87
Figura 25: Protocolo de A1 da Questão 4b. ........................................................................................ 103
Figura 26: Protocolo de A4 da Questão 4b. ........................................................................................ 103
Figura 27: Protocolo de A12 da Questão 4b. ...................................................................................... 104
Figura 28: Protocolo de A7 da Questão 7a. ........................................................................................ 113
Figura 29: Protocolo de A1 da Questão 7b. ........................................................................................ 115
Figura 30: Protocolo de A4 da Questão 7b. ........................................................................................ 115
Figura 31: Protocolo de A6 da Questão 8. .......................................................................................... 119
Figura 32: Protocolo de A3 da Questão 8. .......................................................................................... 119
Figura 33: Protocolo de A10 da Questão 8). ....................................................................................... 120
Figura 34: Protocolo de A8 da Questão 8. .......................................................................................... 120
Figura 35: Produção de uma fita de Möbius, numa atividade de Artes.............................................. 124
Figura 36: Protocolo de A1 das Questões 1b) e 1c). ........................................................................... 126
Figura 37: Protocolo de A6 da Questão 4b)........................................................................................ 131
Figura 38: Protocolo de A6 da Questão 1c). ....................................................................................... 136
Figura 39: Protocolo de A18 da Questão 6. ........................................................................................ 143
16
17
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Níveis de representações .................................................................................................... 43
Quadro 2: Respostas dos alunos para o teste ...................................................................................... 45
Quadro 3: Níveis de aprendizagem de Geometria segundo Parzysz .................................................... 50
Quadro 4: Classificação das respostas dos alunos, da questão Q1a). .................................................. 59
Quadro 5: Classificação das respostas dos alunos, na questão Q2a). .................................................. 59
Quadro 6: Classificação das respostas dos alunos, da questão Q1b). .................................................. 59
Quadro 7: Classificação das respostas dos alunos da questão Q2b). ................................................... 59
Quadro 8: Classificação das respostas dos alunos na questão Q1c) ..................................................... 60
Quadro 9: Classificação das respostas dos alunos da questão Q2c). .................................................... 60
Quadro 10: Classificação das respostas dos alunos na questão Q3...................................................... 61
Quadro 11: Classificação das respostas da questão Q9........................................................................ 61
Quadro 12: Classificação das respostas dos alunos na questão Q4. ...................................................... 62
Quadro 13: Classificação das respostas dos alunos na questão Q5. ...................................................... 63
Quadro 14: Classificação das respostas da questão Q6. ....................................................................... 64
Quadro 15: Classificação das respostas dos alunos na questão Q7. ...................................................... 64
Quadro 16: Classificação das respostas dos alunos na questão Q8...................................................... 66
Quadro 17: Exercício proposto em livro didático do 9o ano ................................................................. 72
Quadro 18: Classificação das respostas à Questão 1.a). ....................................................................... 85
Quadro 19: Classificação das respostas aos itens 1b e 1c. ................................................................... 85
Quadro 20: Classificação das respostas aos itens 2a e 2c. ................................................................... 92
Quadro 21: Classificação das respostas à Questão 2b). ....................................................................... 92
Quadro 22: Classificação das respostas ao item 2d. ............................................................................. 92
Quadro 23: Classificação das respostas ao item 3a. ............................................................................. 98
Quadro 24: Classificação das respostas ao item 3b. ............................................................................. 99
Quadro 25: Classificação das respostas à Questão 4.a). ..................................................................... 105
Quadro 26: Classificação das respostas à Questão 4.b). .................................................................... 105
Quadro 27: Classificação das respostas à Questão 5. ......................................................................... 108
Quadro 28: Classificação das respostas à Questão 6. ......................................................................... 110
Quadro 29: Classificação das respostas à Questão 7.a). ..................................................................... 117
Quadro 30: Classificação das respostas à Questão 7.b). .................................................................... 117
Quadro 31: Classificação das respostas à Questão 7.c). ..................................................................... 117
Quadro 32: Classificação das respostas à Questão 10. ....................................................................... 122
Quadro 33: Resumo dos resultados obtidos por A1. .......................................................................... 126
Quadro 34: Resumo dos resultados obtidos por A2. .......................................................................... 127
Quadro 35: Resumo dos resultados obtidos por A3. .......................................................................... 128
Quadro 36: Resumo dos resultados obtidos por A4. .......................................................................... 129
Quadro 37: Resumo dos resultados obtidos por A5. .......................................................................... 130
Quadro 38: Resumo dos resultados obtidos por A6. ........................................................................... 131
Quadro 39: Resumo dos resultados obtidos por A7. .......................................................................... 132
Quadro 40: Resumo dos resultados obtidos por A8. .......................................................................... 133
Quadro 41: Resumo dos resultados obtidos por A9. .......................................................................... 134
Quadro 42: Resumo dos resultados obtidos por A10. ........................................................................ 135
Quadro 43: Resumo dos resultados obtidos por A11. ........................................................................ 136
18
Quadro 44: Resumo dos resultados obtidos por A12. ........................................................................ 137
Quadro 45: Resumo dos resultados obtidos por A13. ........................................................................ 138
Quadro 46: Resumo dos resultados obtidos por A14. ........................................................................ 139
Quadro 47: Resumo dos resultados obtidos por A15. ........................................................................ 140
Quadro 48: Resumo dos resultados obtidos por A16. ........................................................................ 141
Quadro 49: Resumo dos resultados obtidos por A17. ........................................................................ 142
Quadro 50: Resumo dos resultados obtidos por A18. ........................................................................ 143
Quadro 51: Resumo dos resultados obtidos por A19. ........................................................................ 144
Quadro 52: Resumo dos resultados obtidos por A20. ........................................................................ 145
Quadro 53: Resumo dos resultados obtidos por A21. ........................................................................ 146
Quadro 54: Resumo dos resultados obtidos por A22. ........................................................................ 147
Quadro 55: Resumo dos resultados dos 22 participantes. ................................................................... 149
19
Sumário
RESUMO............................................................................................................................................................ 11
ABSTRACT ......................................................................................................................................................... 13
LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................................................. 15
LISTA DE QUADROS ........................................................................................................................................... 17
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................... 21
1. JUSTIFICATIVA ............................................................................................................................................... 27
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ......................................................................................................................... 31
2.1. ANGEL GUTIÉRREZ .................................................................................................................................. 36
2.2. BERNARD PARZYSZ ................................................................................................................................. 42
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................................................................................ 57
3.1. TAREFA DE RECONHECIMENTO E ANÁLISE ................................................................................................ 57
3.2. INSTRUMENTO DIAGNÓSTICO ................................................................................................................... 66
3.2.1. Análise das questões do instrumento................................................................................................ 67
3.2.2. Análise das respostas dos participantes às questões da atividade diagnóstica ................................. 77
3.2.3. Análise dos protocolos por aluno .................................................................................................. 125
4. CONCLUSÕES............................................................................................................................................... 151
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................................. 157
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................. 159
APÊNDICE A .................................................................................................................................................... 161
APÊNDICE B ..................................................................................................................................................... 165
APÊNDICE C ..................................................................................................................................................... 171
APÊNDICE D .................................................................................................................................................... 173
ANEXO I - TCLE ................................................................................................................................................ 175
ANEXO II ......................................................................................................................................................... 177
ANEXO III ........................................................................................................................................................ 179
20
21
INTRODUÇÃO
A escolha do tema surgiu do meu interesse pelo Ensino de Geometria e pela
observação das dificuldades apresentadas pelos alunos na resolução de problemas envolvendo
Geometria Espacial, principalmente no que se refere à visualização. Quando estudante, ao
resolver problemas que envolviam cálculos de áreas, volumes, apótemas e altura de pirâmides,
não era tarefa simples conseguir visualizar a figura tridimensional representada no plano e
interpretá-la com todas suas propriedades. Precisava pegar ou até mesmo construir um modelo
concreto para encontrar caminhos para a resolução. Como professora, deparei-me com a
dificuldade que muitos alunos apresentavam para “enxergarem” o que estava tão claro para
mim, mas que eles não conseguiam “ver”. Como é difícil mostrar a minha “visualização” aos
alunos, comecei a selecionar embalagens como caixas de presentes com vários formatos, latas,
esferas, pirâmides para usá-las durante as minhas aulas, acreditando que isto auxiliaria na
visualização dos alunos, mas de acordo com as ideias de Gutiérrez, das quais compartilhamos1,
as habilidades espaciais são complexas, pois dependem das imagens e das representações
mentais que cada indivíduo faz do concreto.
