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1 UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO REGIONAL VICTORIA MAURICIO DELVIZIO ANÁLISE AMBIENTAL DA PAISAGEM: TRANSFORMAÇÕES E PRESERVAÇÃO NA AVENIDA AFONSO PENA EM CAMPO GRANDE/MS CAMPO GRANDE MS 2018

UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP PROGRAMA DE PÓS … · este sacrifício é que, no final, podemos começar agradecendo - e isto é um reconfortante sinal de que tudo valeu a pena

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UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEIO AMBIENTE

E DESENVOLVIMENTO REGIONAL

VICTORIA MAURICIO DELVIZIO

ANÁLISE AMBIENTAL DA PAISAGEM:

TRANSFORMAÇÕES E PRESERVAÇÃO NA AVENIDA AFONSO PENA EM

CAMPO GRANDE/MS

CAMPO GRANDE – MS

2018

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Victoria Mauricio Delvizio

Análise Ambiental da Paisagem:

Transformações e Preservação na Avenida Afonso Pena em Campo

Grande/MS

Tese apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Meio Ambiente e

Desenvolvimento Regional da

Universidade Anhanguera-Uniderp, como

parte dos requisitos para a obtenção do

título de Doutora em Meio Ambiente e

Desenvolvimento Regional.

Orientação:

Profa. Dra. Rosemary Matias

CAMPO GRANDE – MS

2018

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Candidata: Victoria Mauricio Delvizio

Tese defendida e aprovada em 06/09/2018 pela Banca Examinadora:

Profa. Dra. Rosemary Matias (Anhanguera-UNIDERP - Universidade para o

Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal)

(Doutora em Química) - (orientadora)

Prof. Dr. Caio Nogueira Hosannah Cordeiro (UFF – Universidade Federal

Fluminense)

(Doutor em Educação)

Profa. Dra. Cleonice Alexandre Le Bourlegat (UCDB – Universidade Católica

Dom Bosco)

(Doutora em Geografia)

Profa. Dra. Denise Renata Pedrinho (Anhanguera-UNIDERP - Universidade

para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal)

(Doutora em Agronomia)

Profa. Dra. Maria Margareth Escobar Ribas Lima (UFMS – Universidade

Federal de Mato Grosso do Sul

(Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional)

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Para Ligia e Bosco - meu início.

Para Campo Grande – meu fim.

Para Fernando – meu meio.

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AGRADECIMENTOS

Para alguns, atravessar um oceano, sozinho, num barco a remo, é o máximo

de solidão que se pode ter. Para outros, a própria vida em si é a mais solitária

das viagens: o ato de nascer, viver e morrer são experiências singularmente

inerentes e intrínsecas a um único e só indivíduo. Mas eu diria que somente

aqueles que vivem a trajetória de um doutorado chegam perto de vivenciar a

solidão ilhada em vida como a mais pura e dura das experiências humanas.

Nesta perspectiva, tudo pode ser melancólico. Mas a grande recompensa por

este sacrifício é que, no final, podemos começar agradecendo - e isto é um

reconfortante sinal de que tudo valeu a pena e tudo correu bem, enfim!

Agradecer a todos que nos foram fiéis, em presenças e ausências, é uma

forma de dizer que, mesmo afastada do mundo, uma doutoranda como eu,

pode se sentir repleta de companhias, que a guiam e suportam, em razão e

emoção.

Aos meus pais, Ligia e Bosco, agradeço por todo amor do mundo,

incondicional e constante como a maré. Seja ela baixa, seja ela alta, sei que

vocês sempre estão comigo, ao balanço do mar da vida. Como uma gota no

mar, minha vida é muito pouco para retribuir e recompensá-los por tudo o que

fizeram e fazem por mim. Nenhum oceano é maior do que meu amor por

vocês... Amo vocês demais!

À minha orientadora, Profa. Dra. Rosemary Matias, agradeço pelo acolhimento

e pelas palavras doces e cheias de competência e experiência. Por acreditar

que eu seria capaz e me ensinar que a ciência, muitas vezes, depende mais da

química da empatia do que qualquer outro elemento físico da natureza.

Aos professores das Bancas de Qualificação e Defesa, Prof. Dr. Caio

Nogueira Hosannah Cordeiro, Profa. Dra. Cleonice Alexandre Le Bourlegat,

Profa. Dra. Denise Renata Pedrinho, e Profa. Dra. Maria Margareth Escobar

Ribas Lima, que disponibilizaram precioso tempo e dividiram conhecimentos

essenciais ao desenvolvimento e amadurecimento deste trabalho.

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À minha querida Ana Cláudia Marques, que entrou neste barco quase furado

comigo, mas que nunca deixou de remar ao meu lado, agradeço por me

conceder o privilégio da sua convivência, nos presenteando com o melhor dos

títulos que alguém pode receber: Amiga!

Aos colegas, Carolina Pauliquevis, Elvia Rizzi, Fábio Ayres, Jiyan Yari,

Kelly Lacerda, Larissa Tinoco, Leandro de Jesus, Lilian Paiva, Marco

Aurélio Pires, Nayara Zielasko, Renan Pirajá, Tchoya Fina e Victor Lima,

que para uma viagem solitária como esta, traduzem o espírito de turma para

mim.

Ao meu amante e amigo, Fernando, agradeço por estar ao meu lado, com sua

simplicidade e sinceridade - as mais valiosas pérolas do (a)mar que alguém

pode encontrar neste tesouro que é a vida. Como um bom navegante, teve e

tem toda paciência para conviver com minhas tormentas e toda valentia e

companheirismo para desbravar novos mares da vida comigo, nessa união que

me completa tanto e que nos leva cada vez mais longe, a cada dia, mais e

mais... Te amo, Flori, ao infinito e além!

À todos vocês, Muito Obrigada, hoje e sempre!

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(Ponte para Pedestres, Miró Rivera Architects, 2013)

“Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra.

‘Mas qual é a pedra que sustenta a ponte?’

pergunta Kublai Khan.

‘A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra,’

responde Marco,

‘mas pela curva do arco que estas formam.’

Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo.

Depois acrescenta:

‘Por que falar das pedras? Só o arco me interessa.’

Polo responde:

‘Sem pedras o arco não existe.’

(Ítalo Calvino, As Cidades Invisíveis, 2003, p.81)

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SUMÁRIO

Listas de Abreviações, Expressões, Siglas e Símbolos ........................... 11

1. Resumo Geral ............................................................................................ 14

2. General Summary ..................................................................................... 15

3. Introdução Geral ....................................................................................... 16

4. Revisão de Literatura ............................................................................... 22

4.1. Meio Ambiente e Geossistema .................................................... 29

4.2. Território ........................................................................................ 33

4.3. Paisagem ........................................................................................ 37

4.4. GTP – Geossistema, Território, Paisagem .................................. 44

4.5. Cultura, Cidade e Rua ................................................................... 49

4.6. Patrimônio, Patrimonialização e Tombamento .......................... 53

5. Referências Bibliográficas ....................................................................... 60

6.1. Artigo I

Dimensão Geossistêmica e Impacto Ambiental: Avenida Afonso Pena,

Subsistema Físico Natural e Construído .................................................... 69

6.1.1. Resumo ....................................................................................... 69

6.1.2. Abstract ....................................................................................... 70

6.1.3. Introdução ................................................................................... 71

6.1.4. Material e Métodos ..................................................................... 75

6.1.5. Resultados e Discussão ............................................................ 82

6.1.5.1. Subsistema Físico Natural ............................................. 82

6.1.5.2. Arborização e Agrupamentos Arbóreos ....................... 91

6.1.5.3. Traçado, Relevo e Topografia ........................................ 103

6.1.5.4. Subsistema físico construído ........................................ 109

6.1.5.5. Recursos Arquitetônicos ............................................... 115

6.1.5.6. Preservação e Transformações na Grande Avenida:

Patrimônio e Valor Físico Natural e Construído ....................... 128

6.1.6. Conclusão ................................................................................... 134

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6.1.7. Agradecimentos ......................................................................... 138

6.1.8. Referências Bibliográficas ........................................................ 138

6.2. Artigo II

Dimensão Territorial e Impacto Ambiental: Avenida Afonso Pena e

Subsistema Socioeconômico ...................................................................... 146

6.2.1. Resumo ....................................................................................... 146

6.2.2. Abstract ....................................................................................... 147

6.2.3. Introdução ................................................................................... 148

6.2.4. Material e Métodos ..................................................................... 151

6.2.5. Resultados e Discussão ............................................................ 155

6.2.5.1. Levantamento Físico e Cadastral .................................. 155

6.2.5.2. Aspectos Censitários ..................................................... 159

6.2.5.3. História e Ocupação do Território ................................. 166

6.2.5.4. Estrutura Fundiária ......................................................... 176

6.2.5.5. Fluxos, Limites e Hierarquização Viária ....................... 183

6.2.5.6. Preservação e Transformações na Grande Avenida:

Patrimônio e Valor Socioeconômico ......................................... 187

6.2.6. Conclusão ................................................................................... 190

6.2.7. Agradecimentos ......................................................................... 191

6.2.8. Referências Bibliográficas ........................................................ 192

6.3. Artigo III

Dimensão Paisagística e Impacto Ambiental: Avenida Afonso Pena e

Subsistema Cultural ..................................................................................... 196

6.3.1. Resumo ....................................................................................... 196

6.3.2. Abstract ....................................................................................... 197

6.3.3. Introdução ................................................................................... 198

6.3.4. Material e Métodos ..................................................................... 202

6.3.4.1. Memória ........................................................................... 208

6.3.4.2. Identidade ........................................................................ 209

6.3.4.3. Fluxo ................................................................................ 210

6.3.4.4. Limite ............................................................................... 212

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6.3.5. Resultados e Discussão ............................................................ 213

6.3.5.1. Memória: lembrança e esquecimento ........................... 213

6.3.5.2. Identidade: diversidade e cotidiano .............................. 222

6.3.5.3. Fluxo: mobilidade e temporalidade ............................... 228

6.3.5.4. Limite: físico e percebido ............................................... 232

6.3.5.5. Preservação e Transformações na Grande Avenida:

Patrimônio e Valor Cultural ......................................................... 235

6.3.6. Conclusão ................................................................................... 239

6.3.7. Agradecimentos ......................................................................... 240

6.3.8. Referências Bibliográficas ........................................................ 241

7. Conclusão Geral ....................................................................................... 250

Apêndice – Mapa-Chave ............................................................................... 256

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LISTAS DE ABREVIAÇÕES, EXPRESSÕES, SIGLAS E SÍMBOLOS

AC Área Construída

ACICG Associação Comercial e Industrial de Campo Grande

AO Área Ocupada

AP Avenida Afonso Pena

apud do latim, indicação da origem de uma citação indireta.

ARCA Arquivo Histórico Municipal de Campo Grande

AT Área do Terreno

Av. Avenida

AVVA Associação de Vendedores de Veículos Autônomos

B. Bairro

C Corredor

CA Coeficiente de Aproveitamento

CDB Convenção sobre Diversidade Biológica

CGR Campo Grande

déc. década

DIOGRANDE Diário Municipal de Campo Grande

EFNOB Estrada de Ferro Noroeste do Brasil

EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

et al. do latim, et alli, indicação de que a obra tem mais de um autor

e, por concisão, se menciona apenas o nome do primeiro,

sendo os demais nomes omitidos.

etc. do latim, et cetera, indicação de outras coisas; e o resto, e os

demais; e assim por diante.

FUNDAC Fundação Municipal de Cultural

GTP Geossistema – Território - Paisagem

ha hectare

hab. habitante

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IE Índice de Elevação

IHGMS Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul

IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

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ISPN Instituto Sociedade, População e Natureza

Jd. Jardim

km quilômetro

km2 quilômetro quadrado

LOUOS Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo

m metro

m2 metro quadrado

mm mililitro

MMA Ministério do Meio Ambiente

MPE Ministério Público Estadual

MS Mato Grosso do Sul

MZ Macrozona

no. número

NOB Estrada de Ferro Noroeste do Brasil

NW noroeste

p. página

PD Plano Diretor

PDAU Plano Diretor de Arborização Urbana de Campo Grande

PDTMU Plano Diretor de Transporte e Mobilidade Urbana

PLANURB Agência Municipal de Planejamento Urbano

PMCG Prefeitura Municipal de Campo Grande

QL qualitativo

QT quantitativo

R Atividade Residencial

R. Rua

RFFSA Rede Ferroviária Federal S.A.

s.d. sem data definida

SE sudeste

SBAU Sociedade Brasileira de Arborização Urbana

SEMADUR Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Gestão Urbana

SIMGEO Sistema Municipal de Geoprecessamento

SISGRAN Sistema Municipal de Indicadores Georreferenciados para o

Planejamento e a Gestão de Campo Grande

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TJMS Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul

TO Taxa de Ocupação

TP Taxa de Permeabilidade

UCDB Universidade Católica Dom Bosco

UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

unid. unidade

UNIDERP Universidade Anhanguera - Uniderp

VA Via Arterial

VC Via Coletora

Z Zona

ZEE Zoneamento Ecológico Econômico

ZEIA Zona Especial de Interesse Ambiental

ZEIC Zona Especial de Interesse Cultural

°C grau Celsius

% por cento

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1. Resumo Geral

O Meio Ambiente é resultado complexo da relação humana com espacialidade

física, organização social e formação cultural, cujos subsistemas compõem a

Paisagem e o modelo GTP (geossistema-território-paisagem) aqui adotado. A

Paisagem Urbana tem qualidade de Patrimônio Tombado, onde a Gestão

Urbana opera estratégias de desenvolvimento ambiental. Com definitivo

Tombamento Municipal dos canteiros centrais da Av. Afonso Pena (entre R.

Pedro Celestino e Av. Calógeras)(2011), Campo Grande/MS, a questão é

considerar e refletir até que ponto o recente tombamento pode contribuir para

minimizar possíveis arbitrariedades que possam interferir na sustentabilidade

(ambiental, social e cultural) ou reforçar engessamento no uso deste

patrimônio. Os objetivos contemplam a linha de pesquisa Sociedade, Ambiente

e Desenvolvimento Regional Sustentável, sendo objetivo geral compreender a

multiplicidade da Paisagem da Av. Afonso Pena, no tempo e espaço, com vista

à Gestão Urbana sustentável para desenvolvimento local/regional, apontando

impactos locais/regionais decorrentes deste ato de preservação ao longo da

extensão da Avenida (Parque dos Poderes à Praça Newton Cavalcanti); e os

específicos: Artigo 1: compreender organização dos elementos físicos naturais

e construídos aliados ao desenvolvimento urbano, no tempo e espaço

geográfico; Artigo 2: analisar subsistema socioeconômico e urbanístico

relacionado à gestão de ocupação e uso do solo, no tempo e espaço territorial;

e Artigo 3: compreender dimensão simbólica que permeia representações

culturais, no tempo e espaço paisagístico. A Caracterização, Análise (revisão

bibliográfica, levantamentos histórico/fotográfico, mapas/quadros temáticos) e

Produção de Dados indicam diretrizes à preservação ambiental da Avenida. Ao

fim, verifica-se gradiente de densidade, uso e gabarito decrescente do centro

aos extremos da avenida; afirma-se expressão histórica; potencial para

turístico, patrimonial e paisagístico que confirmam que o impacto ambiental do

tombamento dos canteiros ultrapassa a dimensão física-territorial. A pesquisa

destaca desafios/oportunidades para Gestão Ambiental voltada ao

desenvolvimento sustentável, equilíbrio entre ambiente natural/construído e

dicotomia preservação-transformação.

Palavras-chave: Ambiente Urbano, Patrimônio Cultural, Natureza

Transformada, Percepção Ambiental, Patrimonialização.

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2. General Summary

The Environment is a complex result of the human relationship with physical

spatiality, social organization and cultural formation, whose characteristics

make up the Landscape and the GTP (geosystem-territory-landscape) model

adopted here. The Urban Landscape has quality of Tomb Patrimony, where the

Urban Management operates strategies of environmental development. With

the definitive Municipal Tomb of the central beds of Av. Afonso Pena (between

R. Pedro Celestino and Av. Calógeras) (2011), Campo Grande/MS, the

question is to consider and reflect to what extent the recent tipping can

contribute to minimize possible arbitrariness which may interfere in

sustainability (environmental, social and cultural) or reinforce the use of this

patrimony. The objectives include the Society, Environment and Sustainable

Regional Development research line, and the general objective is to understand

the multiplicity of the Afonso Pena Landscape in time and space, with a view to

sustainable Urban Management for local/regional development, pointing to

local/regional developments resulting from this act of preservation along the

extension of the Avenue (Park of the Powers to the Square Newton Cavalcanti);

and the specific ones: Article 1: understand organization of natural and

constructed physical elements allied to urban development, in geographical

time and space; Article 2: analyze socioeconomic and urban subsystem related

to land occupation and land use management, in the time and territorial space;

Article 3: to understand symbolic subsystem that permeate cultural

representations, in time and landscape space. The Characterization, Analysis

(bibliographic review, historical/photographic surveys, maps/thematic tables)

and Data Production indicate guidelines for the environmental preservation of

the Avenue. At the end, density gradient, use and downward gradient of the

center are verified at the ends of the avenue; historical expression is affirmed;

potential for tourism, patrimonial and landscape that confirm that the

environmental impact of the tipping of the beds exceeds the physical-territorial

dimension. The research highlights challenges/opportunities for Environmental

Management focused on sustainable development, balance between

natural/constructed environment and preservation-transformation dichotomy.

Keywords: Urban Environment, Cultural Heritage, Transformed Nature,

Environmental Perception, Patrimonialism.

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3. Introdução Geral

A pesquisa aqui proposta parte da análise da Paisagem sob o

entendimento de que Meio Ambiente Urbano é resultado da relação

estabelecida pelo homem através do conjunto entre espacialidade física,

organização social e formação cultural particular em que se situa, sendo tal

posicionamento de suma importância pela pretendida proposta de estudo

inserir-se na linha de pesquisa Sociedade, Ambiente e Desenvolvimento

Regional Sustentável.

Neste sentido, a Avenida Afonso Pena1 (AP), em Campo Grande/MS,

torna-se objeto de pesquisa, ao considerar-se a Paisagem como receptáculo

não só de fatores físicos e concretos inerentes ao Meio Ambiente urbano, mas

também de imaterialidade subjetiva que a conecta com os usuários. Assim,

pode-se assumi-la como Paisagem complexa e avançar no sentido da gestão

compartilhada sustentável do espaço da avenida em prol do desenvolvimento

local/regional.

Desse modo, esta pesquisa está calcada nas bases conceituais da

Geografia Ambiental, onde os sistemas ambientais são articulados em três

níveis: a Paisagem natural, a Paisagem social e a Paisagem cultural (SILVA,

2012, p.67) e do modelo teórico-conceitual GTP (Geossistema, Território e

Paisagem) (BERTRAND, 2007), buscando-se aproximar da parte em direção

ao todo, numa visão holística (OKAMOTO, 2002) para a compreensão da

Paisagem e do Meio Ambiente Urbano, atualmente tão necessária à condição

de vida humana. Essa proposta tem alta relevância para a questão urbana,

uma vez que a avenida em interesse surgiu de um plano urbanístico (1910) e

assumiu papel preponderante no traçado da Paisagem e da sociedade em que

se insere, como se descreve:

“Como a única via da referida planta, idealizada como um

boulevard, com amplas calçadas, canteiro central e vasta

arborização, essa avenida formaria, juntamente com duas

praças, localizadas ao longo do seu curso, com

espaçamento de apenas dois quarteirões entre as duas,

1 Ao referir-se à Avenida Afonso Pena, foi utilizada a abreviação AP.

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um conjunto que deveria tornar-se no principal elemento de

sociabilização e irradiação dos fluxos da cidade.”

(OLIVEIRA NETO, 2003, p.140)

O problema que se apresenta decorre do processo de Tombamento

Municipal2 que envolve os canteiros centrais da avenida (Figura 1).

Figura 1. Cronologia-síntese do Processo de Tombamento dos Canteiros

Centrais da Av. Afonso Pena. Fonte: A autora (2017).

Em 2009, a instauração do processo de Tombamento (n. 27405/2009 –

51) foi feito a pedido do Ministério Público Estadual (MPE), em resposta à

relevância da Avenida no contexto e na identidade campo-grandense e do

estado de Mato Grosso do Sul (BUENO, 2016).

Em 2011, o Tombamento provisório foi concedido, definindo-se trecho e

elementos tombados, mas não área de entorno. Especificamente, foram

tombados pelo Decreto n. 11.600, de 17 de Agosto de 2011, 22 (vinte e dois)

exemplares de árvores da espécie Ficus microcarpa e seus respectivos

canteiros da Avenida Afonso Pena, contidos entre a R. Pedro Celestino e a Av.

Calógeras, na região do centro da cidade (Figura 2) (BUENO, 2016).

2 Para designar o conceito e a ação de proteção legal e patrimonial de bem material imóvel, o Tombamento (RABELLO, 2004), foi utilizada a grafia da palavra com a letra maiúscula quando se fizer referência ao mesmo.

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Figura 2. Trecho de tombamento dos canteiros centrais da Av. Afonso Pena,

CGR/MS. Fonte: Adaptado de Google Earth (2017).

A primeira ação decorrente deste foi a remoção das vagas de

estacionamento à 45º existentes nos canteiros centrais da AP. Por outro lado,

uma ciclovia em toda extensão foi implantada como etapa inicial do Plano

Diretor de Transporte e Mobilidade Urbana (PDTMU), aprovado no mesmo ano.

Este Plano ainda previa a implantação de Corredor Exclusivo de Ônibus na

avenida Afonso Pena, eliminando parte do canteiro central, o que contradizia o

andamento do processo de preservação do patrimônio arquitetônico e

paisagístico da Avenida – fato que ocasionou grande repercussão nas mídias e

mobilização social (BUENO, 2016).

Entretanto, em 2014, este Tombamento provisório foi contestado pela

Associação Comercial e Industrial de Campo Grande (ACICG), que solicitava a

suspensão do mesmo. Alegaram-se impactos negativos no que concerne à

escassez de locais para permanência de automóveis e a relação com o

enfraquecimento comercial do centro da cidade. Porém, esta suspensão não se

manteve (BUENO, 2016).

Em 2016, o Tombamento Municipal foi definitivamente concedido, pelo

Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), ficando a gestão e

conservação dos canteiros da Avenida Afonso Pena sob a custódia da

Fundação Municipal de Cultura (FUNDAC) e o Instituto Histórico e Geográfico

de Mato Grosso do Sul (IHGMS) (BUENO, 2016).

Logo, se colocam em debate as estratégias de preservação e

transformação material e imaterial, do espaço e do tempo, que envolve a

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Paisagem urbana da Afonso Pena e os possíveis impactos no meio ambiente

construído.

No município de Campo Grande, a própria Lei de Ordenamento do Uso

e da Ocupação do Solo (LOUOS) define Impacto Ambiental como:

“qualquer alteração das propriedades físicas, químicas ou

biológicas do meio ambiente causada por qualquer forma

de matéria ou energia resultante das atividades humanas e

que, direta ou indiretamente afetem: a saúde, a segurança

ou bem-estar da população, as atividades sociais e

econômicas, a flora e a fauna, as condições estéticas ou

sanitárias do meio ambiente e a qualidade dos recursos

ambientais” (LOUOS/DIOGRANDE, 2012, p.02).

A avaliação dos desdobramentos do recente Tombamento dos canteiros

centrais da Avenida Afonso Pena é questão relevante. Este acontecimento

pode favorecer, ou não, para minimizar a arbitrariedade ou o engessamento da

transformação da sua Paisagem no contexto do Meio Ambiente urbano campo-

grandense. Isto é de vital compreensão, haja vista que:

“Desde o início de 1990, a cidade de Campo Grande vem

sofrendo forte mudança na maneira de estruturação do seu

espaço urbano. Diversas obras viárias (...) vêm mudando a

lógica de hierarquização dos fluxos, (...) para uma nova

hierarquia que busca a interligação das diversas regiões da

cidade. (...) como é o caso da região no fim da avenida

Afonso Pena. Com isso, verifica-se uma constante redução

da circulação (...) e proporcionalmente, a diminuição de

tentativas de intervenções. Até mesmo reivindicações

constantes dos comerciantes, (...) vão sendo deixadas para

depois pelos sucessivos governos municipais” (OLIVEIRA

NETO, 2003, p.167-168).

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Assim, a questão que se coloca neste trabalho, como contribuição e

novidade, é considerar e refletir até que ponto o recente tombamento da

avenida Afonso Pena, em Campo Grande/MS, pode contribuir para minimizar

possíveis proposições arbitrárias que possam interferir na sustentabilidade

(ambiental, social e cultural) desse espaço ou reforçar o engessamento no uso

desse patrimônio.

Esta investigação vai de encontro ao que BARREIRA (2007, p.165)

registra: “A cidade cosmopolita, como palco de inúmeras intervenções urbanas,

promoveu uma reflexão sobre os temas do patrimônio cultural, incluindo a

delimitação e uso dos espaços”.

A partir disto, como objetivo geral, considera-se importante:

• Compreender a multiplicidade e a evolução da Paisagem da Avenida Afonso

Pena, em Campo Grande/MS, no tempo e no espaço, com vista à Gestão

Urbana sustentável do Meio Ambiente voltada ao desenvolvimento local e

regional, apontando impactos locais e/ou regionais decorrentes do decreto de

Tombamento dos canteiros centrais (entre R. Pedro Celestino e Av. Calógeras)

ao longo de toda a extensão da Avenida Afonso Pena (do Parque dos Poderes

à Praça Newton Cavalcanti).

Para o alcance do objetivo geral, ter-se-ão, particularmente, os seguintes

objetivos específicos:

1. Compreender a organização dos elementos físicos naturais e construídos

aliados ao desenvolvimento urbano, na paisagem da Avenida Afonso Pena,

tanto no tempo quanto no espaço geográfico.

2. Analisar subsistema socioeconômico e urbanístico relacionado à gestão

no tempo e no espaço territorial da Avenida Afonso Pena que explicam o seu

fenômeno de ocupação e uso do solo;

3. Compreender dimensão simbólica que permeia, no conjunto da Avenida

Afonso Pena, as representações culturais no tempo e no espaço paisagístico;

Assim como CALVINO (2003) conta suas viagens, descrevendo pedras

que constroem uma ponte, os objetivos específicos expostos acima se

organizaram em artigos que deram sustentação à compreensão da paisagem

da Avenida Afonso Pena, objetivo maior desta tese. A saber:

• Artigo I: utilizam-se fontes históricas, jornalísticas, cartográficas e

fotográficas, que possibilitaram identificar elementos físicos (naturais e

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construídos) da paisagem, bem como unidades de paisagem e sua relação

com o território e a cultura da avenida Afonso Pena. Os canteiros centrais

foram tomados como elemento principal desta análise, que possibilitou reflexão

sobre patrimônio histórico, arquitetônico e paisagístico municipal.

• Artigo II: situa a Avenida Afonso Pena, no contexto do território da cidade em

que se insere. Ao debruçar-se sobre questões históricas, foram sumarizadas a

formação e ocupação da cidade de Campo Grande e a evolução da sociedade

e do desenho urbano, demonstrando fatos propulsores que conduziram a atual

apropriação e configuração tanto da cidade, como da própria avenida, em

termos de uso e ocupação socioeconômica. Com base em informações

cartográficas, mapas e fotografias antigas e atuais a leitura do espaço é

construída e ilustrada, servindo de subsidio para a análise do espaço estudado;

• Artigo III: Envolvem-se questões como a conceituação dos espaços livres

públicos, o estudo do fenômeno urbano vinculado às dimensões simbólicas e

culturais específicas de cada localidade, entre outras. Faz-se a compreensão

de como a cidade, a rua e o Lugar (TUAN, 1983)3 estruturam a apreensão e

dão suporte aos valores e significados subjetivos da sociedade. Através da

análise de diferentes categorias teóricas, por meio de fontes históricas,

jornalísticas e fotográficas, que emergem na investigação de um espaço

público, em particular rua ou avenida, são apresentados os diversos

mecanismos e meios de influência que as mesmas exercem nesse contexto.

Os canteiros centrais foram tomados como elemento principal desta análise,

dentro e para além dos limites de seu tombamento, o que possibilitou a

reflexão sobre os impactos da recente preservação como patrimônio histórico,

arquitetônico e paisagístico municipal;

Vale dizer ainda que, em cada um dos artigos, a metodologia e os

procedimentos metodológicos utilizados durante a pesquisa são descritos e

detalhados de acordo com a necessidade específica. São explicados os

métodos utilizados durante a pesquisa, objetivos, elaboração de cada etapa,

caracterização da amostra e tratamento dos dados no sentido de se resolver a

proposta de investigação do problema apresentado – a dicotomia entre

3 Para distinguir o conceito de Lugar (TUAN, 1983), toda referência ao mesmo é feita pela grafia iniciada pela letra inicial maiúscula.

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preservação e transformação e a análise ambiental da Paisagem da Avenida

Afonso Pena.

Esta Introdução, ora apresentada, pretendeu dar um panorama geral do

trabalho, definindo o objeto de estudo, juntamente com o enfoque na

abordagem e metodologia escolhida, por meio de estrutura teórica e dos

objetivos que foram almejados e direcionaram o trabalho.

Como forma de apoio ilustrativo a esta pesquisa e aos artigos

desenvolvidos, foi elaborado um mapa geral, denominado Mapa-Chave

(Apêndice) contendo a marcação das edificações, regiões, ruas, monumentos,

dentre outros elementos, que vão sendo referenciados ao longo do texto.

Sugere-se, portanto, que a leitura seja feita em simultâneo com a consulta ao

mapa, de modo à melhor compreensão por parte do leitor, seja da extensão da

AP, do trecho tomando ou do contorno e recorte de estudo.

Por fim, a elaboração deste trabalho se volta no sentido de que “esta

reflexão nos permite pensar a própria essência da paisagem e da cidade,

enquanto fatos geográficos, alimentando nossa imaginação e conhecimento

acerca de nossa própria realidade” (MARANDOLA e FERREIRA, 2005, p.01),

já que o constante contato com o mundo urbano se dá pela presença e

dinâmica da Paisagem.

4. Revisão de Literatura

No universo da Sustentabilidade Ambiental, esta pesquisa parte da

análise da Paisagem, da natureza transformada, do espaço construído e seu

processo de transformação. O fenômeno de urbanização acompanha o homem

ao longo da história, trazendo transformações na produção/consumo do espaço

da cidade (SANTOS, 2006).

Com o conceito de Ecologia (do grego oikos = casa e logos = estudo),

entende-se a ciência da morada. Por Meio Ambiente, entende-se a própria

morada em si, vivo, inconstante, sempre disposto a inovações (KLOETZEL,

1998). Pode-se defini-lo como:

“conjunto dos fatores externos (materiais, orgânicos,

históricos, culturais ou ideológicos) exercendo uma forte

influência nos indivíduos. (...) constitui o universo

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característico de cada espécie, tal como o percebe em seu

meio vital e graças ao qual pode agir eficazmente”

(JAPIASSÚ e MARCONDES, 2006, p.183).

O modo de vida urbano das cidades contemporâneas, expresso na

Paisagem, ainda inclui os espaços livres públicos como meio de convivência e

gera ambientes propícios ao exercício da cidadania, os quais guardam

potencial para consolidar as relações entre homem e o meio ambiente. É nessa

qualidade de espaço, construído e culturalmente modificado, que se tornam

mais evidentes os efeitos da ação e expressão dos homens sobre a Paisagem.

Cabe, então, considerar a utilização da metodologia e do sistema GTP

(Geossistema, Território, Paisagem):

“o Meio Ambiente como complexo e indefinível demais para

ser apreendido a partir de um único conceito e de um único

método. É possível tratar do Meio Ambiente a partir de um

sistema tripolar e interativo: Geossistema, Território,

Paisagem” (BERTRAND, 2007 apud SILVA, 2012, p.83)

Esta abordagem do Meio Ambiente, da sua dimensão material (espaço)

e da sua dimensão imaterial (tempo), se adapta às mais diversas áreas de

conhecimento, que constantemente o tem tomado como tema de estudo na

leitura e compreensão dos espaços habitados. Multifacetada, a Paisagem é

abordada pelos mais diversos autores, segundo inúmeros aspectos. Isso

resulta, como aponta LAMAS (1998, p.38), da “convergência e a utilização de

dados habitualmente recolhidos por disciplinas diferentes – economia,

sociologia, história, geografia, arquitetura, etc. – a fim de explicar um fato

concreto: a cidade como fenômeno físico e construído”.

De maneira semelhante, a chave para leitura da Paisagem se direciona

a examinar especificidades, tais como:

“a ecologia natural nos ensina sobre o funcionamento da

natureza, a ecologia social sobre a forma como as

sociedades atuam sobre esse funcionamento, o

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conservacionismo nos conduz à necessidade de proteger o

meio ambiente natural (...), e o ecologismo afirma que essa

sobrevivência implica uma mudança (...)” (LAGO e PÁDUA,

1984, p.21)

Na mesma direção, TÂNGARI (2005) entende a estratégia de análise de

camadas como uma “leitura museográfica”, aplicável ao meio urbano e à

arquitetura, não no sentido de se congelar e resguardar o passado, mas sim no

sentido de se ter ao alcance concreto nas ruas e edifícios a trajetória de tal

processo evolutivo perene ao tempo - “Uma paisagem é uma escrita sobre a

outra, é um conjunto de objetos que têm idades diferentes, é uma herança de

muitos diferentes momentos” (SANTOS, 1994, p.66).

A dimensão do tempo e do espaço se conjugam como diferentes

camadas e conferem diferentes suportes para a complexidade da Paisagem,

assim como da sociedade que a edifica, transforma e habita:

“O homem moderno, ou melhor seria dizer: o homem

inserido na modernidade, está sujeito a temporalidades e

espacialidades que lhes são impostas, aumentando a

amplitude da sua realidade e criando a necessidade do uso

constante das mais variadas técnicas para absorção dessa

realidade como um todo” (OLIVEIRA NETO, 2003, p.34).

Também se entende que o sistema GTP, conjugado às dimensões

espaço e tempo, proporciona diferentes facetas de uma mesma realidade, que

se complementam mutuamente. Consiste num verdadeiro pensamento

ecológico sem compartimentos estanques, isolados entre si, que podem ser

trabalhados separadamente, contudo, oferecendo perspectiva global favorável

à preservação e transformação equilibrada no Meio Ambiente.

Essas afirmações encaminham os estudos do Meio Ambiente Urbano

para visão de integração entre os elementos naturais, socioeconômicos e

socioculturais que o compõem, entendendo que toda Paisagem faz parte de

um Território e de um Geossistema e é regida por tal conceito, sendo, portanto,

necessário para as pesquisas desta espécie realizar abordagem contendo três

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entradas: uma naturalista (Geossistema), uma socioeconômica (Território) e

uma sociocultural (Paisagem) (SILVA, 2012, p.83-84).

Desta forma, parte-se do entendimento que a Paisagem “diz respeito às

possíveis conexões conceituais existentes entre o espaço – concreto e visível –

e as ideias, conceitos, valores ou significados – invisíveis e intangíveis (...)”

(RIBEIRO, 2003, p.17). Assume-se, assim, que ela é, ao mesmo tempo, palco

e produto das manifestações culturais coletivas por natureza, ancoradas no

espaço, não apenas por atributos físicos, mas também pelas qualidades por

quem a usufrui é capaz de aferir.

A Paisagem Urbana é composta por diferentes elementos e sua análise

não pode se dar de modo isolado; demanda ser complexa e interdisciplinar.

Isso resulta num arranjo de inter-relações, que oferece “(...) possibilidades

explicativas relevantes, tanto para o estudo da Arquitetura, quanto para o

estudo dos próprios fenômenos urbanos” (REIS FILHO, 1973, p.17).

O Meio Ambiente Urbano, ou construído, por sua vez, é produto da vida

humana, modificado segundo necessidades coletivas e individuais, servindo de

suporte à expressão da cultura. Neste contexto a Paisagem Urbana é “(...) o

resultado altamente artificial, não natural, de uma cultura que redefine

continuamente a sua relação com a natureza” (JAKOB, 2009, p.31)4.

A Paisagem Urbana, incluídos elementos arquitetônicos e urbanísticos,

“(...) não é formada apenas de volumes, mas também de cores, movimentos,

odores, sons, etc.” (SANTOS, 1994, p.61). Permite-se, então, relacionar que “o

Meio Ambiente construído constitui um patrimônio que não se pode deixar de

levar em conta, já que tem um papel na localização dos eventos atuais”

(SANTOS, 2006, p.92) e, assim, a Paisagem se enquadra como objeto passível

de assumir caráter de Patrimônio Tombado.

O Tombamento é um ato administrativo realizado pelo Poder Público,

nos níveis federal, estadual ou municipal. O objetivo é preservar bens de valor

histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a

população, impedindo a destruição e/ou descaracterização de tais bens. Pode

ser aplicado aos bens móveis e imóveis, de interesse cultural ou ambiental. É o

4 Tradução livre da Autora.

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caso de fotografias, livros, mobiliários, utensílios, obras de arte, edifícios, ruas5,

praças, cidades, regiões, florestas, cascatas etc. (IPHAN, 2015).

Pedidos de Tombamentos podem ser abertos por qualquer cidadão ou

instituição, contudo, é a administração pública que possui responsabilidade

pela Gestão do Patrimônio. O Tombamento é estratégica capaz de preservar a

Paisagem, mas oferece também risco de estancar o dinamismo perene e

mutante da fisionomia física, territorial e cultural deste objeto - o que neste

trabalho se torna primordial pressuposto.