Escolhemos focar nossa pesquisa nos aspectos relacionados à visualização em
Geometria por entender que são necessárias e importantes no processo de criação de imagens,
seja mentalmente, na tela do computador ou com lápis e papel, para servir de suporte para
raciocinar e “enxergar” soluções de uma situação problema de formas diferentes presentes em
diversas áreas do conhecimento, como por exemplo, quando nos deparamos com maquetes
(Arquitetura ou Arte), no estudo do movimento dos planetas (Física ou Meteorologia), nas
representações das moléculas de carbono (Química ou Geologia), nas pinturas (Arte), nas
construções das mais variadas formas (Engenharia, Arquitetura, Joalheria, Marcenaria ou
Arte) ou em outdoors (Propaganda ou Arte).
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental
(BRASIL, 1998a, p. 51) de Matemática, o estudo dos conceitos geométricos pode desenvolver
no aluno um tipo especial de pensamento que lhe permite compreender, descrever e
representar, de forma organizada, o mundo em que vive. As noções geométricas contribuem
para a aprendizagem de números e medidas, pois estimulam a criança a observar, perceber
semelhanças e diferenças e identificar regularidades. Além disso, se estes conceitos forem
1 Deste ponto em diante, neste trabalho, vamos usar a primeira pessoa do plural (nota do autor).
22
desenvolvidos a partir da exploração de objetos do mundo físico, como obras de arte, pinturas,
desenhos, esculturas e artesanato, o aluno poderá estabelecer conexões entre a Matemática e
outras áreas conhecimento. Ainda nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio
usar as figuras geométricas para representar ou visualizar partes do mundo real é uma
capacidade importante para a compreensão e a construção de modelos para a
resolução de questões de Matemática e de outras disciplinas, possibilitando ao aluno o
desenvolvimento das habilidades de visualização, de desenho, de argumentação lógica
e de aplicação na busca de solução de problemas (BRASIL, 2002, p. 123).
Para Gutierrez (1996a), a visualização é a principal base da cognição, considerada
relevante em diversas áreas do conhecimento. As representações gráficas ou verbais de
conceitos ou propriedades, que incluem figuras, desenhos e diagramas, ajudam a criar ou
transformar as imagens mentais e o raciocínio visual de cada indivíduo. São chamadas de
representações externas e são elementos que compõem a visualização. Devem aparecer
quando o aluno realiza atividades com objetos manipuláveis, aos quais podemos associar três
questões, relativas à aprendizagem, que são ligadas e interagem umas com as outras. São elas:
a do desenvolvimento das habilidades de percepção espacial com o manuseio de
modelos tridimensionais;
a da elaboração de um sistema de propriedades geométricas e de uma linguagem que
permitam agir nesse desenvolvimento do processo de visualização;
a de codificação e de decodificação de representações bidimensionais de figuras
tridimensionais.
Considerando que as questões desta pesquisa estão relacionadas com habilidades de
visualização que são utilizadas na produção e na interpretação de representações planas de
figuras tridimensionais, destacamos a importância da visualização apontada nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN)
as habilidades de visualização, desenho, argumentação lógica e de aplicação na
busca de soluções para problemas podem ser desenvolvidas com um trabalho
adequado de Geometria, para que o aluno possa usar as formas e propriedades
geométricas na representação e visualização de partes do mundo que o cerca. Essas
competências são importantes na compreensão e ampliação da percepção de espaço
e construção de modelos para interpretar questões da Matemática e de outras áreas
do conhecimento (BRASIL, 1998b, p.44).
As principais funções da representação plana de figuras tridimensionais, conforme os
Parâmetros Curriculares Nacionais (1998a) são as seguintes:
Visualizar, fazer ver, resumir;
ajudar a provar;
ajudar a fazer conjecturas (BRASIL, 1998a, p. 125).
23
A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEESP), em 2008, propôs um
currículo básico para as escolas da rede estadual, tanto para o nível II do EF como para o EM,
visando apoiar o trabalho realizado nas escolas estaduais e contribuir com a melhoria da
qualidade da aprendizagem dos alunos. Adota como competências para aprender aquelas que
foram formuladas no referencial teórico do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM),
entendidas como competência para a leitura e para a escrita, para cada uma das cinco
competências: currículo é cultura; currículo referido e competências; currículo que tem como
prioridade a competência leitora e escritora; currículo que articula competências para
aprender; currículo contextualizado no mundo do trabalho.
Como parte dessa Proposta Curricular, existe o Caderno do Gestor, com orientações
para a sua implantação e o Caderno do Professor e do Aluno, organizados por disciplina/série,
ano/bimestre, com Situações de Aprendizagem para orientar o trabalho do professor e a
aprendizagem dos alunos.
Com relação aos conteúdos de Geometria no Ensino Fundamental, a Proposta propõe a
classificação das figuras planas e espaciais, preferencialmente trabalhadas em contextos
concretos com os alunos de todos os anos. Propõe uma abordagem “em espiral”, de forma que
os grandes temas devem aparecer tanto nos anos do Ensino Fundamental como nas séries do
Ensino Médio, com diferença na escala do tratamento dado ao tema, buscando entrelaçar
continuamente as geometrias plana e espacial, retomar e aprofundar.
Em relação à distribuição dos conteúdos, a Geometria é abordada no 3º bimestre do 6º
ano do EF, com formas geométricas, planas e espaciais; no 2º bimestre do 7º ano, com
identificação e planificação de poliedros; no 4º bimestre dos dois anos finais do EF, com
prismas e cilindros para identificar e construir; e no EM, a geometria Espacial é abordada
apenas no 4º bimestre da 1ª e da 2ª séries, nos estudos de polígonos inscritos e geometria
espacial, respectivamente.
Assim, consideramos que a Proposta Curricular do Estado de São Paulo também
corrobora nossa preocupação com o tema visualização.
Além das orientações curriculares como Parâmetros Curriculares Nacionais para o
Ensino Básico e Proposta Curricular do Estado de São Paulo, procuramos também trabalhos
científicos relacionados à visualização em Geometria e que corroborassem nossa preocupação
com o tema. Encontramos pesquisas como as de Gutierrez (1996a) e de Parzysz (1988, 2006),
que apontam que há problemas na representação plana de figuras espaciais, pois sempre há
24
perda de informação quando representamos figuras2 geométricas, sejam bidimensionais ou
tridimensionais. Além disso, Parzysz (1988), em seu artigo “Problemas da Representação
Plana de Figuras Geométricas Espaciais”, ressalta que existe um conflito entre o
conhecimento que o aluno tem das propriedades de uma figura geométrica (polo do sabido) e
o que consegue ver na representação desta (polo do visto). Destacamos também as
dissertações de Carvalho (2010), Becker (2009), Sousa (2010) e Bernardes (2014), que
evidenciam preocupação com as dificuldades encontradas por alunos na elaboração e na
interpretação de representações planas de figuras tridimensionais.