Assim, a Gestão Urbana do Meio Ambiente local deve ser sensível ao

tripé da Paisagem (físico-territorial-cultural) a fim de perpetuar a evolução

constante da mesma e oportunizar a atuação arquitetônica e o planejamento

urbanístico aliados à demanda compartilhada (público/privada) do espaço

urbano. As intervenções no espaço físico necessariamente acarretam em

transformações no espaço sensível, pois:

“Da mesma forma que uma intervenção arquitetônica pode

melhorar a vida de uma família, de um bairro ou de uma

comunidade, um plano urbanístico de largo alcance pode

mudar o ethos e o destino de uma cidade e seus

habitantes” (MELO, 2012, p.114).

É neste momento que a localidade e objeto de estudo se apresentam

como fenômenos paisagísticos importantes de serem analisados. Neste

sentido, Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, a ‘cidade Morena’6,

ainda possui poucos estudos sobre sua complexidade urbana, compreensível

por ser jovem cidade, com 118 anos de fundação, em constante processo de

formação de sua Paisagem. OLIVEIRA NETO (1999) e MACHADO (2000)

elaboraram discussões sobre Avenida Afonso Pena, no campo da Geografia e

História, respectivamente. Contudo, é notável que:

5 Por ‘rua’, considera-se o conjunto do logradouro público, isto é, de uma linha predial de fachada até a linha oposta e/ou paralela, incluindo-se calçadas, pistas de rolamento e canteiros centrais, inclusive edifícios e monumentos pregnantes na Paisagem. 6 “Nome dado pelo Bispo Dom Aquino Corrêa, devido à poeira levantada do seu chão vermelho e adotado pela população de Campo Grande” (OLIVEIRA NETO, 1999, p.21).

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“(...) essa avenida mereceria um estudo separado, pois

com mais de nove quilômetros de extensão, ela atravessa

toda a região central de Campo Grande, no seu sentido

leste-oeste, tornando-se na mais importante via de ligação

do centro com os bairros nestes dois sentidos. (...) torna-se

passagem obrigatória (...) pois ao mesmo tempo em que

atravessa o núcleo central da cidade dividindo-o ao meio,

oferece também uma grande variedade de opções”

(OLIVEIRA NETO, 2003, p.160).

A Av. Afonso Pena data do primeiro plano de desenvolvimento urbano

da cidade, o Plano de Alinhamento de Ruas e Praças, de 1909. Desde então,

tem presenciado as diversas transformações urbanas, políticas, econômicas e

sociais que conformaram e marcaram o desenvolvimento de Campo Grande

nesse ínterim até a atualidade.

Outro aspecto relevante sobre a referida rua, é o fato dela fazer parte do

núcleo central da cidade, mas ao mesmo tempo, atravessar outras zonas da

cidade, o que lhe confere formas bem distintas de ocupação, densidade,

função, dentro da organização urbana de Campo Grande.

Em se tratando especificamente dos canteiros centrais e do recente

processo de Tombamento dos mesmos (Processo n. 27405/2009 – 51 e

Decreto n. 11.600, de 17 de agosto de 2011), este elemento marca a paisagem

da cidade de Campo Grande/MS, principalmente na região central pelo renque

de figueiras centenárias (Ficus) e ipês coloridos (gêneros Tabebuia e

Handroanthus) (PESTANA et al., 2011), testemunhas das transformações

urbanas dessa área (entre R. Pedro Celestino e Av. Calógeras) que nunca

deixou de ser um importante eixo formador da cidade7. MACHADO (2000)

relembra, nostalgicamente:

“Calçadas largas, duas vias asfaltadas e uma imponente

ilha no centro, toda arborizada de ficus benjamin,

7 “As árvores foram plantadas pelos prefeitos Arnaldo Estevão de Figueiredo (1920 a 1921 – 1924 a1926), Arlindo de Andrade (1921 a 1923) e Eduardo Machado (1937 a 1941)”. (ARCA, 2017.

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ingaranas, sibipirunas e até mangueira, oferecendo

acolhedora sombra, que protege os transeuntes em seu

trecho principal. (...) Tempo houve, quando não eram tão

frondosas, em que abrigavam as andorinhas de verão (...)

A aparência das revoadas era majestosa, no momento em

que efetuavam ordenados volteios, librando entre as

figueiras da avenida e os eucaliptos do jardim da Praça Ari

Coelho” (MACHADO, 2000, p.19).

A figura dos canteiros sempre esteve vinculada como ponto de

referência dentro da malha urbana uniforme de Campo Grande; ainda hoje

preserva essa característica, mesmo tendo perdido força à uma série de ações

no seu espaço: ocupação por vagas de estacionamento8 e recente remoção

das mesmas, implantação de ciclovias, deslocamento dos trailers de lanches,

eliminação do comércio a céu aberto da Pedra, dentre outros. No ínterim de

todas estas intervenções passadas e atuais, nem todas as árvores foram

retiradas e os exemplares arbóreos que foram poupados permanecem vivos

até os dias de hoje.

Há algum tempo vem se levantado a hipótese da necessidade de

revitalização nesse espaço, de modo a se incitar maior permanência, através

do uso de equipamentos e mobiliário urbanos, além de áreas convidativas para

se permanecer – “A Avenida Afonso Pena, principal artéria e a mais antiga com

canteiro central, carece de reformas urgentes, visando qualificar o espaço

urbano, retirando os veículos do canteiro central dando passagem para o

pedestre” (ARRUDA, 2002, p.03).

Com isto, constata-se que o desenvolvimento urbano - associado às

intervenções arquitetônicas e urbanísticas que incluam, valorizem e revelem a

Paisagem local, em seu amplo sentido - é capaz de impactar positivamente o

Meio Ambiente urbano e valorizar tantos fatores físicos, como

socioeconômicos, bem como culturais. Sabe-se que a importância de uma rua

8 Esta configuração advém de projeto paisagístico desenvolvido pelo escritório de Roberto Burle Marx ao fim da déc. de 60 e implantado na AP, entre Av. Calógeras e R. 13 de Maio, no início da déc. de 70. Além do estacionamento e pontos de táxi, a proposta incluía remarcação dos antigos canteiros centrais, calçamento em petit-pave (pedra portuguesa) e a polêmica retirada de árvores para ordenamento de novas luminárias, que não veio a acontecer.

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como a Avenida Afonso Pena ultrapassa fatores de ordem prática por sua

pregnância na Paisagem urbana local, estruturando a cidade economicamente,

funcionalmente e simbolicamente. Assim, particularmente, esta avenida e sua

Paisagem carecem e merecem de estudos com maior aprofundamento, como

aqui proposto.

Cabe, assim, desenvolver estas premissas conceituais, pois as mesmas

fornecem arcabouço científico para a abordagem da Sustentabilidade

Ambiental e da análise da Paisagem da Avenida Afonso Pena.

4.1. Meio Ambiente e Geossistema

Etimologicamente, a expressão Meio Ambiente surge da combinação de

dois termos bastante significativos. Do latim, ‘medĭum’, indica aquilo que está

em posição intermediária, ou no centro de um espaço, equidistante, entre dois

seres ou duas coisas, bem como pode trazer a ideia de um elemento que tem

forma incompleta. Também do latim, ‘ambiens’, trata daquilo que envolve ou

circunda os seres vivos e que define o local onde se encontram ou vivem.

Engloba o conjunto de condições físicas, biológicas, químicas, bem como

psicológicas, socioculturais e morais, que cercam estes seres vivos e que

podem influenciar, positiva ou negativamente, sua sobrevivência e/ou

existência (MICHAELIS, 2018).

A combinação dos dois termos anuncia a definição de que Meio

Ambiente, do ponto de vista estritamente científico, é o conjunto das

características que determinam a vida dos seres vivos sobre a terra. No

entanto, o Meio Ambiente, considerando-se a incompletude que lhe designa o

nome e visto amplamente como uma expressão ecológica, diz respeito ao

conjunto total das condições externas que cercam e influenciam um organismo

vivo, e, sobretudo, também recebem sua influência podendo ser por ele

transformado (MICHAELIS, 2018). O Meio Ambiente é o cerne da vida na

Terra, mas ele se transmuta pelo Homem. Seja a Natureza ou o Homem que

esteja no centro desse sistema, o Meio ambiente prescinde de ambos para sua

existência, manutenção e equilíbrio.

Na atualidade, desajustes nesta relação mútua incidem sobre os

grandes problemas e impactos ambientais que a vida humana tem causado

sobre a Terra. Com maior velocidade e intensidade,

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“reconhece-se que os problemas ambientais são sistemas

complexos, nos quais intervêm processos de diferentes

racionalidades, ordens de materialidade e escalas espaço-

temporais. A problemática ambiental é o campo privilegiado

das inter-relações sociedade-natureza” (LEFF, 2011,

p.310).

Por isso, uma distinção se coloca importante no estudo do Meio

Ambiente e das relações que se estabelecem entre Homem e Natureza, que

diz respeito ao Ecossistema e ao Geossistema.

Respectivamente, um é “o ambiente vivido por uma espécie animal ou

vegetal; é a área onde esse ser apareceu e se desenvolve, relacionando-se

com os demais elementos do seu ambiente, de forma que não há limites

espaciais definidos para cada ecossistema” (ROSS, 2006 apud PISSINATI e

ARCHELA, 2011, p.08). Didaticamente, “o ecossistema não tem nem escala

nem suporte especial bem definido. Ele pode ser o oceano, mas também pode

ser o pântano com rãs. Não é, portanto, um conceito geográfico” (BERTRAND,

2004, p.143).

Já o outro, “ultrapassa o ecossistema no que diz respeito à perspectiva

geográfica” (SILVA, 2012, p.78). O Geossistema, “abarca elementos diferentes,

dependentes um do outro, o que torna sua fisionomia, de certo modo,

heterogênea” (ROSS, 2006 apud PISSINATI e ARCHELA, 2009, p.08). Desta

maneira, é mais compreensível o porquê do geossistema se apresentar por

meio de paisagens, que muitas vezes são diferentes e representam estágios de

sua própria evolução (BERTRAND, 1971 apud PISSINATI e ARCHELA, 2009,

p.08). Por este motivo, o geossistema embasa a taxonomia das paisagens, por

meio da sua dominância física, mas que também é um fenômeno enérgico

material e imaterial.

“A paisagem não é a simples adição de elementos

geográficos disparatados. É, em uma determinada porção

do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto

instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que,

reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da

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paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua

evolução” (BERTRAND, 2004, p.141).

O termo geossistema (Figura 3) advém do prefixo grego ‘gê’, que

significa relação com a terra ou com o solo. Combina-se ao termo também

grego ‘sýstēma’ para transmitir a ideia de que o conjunto de elementos

distintos, com características e funções específicas, naturais ou artificiais que

coexistem na terra, enquanto um território, podem ser metodicamente inter-

relacionadas numa concatenação lógica e, pelo menos, verossímil, aplicadas a

uma determinada área (MICHAELIS, 2018). Logo:

“o geossistema é caracterizado por elementos geográficos

e sistêmicos. Como elementos geográficos aponta uma

combinação espacializada entre os abióticos (rocha, ar e

água); bióticos (animais, vegetais e solos) e antrópicos

(impactos das sociedades sobre o ambiente). Como

sistêmicos considera três conceitos: espacial, natural e

antrópico” (PISSINATI e ARCHELA, 2009, p.09-10).

Figura 3. Esboço de uma definição teórica de Geossistema. Fonte:

BERTRAND (2004).

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De acordo com as estas reflexões, “geossistema é um conceito

complexo e ao mesmo tempo dinâmico mesmo num espaço-tempo muito

breve, cuja individualidade é conferida mais por sua dinâmica comum do que

pela sua homogeneidade fisionômica” (BERTRAND, 1972 apud SILVA, 2012,

p.79).

Progressivamente, o geossistema foi levado de conceito a abordagem

metodológica (SILVA, 2012, p.76). “Enfim, o geossistema constitui uma boa

base para os estudos de organização do espaço” (BERTRAND, 2007, p.18)

pois se apresenta como referência espaço-temporal, se tratando de um

conceito hibridizado, uma vez que “o meio ambiente é uma noção vasta demais

e muito vaga para se prestar diretamente a uma análise frontal e foral do

tempo” (SILVA, 2012, p.82). É nesse momento que entra a contribuição de

Georges Bertrand, com o sistema GTP (Geossistema – Território – Paisagem)

para análise e estudo das paisagens. O autor assume Paisagem como “(...) o

resultado da combinação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos,

biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros,

fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua evolução”

(BERTRAND, 1971, p.02).

As paisagens compõem o cenário da vida humana. Por muito tempo,

desde a troca da vida nômade pela sedentária, a sociedade se dedica a

transformar as regiões naturais em espaços territorializados. Assim, a

paisagem natural se transmuta em rural e sua dicotomia urbana. Pela maior

concentração de recursos naturais, as áreas rurais, ou não urbanas, são, em

geral associadas ao termo meio ambiente, tendo-se uma falsa ideia de que

apenas os seus habitantes são responsáveis pelo futuro da natureza

(PISSINATI e ARCHELA, 2009, p.12-13).

No entanto, o modo de vida urbano das cidades contemporâneas, em

sua esfera pública, inclui os espaços livres como meio de convivência e gera

ambientes propícios ao exercício da cidadania, os quais guardam potencial

para consolidar as relações entre homem e seu meio ambiente. É nessa

qualidade de espaço, construído e culturalmente modificado, que se tornam

mais evidentes os efeitos da ação e expressão dos homens. Por isso, “o meio

ambiente não é uma coisa ‘lá fora’. Ele não é como uma imagem ou fotografia

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admirada por lazer. O homem é no e do meio ambiente” (RAPOPORT, 1972,

p.12).

Uma vez que o ambiente é um produto da vida humana, construído e

modificado segundo as necessidades coletivas e pessoais, ele também pode

servir de suporte para a expressão da identidade, tanto à sua busca, como ao

seu referencial, pois, “a criação dos ambientes sociais pode, nesse sentido, ser

compreendida como um prolongamento e um reflexo da imagem que uma

sociedade tem de si mesma” (FISCHER, 1994, p.09). Por isso o geossistema é

um conceito, bem como método que possibilita o estudo e compreensão não

somente das paisagens, bem como da sociedade e da vida humana em si

mesma.

4.2. Território

Se a Natureza é manifestação do instinto no cosmos, o Território é

expressão da razão humana sobre a terra. Os elementos da Natureza

manipulados pelas atividades socioeconômicas resultam de um processo no

qual “não há território sem terra” (BERTRAND, 2007). Assim, o Território,

repleto dos modos de vida dos homens que o habitam, “é ingrediente básico

nos processos de identidade das sociedades locais” (AROCENA, 2001, p.28-

29).

No sentido etimológico, a palavra território tem origem no termo latino

‘territorĭum’ (= terra + torium) e designa “uma determinada porção do espaço

envolvendo superfície, formas e limites” (ESCOLAR, 1992 apud MACHADO,

2002). Em se tratando de acepções, há muitos conceitos que podem ser

considerados para Território.

No campo das ciências naturais, como na Biologia, território é entendido

como “área de disseminação de espécies vegetais ou animais” (MACHADO,

2002, p.05).

No campo ciências sociais, como na Geografia Política Clássica, o

conceito é retomado pelo viés da etologia9, onde território “passa a representar

uma parcela do espaço terrestre identificada pela posse, uma área de domínio

9 “1. Biol, Zool. Estudo do comportamento social dos animais, dos seus hábitos individuais e de sua adaptação às condições do meio onde habitam. 2. Por Ext, Antrop. Estudo dos costumes humanos como fatos sociais” (MICHAELIS, 2018).

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de uma comunidade ou Estado” (MACHADO, 2002, p.05). Neste âmbito, a

acepção de Estado-Nação, aquele território associado ao seu gestor e tomado

no sentido de território nacional (SOUZA e LOPES, 1995), torna-se sinônimo

de “Estado-Territorial” (SANTOS, 1994), do território com limites geográficos

moldáveis.

No entanto, há certo tempo, o Território já não é mais definido pelo

Estado-Nação. Este alcançou a transnacionalização – processo de

mundialização em sentido mais amplo que o de globalização - ou, a “escala

planetária” das relações socioeconômicas e políticas (SANTOS apud

MACHADO, 2002, p.06).

Este fato, em grande parte devido às transformações históricas

decorridas a partir da década de 1960, incitou a reflexão e discussão sobre a

questão do Território, ampliando-o para o viés da valorização cultural, trazendo

consigo outras escalas para se pensar o conceito (DELVIZIO, 2004, p.34-35).

Quanto à dimensão do tempo, a escala do território pode ser

permanente, efêmera ou cíclica. Já quanto à escala do espaço, territórios

podem variar do local (como uma rua) ao internacional (como a OTAN,

conjunto de territórios de países-membros que compõe uma organização).

Assim, a noção contemporânea deste conceito indica o espaço humano

habitado e constituído por objetos e ações que emergem e regem as relações

sociais (SANTOS, 2006, p.16). Desta maneira, tem-se que:

“Concebido como um espaço apropriado por uma

coletividade, o território se constitui em uma organização

onde se estabelece o conjunto de relações entre

indivíduos, relações essas advindas da dinâmica social,

definindo um grupo através de processo de identidade

coletiva” (DELVIZIO, 2004, p.35).

Do ponto de vista da geografia tradicional, “o território se concebe como

a apropriação do espaço por um determinado grupo” (SILVA, 2012, p.66).

Todavia, extrapola essa afirmação já que é “produto histórico, de mudanças e

permanência, como projeção espacial, em um ambiente no qual se desenvolve

uma sociedade” (SAQUET, 2007 apud SILVA, 2012, p.71).

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Assim, “o território é, pois, um espaço social e histórico” (PASSOS,

2008, p.21) estreitamente vinculado ao conceito de Paisagem pois esta é “o

nível visível e percebido deste processo” (SILVA, 2012, p.71). Ao mesmo

tempo, a Paisagem é “uma combinação de traços físicos e humanos que dá a

um território fisionomia própria, que o faz um conjunto senão uniforme, pelo

menos caracterizado pela repetição habitual de certos traços” (SILVA, 2012,

p.70).

Essa interação entre os conceitos de território, paisagem e espaço

geográfico fica altamente evidente nos espaços urbanizados, quando:

“Cada indivíduo vivencia a paisagem, integrando-se aos

objetos urbanos nela construídos, elaborando suas próprias

representações do espaço, em acordo com as significações

e sentidos atribuídos à essa diversidade. Manipula signos e

símbolos da realidade vivida e percebida no cotidiano,

decodificando imagens expressas na paisagem. Nesse

caso, tanto do ponto de vista físico-territorial como

socioeconômico e das representações sociais, não se

evidencia apenas um território urbano, mas vários

territórios urbanos” (SPÓSITO apud LE BOURLEGAT,

2000a, 308-309).

Mesmo sendo conferidos de identidade comum por compartilharem o

mesmo local de vivência, os habitantes citadinos estabelecem diferentes

interpretações e relações com esse espaço (MANCEIRA, 2003), visto que:

“Um grupo não pode mais ser compreendido sem seu

território, no sentido de que a identidade sociocultural das

pessoas estaria inarredavelmente ligada aos atributos do

espaço concreto (natureza, patrimônio arquitetônico,

paisagem” (SOUZA e LOPES,1995, p.84).

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Se o território é um espaço natural, social e historicamente organizado e

produzido, então, é a presença de corpo e espírito que proporciona ao seu

habitante o sentimento de pertença ao ambiente urbano que habita:

“O sentido de lugar surge, assim, a partir do sentimento de

afetividade que o ser humano desenvolve em relação ao

espaço das suas relações cotidianas, ou seja, o espaço

vivido através das reproduções dos significados da vida,

como, por exemplo, transitar por uma rua, por um bairro,

praça ou pequena cidade” (DELVIZIO, 2004, 33).

É por isso que o território, como produto histórico, de mudanças e

permanência, como projeção espacial, em um ambiente no qual se desenvolve

uma sociedade, também pode ser compreendido pela dimensão do Lugar.

“São os lugares que o homem habita dentro da cidade que

dizem respeito a seu cotidiano e a seu modo de vida onde

se locomove, trabalha, passeia, flana, isto é, pelas formas

através das quais o homem se apropria e que vão

ganhando significado dado pelo uso” (CARLOS, 1996,

p.21).

A construção do lugar se realiza, enfim, na dimensão do simbólico:

“O lugar, portanto, é onde a vida se desenvolve em todas

as suas dimensões. Assim, a ordem interna construída no

lugar, tecida pela história e pela cultura, produz a

identidade. É através dessa identidade que o ser humano

se comunica com o resto do mundo” (SANTOS apud LE

BOURLEGAT, 2000, p.18).

Território e Lugar são construídos dialeticamente, onde se edifica o

“sentimento de identidade com o grupo local, criando a identidade coletiva,

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assim como com o próprio lugar. Do sentimento de apropriação do lugar nasce

a ideia de território, o espaço com limites e fronteiras” (DELVIZIO, 2004, 34).

Apropriadamente, as reflexões sobre os conceitos de espaço, lugar e

território podem ser assim resumidas: “Espaço concebido é abstração,

raciocínio, razão; Lugar é sentimento, pensamento, apropriação e vivência

através do corpo; Território é o lugar que “me pertence” (DELVIZIO, 2004, 35).

A premissa fundamental, então, do território se coloca como um ciência

social, na qual “territorializar o meio ambiente é, ao mesmo tempo, enraizá-lo

na natureza e na sociedade fornecendo os meios conceituais e metodológicos

de fazer avançar o conhecimento ambiental nesse campo” (BERTRAND, 2007.

p.124).

Por isso é tão importante conhecer os aspectos de organização

territorial, bem como a evolução dos processos compreensão geográfica do

meio ambiente, até atualidade, principalmente no que concerne ao estudo da

Avenida Afonso Pena.

No caso deste território, a especial localização do vilarejo de Campo

Grande desde sua origem desempenha a qualidade de elo geográfico entre

diferentes pontos do país e do continente. Elo este que fortaleceu o efetivo de

trocas, tanto as baseadas em mercadorias de valor comercial, como também

aquelas formadoras de valores culturais e de convivência plural. A AP frisa

essa vocação de passagem por ser o local na cidade onde todos passam com

algum destino e é nela que a vivacidade das novidades é compartilhada por

meio das trocas econômicas e sociais.

Além dos diferentes níveis e cruzando acidentes geográficos, como

córregos e vales, que lhe conferem diferentes ambientações e perspectivas, a

Avenida Afonso Pena se apresenta, assim, como muito mais do que simples

referência espacial ou geográfica; seu território se apoia em qualitativos

advindos dos tipos de usuários e atividades e, principalmente, da interação que

se dá entre todos e que ocorre ao longo de sua extensão, para se tornar

referência simbólica – um Lugar.

4.3. Paisagem

O estudo sobre a Paisagem parte de complexidade inerente à sua

formulação enquanto conceito (MACIEL e LIMA, 2011). Com sua etimologia

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advinda do francês ‘paysage’ (TROLL, 1997), a sua polissemia, ou propriedade

de assumir vários sentidos, expressa as contradições e/ou dualidades que

resulta em si mesma (SILVA, 2012).

A definição cotidiana para paisagem se refere tanto a um panorama

visual, quanto condição climática, bem como expressão artística (MICHAELIS,

2018). Entretanto, este conceito se revela muito mais profundo, numa

combinação entre elementos objetivos e subjetivos (EMÍDIO, 2006).

Num primeiro estágio, Paisagem é “aquilo que a vista abrange num

olhar” (Vidal de La Blache); ou, “Paisagem é precisamente e simplesmente

aquilo que se vê” (Brunet, 1974); ou ainda, “Paisagem é um porção do espaço

terrestre que se pode ver de um certo ponto de observação” (Y. Lacoste, 1977),

reunindo-se uma séries de definições reducionistas que chegam pouco próximo

do que este conceito pode compreender (DIAS, 2003 apud SILVA, 2012).

Por isto, o conceito de paisagem já passou e continua passando por

evolução constante, dentro das várias ciências e linhas de pensamento que a

investigam, como geografia, urbanismo, história, sociologia, biologia, etc.

(MACIEL e LIMA, 2011)

Sua primeira utilização remonta aos trabalhos de artes gráficas, no

século XV, nos jardins e na literatura, para depois, ser apropriada pelos

trabalhos de cunho geográfico (PASSOS, 2003). Na pintura, não se limitava

apenas à descrição fidedigna da realidade, mas à abordagem das relações do

homem com seu meio, privilegiando a subjetividade. Na concepção de jardins,

submetia a organização paisagística do ‘caos’ natural (hostilidade) à ‘ordem’

humana (harmonia), aspirando satisfazer o contato com a natureza, paz e

conforto espiritual, por meio do usufruto da água, sombra, flores e frutos.

Anteriormente ao século XIII, o termo paisagem aparece na literatura

como cena pitoresca da natureza autenticada por classificações naturalistas, e

ganha espaço no formato de romance de aventura ou regionalista (PASSOS,

2003).

A partir do século XIX, o termo paisagem é incorporado ao vocabulário

da geografia, denominando o conjunto de ‘formas’ que caracterizam dada

porção da superfície terrestre:

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“A paisagem natural é constituída de um mosaico de

diversos tipos de habitat e comunidades naturais, exibindo

muitas espécies de plantas e animais com padrões

complexos de biodiversidade e um grande número de

espécies endêmicas em nível regional e local” (LE

BOURLEGAT, 2000, p.47).

Daí, torna-se possível distinguir contrastes, em função da formalidade e

intensidade dos elementos, classificando-se paisagens mais ou menos hetero

ou homogêneas: naturais (morfológicas, vegetais) ou transformadas (agrárias,

urbanas), etc. (PASSOS, 2003).

Marcadamente na década de 1960, é que o termo e a categoria

paisagem fazem emergir a necessidade de se apreender o espaço

globalmente, combinando e sintetizando elementos que extrapolam sua região,

meio, lugar (DIAS, 2003). Torna-se, assim, pertinente interpretar e

compreender conceitos e noções já elaboradas sobre a Paisagem para

conceber sua abordagem.

No âmbito internacional, a geografia francesa foi pioneira no esforço da

compreensão do conceito (MACIEL e LIMA, 2011), entendendo que:

“paisagem não é a simples adição de elementos

geográficos disparatados, é, numa determinada porção do

espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto

instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que,

reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da

paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua

evolução” (BERTRAND, 1972 apud SILVA, 2012, 69).

No âmbito nacional, a geografia brasileira assume que “o conceito

científico de paisagem abrange uma realidade que reflete as profundas

relações, frequentemente não visíveis, entre seus elementos” (PASSOS, 2003

apud SILVA, 2012, p.70).

Como num ‘iceberg’, “ao pesquisador, cabe estudar toda a parte

escondida para compreender a parte revelada” (SILVA, 2012, p.70) – observar

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e analisar na paisagem não só os aspectos físicos (enfoque naturalista), mas

também intervenções antrópicas resultantes da exploração e organização do

espaço por sistemas socioeconômicos (enfoque humanista).

Mesmo que não seja objeto ou categoria de estudo, a Paisagem (Figura

4) está implícita ou explícita, material ou imaterial, objetiva ou subjetiva, direta

ou indiretamente atrelada à perspectiva dialética e à compreensão do “território

como produto histórico, de mudanças e permanências, como projeção espacial,

em um ambiente no qual se desenvolve uma sociedade” (SILVA, 2012, p.71).

Essas ambiguidades são reveladas por esta relação dialética, cerne da

compreensão da paisagem, pautada nas relações entre:

“os elementos de caráter temporo-espacial, evidenciando

os movimentos existentes na paisagem; os de caráter

constitutivo, inerente aos elementos físicos naturais e

antropo-sociais que constitui a mesma; além de permitir

também uma abordagem cultural com base na

representação dos elementos de caráter perceptível da

paisagem o que depende do olhar, do sujeito e da

identidade para com a paisagem” (SILVA, 2012, p.70)

Figura 4. Síntese da noção de Paisagem. Fonte: SILVA (2012, p.72).

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Se “a configuração espacial é um dado técnico, enquanto o espaço

geográfico é um dado social” (SANTOS, 2006, p.47), a visão naturalista da

paisagem vai sendo conjugada com a abordagem historicista e materialista.

Tem-se, então, interação entre conceitos de território, paisagem e

espaço geográfico, na qual:

“Se efetiva a abordagem humanista, centrada na

percepção de sujeitos, na representação e em símbolos da

vida cotidiana... Finalmente, elabora-se uma perspectiva

interativa, reconhecendo-se a objetividade e a subjetividade

da paisagem, com uma tendência significativa à

representação e à gestão de planos de desenvolvimento no

nível do lugar” (SAQUET, 2007).

A ciência geográfica, ao refletir sobre a Paisagem, estabeleceu série de

princípios, tais como, localização, extensão, complexidade, dinamismo,

conexão e globalidade territorial, que contribuem em muito para a formulação

de arcabouço analítico que embasa o entendimento do fenômeno. Dentre eles,

há que se destacar três: espaço, território e lugar.

Muitas vezes, a Paisagem é tomada como sinônimo de ‘espaço’,

‘região’, ‘lugar’, ‘território’. Há que se colocar, entretanto, uma distinção

necessária, esclarecendo que “paisagem e espaço não são sinônimos”

(SANTOS, 2006, p.66). Define-se que “paisagem é um conjunto de formas que,

num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas

relações localizadas entre homem e natureza” (SANTOS, 2006, p.66). Já o

espaço resulta da adição da sociedade nessa “forma-objeto” (PIRAJÁ e

OLIVEIRA, 2014, p.20).

Ao se estudar o fenômeno da Paisagem, há que se formular duas

questões fundamentais para sua compreensão: ‘Quem olha a Paisagem?’, e,

‘O que há na Paisagem?’.

A primeira pergunta considera que há pontos de vistas distintos para se

observar a Paisagem, o que implica que, para cada um deles, o entendimento

da mesma será diferente. “A paisagem nasce toda vez que um olhar cruza um

território” (BERTRAND, 2007, p.257), mas este olhar, dependendo do ator

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(grupo social, econômico, cultural, político) que o encena, pode relatar

perspectivas diversas, contraditórias ou destoantes.

A segunda, toma como princípio que na Paisagem tudo ou nada pode

existir. Se “o espaço não é objeto de visão, mas objeto de pensamento”

(MERLEAU-PONTY, 1989, p.26 apud OKAMOTO, 2002, p.119), escalas de

valores formuladas pela sociedade, em função dos interesses e modo de

produção de vida, filtram e direcionam este olhar colocado sobre a Paisagem,

pois:

“O mesmo objeto pode ter conotações muito diferentes

para diferentes pessoas – um martelo é um brinquedo para

uma criança e uma ferramenta para seu pai; uma favela

pode significar segurança e afetividade para uma criança

que aí cresça, mas significar um problema social para um

planejador urbano” (SOMMER, 1973, p.202).

Para ambas perguntas iniciais, uma resposta mediadora pode ser

colocada: a análise da Paisagem carrega consigo tempo e espaço próprios,

marcados pelo posicionamento e definição de quem a toma como objeto de

observação e reflexão, pois “está em constante modificação, adaptando-se às

necessidades e estilos de vida das diferentes sociedades” (CURADO, 2007).

Assim, afirma-se que, qual seja a definição, a Paisagem expressa

“interações dialéticas de elementos ditos físicos ou da natureza e os

socialmente produzidos, interação esta concebida no tempo e no espaço

resultando em uma organização visível que revela ou pode revelar a

combinação invisível” (SILVA, 2012, p.73) na análise do espaço.

Contudo, os estudos da paisagem atrelados à dicotomia

naturalista/humanista enfrentam entraves para “identificar e analisar tais

interações dialéticas visíveis e invisíveis no tempo e no espaço” (SILVA, 2012,

p.73). Quando se tem por paisagem “tudo o que nós vemos, o que nossa visão

alcança (...) definida como o domínio do visível, aquilo que a vista abarca”

(SANTOS, 1994, p.61), regride-se àquele reducionismo, que como já visto, não

expressa o genuíno sentido de Paisagem não levando em conta os elementos

invisíveis.

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Uma paisagem no interior da floresta amazônica, por exemplo, possui,

aparentemente, mais elementos naturais do que antrópicos. Entretanto, deixar

o contexto histórico-espacial, seja no interior ou na sua borda, fora da

abordagem, implica em desprezar inter-relações dialéticas que definem o

diagnóstico sistêmico da territorialização destes elementos. Da mesma forma, a

análise de uma paisagem urbana “requer também a averiguação dos

elementos da natureza minimizados pelos aglomerados de elementos

socialmente produzidos” (SILVA, 2012, p.76).

Se o entendimento da paisagem provém da relação entre a ação

antrópica e os elementos naturais, ela é, então, “(...) uma escrita sobre a outra,

é um conjunto de objetos que têm idades diferentes, é uma herança de muitos

diferentes momentos” (SANTOS, 1994, p.66). Em todo o sentido da palavra,

esta herança é: “herança de processos fisiográficos e biológicos, e patrimônio

coletivo dos povos que historicamente as herdaram como território de atuação

de suas comunidades” (AB’SABER, 2003, p.09).

Desta maneira, toda paisagem urbana é também uma paisagem cultural,

fazendo com que a paisagem construída não seja alheia à cultura que a

circunscreve (PEDROSA e PEREIRA, 2008).

Aqui colocam-se as condições de posicionamento central urbano da

Avenida, que aliada às características do sítio onde se localiza Campo

Grande/MS, foram determinantes para a construção de sua paisagem e

configuração de sua evolução urbana até os dias de hoje. Houveram

instrumentos básicos iniciais, como o Plano de Alinhamento de Ruas e Praças

(1910) e Planta do Rocio e Código de Posturas, que fizeram “dotar a paisagem

da vila, de características da modernidade e, ao mesmo tempo, incutir na

população, o espírito de urbanidade” (LE BOURLEGAT, 2000a, p.225).

Ao longo do desenvolvimento, “essa nova paisagem urbana, que permite

o convívio com a diversidade e a complexidade não só dos atores, mas

também do espaço construído, é rica de simbolismos” (LE BOURLEGAT,

2000a, p.308-309).

A Avenida Afonso Pena é uma paisagem urbana, que estrutura a cidade

tanto economicamente quanto funcionalmente, sendo espaço urbano rico em

situações de uso, com dinâmica variada, ao que se soma carga histórica e

presença forte na paisagem da cidade em que está inserida. Assim,

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“As paisagens que se descortinam nas cidades

contemporâneas nos revelam um ambiente totalmente

configurado pela ação humana, onde as formas de

construção e a consequente intervenção sobre a paisagem

vão-se modificando ao longo da linha do tempo e da

História” (CURADO, 2007, p.09).

O elemento canteiro marca a avenida, principalmente na área central

pela densa e histórica arborização, hoje tombada como patrimônio municipal.

Ainda, com inclusão de ciclovias nos canteiros centrais, a avenida se

caracteriza ora por trechos mais construídos e adensados, ora por outros em

estado mais natural, com oferta a proximidade com a natureza.

4.4. GTP – Geossistema, Território, Paisagem

Desde a década de 1960, o geógrafo francês Georges Bertrand discutiu

o conceito de paisagem e de geossistema, até criar o sistema tripolar GTP –

Geossistema, Território e Paisagem. A argumentação para a proposição deste

método de estudo da paisagem se baseia em três fundamentos: 1. Delimitação:

na natureza, não há limites próprios para cada fenômeno espontâneo; é o

pesquisador que elabora essa delimitação como uma estratégia de

aproximação da realidade; 2. Relações: a fragmentação da paisagem em

unidades sintéticas lado a lado diminui o diálogo dos elementos no todo, daí a

importância de ressaltar as combinações e relações de convergência entre

estes elementos; 3. Escala: a paisagem deve ser situada no tempo e no

espaço, em termos de início e extinção, para daí ser sistematizada em

unidades hierarquizadas (PISSINATI e ARCHELA, 2009).

Um grande balizador comum para esta sistematização da paisagem, é

que, em termos teórico-metodológico, é a atração entre paisagem e

geossistema, onde:

“o geossistema aproxima-se do conceito de paisagem

como paisagem global, na qual se evidencia a preocupação

com a interação natureza-sociedade e na análise

geossistêmica, o geossistema é uma categoria de sistemas

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territoriais regido por leis naturais, modificados ou não

pelas ações antrópicas” (DIAS e SANTOS, 2007 apud

PISSINATI e ARCHELA, 2009).

A modificação pelas ações antrópicas remete diretamente à

compreensão do conceito de espaço e a definição do território. Portanto, o

sistema GTP, afirma-se sobre um tripé metodológico, ou, “três entradas ou três

vias metodológicas que correspondem à trilogia fonte/recurso/aprisionamento e

que são baseadas em critérios de antropização, de artificialização e de

artialização” (BERTRAND, 2007 apud PISSINATI e ARCHELA, 2001, p.09)

(Figura 5).

Figura 5. Esquema do Sistema GTP. Fonte: BERTRAND (2007, p.299) apud

PISSINATI e ARCHELA (2009, p.09).

Deste forma, é posível, abordar o meio ambiente por meio de um

sistema dito tripolar e interativo, em três espaços e três tempos, a saber:

“> O tempo do geossistema - aquele da natureza

antropizada: é o tempo da fonte, das características bio-

físico-químicas de sua água e de seus ritmos hidrológicos;

> O tempo do território – aquele do social e do econômico,

do tempo do mercado ao tempo do “desenvolvimento

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durável”: é o tempo do recurso, da gestão, da

redistribuição, da poluição-despoluição;

> O tempo da paisagem – aquele do cultural, do

patrimônio, do identitário e das representações: é o tempo

do retorno às fontes, aquele do simbólico, do mito e do

ritual” (SILVA, 2012, p.83).