Por volta de 1980, Gutierrez (1996a) afirma que as representações gráficas e visuais
são muito importantes no ensino de Matemática, o que vinha sendo reconhecido por muitos
educadores e professores de Matemática de vários países e manifesta preocupação pelas
dificuldades na visualização de representações planas de figuras tridimensionais, o que
reforça nossa ideia em relação às dificuldades apresentadas por nossos alunos e o desejo de
elaborar abordagens que possam contribuir para desenvolver a visualização. Gutierrez afirma
também que sempre que estamos manejando objetos espaciais e nos vemos obrigados a
representá-los no plano, deparamo-nos com um problema relacionado com a visão espacial e
com a habilidade para elaborar tais representações (codificação) ou para interpretá-las
corretamente (decodificação). Concordamos com Gutierrez que considera a "visualização" em
Matemática como um tipo de atividade de raciocínio, com a utilização de elementos visuais
ou espaciais, físicos ou mentais, realizados para resolver problemas ou provar propriedades e
acredita que há um consenso geral de que a visualização é um componente básico para o
ensino e a aprendizagem em geometria tridimensional.
A leitura dessas pesquisas, que destacam as dificuldades apresentadas por alunos na
elaboração e na interpretação da representação plana de figuras tridimensionais, reforça nossa
ideia de que há necessidade de promover o desenvolvimento das habilidades de visualização,
pela sua importância nos processos de ensino e de aprendizagem, pois pode levar o aluno a
aprender a pensar de maneira diferente para encontrar a solução de uma situação problema.
Desse modo, entendemos que os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Básico (BRASIL, 1997), Gutiérrez (1996a) e Parzysz (1988; 2006) reforçam nossa
preocupação com o desenvolvimento das habilidades de visualização, muito importantes na
elaboração e na interpretação de representações planas de figuras tridimensionais e da
capacidade de apresentar justificativas, essencial para a aprendizagem de Geometria. Assim,
2Neste trabalho, adotamos a palavra figura para designar o objeto matemático abstrato, conforme ideia de
(PARZYSZ, 1988, p. 80)
25
fica justificada nossa pesquisa com a aplicação de um diagnóstico, cujos resultados podem
contribuir para a elaboração de novas abordagens e de atividades que busquem desenvolver
percepções em nossos alunos e que, a nosso ver, estão relacionadas às habilidades de
visualização e aos tipos de argumentos utilizados para justificar as respostas dadas.
Colocamos, como objetivo de nossa pesquisa, verificar se alunos de 3ª série do Ensino
Médio mostram ter desenvolvido habilidades de visualização em Geometria Espacial e se,
quando questionados ou não, preocupam-se em justificar o raciocínio feito. Com este objetivo,
formulamos duas questões de pesquisa: 1. “Quais habilidades de visualização alunos de 3ª
série do Ensino Médio mostram ter desenvolvido ao longo da escolaridade?” e 2.“Que tipos
de argumentos utilizam para justificar a resposta dada?”, segundo aportes teóricos de
Gutiérrez e Parzysz, que apresentamos no Capítulo 2.
A metodologia por nós utilizada é a de uma pesquisa diagnóstica com análise
qualitativa dos dados e foram utilizados dois instrumentos. O primeiro é uma tarefa de
reconhecimento e o segundo, um questionário diagnóstico.
O corpo do nosso trabalho estará estruturado da seguinte forma:
No capítulo 1, fazemos uma discussão generalizada sobre as dificuldades apresentadas por
alunos no estudo de Geometria Espacial, principalmente na elaboração e interpretação de
desenhos bidimensionais de figuras tridimensionais e nos baixos índices de acerto em
algumas provas institucionais, tais como na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas
Públicas (OBMEP), no Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar de São Paulo
(SARESP) e na Avaliação da Aprendizagem em Processo (AAP). Também apresentamos a
matriz de referência para o SARESP.
No capítulo 2, apresentamos algumas pesquisas já realizadas que tratam das dificuldades
apresentadas por alunos nos processos de ensino e de aprendizagem no estudo de Geometria
Espacial, relacionadas com a nossa pesquisa, como as de Gutiérrez (1996a), na Espanha, com
o uso de software que representa os poliedros em perspectiva, permitindo girá-los com o
objetivo de refletir sobre representações planas de figuras tridimensionais e verificar os tipos
de imagens e quais habilidades de visualização mental são utilizados pelos alunos; de Parzysz
(1988), sobre a perda de informação ao representar uma figura tridimensional no plano e
sobre o conflito dos polos do visto e do sabido; Parzysz (2006), que apresenta uma
classificação para o ensino de Geometria, composta por quatro etapas do desenvolvimento do
raciocínio geométrico (G0, G1, G2, G3); e outras realizadas no Brasil, como as de Carvalho
(2010), sobre o desenvolvimento da habilidade para codificação de representações planas de
26
figuras tridimensionais; de Sousa (2010), com o objetivo investigar se a utilização de imagens
externas variadas pode contribuir para o desenvolvimento do processo e de habilidades de
visualização e quais destas podem ser desenvolvidas; de Becker (2009), com o objetivo de
desenvolver a imagem mental e a habilidade de representação plana de sólidos
tridimensionais; e de Bernardes (2013), com o objetivo estudar o desenvolvimento de
habilidades espaciais, como rotação mental, percepção espacial e visualização espacial,
sugeridas por Gutiérrez (1996a).
No capítulo 3, apresentamos os procedimentos metodológicos adotados para o
desenvolvimento do nosso estudo, que pode ser classificada como uma pesquisa diagnóstica,
com análise qualitativa dos dados. Elaboramos dois instrumentos, o primeiro que chamamos
de tarefa de reconhecimento e o segundo, um instrumento diagnóstico. A tarefa de
reconhecimento, composta de 9 questões, com o objetivo de verificar o conhecimento básico
da Geometria Plana e Espacial dos participantes e o instrumento diagnóstico, com 10 questões,
com foco nas habilidades de visualização e em tipos de justificativas. Apresentamos os dois
instrumentos, com as respectivas análises, tanto por aluno como por questão.
No capítulo 4, apresentamos as conclusões que pudemos tirar das análises dos protocolos
obtidos com os dois instrumentos de pesquisa e as respostas às nossas duas questões de
pesquisa.
No capítulo 5, apresentamos nossas considerações finais, visando recapitular os resultados da
pesquisa e sugerir questões e encaminhamentos para pesquisas futuras.
Todas as respostas obtidas nos protocolos da tarefa de reconhecimento e no instrumento
diagnóstico foram incluídas no volume da dissertação, como APÊNDICE C e APÊNDICE D. Os
arquivos correspondentes a esses dados, bem como as análises detalhadas e que não foram
incluídas no texto, encontram-se em nossa posse e podem ser obtidos por qualquer pessoa que
queira utilizá-los pelo e-mail: [email protected].
mailto:[email protected]
27
1. JUSTIFICATIVA
Observamos que alunos do Ensino Médio demonstram interesse pelo estudo de sólidos
geométricos, mas apresentam dificuldades em alguns conceitos de Geometria Espacial,
principalmente na elaboração e na interpretação de desenhos bidimensionais de figuras
tridimensionais. Estas dificuldades se refletem nos baixos índices de acerto em algumas
provas institucionais, como na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas
(OBMEP), organizada pelo IMPA; no Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar de São
Paulo (SARESP) e na Avaliação da Aprendizagem em Processo (AAP), ambas da Secretaria
da Educação do Estado de São Paulo.
A OBMEP é uma realização do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada
(IMPA) e tem como objetivo estimular o estudo da Matemática em alunos das escolas
públicas, contribuir para a melhoria da qualidade da Educação Básica e revelar jovens talentos
na área. A OBMEP ocorre anualmente em duas fases, a 1ª fase na escola inscrita, com
aplicação de prova com questões de múltipla escolha, corrigida pelos professores da unidade;
a 2ª é realizada nos “centros de aplicação” cuja prova é elaborada com questões abertas.
SARESP é uma prova aplicada pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo
para avaliar o Ensino Básico na rede estadual, anualmente desde 1996. Em 2007, passou a
utilizar a metodologia dos exames nacionais (SAEB e PROVA BRASIL), permitindo a
comparação de resultados para calcular o índice de Desenvolvimento da Educação do Estado
de São Paulo (Idesp). As disciplinas avaliadas são Língua Portuguesa, Matemática e Ciências
da Natureza (7º e 9º anos do Ensino Fundamental e 3º série do Ensino Médio).
Os indicadores relativos a esta avaliação são obtidos por uma Escala de Proficiência,
por intermédio da qual se define o quanto e o quê cada aluno ou escola realizou no contexto
do exame SARESP.
A Avaliação da Aprendizagem em Processo é uma avaliação desenvolvida de modo
colaborativo entre a Coordenadoria de Gestão da Educação Básica, a Coordenadoria de
Informação, Monitoramento e Avaliação Educacional e um grupo de Professores
Coordenadores das Oficinas Pedagógicas de diferentes Diretorias de Ensino, com aplicação
no início de cada bimestre, no Estado de São Paulo. Foi implantada, como piloto, em agosto
de 2011, teve como foco o 6º ano do Ensino Fundamental II (5ª a 8ª) e a 1ª série do Ensino
Médio. A versão 2012 ampliou sua abrangência e passou a contemplar quatro anos/séries
distintos/as: o 6° e o 7° anos do Ensino Fundamental (Ciclo II) e a 1ª e a 2ª séries do Ensino
28
Médio, contendo dez questões para todos os anos e séries avaliadas: cinco de múltipla escolha
com quatro alternativas e cinco abertas. As provas são elaboradas com base nos
conhecimentos necessários para o desenvolvimento das situações de aprendizagem propostas
para o 1º e o 2º semestres de 2012, conforme o Currículo Oficial do Estado de São Paulo e a
Matriz de Referência para o SARESP (2009), com adaptações, buscando incluir os diferentes
grupos e temas contemplados nessa matriz. No início, as provas consideraram a avaliação de
habilidades cognitivas, noções e procedimentos matemáticos que, em geral, são desenvolvidos
no semestre anterior. Nas questões objetivas, foram utilizadas situações problema, em que os
alunos deveriam mobilizar noções e procedimentos matemáticos para resolvê-las; as questões
abertas foram elaboradas com o objetivo de avaliar os conhecimentos dos estudantes, por
meio de diferentes tipos de registros e representações, segundo (SP, 2009).
Desde 2013, até o 1º semestre de 2015, as versões das provas AAP contemplaram
habilidades das Matrizes de Referência para a Avaliação SAEB, o SARESP e o Caderno do
Aluno e foram utilizados itens constantes nas provas já aplicadas no ENEM e na Prova Brasil.
A avaliação incluiu os 8º e 9º anos do Ensino Fundamental e a 3ª série do Ensino Médio, com
a finalidade de abranger o conteúdo curricular e atender às demandas da rede.
No início do 2º semestre de 2015, a AAP para todas as séries avaliadas passa a
contemplar somente conteúdos do bimestre anterior, de acordo com o Currículo Oficial do
Estado de São Paulo.
Dessas nove AAP realizadas, observamos que em 12 questões de Geometria que
envolvem a interpretação de representações planas de figuras tridimensionais, algumas do tipo
teste e outras abertas. Cinco delas apresentaram taxa de acerto inferior a 50% (por exemplo,
em uma dessas 5 questões, apenas 69 entre 234 alunos da 2ª série do Ensino Médio, da escola
onde trabalhamos, acertaram a questão), o que mostra que esses alunos têm dificuldades no
assunto Geometria, em particular em questões que envolvem tais representações. Para ilustrar,
escolhemos uma questão tipo teste, da avaliação do 1º semestre de 2014:
29
Entre os nossos alunos da 2ª série que fizeram a prova, mais de 70% errou a questão e, entre
estes, alguns preencheram as faces vazias com 6, 5 e 4 pontos, porém sem verificar se as faces
escolhidas eram faces opostas ou que a soma dos pontos é sete; como a questão é do tipo teste,
não tivemos como saber o que motivou esses erros. Frente às dificuldades a partir de
resultados como estes, que apontam que estes alunos não conseguem estabelecer relações
entre a figura espacial e a sua planificação, mostram não ter imagens mentais do cubo
montado com os números nas faces, para identificar as faces opostas das faces enumeradas,
perguntamo-nos se elas podem ser causadas pela falta de visualização em Geometria. Para
responder este nosso questionamento propusemo-nos a desenvolver uma pesquisa do tipo
diagnóstico, com o objetivo de verificar se alunos de 3ª série do Ensino Médio mostram ter
desenvolvido habilidades de visualização em Geometria Espacial e se, quando questionados
ou não, preocupam-se em justificar o raciocínio feito.
30
31
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Definidos nossos objetivos e nossas questões de pesquisa, iniciamos um percurso pela
literatura específica, numa tentativa de situar nossa investigação na área de Educação
Matemática. Inicialmente, fomos em busca de pesquisas já realizadas e que tratam das
dificuldades apresentadas por alunos nos processos de ensino e de aprendizagem no estudo de
Geometria Espacial, relacionadas com a visualização, com a planificação, com a
representação plana de figuras espaciais e que tratam de identificar que tipos de justificativas
são utilizados na resolução de um problema de Geometria.
Neste capítulo, apresentamos os resumos de algumas dessas pesquisas, como as de
Gutiérrez (1996a), na Espanha, de Parzysz (1988), na França; e outras realizadas no Brasil,
como as de Carvalho (2010), sobre o desenvolvimento da habilidade para a codificação de
representações planas de figuras tridimensionais; de Sousa (2010), com o objetivo de
investigar se a utilização de imagens externas variadas pode contribuir para o
desenvolvimento do processo e de habilidades de visualização e quais destas podem ser
desenvolvidas; de Becker (2009), com o objetivo de desenvolver a imagem mental e a
habilidade de representação plana de sólidos tridimensionais e de Bernardes (2013), com o
objetivo de estudar o desenvolvimento de habilidades espaciais, como rotação mental,
percepção espacial e visualização espacial, sugeridas por Gutiérrez (1996a).
Num de seus artigos, Gutiérrez (1996a) apresenta resultados de uma pesquisa realizada
na Espanha com alunos de várias faixas etárias (7 a 17 anos). Tal pesquisa utilizou software
que representa os poliedros em perspectiva e permite girá-los em torno de eixos vertical,
horizontal e ortogonal à tela. Numa das atividades, é solicitado aos alunos que girassem os
sólidos na tela do computador, a partir de uma posição inicial, para uma posição final
desenhada em papel, com o objetivo de refletir sobre problemas na utilização de
representações planas de figuras tridimensionais e verificar quais tipos de imagens e quais
habilidades de visualização mental os alunos utilizam durante a resolução das atividades.
Para alunos de 7 a 8 anos, Gutiérrez utiliza cubos com imagens diferentes em cada
face, para a análise das imagens e das habilidades de visualização mental. Nessa pesquisa,
Gutiérrez (1996a) observa que muitas crianças das séries iniciais do ensino fundamental
tendem a prestar atenção apenas na face frontal, preveem a posição da figura depois de uma
volta, mas não criam uma imagem mental dinâmica do cubo todo, o que as leva a cometer
erros, por falta de algumas habilidades de visualização. Segundo ele, tais erros podem ser a
32
origem das dificuldades encontradas posteriormente. Gutiérrez conclui que existem algumas
vantagens no uso de softwares que representam os poliedros em perspectiva, pois estes
possibilitam a visualização dos sólidos em posições variadas na tela, permitindo formar
imagens mentais mais ricas e diversificadas do que no livro, melhorando a capacidade de criar
imagens mentais dinâmicas, que servem como ponto de partida para a produção do raciocínio
visual.