Em adição a este tripé metodológico, BERTRAND (2007) também se

apoia na definição de ‘quadraduta da paisagem’, como se fossem filtros ou

camadas da paisagem que, somente sobrepostas, possibilitam a leitura por

completo do fenômeno (Figura 6). Esta envolve:

“um apanhado de aspectos referentes aos locais

paisagísticos, os tempos da paisagem, os projetos da

paisagem e os atores da paisagem, sendo que, para este

último, individuais ou coletivos, atuais ou passados,

endógenos ou exógenos em relação ao território

considerado com sua carga de memória patrimonial”

(SILVA, 2012, 216-217).

Figura 6. Quadratura Científica da Paisagem. Fonte: BERTRAND (2007,

p.254) apud SILVA (2012, p.84).

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A compreensão e apresentação do meio ambiente e a elaboração de

estruturas abstratas para representá-lo são uma constante na vida em

sociedade desde os primórdios da humanidade até nosso dias. Por isso, a

representação gráfica tem sido de grande utilidade aos estudos, mapeamentos

e análises da paisagem. Esta é, dentre outras, uma particularidade bastante

explorada no sistema GTP – a utilização de imagens (fotográficas,

cartográficas, ortográficas, etc.) como método cientifico, que se destina a

expressar fatos e fenômenos observados na superfície da terra.

Se a natureza é formada pelo conjunto de objetos geográficos, naturais

e artificiais, mas “a essência do espaço é social” (SANTOS, 1985 apud

PELUSO, 2013, p.22), a paisagem, segundo a ótica do sistema GTP, pode ser

representada, pois:

“os fenômenos, quando classificados como representações

qualitativas, podem ser inscritos em mapas e outros tipos

de representações cartográficas para mostrar sua

ocorrência, localização e extensão que se diferenciam pela

natureza (...) podendo ser classificados por critérios

estabelecidos pelas ciências que os estudam”

(MARTINELLI, 2003, 27)

Arquitetonicamente, cada objeto possui uma posição no espaço, onde

cada unidade espacial pode ser analisada dentro de certos limites. “As

fronteiras de um espaço construído são o chão, a parede e o teto. As fronteiras

de uma paisagem são estruturalmente semelhantes e consistem no solo, no

horizonte e no céu” (NORBERG-SCHULTZ, 2006 apud NESBITT, 2006, p.450).

Em combinação com o sistema GTP, cada uma das dimensões cultural,

territorial e geográfica são camadas de espaço-tempo que compõem a

Paisagem arquitetônica. Visões, leituras e interpretações em diferentes escalas

da Paisagem são estratégias de aproximação e abordagem que favorecem a

análise complexa deste fenômeno dinâmico (Figura 7).

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Figura 7. Dimensões espaço-tempo da Paisagem – escalas de leitura e o

Sistema GTP. Fonte: A autora (2017).

Sob essa base conceitual apresentada pelo sistema GTP, foram

selecionados os seguintes procedimentos para esta pesquisa focada na

paisagem da Avenida Afonso Pena, conforme ilustrado abaixo (Figura 8):

Figura 8. Fluxograma Metodológico das Características

(Subsistemas/Dimensões) para Análise Ambiental da Av. Afonso Pena. Fonte:

A autora (2017).

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Como apresentado, em síntese, pode-se, então, considerar: o

geossistema como complexo formado pelas relações naturais existentes entre

elementos bióticos e abióticos; o território como forma de uso político, social e

econômico do espaço geográfico; a paisagem como expressão cultural,

manifestada através da apropriação, utilização e significado que é atribuído aos

elementos do geossistema, pela comunidade local (PISSINATI e ARCHELA,

2009).

BERTRAND (1971) já afirmava que estudar a paisagem é, sobretudo,

apresentar um problema de método, onde qualquer e qual seja a unidade de

paisagem, funciona e é compreendida à luz e integração do seu todo

naturalista, social e cultural, cuja representação pode ser delineada por meio

do sistema GTP. A Paisagem Urbana, por meio da Cultura, da Cidade e da

Rua, se conjuga e potencializa a aplicação do método GTP, como se vê a

seguir.

4.5. Cultura, Cidade e Rua

Tomando a cidade como um contexto cultural “carregado de realizações

humanas, intensamente modificado para atender às condições da vida coletiva”

(COLIN, 2000, p.119), as cidades são, muitas vezes, pensadas, descritas ou

classificadas pelos aspectos gerais que apresentam em comum – morfologia e

traçado, sistema viário, potencial econômico, organização política, dentre

outros. Porém, a compreensão da realidade urbana só se completa com

características que a fazem única: seus habitantes, valores culturais e cultura.

Oriunda do verbete latino ‘colere’, o conceito de cultura remete à ação

de cultivar, criar, tomar conta e cuidar. Como abordagem, a concepção de

cultura compreende conhecimentos, técnicas, crenças, valores e normas que,

em conjunto, cultivados pelo homem, representam o modo de vida de um povo.

Ela é plural e construída ao longo da trajetória humana, da memória,

constantemente vinculada às gerações que se articulam, reinventando

indivíduos e, por consequência, os modos de apropriar e qualificar

simbolicamente espaços urbanos e sua identidade. Dentre inúmeras definições

de cultura já elaboradas, opta-se pela qual cultura define-se por “um sistema de

códigos aprendidos socialmente, transmitido de pessoa a pessoa, formado por

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significados compartilhados e reciclados através dos tempos” (BRASILEIRO,

2007, p.16).

A partir de teorização interpretativa, GEERTZ (1989, p.23) frisa: “a

cultura, esse documento de atuação, é portanto pública”, é de propriedade

comum, pois o significado que desperta no grupo que a detém também o é.

Corresponde-se, então, que o espaço público urbano é ao mesmo tempo palco

e produto das manifestações culturais coletivas por natureza, valorizado não

apenas por seus atributos físicos, mas também pelas qualidades que a

sociedade é capaz de lhe aferir.

Logo, apreender e perpetuar o valor simbólico da cidade “diz respeito às

possíveis conexões conceituais existentes entre o espaço – concreto e visível –

e as ideias, conceitos, valores ou significados – invisíveis e intangíveis (...)”

(RIBEIRO, 2003, p.17).

Contrariamente aos princípios modernistas e ortodoxos que moldaram

de forma agressiva muitas cidades contemporâneas, a escala de compreensão

do usuário (e da cultura a qual ele pertence), resgata o espaço público da

cidade, em destaque a rua, como manifestação do contato mútuo entre as

pessoas e como catalisador da formação da coletividade (JACOBS, 2000).

DAMATTA (1998) refere-se à cultura como um modo de fazer coisas, de

pensar questões e de expressar ideias. Segundo GODELIER (2007 apud

CANAZILLES, 2016) o conceito antropológico de cultura pode ser entendido

como o conjunto de:

“representações, princípios e valores que ordenam os

diversos aspectos da vida em sociedade, bem como as

formas de agir e de pensar. (...) essas representações são

elementos do campo ideal e compõem a cultura. Esta

somente passa a existir e ter significado quando esses

elementos são associados às práticas materiais e sociais”

(CANAZILLES, 2016, p.29).

Ao afirmar que “a cultura é um processo acumulativo, resultante de toda

a experiência histórica das gerações anteriores”, LARAIA (2006, p.49) nos

remete diretamente ao conceito de memória e sua construção progressiva e

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temporal. Tratando da cidade como um meio culturalmente modificável, COLIN

(2000, p.120) afirma que é nela que os efeitos se evidenciam mais fortemente,

onde esta torna-se “um repositório da cultura, onde se sobrepõem, em

camadas, os produtos das diversas estruturas e conjunturas sociais que

adotaram o seu espaço como palco de atuação”.

Uma das primeiras apreensões da experiência que a cidade constitui,

em se tratando do seu espaço, acontece inevitavelmente nas ruas. Nela

passam caminhos e percursos, passam um e todos, e dentre tantas trajetórias

e destinos que por ela cruzam, ficam indícios culturais que alinhavam toda essa

dinâmica de mobilidade, convivência e significados que pairam e marcam seu

espaço. Sendo este o foco de interesse, é apropriado entender que estar na

cidade e reconhecer o fenômeno simbólico que a define enquanto experiência,

em grande parte, é também estar na rua.

LEMOS (1987 apud MANCEIRA, 2003, p.13) propõe essa mesma

interpretação, quando diz que “a cidade tem que ser encarada como um

artefato, como um bem cultural qualquer de um povo. Mas um artefato que

pulsa, que vive, que permanentemente se transforma, se autodevora e

expande em novos tecidos (...)”.

O logradouro público – ou rua -, assim, mostra-se como prova viva dos

ideais culturais e sociais que se sobrepuseram ao tempo, em camadas onde os

produtos de cada contexto cultural adotam o espaço público urbano como

suporte físico.

“Arquitetura é que atribui a forma da cidade, a cidade como

espaço do homem, o mundo do homem, sinônimo de sua

cultura, evidenciando-se o seu valor simbólico. (...) Nesse

sentido, vemos os edifícios, os espaços urbanos,

propiciando a própria vida. O símbolo alcançado é o meio,

a forma, que permite ao homem oferecer razão à sua

circunstância de vida e adquirir a percepção desta

circunstância a romper a trivialidade do cotidiano”

(ANDRADE, 1993 in CBA, 1993, p.40).

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O símbolo, necessariamente traduzido por forma física, não pode ser

experienciado se alheio ao sistema em que foi gerado, ou seja, “para perceber

o significado de um símbolo é necessário conhecer a cultura que o criou”

(LARAIA, 2006, p.56). Dessa maneira, o espaço urbano assume dimensão

simbólica peculiar, variável, porém, segundo quem a interpreta, seja individual

ou coletivamente, pois, “afinal, o ambiente da vida cotidiana é mais significativo

do que parece. Ele é tanto a espinha dorsal quanto o fundo sobre os quais

construímos a própria base de nosso modo de ser-no-mundo” (THIBAUD,

2005, p.210).

Isso foi analisado no caso da AP quando relação entre o espaço urbano

e a figura do cidadão que a habita estreita-se a cada ida à rua para se fazer

compras, no esbarrão com alguém estranho ou no encontro com o amigo na

esquina, até correria para pegar um sinal aberto ou no descanso debaixo da

sombra de uma árvore, dentre tantos outros acontecimentos, a princípio

banais, mas que tornam a existência de ambos indissociável.

Dialeticamente, um valor coletivo dado à rua, como é também a Av.

Afonso Pena, agrega muitas diversidades – cultural, econômica e social - que a

própria ajuda a gerar. A importância da rua, sob a perspectiva de ser um dos

principais palcos da vida cotidiana, envolve a função, primordialmente, de

sociabilização – “A rua arranca a gente do isolamento e da insociabilidade,

teatro espontâneo, terreno de jogo sem regras sociais precisas e por isso

mesmo interessante, lugar de encontros e solicitude múltiples – materiais,

culturais, espirituais – a rua resulta indispensável” (LEFÈBVRE, 1978 apud

OLIVEIRA NETO, 1999, p.34).

Questões como a conceituação dos espaços livres públicos, o estudo do

fenômeno urbano vinculado às dimensões simbólicas e culturais específicas de

cada localidade, entre outras, demanda a compreensão de como a cidade, a

rua e o lugar estruturam a apreensão e dão suporte aos valores e significados

de uma sociedade, pois:

“Para nossa cultura é impossível imaginar o urbano sem o

recurso à noção e à imagem de ruas. A importância de que

desfrutam pode ser percebida pela constatação da

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quantidade de atividades e significados para os quais

servem de apoio ou de locus” (SANTOS et al.,1985, p.24).

Assim, o estudo do espaço urbano singular como a rua, através de

abordagem orientada pela cultura e pela percepção da paisagem submete-se

ao conhecimento prévio de determinada realidade incluindo as relações

homem-ambiente derivadas de valores históricos, culturais, comportamentais,

funcionais, construtivos e ambientais, dentre outros tantos.

4.6. Patrimônio, Patrimonialização e Tombamento

A designação de patrimônio, do latim ‘patrimonĭum’, está ligada à

herança paterna. Engloba quaisquer bens materiais ou morais, pertencentes ao

indivíduo, família, instituição ou coletividade, que em geral são salvaguardados

e transmitidos de geração em geração (MICHAELIS, 2018).

De outra maneira, o patrimônio também pode ser classificado como

natural, que inclui riquezas minerais, do solo e subsolo, e cultural, que envolve

o significado e amplitude do conceito e sua materialidade por meio das artes

plásticas e aplicadas – pintura, escultura, arquitetura, cuja relevância é estética

e histórica (BARRETO, 2000 apud DELVIZIO, 2004, p.26).

Temos, assim, duas escalas para a compreensão do significado do

Patrimônio, tanto a individual, bem como a coletiva.

O primeiro e primordial patrimônio da humanidade se estabelece pelo

meio ambiente, patrimônio natural que é composto por elementos bióticos, que

constituem a biodiversidade global, e elementos abióticos, que compõem a

geodiversidade terrestre. Na contemporaneidade, muitas iniciativas para a

conservação deste patrimônio, seja mais em um do que outro, tem se tornando

sinônimo para a questão da conservação da natureza. Isto toma mais força a

cada dia, quando as reflexões sobre a sustentabilidade planetária se colocam

com urgência.

Contudo, a conservação da expressão dos elementos humanos, em

especial os imateriais, também assume papel de destaque dentro das

discussões e reflexões sobre a temática da natureza, cujo conjunto envolve

elementos naturais, vegetais, animais, bem como os seres humanos

(PEREIRA, 2010 apud LIMA, 2016, p.18)

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“Neste sentido, incentivamos o envolvimento efetivo entre

cidadãos locais e visitantes, para que estes não se

restrinjam ao papel de turistas espectadores, ajudando

assim a construir uma identidade local, promovendo aquilo

que é autêntico e único no território. Desta forma,

conseguiremos que o território e os seus habitantes

obtenham integridade ambiental, justiça social e

desenvolvimento econômico sustentado” (DECLARAÇÃO

DE AROUCA, 2011, p.11)

Logo, ressalta-se que, além de proteger e conservar o patrimônio biótico

e abiótico, também é importante incorporá-lo em uma modalidade de

desenvolvimento sustentável e envolver a comunidade, com seus valores

antrópicos, que se torna a grande guardiã do patrimônio do território e da

paisagem (LIMA, 2016, p.24).

O significado relacionado à herança paterna, de início citado, também

remete ao sentido de ‘pátrio’, o que insere no contexto patrimonial as políticas

culturais públicas, que buscam assegurar a identidade nacional por meio dos

bens autênticos e significativos.

Os conceitos de patrimônio histórico e artístico aplicados pelas

legislações nacionais das primeiras décadas do século XX atingiam apenas o

conjunto de bens móveis e imóveis tangíveis, como no Decreto-Lei nº 25, de 30

de Novembro de 1937 (BRASIL, 1937). Eram obras diretamente ligadas a

expressão de classes dominantes, que apesar disso, ofereciam mediação entre

passado e presente, e a identidade enquanto nação (DELVIZIO, 2004). As

demais manifestações culturais, “aquelas que transcorrem no tempo, como a

dança, a literatura (o teatro incluído) e a música”, por não serem de “pedra e

cal”, não se enquadravam como bens e sofriam a “exclusão das preocupações

oficiais” (BARRETTO, 2000, p.10). Daí, que perdurou a atenção pela proteção

ao patrimônio construído, por critérios exclusivamente estéticos e históricos,

onde a arquitetura se apresenta como grande expoente (CUÉLLAR, 1997).

Neste ponto, a contribuição do Movimento Modernista no Brasil, com

seus diversos artistas, profissionais e intelectuais, nos idos da década de 1930,

foi inaugural ao fundar instituições e diretrizes para a proteção do patrimônio

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histórico e artístico nacional. É neste cenário que se funda a autarquia do

IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), de missão

preservacionista face ao patrimônio artístico nacional, contundo, compactuando

com o pensamento modernista da época, veio reunir também manifestações

imateriais e intangíveis como bens de valor cultural e patrimonial, “aumentando

o campo disciplinar da preservação” (SIMÃO, 2001, p.29).

Entretanto, até a promulgação da Constituição Federativa Brasileira, de

1988, legalmente, restringia-se os atos de preservação aos bens móveis e

imóveis. Foi por meio desta Carta Magna que os amplos preceitos

preconizados até então puderam ser aplicados na esfera patrimonial, assim

como os modernistas ansiavam. Por este documento, então, patrimônio cultural

é definido como “conjunto de elementos portadores de referências à identidade,

à ação e à memória da sociedade” (BUENO, 2001, p.19). Integralmente, o texto

na Seção II da Cultura, artigo 216, diz que:

“Constituem o patrimônio cultural brasileiro, os bens, de

natureza material e imaterial, tomados individualmente ou

em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação,

à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade

brasileira, nos quais se incluem as formas de expressão: os

novos modos de criar, fazer e viver; as criações científicas,

artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos,

edificações e demais espaços destinados às manifestações

artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor

histórico, paisagístico, artísticos, arqueológico,

paleontológico, ecológico e científico” (BRASIL, 1988,

p.04).

Este texto engloba duas estratégias de agrupamento do patrimônio

cultural. Uma se refere ao de valor imaterial e intangível, cujas características

relacionam-se com o cotidiano (religião, culinária, vestuário, ritos, costumes,

etc.), encerrando em si significado subjetivo, de memória cultural. A outra,

refere-se ao de valor tangível, associado à produção e vestígios concretos da

humanidade sobre a terra, englobando objetos, artefatos e construções como

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como obras, edificações, monumentos, marcos e conjuntos urbanos, sítios e

paisagens.

Todo bem de relevância e singularidade tangível, carrega em sim um

valor intangível. “Portanto, existe cultura naquilo que é visível e palpável, como

naquilo que não se pode tocar, o que amplia a noção de patrimônio cultural”

(DELVIZIO, 2004, p.29).

Na atualidade, além destes valores, o IPHAN aglutina ao patrimônio

cultural de qualquer qualidade, o valor econômico, afetivo, simbólico, que se

constrói e acumula ao longo do tempo (DELVIZIO, 2004, p.29).

A salvaguarda do patrimônio é denominada de ´tombamento´, o qual

pode ser abordado por diferentes perspectivas, seja de natureza

preservacionista (mais tradicional), conservacionista (que leva em conta a

dinâmica e participação ativa da sociedade, ou produtivista (destinada a

dinamizar atividades econômicas). Cada uma destas correntes em defesa do

patrimônio tem origem e formulação no fim do século XIX, trazendo consigo

ideias distintas respectivamente (SIMÃO, 2001).

A primeira, fundada por Viollect-le-Duc, arquiteto francês, defende que

as ações voltadas à conservação do patrimônio devem ser estritamente

voltadas à reconstituição estilísticas do monumento, respeitando ao máximo a

originalidade do objeto e desprezando quaisquer acrescidos ocorridos ao longo

do tempo.

Na segunda, esse enfoque não era de todo corroborado por John

Ruskin, teórico de arte e arquitetura inglês, que entendia que qualquer ação

contra as interferências já incorporadas ao monumento com o passar do tempo

deviam ser mantidas, pois “a história e a condição atual devem ser

maximamente respeitadas, admitindo-se somente intervenções de

conservação” (SIMÃO, 2001, p.25).

A terceira, formulada por Le Corbusier, arquiteto franco-suíço, apontava

a espacialidade das cidades modernas do início do século XX que se

transformavam para as funções de habitar, trabalhar, recrear e circular,

exigindo adaptações imediatas da paisagem da cidade. Nelas, “as ruas

estreitas e as referências do passado deveriam tão somente persistir quando

não incomodassem os ideais da modernidade” (SIMÃO, 2001, p.26).

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Nesta transição de correntes, acaba-se por prevalecer aquela que

combina as preocupações preservacionistas com produtivistas, “buscando,

porém, a identidade nacional através do conhecimento do país revelado aos

habitantes por meio de suas raízes e de sua história” (DELVIZIO, 2004, p.28).

O patrimônio inscrito na materialidade do lugar vivido ajuda a legitimar

as transformações sociais ocorridas nesse ambiente herdado. Assim, um dos

cuidados na patrimonialização, especialmente quando envolve um

planejamento territorial, é o de não perturbar os equilíbrios essenciais à

sustentabilidade do ambiente territorial implicado, seja por ignorar sua história,

tipo de organização ou conjunto de comportamentos característicos do grupo

e/ou coletividade que possam estar correlacionados a esse ambiente

valorizado (DI MEO, 2014).

“Levado a um determinado território como, por exemplo,

uma cidade, esse significado passa a ser,

consequentemente, interpretado no âmbito de seus limites

de competência administrativa, isto é, como patrimônio

municipal, entendido como o conjunto de bens que

pertence à determinada cidade” (DELVIZIO, 2004, p.26).

Mesmo que decisões externas ao território, seja de ordem política ou

econômica, tenham grande impacto na organização da localidade, a

mobilização e iniciativa dos atores locais são essenciais para um projeto

coletivo de desenvolvimento. Do contrário, estas mudanças exteriores não são

internalizadas na estrutura social, política e cultural local, nem alça

oportunidades para o dinamismo econômico ou projeção da qualidade de vida

de modo sustentável (BUARQUE, 1999 apud DELVIZIO, 2004, p.24-25).

A conservação constitui a base de toda ação patrimonial. A questão

discutida tem sido a de como conservá-lo: se de forma inerte e sem vida, ou

como patrimônio ativo, utilizado pelas coletividades atuais e que ainda possa

continuar sendo transformável e utilizável pelas gerações futuras (DI MEO,

2014). A valorização do patrimônio o abrange amplamente, tanto o cultural

quanto natural, cabendo à sociedade gerenciá-lo da maneira que melhor lhe

convenha, possibilitando o conhecimento das reais potencialidades e limites.

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“Todavia, cabe a cada sociedade avaliar a natureza e a

precariedade de seus recursos herdados, determinando por

conta própria o uso reservado a cada um deles, não

segundo um espírito nostálgico, mas dentro de um espírito

de desenvolvimento (...)” (CUÉLLAR, 1997, p.233).

O patrimônio não se reduz mais aos simples aspectos materiais e

monumentais. Nele também se passa a valorizar os bens imateriais e a vida

social que o anima. Portanto, não é inerte, mas está sujeito à transformação (DI

MEO, 2014).

A cidade e a apreensão do seu espaço, na compreensão dos valores de

lugar e vivência cotidiana de uma identidade compartilhada, atravessa o

entendimento de que o homem urbano se relaciona e atribui valores ao espaço

da cidade através do conjunto entre espacialidade física, organização social e

formação cultural particular em que se situa. Assim, “no processo de

construção da identidade local, o potencial histórico do patrimônio edificado nas

áreas urbanizadas das cidades constitui-se num dos elementos fundamentais

para a memória desse ambiente construído” (DELVIZIO, 2004, p.16)

Simultaneamente, a paisagem urbana também se reveste de

simbolismos que são a base da memória social, já que:

“a paisagem, por sua vez, toma uma dimensão

sociocultural do conjunto geográfico estudado. Ela traz um

sentido subjetivo, por expressar o tempo do cultural, do

patrimônio, do identitário e das representações, baseado

no ressurgimento do simbólico, do mito e do rito”

(BERTRAND, 2007 apud PISSINATI e ARCHELA, 2009,

p.10).

Para preservação de importante patrimônio local, Campo Grande conta

desde 2011 com o tombamento dos canteiros centrais da Avenida Afonso

Pena, entre a Rua Pedro Celestino e a Avenida Calógeras. Este delimita parte

central da mesma como circunscrição de preservação imediata, sem contudo,

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estabelecer área de entorno ou vizinhança que colabora e auxilie no conjunto

da avenida, a começar por todos os demais canteiros.

Independente do propósito que lhe desencadeou, o tombamento dos

canteiros centrais da Avenida Afonso Pena abre precedente para que todo seu

conjunto urbano seja reconhecido como patrimônio cultural, atribuindo-lhe

novas utilidades socioeconômicas ao seu espaço, conectando-o à identidade

local e ao turismo intra e interurbano. Este fato se explica pois “(...) a cada

momento histórico cada elemento muda seu papel e a sua posição no sistema

temporal e no sistema espacial e, a cada momento, o valor de cada qual deve

ser tomado da sua relação com os demais elementos do todo” (SANTOS,

1985, p.09 apud PELUSO, 2013, p.24).

Em síntese e com propósito, então, pode-se dizer que:

“Certamente, alicerçados em conceitos como patrimônio,

memória, conservação, cultura local, identidade local,

desenvolvimento local e rugosidade, que as adequações

dos espaços dando-lhes novas funções na paisagem, que

os tombamentos atendem apelos ou demandas sociais,

sejam naturais ou artificiais propiciando o fortalecimento da

identidade cultural individual e coletiva, reforçando o

sentimento de autoestima, considerando a cultura brasileira

como múltipla e plural; estimula a apropriação e o uso, pela

comunidade, do Patrimônio Histórico que ela detém

estimulando o diálogo entre a sociedade e os órgãos

responsáveis pela identificação, proteção e promoção do

Patrimônio, propiciando a troca de conhecimentos

acumulados sobre estes bens promovendo a produção de

novos conhecimentos sobre a dinâmica cultural e seus

resultados, incorporando-os às ações de identificação,

proteção e valorização do Patrimônio no nível das

comunidades locais e das instituições envolvidas”

(DELVIZIO, 2004, p. 29)

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A relevância e complexidade do patrimônio cultural, enfim, demanda a

observação de sua materialidade e a percepção imaterialidade, dos que os

olhos veem e do que o coração sente, na perspectiva da paisagem, como um

conjunto humano e vetor de desenvolvimento local.

5. Referências Bibliográficas

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6.1. Artigo I - DIMENSÃO GEOSSISTÊMICA E IMPACTO AMBIENTAL:

AVENIDA AFONSO PENA E SUBSISTEMA FÍSICO NATURAL E

CONSTRUÍDO

Victoria Mauricio Delvizio

6.1.1. Resumo

O espaço da cidade é dinâmico e altera constantemente o meio ambiente

natural, onde a preocupação pela qualidade de vida é vital, na qual o equilíbrio

entre vegetação e edificação, áreas pavimentadas e permeáveis, responde na

qualidade de vida dos indivíduos. Campo Grande é capital do Estado do Mato

Grosso do Sul, onde a Avenida Afonso Pena, principal da cidade, foi planejada

como um Boulevard, rua larga e canteiros de árvores generosas. Esses

canteiros já passaram por diversas reformas, mas sempre mantendo as

árvores centenárias, hoje tombadas. O objetivo deste trabalho é compreender a

organização dos elementos físicos naturais e construídos aliados ao

desenvolvimento urbano, na paisagem da Avenida Afonso Pena, tanto no

tempo quanto no espaço geográfico. As características físicas naturais e

construídas da Paisagem da Avenida Afonso Pena tiveram origem nas imagens

e observações de campo, aliado aos fatores geossistêmicos do ambiente.

Foram utilizadas técnicas padronizadas de coleta de dados, de observação

sistemática e roteiro de itens registrados: arborização urbana e recursos

arquitetônicos. A região central atualmente demanda tratamento e

planejamento: sofre com adensamento de edificações e redução de áreas

verdes. Embora possua algumas praças, ainda assim, o lazer e a

contemplação são ineficientes para o local. Assim, além dos canteiros

tombados, outros podem utilizar o recurso das aglomerações arbóreas como

pretexto ao resgate do bioma natural do cerrado e da educação ambiental

numa Avenida que pode ser assumida como grande, extenso e central parque

linear urbano, cujos canteiros corporificam os veios e cursos da paisagem

urbana campograndense.

Palavras-chave: Paisagem Urbana, Arborização, Recursos Arquitetônicos,

Patrimônio Ambiental.

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6.1.2. Abstract

The space of the city is dynamic and constantly changes the natural

environment, where the concern for the quality of life in the cities is vital. The

research encompasses the research line Society, Environment and Sustainable

Regional Development, in which the balance between vegetation and building,

paved and permeable areas, responds to the quality of life of individuals.

Campo Grande is the capital of the state of Mato Grosso do Sul, where Avenida

Afonso Pena, the city's main avenue, was planned as a Boulevard, wide street

and generous tree-tops. These beds have already undergone several

renovations, but always maintaining their centenary trees, now overturned. The

objective is to understand the organization of natural and built physical

elements allied to urban development, in the landscape of Afonso Pena

Avenue, both in time and in geographical space. The natural and built physical

characteristics of the Afonso Pena Avenue Landscape originated from field

images and observations, allied to the geosystemic factors of the environment.

Standardized techniques of data collection, systematic observation and script of

registered items were used: urban arborization and architectural resources. The

central region is today one of the most clamoring for treatment and planning. It

suffers with thickening of buildings and reduction of green areas; despite having

some squares, still, leisure and contemplation are inefficient for the place. Thus,

in addition to the overgrown beds, others may use the resources of the arboreal

agglomerations as a pretext for the rescue of the natural biome of the cerrado

and environmental education in an Avenue that can be assumed as large,

extensive and central urban linear park, whose beds embody the veins and

courses in Campo Grande.

Keywords: Urban Landscape, Arborization, Architectural Resources,

Environmental Heritage.

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6.1.3. Introdução

A análise da Paisagem entende que o homem se relaciona com e no

espaço da cidade através do conjunto entre espacialidade física, organização

social e formação cultural particular em que se situa.

A produção do espaço urbano é determinada pelas relações

econômicas, sociais e ambientais. O espaço da cidade é dinâmico e altera

constantemente o meio ambiente natural, onde a preocupação pela qualidade

de vida nas cidades é vital.

Se imaginarmos a cidade contemporânea, com elementos físicos que

dela fazem parte – ruas, asfalto, concreto, fios de energia, vidros, automóveis,

sons amplificados, propagandas sobrepostas, muros confinados, janelas

perspectivadas, etc. – há que se consentir que constitui- se um artefato, pois é

construída a partir de uma necessidade e com propósito estabelecido. Desta

maneira:

“O artefato mais complexo e sofisticado produzido pela

civilização, para sobrevivência humana, é a cidade. Sua

função é clara, é uma ferramenta concebida para servir de

abrigo, proteção, preservando assim, a integridade física de

indivíduos das comunidades moradoras e, ao mesmo

tempo é um objeto cultural, que serve para preservar os

valores e os símbolos destas comunidades, propiciando

que estas se perpetuem nos lugares, ao longo dos tempos”

(YONAMINE, 2004, p.68).

No entanto, a cidade é uma paisagem onde se aliam elementos naturais

e culturais. Podem ser distintos, mas certamente, não são indissociáveis. A

transformação da paisagem em cenário urbano passa por modificações dos

elementos naturais (solo, clima, ar, água, flora e fauna) e a introdução de

sistema cultural, traduzido pela ocupação dos espaços, implantação e

crescimento da população, infraestrutura e serviços, setores produtivos e entre

outros (SANTOS e TEIXEIRA, 2001). Deste modo,

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“O desenvolvimento urbano e o contínuo processo de

ocupação substituíram a cobertura natural do solo por

edificações e pavimentação. Como consequência ocorre a

alteração do balanço da energia das ondas emitidas pelo

sol. Por isso torna-se necessário planejamento em várias

questões e a arborização urbana é um aspecto que deve

ser considerado” (SEMADUR, 2018).

O equilíbrio entre vegetação e edificação, áreas pavimentadas e áreas

permeáveis, responde na qualidade de vida dos indivíduos. O conforto

ambiental está ligado a absorção e liberação de calor dos elementos, a

umidade da atmosfera, áreas de sombreamento, e são os indivíduos ao

transitar pela cidade, que percebem e sofrem consequências.

De outro modo, parece haver consenso sobre os efeitos benéficos

proporcionados pela presença da vegetação nas cidades. A organização do

elemento vegetativo arbóreo no desenho urbano está relacionada

principalmente com suas funções, que basicamente podem ser divididas em

lazer, estética e ecológica. Estudos sobre o clima urbano desenvolvidos no

Brasil nos últimos anos destacam a influência da vegetação arbórea na

atenuação das ilhas de calor nas cidades (SHINZATO, 2009).

A manutenção de solo permeável e de área verde substancial dentro da

área urbana beneficia a qualidade de vida, pois aumenta a umidade do ar,

diminui o calor, reduz a poluição atmosférica, ameniza parte da poluição

sonora, evita processos erosivos e auxilia a fauna local, pois:

“A vegetação é importante, pois, ameniza o efeito estufa no

meio urbano, (...) diminuindo a poluição atmosférica,

sonora e visual e ainda age sobre a saúde física e mental

do ser humano contribuindo para sua qualidade de vida.

Além de todas as funções climáticas a arborização urbana

também ajuda a organizar o ambiente urbano, embeleza e

perfuma ruas, praças e jardins melhorando também a

paisagem do ambiente” (SEMADUR, 2018).

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A vegetação arbórea é a que apresenta maior destaque nas discussões

que relacionam área verde e cidade. Por seu porte e copa, proporciona

substancial sombreamento, o que traz maiores respostas para ao clima e

usufruto dos indivíduos.

A arborização urbana, então, tem função importante na produção e

apropriação da paisagem local, bem como diversos benefícios tanto ao Meio

Ambiente, à Paisagem e à Sociedade (Figura 1).

Figura 1. Benefícios da Arborização Urbana. Fonte: SEMADUR (2018).

Cada município elabora diagnóstico constante de vegetação, para zelar

a saúde do espaço e das pessoas. Isso considera a quantidade de vegetação

em relação à área edificada e as condições em que a mesma se encontra, pois

no meio urbano a vegetação sofre ações antrópicas constantes e precisa de

manutenção.

Campo Grande é a capital do Estado do Mato Grosso do Sul, onde as

principais fontes de renda são do agronegócio e da pecuária. Localiza-se a

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20°28’13,40737” de latitude Sul e 54°37’25,87099” de longitude Oeste de

Greenwich e a uma altitude média de entre 500 e 675m. Apresenta clima

predominantemente tropical úmido, com verão chuvoso e inverno seco, que

segundo classificação de Koeppen-Geiger, define-se como clima tipo Aw,

tropical com estação seca. A temperatura média do mês mais frio é 21,3°C e

do mês mais quente de 27,2°C e a precipitação média anual fica entre 1500 ±

500 mm. Ocupa área de perímetro urbano de 35.903,53ha (PLANURB, 2016/

EMBRAPA, 2018).

Seu relevo é predominantemente plano e possui área de 8.086,051

Km2, é composta por 74 bairros, divididos em 9 Regiões (Segredo, Prosa,

Bandeira, Anhanduizinho, Lagoa, Imbirussu, Centro, Anhanduí e Rochedinho),

com população aproximada de 749.7682 (PLANURB, 2017).

A cidade, hoje com 118 anos, passa por adaptações, sofre com os

vazios urbanos, o grande número de veículos privados e com regiões já

consolidadas que são renegadas pelo processo transitório de fluxo econômico

e social que acontece dentro da cidade, o que acaba contribuindo para

marginalização, depredação e deterioração desses espaços urbanos.

A região central hoje demanda tratamento e planejamento. Sofre com o

adensamento de edificações e redução de áreas verdes, apesar de possuir

algumas praças, ainda assim, o lazer e a contemplação são ineficientes para o

local (ARRUDA, 2002b).

O primeiro programa de arborização para as ruas de Campo Grande

aconteceu em 1913, quando o intendente, Dr. Arlindo de Andrade Gomes,

solicitou ao diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e ao Ministro da

Agricultura cerca de mil mudas de árvores europeias (plátano, magnólia,

carvalho), no sentido de melhoria da estética paisagística (GARDIN, 1999 apud

LE BOURLEGAT, 2000, p.230). O trabalho de arborização começou nas

primeiras ruas contidas no Plano de Arruamento de Ruas e Praças, e constituiu

as aleias de fícus e ingazeiros da Avenida Afonso Pena, uma das principais

vias de tráfego da cidade, que permanecem até hoje (SEMADUR, 2018).

Desde então, a arborização viária em Campo Grande vem acontecendo

de forma aleatória e um tanto desordenadamente. Somente com a realização

da Rio-92 inicia-se processo de criação de espaços verdes, reservas

ecológicas e áreas de proteção ambiental, além da instituição da própria

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Agenda 21 do município, que colaboram para a constituição de novo cenário de

preocupação ambiental (SEMADUR, 2018).

A cobertura vegetal predominante no município de Campo Grande é o

Cerrado, a segunda maior formação vegetal brasileira. As árvores nesse

ecossistema apresentam características peculiares que as tornam adequadas

às condições de solo e clima, tais como o tronco revestido por casca grossa e

rugosa e órgãos subterrâneos de reserva (SEMADUR, 2018).

A Avenida Afonso Pena, principal da cidade, foi planejada como um

Boulevard, rua larga e canteiros de árvores generosas. Esse canteiro já passou

por diversas reformas, mas sempre mantendo suas árvores centenárias (LE

BOURLEGAT, 2000).

Classificações, sazonalidade e adensamento, fazem toda a diferença

nas aplicações dentro do espaço urbano e de seus resultados no

sombreamento e resfriamento de áreas tão especiais numa via urbana como

esta. Por isso, a preocupação em proteger espécies exóticas, recentemente

tombadas em seu conjunto (Decreto n. 11.600/2011) podem combinar-se

também com espécies nativas para perpetuar o bioma regional e diversificar a

paisagem nas ruas e parques da cidade.

Assim, o objetivo neste trabalho é compreender a organização dos

elementos físicos naturais e construídos aliados ao desenvolvimento urbano,

na paisagem da Avenida Afonso Pena, tanto no tempo quanto no espaço

geográfico.