Becker (2009) teve como objetivo desenvolver a imagem mental e a habilidade de
representação plana de sólidos tridimensionais, num trabalho com alunos de terceiro ano do
Ensino Médio e coloca a seguinte questão: “Uma sequência de atividades pode auxiliar no
desenvolvimento da capacidade de visualização e representação plana de figuras
tridimensionais?”. Utilizou para a fundamentação teórica os cinco níveis propostos pela teoria
de van Hiele (1986, apud BECKER, 2009, p. 22) para analisar o processo de desenvolvimento
do conhecimento geométrico; as ideias de Gutiérrez (1991), para a visualização geométrica e
a representação de sólidos no plano; e a teoria de Piaget3 (1993, apud BECKER, 2009, p. 31),
para a relação entre o objeto e a construção do espaço. Para responder a questão de pesquisa,
Becker realizou, primeiramente, diversas atividades piloto com alunos do Ensino Básico e do
Ensino Superior, cuja análise serviu de guia para a elaboração da “sequência didática” final,
que foi aplicada com 18 alunos do terceiro ano do Ensino Médio de uma escola particular.
Para essa “sequência”, com base nas ideias de Piaget, criou um aparato que chamou “caixa de
Becker”, pelo qual é possível interagir, por meio do tato, com os sólidos colocados dentro de
uma caixa fechada e opaca, através de dois furos arredondados, colocados em faces opostas,
de tamanhos suficientes para um indivíduo inserir a mão e tocar o objeto. O objetivo é
identificar o sólido e suas partes, sem vê-lo, para depois fazer uma representação plana do
objeto “sentido”. As produções dos alunos foram fotografadas e registradas pela coleta de
tarefas realizadas. Para a análise dos dados, foram considerados os protocolos dos 18 alunos
que participaram de todas as atividades. Becker constatou que os participantes aprenderam o
conteúdo discutido, porque passaram a compreender a representação plana utilizada, o que
possibilitou a visualização da figura e a associação das informações dadas no enunciado com
os elementos da figura. Concluiu que a “sequência didática” auxiliou os alunos no
desenvolvimento da capacidade de visualização geométrica e na representação plana de
objetos tridimensionais.
3 Piaget, J. e Inhelder, B.: A imagem mental na Criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
33
Vale acrescentar Bernardes (2013) que teve por objetivo estudar o desenvolvimento de
habilidades espaciais, como rotação mental, percepção espacial e visualização espacial,
sugeridas por Gutiérrez (1996a), conforme veremos em 2.1, com a utilização de objetos
digitais de aprendizagem que haviam sido desenvolvidos pelo Freudenthal Institute for
Science and Mathematics Education, Universiteit, Utrecht, Holanda. Realizou a experiência
com 11 alunos do sexto ano do Ensino Fundamental, com idades entre 10 e 12 anos, que ainda
não tinham sido expostos a situações de manipulação de objetos espaciais.
Para elaborar as atividades da “sequência didática”, Bernardes analisou três coleções
didáticas de Matemática para o Ensino Fundamental II, de autores que foram aprovados pelo
Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) para o triênio 2014, 2015 e 2016 e o critério de
escolha foi a indicação destas coleções pelo grupo de professores da escola em que o
pesquisador leciona. Apesar destas coleções não terem sido enviadas à escola, a análise foi
importante para a pesquisa, pois as atividades propostas pelos autores utilizam o módulo
multicubo apontado por Gutiérrez (1998) e por Grande4 (1994) como uma das formas de
desenvolver habilidades espaciais, o que contribuiu para a elaboração da “sequência didática”.
A metodologia utilizada foi a chamada estudo de caso que, segundo Yin5 (2003), é
uma estratégia de pesquisa abrangente, perfazendo a concepção do projeto, a técnica da coleta
de dados e a abordagem específica para a análise dos dados coletados. Participaram das
atividades 11 alunos do professor pesquisador, no horário do contra turno. Em seis encontros
de uma hora e quarenta minutos de duração, mais um encontro extra para fechamento da
intervenção, foram realizadas oito atividades, cinco com a manipulação de objetos digitais,
num ambiente informático, e três no papel. Em uma dessas atividades, os alunos receberam do
professor um sólido multicubo e uma folha quadriculada para representarem as seis vistas,
indicadas por setas, do sólido multicubo (frontal, superior, inferior, esquerda, direita, traseira).
Foram utilizados para análise as anotações feitas pelo próprio pesquisador, as capturas
das telas e os registros individuais, em arquivo virtual ou papel, com o relato das facilidades
ou dificuldades de cada aluno na realização de cada atividade.
Essa análise baseou-se nas teorias de Voyer e Bryden6 (1995), Grande (1994) e
Gutiérrez (1991). O autor conclui que é possível iniciar um trabalho de desenvolvimento
4 Grande, John J. Del. Percepção especial e geometria primária. In: LINDQUIST, Mary Montgomery; SHULTE,
Albert P. (Org.). Aprendendo e ensinando Geometria. São Paulo: Atual, 1994, 308 p. Tradução de : Hygino H.
Domingues. 5 YIN, Robert K.. Case study research: design and methods. 3. ed. Sage Publications, 2003.
6 VOYER, Daniel; VOYER, Susan; BRYDEB, M. P. Magnitude of ex differences in spatial abilities: a meta-
analysis and consideration of critical variables. Psychological Bolletin, Califórnia, v. 117, n, p. 250-270, 1995.
Bimestral.
34
destas habilidades ainda no Ensino Fundamental e que objetos digitais de aprendizagem
podem auxiliar no desenvolvimento de habilidades espaciais, pois alunos conseguiram
rotacionar objetos mentalmente, sem precisar recorrer às imagens obtidas nas telas do
computador para girar a figura e obter outras vistas. Observa que atividades como esta
deveriam ser desenvolvidas ao longo do Ensino Fundamental, para que os alunos tenham
menos dificuldades no Ensino Médio.
Verificamos que Carvalho (2010) teve por objetivo desenvolver a habilidade de
representação plana de figuras tridimensionais, num trabalho com 13 alunos de um terceiro
ano do Ensino Médio e colocou a seguinte questão de pesquisa: “Quais são as contribuições
de uma sequência de atividades envolvendo o uso de materiais manuseáveis e recursos
informáticos para a codificação e decodificação de desenhos de corpos geométricos
tridimensionais, realizadas por alunos do Ensino Médio?”.
Para a fundamentação teórica, utilizou as ideias de Parzysz (1988; 2006) sobre a
representação plana de figuras espaciais, o trabalho de Mitchelmore7 (1980), sobre desenhos
em perspectiva e os estudos de Gutiérrez (1998a, 1996a) sobre a importância da
aprendizagem das técnicas de projeção. Para responder a questão, aplicou inicialmente um
pré-teste para avaliar o conhecimento prévio dos participantes em Geometria Espacial e nas
representações planas de sólidos tridimensionais. A partir dos resultados desse pré-teste,
elaborou uma sequência de atividades, com 16 questões, que chamou de pós-teste, e o utilizou
com 13 alunos do Ensino Médio. Para responder as questões propostas, os alunos tinham
materiais manuseáveis e recursos informáticos.