6.1.4. Material e Métodos

Sob base conceitual apresentada pelo sistema GTP e tomando a

Paisagem urbana como manifestação do espaço, do Geossistema, do Território

e da Cultura, passível de ser descrita e relacionada a transformações, foi

importante estabelecer recorte espacial urbano limitado, porém, diretamente

relacionado com a Avenida objeto de estudo.

Esta pesquisa envolve a extensão da Avenida Afonso Pena, localizada

na cidade de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul (Figura 2).

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Figura 2. Mapas de localização: Brasil, Mato Grosso do Sul, Campo Grande,

recorte de estudo, Av. Afonso Pena e entorno. Fonte: A autora (2017).

Os procedimentos metodológicos desta pesquisa foram aplicados em

área de aproximadamente 10 km² (Figura 3), referente a retângulo envolvente

que abarca aproximadamente raio de 500 metros a partir da Avenida Afonso

Pena, tomando como referências importantes as Avenidas paralelas, Av. Mato

Grosso e Av. Fernando Correa da Costa, e áreas extremas, Parque dos

Poderes e Praça Newton Cavalcanti, englobando também elementos chaves

(Apêndice – Mapa Chave), tais como edifícios e monumentos do centro da

cidade, Parque das Nações Indígenas, dentre outros.

Figura 3. Área de recorte do objeto de estudo, Av. Afonso Pena e entorno,

CGR/MS. Fonte: Adaptado de Google Earth (2017).

Este recorte espacial, além de englobar a área definida no tombamento

dos canteiros centrais (Avenida Afonso Pena, entre Rua Pedro Celestino e

Avenida Calógeras), também inclui toda a extensão da AP e seus bairros10

10 “são áreas pertencentes às Regiões Urbanas organizadas para qualificar as condições de trabalho, circulação, recreação, moradia e as relações de cooperação em todos os tipos de atividades de vizinhança” (LOUOS/DIOGRANDE, 2012, p.01)

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lindeiros, definidos pelas Avenidas, parque e praça que definiram os limites

deste recorte de estudo.

Assim, para que a análise da AP e dos seus 39 canteiros11 (22 tombados

+ 17 existentes) fosse feita, foi necessária sua divisão em setores –

subunidades de análise, ou ainda, geofaces do geossistema (Figura 4).

Figura 4. Setores da Av. Afonso Pena: Amambaí, Centro, Jardim dos Estados,

Altos - subunidades de análise/ geofaces do geossistema. Fonte: A autora

(2018).

Estas subunidades de análise foram aqui adaptadas e nomeadas em

função: dos bairros lindeiros (Amambaí, Centro, Jardim dos Estados), da

predominância da elevada cota topográfica - já assim batizada na cidade - para

a congregação dos bairros Santa Fé, Chácara Cachoeira e Veraneio (Altos),

dos marcos naturais (córrego Segredo, na Av. Pres. Ernesto Geisel), marcos

construídos (Obelisco, na R. José Antônio, e viaduto, na Av. Ceará), e dos

limites legais da Avenida Afonso Pena (Praça Newton Cavalcanti e Parque dos

Poderes) (Figura 5).

11 Numericamente, contabilizadas todas as interrupções - cada rua transversal ou retorno de tráfego - a Avenida Afonso Pena, de ponta a ponta, totaliza 45 (quarenta e cinco) canteiros. Porém, para oferecer melhor qualidade e menor distorção à análise dos canteiros quanto à arborização e aos recursos arquitetônicos, alguns deles foram agrupados, de modo a se assumir neste trabalho a contagem de 39 (trinta e nove) canteiros. Define-se que o canteiro número 01 é o do extremo leste, a contar do Parque dos Poderes, sucessivamente, até alcançar o canteiro número 39, no extremo oeste, na Praça Newton Cavalcanti.

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Figura 5. Mapa da Av. Afonso Pena e Bairros da área de entorno, CGR/MS.

Fonte: Adaptado de SISGRAN/PMCG (2017).

Definiu-se, então, os seguintes setores (subunidade de análise/geoface)

de análise (Quadro 1):

• Amambaí: da Praça Newton Cavalcante (Av. Duque de Caxias) até a Av.

Pres. Ernesto Geisel, compreendendo 02km da Avenida;

• Centro: da Av. Ernesto Geisel até a R. José Antônio, menor, com 900m;

• Jardim dos Estados: da R. José Antônio até o viaduto sobre a Av. Ceará,

engloba mais 02km da Avenida;

• Altos: do viaduto da Av. Ceará até o Parque dos Poderes (Av. do Poeta).

Quadro 1. Campos Visuais dos Setores da Av. Afonso Pena, Campo

Grande/MS

SETOR

SUBUNIDADE

GEOFACE

PONTO CAMPO VISUAL

Amambaí (1)

Praça Newton Cavalcanti

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(2)

Av. Pres. Ernesto Geisel

Centro

(3)

Av. Pres. Ernesto Geisel

(4)

R. José Antônio

Jardim dos

Estados

(5)

R. José Antônio

(6)

Viaduto Av. Ceará

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Altos

(7)

Viaduto Av. Ceará

(8)

Parque dos Poderes

Fonte: Adaptado de Google Earth (set./2017).

Com foco na dimensão do Geossistema, e para atender os objetivos,

foram utilizadas fontes primárias e secundárias (fotográficas, cartográficas,

documentais e historiográficas). Em torno da complexidade do meio ambiente

urbano, os procedimentos, em síntese, voltaram-se à caracterização física

(natural e construída) da paisagem da Avenida Afonso Pena.

Para analisar subsistema físico (natural e construído), foram levantadas

bibliografias sobre o município de Campo Grande, capital do Estado de Mato

Grosso do Sul, e sua expansão, a paisagem e as cidades, e a vegetação no

espaço urbano. Também foi utilizada a análise por imagens de satélite Landsat,

no intuito de avaliar a vegetação e recursos arquitetônicos na área de estudo e

qual a sua relação de uso, espaço e pessoas.

Assim, os procedimentos metodológicos foram definidos e coletados da

seguinte maneira, por meio de informações historiográficas e representações

cartográficas, geofotográficas e fotojornalísticas, com destaque para:

• Subsistema físico natural: base material da Avenida definida por

elementos climáticos (hidrografia, perfil do solo, topografia, vegetação) que

estabelecem suporte físico do recorte de estudo quanto ao bioma em que se

insere, com referência em LE BOURLEGAT (2000), KLINK e MACHADO

(2005), EMBRAPA (2018), PLANURB (2017), ISPN (2017), MMA (2017);

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• Arborização e Agrupamentos Arbóreos: base quanti-qualitativa da

composição das massas vegetais que caracterizam a paisagem vegetal,

coletada através de inventário focado nas categorias de Disposição

(forma/organização espacial horizontal), Densidade (forma/organização

espacial vertical) e Tipo (classificação vegetal pela forma – arbórea,

palmácea, conífera, trepadeira, arbustiva, herbácea), organizados por meio

de planilha, com referência em LIRA FILHO (2003) e PEIXOTO et al. (1995).

A cada identificação visual, canteiro a canteiro, um ponto era lançado para a

presença da categoria, de modo a se colher resultados e análises parciais e

totais quanto às semelhanças e contrastes por canteiro, por setor

(subunidade de análise/geoface) e na AP. Estes dados foram revertidos

tanto em planilhas, quanto gráficos e imagens de caracterização visual;

• Traçado, Relevo e Topografia: base material da Avenida, com referência

nas cotas de níveis da mesma (GOOGLE EARTH, 2018), com a formulação

de perfil topográfico e análise por trecho das relações estabelecidas entre

forma urbana, usos e acidentes geográficos;

• Subsistema físico construído: base material da Avenida definida pelas

funções, equipamentos, marcos e utilitários que compõem as áreas verdes

urbanas e que estabelecem suporte físico para os recursos arquitetônicos na

construção urbana da paisagem;

• Recursos Arquitetônicos: base quanti-qualitativa da identificação dos

recursos arquitetônicos que caracterizam a paisagem arquitetônica, coletada

através de inventário focado nas categorias de Infraestrutura (iluminação e

irrigação), Circulação e Piso (passeio, ciclovia, escada e rampa), Divisória

arquitetônica (cercamento), Mobiliário (banco, mesa, playground,

alongamento, bebedouro, lixeira, ponto de ônibus, ponto de táxi e banca de

revista), pequena Construção (pérgula e concha acústica), uso de Água

(fonte e espelho), Equipamento (telefone público, caixa correio, sinalização

pública e publicidade), Mobilidade (trafic calming e passarela) e Monumento

ou obra de arte (escultura, placa e busto), organizados por meio de planilha,

com referência em JOHN e REIS (2010). A cada identificação visual,

canteiro a canteiro, um ponto era lançado para a presença da categoria, de

modo a se colher resultados e análises parciais e totais quanto às

semelhanças e contrastes por canteiro, por setor (subunidade de

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análise/geoface) e na AP. Estes dados foram revertidos tanto em planilhas,

quanto gráficos e imagens de caracterização visual;

• Patrimônio e Valor Físico Natural e Construído: a combinação analítica

destes critérios da Avenida proporcionou caracterizar e relacionar, com

referência em SILVA (2012) e BERTRAND (2007), a definição de Unidades

de Paisagem e as dinâmicas geossistêmicas materializadas na Avenida

Afonso Pena.

Deste modo, o subsistema físico natural e construído da Paisagem da

Avenida Afonso Pena tive origem nas imagens e observações de campo, aliado

aos fatores geossistêmicos do ambiente. Foram utilizadas técnicas

padronizadas de coleta de dados a partir de observação sistemática. Para isto,

elaborou-se roteiro de itens de observações a serem registrados,

fundamentando-se em DEMATTÊ (1999), LIRA FILHO (2002 e 2003) e

DEPAVE (s.d.). Assim, foram abordados os seguintes aspectos: arborização

urbana e recursos arquitetônicos.

Estas informações possibilitaram entender aspectos essenciais do

geossistema conjugado à crescente aglomeração urbana, pois, “embora os

geossistemas sejam fenômenos naturais, todos os fatores sociais e

econômicos que influenciam este sistema espacial são levados em

consideração” (TROPPMAIR, 1987 apud SILVA, 2012, p.79). Isso significa

entender que o próprio espaço e a fisionomia se apresentam como categorias

importantes para a descrição do subsistema físico natural e construído da

Avenida, que aqui é tomada não só como o ambiente em que indivíduos estão

inseridos, mas o personagem principal em si mesmo.

A metodologia de pesquisa atendeu às demandas de pesquisa,

possibilitando o alcance dos objetivos traçados, pois “o pesquisador deve se

utilizar de interpretação histórica, análise das condições materiais e imateriais

do lugar, sensibilizando consciências, de modo a despertar latências ainda não

reveladas” (LE BOURLEGAT, 2000, p.19).

6.1.5. Resultados e Discussão

6.1.5.1. Subsistema Físico Natural

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Para se analisar a Avenida Afonso Pena, é necessário descrever os

elementos determinantes da sua ocupação em função das características

naturais regional, municipal e local.

O município de Campo Grande, macropolo regional, com 8.092,95 km²,

está localizado geograficamente na porção central de Mato Grosso do Sul,

ocupando 2,26% da área total do Estado. Sua posição é definida pelas

coordenadas geográficas 20°28’13,40737” latitude Sul e 54°37’25,87099”

longitude Oeste, e sua altitude varia entre as cotas 500 e 675 metros. (IBGE,

2016 apud PLANURB, 2017, p.02-03). “Campo Grande, na maior parte (89%),

está localizada na Zona das Monções, enquanto pequena parte (11%) na Zona

Serra de Maracaju” (ZEE, 2016, p.85).

Quando se identifica o conjunto de componentes bióticos e elementos da

paisagem natural do estado de Mato Grosso do Sul, este pode ser visto como a

região de “planura sem fim” (ARRUDA, 2002a) e entendido como um “Estado

Platino” (LE BOURLEGAT, 2000, p.26). Estar contido entre os principais rios

que compõem a Bacia Platina (Rio Paraguai, à Oeste, e, Rio Paraná, à Leste),

sendo também conhecido como a “Mesopotâmia Brasileira” (LE BOURLEGAT,

2000, p.26), justificam essa denominação.

É no centro dessa divisão de águas (Bacia do Paraguai e Bacia do

Paraná, sub-bacias do Aquidauana e do Pardo, respectivamente) que

atravessa o estado que a capital está localizada geograficamente e tem se

expandido urbanisticamente (Figura 6), onde “o perímetro urbano de Campo

Grande ocupa as nascentes do rio Anhanduí, ou seja, as terras banhadas pelos

córregos Segredo, Prosa e Imbirussu, formadores do rio Anhanduizinho” (LE

BOURLEGAT, 2000, p.29).

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Figura 6. Bacia Hidrográfica do Perímetro Urbano de Campo Grande/MS.

Fonte: LE BOURLEGAT (2000, p.31).

Historicamente, o marco zero do município está localizado exatamente

na confluência entre os Córregos Prosa e Segredo (Av. Fernando Correa da

Costa e Av. Ernesto Geisel, respectivamente), que originam o Rio Anhanduí e

definem o Parque Florestal Antônio de Albuquerque (Horto Florestal), fundado

em 1912, com 4,5ha (Figura 7) (PLANURB, 2017).

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Figura 7. Marco Zero de Campo Grande/MS. Fonte: BASE - Aerofotogrametria

e Projetos. S.A/PMCG apud PLANURB (2017, p.03).

Neste ponto, o relevo é determinado pela Bacia Sedimentar do Paraná,

com a grande unidade geomorfológica do Planalto Arenítico Basáltico, no qual

“as maiores potencialidades (...) dizem respeito às argilas, areias e britas” (LE

BOURLEGAT, 2000, p.32).

No conjunto deste relevo regional, o município de Campo Grande

geologicamente “é abrangido pelas formações Serra Geral e Botucatu do

Grupo São Bento e Caiuá do Grupo Bauru” (PLANURB, 2017, p.04). Desta

forma, “ocupa a superfície rampeada do reverso de cuesta da Bacia

Sedimentar do Paraná, incluindo o rebordo empinado dessa unidade (a frente

de cuesta) e parte do Primeiro Patamar da Borda Ocidental” (LE BOURLEGAT,

2000, p.38). “Na Zona das Monções, há predomínio de espessos pacotes de

arenitos de deposição mista da Formação Caiuá em relevo de colinas amplas

com encostas muito suaves e nas áreas de relevo suavemente ondulados”

(ZEE, 2016, p.85-86).

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Em se tratando da geomorfologia, a cidade posiciona-se na “Região dos

Planaltos Arenítico-Basálticos Interiores” e possui território com forma alongada

no sentido NW SE (Atlas Multirreferencial, 1990 apud PLANURB, 2017, p.04).

Em geral, são áreas de menor potencialidade em recursos minerais.

Mas, quando expostas às intempéries, dão origem a solos mais ricos, de maior

fertilidade e potencialidade agrícola, à exemplo dos Latossolos Vermelhos,

apresentando em geral textura média a argilosa (SEMAD/PLANURB, 2017), é

exatamente nestas áreas “onde se abrigam a maior parte dos centros urbanos

do estado” (LE BOURLEGAT, 2000, p.35-36).

Estas potencialidades naturais do território campo-grandense explicam,

dentre outras, o desenvolvimento da capital, pois “a cidade de Campo Grande,

escolhida para ser capital do novo Estado, ocupa hoje, tanto posição central no

território constituído, como usufrui de significativa centralidade econômica no

espaço dos fluxos estabelecidos dentro do Estado” (LE BOURLEGAT, 2000,

p.15).

No entanto, as características geotécnicas do sítio urbano de Campo

Grande também trouxeram dificuldades à sua ocupação. A maior parte dos

terrenos utilizados no processo de urbanização tem problemas quanto à

superficialidade do lençol freático, formados a partir de algumas grandes

manchas de menor declividade, combinadas à exposição das finas camadas de

cobertura do solo (LE BOURLEGAT, 2000).

Por outro lado, devido ao caráter confluente do MS em relação aos

principais sistemas atmosféricos atuantes na América do Sul e às altimetrias do

relevo regional, a cidade de Campo Grande ocupa faixa de transição entre

duas zonas climáticas, Tropical Alternadamente Seco e Úmido e Subtropical

Úmido, o que favorece a amenização das altas temperaturas comuns à latitude

(ZAVATINI, 1992 apud LE BOURLEGAT, 2000).

O regime de chuvas é sazonalmente definido por duas estações: uma

seca (maio a setembro) e outra chuvosa (outubro a abril). A precipitação média

anual é de 1500 ± 500 mm, com temperatura média anual entre 21,3°C e

27,2°C (EMBRAPA, 2018).

Quanto à vegetação, Campo Grande pertence aos domínios

fitogeográficos do Cerrado, segundo maior bioma da América do Sul, cobrindo

o equivalente a aproximadamente 23,9% do território brasileiro, e 61% da área

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do estado de Mato Grosso do Sul (EMBRAPA, 2018/ MMA, 2018).

Historicamente, este fato é relevante, pois foi o “que levou as sociedades do

período colonial a incluir o Município na região da Vacaria” (LE BOURLEGAT,

2000, p.48-49).

Em 2007, “a cobertura vegetal remanescente (...) somou 168.113

hectares dos 810.000ha do território municipal, correspondendo a 20,7% de

sua área” (SEMADUR apud PLANURB, 2017, 05). O Cerrado detém elevada

riqueza de espécies vegetais, entre elas herbáceas, arbustivas, arbóreas e

cipós, totalizando 12.356 espécies, e flora vascular nativa, sendo

aproximadamente 44% destas consideradas endêmicas (KLINK e MACHADO;

2005).

Detendo 5% da biodiversidade mundial e reconhecida como a savana

mais rica do mundo, a biodiversidade do Cerrado assemelha-se à de florestas

tropicais mais exuberantes (ISPN, 2017). Devido à grande biodiversidade, altos

níveis de endemismo de espécies vegetais e avançado estágio de devastação

da cobertura vegetal original, o bioma é considerado como ‘hotspot’, no qual:

“O conceito expressa a situação de ecossistemas que

possuem alto endemismo de espécies (mais do que 0,5%

da diversidade mundial de plantas – ou mais de 1500

espécies exclusivas) e que se encontram seriamente

ameaçados, com mais de 70% da cobertura vegetal original

descaracterizada devido às atividades humanas” (ISPN,

2017).

O Cerrado constitui-se em “conjunto de formas de vegetação que se

apresenta segundo um gradiente de biomassa, diretamente relacionado à

fertilidade do solo” (SEMADUR apud PLANURB, 2017, 05). Suas principais

fisionomias vegetais (RIBEIRO e WALTER, 1998) presentes no território

campo-grandense são: Campo Limpo, Campo Sujo, Cerrado, Cerradão, além

da presença da Floresta Aluvial (mata ciliar) e áreas de Tensão Ecológica.

Apresentam-se da seguinte maneira:

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“A Floresta Estacional Atlântica do tipo semidecidual

aparece no sul do Município, às margens do vale do rio

Anhanduí, sob a forma de floresta aluvial. Ao longo do

restante da rede de drenagem (incluindo as nascentes do

Anhanduí (...) manifesta-se predominantemente vegetação

aluvial de caráter pioneiro (vereda), marcando a paisagem,

principalmente urbana” (LE BOURLEGAT, 2000, p.49).

As áreas de Tensão Ecológica se caracterizam “pelo contato

Cerrado/Floresta Estacional Semidecidual e áreas das formações antrópicas

utilizadas para agropecuária” (SEMADUR apud PLANURB, 2017, 05). Isso

aconteceu e continua acontecendo devido à introdução de pastagens que

predominam na paisagem do município, que já vem mudando gradativamente

devido à introdução do cultivo de soja e milho (porção Oeste) e do plantio de

eucalipto (porção Leste) (SEMADUR apud PLANURB, 2017, 05).

“Além de políticas públicas de desenvolvimento regional,

um fator de destaque no extraordinário desempenho

agropecuário foi a geração de tecnologias agrícolas

modernas. Tecnologias para a correção, adubação e

manejo dos solos, obtenção de soja adaptada às baixas

latitudes, lançamento de cultivares e definição de manejo

em soja, arroz, milho, algodão, feijão e trigo constituem

alguns dos resultados promissores da pesquisa agrícola

nos trópicos” (EMBRAPA, 2018).

Os ‘hotspots’, como o Cerrado, apesar de serem áreas prioritárias para a

conservação mundial, ainda não recebem a atenção necessária para sua

preservação. No caso brasileiro, o bioma é o que possui menor porcentagem

de áreas sobre proteção integral, apresentando 8,21% de seu território

legalmente protegido por unidades de conservação. Desses, 2,85% são

unidades de conservação de proteção integral e 5,36% de unidades de

conservação de uso sustentável, incluindo Reservas Particulares do Patrimônio

Natural (0,07%) (MMA, 2018).

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De acordo com dados da Convenção sobre Diversidade Biológica

(CDB), os esforços mundiais para reverter a perda de espécies vegetais não

têm sido suficientes para compensar o ritmo de desmatamento. Muito tempo se

passou, mas a conscientização e a aplicação das leis ambientais não foram

suficientes para diminuir o ritmo de desmatamento no país, o que fez com que

outros ecossistemas brasileiros perdessem grande parte de sua extensão,

como o Cerrado (PEREIRA e COSTA, 2010).

“Depois da Mata Atlântica, o Cerrado é o bioma brasileiro

que mais sofreu alterações com a ocupação humana. Com

a crescente pressão para a abertura de novas áreas,

visando incrementar a produção de carne e grãos para

exportação, tem havido um progressivo esgotamento dos

recursos naturais da região. (...) Além disso, o bioma

Cerrado é palco de uma exploração extremamente

predatória de seu material lenhoso para produção de

carvão” (MMA, 2018).

Soma-se a isso o fato de que o Cerrado tem grande importância social,

já que é lar para muitas populações que estão inseridas dentro de seus limites

e que sobrevivem de seus recursos naturais, como etnias indígenas,

ribeirinhos, geraizeiros, babaçueiras, vazanteiros e comunidades quilombolas,

detendo conhecimento tradicional da biodiversidade do bioma e fazendo parte

do patrimônio histórico e cultural brasileiro (MMA, 2017).

Ao mesmo tempo em que a antropização deve ocorrer de forma

controlada para que os efeitos colaterais do devastamento sejam minimizados,

visando a preservação da flora e conferindo o tempo necessário da natureza se

recompor, é evidente que a conservação dos biomas regionais é de extrema

importância para se manter diversidade biológica expressiva. Por isso, “as boas

práticas agrícolas e a preservação de áreas naturais são importantes para

manejo e conservação da biodiversidade do Cerrado” (EMBRAPA, 2018).

O Cerrado possui mais de 12 mil espécies vegetais já catalogadas, e

destas, mais de 220 têm uso medicinal e cerca de 400 podem ser usadas na

recuperação de solos degradados, barreiras contra o vento, proteção contra a

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erosão ou para criar habitat de predadores naturais de pragas (ISPN, 2017).

Além disso, mais de 10 tipos de frutos comestíveis são consumidos pela

população local e vendidos nos grandes centros urbanos, como os frutos do

pequi (Cariocar brasiliense), buriti (Mauritia flexuosa), mangaba (Hancornia

speciosa), cagaita (Eugenia dysenterica), bacupari (Salacia crassifolia),

cajuzinho do cerrado (Anacardium humile), araticum (Annona crassifolia) e as

sementes do baru (Dipteryx alata) (MMA, 2018).

Tendo descrito todas estas características, observa-se que, assim, como

o estado e a capital de Mato Grosso do Sul, a Avenida Afonso Pena também

pode ser vista como uma mesopotâmia, ou terra entre rios. Implantada entre os

veios dos córregos Prosa e Segredo, a Avenida se estendeu e desenvolveu

sobre e contra as influências das características físicas naturais que aí existem.

Desde sua origem, nasceu como um ‘boulevard’ de linearidade rígida,

composto por espécies arbóreas estrangeiras (como o Ficus benjamin). Logo

de início, os córregos se constituíram em obstáculos para o crescimento da

cidade na direção sul e oeste, e o terreno barrancoso e de difícil acesso, na

direção leste. Por isso, seus córregos transversais estão desconectados da sua

extensão: um por ter sido ‘envelopado’ (Córrego Prosa), outro por ter sido

canalizado (Córrego Segredo), e seu principal vale foi transposto por viaduto

(Av. Ceará) com finalidade de expansão (especulação) urbanística.

Num cenário onde a capital sul mato-grossense, tanto quanto a Avenida

central da cidade, se apropria da localização geográfica regional e nacional

como ‘porta de entrada ao Pantanal’, associada à futura implantação do

Aquário Natural com espécies deste bioma, localizado dentro de um dos

maiores parques urbanos conjugados com reserva ambiental remanescente de

mata de Cerrado, sua fisionomia natural ainda é pouco explorada do ponto de

vista paisagístico e do patrimônio natural.

Espécies de árvores nativas, como o Ipê, árvore símbolo da cidade,

ainda são pontuais e parcialmente isoladas na paisagem da Avenida. Sem

desrespeitar o Plano Diretor de Arborização Urbana de Campo Grande (PDAU,

2010), espécies de valor estético ou frutíferas naturais do Cerrado podem ser

usadas para a composição da Avenida Afonso Pena, transformando cada um

dos seus canteiros em alternativa de resgate e representação da

biodiversidade natural do cerrado sul-mato-grossense. Do ponto de vista da

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sustentabilidade ambiental, os canteiros podem proporcionar que a Avenida

conjugue estes qualitativos se tornando parque linear, com o despertar de nova

função urbana, dentre tantas que já assume, a do turismo ambiental urbano.

Hoje são os grandes fícus (22 exemplares da espécie Ficus microcarpa),

espécies exóticas, que estão tombados como patrimônio municipal (2011). Mas

adiante, elementos locais e espécies nativas também podem adquirir este valor

se conjugadas à gestão da sua paisagem voltada à recomposição natural e à

educação ambiental voltada ao incentivo de interação local, utilizando a

Avenida como grande eixo, não só de desenvolvimento econômico ou de

mobilidade urbana, mas também de aproximação ao caráter físico natural que

compõem sua paisagem e que cada vez mais é diluído com o adensamento

urbano dos seus bairros lindeiros.

6.1.5.2. Arborização e Agrupamentos Arbóreos

O espaço urbano é local forjado pelas ações do homem e todos os

elementos construídos no meio ambiente natural são corpos estranhos, que

irão responder de alguma forma ao clima e à paisagem. O tipo de cobertura do

solo e os materiais das edificações, por exemplo, respondem de forma

diferente à absorção e reflexão da radiação solar. A esses coeficientes de

reflexão dá-se o nome de ‘albedo’ (Figura 8). Materiais que possuem albedo

baixo proporcionam microclima agradável, como é o caso das vegetações

arbóreas (ESPEREENC, 2003 apud OLIVEIRA, 2011).

Figura 8. Albedo de materiais e superfícies no ambiente urbano. Fonte:

HUANG e TAHA (1990).

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Levando em consideração o bem-estar do indivíduo, toda manutenção

de vegetação no meio ambiente urbano é benéfica. A vegetação arbórea

oferece sombreamento importante (Figura 9). Isto diminui a incidência de

radiação solar, o aquecimento de superfícies e, consequentemente, reduz a

liberação de ondas de calor (LAURIE, 1978 apud SHINZATO, 2009).

Figura 9. Temperatura de superfície por meio do sombreamento das árvores.

Fonte: LAURIE (1878) apud MASCARÓ e MASCARÓ (2002).

Além dos benefícios climáticos, há estudos comprovando resultados

importantes no controle de ventos em áreas urbanas (Figura 10), evitando

acidentes, diminuição nos índices de poluição, boa absorção de ruídos e até

mesmo redução do consumo de energia, uma vez que ao amenizar o calor,

também reduz o consumo de climatização artificial no interior das edificações.

Figura 10. Efeito das árvores na velocidade dos ventos sobre as edificações.

Fonte: KUHNS (2008) apud SHINZATO (2009).

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Os diversos formatos de copa e suas alturas distintas podem provocar o

efeito de barreira de vento quando desejado (Figura 11), direcionando-o para

cima e produzindo o efeito de esteira e após o de barreira. (MASCARÓ e

MASCARÓ, 2002, p.27)

Figura 11. Proteção por faixas arborizadas. Fonte: Adaptado de BAÊTA &

SOUZA (1997) apud ABREU e ABREU (2012).

Dentro do espaço urbano, pode-se encontrar a vegetação disposta em

diferentes formatos: alinhada as vias públicas, em parques, calçadões, praças,

jardins, canteiros, áreas de proteção, galerias. A mesma pode ser rasteira,

arbustiva ou arbórea.

Segundo BURLE MARX (1987), é importante ter espécies nativas em

jardins urbanos e parques botânicos. O uso de plantas nativas é uma maneira

de ter espécies duradouras, já adaptadas ao clima, condizendo com a

realidade do local, fazendo com que a população compreenda o valor de seu

espaço e sua paisagem, com características singulares, como patrimônio.

A forma como as vegetações arbóreas são plantadas, o raio de suas

copas, resultará em entorno particular. Há como classificar essas densidades e

disposições e assim analisar a qualidade do entorno (Figura 12).

Adicionalmente, os resultados efetivos dessas variações também dependem da

análise das espécies e suas combinações. Nos maciços heterogêneos, por

exemplo existe, ainda, a possibilidade de misturar árvores perenes e

caducifólias. Este espaço moldado pela vegetação também se altera durante o

decorrer das diversas estações do ano, com a perda de folhagem, pela cor da

floração, frutificação e mesmo da folhagem (MASCARÓ e MASCARÓ, 2002,

p.27-28).

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Figura 12. Disposição e densidade da estrutura vegetal para classificação da

estrutura arbórea. Fonte: adaptado de PEIXOTO et al. (1995) apud LABAKI et

al. (2011).

Isto posto, vê-se que a vegetação arbórea muito contribui para o

desenvolvimento das ruas, bem como das cidades. Neste trabalho, levantaram-

se informações da importância deste elemento nos canteiros de solos

permeáveis na Avenida Afonso Pena (Figura 13) que a diferenciam, tais como,

sua disposição, agrupamento, relevância, etc.

Figura 13. Av. Afonso Pena e Densidade Vegetal: canteiros, praças e parques.

Fonte: A autora (2018).

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Analiticamente, ao longo dos seus canteiros da Avenida Afonso Pena,

podem-se encontrar diversas variações de disposição, densidade e tipo de

vegetações na sua arborização urbana (Figura 14).

Figura 14. Tipos de Disposição de vegetação arbórea na Av. Afonso Pena,

CGR/MS. Fonte: Adaptado de Google Earth (2017).

Quanto à Disposição (Figura 15), a subunidade dos Altos apresenta

arborização com predominância Pontual; as subunidades Jardim dos Estados e

Amambaí, com equivalência entre arborização Isolada e, ao mesmo tempo,

Difusa; e a subunidade Centro, com arborização Aglomerada, majoritariamente.

No conjunto geral, a Avenida Afonso Pena apresenta arborização com

predominância da arborização Difusa.

Figura 15. Distribuição da Disposição da Arborização total e por subunidade da

Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: A autora (2018).

Quanto à Densidade (Figura 16), três subunidades apresentam

equivalência na arborização: Altos, Jardim dos Estados e Amambaí, com

situações de agrupamentos arbóreos Parcialmente Isolados e Agrupados

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Rarefeitos. Já o Centro, apresenta a arborização mais Agrupada e Densa.

Logo, a densidade que mais predomina na Avenida também é a Parcialmente

Isolada e Agrupada Rarefeita.

Figura 16. Distribuição da Densidade da Arborização total e por subunidades

da Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: A autora (2018).

Quanto ao Tipo (Figura 17), a arborização na AP é majoritariamente

composta por forração Herbácea e indivíduos Arbóreos, principalmente na

subunidade Altos e no Amambaí. O Centro é a geoface que apresenta maior

homogeneidade entre árvores, palmeiras, arbustos e coberturas. Fugindo à

regra, o Jardim dos Estados, além das Herbáceas, apresenta mais exemplares

de Palmáceas do que arbóreos, e detém único exemplar de Trepadeira na

extensão da Avenida.

Figura 17. Distribuição do Tipo da Arborização total e por subunidade da Av.

Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: A autora (2018).

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Ainda, notadamente quanto à arborização, o Centro da Avenida Afonso

Pena é o trecho que possui maior diversidade quanto à Disposição e

Densidade da mesma, enquanto que o Jardim dos Estados é o bairro com

maior diversidade quanto ao Tipo desta.

Sinteticamente (Total QT), a Avenida Afonso Pena apresenta

arborização com disposição Difusa, densidade Agrupada Rarefeita e tipos

Arbóreo e Herbáceo predominantes. Mas no universo dos 39 (trinta e nove)

canteiros da Avenida, alguns se destacam por maior ou menor diversidade,

qualitativamente (Total QL) quanto à Disposição, Densidade e Tipo de

Arborização, apresentando-se como aquela mais ou menos diverso quanto às

variações de categorias (Figura 18).

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Figura 18. Distribuição da Disposição, Densidade e Tipo da Arborização total, por subunidade e canteiros da Av. Afonso Pena,

CGR/MS. Fonte: A autora (2018).

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Quadro 2. Síntese do Campo Visual de Arborização (Disposição, Densidade e

Tipo), por subunidade e por canteiro com maior (+)/ menor (-) variabilidade da

Av. Afonso Pena, Campo Grande/MS.

SETOR

SUBUNIDADE

GEOFACE

CANTEIRO CAMPO VISUAL ARBORIZAÇÃO

Altos

(-)

(2)

(+)

(10)

Jardim dos

Estados

(-)

(15)

(+)

(21)

Centro (-)

(23)

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(+)

(27)

Amambaí

(-)

(32)

(+)

(39)

Fonte: Adaptado de Google Earth (set. 2017).

Assim, é possível perceber, através da síntese do campo visual de

Arborização dos canteiros da AP (Quadro 2), aqueles que acumularam maior

(+) ou menor (-) presença quanto às categorias de Disposição, Densidade e

Tipo dos agrupamentos arbóreos. No Centro e no Jardim dos Estados o

contraste é bastante nítido, entre canteiro bem variado ou pouco variado do

ponto de vista da arborização.

Estes três aspectos da arborização conjugados na Avenida, ao mesmo

tempo, se combinam e se justificam. Quanto mais casual ou pontual a

disposição dos indivíduos, mesmo que arbóreos, mais isolada será a sua

densidade, da mesma forma que, quanto mais aglomerados estes estão, mais

densa será sua forma espacial.

Quanto aos canteiros que se inscrevem na área de tombamento (no. 24,

25, 26 e 27), não é à toa observar que são eles os que abrigam as maiores

variedades quanto à disposição, densidade e tipo de arborização no conjunto

da Avenida. Contudo, também é um deles o único da Avenida que não possui

qualquer forração Herbácea.

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Fatores como expansão histórica, uso econômico e ocupação social dos

bairros lindeiros aos canteiros também explicam e ampliam a análise dos

agrupamentos arbóreos. Porém, do ponto de vista da transformação e

planejamento da paisagem esta análise desenvolvida reforça a singularidade

da arborização no bairro Centro que abriga os canteiros tombados, justificando

sua distinção e relevância no conjunto da paisagem da Avenida.

Por outro lado, é o Jardim dos Estados que apresenta maior qualitativo

(56) quanto à variabilidade dos agrupamentos arbóreos em comparação as

demais subunidades/geofaces (Altos, 58; Centro, 52; Amambaí, 56;

respectivamente). Além disso, o reconhecimento de que o restante da Avenida

possui a arborização majoritariamente difusa e/ou isolada, indica que há

potencial e necessidade para se intervir na mesma, implantando-se espécies

vegetais que favoreçam o adensamento e/ou a formação de novas

centralidades atrativas nesta arborização urbana.

Se a arborização isolada ou difusa for acrescida de novos indivíduos,

pode-se chegar à condição aglomerada, o que favorecerá a paisagem,

trazendo vários benefícios: quanto ao conforto ambiental, com maiores áreas

de sombreamento e consecutivo resfriamento térmico; quanto à apropriação,

com incentivo à permanência prolongadas nestas novas áreas sombreadas;

quanto à mobilidade e ao lazer, com a ciclovia também protegida da incidência

solar direta.

Campo Grande está entre as capitais brasileiras com maior cobertura

vegetal por habitante. A cidade, em 2009, já contava com 150 mil árvores em

suas vias (PDAU, 2010). Em 2011, chegou a 74 m² de área verde por habitante

(SEMADUR, 2012). A capital é regida por Plano Diretor de Arborização Urbana

(PDAU, 2010), além de possuir também dois guias específicos, a saber, Guia

Prático de Arborização Urbana (SEMADUR, 2010) e Guia de Arborização

Urbana (SEMADUR, 2012). Estes, além de abordar os fatores aqui

mencionados, engloba também os componentes do espaço urbano e sua

interação com a via, calçadas e cidadãos. O PDAU recomenda:

“(...) o plantio de espécies nativas com boa adaptação às

condições de um ambiente urbano. Permite o plantio de

espécies exóticas, desde que já saiba da sua adaptação.

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Que as espécies sejam resistentes a pragas e doenças,

não produza frutos grandes e carnosos, não tenha flores

carnosas, não apresente princípios tóxicos ou alérgicos,

sem espinhos e sistema radicular pivotante para não

prejudicar a calçada” (PDAU, 2010).

Com a diversidade oferecida pelas espécies do Cerrado, sejam elas

ornamentais, frutíferas, aromáticas, dentre outras, a possibilidade de

combinações e variações a serem feitas se amplia exponencialmente. A

arborização dos canteiros da Avenida pode enfatizar valores já definidos

coletivamente, como para os canteiros tombados, bem como pode,

potencializar outros que ainda não tem valor reconhecido, dentre outros

motivos, pela pouca expressão da sua arborização.