Carvalho analisou os protocolos dos dois testes segundo as teorias de Parzysz (1988),
Mitchelmore (1980) e Gutiérrez (1998a, 1996a), comparou os resultados e concluiu que, para
o grupo de 13 alunos que participou da pesquisa, a sequência de atividades, com o uso de
materiais manipuláveis e de recursos informáticos, favoreceu a formação de imagens mentais,
fundamentais para os processos de codificação e de decodificação de desenhos de figuras
espaciais e promoveu um avanço no vocabulário adequado para a Geometria Espacial. Sugere
que essa sequência didática seja uma proposta de ensino para o Ensino Médio.
Mencionamos ainda, Souza (2010) que teve como objetivo investigar se a utilização
de imagens externas variadas pode contribuir para o desenvolvimento do processo e de
habilidades de visualização e quais destas podem ser desenvolvidas, com as seguintes
7 MITCHELMORE, Michael Charles. Prediction of Developmental Stages in the Representation of Regular
Space Figures. Journal For Research In Mathematics Education, Reston, v. 11, n. 2, p. 83-93, mar. 1980.
Disponível em: http:/www.uv.es/Angel.Gutierrez/archivosI/doctorado/IPMG5.pdf..
35
questões de pesquisa:”A utilização de imagens externas variadas pode ajudar no
desenvolvimento de habilidades de visualização?” e “Quais habilidades de visualização
podem ser desenvolvidas com a análise dessas imagens?”.
Para responder estas questões, o autor recorreu a duas entrevistas semi-estruturadas do
tipo reflexivo, individuais separadas por um espaço de tempo, com quatro alunos do 3º ano do
Ensino Médio. Na primeira apresentou onze gravuras e cada aluno respondeu seis questões,
elaboradas pelo autor, com o intuito de verificar se cada um apresentava as habilidades de
visualização citadas por Gutiérrez (1996a). Ao final da primeira entrevista cada aluno recebeu
duas gravuras para serem analisadas em casa. No início da segunda entrevista após análise das
respostas dadas para a tarefa de casa, o autor explicou o que é uma representação em
perspectiva cônica. Realiza a segunda parte da entrevista voltada para a Matemática,
explorando a visualização de cada aluno. O autor constatou que os alunos entrevistados
apresentaram duas das habilidades citadas por Gutiérrez (1996a), discriminação visual e
percepção figura de fundo. Observou também que tiveram dificuldades de visualização para a
decodificação de representações planas de figuras tridimensionais. Concluiu que a utilização
de imagens externas variadas pode ajudar no processo de desenvolvimento das habilidades de
visualização, principalmente se for um trabalho feito em conjunto com o professor de Artes.
Em suma, todos estes pesquisadores realizaram seus estudos com a preocupação nas
dificuldades encontradas por alunos nas representações planas de figuras tridimensionais e
afirmam que há necessidade de se estabelecer e de esclarecer regras para as representações,
para que o sujeito tenha conhecimento da forma em que ela foi construída, preocupação essa
compartilhada por nós e sugerem atividades e recursos diferenciados para o desenvolvimento
dessas habilidades. Em nossa pesquisa, não iremos propor atividades ou recursos
diferenciados, pois a nossa intenção é diagnosticar as dificuldades encontradas por alunos na
interpretação de representações planas de figuras espaciais e verificar em quais níveis de
pensamento geométrico estes alunos da 3ª série do Ensino Médio resolvem os problemas de
Geometria. Desse modo, nossa intenção é diagnosticar se as habilidades de visualização
foram mobilizadas e em quais os sujeitos têm maior dificuldade para, numa pesquisa posterior,
propor uma abordagem de ensino com atividades que possam contribuir para o ensino de
Geometria.
Para desenvolver nossa pesquisa, optamos por utilizar as ideias de Gutiérrez (1996a,
1996b) sobre representações planas de figuras tridimensionais para verificar os tipos de
imagens e quais habilidades de visualização mental são utilizados pelos alunos e as de
36
Parzysz (2006), sobre uma classificação para o ensino de Geometria, composta por quatro
paradigmas do desenvolvimento do raciocínio geométrico (G0, G1, G2, G3).
2.1. Angel Gutiérrez
Em um de seus artigos, Gutiérrez (1998) apresenta algumas reflexões sobre a
importância de se utilizar as representações de sólidos geométricos adequadas a estudantes do
Ensino Fundamental na Espanha. Faz análise de várias formas usuais de representação plana
de objetos tridimensionais, tomando como base, resultados de algumas pesquisas que
descrevem dificuldades de alunos ao elaborarem (codificação) ou interpretarem
(decodificação) representações planas de figuras tridimensionais e apresenta sugestões aos
professores. Gutiérrez (1992, 1996a) aponta diferentes grupos de pesquisadores da época que
mostram que a aprendizagem é mais profunda quando os estudantes trabalham com objetos
manipuláveis e conclui que a visualização é composta por quatro elementos: as imagens
mentais, as representações externas, os processos de visualização e as habilidades de
visualização (GUTIÉRREZ, 1996a, p. 9, tradução nossa)8.
As imagens mentais, em Matemática, correspondem a qualquer “representação
cognitiva de um conceito ou propriedade por meio de elementos visuais ou espaciais”
(GUTIÉRREZ, 1996a, p. 9, tradução nossa)9
. As representações externas, relativas à
visualização em Matemática, são “as representações gráficas ou verbais de conceitos ou
propriedades, o que inclui figuras, desenhos, diagramas, que ajudam a criar ou transformar
imagens mentais e fazer raciocínio visual” (GUTIÉRREZ, 1996a, p. 9, tradução nossa)10
.
Quanto a um processo de visualização considera “uma ação mental ou física em que as
imagens mentais estão envolvidas” (GUTIÉRREZ, 1996a, p. 10, tradução nossa)11
. Por
último, as habilidades de visualização, em Matemática, são habilidades que “um sujeito deve
adquirir e desenvolver para realizar os processos necessários, com as imagens mentais
específicas de um dado problema” (GUTIÉRREZ, 1996a, p. 10, tradução nossa)12
.
8Mental images, external representations, processes of visualization, and abilities of visualization (GUTIERREZ,
1996a). 9 A “mental image” is any kind of cognitive representation of a mathematical concept or property by means of
visual or spatial elements (GUTIERREZ, 1996a). 10
An “external representation” pertinent to visualization is any kind of verbal or graphical representation of
concepts or properties including pictures, drawings, diagrams, etc. that helps to create or transform mental
images and to do visual reasoning (GUTIERREZ, 1996a). 11
A “process” of visualization is a mental or physical action where mental images are involved (GUTIERREZ,
1996a). 12
Individuals should acquire and improve a set of “abilities” of visualization to perform the necessary processes
with specific mental images for a given problem.
37
Gutiérrez (1996a) afirma que os indivíduos devem adquirir e melhorar um conjunto de
"habilidades" de visualização para executar os processos necessários com imagens mentais
específicas para um determinado problema. Dependendo das características da Matemática, o
problema a ser resolvido e as imagens criadas, os alunos devem ser capazes de escolher entre
várias habilidades visuais. Essas habilidades podem ter fundamentos totalmente diferentes,
sendo as principais: rotação mental, constância perceptiva, percepção de posições e relações
espaciais e discriminação visual. No que segue, procuramos ilustrar cada uma das habilidades
com exemplos variados, um na arte e outro, na Matemática.
1. Percepção figura de fundo: é a habilidade de identificar uma sub figura específica,
isolando-a de um entorno complexo.
Para exemplificar, apresentamos a Figura 1 e colocamos a questão para um observador
da cena: era um dia de sol? Explique. Se o sujeito reconhece a presença do sol devido ao céu
azul e limpo, podemos dizer que o sujeito desenvolveu a habilidade de percepção figura de
fundo. Neste caso não é necessário qualquer conhecimento específico de Matemática,
principalmente de Geometria.