Um caso exemplar é o Ipê (antigo gênero Tabebuia, atual Bignoniaceae)

(Figura 19), a colorida árvore do cerrado, árvore símbolo da capital e do

estado, especificamente, o amarelo (BUENO, 2018). “Além da beleza e

sombra, a árvore garante visita de admiradores embevecidos” (SANTOS,

2011). O clima do Cerrado, com baixas temperaturas nas manhãs e noites no

período de aridez e estiagem (inverno), propicia a florada desta árvore, que

“(...) tem um recurso de proteção para germinar na etapa mais propícia ao seu

desenvolvimento” (SANTOS, 2011).

Figura 19. Av. Afonso Pena e florada do Ipê colorido. Fonte: GARRIGÓ (2011)

apud SANTOS (2011).

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Este despertar, segundo Hilário Chaparro, coordenador da Brigada

Verde, projeto da PMCG voltado à revitalização das áreas verdes, obedece a

uma sequência: “primeiro o roxo e o rosa, depois o amarelo e o branco”, com

brevidade e floração média de 30 dias, anualmente, sendo que “O ipê branco é

ainda mais fugaz, com flores que duram poucos dias” (SANTOS, 2011). Esta

expressão do relógio biológico confere à AP diferentes ambiências, resgatando

o patrimônio natural como um dos componentes essenciais da esfera urbana.

Isso significa dizer que, na conjugação da paisagem natural e da

paisagem urbana como paisagem cultural, não somente os canteiros já

tombados, mas todos os seus demais compõe a paisagem da Avenida Afonso

Pena sob a ênfase do valor coletivo estreitado pela proximidade e identidade

com as espécies vegetativas do bioma de Cerrado. Cada um dos 39 canteiros

tem potencial para agregar mais diversidade a este conjunto, propiciando

novas ambiências e microclimas associados aos usos socioeconômicos que aí

se articulam.

6.1.5.3. Traçado, Relevo e Topografia

Em sua grande maioria, os limites físicos resultam numa força

dominante em se tratando do espaço urbano, principalmente pela pregnância

de sua forma, traçado e de visibilidade. A continuidade de uma rua, por

exemplo, está ligada ao fato de ela ser elemento urbano satisfatoriamente

identificável, com eventual presença de espécies arbóreas, que reforçam sua

forma natural e desenho urbano, facilitando significamente seu reconhecimento

como tal (LYNCH, 2005).

Esse tipo de estrutura espacial, a rua, apresenta comprimento

característico, associado à expressão de direção, de movimento, de extensão e

de crescimento, e possível de ser limitado ou dividido fisicamente quando

arrematado “por uma forma ou espaço dominante, por uma entrada elaborada

ou articulada, ou pela fusão com outra forma arquitetônica ou com a topografia

de seu terreno” (CHING, 1998, p.198). Por outro lado, nem sempre a

demarcação física, como um desnível, barreira ou marco visual, são capazes

de, sozinhos, impor limites ou identidade ao espaço (DUARTE, 1993).

Se por um lado o Plano de Alinhamento de Ruas e Praças (1909) fundou

a AP com extremo rigor em sua retilineidade, em grande parte, a possibilidade

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de sua diferenciação em partes reside, dentre outros fatores, na topografia

variada pela qual a Avenida Afonso Pena passa, sobrepondo diferentes níveis

e cruzando acidentes geográficos, como córregos e vales, que lhe conferem

diferentes ambientações e perspectivas (Figura 20 e 21).

Figura 20. Av. Afonso Pena - Bairros e Cotas Topográficas. Fonte: Adaptado

de Google Earth (set. 2017).

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Figura 21. Av. Afonso Pena, Bairros e Perfil Topográfico. Fonte: Adaptado de

Google Earth (set. 2017).

O Jardim dos Estados é a geoface cuja variação topográfica é menor, o

que confere à Avenida caráter mais plano (Figura 22).

Figura 22. Jardim dos Estados, trecho mais plano da Av. Afonso Pena

(canteiro no. 20). Fonte: Google Earth (set. 2017).

O Centro ocupa uma das margens em aclive do vale do córrego

Segredo, tendo sua principal Praça, a Ari Coelho, implantada exatamente em

seu ponto mais plano, o que carrega legibilidade e força como marco urbano a

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ponto de mascarar, de certo modo, a topografia irregular deste trecho da

Avenida. É exatamente neste ponto que se concentram os canteiros tombados,

com a arborização frondosa e histórica que ali existe. Geometricamente, este

bairro não está no ponto médio da extensão da Avenida (Figura 23). Porém,

sua denominação enquanto Centro está ligada não exclusivamente a esse fator

espacial, mas também aos atrativos socioeconômicos, históricos e territoriais

que nele se instalam.

Figura 23. Centro, trecho plano da Av. Afonso Pena fronteiriço à Praça Ari

Coelho (canteiro 25). Fonte: Adaptado de Google Earth (set. 2017).

Em relação aos extremos da Avenida, de um lado (Figura 24), vê-se que

a topografia mais elevada da Avenida à leste, em relação ao vale do córrego

Prosa, é um dos fatores de sua nomeação como ‘Altos’ (conjunção dos bairros

Santa Fé, Chácara Cachoeira e Veraneio).

Figura 24. Altos, trecho mais elevado da Av. Afonso Pena, com diferença de

níveis entre pistas de rolamento e ciclovia (canteiro 06). Fonte: Adaptado de

Google Earth (set. 2017).

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Do outro lado (Figura 25), da mesma forma se observa que o Bairro

Amambaí também é um ponto elevado à oeste, pelo seu nível topográfico em

relação ao cruzamento transversal com o córrego Segredo, no conjunto da

Avenida, onde “a topografia da área que (...) tinha um desnível de 30,00m,

contatos de sua parte mais alta (...)” (ARRUDA, 2001, p.19-20). Mas, ao

contrário do seu extremo, os Altos, essa subunidade não é denominada,

identificada ou apreendida de qualquer valor relacionado à sua posição

elevada, seja física ou social.

Figura 25. Amambaí, trecho em elevação da Av. Afonso Pena (canteiro 30).

Fonte: Adaptado de Google Earth (set. 2017).

Um fator explicativo para isso é que, pela força do traçado urbano do

bairro Amambaí, com “(...) um traçado barroco, de formato sinuoso e irregular

tendo como princípios reguladores a pré-existência das estradas boiadeiras

(...)” (ARRUDA, 2001, p.19-20). Ali, a Afonso Pena apresenta curva que,

sutilmente quebra sua retidão e, por consequência, minimiza a perspectividade

de sua forma e topografia sinuosa, anulando a percepção da maior altura do

trecho (Figura 26).

Figura 26. AP e sinuosidade no Amambaí. Fonte: Adaptado de Google Earth

(2007).

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Ademais, sua origem ligada a um espaço destinado à moradia de

trabalhadores e militares, prejudicado pelas influências negativas da

desocupação da antiga Rodoviária, também não estabelece qualquer conexão

ou identidade com o poder ou status social, traduzido como ‘alto’, como assim

é feito nos Altos da AP.

De início, a existência do viaduto sobre o vale do Prosa é marco forte na

paisagem, ressaltando a diferença topográfica que depende da transposição

elevada (Figura 27).

Figura 27. Av. Afonso Pena e viaduto sobre vale da Av. Ceará. Fonte:

Adaptado de Google Earth (out. 2017).

Depois, a inauguração do Shopping Campo Grande (1989) foi feita a

partir de aterramento de acentuado desnível, resultando em marcante talude

(Figura 28).

Figura 28. Av. Afonso Pena e talude protegido por muro de arrimo em

decorrência da implantação do primeiro shopping local. Fonte: Adaptado de

Google Earth (out. 2017).

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Em sequência, a implantação do Parque das Nações Indígenas,

adjacente ao Parque dos Poderes (1988), fortaleceu da especulação

imobiliária, para pessoas de maior renda financeira. Assim, a denominação que

foi dada à subunidade da Avenida como ‘Altos’ reflete tanto sua posição

topográfica elevada quanto o status econômico e social que se dá a quem

frequenta a área.

Desta maneira, entende-se que na Avenida Afonso Pena, a própria

topografia e as inserções de elementos e equipamentos urbanos no seu

contexto também influenciaram a organização e definição de trechos que

compreendem a Avenida, de modo que, “(...) se visível ou invisível, esses

limites têm um papel essencialmente psicológico” (BAILLY, 1979, p.120).

6.1.5.4. Subsistema Físico Construído

Assim como a paisagem natural, a paisagem urbana é fenômeno

constituído por muitos elementos físicos e relações que regem e definem o

modo de se viver. Do mesmo modo que a natureza combina solo, relevo, ar,

água, temperatura, fauna e flora para compor um bioma específico, a

construção do espaço urbano depende do arranjo entre partes e objetos que

caracterizam usos e apropriações distintas, conferindo ambiência própria a

cada porção da paisagem urbana.

A paisagem urbana é um conceito amplo que se refere principalmente,

aos aspectos morfológicos de qualquer cidade. (...) é formada por vias, limites,

bairros, cruzamentos, área verde, relevo, clima, elementos marcantes, assim

como a presença de mobiliário urbano e elementos urbanísticos (AMADEI et

al., 2011, p.211)

Em primeiro lugar, a essência de ‘polis’12, bem como da paisagem

urbana, prescinde da existência dos espaços livres públicos como substrato da

vida citadina.

12 “A cidade-estado grega da qual Atenas foi o principal exemplo no período que vai das reformas de Clístenes (sec. VI a.C.) até a conquista da Grécia por Felipe da Macedônia. A polis se constituía com uma unidade política e territorial, sobre tudo através do vínculo que seus cidadãos mantinham com ela por lealdade, identidade cultural e origem. É na polis que se dá a experiência da democracia, caracterizada pela igualdade dos cidadãos perante a lei e pela participação destes na decisão política” (JAPIASSU e MARCONDES, 2006, p.220).

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“Quando chegamos a uma cidade, nossos olhos percebem

cores, volumes, luzes e sombras, pessoas, trânsito, ruas.

Quando moramos na cidade, os elementos que a

compõem, tais como: edificações, praças, calçadas,

monumentos passam a fazer parte de nós assim como

nossa casa. Na esfera coletiva, este imaginário nos

pertence, é um pedaço de nós.” (COSTI, 2002, p.01).

Com base nos estudos desenvolvidos por MAGNOLI (1983), MACEDO

(1995, p.16) define os espaços livres como “todos aqueles não contidos entre

as paredes e tetos dos edifícios construídos pela sociedade para sua moradia e

trabalho”. Mais especificamente aqueles contidos dentro dos limites do tecido

urbano – ruas, praças, largos, parques, dentro outros – se denominam espaços

livres públicos.

Quando qualificado como livre e público, o espaço urbano, nas palavras

de COLQUHOUN (1991, p.263), agrega “(...) o próprio espaço edificado, sua

morfologia, o modo como afeta nossas percepções, a forma em que se o utiliza

e o significado que é capaz de obter”.

MURET (1987 apud ROMERO, 2001, p.33) também compartilha desse

pensamento quando reforça que “os espaços exteriores urbanos podem

corresponder aos espaços livres, isto é, disponíveis para todos, simples ou

adaptados a múltiplas funções”.

Essas definições sobre o que consiste o espaço urbano livre público, tal

qual ruas, praças, dentre outros, nos levam a entender que se trata de local

qualificado não somente pelos seus atributos físicos naturais, quanto

construídos (forma, traçado, equipamentos, marcos, mobiliários, recursos

utilitários), mas também pela sua receptividade e atratividade, qualidade de

vida e valor como patrimônio.

“Uma cidade que seja agradável de se habitar e que tenha

boa qualidade de vida é uma cidade que permite o

encontro, o livre acesso, o lazer, a prática de esportes ao ar

livre, e que cuida da saúde e da educação de seus

habitantes também. Uma cidade não pode ser composta

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somente por casas ou por alguns desses elementos

isoladamente” (BRASILEIRO, 2000, p.150).

Nesta lógica, os espaços livres públicos podem também se qualificar

como área livre verde urbana, cuja definição tem diferentes aspectos.

Legalmente, área verde é “espaço de domínio público que desempenhe

função ecológica, paisagística e recreativa, propiciando a melhoria da

qualidade estética, funcional e ambiental da cidade, sendo dotado de

vegetação e espaços livres de impermeabilização” (art. 8°, § 1°, CONAMA,

2006).

Funcionalmente, área verde é um tipo especial de espaço livre onde há

predominância de áreas plantadas e que deve cumprir três funções (estética,

ecológica e lazer). A vegetação e o solo permeável (sem laje) devem ocupar,

pelo menos 70% da área. Sua utilização deve ser pública e sem regras rígidas

(NUCCI, 2001, p.198). Tem-se, então, que área verde será:

“onde há o predomínio de vegetação arbórea, englobando

as praças, os jardins públicos e os parques urbanos. Os

canteiros centrais de Avenidas e os trevos e rotatórias de

vias públicas que exercem apenas funções estéticas e

ecológicas, devem, também, conceituar-se como área

verde. Entretanto, as árvores que acompanham o leito das

vias públicas não devem ser consideradas como tal, pois

as calçadas são impermeabilizadas” (LIMA et al., 1994).

No geossistema urbano, então, a construção desse meio se dará em

função dos elementos materiais do seu espaço, os recursos arquitetônicos,

como equipamentos, mobiliários, marcos, etc., que também podem ser

combinados com recursos paisagísticos – arborização urbana, por exemplo.

São estes objetos que trazem o caráter físico, bem como qualitativo, ao espaço

urbano livre público.

Por ser um sistema complexo, a paisagem urbana, “é um todo que pode

ser compreendido em partes, no qual se utiliza diferentes escalas para analisar

um espaço” (SALLEM, 2006 apud AMADEI et al., 2011, p.217). Paralelamente,

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o todo urbano pode ser decomposto “em elementos básicos para efetiva leitura

espacial” (CULLEN, 2006 apud AMADEI et al., 2011, p.217). Dessa maneira,

“quanto mais a visão das pessoas for estimulada, a paisagem urbana tornará

mais interessante, mais animada, despertando sensações e curiosidade para

com o que vier pela frente” (AMADEI et al., 2011, p.217).

Por isso, em se tratando do subsistema físico construído, os recursos

arquitetônicos são tão importantes para a leitura espacial das ruas da cidade.

Quando ausentes ou presentes, estes objetos podem definir ou estimular

valores de uso ou afeição pela população local, qualificando o espaço como

lugar propício, ou não, ao lazer, ao comércio, à circulação, ou outros,

direcionando ou alertando estratégias de qualidade e bem-estar para a gestão

urbana.

Enquanto recursos arquitetônicos são objetos de pequena escala

inseridos nos espaços urbanos livre públicos, os marcos arquitetônicos, de

escala edilícia, colaboram em aferir certo caráter à paisagem urbana. Marco é

aquele objeto construído que destoa da paisagem, se tornando ponto de

referência, tanto de mobilidade como de identidade. Isso ocorre porque

edifícios ou recursos arquitetônicos se correlacionam entre si, concorrendo

mutuamente, onde um acaba por ter predominância sobre o outro (AMADEI et

al., 2011).

No caso da Avenida Afonso Pena, tem-se a importância conferida à

Avenida, não só pelas suas proporções e morfologia, definidas pelo Plano de

Alinhamento de Ruas e Praças (1909), mas pelos equipamentos a elas

destinados. “Ela passaria a ligar o córrego Segredo, ponto urbano mais

ocidental, ao Campo de Marte, outro extremo rumo ao oriente, passando pelos

locais ponde seriam construídas a estação ferroviária e o passeio público –

Praça Ari Coelho” (OLIVEIRA NETO, 1999, p.126).

Uma série de fatos, marcos e construções vão forjar, expandir e

prolongar o espaço físico da Avenida no interim da sua implantação até a

atualidade, resumidamente apresentada assim:

• Núcleo original - Centro: os canteiros (planejados em 1909, mas

construídos em 1921), na Avenida que foi idealizada como um ‘boulevard’,

com grande amplitude e vasta arborização; e, Praça Ari Coelho

(oficialmente inaugurada na década 1920) - antigo cemitério da cidade

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transferido para outra localidade - de traçado clássico, com passeios

internos e calçamento externo;

• 1º prolongamento – sentido Oeste: pela chegada da rede ferroviária da

EFNOB (1914), com Avenida operando fluxo urbano articulado à R. 14 de

Julho, há fundação do bairro Amambaí (década de 1920) para acomodação

dos militares e operários recém-chegados; e, inauguração da Praça

Newton Cavalcanti (1934), definindo primeira extremidade da Avenida;

• 2º prolongamento – sentido Leste: inauguração dos monumentos do antigo

Relógio e vigente Obelisco (1933);

• 3º prolongamento – sentido Oeste e Leste: ponte de madeira (1940)

substituída por outra de concreto (1961) sobre córrego Segredo, e,

implantação e consolidação do atual bairro Jardim dos Estados (década de

1950 a 1970);

• 4º prolongamento – sentido Leste: construção do viaduto sobre o vale da

Av. Ceará (1985); implantação do Parque dos Poderes e sede

administrativa do Estado (1988), definindo segunda extremidade da

Avenida; inauguração do Shopping Campo Grande (1989) e Parque das

Nações Indígenas (1994); implantação e consolidação do atual bairro

Chácara Cachoeira (1980 a 2000) – reunindo-se, assim os vetores de

desenvolvimento dos ‘Altos’ da Afonso Pena.

Combinado a estes elementos, sua forma física retilínea e extensa é

determinante para a interpretação da Avenida como elemento central, pois é

possível exercer e usufruir de diversas atividades, e ao mesmo tempo alcançar

diversas zonas da cidade, transitando somente por uma única via.

Assim, a intensidade em que se manifesta esse fluxo, a partir da

convergência de infraestrutura e usuários (diga-se, da sua acessibilidade),

determina, seja sob o pretexto político, econômico ou cultural, papel mais

destacado deste espaço urbano na hierarquia da cidade.

Além do acesso visual, a proximidade física com os canteiros e a

participação social que nele se dá, propicia aos usuários o reconhecimento e a

valoração efetiva da AP. Mesmo com o tombamento dos canteiros da Avenida

em trecho central da sua extensão, o acesso da população à área nunca foi

totalmente impedido, mas a ausência de recursos arquitetônicos instalados ali,

como no restante da Avenida, tempos depois permite que esta esteja se

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tornando lugar menos preeminente tanto pela falta de novos marcos e

equipamentos urbanos, quanto também pela movimentação de pessoas na

área.

Porém, COLIN (2000) afirma que, na gênese das cidades, todos os

habitantes usufruíam dos espaços urbanos em proporção equilibrada, tanto dos

equipamentos, como parques, teatros e praças, como também dos serviços

urbanos, como transporte, água e iluminação. A partir da evolução tecnológica,

que culminou no processo de industrialização e, por conseguinte, na divisão do

trabalho, o espaço urbano se contagiou dessa estratégia de divisão, tornando

seus espaços zoneados, segundo um uso, e assim, iniciando processo de

fragmentação, tanto do espaço urbano em si, como da apreensão que o

homem faz do mesmo.

Se por um lado, a ciclovia que corta os canteiros é intensamente

utilizada num trecho específico, como naquele defronte ao Parque das Nações

Indígenas, por pessoas praticantes atividades desportivas e recreativas, por

outro, a falta de características físicas mais convidativas ao usuário e a

escassa diversidade de atividades nos outros trechos da Avenida são agentes

que atuam sobre as expectativas e representações dos usuários.

Há algum tempo vem se levantado a hipótese da necessidade de

revitalização na Avenida, de modo a se incitar maior permanência, através do

uso de equipamentos e mobiliário urbanos, além de áreas convidativas para se

permanecer ali – “A Avenida Afonso Pena, principal artéria e a mais antiga com

canteiro central, carece de reformas urgentes, visando qualificar o espaço

urbano, retirando os veículos do canteiro central dando passagem para o

pedestre” (ARRUDA, 2002b: 03).

As vagas à 45º foram os primeiros recursos arquitetônicos a serem

eliminados dos canteiros centrais da Afonso Pena após o seu tombo como

patrimônio municipal. No entanto, ainda resta muito a ser feito no sentido de

favorecer e privilegiar o personagem principal na aferição de valores

patrimoniais à paisagem da Avenida, o cidadão campo-grandense. A escala do

usuário ainda não tem sido diretriz fundamental das estratégias de gestão do

espaço, visando a interação e permanência dos habitantes da cidade em toda

a extensão da Avenida.

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6.1.5.5. Recursos Arquitetônicos

As categorias estabelecidas para o inventário e análise dos Recursos

Arquitetônicos (Figura 29) foram assim definidas (JOHN e REIS, 2010), de

acordo com a forma, função e escala:

• Infraestrutura: serviços indispensáveis à manutenção e segurança dos

espaços livres públicos verdes, como Iluminação (postes) e Irrigação

(hidrantes);

• Circulação/Piso: faixa com calçamento ou pavimentação própria e distinta

(passeio/ciclovia), destinada ao trânsito de pessoas, portadoras ou não de

meio de transporte individual (pedestre ou ciclista), e possíveis soluções de

transposição de níveis (escada/rampa);

• Divisória: elemento material arquitetônico (tapume, biombo, mureta, cerca,

etc.) que separa trecho ou ambiente, disposto por contiguidade, operando

como objeto de divisão ou barreira física;

• Mobiliário: objetos móveis ou permanentes disponíveis à livre utilização

pública, tais como banco, mesa, playground, estação de alongamento,

bebedouro, lixeira, ponto de ônibus, ponto de táxi, banca de jornal e revista,

etc.;

• Construção: elementos de pequeno porte imóveis que oferecem conforto

e suporte técnico para a permanência, uso e ocupação específica, como

comércio (quiosque), concha (cultura), pérgula (social/recreativo);

• Água: objetos que utilizam recurso hídrico com propósito estético ou

ambiental (espelho d’água, fonte, chafariz);

• Equipamento: aparelhagem instalada em área urbana, sobre ou sob a

superfície, com o fim de prestação de serviço ao público, como telefonia,

correspondência, sinalização ou publicidade (totens, idealizações

horizontal, vertical e aérea);

• Mobilidade: soluções espaciais que possibilitam a movimentação do

pedestre por meio da menor exposição ao risco contra o fluxo viário, tais

como ‘trafic calming’ e passarela;

• Monumento: obra artística, de importância arquitetônica, estética e/ou

cultural, erigida para homenagear personalidade ilustre, fato histórico ou

acontecimento notável.

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Figura 29. Distribuição dos Recursos Arquitetônicos total, por subunidade e canteiros da Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: A

autora (2018).

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De modo geral, das nove categorias, a Avenida Afonso Pena apresenta

em seus canteiros apenas seis delas, distribuídas de maneira bastante

desproporcional e rarefeita (Figura 30). Isso revela o quão pouco a Avenida é

explorada e aproveitada, do ponto de vista arquitetônico e das funções urbanas

da área verde livre - de lazer ativo, recreativo, contemplativo, trocas comerciais

e/ou culturais, educação comunitária e/ou ambiental.

Figura 30. Distribuição dos recursos arquitetônicos na extensão total da Av.

Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: A autora (2018).

A totalidade de canteiros possui iluminação pública (Figura 31), ciclovia

(Figura 32) e sinalização pública (Figura 33), em especial, a viária (pedestres,

ciclistas e automóveis).

Ciclovia com pavimento asfáltico Ciclovia com pavimento intertravado

Figura 32. Tipos de pavimentação na Ciclovia na Av. Afonso Pena, CGR/MS.

Fonte: Adaptado de Google Earth (out. 2017).

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Iluminação h=baixa Iluminação h=média Iluminação h=alta

Figura 31. Tipos de Iluminação, por altura (h), da Av. Afonso Pena, CGR/MS.

Fonte. Adaptado de Google Earth (out. 2017).

Figura 33. Sinalização Pública nos canteiros da Av. Afonso Pena, CGR/MS.

Fonte: Adaptado de Google Earth (out. 2017).

Dos trinta e nove canteiros, somente 22 (vinte e dois) possuem passeio

público, o que representa 56% dos mesmos. Quando o piso existe, ou é

limitado às extremidades dos canteiros, direcionado para travessia transversal

na Avenida, ou ocorre cortando o mesmo, apenas para poucas e esparsas

travessias diagonais (Figura 34), permitindo pouco contato e interação dos

transeuntes com a área dos canteiros.

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Figura 34. Pisos transversal e diagonal nos canteiros da Av. Afonso Pena,

CGR/MS. Fonte: Adaptado de Google Earth (out. 2017).

O único canteiro que foge dessa regra, possuindo piso em quase a

totalidade da área, é o de no. 23, que fica diante da Praça da República

(também conhecida como Praça do Rádio), operando como extensão dessa

área livre pública em dias de grande movimentação de público, como em

comícios, passeatas e noites de seresta (Figura 35). Esse fato se explica, pois,

este canteiro teve suas árvores originais removidas em 1967 com fim de

urbanização geral dos canteiros – o que nunca aconteceu, mas deixou

distinção no conjunto da Avenida (ARRUDA, 2016).

Figura 35. Cercamento nos canteiros dos canteiros tombados no Centro, na

Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: Adaptado de Google Earth (out. 2017).

Somente nos canteiros do Centro (no. 22, 24*, 25*, 26*, 27* e 28) ocorre

a divisória por cercamento, justamente no intervalo em que se encontram os

exemplares da arborização tombados*. A mesma foi colocada após o ato legal

de preservação. Na ocasião, as vagas de estacionamentos centrais à 45º

foram removidas, os canteiros receberam tratamento paisagístico e a

passagem (pelos caminhos) e a permanência (nos bancos e muretas), dos

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pedestres e cidadãos, que antes acontecia, foi repelida. Do ponto de vista da

apropriação, este fato concorre contra a interação patrimonial, minimizando o

contato direto e a convivência da população exatamente no trecho que lhe é

mais caro (Figura 36).

Figura 36. Cercamento nos canteiros dos canteiros tombados no Centro, na

Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: Adaptado de Google Earth (out. 2017).

Contudo, o único canteiro dos 7,75km da Av. Afonso Pena que possui

mobiliário (banco) é o de no. 26, o que reforça total ausência de incentivo e

usufruto do espaço dos canteiros quanto à permanência (Figura 37).

Figura 37. Canteiro no. 26, no Centro – único com bancos na Av. Afonso Pena,

CGR/MS. Fonte: Adaptado de Google Earth (out. 2017).

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Da mesma forma, o único canteiro que possui ‘playground’ é o canteiro

de no. 01, localizado nos Altos da Avenida, região extremante associada ao

lazer e contato com a natureza, dada a adjacência com os parques das Nações

Indígenas e dos Poderes. Fato este que se mostra contraditório à tradição de

atividade esportiva do primeiro trecho da Avenida a receber a ciclovia e que,

recentemente, tem sido fechado parcialmente ao trânsito de automóveis nos

finais de semana para o desempenho recreativo (Figura 38).

Figura 38. Playground na Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: Adaptado de

Google Earth (out. 2017).

As poucas lixeiras existentes na Avenida também se encontram somente

neste trecho (canteiros no. 01, 02, 03, 05, 06 e 07), bem como as pontuais

publicidades, localizadas nos canteiros no. 01, 03, 04 e 05 (Figura 39).

Figura 39. Lixeira e Publicidade nos Altos da Av. Afonso Pena, CGR/MS.

Fonte: Adaptado de Google Earth (out. 2017).

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No outro extremo da Avenida, o Amambaí possui o único ponto de táxi

de toda a Afonso Pena. Este se localiza no canteiro no. 38, penúltimo, em

região que é rica em hotéis e hospedarias, tanto pela proximidade com a

rodoviária, que por muito tempo funcionou nas redondezas, bem como pelo

trajeto para o aeroporto internacional da cidade (Figura 40).

Figura 40. Ponto de Táxi no B. Amambaí, na Av. Afonso Pena, CGR/MS.

Fonte: Adaptado de Google Earth (out. 2017).

Os monumentos na AP são poucos, mas um pouco melhor distribuídos

ao longo de sua extensão total. O Jardim dos Estados possui o Monumento MS

(canteiro no. 11), além do famoso monumento do Obelisco, que faz a divisão

entre os canteiros no. 21 e 22 e este bairro e o Centro da cidade. A subunidade

ou geoface do Centro é a que mais concentra os monumentos da Avenida.

Além do já citado Obelisco, em sequência, possui a recente escultura em

homenagem ao poeta Manoel de Barros (canteiro no. 24), a escultura de

homenagem à FAB (Força Aérea Brasileira) (canteiro no. 25), o atual Relógio

(canteiro no. 27), e ainda, o Busto de José Antônio Pereira, o fundador da

cidade (canteiro no. 28). O bairro Amambaí abriga o Monumento Corretor de

Imóveis no último canteiro da Avenida antes da Praça Newton Cavalcanti

(canteiro no. 39) (Figura 41).

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Monumento MS

Canteiro no 11

Jardim dos Estados

Obelisco

Canteiro no 21

Jardim dos Estados/Centro

Monumento

Corretor de Imóveis

Canteiro no 39

Amambaí

Escultura Manoel de Barros

Canteiro no 24

Centro

Relógio

Canteiro no 27

Centro

Escultura FAB

Canteiro no 25

Centro

Busto José Antônio Pereira

Canteiro no 28

Centro

Figura 41. Monumentos, por subunidades e canteiros da Av. Afonso Pena,

CGR/MS. Fonte: A autora (2018).

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Quadro 3. Síntese do Campo Visual de Recursos Arquitetônicos, por

subunidade e por canteiro com maior (+)/ menor (-) variabilidade da Av. Afonso

Pena, Campo Grande/MS

SETOR

SUBUNIDADE

GEOFACE

CANTEIRO CAMPO VISUAL RECURSOS ARQUITETÔNICOS

Altos

(-)

(02)

(+)

(01)

Jardim dos

Estados

(-)

(15)

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(+)

(21)

Centro

(-)

(23)

(+)

(27)

Amambaí (-)

(32)

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(+)

(39)

Fonte: Adaptado de Google Earth (set. 2017).

Assim, é possível perceber, através da síntese do campo visual de

Recursos Arquitetônicos dos canteiros da AP (Quadro 3), aqueles que

acumularam maior (+) ou menor (-) presença quanto às categorias de

Infraestrutura, Circulação/Piso, Divisória, Mobiliário, Construção, Água,

Equipamento, Mobilidade e Monumento.

Fatores como expansão histórica, uso econômico e ocupação social dos

bairros lindeiros aos canteiros também explicam e ampliam a análise dos

recursos arquitetônicos. Quanto aos canteiros que se inscrevem na área de

tombamento (no. 24, 25, 26 e 27), não é à toa observar que são eles os que

abrigam as maiores concentrações quanto aos recursos arquitetônicos no

conjunto da Avenida. Contrariamente, o Jardim dos Estados é o que concentra

os canteiros com menor diversidade de recursos arquitetônicos, considerando

que é um bairro com origem residencial classe alta, que hoje transita para uso

comercial e de serviços, caracteriza por um cotidiano de poucos transeuntes

durante o dia na Avenida.

Contudo, de modo geral, a Avenida Afonso Pena, possui limitada

composição de recursos arquitetônicos ao longo de sua extensão. JOHN e

REIS (2010, p.187) já constataram situações semelhantes quando “percebem-

se lacunas na avaliação estética e de uso do ambiente construído em relação

ao mobiliário urbano e ao seu entorno, especialmente em locais de edificações

de reconhecido valor histórico e arquitetônico”.

Dados os usos socioeconômicos e trajetória história da sua paisagem, a

mesma carece de maior e melhor incidência dos mesmos para qualificar seu

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espaço urbano, principalmente pelo fato da ocorrência dos canteiros tombados,

que denotam a preservação mas também favorecem a transformação da AP

por novas formas de apropriação urbana. O mobiliário urbano, ou recursos

arquitetônicos, além de outros fatores de desenho ambiental, pode estimular o

uso social dos espaços abertos (MEHTA, 2007 apud JOHN e REIS, 2010).

É importante considerar os recursos arquitetônicos enquanto elemento

influenciador da qualidade dos espaços urbanos, garantindo que esses

elementos não sejam obstáculos ao percurso do pedestre (FERREIRA e

SANCHES, 2000 apud JOHN e REIS, 2010). Além disso, “o mobiliário urbano

juntamente com outros fatores associados ao uso do espaço pode facilitar a

convivência social e o intercâmbio de experiências individuais e coletivas

(MONTENEGRO, 2005, p.04 apud JOHN e REIS, 2010, p.19).

Um exemplo é a retomada dos bancos em um dos canteiros centrais

tombados da Avenida Afonso Pena (Figura 42). “Permeada de polêmicas, as

alterações deram ao local um trabalho de jardinagem, além de uma ciclovia.

Porém, tornou o canteiro restrito aos que costumavam aproveitar as sombras

das árvores para espairecer” (JARA, 2014). Assim, pouco algum tempo depois:

“O equipamento foi recolocado atendendo a pedido antigo

de trabalhadores e comerciantes, que sentiam falta de um

local de parada para sentar e esperar, cada qual com seu

motivo. (...) Os bancos são atrativo até mesmo para quem

é de fora e guarda imagens soltas de um dos principais

cartões postais da cidade” (JARA, 2014).

Isso demonstra que recursos arquitetônicos, em especial mobiliários

urbanos, fazem alusão ao espaço doméstico, possibilitando que o espaço da

cidade seja o espaço de morada, operando papel significante à paisagem

urbana e seus significados de patrimônio coletivo.

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Figura 42. Bancos são convite para espairecer. Fonte: CORREIA (2014) apud

JARA (2014).

Assim como com a arborização urbana, os recursos arquitetônicos são

elementos importantes para a transformação da paisagem natural e urbana

como paisagem cultural. Cada um dos 39 canteiros tem potencial para

combinar mais diversidade a este conjunto, propiciando novas ambiências

associados aos usos socioeconômicos que aí se articulam.

6.1.5.6. Preservação e Transformações na Grande Avenida: Patrimônio e

Valor Físico Natural e Construído

O conceito de geossistema parte de abordagem complexa para se

chegar a outra, a operatória. Da gênese geográfica, se define como

combinação especializada, onde interagem simultaneamente agentes

abióticos, bióticos e antrópicos. A gênese sistêmica se define pela

sobreposição de três fundamentos: Espacial, pois se materializa sobre terreno

por meio de unidades homogêneas de diferentes escalas, passíveis de serem

fotocartografadas; Naturalista, pois privilegia fatos biológicos tanto quanto

geográficos, como formas do relevo; Antrópico, pois congrega o impacto das

atividades humanas, sem lhe aprofundar como conceito social (SILVA, 2012,

p.82).

Por isso, para se identificar, analisar e compreender o geossistema, bem

como as dinâmicas da paisagem, é necessário assumir escalas de trabalho

que lhe ofereçam síntese:

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“O sistema taxonômico deve permitir classificar as

paisagens em função da escala, isto é, situá-las na dupla

perspectiva do tempo e do espaço. Realmente, se os

elementos constituintes de uma paisagem são mais ou

menos sempre os mesmos, seu lugar respectivo e,

sobretudo, suas manifestações no seio das combinações

geográficas dependem da escala têmporo-espacial.

Existem para cada ordem de fenômenos “inícios de

manifestações” e de “extinção” e por eles pode-se legitimar

a delimitação sistemática das paisagens em unidades

hierarquizadas” (BERTRAND, 2007, p.14).

BERTRAND (1972 apud SILVA, 2012) afirma que o geossistema é um

conceito complexo, simultaneamente dinâmico, mesmo num breve intervalo de

espaço-tempo, cuja singularidade é conferida mais pela dinâmica comum do

que pela homogeneidade fisionômica. Trata-se, portanto, de unidade

dimensional compreendida em alguns quilômetros quadrados, onde relevo e

clima são protagonistas e as grandes massas vegetais são coadjuvantes neste

processo. Como parte de um geossistema urbano, a Avenida Afonso Pena

combina estes fatores em adição aos recursos arquitetônicos e urbanísticos,

outros personagens que a colocam como palco e base de estudos de

organização do espaço natural e construído.

Se, sistematicamente e hierarquicamente, o Cerrado é a zona (grandeza

imperativa, bioma do clima tropical), Campo Grande é o domínio (grandeza

maleável), logo, a Avenida Afonso Pena é a região homogênea, natural e

construída (grandeza reagrupada, porém circunscrita), mas com feições

heterogêneas que lhe definem unidades de paisagem, neste complexo

geossistema (BERTRAND, 2007)

Assim, a partir da combinação e leitura do subsistema físico natural e

construído, arborização, traçado, relevo, topografia e recursos arquitetônicos,

pode-se reunir as unidades hierarquizadas, que constituem as unidades de

paisagem, ou ainda, unidades espaciais homogêneas, síntese visível e material

da paisagem urbana da Avenida Afonso Pena. “Esse processo culmina numa

organização mental onde a realidade percebida é representada por esquemas

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e imagens mentais” (DUARTE et al., 2006, p.02). Tais unidades da paisagem

geradas em torno da teoria dos geossistemas, bem como seus respectivos

exemplos e unidades elementares, encontram-se organizados didaticamente

na Figura 43.

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Figura 43. Síntese das Unidades de Paisagem da Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: A autora (2018).

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A Avenida Afonso Pena, apesar da impossibilidade de ser abarcada

integralmente por um único relance do olhar ao nível da paisagem, se mantém

como conjunto visual e formalmente uníssono no desenho da cidade,

propiciado pelas suas grandes proporções e pelo olhar do geossistema.

Entretanto, devido aos elementos naturais e arquitetônicos e às atividades que,

ao longo dos anos, foram e são desempenhadas em trechos distintos da

Avenida, é possível apreender que seu espaço se articula como sucessão de

unidades distintas, que se complementam e se opõem ao mesmo tempo, com

características singulares. A própria topografia e as inserções de elementos e

equipamentos urbanos no seu contexto também influenciaram a organização e

definição desses trechos que compreendem a Avenida.

A leitura e a apresentação dessas unidades de paisagem se fazem

acompanhando a direção da Avenida, do ponto mais leste ao ponto mais oeste,

definindo-se em: Altos, Jardim dos Estados, Centro e Bairro Amambaí.

O conjunto urbano da Afonso Pena desde o viaduto da Av. Ceará,

passando pelo Shopping, Parque das Nações Indígenas e chegando na

extremidade da rotatória do Parque dos Poderes, denomina-se na terminologia

popular como ‘Altos’, a princípio, por estar ligado à maior altura de nível

topográfico dessa subunidade em relação às demais. A perspectiva visual que

se tem desse ponto, propiciada pelo seu elevado nível topográfico, é grande

atributo para aqueles que ali se dirigem. De alcance mais extenso, a natureza

(nativa) é extremamente exacerbada nesse trecho, em contraposição à

arborização pontual, rarefeita e de pouca diversidade dos canteiros. Utilizam-se

os canteiros como espaço destinado ao divertimento (esportes como ciclismo,

caminhada e patinação), bastante valorizado como ambiente de contato com a

natureza (contemplação dos parques) e do fortalecimento das relações sociais

(roda de tereré e narguilé). Daí a presença, mesmo que mínima, de

playground, lixeiras e publicidade.

Chegando ao trecho da Afonso Pena situado entre o viaduto da Av.

Ceará até o marco do Obelisco, a Avenida em questão torna-se lugar menos

preeminente. A própria falta de nome expressivo para a geoface do Jardim dos

Estados é decorrente do menor contato coletivo com a área, tanto quanto pela

falta de marcos e equipamento urbanos (não há praças ou parques), como

também pela mínima presença de recursos arquitetônicos (impossibilidade da

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permanência, recreação, etc.). A única exceção é o monumento do Obelisco,

que ilhado, se coloca cada vez mais ‘fora’ dos canteiros da Avenida.

Topograficamente, é uma geoface de transição entre um extremo alto, vales

intermediários e outro extremo elevado da Avenida. Por outro lado, é a geoface

cuja arborização é a mais diversa em sua tipologia, com relativa difusão e

agrupamento, de apelo bastante estético. A falta de características físicas

construídas mais convidativas ao usuário e a escassa diversidade de

atividades em seus canteiros são agentes que atuam contra a influência das

relações sociais no papel que é atribuído ao espaço e à paisagem.

A área da Avenida Afonso Pena situada entre o Obelisco e a Av. Ernesto

Geisel contém seu trecho original, nascido do Plano de Alinhamento de Ruas e

Praças. Daí, a Avenida foi crescendo e sendo prolongada nos dois sentidos da

reta, o que resultou em sua porção mais central dos canteiros, com a

arborização original preservada, densa e aglomerada, hoje tombada. A sua

denominação enquanto Centro está ligada não somente a esse fator espacial,

mas também aos atrativos que nele se instalam, como as principais praças da

cidade e diversos monumentos históricos, pouco valorizados arquitetônica e

paisagisticamente. Seu relevo é declinante, porém relativamente suave.

Contraditoriamente, é o trecho com os únicos bancos em toda a extensão da

Avenida, enquanto ao mesmo tempo há cercamentos que operam como

barreiras físicas à travessia e permanência dos usuários nos mesmos. Apesar

da alta intensidade de tráfego de automóveis e pedestres, possui poucos

recursos arquitetônicos qualitativos à vida citadina, como mais mobiliários ou

pequenas construções.

O trecho da Avenida situado entre o Córrego Segredo e a Praça Newton

Cavalcanti está intimamente ligado com a criação do primeiro bairro da cidade

que lhe dá o nome: Amambaí. Apesar de não estar em cota tão elevada,

também é um extremo alto e arejado da Avenida. As árvores difusas e

rarefeitas se devem ao caráter residencial de outrora. Pelo antigo terminal

rodoviário e pelo atual terminal aéreo, o bairro foi adquirindo caráter zona

hoteleira. Entretanto, mesmo com o único ponto de táxi da Avenida, os

canteiros pouco oferecem atrativos ao contato com a arborização (mobiliários

para permanência), à trajetória histórica do bairro (monumentos) ou ao usufruto

transitório pelo turistas (uso esportivo da ciclovia).

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134

Em suma, estas unidades da paisagem heterogêneas elucidam a

homogeneidade e complexidade da AP partindo de análise integrada. Todas

elas são intermediárias gradativas de um mesmo conjunto paisagístico. Desta

forma, elementos invisíveis da paisagem, como evolução territorial,

(ins)estabilidade socioeconômica, etc. - mais atrelados à dinâmica do que a

forma - revelam-se e tornam-se visíveis aos olhos de quem a toma como

imagem. Neste sentido, elementos físicos como características naturais

(arborização) e recursos arquitetônicos (marcos) constituem a âncora do

geossistema para a flutuante complexidade da paisagem da Avenida Afonso

Pena.

A compreensão da paisagem da Avenida Afonso Pena por meio da

materialidade dos seus canteiros e suas unidades, sob a ótica do geossistema,

revela combinações biogeográficas interessantes. O conhecimento deste

fenômeno constata influências decorrentes do processo de uso ocupação e

organização socioeconômica espacial, bem como reconhece interferências

entre os elementos naturais e construídos que podem direcionar a preservação

ou transformação dos canteiros e do patrimônio tombado da Avenida. Sem

estas unidades de paisagem, corre-se o risco da sub/super valorização de

certos trechos da AP.

6.1.6. Conclusão

Campo Grande é uma das cidades mais arborizadas do país. Enquanto

a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU) define 15 m²/habitante

como índice mínimo ideal de cobertura vegetal, a capital sulmatogrossense

atinge 74 m²/habitante. É necessário, além de manter, recompor o índice de

cobertura vegetal da cidade. Por isso foi criado o Programa de Arborização

Urbana (SEMADUR, 2012).

Majoritariamente, 84% da população brasileira habita áreas urbanas -

indicador de que é cada vez mais importante a preocupação com a saúde da

urbe e isso envolve todo o espaço construído, fixo e transitável, vegetação,

cursos d’água, sistemas de drenagem e outros vários subsistemas que

precisam coexistir para o equilíbrio da mesma (IBGE, 2012).

As ruas assumem em média 30% da área total de uma cidade e é

importantíssima no ir e vir dos indivíduos. Por ser um dos espaços mais

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utilizados, seja para trânsito de serviço, lazer ou contemplação, abriga pessoas

todo o tempo e precisa ter planejamento adequado ao fluxo e clima do local.

Essa relação entre via, pessoas, calçadas e árvores é muito mais

importante do que se imagina. Ao criarmos ruas largas e calçadas estreitas,

diminuímos a importância do pedestre e sua visão da paisagem. Quando há

ruas mais estreitas, reduz-se a velocidade dos veículos (trafic calming) e

prioriza-se o trânsito de pedestres; na calçada verde, aumenta-se áreas verdes

permeáveis com canteiros e árvores; na calçada viva, inserem-se mobiliários

urbanos para convite à contemplação do espaço – são exemplos do que muito

se pode projetar e planejar pelos espaço livres públicos urbanos.

A soma destes elementos gera bons resultados para o meio ambiente,

provocam bem-estar para indivíduos e, consequentemente, maior satisfação

em usar a paisagem local, sem dizer nos benefícios socioeconômicos causado

pelo fluxo de pessoas.

A rua é o espaço urbano de uso público que tem como função organizar

e relacionar os fatos arquitetônicos na trama urbana. Constitui o marco da

arquitetura, proporcionando ar e luz ao espaço urbano e aos edifícios,

produzindo microclimas que influenciam insolação, ventos, temperatura e

umidade do clima local e do consumo de energia de seus edifícios (MASCARÓ,

1996, p.89).

O adensamento das cidades constrange suas áreas verdes, cedendo

lugar para novas construções distintivas, dentro do contexto econômico. Esta

redução da área verde acaba por potencializar problemas microclimáticos, tais

como ilhas de calor, entre outros.

Todos estes fatores até aqui mencionados se aplicam ao caso dos

canteiros da Avenida Afonso Pena. Ao tratar do caráter constitutivo desta

paisagem, por meio do seu subsistema físico natural e construído, foram

identificados elementos físicos, biológicos, humanos e antrópicos que

conjugam parte desta complexidade.

Por meio disso, compreende-se que o geossistema da AP é a fonte

primária, porém essencial, para a materialidade e materialização de valores

ambientais locais. Tal conhecimento pode vir a ser utilizado em aulas voltadas

à educação ambiental (PESTANA e SOUZA, 2008), além de despertar a

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atenção das pessoas para a diversidade das unidades que compõe este

geossistema e paisagem urbana local.

Se por um lado, há canteiros com extremo valor ambiental, arquitetônico

e paisagístico, há outros em que ocorre degradação do ambiente urbano, do

ponto de vista da baixa qualidade/quantidade de arborização e recursos

arquitetônicos. Isso se explica pois:

“a constante urbanização nos permite assistir, em nossos

grandes centros urbanos, a problemas cruciais do

desenvolvimento nada harmonioso entre a cidade e a

natureza. Assim, pode-se observar a substituição de

valores naturais por ruídos, concreto, máquinas,

edificações, poluição etc..., e que ocasiona entre a obra do

homem e a natureza crises ambientais cujos reflexos

negativos contribuem para degeneração do meio ambiente

urbano, proporcionando condições nada ideais para a

sobrevivência humana” (MORO, 1976, p.15).

A combinação entre inserção climática no bioma do Cerrado, topografia

peculiar, arborização e marcos urbanos que ditam o ritmo de desenvolvimento

da Avenida, são o viés para o valor de patrimônio ambiental que justificam, em

parte, os canteiros centrais estarem hoje tombados municipalmente.

Cada uma das unidades de paisagem da Avenida preserva, por

combinação de fatores geossistêmicos, os subsistemas físicos natural e

construído na trajetória de uso e ocupação da Avenida. O inventário, registro e

organização destas unidades de paisagem é o que garante a formulação de

diretrizes e políticas de gestão urbana que as potencializem. Ao mesmo tempo,

é este mesmo trabalho que possibilitará a transformação da paisagem da

Avenida, no sentido de oferecer maiores alternativas de apropriação e uso

coletivo, que são os principais canais de valorização do patrimônio público,

natural ou construído, material ou imaterial.

Se um trecho da Avenida é atrativo ao lazer, como o Altos, que este

receba mais mobiliários e arborização para tanto, por exemplo. Se outro, é

estético enquanto agrupamento arbóreo, mas carente das pessoas, como o

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Jardim dos Estados, que receba mais monumentos ou pequenas construções

para a permanência, como sugestão. Se aquele é adensado de arborização, de

monumentos e pessoas, como o Centro, que se tenha mais bancos no lugar de

cercas, exemplificando. Se este é historicamente importante e de caráter

residencial (transitório ou permanente), como o Amambaí, que se implante

monumentos ou se adense a arborização combinada aos mobiliários para

estímulo ao uso das ciclovias e permanência nos canteiros, como ocorre nos

Altos.

Desde a década de 1980, deu-se início a preocupação de preservação

de áreas verdes urbanas e proteção do patrimônio local campograndense. A

partir desta década, a implantação de parques lineares tomou força. Uma das

justificativas seria a preservação de áreas de matas ciliares, nascentes,

margens de córregos e áreas degradadas, diminuindo erosões e enchentes.

Em 2016, houve acréscimo de 255,37ha só em parques lineares (PLANURB,

2016).

A estratégia de implantação e manutenção, bem como maior

adensamento de cobertura vegetal, alteram profundamente o microclima, o que

numa paisagem onde há fluxo de pessoas muito grande, devido a ser centro

comercial e cultural tradicional da cidade, é de extrema influência na qualidade

ambiental urbana.

“Ao olharmos uma árvore, conheceremos na mesma sua

unidade na multiplicidade da natureza, e pela experiência

em sabermos sobre outras árvores conseguiremos

distinguir a mesma de outras, ao não conhecermos nada

de árvores não saberemos distingui-la. A árvore continuará

a ser o que é e nós ficaremos distantes de classificá-la e

nomeá-la ao não conhecermos pela experiência” (KANT,

2003).

Assim, se um pequeno trecho da Avenida possui arborização densa,

aglomerada e relevante como patrimônio, mas exótica do ponto de vista

biológico, outros canteiros podem utilizar o recurso das aglomerações arbóreas

como pretexto ao resgate do bioma natural do cerrado e da educação

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ambiental numa Avenida que pode ser assumida como grande, extenso e

central parque linear urbano, cujos canteiros corporificam os veios e cursos da

paisagem urbana campograndense.

6.1.7. Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código

Financiamento 001. A autora também agradece a Universidade Federal de

Mato Grosso do Sul – UFMS, a Universidade Anhanguera UNIDERP -

Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal e a

Universidade Católica Dom Bosco – UCDB.

6.1.8. Referências Bibliográficas

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6.2. Artigo II - DIMENSÃO TERRITORIAL E IMPACTO AMBIENTAL:

AVENIDA AFONSO PENA E SUBSISTEMA SOCIOECONÔMICO

Victoria Mauricio Delvizio

6.2.1. Resumo

O processo de urbanização acompanha o homem ao longo da história e

trazendo transformações na produção/consumo do espaço da cidade. O

subsistema socioeconômico apresenta-se como ponto de partida para análise e

compreensão da realidade urbana que se transforma constantemente. A

Avenida Afonso Pena (AP), em Campo Grande/MS, se faz presente na

paisagem urbana, estruturando a cidade economicamente e funcionalmente.

Desde 2009, através do processo de Tombamento Municipal (Processo no.

27405/2009–51/Decreto no. 11.600, de 17/08/2011) de seus canteiros centrais,

com novas dinâmicas e arranjos espaciais do território urbano, que refletem

transformações socioeconômicas de usos e funções urbanas. O objetivo deste

trabalho foi analisar o subsistema socioeconômico e urbanístico relacionado à

gestão no tempo e no espaço territorial da Avenida Afonso Pena que explicam

o seu fenômeno de ocupação e uso do solo. Os procedimentos metodológicos

partem do modelo teórico-conceitual GTP (geossistema-território-paisagem),

sendo aplicados em área de entorno de 10km². Foram utilizadas fontes

primárias e secundárias, como documentais e historiográficas. Foram cruzadas

informações contidas nos Perfis Sócios Econômicos Municipais (PLANURB) e

descrições de Planos Urbanos previstos, desenvolvidos e/ou (não) executados

na trajetória espacial da AP, destacando-se variedade de usos (residencial,

comercial, institucional, lazer), densidades, fluxos econômicos e viários, limites.

Como resultados verifica-se gradiente de densidade, uso e gabarito que

decresce da porção central em direção aos extremos; afirma-se expressão

histórica e ocupação em seus fluxos e limites; seu potencial para atração

turística, referência patrimonial e paisagística confirmam que o impacto

ambiental do tombamento dos canteiros ultrapassa a dimensão física-territorial.

No caso da AP, compreende-se que não basta entender a dinâmica da

paisagem para preservá-la; é preciso usá-la, apropriar-se dela, do ponto de

vista econômico, social e cultural.

Palavras-chave: Paisagem Urbana, Patrimônio Cultural, Valor Econômico.

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6.2.2. Abstract

The process of urbanization accompanies man throughout history and brings

with it transformations in the production/consumption of the city's space.

Socioeconomic characteristics present themselves as a starting point for

analysis and understanding of the urban reality that is constantly changing.

Avenida Afonso Pena (AP), in Campo Grande/MS, is present in the urban

landscape, structuring the city economically and functionally. Since 2009,

Tombamento Municipal (Process no. 27405/2009-51/ Decree no. 11.600, of

08/17/2011) has been undergoing its central construction, with new dynamics

and spatial arrangements of the urban territory that reflect socioeconomic

transformation of uses and urban functions. The objective was to analyze

socioeconomic and urbanistic characteristics related to management in the

territorial time-space of the AP that explain its phenomenon of occupation and

land use. The methodological procedures depart from the theoretical-

conceptual model GTP (geosystem-territory-landscape), being applied in an

area of around 10km². Primari and secondari sources were used, as well as

documental and historiographic sources. The information contained in the

Municipal Economic Profiles (PLANURB) and descriptions of planned Urban

Plans, developed and/or (not) executed in the AP space trajectory, were cross-

referenced, highlighting a variety of uses (residential, commercial, institutional,

leisure), economic and road flows, limits. As results, a density, use and

feedback gradient that decreases from the central portion towards the ends is

verified; historical expression and occupation are affirmed in their flows and

limits; its potential for tourist attraction, patrimonial reference and landscaping

confirm that the environmental impact of the tipping of the beds exceeds the

physical-territorial dimension. In the case of PA, we understand that it is not

enough to understand the dynamics of the landscape to preserve it; it must be

used, appropriate from the economic, social and cultural point of view.

Keywords: Urban Landscape, Cultural Patrimony, Economic Value.

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6.2.3. Introdução

O processo de urbanização acompanha o homem ao longo da história e

se intensifica a partir do final do século XIX com o advento da industrialização.

Este processo trouxe transformações na produção e consumo do espaço da

cidade (CASTELLS, 1983).

Já no século XX, durante muitas décadas, ocorreu forte processo de

migração do campo para as cidades, que favoreceu também muitas das

causas dos atuais problemas que envolvem a questão urbana (GOUVÊA,

2012) e por outro lado favoreceu o processo de industrialização.

Neste cenário à evolução tecnológica culminou com o processo de

industrialização e, por conseguinte, na divisão do trabalho. O espaço urbano foi

contagiado dessa estratégia de divisão, tornando-se zoneado, segundo um uso

específico. Inicia-se, assim, um processo de fragmentação, tanto do espaço

urbano físico em si, como da produção, consumo, uso e apreensão que o

homem faz do mesmo. Desta maneira, “(...) as pessoas perdem o

conhecimento integral de suas fisionomias, de suas paisagens (...)” (COLIN,

2000, p.94).

Assim como JACOBS (2000), considera-se que a fragmentação da

paisagem urbana não fortalece a diversidade socioeconômica. “Para

compreender as cidades, precisamos admitir de imediato, como fenômeno

fundamental, as combinações ou as misturas de usos, não os usos separados”

(JACOBS, 2000, p.158). É justamente essa sobreposição que possibilita a real

compreensão do fenômeno complexo da cidade. “A diversidade implica maior

flexibilidade e adequação às mudanças, o que torna a economia menos

vulnerável” (LIMA et al., 2015, p.301).

Também nesse sentido de diversidade, PARK (1916 apud VELHO,

1979) acredita na variedade de usos, tempos e espaços, que é essa atração

que a metrópole exerce. MURET (1987 apud ROMERO, 2001) também

compartilha desse pensamento quando reforça que “os espaços exteriores

urbanos podem corresponder aos espaços livres, isto é, disponíveis para todos,

simples ou adaptados a múltiplas funções” (MURET, 1987 apud ROMERO,

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2001, p.33), conjugando ambiências13 (AUGOYARD, 2004) e territórios

diferentes sob uma paisagem única.

Este não é um fenômeno exclusivo a uma ou outra cidade, mas

recorrente em diversos agrupamentos humanos urbanos no mundo.

Particularmente, nas capitais brasileiras, os centros das cidades se colocam

como um espaço que pouco a pouco tem perdido a força econômica e social e

passam por um processo de degradação das áreas centrais (REZENDE, 1982).

Características estas também descritas para outras cidades grandes e médias

no Brasil e no mundo (SANTOS, 1980).

O esvaziamento das regiões centrais das cidades é fruto do surgimento

de outros centros de atração de negócios e de lazer que provoca perda das

principais funções de sintetizador do desenvolvimento e da vida urbana, como

consequência ocorre o empobrecimento gradativo das áreas centrais e o

direcionamento dos investimentos para outros pontos da cidade (WILHEIM,

1969).

Neste contexto, as características socioeconômicas se apresentam

como importante ponto de partida para análise e compreensão de realidade

urbana específica que se transforma constantemente:

“Esse empobrecimento não afeta apenas o centro, tendo

em vista que a cidade passa a contar com uma área

privilegiada em termos de serviços e localização, porém

subutilizada. Também do ponto de vista cultural e social,

esse desperdício gera um enfraquecimento nos aspectos

que particularizam a cidade e que são afetos à sua história,

pois é no centro que se concentra grande parte dos

edifícios que, em função do tempo, constituem um

patrimônio com potencialidades para o Tombamento e que

contam a história da ocupação urbana.” (PLANURB, 2009,

on line)

13 Etimologicamente, tem origem e deriva do francês ‘ambience’, designando espaço que, em termos físicos, estéticos e psicológicos, é próprio para realização de atividades humanas, considerando conjunto de condições morais, intelectuais ou sociais que cercam uma pessoa e que podem influenciar sua vida.

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Particularmente, em Campo Grande, capital do estado brasileiro de Mato

Grosso do Sul, o centro da cidade se coloca como espaço que pouco a pouco

tem perdido a força econômica e social de outrora e passa por processo de

degradação da área central (ARRUDA, 2006).

No cerne da região urbana do Centro, há estrutura urbana que perpassa

toda a dimensão espacial e temporal – a Avenida Afonso Pena (AP). Eixo

central de desenvolvimento urbano de Campo Grande, a Grande Avenida - que

foi assim intitulada por MACHADO (2000), em sua publicação homônima -, ela

se faz presente na paisagem urbana, estruturando a cidade tanto

economicamente quanto funcionalmente.

Campo Grande, fundada em 21 de Junho de 1872, emancipada em 26

de Agosto de 1899, sendo capital do Estado de Mato Grosso do Sul desde 11

de Outubro de 1977, constitui-se hoje em uma das mais importantes cidades

da região Centro-Oeste do Brasil. Ocupa importante posição no âmbito

nacional e já alcança 786.797 habitantes, de acordo com o Censo 2010/IBGE

(PLANURB, 2016).

O sítio natural onde surgiu Campo Grande (CGR) determina fortemente

a configuração atual da cidade. Foi grande facilitador da sua ocupação, tendo

em vista suas características praticamente planas, com suaves ondulações e

baixa declividade. Desse modo, mostrou-se plausível ordenação central, onde

ainda remanesce o traçado ortogonal, originário do modelo de tabuleiro de

xadrez de onde partem as vias de acesso e insere-se a avenida de estudo, a

Afonso Pena (ARRUDA, 2002).

Devido à formação urbana sempre vinculada à vocação de rota

comercial e migratória, Campo Grande foi se estabelecendo como localidade

predominantemente comercial e de prestação de serviços. Nesse ínterim, a Av.

Afonso Pena foi se consolidando como eixo estruturante no desenho da cidade,

ao mesmo tempo em que passou a desempenhar papel atrativo para edifícios e

estabelecimentos que visavam notoriedade. Por isso, o caso da Av. Afonso

Pena se torna relevante de ser introduzido no tipo de análise ambiental da

paisagem articulada sob a ótica do geossistema, do território e da cultura

(GTP).

Diante dessas características, a Av. Afonso Pena apresenta-se como

espaço urbano rico em situações de uso, com dinâmica variada, ao que se

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soma carga histórica e presença forte na paisagem da cidade em que está

inserida. Essa análise empírica fornece pistas de que diferentes relações

socioeconômicas acontecem.

A problemática em questão abrange, então, a dinâmica de arranjos

espaciais do território urbano da Avenida Afonso Pena que reflete o processo

de transformação socioeconômica na trajetória histórica da Avenida, assim

como seus usos e funções urbanas.

Assim, o objetivo neste trabalho é analisar o subsistema socioeconômico

e urbanístico relacionado à gestão no tempo e no espaço territorial da Avenida

Afonso Pena que explicam o seu fenômeno de ocupação e uso do solo.

6.2.4. Material e Métodos

Sob base conceitual apresentada pelo sistema GTP e tomando a

Paisagem urbana como manifestação do espaço, do Geossistema, do Território

e da cultura, passível de ser descrita e relacionada a transformações, foi

importante estabelecer recorte espacial urbano limitado, porém, diretamente

relacionado com a avenida objeto de estudo.

Esta pesquisa envolve a extensão da Avenida Afonso Pena, localizada

na cidade de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul (Figura 1).

Figura 1. Mapas de localização: Brasil, Mato Grosso do Sul, Campo Grande,

recorte de estudo, Av. Afonso Pena e entorno. Fonte: A autora (2017).

Os procedimentos metodológicos desta pesquisa foram aplicados em

área de aproximadamente 10km² (Figura 2), referente a retângulo que abarca

aproximadamente raio de 500m a partir da Avenida Afonso Pena, tomando

como referências importantes as avenidas paralelas, Av. Mato Grosso e Av.

Fernando Correa da Costa, e áreas extremas, Parque dos Poderes e Praça

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Newton Cavalcanti, englobando também elementos chaves (Apêndice – Mapa

Chave), tais como edifícios e monumentos do centro da cidade, Parque das

Nações Indígenas, dentre outros.

Figura 2. Área de recorte do objeto de estudo, Av. Afonso Pena e entorno,

CGR/MS. Fonte: Adaptado de Google Earth (2017).

Este recorte, além de englobar a área definida para o tombamento dos

canteiros centrais, também inclui toda a extensão da AP e seus bairros14

lindeiros, definidos pelas avenidas, parque e praça que definiram os limites

deste recorte de estudo.

Com foco na dimensão do Território e para atender o objetivo, buscou-se

identificar fatos históricos relevantes da Avenida Afonso Pena, que acarretaram

nessa atual configuração territorial, por meio de levantamento bibliográfico.

Para tal levantamento, foram utilizadas fontes primárias e secundárias,

como documentais e historiográficas. Em torno da complexidade do meio

ambiente urbano, os procedimentos, em síntese, voltaram-se à caracterização

socioeconômica e urbanística da paisagem da Avenida Afonso Pena, de modo

a captar visão do global para o particular, tanto da distinta rua quando da

cidade em que se insere.

Para analisar este subsistema socioeconômico e urbanístico foram

cruzadas informações e dados obtidos através dos órgãos públicos

responsáveis, contidos nos Perfis Sócios Econômicos Municipais (PLANURB) e

descrições dos Planos Urbanos previstos, desenvolvidos e/ou (não)

14 “são áreas pertencentes às Regiões Urbanas organizadas para qualificar as condições de trabalho, circulação, recreação, moradia e as relações de cooperação em todos os tipos de atividades de vizinhança” (LOUOS/DIOGRANDE, 2012, p.01).

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executados na trajetória espacial da Avenida Afonso Pena, destacando-se a

variedade de usos espaciais (residencial, comercial, institucional, lazer, etc.),

densidades espaciais, fluxos econômicos e viários, limites de subunidades, etc.

Assim, os procedimentos metodológicos foram definidos e coletados da

seguinte maneira:

• Levantamento Físico e Cadastral: base espacial da avenida definida por

meio dos bairros lindeiros e suas dimensões espaciais – extensão, área

urbana, densidade demográfica – que estabelecem suporte físico-quantitativo

do recorte de estudo, com referência em PLANURB (2016), SISGRAN/PMCG

(2017), IBGE (2017);

• Aspectos Censitários: base social da avenida definida por meio dos

bairros lindeiros e suas dimensões humanas – população residente,

distribuição populacional, domicílios particulares permanentes, média de

moradores por domicílio, populações masculina e feminina residentes, idade

média populacional residente – que estabelecem suporte geográfico-qualitativo

do recorte de estudo, com referência em PLANURB (2016), SISGRAN/PMCG

(2017), IBGE (2017);

• História e Ocupação do Território: base documental da avenida definida

por meio dos bairros lindeiros e seus marcos de desenvolvimento urbano –

origem, expansão, usos, caráter socioeconômico – que estabelecem suporte

historiográfico-qualitativo do recorte de estudo, com referência em ARRUDA

(1997, 2001 e 2002), MACHADO (2000), OLIVEIRA NETO (1999), ARCA

(2017);

• Estrutura Fundiária: base legal da avenida definida por meio dos bairros

lindeiros e seus indicadores de desenvolvimento urbano – zonas15 e

corredores16 urbanos, categorias de uso17, macrozonas, relação fundo-figura,

gabaritos – que estabelecem suporte edilício-quantitativo do recorte de estudo,

com referência em LOUOS/DIOGRANDE (2012) e SISGRAN/PMCG (2017).

15 “porções em que se divide a área urbana do território municipal estabelecidas por Lei, para as quais são atribuídos

diferencialmente critérios e restrições de ocupação do solo visando ao seu ordenamento geral.” (LOUOS/DIOGRANDE, 2012, p.02). 16 “vias criadas para otimizar o desempenho do sistema de transporte urbano, cujos lotes lindeiros se caracterizam por oferecer um maior grau de permissividade dos índices urbanísticos e categorias de usos em relação às zonas a que pertencem” (LOUOS/DIOGRANDE,

2012, p.01). 17 “agrupamento de atividades classificadas em função do porte e da abrangência urbanística” (LOUOS/DIOGRANDE, 2012, p.01).

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Em especial, os índices urbanísticos18, a saber: Taxa de Ocupação (TO:

relação entre área ocupada (AO) e área do terreno (AT), onde TO = AO/AT),

Taxa de Permeabilidade (TP: relação percentual entre área do terreno livre

para infiltração das águas pluviais e área total do lote ou gleba), Coeficiente de

Aproveitamento (CA: relação entre área construída (AC) e área do terreno (AT),

onde CA = AC/AT) e Índice de Elevação (IE: relação entre área construída (AC)

e área ocupada (AO) de uma edificação: IE = AC/AO), todos assim definidos

pela LOUOS/DIOGRANDE (2012), foram chave de leitura para a relação entre

densidade edilícia e potencial de uso na avenida;

• Fluxos, Limites e Hierarquização Viária: base dinâmica da avenida

definida por meio dos seus bairros lindeiros e suas relações de acessibilidade-

entre elementos morfológicos (calçadas e canteiros) e sujeitos espaciais

(pedestres e automóveis) – que estabelecem suporte temporal-qualitativo do

recorte de estudo, com referência em PLANURB (2006 e 2016),

LOUOS/DIOGRANDE (2012);

• Patrimônio e Valor Socioeconômico: a combinação analítica destes

critérios da avenida proporcionou caracterizar e relacionar, com referência em

CAMARGO (1986), ARRUDA (2002), DELGADO (2005), PLANURB (2015). Os

dados foram compilados em percentuais (absolutos e relativos) e organizados

em gráficos, tabelas e mapas, de modo a melhor representar as dinâmicas

territoriais materializadas na Avenida Afonso Pena.

Deste modo, o subsistema socioeconômico da Paisagem da Avenida

Afonso Pena tive origem nos dados de censos demográficos aliados aos

fatores territoriais do ambiente. Todos os dados levantados e resultados

apresentados a seguir foram feitos segundo o critério de se respeitar a

sequência espacial de bairros ao longo da Avenida Afonso Pena. Isto é, nem

sempre as informações de gráficos e tabelas estão em ordem crescente ou

decrescente, mas sim, em ordem física e espacial como se apresenta o objeto

em estudo.

Estas informações possibilitaram entender aspectos essenciais do

processo de desenvolvimento econômico conjugado à crescente aglomeração

urbana, pois, “à medida que uma região cresce e se desenvolve

18 “constituem os instrumentos normativos com que se definem os modelos de assentamento urbano em função da

densidade populacional e edilícia desejável para determinada zona ou corredor” (LOUOS/DIOGRANDE, 2012, p.02).

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transformações ocorrem em suas estruturas socioeconômicas (...)” (LIMA et al.,

2015, p.322). Isso significa entender que o próprio espaço e a história se

apresentam como categorias importantes para a descrição deste subsistema

socioeconômico da avenida, que aqui é tomada não só como o ambiente em

que indivíduos estão inseridos, mas o personagem principal em si mesmo.

A metodologia de pesquisa atendeu às demandas de pesquisa,

possibilitando o alcance dos objetivos traçados, pois “o pesquisador deve se

utilizar de interpretação histórica, análise das condições materiais e imateriais

do lugar, sensibilizando consciências, de modo a despertar latências ainda não

reveladas” (LE BOURLEGAT, 2000, p.19).

6.2.5. Resultados e Discussão

6.2.5.1. Levantamento Físico e Cadastral

A Avenida Afonso Pena atravessa 02 (duas) Regiões Urbanas, do

Centro e do Prosa da cidade de Campo Grande, MS, e corta 06 (seis) Bairros:

Amambaí, Centro, Jardim dos Estados, Chácara Cachoeira, Santa Fé e

Veraneio (Figura 3).

Figura 3. Mapa da Av. Afonso Pena e Bairros da área de entorno, CGR/MS.

Fonte: Adaptado de Sisgran/PMCG (2017).

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Sua extensão total é de 7.759,55m de comprimento. Cada um destes

bairros interage com trechos proporcionalmente regulares da avenida que os

atravessa (Tabela 1).

Tabela 1. Extensão total por bairros da Avenida Afonso Pena, Campo

Grande/MS

Bairros/AP Extensão

(m) %

Amambaí 1.585,14 20,43 Centro 1.410,44 18,18

Jardim dos Estados 1.750,41 22,56 Santa Fé

Chácara Cachoeira Veraneio

3.013,56 38,84

Avenida Afonso Pena (AP) 7.759,55 100,00

Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).

O conjunto unificado dos bairros Santa Fé, Chácara Cachoeira e

Veraneio representa a maior porção, em extensão, de contato direto com a

avenida, enquanto que o bairro do Centro representa a menor porção de

extensão de contato direto (Figura 4).

Figura 4. Representação da extensão total e por bairros da Av. Afonso Pena,

CGR/MS. Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/IBGE (2010).

Esta relação com os bairros implica em observar também que a Avenida

Afonso Pena estabelece relação de influência sobre cada um deles e vice-

versa (Figura 5). Em termos de área, o bairro que mais se destaca nesta

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relação de influência, é o Veraneio, compreensível pela presença dos Parques

dos Poderes e das Nações Indígenas. Em contraposição, o bairro que menos

impacta esta relação, em termos de área, é o bairro do Jardim dos Estados.

Em relação ao perímetro urbano de Campo Grande, esta área de recorte de

estudo, que engloba a Avenida Afonso Pena e seus bairros de influência direta,

representa muito pouco da superfície urbana (Tabela 2).

Figura 5. Representação da Influência de Área Urbana nos Bairros de Entorno

e Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE

(2010).

Tabela 2. Influência e Extensão de Área Urbana por bairros da Avenida Afonso

Pena, Campo Grande/MS

Bairros/AP/CGR Extensão Área Urbana

(ha) %

Campo Grande (CGR) 35.903,53 100,00 Amambaí 254,29 0,71

Centro 291,45 0,81 Jardim dos Estados 168,90 0,47

Santa Fé 149,65 0,42 Chácara Cachoeira 341,41 0,95

Veraneio 919,39 2,56 Avenida Afonso Pena (AP) 2.125,09 5,92

Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).

Em relação a questão da densidade demográfica, é curioso notar que os

bairros que possuem maior contato com a AP, seja por extensão ou área de

influência, não correspondem exatamente àqueles mais adensados (Figura 6).

O bairro que apresenta maior densidade demográfica é o do Centro, enquanto

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que o Veraneio apresenta a menor. Em relação à densidade média de Campo

Grande, cada um destes bairros fica muito abaixo da realidade campo-

grandense.

Figura 6. Distribuição da Densidade Demográfica (hab./km²) da Av. Afonso

Pena, CGR/MS. Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).

Em relação às áreas urbanas a que pertence a Avenida Afonso Pena,

também é perceptível o fato de que mesmo sendo o centro geométrico espacial

da cidade de Campo Grande, nenhum dos bairros que margeiam a avenida

atingem densidades demográficas acima de 50 hab./ha (Figura 7).

Figura 7. Densidade Demográfica por Bairro (hab./ha) da Av. Afonso Pena,

CGR/MS. Fonte: Adaptado de Sisgran/PMCG (2017).

Isso se explica, pois, “assim como ocorre na maioria das capitais

brasileiras, o centro de Campo Grande apresenta tendência de esvaziamento

demográfico e envelhecimento paulatino da população” (ORGANURA, 2009a,

p.91). Isto justifica-se pelo processo capitalista de produção e reprodução

urbana, da especulação imobiliária, quando a terra “passa a ser um ‘produto

rentável’, de restrito acesso, torna-se um investimento” (BRITO e CALIXTO,

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2005, p.2458). Assim, o potencial econômico e social, são afetados por este

processo de esvaziamento, “refletindo na subutilização das edificações,

migração para outras áreas e presença de atividades marginais nos períodos

noturnos” (ORGANURA, 2009b, p.98).

Se Campo Grande já apresenta densidade urbana média baixa, a

Avenida Afonso Pena, então, ilustra em termos mais críticos ainda baixo

aproveitamento do solo urbano em termos da relação entre a disponibilidade e

ocupação da terra urbana para a principal função urbana que representa a

fixação humana e a dinâmica cotidiana dos fluxos e permanências – a atividade

residencial. Este relato da AP se assemelha com outras localidades no interior

do estado de MS, como no caso da cidade de Dourados, onde essa “possui

uma significativa quantidade de imóveis desocupados, muitos deles em áreas

bem servidas de infraestrutura” (BRITO e CALIXTO, 2005, p.2462).