Figura 1: Casa dos arames farpados
Fonte: (SOUZA, 2010, p. 84)
Nas aulas de geometria podemos apresentar o quadrado 𝐴𝐵𝐶𝐷 (Desenho 1) e o
triângulo 𝐴𝐵𝐶 (Desenho 2) da Figura 2 e explicar aos alunos que no Desenho 1 os pontos
𝐸, 𝐹, 𝐺 𝑒 𝐻 são pontos médios dos lados 𝐴𝐵 , 𝐵𝐶, 𝐶𝐷 e 𝐴𝐷 , respectivamente e que no
Desenho 2, os pontos médios dos lados 𝐴𝐵, 𝐵𝐶 𝑒 𝐴𝐶, são os pontos 𝐷, 𝐸 𝑒 𝐹, respectivamente.
Nos dois desenhos, podemos solicitar aos alunos quais e quantas figuras geométricas o aluno
consegue “ver” em cada um dos desenhos. No Desenho 1, conseguimos “ver” 10 quadrados,
38
20 trapézios, 32 triângulos, 8 paralelogramos, 8 retângulos e 4 pentágonos não regulares e no
caso do triângulo, conseguimos ver 5 triângulos, 3 trapézios, 3 paralelogramos e 4 losangos.
Desenho 1 Desenho 2
Figura 2: Desenho 1: Quadrado ABCD e Desenho 2: Triângulo ABC
Fonte: Própria
Se o aluno é capaz de reconhecer e identificar as várias figuras geométricas planas,
formadas pela justaposição ou superposição de figuras geométricas planas, podemos dizer que
o sujeito desenvolveu a habilidade de percepção de figura de fundo. No desenho 2 podemos
identificar triângulos, trapézios, paralelogramos. Nesse caso, talvez algum observador
identifique outras figuras, não percebidas por nós.
2. Constância perceptiva: é a habilidade de reconhecer que algumas propriedades de
um objeto (real ou imagem mental) são independentes de tamanho, cor, textura ou posição e
não se confunde quando um objeto ou uma figura está com orientação diferente.
Por exemplo, o sujeito utiliza a habilidade de constância perceptiva se reconhece, no
desenho 1 da Figura 2, as propriedades de um quadrado, que os segmentos que passam pelos
pontos médios 𝐸𝐻 e 𝐹𝐺 são paralelos à diagonal 𝐵𝐷 e os segmentos 𝐸𝐹 e 𝐻𝐺, paralelos à
diagonal 𝐴𝐶; que os quadriláteros 𝐴𝐸𝑂𝐻, 𝐸𝐵𝐹𝑂, 𝑂𝐹𝐶𝐺 e 𝐻𝑂𝐺𝐷 são quadrados congruentes
(pois os ângulos 𝐴, 𝐵, 𝐶 𝑒 𝐷 são retos e sendo 𝐻𝐹//𝐴𝐵//𝑂𝐶 e 𝐸𝐺//𝐴𝐷//𝐵𝐶, os outros ângulos
do quadrilátero também são retos e os lados têm a mesma medida, pois 𝐸, 𝐹, 𝐺 𝑒 𝐻 são pontos
médios) formados por justaposição. Conclui-se que 𝐸𝐹𝐺𝐻 é um quadrado porque o ângulo
entre as diagonais é reto e sendo 𝐻𝐸//𝐵𝐷 , tem-se que 𝐼 também o ângulo é reto. Sendo
𝐸𝐹//𝐴𝐶 e 𝐼 ângulo reto, os ângulos 𝐸 e 𝐽 também são retos.
Na Arte, podemos apresentar a Figura 3, que mostra palhaços que brincam com dados,
sentados em objetos cúbicos. Se o sujeito percebe que os objetos que estão suspensos ou no
chão ou na mão, são todos do mesmo tipo podemos dizer que o sujeito desenvolveu
habilidade de constância perceptiva.
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Figura 3: Caça Palavras
Fonte: (SOUZA, 2010, p. 86)
3. Rotação mental: é a habilidade de produzir imagens mentais dinâmicas e de
visualizar uma configuração em movimento.
Para exemplificar tal habilidade, mostraremos a faixa de Möbius, de Escher (Figura 4)
com formigas caminhando sobre a faixa. Fixando uma das formigas, podemos perguntar
quantas voltas a formiga deve dar para passar para o outro lado da faixa? Quantas voltas ela
deve dar para passar para o mesmo lado da faixa? Se o sujeito é capaz de perceber que fixada
uma formiga na faixa, ela deve passar pelo outro lado da faixa ao completar uma volta e que
passará pelo mesmo lado quando completar a segunda volta, podemos dizer que o aluno
desenvolveu a habilidade de rotação mental.
Figura 4: Faixa de Möbius (Formigas) (1963)
Fonte: site: www.fcs.mg.gov.br wp_trilha_escher.
Acesso em: 02 outubro de 2014.
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Na Geometria, podemos mostrar uma das possíveis planificações do dado (Figura 5)
para um aluno e explicar-lhe que num dado, a soma dos números de faces opostas é igual a 7.
Nessas condições, quais são os números das faces A, B e C.
Figura 5: Uma das possíveis planificações de um dado. Fonte: AAP – 1º semestre2014
Se o aluno responde A=5, B=6 e C=4, ele utiliza a habilidade de rotação mental, para
criar a imagem do dado montado, identifica que A é face oposta de 2, B de 1 e C de 3.
4. Percepção de posições espaciais: é a habilidade de relacionar um objeto, figura ou
imagem mental consigo mesmo.
Podemos exemplificar com a representação plana de um cubo (ver Figura 6) e
perguntar ao aluno qual face está mais próxima dele? Se o sujeito é capaz de perceber que a
face 𝐴𝐵𝐹𝐸 está mais próxima dele, porque está à sua frente e que as faces 𝐵𝐶𝐺𝐹 e 𝐷𝐶𝐺𝐻 (𝐻
é o vértice não visível) estão mais afastadas em relação a ele, utiliza a habilidade de
percepção de posições espaciais.
Desenho 4
Figura 6: Desenho 4: Um cubo13
Fonte: do próprio autor.
Podemos dizer que o sujeito utilizou a habilidade de percepção de posições espaciais,
se na casa dos arames farpados (Figura 1, p. 37), percebe que os arames não estão encostados
na casa; que a árvore está entre as duas casas; que os galhos da árvore entre as casas não estão
encostados na casa principal e que os galhos da árvore do lado esquerdo não estão sobre o
telhado da casa dos fundos, independentemente de saber que isso ocorre na vida real.
5. Percepção de relações espaciais: é a habilidade de relacionar vários objetos, figuras
e/ou imagens mentais entre eles ou simultaneamente consigo mesmo.
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Um cubo em perspectiva cavaleira, utilizado numa das questões do primeiro instrumento de pesquisa, Tarefa
de Reconhecimento.
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Nesse caso, podemos apresentar ao aluno a “Casa dos arames farpados” (Figura 1, p.
37) e perguntar-lhe se os arames estão encostados na casa ou se os telhados das duas casas
estão encostados. Se o aluno percebe que os arames estão na frente da casa (tem sombra dos
arames na parede da casa) e que os telhados não estão encostados (existe uma árvore entre as
casas); ou que os objetos da Figura 7 são de tamanhos diferentes ou se identifica a dimensão
de um objeto através da sua sombra, conclui-se, este sujeito está utilizando a habilidade de
percepção de relações e de posições espaciais.
6. Discriminação visual: é a habilidade de relacionar vários objetos, figuras, e/ou
imagens mentais para identificar semelhanças e diferenças entre eles.
Podemos apresentar os “Elipsóides” (Figura 7) para os sujeitos, pedindo-lhes para que
ordenem os elipsóides em ordem decrescente de tamanhos, segundo a numeração utilização
nas etiquetas coladas nos mesmos, com o objetivo de verificar se ao classificarem, utilizam a
habilidade de discriminação visual.