A disparidade na relação entre extensão, área de influência e densidade

demográfica acabou também se revelando em outras formas de análise da

avenida em estudo, como os mapas de Gabarito, Uso e Ocupação e Fundo-

Figura, apresentados adiante. A partir deste levantamento físico e cadastral do

objeto de estudo e área de entorno, entende-se que as características

relacionadas aos bairros adjacentes (extensão, área de influência, densidade

demográfica) revelam apenas parte das complexas e singulares dinâmicas

socioeconômicas que envolvem a Avenida Afonso Pena.

6.2.5.2. Aspectos Censitários

Em relação aos aspectos censitários, pôde-se confrontar a extensão da

Avenida Afonso Pena com os bairros que permeia e influencia diretamente, de

acordo com os dados compilados do Perfil Sócio Econômico de Campo Grande

(PLANURB, 2016), cuja base se dá no Censo Demográfico do IBGE (2010),

bem como dos disponibilizados pelo SISGRAN (2016), como se apresenta a

seguir.

Quanto à População Residente, a AP corta bairros que representam

porção muito pequena do total da população campo-grandense (Figura 8),

como já observado no Levantamento Físico e Cadastral.

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Figura 8. Distribuição da População Residente nos Bairros da Av. Afonso

Pena, CGR/MS. Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).

Destes bairros da área de entorno em estudo, o Centro é o que

apresenta maior população residente, e o Jardim dos Estados, a menor (Tabela

3), o que confirma e origina as relações estabelecidas anteriormente a partir da

leitura da densidade demográfica.

Tabela 3. População Residente por bairros da Av. Afonso Pena, Campo

Grande/MS

Bairros/AP/CGR População Residente

(unid.) %

Campo Grande (CGR) 786.797 100,00 Amambaí 8.190 1,04

Centro 11.509 1,46 Jardim dos Estados 3.655 0,46

Santa Fé 5.127 0,65 Chácara Cachoeira 6,458 0,82

Veraneio 7.385 0,94

Avenida Afonso Pena (AP) 42.324 5,38

Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).

Estas análises estão diretamente ligadas com o cenário das Regiões

Urbanas as quais pertence a Avenida Afonso Pena e sua área de entorno de

estudo. Tanto a região do Centro quanto a do Prosa estão entre aquelas de

Campo Grande que, em grande parte, abrigam bairros que não ultrapassam a

distribuição populacional de 15.000 habitantes (Figura 9).

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Figura 9. Distribuição Populacional – Campo Grande/MS, Av. Afonso Pena e

Bairros. Fonte: Adaptado de Sisgran/PMCG (2017).

Isto significa tratar de estrutura de área urbanas que, apesar da

centralidade espacial no contexto do perímetro urbano, não concentram nem

absorvem a atividade socioeconômica da moradia, retrato próximo da realidade

urbana brasileira, na qual “(...) aproximadamente a metade ou mais do espaço

urbano brasileiro, nas médias e grandes cidades, está vazio (...)” (CAMPOS

FILHO, 1992 apud BRITO e CALIXTO, 2005, p.2465).

Desta reduzida parcela populacional permanentemente residente nos

bairros adjacentes à avenida e que pode manter contato físico e direto com ela,

sem grande dependência dos meios de acesso e modais, tem-se que o Centro,

mais uma vez, possui o maior quantitativo, enquanto o Jardim dos Estados

aparece com menor quantitativo (Tabela 4).

Tabela 4. Número de domicílios Particulares Permanentes por bairros da Av.

Afonso Pena, Campo Grande/MS

Bairros/AP/CGR Domicílios Particulares Permanentes

(unid.) %

Campo Grande (CGR) 249.800 100,00 Amambaí 3.095 1,24

Centro 5.592 2,24 Jardim dos Estados 1.541 0,62

Santa Fé 1.964 0,79 Chácara Cachoeira 2.611 1,05

Veraneio 2.525 1,01 Avenida Afonso Pena (AP) 17.328 6,94

Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).

Novamente, em se tratando da comparação com o universo campo-

grandense, a Avenida Afonso Pena e sua área de entorno representam parcela

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bem limitada dos domicílios particulares permanentes da cidade (Figura 10).

Isso reflete “(...) problemas que são comuns às cidades de médio porte,

considerando que ocorre também um excessivo crescimento horizontal,

ocasionando inúmeras consequências, dentre elas, o ‘déficit’ de moradias (...)”

(BRITO e CALIXTO, 2005, p.2465).

Figura 10. Distribuição dos Domicílios Particulares Permanentes – Campo

Grande/MS, Av. Afonso Pena e Bairros. Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/

IBGE (2010).

As regiões urbanas que contém a Avenida Afonso Pena refletem esse

baixo índice de existência de domicílios particulares permanentes. O raio

imediato de contato da avenida a partir dos bairros lindeiros não ultrapassa a

marca de 5.000 domicílios (Figura 11).

Figura 11. Domicílios particulares permanentes (exclusivos por habitação) por

Bairro – Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: Adaptado de Sisgran/PMCG

(2017).

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Mesmo com distribuição bem distinta entre os bairros no que diz respeito

à população residente e aos domicílios particulares permanentes, a média de

moradores por cada um destes domicílio se apresenta bem próxima e pouco

variável (Figura 12). Destaca-se, em comparação à média campo-grandense, o

bairro Veraneio, com a maior média. Em oposto, o Centro é o bairro que mais

se distancia desta média.

Figura 12. Média Moradores por Domicílio – Campo Grande/MS, Av. Afonso

Pena e Bairros. Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).

Dentro desta população residente, há a verificação da distribuição no

que se refere à população masculina e feminina. Observa-se que há

distribuição bem igualitária para cada um destes universos nos bairros da

Avenida Afonso Pena (Tabela 5 e Tabela 6).

Tabela 5. População Masculina Residente por bairros da Av. Afonso Pena,

Campo Grande/MS

Bairros/AP/CGR População Masculina Residente

(unid.) %

Campo Grande (CGR) 381.333 100,00 Amambaí 3.860 1,01

Centro 4.984 1,31 Jardim dos Estados 1.710 0,45

Santa Fé 2.372 0,62 Chácara Cachoeira 3.035 0,80

Veraneio 3.598 0,94 Avenida Afonso Pena (AP) 19.559 5,13

Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).

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Tabela 6. População Feminina Residente por bairros da AP, CGR/MS

Bairros/AP/CGR População Feminina Residente

(unid.) %

Campo Grande (CGR) 405.464 100,00 Amambaí 4.330 1,07

Centro 6.525 1,61 Jardim dos Estados 1.945 0,48

Santa Fé 2.755 0,68 Chácara Cachoeira 3.420 0,84

Veraneio 3.787 0,93 Avenida Afonso Pena (AP) 22.762 5,61

Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).

Considerando esta distribuição da população residente masculina e

feminina no universa da cidade de Campo Grande, esta mesma relação de

equilíbrio se apresenta (Figura 13 e Figura 14).

Figura 13. Distribuição da População Masculina Residente – CGR/MS, Av.

Afonso Pena e Bairros. Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).

Figura 14. Distribuição da População Feminina Residente – CGR/MS, Av.

Afonso Pena e Bairros. Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).

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No que se refere à idade média da população residente na Avenida

Afonso Pena e bairros de entorno já se nota variabilidade (Figura 15). Em

comparação à média campo-grandense, o Centro reúne população com idade

média entre 40-50 anos, enquanto que o bairro Veraneio, população com idade

média entre 20-30 anos.

Figura 15. Idade Média da População Residente – Campo Grande/MS, Av.

Afonso Pena e Bairros. Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).

Em relação às regiões urbanas de pertencimento, mais da metade da

extensão da AP reune e concentra população acima da faixa etária de 40 anos

(Figura 16).

Figura 16. Idade Média por Bairro – Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte:

Adaptado de Sisgran/PMCG (2017).

Pode-se indicar, até aqui, que a Avenida Afonso Pena e sua área de

entorno, em termos absolutos, agrupa população significativa. Mas o mesmo

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não acontece em termos relativos, quando compara-se seus indicativos ao

universo urbano demográfico de Campo Grande. Ou seja, fala-se de estrutura

e área urbanas que concentram pequena parcela residente, sendo que esta

mesma parcela tende a ser ainda uma população economicamente ativa.

A combinação entre população residente (total, masculina e feminina),

distribuição populacional, domicílios particulares permanentes, média de

moradores por domicílio e idade média dos residentes sugere compreender a

Avenida Afonso Pena como uma paisagem bem equilibrada do ponto de vista

populacional, mas que pouco absorve o potencial de força de trabalho

produtora e consumidora das atividades econômicas incidentes sobre o espaço

urbano, principalmente a residencial, bem como as de uso coletivo e comum.

6.2.5.3. História e Ocupação do Território

À exemplo dos projetos urbanísticos sanitaristas em cidades brasileiras,

importados da Europa do final do século XIX, em 1909, Campo Grande

implantou o Plano de Alinhamento de Ruas e Praças. Este documento

instaurava a organização urbana, por meio do desenho urbano, como um dos

grandes vetores de desenvolvimento local e regional, como se descreve:

“A sociedade desejada pelos positivistas, modelo evidente

na organização deste documento, previa uma organização

urbana moderna, a partir de funções definidas. Localidades

urbanas deveriam articular entre si de forma ágil, através

de ruas retilíneas em direção ao centro urbano. Neste

contexto, Nilo Javari Barém propôs o assentamento urbano

no espigão divisor entre os dois principais córregos

existentes, o Segredo e o Prosa, formadores do Rio

Anhanduí, de modo a ocupar as formas tubulares desses

terrenos. O desenho apresentava um plano ortogonal, em

xadrez, com ruas largas (sentido leste-oeste). As principais

ruas foram consideradas as estabelecidas de Sul a Norte,

tendo como eixo central a Marechal Hermes (atual Av.

Afonso Pena). Ao longo da avenida central foi projetada a

implantação de duas praças públicas, considerando-se a

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Praça da República (atua Praça do Rádio Clube) como a

principal, em torno da qual deveria se constituir o centro da

futura cidade” (LE BOURLEGAT, 2009).

Dele se originou o projeto da Avenida Afonso Pena (Figura 17), baseado

no ordenamento das áreas públicas e do crescimento da cidade,

estabelecendo, definitivamente, o modo urbano de viver. “A regularidade da

malha urbana, usando a trama ortogonal, com uma grande avenida central,

evidenciava a utilização de um traçado europeu das cidades do século

passado” (ARRUDA, 1997, p.03).

Figura 17. Primeiro arruamento de Campo Grande/MS – R. Afonso Pena (atual

R. 26 de Agosto) e AV. Marechal Hermes (atual Av. Afonso Pena). Fonte:

ARCA (2017).

De início, a grande avenida denominava-se Marechal Hermes. A Rua

Velha, primeira via pública da cidade às margens do córrego Prosa, era

denominada, então, Afonso Pena. Somente no ano de 1916 é que a avenida

central da vila passou a se chamar Afonso Pena19. A outra rua, que tinha o

mesmo nome, passou a ser designada 26 de Agosto (MACHADO, 2000). A

Grande Avenida foi idealizada como um ‘boulevard’, rua ou avenida larga,

geralmente ladeada de árvores, com folgada amplitude e vasta arborização.

19 O nome homenageava o então presidente que aprovou o traçado da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, beneficiando Campo Grande.

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Ela faria, segundo a previsão inicial, a ligação entre locais importantes na

cidade, à época, sendo que:

“Ela passaria a ligar o córrego Segredo, ponto urbano mais

ocidental, ao Campo de Marte, outro extremo rumo ao

oriente, passando pelos locais onde seriam construídas a

estação ferroviária e o passeio público – Praça Ari Coelho”

(OLIVEIRA NETO, 1999, p.126).

Outro fato importante ligado à configuração em malha do Plano de 1909

foi a Demarcação do Rossio de Campo Grande, em 1910, “ato equivalente ao

perímetro urbano atual” (ARRUDA, 2002, p.101), que já estabelecia as zonas

urbana, suburbana e rural, complementando as diretrizes urbanísticas do Plano

de Alinhamento anterior (Figura 18).

Figura 18. Planta do Rocio traçado por Themístocles Paes de Souza Brazil –

1910 - CGR/MS. Fonte: ARCA (2017).

Foi nesse momento de ordenamento que, em 1914, a EFNOB (Estrada

de Ferro Noroeste do Brasil) chegou e foi inaugurada na cidade. Campo

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Grande começou a se expandir “embalada pelos apitos do trem e pelo

movimento a que a mesma foi submetida após a sua chegada, ampliando

horizontes da população e remodelando as suas aspirações” (OLIVEIRA

NETO, 1999, p.53).

A implantação da Av. Afonso Pena esteve originalmente limitada pelo

terreno barrancoso e de difícil acesso nas imediações da Av. Calógeras, devido

à proximidade com o córrego Segredo. A sobreposição da linha férrea, como

decorrência, reforçou a tendência para que se estabelecesse o marco inicial da

Afonso Pena na Calógeras e sua expansão para leste (ARRUDA, 2002).

Entretanto, com o início das obras dos quartéis, em 1921, para além dos

limites da linha férrea e dos córregos Prosa e Segredo, a avenida alcançou

primeiro aumento linear no sentido oeste. Esse fato estimulou o

desenvolvimento urbano campo-grandense de modo a ultrapassar barreiras

físicas e expandir a malha urbana, envolvendo novo contingente de

residências, o hospital militar e outras estruturas atrativas (ARRUDA, 2002).

A instalação do aparato militar também acarretou nova leva de

imigrantes, resultando em consequente crescimento socioeconômico e cultural:

“Mas as atrações econômica e cultural eram evidentes.

Prosperava o comércio, com os bons negócios de gado. O

advento da ferrovia de 1914 e a instalação das forças

militares concorreram para a explosão do desenvolvimento

econômico, com o dinheiro derramado na construção dos

quartéis em 1920, quando a Vila acabava de ceder lugar à

cidade” (MACHADO, 2000, p.64).

Os sinais da modernidade se apresentavam à cidade (Figura 19).

“Vários taxistas, na época chamados choferes de praça, faziam ponto nas

proximidades da esquina da Av. Afonso Pena com a Rua 14 de Julho” (ARCA,

2017).

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Figura 19. “Fordinhos” na AP em frente ao Jardim Municipal (atual Praça Ari

Coelho) na déc. de 20 – CGR/MS. Fonte: ARCA (2017).

A fim de acomodar os militares e familiares, além dos operários

responsáveis pelas obras dos quartéis, a municipalidade decidiu projetar e

implantar um bairro como infraestrutura complementar. Dessa forma:

“Nesse plano de expansão urbana, entre os trilhos e os

quartéis militares, propostos em meados dos anos 20 e 30,

surgiram os dois novos bairros, Amambaí e Boa Vista (hoje

Vila Planalto). Os novos princípios urbanísticos foram

aplicados, tanto na projeção desses bairros, como na

estrutura de arruamento urbano até o córrego do Prosa,

prolongando-se através da avenida Afonso Pena. Como

resultado, houve um contraste na estética do traçado da

cidade, em relação ao plano de alinhamento rigidamente

ortogonal, feito anteriormente do outro lado da via férrea”

(LE BOURLEGAT, 2000, p.265-266).

Assim nasceu o Bairro Amambaí, primeiro da cidade com traçado

urbanístico caracterizado pela sinuosidade, em contraste com o restante de

Campo Grande. “Os trilhos da ferrovia marcavam o início da avenida, que se

prolongava para o nascente. Do outro lado da via férrea, o espaço sem

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habitações ganhava, mais tarde, o nome do Bairro Amambaí (...)” (MACHADO,

2000, p.18).

Nessa conjuntura histórica, a grande avenida, juntamente com a Rua

Principal, ou seja, a atual 14 de Julho (MACHADO, 2000), foram invadidas por

numerosos estabelecimentos comerciais, de serviços e lazer, efervescendo o

modo de vida urbano que Campo Grande forjava. De início, foram as

residências térreas que se apropriaram dos primeiros lotes, para depois se

elevarem a sobrados.

A partir daí as atividades comerciais passaram a ocupar o andar térreo,

resguardando o pavimento superior para moradia. A atual Morada dos Baís20,

de 1918, primeiro sobrado residencial em alvenaria na cidade, em estilo

eclético e às margens da linha férrea, quase na esquina da Av. Afonso Pena

com a Av. Calógeras, tornou-se representativa dessa época.

A sede oficial do comando militar, ao contrário dos quartéis e do Bairro

Amambaí, foi construída na área central da Av. Afonso Pena. Nela mesclavam-

se residências de figuras ilustres da cidade com serviços diversos inaugurados

em seguida (ARRUDA, 2002).

Na mesma década de 1920, foi inaugurado o Passeio Público, hoje

Praça Ari Coelho, pelo Prefeito Arlindo de Andrade. Ele também iniciou o

projeto de arborização da cidade, plantando na Afonso Pena os atuais

exemplares de figueiras (MACHADO, 2000). Originalmente, o Passeio era

ocupado pelo cemitério público da cidade. Transferido para o atual Cemitério

Santo Antônio, assegurou espaço à praça já prevista no Plano de Alinhamento

de Ruas e Praças de 1909.

Na década de 1930, Campo Grande foi marcada por diversas

realizações. Em 1933, aconteceu a inauguração de dois monumentos, ambos

na Afonso Pena, por ocasião da 1ª Feira de Amostras, precursora da atual

Expogrande, onde produtos agropecuários e industriais eram expostos e

comercializados. O primeiro monumento foi um relógio de quatro faces,

localizado no cruzamento com a Rua 14 de Julho, ponto mais central da

20 Propriedade original de Bernardo Franco Baís. Construída pelo eng. João Pandiá Calógeras. Moradia da família Baís até 1938, ano de falecimento do proprietário. Após, foi alugada, funcionando como a Pensão Pimentel. Depois, teve outros usos: comércio, escola, casa lotérica. Em 1986, o prédio foi tombado e sediou o IPHAN. Hoje, abriga Espaço SESC, com promoção cultural cotidiana.

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cidade. O segundo, foi o Obelisco21, no cruzamento com a Rua José Antônio,

em homenagem ao fundador da cidade. Cada um destes monumentos, com

características arquitetônicas e artísticas próprias, marcou a cidade e a avenida

de maneiras diferentes:

“No Obelisco (...) objetivava marcar os limites urbanos de

Campo Grande nos anos 30, quando a Av. Afonso Pena

urbanizava-se até a Rua José Antônio Pereira (...). O

relógio, (...) marcava o ponto de cruzamento das duas

principais ruas e transformou-se num marco iconográfico

da cidade. Ali foram realizadas grandes reuniões e

comícios políticos. (...) Foi demolido em 7 de agosto de

1970 (...)” (ARRUDA, 2002, p.318).

Até a implantação do Obelisco (1933), não existiam construções no

entorno. Ele representava ponto final da avenida. Porém, à frente, algumas

residências começaram a se instalar, sendo a primeira do Dr. Arthur Jorge,

homenageado, posteriormente, com a nomeação da rua que se abriu nas

proximidades da moradia (Figura 20). Adiante havia a caixa d’água municipal

(1938), na qual se armazenava e tratava a água da cidade, em terreno onde

posteriormente se localizaria o Paço Municipal (MACHADO, 2000).

Figura 20. AP e esquema de ocupação na déc. de 30 – CGR/MS. Fonte:

Adaptado de ARRUDA (2001).

21 “(...) homenagem aos fundadores da cidade, tendo em sua fachada principal um medalhão com a efígie do pioneiro José Antônio Pereira. Foi projetado pelo Engenheiro Newton Cavalcanti, então comandante da Circunscrição Militar (...)” (ARCA, 2017).

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No ano de 1950 (Figura 21), Campo Grande tinha em torno de 57.033

habitantes, contingente maior do que o da capital do Estado de Mato Grosso,

Cuiabá, com 56.204 habitantes, segundo os dados do IBGE (ARRUDA, 2002).

“A economia do município, centrada nas atividades agropecuárias, deu

condições para seu desenvolvimento urbano crescente” (ARRUDA, 2002,

p.124). Os lotes centrais valorizaram-se e edifícios de comércio, serviços e

moradias alcançaram até 06 pavimentos.

Figura 21. Vista parcial de Campo Grande/MS - ao centro, Av. Afonso Pena –

déc. de 1950. Fonte: ARCA (2017).

Os anos de 1960 intensificaram essa trajetória de dinamismo

econômico, absorvendo as imigrações vindas, principalmente, do sul do país.

Desta forma,

“Campo Grande passou a sofrer um novo processo de

desenvolvimento, com uma acentuada taxa de crescimento

populacional provocado, desta vez, pela ‘Fronteira Agrícola’

(...) que tinha na cidade de Dourados o seu principal ponto

de referência” (OLIVEIRA NETO, 1999, p.64).

Como centro urbano e polo comercial, a cidade refletiu essa

movimentação na sua organização e ocupação. “A cidade transformou-se e

urbanizou-se numa velocidade de crescimento muito grande. A imagem dos

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edifícios construídos guarda a memória do seu tempo (...) parcela significativa

do patrimônio arquitetônico (...)” (ARRUDA, 2002, p.144). Inúmeros prédios

foram erguidos, em especial de apartamentos, reflexo da influência exercida

pela construção civil e mercado imobiliário.

Na década de 1980, se deu o primeiro avanço da Avenida Afonso Pena

em direção a leste, para além do marco do Obelisco.

A construção do viaduto sobre o vale da Avenida Ceará, em 1981, ligou

partes separadas da avenida. O conjunto do Parque dos Poderes, implantado

em 1983 no extremo leste da cidade, passou a sediar a Governadoria e

Secretarias Estaduais de Mato Grosso do Sul. O projeto incluiu, também, área

de bosque nativo, criando, assim, uma reserva natural.

Esse prolongamento da avenida absorveu, primordialmente, a função de

acesso aos edifícios do centro político e administrativo do Estado. À época,

eram escassas as edificações de outra natureza quanto ao uso e ocupação

nesse trecho. Nas imediações da atual Avenida Ceará, abrangendo todo seu

vale, existia a Chácara Cachoeira. Propriedade particular, a área passaria a

abrigar loteamento de mesmo nome (1985), abrindo passagem à avenida em

direção ao Parque dos Poderes (ARRUDA, 2002).

No final de 1989, ocorreu a inauguração do Shopping Campo Grande,

localizado em área oposta ao loteamento Cachoeira. Esse fato desestabilizou a

estrutura comercial do centro antigo da cidade, atraindo muitos setores

comerciais para novo polo da cidade, mais concentrado e elitizado. O shopping

em si, também passou a exercer o papel desempenhado pela rua ao propiciar

convívio social, processo verificado não somente em Campo Grande, mas

também em outras cidades brasileiras e do mundo (ARRUDA, 2002).

A implantação do Parque das Nações Indígenas, em 1993, adjacente ao

Parque dos Poderes, fortaleceu a transferência de eventos ocorridos na região

central da avenida para o chamado ‘altos’ da Afonso Pena. Esta porção mais a

leste passou a receber os grandes acontecimentos, como comícios, shows e

outros tipos de festas de grande porte. Ao transformar-se em ponto de reunião

da população, fez a Praça Ari Coelho e a Praça do Rádio, inseridas no ponto

mais central e antigo, perderem a tradicional função de convivência social

quando da ocorrência de pequenos eventos e manifestações artísticas

(ARRUDA, 2002).

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Outro fato que contribui para o processo de descentralização promovido

pela Avenida Afonso Pena foi a implantação dos terminais urbanos de

transporte público de forma radial na cidade de Campo Grande. Isso permitiu

ao cidadão se deslocar para diversos bairros da cidade sem necessariamente

cruzar o centro antigo (ARRUDA, 2002).

Dos desenhos originais de loteamentos implantados ao longo da

extensão da Avenida Afonso Pena, resta muito pouco. Os lotes, antes

generosos, foram sendo desmembrados em parcelas menores, de modo a

atender a demanda crescente de moradias e de estabelecimentos de comércio

e serviços. O resultado foi forte adensamento construtivo, principalmente na

área central e oeste. Essa consideração, porém, não cabe para a porção mais

a leste. Devido à ocupação relativamente recente e com outro tipo de

apropriação, ainda remanescem lotes de maior porte não totalmente ocupados

(ARRUDA, 2002).

A partir deste relato histórico, em síntese (Figura 22), desenhando-se

uma linha do tempo, a configuração atual da Avenida Afonso Pena resulta

diretamente das conjecturas econômicas e históricas. Da origem do núcleo

central predominantemente residencial, hoje a porção central se destina à zona

comercial com menos intensidade que no passado.

Figura 22. Linha do tempo de ocupação – 1909-atual – Av. Afonso Pena,

CGR/MS. Fonte: A autora (2017).

A porção mais a oeste, no Amambaí, ainda preserva a função

residencial unifamiliar combinada à zona hoteleira. Na direção leste, o Jardim

dos Estados, também residencial na origem, começa a renovar suas atividades

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voltadas aos serviços, como bares, lojas e clínicas. Na porção mais extrema à

nascente, o Veraneio, Chácara Cachoeira e Santa Fé, agrupam equipamentos

urbanos de importância: administrativa, com o Parque dos Poderes; comercial,

com o Shopping Campo Grande; e, recreativa, com o Parque das Nações

Indígenas. Não por coincidência, esta última porção da expansão da avenida

ilustra a mais recente alteração, do ponto de vista imobiliário, com notáveis

verticalizações edilícias e a futura instalação do Aquário da cidade, que

reforçam e estimulam o alto valor da terra urbana.

Observando o contorno alternado de prevalência das funções sociais e

econômicas, constata-se: a) a presença relevante de ocupação por instituições

ao longo da avenida; b) o predomínio de residências no extremo oeste; c) a

concentração do comércio na zona central; d) o retorno, então, para intervalo

menos comercial, mais próximo do caráter residencial; e) o extremo leste

vocacionado para o lazer, associado aos parques urbanos. O entendimento é

de que “a oferta de serviços modernos é fundamental para explicar as

mudanças econômicas recentes, visto que a mesma tornou-se elemento

essencial para o crescimento econômico” (LIMA et al., 2015, p.305).

Ao analisar a formação e expansão da malha urbana, verifica-se que o

desenvolvimento urbano e o desenvolvimento histórico foram aliados para a

relevância da Avenida Afonso Pena no contexto local, bem como regional,

forjando características socioeconômicas consolidadas e em transformação na

paisagem urbana.

6.2.5.4. Estrutura Fundiária

Foram elaboradas diretamente análises morfológicas acerca do objeto

de estudo, pois as circunstâncias hoje apresentadas remontam diretamente

aos fatores de evolução urbana aos quais ela foi submetida ao longo dos anos.

Segundo a Lei Complementar nº. 74, de 06 de Setembro de 2005, que

dispõe sobre o Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo no Município de

Campo Grande (LOUOS), a Avenida Afonso Pena percorre quatro Zonas

Urbanas distintas (Z4, Z8, Z10, Z11) e se classifica como Corredor Urbano

(C6). O caráter de Corredor Urbano está circunstanciado no trecho situado nos

bairros Jardim dos Estados, Santa Fé, Chácara Cachoeira e Veraneio,

respectivamente. Já a distribuição das diversas Zonas Urbanas segue,

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semelhantemente, a sequência de bairros lindeiros à AP: Z4 – Santa Fé,

Chácara Cachoeira e Jardim Veraneio; Z8 – Jardim dos Estados; Z10 – Centro,

Amambaí e pequena porção do Santa Fé; Z11 – Centro (Figura 23).

Figura 23. Zonas e Corredores Urbanos – AP, CGR/MS. Fonte: Adaptado de

Sisgran/PMCG (2017).

Retomando a distribuição da extensão total da AP pelos bairros que

cruza, percebe-se que cada um deles associa-se a estas diferentes Zonas:

Amambaí e Centro – Z10 e Z11; Jardim dos Estados – Z8; Santa Fé, Chácara

Cachoeira e Veraneio – Z4, predominantemente, e Z10. Da mesma forma, o

trecho em que a avenida se condiciona como Corredor Urbano, há coincidência

entre a extensão da AP e os bairros do Jardim dos Estados, Santa Fé, Chácara

Cachoeira e Veraneio.

Esta observação é importante pois cada uma destas zonas, em função

das atividades e categorias de uso permitidas pela LOUOS, acaba por

apresentar predominância de certas atividades (Figura 24), e assim, assume

caráter específico.

Figura 24. Representação das Categorias de Uso – Zonas e Corredor – AP e

Bairros – CGR/MS. Fonte: Adaptado de Sisgran/PMCG (2017).

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A avenida Afonso Pena, em função da leitura de suas zonas, corredor,

categorias de uso e bairros apresenta grande incentivo às atividades

relacionadas ao Serviços, Comércio Varejista e Especial, que engloba grandes

empreendimentos residenciais e comerciais, obras de infraestrutura e

equipamentos urbanos. Claramente não é uma área que privilegia o Comércio

Atacadista nem a Indústria, haja visto as particularidades inerentes de cada

uma delas como vetores de desenvolvimento específicos na expansão urbana.

Em termos da categoria Residencial, todas as zonas, e por consequência,

todos os bairros da avenida, podem assumir as diferentes atividades (R1, R2,

R3). A princípio, todas elas possuem o potencial residencial de pequena, média

e grande escala. Mas, como analisou-se na Densidade Demográfica e dos

Dados Censitários, esta não é uma atividade que seja utilizada em todo seu

potencial.

Em relação aos Índices Urbanísticos (Figura 25), é fortemente aparente

o estímulo ao adensamento construtivo, quando se observa, no contexto geral

da AP, os altos valores para o Coeficiente de Aproveitamento, principalmente

para as Zonas Z10 e Z11, com grande correspondência ao bairro Centro. Vale

destacar o alto Índice de Elevação para a Z8, sobreposta ao Jardim dos

Estados, o que revela o favorecimento ao fenômeno da verticalização urbana

para área com baixa densidade e domicílios particulares permanentes, como já

mencionado nos Dados Censitários. Para a Z10 e Z11, o IE é livre assim como

a TP é facultativa (Tabela 7).

Figura 25. Representação dos Índices Urbanísticos – Zonas e Corredor – Av.

Afonso Pena e Bairros – CGR/MS. Fonte: Adaptado de Sisgran/PMCG (2017).

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Tabela 7. Índices Urbanísticos por Zonas e Corredor de bairros da Avenida

Afonso Pena, Campo Grande/MS

Índices Urbanísticos Zona

Z4 Zona

Z8 Zona Z10

Zona Z11

Corredor C6

Taxa de Ocupação (TO) 0,5 0,5 0,7 1 0,7 Taxa de Permeabilidade (TP) 0,125 0,125 0,125 0 0,125

Coeficiente de Aproveitamento (CA) 1 3 6 6 2 Índice de Elevação (IE) 2 6 0 0 3

Fonte: Adaptado de Sisgran/PMCG (2017).

De acordo com a Lei Complementar nº. 94, de 06 de Outubro de 2006,

que institui a Política de Desenvolvimento e o Plano Diretor de Campo Grande,

a Avenida Afonso Pena insere-se na Macrozona MZ1, tangencia a Zona

Especial de Interesse Ambiental ZEIA P03 e atravessa a Zona Especial de

Interesse Cultural C01 (Figura 26). A ZEIC C01 coincide com o núcleo histórico

e central da cidade, enquanto que a ZEIA P03 se sobrepõe às áreas de

preservação do Parque das Nações Indígenas e Parque dos Poderes.

Figura 26. Macrozonas – Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: Adaptado de

Sisgran/PMCG (2017).

Esses apontamentos mostram-se importantes, já que a estrutura

morfológica urbana é um dos fatores determinantes do subsistema

socioeconômico.

Dos desenhos originais de loteamentos que foram sendo implantados ao

longo de sua extensão nestes 108 anos de desenvolvimento da avenida, resta

muito pouco, pois os lotes originais, antes generosos, foram sendo

desmembrados22 em parcelas menores, de modo a se atender a demanda de

22 “desmembramento - empreendimento de parcelamento de subdivisão de gleba em lotes com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias

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moradias, comércio e serviços, o que resultou hoje em forte adensamento

construtivo, principalmente na área central e oeste, como vê-se no Mapa

Fundo-Figura (Figura 27). Essa consideração, porém, não cabe para sua

porção mais à leste, pois devido à ocupação relativamente recente e com outro

tipo de apropriação, ainda remanescem lotes de maior porte não totalmente

ocupados.

Figura 27. Mapa Fundo-Figura (espaço ocupado X espaço vazio) – Av. Afonso

Pena, CGR/MS. Fonte: A autora (2017).

Aqui vê-se como o contorno da linha da avenida é reforçado a partir da

densidade conferida pelas edificações que nela se seguem. As praças centrais,

Ari Coelho e da República, destacam-se pela quebra dessa rigidez formal do

espaço, da mesma forma que os parques, das Nações Indígenas e dos

Poderes, tornam-se refúgio visual, não só pela posição topográfica elevada,

mas também pela rarefação das edificações adensadas.

De início, foram as residências térreas que se apropriaram dos primeiros

lotes, para depois se elevarem a sobrados. A partir daí atividades comerciais

passaram a ocupar o andar térreo, resguardando o pavimento superior para

moradia.

Hoje, são praticamente inexistentes os exemplares remanescentes das

décadas de 1920 e 1930 do século passado; quando muito, os poucos

sobrados remanescentes das décadas ‘Art Déco’ (1940-1950) têm seus

espaços internos e fachadas adaptados à realidade atual. Muitos desses

exemplares arquitetônicos foram se perdendo no tempo, pela questão das

de circulação nem no prolongamento ou ampliação das já existentes” (LOUOS/DIOGRANDE, 2012, p.01).

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atribuições de novos usos e especulação imobiliária, acelerando a degradação

dos edifícios, explicando a relativa nova idade dos edifícios que ocupam a AP

agora.

Os prédios contemporâneos, que são ocupados distintamente, ou por

uso residencial ou por uso comercial/serviços, se sobressaem não só pelo

grande afastamento que têm entre si e a testada da avenida, mas

principalmente pelo caráter vertical que apresentam (IE).

Através do Mapa Uso-Ocupação (Figura 28), destaca-se o contorno

alternado de prevalência das atividades socioeconômicas. De oeste à leste:

partindo de extremo mais residencial; passando por zona de alta intensidade

comercial; retornando, então, para intervalo menos comercial mais próximo do

caráter residencial; para chegar ao outro extremo com vocação de lazer,

justificada pelos parques urbanos. Vê-se ainda que há presença relevante de

instituições ao longo da avenida, reforçando caráter de notoriedade para outras

partes da cidade.

Figura 28. Mapa Uso-Ocupação do Solo – Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte:

A autora (2017).

O primeiro prédio campo-grandense com 02 pavimentos data de 1904, e

a partir daí a escala de Campo Grande passou apresentar além das

edificações térreas, também algumas assobradadas. Mas foi no fim da década

de 1950 que a legislação municipal aumentou o gabarito predial para 03 e 06

pavimentos, para escritórios e apartamentos, respectivamente.

Em consequência, os anos 60, também devido ao desenvolvimento

econômico, como visto anteriormente, foram marcados pelo início do processo

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de verticalização. Testemunhando toda essa evolução, pode-se dizer hoje que

a AP é uma via verticalizada, principalmente se comparada à outras avenidas

da cidade.

Porém, não se pode dizer que ela apresente esse contorno

uniformemente em toda sua extensão, como verifica-se a seguir no Mapa de

Gabaritos (Figura 29). Os mais altos edifícios concentram-se na porção central,

de modo a serem facilmente identificados, predominando ainda escala

relativamente baixa de gabarito no restante da ocupação. Assim, há gradiente,

que varia de gabarito elevado em seu ponto médio a gabarito menos elevado,

em direção às extremidades.

Figura 29. Mapa Gabaritos – Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: A autora

(2017).

Assim, sumariza-se que, à oeste, área altamente edificada, composta

por prédios de baixa ou média elevação e, em sua maioria, de uso residencial,

com destaque para os hotéis, de maior gabarito, e instituições, como igreja,

que marcam presença pela distinção formal do edifício. Na região central, alto

adensamento, inclusive com exemplares mais verticalizados, ocupados em

geral por apartamentos, em oposição aos edifícios de média altura, em sua

totalidade prestadores de serviços e de trocas comerciais. E à leste, encontra-

se área de menor densidade, principalmente pela localização de equipamento

urbano, como parque, atraindo atividades de lazer; além de ser região nova,

em termos de ocupação, é recente a especulação e crescente a ocupação por

uso residencial, com edifícios de médio a elevado gabarito. Afirma-se, então,

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que um meio ambiente territorializado como a Avenida Afonso Pena revela

marcas profundas da sua evolução por meio da sua estrutura fundiária.

6.2.5.5. Fluxos, Limites e Hierarquização Viária

Desde muito cedo na história de formação e ocupação do território

urbano de Campo Grande, “As avenidas Afonso Pena e Mato Grosso são as

principais vias de ligação entre as zonas leste e oeste, e as avenidas

Calógeras, Rui Barbosa, Ceará e Bahia são as principais no sentido norte e

sul” (PLANURB, 2016, p.194).

De acordo com MACHADO (2000, p.18), após passar por progressivos

aumentos, a Afonso Pena hoje, “começa na simpática Praça junto aos quartéis

do Exército (Praça Newton Cavalcante) e termina no majestoso Parque dos

Poderes, sede administrativa estadual, com largura de 60 metros” e tem

extensão total de 7.759,55m.

Segundo a LOUOS (DIOGRANDE, 2012, p.02), a Avenida Afonso Pena

é definida como Via Arterial (VA) – “aquela caracterizada por interseções em

nível, geralmente controlada por semáforo, com acessibilidade aos lotes

lindeiros e às vias secundárias e locais, possibilitando o trânsito entre as

regiões da cidade”.

Com caráter de via de trânsito rápido, possui ao longo de toda extensão

largura média de 33 metros, que inclui perfil com calçada, faixa de

estacionamento lateral e três pistas de rolagem, com o canteiro central

servindo como eixo de espelhamento deste esquema (Figura 30).