Figura 7: Elipsóides
Fonte: (SOUZA, 2010, p. 87)
Neste caso, para resolver o problema, o sujeito utiliza a gravura como uma
representação externa, para ordenar os elipsóides em ordem decrescente de tamanho,
conforme solicitado, comparando-os entre si e com as respectivas imagens, formadas pelos
focos de luz presentes no ambiente em que foi feita ou imaginada a gravura. Gutierrez afirma
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que quando a visualização é utilizada para resolver uma tarefa, ela é interpretada por
estudantes como uma representação externa adequada para gerar uma imagem mental. Esta
primeira imagem inicia um processo de raciocínio visual em que, dependendo da tarefa e das
capacidades dos alunos, eles usam algumas de suas habilidades visuais para executar
diferentes processos e outras imagens mentais e/ou representações externas podem ser geradas
antes dos estudantes chegarem à resposta.
Gutiérrez (1996a) redefine e amplia o conceito de visualização, definindo-a na
Matemática como um tipo de atividade do raciocínio, capaz de integrar quatro elementos
principais que são as imagens mentais, as representações externas, os processos de
visualização e as habilidades de visualização.
Acreditamos, como Gutiérrez, que as dificuldades apresentadas por alunos da
Educação Básica brasileira, em Geometria Espacial, podem ter sido geradas pela falta de
habilidades na visualização espacial. Para superar estas dificuldades, há necessidade de
promover atividades diferenciadas que desenvolvam a visualização, que consideramos
relevante tanto no estudo de Geometria como em outras áreas de conhecimento.
2.2. Bernard Parzysz
Para Parzysz (1988) sempre há perda de informação quando se representa uma figura
geométrica tridimensional ou bidimensional num desenho no plano, mas os alunos têm a
ilusão de que podem sempre ter uma representação sem ambiguidade. Da mesma forma,
quando 'lêem” um desenho, os alunos tendem a considerar o desenho com todas as
propriedades do próprio objeto.
Sendo assim, Parzysz considera duas formas de interpretar uma representação plana
- Pólo do visto: O sujeito vê apenas o que aparece no desenho sem levar em
consideração as propriedades do objeto. Por exemplo, na representação plana de um cubo em
perspectiva cavaleira, achar que as retas suporte de arestas reversas se interceptam.
- Pólo do sabido: O sujeito conhece as propriedades do objeto e tenta representar ou
interpretar todas estas propriedades no desenho. Exemplificando: na representação plana de
um cubo, o sujeito sabe quais são as propriedades do cubo e quer “ver” as seis faces.
Na França, Parzysz realizou uma pesquisa com alunos de sexta série, sobre as
dificuldades na visualização e na representação plana de objetos tridimensionais. Para tal,
baseou-se nos seguintes pressupostos:
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(1) Existe uma dialética entre a aquisição do conhecimento em geometria espacial e o
domínio das representações planas de figuras 3D.
(2) É obrigatório passar por uma fase de uso de uma representação 3D (modelo),
mesmo no nível do ensino médio;
(3) Há necessidade de apresentar, de forma explícita, as regras para representar figuras
espaciais no plano.
Usou como metodologia de pesquisa a Engenharia Didática, para fazer evoluir as
ideias que os participantes tinham sobre as regras para a elaboração de representações
bidimensionais de objetos tridimensionais.
Para Parzysz, FIGURA é o objeto geométrico que é definido por um texto e
DESENHOS são representações materiais produzidas por um sujeito e que, segundo ele, se
dividem em dois níveis:
- Nível 1 (representações próximas): são os desenhos de objetos geométricos e os modelos
que têm a mesma dimensão da figura representada. Podem ser:
1. bidimensionais (desenhos), se a figura é da geometria plana.
2. tridimensional (modelo), se a figura é da geometria espacial.
- Nível 2 (representações distantes): são os desenhos bidimensionais de figuras
tridimensionais (o que implica que a dimensão da representação é estritamente inferior à da
figura).
No Quadro 1, trazemos a relação entre uma figura e suas várias representações, com
destaque para os níveis 1 e 2, conforme Parzysz
Quadro 1: Níveis de representações
Fonte: (PARZYSZ, 1988, p. 80)
Existe necessariamente uma perda de informação quando passamos de um nível para
outro mais elevado e essa perda pode ter diversas causas, uma delas é que não é possível
representar todas as propriedades da figura em qualquer dos desenhos.
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* Nível 0 para Nível 1: Algumas propriedades da representação aparecem graças à
boa vontade do leitor (ou receptor) e só são possíveis de ¨ver¨ por causa de uma cultura
geométrica comum entre o leitor e o autor. Neste nível 1, que é o mais próximo do original, a
representação é insuficiente e a interpretação feita pelo receptor pode ter um significado
impróprio.
* Nível 0 para Nível 2: são as representações planas de figuras tridimensionais. Nesta
passagem, há perda de informação e também das propriedades do objeto. Por exemplo, na
Figura 8, o desenho 5A (representação próxima), se o olharmos como um quadrado e suas
diagonais (informação), a perpendicularidade das diagonais pode ser facilmente conjecturada
(propriedade); e o desenho 5B (representação distante), que representa uma pirâmide regular
com base quadrada (informação), as diagonais da base e a altura são perpendiculares
(propriedade), o que não é evidente e uma forma de concluir isso é primeiro trazer à mente, ou
construir, uma representação próxima, do tipo "modelo".
Desenho 5A Desenho 5B
Figura 8: Desenho 5: Representação de um quadrado e uma pirâmide de base quadrada
Fonte: (PARZYSZ, 1988, p. 82)
Parzysz conclui que, em geral, a interpretação tanto das representações próximas como
das representações distantes (propriedades) só é possível se houver uma legenda (informação)
que acompanhe a representação e que compense a perda de informação inerente a qualquer
representação: o desenho não pode substituir o modelo.
Com foco na geometria espacial e nas representações distantes, deparamo-nos com os
problemas de codificação e de decodificação: o leitor poder confundir a figura 3D desenhada
com uma figura 2D que tenha a mesma representação. O desenho 5A é o de um quadrado, que
foi representado por um paralelogramo no desenho 5B. Na pesquisa de Parzysz (1988), apesar
dos alunos saberem que o desenho 5A representava um quadrado, vários disseram que no
desenho 5B havia um "paralelogramo".
Num outro teste realizado por ele: "o Desenho 6 representa um plano, P, e três pontos,
A, B, C, no espaço. Para cada um desses três pontos dizer, a partir do desenho, se está no
plano P, ou fora do mesmo, ou se o desenho não permite decidir" (ver Figura 9).
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Desenho 6
Figura 9: Desenho 6: um plano P e três ponto A, B, C
Fonte: (PARZYSZ, 1988, p. 83)
Para os 109 alunos envolvidos, os resultados foram os seguintes:
Em P Fora de P Não responderam
Ponto A 81 0 28
Ponto B 0 78 31
Ponto C 1 63 45
Quadro 2: Respostas dos alunos para o teste
Fonte: (PARZYSZ, 1988, p. 83)
É teoricamente impossível, nesta situação, afirmar se um determinado ponto está no
plano P ou não. A possível influência da horizontalidade (suposição do autor) fez mais alunos
responderem "não podemos dizer", no caso do ponto C: pode-se imaginar que é mais fácil
estender o desenho do plano P “horizontalmente” do que "obliquamente", o que pode destacar
a "contradição" entre as duas observações:
- Por um lado, o ponto C é desenhado fora do paralelogramo;
- Por outro lado, se o paralelogramo for estendido horizontalmente, o desenho do
ponto C estaria dentro do paralelogramo.