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Figura 30. Perfil-Esquema – elementos morfológicos da hierarquia viária – Av.

Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: A autora (2017).

Na área de estudo, a totalidade de ruas que cruzam a avenida, ao longo

de toda sua extensão também são vias arteriais. As únicas exceções são para

as ruas R. Dr. Paulo Machado, R. Ivan Fernandes Pereira e sua contígua R.

Cel. Cacildo Arantes, pertencentes aos bairros Santa Fé, Veraneio e Chácara

Cachoeira, respectivamente. Estas são definidas como Via Coletora (VC) –

“aquela destinada a coletar e distribuir o trânsito que tenha necessidade de

entrar ou sair das vias arteriais, possibilitando o deslocamento dentro das

regiões da cidade” (LOUOS/DIOGRANDE, 2012, p.02).

Como centro urbano e polo atrativo, a avenida Afonso Pena refletiu na

movimentação a organização e morfologia dos fluxos urbanos de Campo

Grande. A verdadeira explosão do tecido urbano campo-grandense aconteceu

quando surgiram os grandes loteamentos afastados do centro comercial,

destinados, em maioria, a abrigar a população que se dirigia em fluxos cada

vez maiores para a cidade, principalmente a partir de década de 1960, com a

migração vinda do sul do país e da formação da ´Fronteira Agrícola’ no estado.

O acesso a esses novos bairros se dava praticamente através de rua ou

avenida. Normalmente, as próprias saídas, ou rodovias, desempenhavam este

papel de eixo entre centro e bairros. Consolidou-se, assim, configuração

urbana radial da cidade onde praticamente todos os acessos convergem para o

centro, reforçando a centralidade comercial e de serviços que caracterizam a

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Av. Afonso Pena. Os fluxos urbanos se davam no sentido bairro-centro-bairro e

praticamente inexistia acessibilidade direta entre as regiões urbanas, fato que

iria mudar com a implantação dos sistemas de terminais urbanos adiante

(PLANURB, 2006). A legislação urbana municipal também se submeteu e

incentivou esta condição:

“Nos anos de 1970, a Lei de Uso do Solo n. 1.747/78

reforçou a tendência de fluxo e comércio nas avenidas,

sacramentou o aproveitamento das saídas da cidade como

acesso aos novos bairros periféricos, intensificando o

trânsito e a localização nestas avenidas, de atividades

comerciais e de serviços” (PLANURB, 2016, p.75).

A origem da cidade de Campo Grande, calcada na qualidade de rota de

passagem, cristaliza-se na AP por meio da vocação da avenida em se

estabelecer como lugar onde todos vão e passam. A centralidade da avenida

na malha urbana atual comprova que essa característica serviu como

condicionante do crescimento campo-grandense, de modo a proporcionar

alcance mais ou menos equilibrado de seu espaço segundo vários pontos da

cidade.

Uma observação intimamente ligada ao fluxo é a relação entre o uso da

calçada e a quantidade de pessoas e intensidade com que as mesmas

transitam por esse espaço da avenida. Nos locais onde o trânsito de pedestres

é menor, como no Bairro Amambaí, as calçadas são apropriadas como

extensão dos estabelecimentos adjacentes pelos comerciantes (Figura 31).

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Figura 31. Utilização das calçadas menos movimentadas como extensão de

vitrine comercial – Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: A autora (2017).

Ao contrário, naqueles trechos onde a dinâmica da circulação é muito

intensa, como no bairro Centro, se torna dificil fazer da calçada mostruário de

mercadorias – a não ser pelos vendedores ambulantes que se apropriam dos

espaços da mesma, principalmente nas proximidades das praças Ari Coelho e

República, em parte pelo cerceamento da permanência nos canteiros centrais

de atividades informais (Figura 32).

Figura 32. Utilização das calçadas nas imediações das praças - local de

vendas e atividades informais – Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: A autora

(2017).

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No caso da AP, essas praças funcionam mais como local de

permanência e relaxamento em meio à intensidade de fluxo e estresse que

ocorre mais propriamente nas calçadas e leito da avenida.

6.2.5.6. Preservação e Transformações na Grande Avenida: Patrimônio e

Valor Socioeconômico

Quanto ao processo de Tombamento e preservação de bens materiais,

DELGADO (2005) afirma que:

“os objetivos do Patrimônio não são mais explicados

apenas em termos da preservação de bens excepcionais

que materializam a nação, mas incluem a preocupação

com o uso social que deve proporcionar a geração de

renda nas cidades históricas” (DELGADO, 2005, p.126).

Assim, compreende-se que não basta apenas se entender a dinâmica da

paisagem para preservá-la, mas que também e fundamentalmente, é preciso

usá-la, apropriar-se dela, do ponto de vista econômico, social e cultural.

Dentre os mais recentes bens arquitetônicos e urbanísticos tombados

encontram-se os Canteiros Centrais da Avenida Afonso Pena, por meio do

Processo de Tombamento n. 27.405/2009-51. Mais especificamente em 2009,

o pedido de Tombamento foi solicitado pelo MPE, com vistas a se limitar e

eliminar uma das principais diretrizes do Plano Diretor de Transporte e

Mobilidade Urbana (PDTMU) em desenvolvimento e finalizado em 2011 – a

implantação de Corredor Exclusivo de Ônibus na avenida Afonso Pena,

eliminando parte do canteiro central, que danificaria o mesmo e seria utilizado

por carga muito baixa que não justifica sua implantação. Em 2014, em

decorrência de sentimento de resistência e entendimento de entraves às

atividades comerciais, houve suspensão do pedido de Tombamento pela

ACICG (Associação Comercial e Industrial de Campo Grande). Finalmente, em

2016, foi promulgado pelo TJMS (Tribunal de Justiça do Estado de Mato

Grosso do Sul ) o Tombamento definitivo dos canteiros centrais da AP.

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Neste interim, pouco a pouco, a Afonso Pena foi perdendo pontos de

interesse, por um lado, e ganhando outros, por outro, como descreve-se a

seguir.

No canteiro central, na transição entre o bairro Centro e o Amambaí,

localizava-se a famosa “Pedra”, reunião informal de corretores de imóveis, mas

principalmente, automóveis, que ocupam a área como pátio de estacionamento

e negociações financeiras onde se efetuavam troca de bens móveis e imóveis.

O local era bom exemplo de como, além do acesso visual, a proximidade física

com os canteiros e a participação social e econômica que nele se dava

propiciava aos usuários a definição e ocupação de seu território.

Pouco acima, no cerne da região central da Avenida, eram tradicionais

os carrinhos de lanche, de operação intensa no período noturno. Além de ponto

de encontro, atraíam as atividades comerciais do ramo gastronômico popular.

Em imediato ao decreto de Tombamento Provisório, em 2011, estes carrinhos

foram deslocados para a antiga Rodoviária, nas imediações da Avenida Afonso

Pena. O complexo de transporte, recentemente desativado e relegado às

condições de abandono e ausência de manutenção, colocou os lanches sob

condição de funcionamento e atratividade ao público, antes fiel, bastante

desconfortáveis que continuam até hoje.

Como o corredor exclusivo de ônibus não foi implantado, ocorreu então

a extensão e continuidade da ciclovia já existente nos canteiros centrais da

avenida no trecho do Bairro Jardim Veraneio, menos adensado e caracterizado

pelo uso recreativo. Indo de um extremo ao outro da AP, a proposta era

incentivar a mobilidade urbana pelo uso da bicicleta como meio alternativo de

transporte, mas devido a diversos fatores de ordem técnica e execução da

nova ciclovia, em grande parte, ela ainda continua sendo utilizada para fins de

lazer.

Enquanto isso, o Roteiro do City Tour (inaugurado em 2002) deixa de

operar na cidade (2013), e portanto, de usar a paisagem da Afonso Pena e

seus diversos exemplares arquitetônicos como vetores de reconhecimento

urbano e eixo turístico (CLAJUS, 2018); o Obelisco, ancorado desde a década

de 1930 em canteiro central da AP no Jardim dos Estados, vai sendo cada vez

mais ilhado pelos contornos viários das ruas transversais, correndo contínuo

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risco de ser demolido, como foi o Relógio – mas o Tombamento garante que

ele ali permaneça.

Enchentes, morte das árvores centenárias, poluição ambiental pelo lixo,

debate sobre inserção de novos monumentos artísticos, dentre outros fatores,

denotam a transformação da paisagem urbana da Afonso Pena diretamente

ligada pelas alterações de uso e ocupação do solo.

Observando o estudo da Avenida Afonso Pena e sua paisagem urbana

do ponto de vista da preservação e das transformações conjugadas ao valor

econômico turístico, CAMARGO (1986) entende que o turismo, além de ser

uma das mais nobres atividades de lazer, é também uma das mais fortes

atividades do setor econômico. O conhecimento turístico da Paisagem gira em

torno das peculiaridades de regiões estrangeiras, exóticas e/ou alhures que

constituem o pretexto para o deslocamento dos indivíduos. Porém, o modelo

turístico ainda pouco se aproveita o espaço urbano como meio para “contato

com a cultura da região que se visita” (CAMARGO, 1986, p.177). O autor

entende que “(...) este modelo de turismo não é sempre fator de

desenvolvimento econômico, (...) e menos ainda de desenvolvimento cultural”

(CAMARGO, 1986, p.177).

No sentido contrário, o autor coloca a reflexão de que “o turismo social

vai além: é uma crítica ao modelo (...) inerente à atividade turística

convencional, através de seus hotéis impessoais, que não respeitam a

paisagem local, (...)” (CAMARGO, 1986, p.177). O turismo social apresenta

oportunidade para estabelecer atividade socioeconômica “(...) em sintonia com

a paisagem local; a diversificação do fluxo para o maior número de pontos de

interesse conhecido ou possível de ser despertado, (...)” (CAMARGO, 1986,

p.178).

Tem-se, então, campo fértil para a compreensão do potencial e do valor

socioeconômico das paisagens urbanas e de seus espaços livres externos

como vetores de desenvolvimento local e regional. ARRUDA (2002, p.02)

corrobora esta posição quando afirma que “Além destes fatores, há no mundo

moderno uma alavanca que vem gerando muito emprego e muita renda e não

causa danos ambientais, que é o turismo”. O caso da Avenida Afonso Pena se

aplica nesta questão.

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Quanto mais a Avenida Afonso Pena for utilizada pela escala do

pedestre e pela população local urbana, mais seu patrimônio material e

imaterial pode ser preservado, aliando o uso socioeconômico ao fator cultural e

ao valor turístico.

6.2.6. Conclusão

Sobrepondo essas análises formais, baseadas nos respectivos mapas,

verifica-se que há gradiente coincidente de densidade, uso e gabarito que

decresce da porção central em direção aos extremos, conferindo contornos

distintos à linha completa da avenida.

O percurso por um caminho histórico, onde os marcos transformadores

são identificados, contribuiu para o entendimento dos fatores socioeconômicos

que envolvem os objetos arquitetônicos e urbanos da paisagem, como

evidenciado no trabalho em questão. A expressão da história e ocupação, nos

fluxos e limites, na atração econômica turística e na referência patrimonial e

paisagística, demonstram que o impacto ambiental ultrapassa a dimensão

física-territorial da AP.

Prova disso é perceber alguns pontos importantes quanto aos

levantamentos físico e cadastral, aspectos censitários que ajudam a modelar e

a definir a paisagem da Avenida Afonso Pena no que concerne à dimensão

territorial, bem como à preservação e transformações da mesma.

Primeiro, que o Centro da cidade é o local mais adensado

populacionalmente da avenida, tanto pela curta faixa de extensão quanto pela

alta densidade populacional. Mas ao mesmo tempo, é a região onde mais se

observa visualmente as ações decorrentes do Tombamento dos canteiros

centrais: a retirada das vagas de estacionamento, o deslocamento dos trailers

de lanche, a eliminação do comércio popular de automóveis, a ausência de

mobiliários urbanos, o estímulo ao trânsito de bicicletas, mas não ao de

pedestres, etc. Várias ações que subtraem o valor de uso do espaço pela

população local, bem como municipal e regional.

Depois, que o bairro Amambaí é regularmente aquele bairro com a

relação entre extensão e a densidade mais equilibrada, com caráter altamente

residencial, contudo, aquele que menos recebe incentivos quanto ao uso do

espaço livre urbano da avenida. Exemplo disto é a precária manutenção das

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calçadas lindeiras, da completa ausência de mobiliários urbanos no canteiro

central ou do pouco estímulo de apropriação pelo comércio, lazer, cultura ou

tratamento paisagístico dos canteiros.

Por fim, que o bairro Veraneio é o que apresenta a relação mais inversa

entre extensão e densidade demográfica, mas o qual recebe o uso mais valioso

do ponto de vista imobiliário e ambiental – o uso de lazer e recreação,

caracterizado pela proximidade com os parques urbanos e com a área de

influência do shopping Campo Grande, o primeiro e mais antigo da cidade.

Em suma, aponta-se que esta porção do território campo-grandense,

que a Avenida Afonso Pena representa, não está sendo apropriada ou ocupada

no sentido de aproveitamento do seu potencial socioeconômico e valor como

bem tombado. Isto se coloca como fator de risco e enfraquecimento da sua

Paisagem se entendido que a mesma precisa conservar valores históricos e ao

mesmo tempo incentivar e produzir apropriação urbana, por meio da residência

e comércio, bem como atividades citadinas – culturais e turísticas em essência.

Aliando-se desenho e conformação do espaço físico da avenida,

aprofundou-se o conhecimento da evolução no tempo, do suporte físico e de

aspectos funcionais. Após essas análises - dos mecanismos de formação e

estruturação da cidade de CG, na perspectiva da av. AP -, retratou-se, nas

devidas proporções, a complexidade da organização espacial desse contexto

urbano, já detectando diferentes ambientes dentro desse mesmo recorte,

simultaneamente fragmentados e articulados, tanto pelo suporte espacial

quanto pelos laços de apropriação.

6.2.7. Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código

Financiamento 001. A autora também agradece a Universidade Federal de

Mato Grosso do Sul – UFMS, a Universidade Anhanguera UNIDERP -

Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal e a

Universidade Católica Dom Bosco – UCDB.

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6.2.8. Referências Bibliográficas

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6.3. Artigo III - DIMENSÃO PAISAGÍSTICA E IMPACTO AMBIENTAL:

AVENIDA AFONSO PENA E SUBSISTEMA CULTURAL

Victoria Mauricio Delvizio

6.3.1. Resumo

A Avenida Afonso Pena, em Campo Grande/MS, se faz presente na estrutura

urbana, organizando a cidade tanto economicamente quanto funcionalmente.

Apresenta-se como espaço urbano rico em situações de uso, com dinâmica

social variada, ao que se soma carga histórica forte no território da cidade. A

pesquisa aborda linha de pesquisa Sociedade, Ambiente e Desenvolvimento

Regional Sustentável, e parte-se do princípio que espaços da cidade,

principalmente a rua, são símbolos do processo identitário e cultural coletivo

formador da paisagem urbana. O objetivo é compreender subsistema simbólico

que permeiam as representações culturais no tempo e espaço paisagístico e

explicam a paisagem da Avenida Afonso Pena como símbolo de identidade

cultural local. Categorias possibilitaram entender aspectos essenciais do

processo de desenvolvimento cultural conjugado à crescente aglomeração

urbana. Memória, Identidade, Fluxo e Limite foram importantes para descrição

deste subsistema simbólico e cultural da avenida, que aqui é tomada não só

como o ambiente em que indivíduos estão inseridos, mas o personagem

principal em si mesmo. Verificou-se que arbitrariedades podem resultar em

desmotivação pela população, culminando e corroborando o esvaziamento e

abandono, principalmente em áreas centrais, como já se verifica em tantas

cidades pelo mundo. Por isso, a leitura dos grupos (população) que realmente

vivenciam (ou não) determinado espaço por aqueles que planejam o uso do

mesmo (técnicos) e daqueles que assumem a sua administração (gestores) é,

senão interessante, como indispensável à gestão, preservação e

transformação sustentável de um dado Meio Ambiente urbano.

Palavras-chave: Paisagem Urbana, Lugar, Cultura, Meio Ambiente.

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6.3.2. Abstract

The Afonso Pena Avenue, in Campo Grande/MS, is present in the urban

structure, organizing the city both economically and functionally. It presents

itself as an urban space rich in situations of use, with varied social dynamics, to

which is added a strong historical load in the territory of the city. The research

addresses the research line Society, Environment and Sustainable Regional

Development, and it is assumed that spaces of the city, mainly the street, are

symbols of the collective identity and cultural process that forms the urban

landscape. The goal is to understand symbolic characteristics that permeate

cultural representations in time and landscape space and explain the landscape

of Avenida Afonso Pena as a symbol of local cultural identity. Categories

allowed to understand essential aspects of the process of cultural development

coupled with the growing urban agglomeration. Memory, Identity, Flow, and

Limit were important for describing these symbolic and cultural features of the

avenue, which is taken here not only as the environment in which individuals

are inserted but the main character in itself. It was found that arbitrariness can

result in demotivation by the population, culminating and corroborating the

emptying and abandonment, mainly in central areas, as already happens in so

many cities around the world. Therefore, the reading of the groups (population)

that actually experience (or not) a certain space by those who plan to use it

(technicians) and those who assume its management (managers) is, if not

interesting, indispensable to the management, preservation and sustainable

transformation of a given urban environment.

Keywords: Urban Landscape, Place, Culture, Environment.

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6.3.3. Introdução

Os espaços construídos que constituem a urbe compõe um sistema, no

qual assume-se que “a paisagem urbana é um conceito amplo que se refere

principalmente, aos aspectos morfológicos de qualquer cidade” (AMADEI et al.,

2011, p.211). Muitos são os elementos que podem formar este conjunto: vias,

limites, bairros, cruzamento, áreas verdes, relevo, clima, marcos urbanos,

equipamentos e mobiliários, dentre outros.

De acordo com CULLEN (2006 apud AMADEI et al., 2011, p.211), “o

conceito de paisagem urbana exprime a arte de tornar coerente e organizado,

visualmente, o emaranhado de edifícios, ruas e espaços que constituem o

ambiente urbano”.

Porém, a paisagem urbana pode ser descrita à medida em que nela se

transita, vive ou habita, como numa visão seriada, onde muitos pontos de

vistas se combinam, seja em tempo ou espaço. Para quem nela se desloca,

contrastes ou similaridades podem ir se apresentando, ao passo em que vão

despertando impacto visual, causando sensações e oferecendo relações

diversas.

A Avenida Afonso Pena, em Campo Grande/MS se faz presente na

estrutura urbana, organizando a cidade tanto economicamente quanto

funcionalmente. Apresenta-se como um espaço urbano rico em situações de

uso, com dinâmica social variada, ao que se soma carga histórica e presença

forte no território da cidade em que está inserida.

Fala-se de uma via que tem sua gênese nos primórdios da origem do

município e que desde muito, por seu traçado urbano e por sua trajetória

histórica, foi adotada como “A Grande Avenida” (MACHADO, 2000). No ano de

1910, a av. Afonso Pena foi implantada definitivamente e é aí, então, que

realmente nasce o processo de urbanização, tanto da avenida como também

da já fundada cidade de Campo Grande, da formação de sua sociedade,

refletindo-se na modificação da sua paisagem.

Por isso, no decorrer dos anos seguintes até a atualidade, foram feitos

prolongamentos e sendo erigidas edificações e monumentos ao longo de sua

extensão que, ao mesmo tempo em que compunham a paisagem da avenida,

formavam também a história local:

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“Campo Grande surpreende e força a ejeção de adjetivos

sinceríssimos. Porque aquilo não é cidade de fim de

civilização, de beira – sertão, como o viajante, logicamente

é levado a supor. É cidade de começo de civilização, é a

coisa mais reconfortadora que em tais alturas alguém

possa esperar. (...) Mas o melhor de Campo Grande não é

o que Campo Grande já é e sim o que promete ser.

Reúnem-se nelas todas as condições favoráveis para uma

das grandes futuras cidades do Brasil. (...) parece que o

urbanista que lhe traçou as ruas e as praças teve

consciência disso. Tudo em Campo Grande é espaçoso,

arejado; sua arquitetura é bela.” (LOBATO, 1948 apud

ARRUDA, 2002a p.245).

MEDEIROS (2008) abordou colegas de trabalho, familiares e amigos

indagando quais seriam as sete maravilhas de Campo Grande, remetendo à

discussão instaurada no país no ano de 2007, quando foram eleitas as obras

da natureza ou do homem mais significativas da era contemporânea,

destacando-se dentre elas o símbolo nacional do Cristo Redentor, na cidade do

Rio de Janeiro/RJ. Não foi surpresa que, dentre outras maravilhas campo-

grandenses lá estava a avenida Afonso Pena. Mesmo sendo uma investigação

pautada na curiosidade da autora supracitada, ficou registrado que a AP é um

espaço-símbolo, entremeado de valores subjetivos para a população na

paisagem em que se insere.

A ideia e fenômeno de que a Paisagem é capaz de aderir vários tempos

e espaços em si mesma, sobreposta e simultaneamente, é o que lhe faz estar

em perene transformação. Isto é o que SANTOS (2006) denomina rugosidade:

“Chamemos de rugosidade ao que fica do passado como

forma, espaço construído, paisagem, o que resta do

processo de supressão, acumulação, superposição, com

que as coisas se substituem e acumulam em todos os

lugares. As rugosidades se apresentam como formas

isoladas ou como arranjos” (SANTOS, 2006, p.113).

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É justamente essa sobreposição de valores, de apropriações, de

vivências, que possibilita compreensão do fenômeno complexo da cidade, visto

que “o homem vive em um ambiente simbólico” (CASSIRER, 1994 apud

PELUSO, 2013, p.26). Ou seja, parte-se do princípio que espaços da cidade,

assim como uma avenida como a Afonso Pena. são símbolos de um processo

identitário e cultural:

“A partir do reconhecimento dos objetos na paisagem, e no

espaço, somos alertados para as relações que existem

entre os lugares. Essas relações são respostas ao

processo produtivo no sentido largo, incluindo desde a

produção de mercadorias à produção simbólica” (SANTOS,

2006, p.45).

Os símbolos, para RAPOPORT (1972 apud MANCEIRA, 2003, p.09),

são originados a partir das forças culturais como meio de expressão e

concretização de ideias e sentimentos, mas acabam por tornarem-se

referências e ao mesmo tempo estímulos na relação do homem com seu

espaço e ambiente. MANCEIRA (2003, p.19) acrescenta que “o fato de um

lugar ser percebido como um símbolo está diretamente ligado à expressão de

sua identidade”.

O símbolo, necessariamente traduzido por forma física, não pode ser

experienciado se alheio ao sistema em que foi gerado, ou seja, “para perceber

o significado de um símbolo é necessário conhecer a cultura que o criou”

(LARAIA, 2006, p.56). Dessa maneira, o espaço urbano assume dimensão

simbólica peculiar, variável, porém, segundo quem a interpreta, seja individual

ou coletivamente, pois, “afinal, o ambiente da vida cotidiana é mais significativo

do que parece. Ele é tanto a espinha dorsal quanto o fundo sobre os quais

construímos a própria base de nosso modo de ser-no-mundo” (THIBAUD,

2005, p.210).

No caso da AP, a relação entre espaço urbano e cidadão/sociedade que

a habita estreita-se a cada ida à rua para se fazer compras, no esbarrão com

alguém estranho ou no encontro com o amigo na esquina, até correria para

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pegar um sinal aberto ou no descanso debaixo da sombra de uma árvore,

dentre tantos outros acontecimentos, a princípio banais, mas que tornam a

existência de ambos indissociável.

DAMATTA (1998) refere-se à cultura como um modo de fazer coisas, de

pensar questões e de expressar ideias. A relação e gestão dos espaços

públicos urbanos liga-se, portanto, ao seu aspecto simbólico, demandas físicas

e psicológicas dos grupos a que se direciona e também da cultura ligada à

localidade em que se insere, principalmente pelo fato de que cada sentimento

humano (individual e coletivo) constrói o espaço e o tempo de um lugar à seu

próprio modo.

SANTOS (1994, p.21) define que Paisagem é tudo aquilo que a visão

pode alcançar: “(...) é o domínio do visível, não apenas volumes, mas também

cores, odores, sons e movimentos”. A paisagem possui escalas diferentes - do

local ao global, do lugar ao território, do indivíduo à sociedade, do arquitetônico

ao urbano, do natural ao artificial – mas há uma dentre elas que perpassa à

todas: a percepção humana, com suas diferentes determinações de valores

sensoriais e culturais.

Se a rua é o espaço da cidade, ela também é capaz de ser

experienciada e representar valores e significados para o cidadão, mas que

sejam comuns ao seu grupo, pois “além de ser uma propriedade das cidades,

deve ser reconhecida como o princípio que as torna cidade” (SANTOS et al.,

1985, p.79).

OLIVEN (1980, p.36 apud BRASILEIRO, 2007, p.04) defende que “(...)

por trás daquilo que é considerado, de uma forma não questionada, uma

uniforme cultura de massa urbana, muitas diferenças se escondem (...)”. Logo,

a leitura e debate dos motivos pelo qual a AP ser uma avenida tida como

‘importante’ proporciona a ‘descoberta’ das diferenças que solidificam seus

valores e significados latentes, consolidados e velados.

Assim, o objetivo neste trabalho é compreender subsistema simbólico

que permeia as representações culturais no tempo e no espaço paisagístico e

que explicam a paisagem da Avenida Afonso Pena como símbolo de identidade

cultural local.

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6.3.4. Material e Métodos

Com foco na dimensão da Paisagem, e para atender os objetivos, foram

utilizadas fontes primárias e secundárias (documentais e historiográficas). Em

torno da complexidade meio ambiente urbano, os procedimentos, em síntese,

voltaram-se à caracterização cultural da paisagem da Avenida Afonso Pena.

Para analisar estas características culturais, pelo viés simbólico, partiu-

se de registros fotográficos e/ou jornalísticos para descrever manifestações

cotidianas dos usuários que assumem a paisagem urbana da Avenida Afonso

Pena como palco para tal, principalmente aquelas que consigam incentivar a

permanência e as trocas culturais espontaneamente. RAPOPORT (1972, p.12)

entende que “o Meio Ambiente não é uma coisa ‘lá fora’. Ele não é como

imagem ou fotografia admirada por lazer. O homem é no e do Meio

Ambiente”23. Assim, a figura do Homem torna-se indissociável do espaço que

habita e modifica, fazendo com que a Paisagem construída não seja alheia à

cultura que a circunscreve.

Tomando a Paisagem urbana como manifestação do espaço, do

Geossistema, do Território e da cultura, passível de ser descrita e relacionada

a transformações, foi importante estabelecer um recorte espacial urbano

limitado, porém, diretamente relacionado com a avenida objeto de estudo.

Esta pesquisa envolve a extensão da Avenida Afonso Pena, localizada

na cidade de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul (Figura 1).

Figura 1. Mapas de localização: Brasil, Mato Grosso do Sul, Campo Grande,

recorte de estudo, Av. Afonso Pena e entorno. Fonte: A autora (2017).

23 Tradução livre da Autora.

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Este recorte, além de englobar a área definida para o tombamento dos

canteiros centrais, também inclui toda a extensão da AP e seus bairros24

lindeiros, definidos pelas avenidas, parque e praça que definiram os limites

deste recorte de estudo (Figura 2).

Figura 2. Área de recorte do objeto de estudo, Av. Afonso Pena e entorno,

CGR/MS. Fonte: Adaptado de Google Earth (2017).

Conforme afirma CULLEN (2006, p.11), a definição e a percepção da

paisagem urbana surgem como “uma sucessão de surpresas e revelações

súbitas”. O princípio determinante para tal fato é a “Visão Serial” (AMADEI et

al., 2011), no qual fragmentos visuais estáticos ganham movimento, tanto no

tempo como no espaço, que remontados cognitivamente, permitem a

compreensão do ambiente.

Assim, para que a análise da AP e dos seus 45 canteiros (22 tombados

mais 23 existentes) fosse feita, foi necessária sua divisão em setores, ou

subunidades, ou ainda, geofaces (Figura 3). Esta divisão adaptou e combinou a

existência de variadas ambiências (AUGOYARD, 2004) com a organização

feita por OLIVEIRA NETO (1999), segundo quatro trechos diferenciados de

ocupação econômica. Definiu-se, então, os seguintes setores

(subunidades/geofaces) de análise:

• Amambaí: da Praça Newton Cavalcante (Av. Duque de Caxias) até a Av.

Pres. Ernesto Geisel, compreendendo 02km da avenida;

• Centro: da Av. Ernesto Geisel até a R. José Antônio, menor, com 900m;

24 “são áreas pertencentes às Regiões Urbanas organizadas para qualificar as condições de trabalho, circulação, recreação, moradia e as relações de cooperação em todos os tipos de atividades de vizinhança” (LOUOS/DIOGRANDE, 2012, p.01).

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• Jardim dos Estados: da R. José Antônio até o viaduto sobre a Av. Ceará,

engloba mais 02km da avenida;

• Altos: do viaduto da Av. Ceará até o Parque dos Poderes (Av. do Poeta).

Estas subunidades foram aqui adaptados e nomeados em função: dos

bairros lindeiros (Amambaí, Centro, Jardim dos Estados), da predominância da

elevada cota topográfica - já assim batizada na cidade - para a congregação

dos bairros Santa Fé, Chácara Cachoeira e Veraneio (Altos), dos marcos

naturais (córrego Segredo, na Av. Pres. Ernesto Geisel), marcos construídos

(Obelisco, na R. José Antônio, e viaduto, na Av. Ceará), e dos limites legais da

Avenida Afonso Pena (Praça Newton Cavalcanti e Parque dos Poderes)

(Quadro 1).

Figura 3. Setores (Subunidades/Geofaces) da Av. Afonso Pena: Amambaí,

Centro, Jardim dos Estados, Altos. Fonte: A autora (2018).

Quadro 1. Campos Visuais dos Setores da Av. Afonso Pena, Campo Grande -

MS

SETOR

SUBUNIDADE

GEOFACE

PONTO CAMPO VISUAL

Altos (1)

Viaduto Av. Ceará (Adaptado de Google Earth/set. 2017)

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(2)

Parque dos Poderes (Adaptado de Google Earth/dez.

2016)

Jardim dos

Estados

(3)

R. José Antônio (Adaptado de Google Earth/jun.2017)

(4)

Viaduto Av. Ceará (Adaptado de Google Earth/set. 2017)

Centro

(5)

Av. Pres. Ernesto Geisel (set. 2017)

(6)

R. José Antônio (Adaptado de Google Earth/set. 2017)

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206

Amambaí

(7)

Praça Newton Cavalcanti (dez. 2016)

(8)

Av. Pres. Ernesto Geisel (out. 2017)

Fonte: A autora (2018).

Dessa forma, com a divisão da avenida em subunidades, foi possível

fragmentar a paisagem da avenida e destacar resultados singulares,

decodificados por categorias, que dão caráter a cada um destes trechos, mas

que ao mesmo tempo, formam o mosaico da paisagem que universaliza a AP,

pois “a análise perceptiva e visual é uma ferramenta fundamental para se

descobrir os componentes da identidade urbana, essenciais para a

preservação da memória da cidade” (TEIXEIRA, 2009 apud AMADEI et al.,

2011, p.216).

A cidade é um todo conjugado e interrelacionado por diferentes escalas

e elementos, no qual se pode identificar subsistemas, para se efetuar a efetiva

leitura do espaço e da paisagem (SALLEM, 2006, p.10). Para compreender

como a paisagem urbana se conjuga como símbolo de dada cultura, três

aspectos são relevantes: ótico, pois a(s) imagem(ns) da paisagem impactam a

percepção emocional; local, pois a organização material do espaço causa

reações físicas; conteúdo, pois os valores e significados dependem de um

contexto social (GARBADO, 2001, p.89).

Assim, neste trabalho, quanto às categorias de análise desta

investigação, elegeram-se aquelas que predominantemente marcam a

percepção e a conotação simbólica de um espaço público urbano, tal qual a

Avenida Afonso Pena: Memória, Identidade, Fluxo e Limite.

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Assim, os procedimentos metodológicos foram definidos e coletados

através destas quatro categorias de análise: Memória, Identidade, Fluxo e

Limite – conceituadas nos tópicos sequentes.

Estas categorias possibilitaram entender aspectos essenciais do

processo de desenvolvimento cultural conjugado à crescente aglomeração

urbana, pois, “O espaço está carregado de sentido. Suas formas e seu traçado

se remetem entre si e se articulam numa estrutura simbólica, cuja eficácia

sobre as práticas sociais revela-se em toda análise concreta” (CASTELLS,

1983, p.264). Isso significa entender que o próprio espaço, a memória, a

identidade, o fluxo e o limite se apresentam como categorias importantes para

a descrição deste subsistema simbólico e cultural da avenida, que aqui é

tomada não só como o ambiente em que indivíduos estão inseridos, mas o

personagem principal em si mesmo. “As memórias e os valores influenciam a

estruturação dessas imagens e o seu relacionamento com outras informações

atribuindo ao conhecimento de uma cidade uma interpretação pessoal da

mesma” (AMADEI et al., 2011, p.217).

Deste modo, subsistema cultural e simbólico da Paisagem da Avenida

Afonso Pena teve origem em relatos e registros históricos, jornalísticos e

fotográficos aliados aos fatores ambientais do espaço. Entrevistas e

depoimentos em artigos jornalísticos publicados entre os anos de 2006

(primeiro Plano Diretor Municipal) e 2018 (atualidade) serviram de base para a

construção do discurso e da percepção do cidadão campo-grandense da

paisagem cultural da Avenida Afonso Pena. Os resultados apresentados a

seguir foram feitos segundo o cruzamento analítico entre as subunidades de

divisão da avenida e as categorias de análise. Ou seja, nem sempre as

informações respeitaram necessariamente a ordem sequencial temporal

(cronologia/histórica) ou espacial (subunidade/bairros), mas sim a relevância e

encadeamento das considerações que se fizeram necessárias.

A metodologia atendeu às demandas de pesquisa, possibilitando o

alcance dos objetivos traçados, pois “o pesquisador deve se utilizar de

interpretação histórica, análise das condições materiais e imateriais do lugar,

sensibilizando consciências, de modo a despertar latências ainda não

reveladas” (LE BOURLEGAT, 2000, p.19).

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6.3.4.1. Memória

Ao afirmar que “a cultura é um processo acumulativo, resultante de

toda a experiência histórica das gerações anteriores” (LARAIA, 2006, p.49)

remete-se ao conceito de memória e sua construção progressiva e temporal.

Essa construção não é linear; é estabelecida a partir de impressões

particulares que humanizam o tempo. O indivíduo pode lembrar, esquecer, e ao

mesmo confundir, mas o faz relacionando sentimentos e espaços, que

conjugam a construção do Lugar.

O fato da memória ancorar-se em espaços é vital ao campo da

paisagem urbana, do patrimônio e do meio ambiente que a cidade constitui.

ECKERT (2002, p.82) acredita que a cidade é “guardiã das passagens do

tempo mapeando os lugares que guardam os vestígios da memória coletiva

vivida”. Esse mecanismo, aliado ao tempo humanizado e não linear, faz “dar

conta da cidade construída incessantemente nos jogos de lembrança e

esquecimento daqueles que a habitam a partir de referenciais de identificação

e estranhamento” (ECKERT, 2002, p.81).

Esses “jogos de memória” são importantes ao indivíduo, bem como

para a cidade, onde “uma paisagem é uma escrita sobre a outra, é um conjunto

de objetos que têm idades diferentes, é uma herança de muitos diferentes

momentos” (SANTOS, 1994: 66). De qualquer modo, o lembrar (ou não

lembrar) possibilita verificar que “a memória ressalta os significados identitários

e os valores de uso depositados nestas paisagens” (GHILARDI, 2004, p.248).

Para JODELET (2002 apud DEL RIO et al., 2002, p.34), a cidade e

todo seu tecido, constituído de espaços livres e construídos, é vista como

contínua sobreposição de camadas distintas, como “em uma massa folhada”.

Cada uma dessas camadas representa a diversidade de contextos históricos e

usos sociais, refletidos nas diferentes formas de experimentação e apropriação

dos grupos sociais com o espaço urbano em que se insere.

SANTOS e SILVEIRA (2001, p.250) acrescentam que lugares dispõem

desse tecido em camadas ora mais carregadas, ora mais tênues, mas “em

todos os casos, as rugosidades, isto é, as heranças, têm um papel importante,

porque constituem condições para a implantação das novas variáveis”, de

novas possibilidades de interpretação do espaço-tempo.

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Semelhantemente, DUARTE (et al., 2006, p.03) apresenta a “leitura do

espaço evolutivo”, onde a memória “reflete a relação entre passado, presente e

futuro de cada usuário dos lugares e delimita um princípio importante no

reconhecimento do potencial simbólico e apropriativo dos espaços

construídos”. Nesse sentido, assim como DUARTE (2006), assume-se que “é

preciso buscar no exercício do lembrar a emergência dos espaços como

marcos para ancoragem identitária dos grupos.” (DUARTE, 2006, p.04).

Por isso, a categoria da Memória se torna indispensável à

compreensão de como esses mecanismos de impressão atrelam-se à

dimensão física dos espaços urbanos. Dessa forma, pode-se compreender

com propriedade que a relação entre este conceito e a arquitetura reside na

qualidade do espaço construído incitar o exercício do lembrar, onde vestígios

da memória coletiva repousam, condição sob a qual nos propomos investigar a

Av. Afonso Pena.

6.3.4.2. Identidade

A palavra identidade tem raiz no grego ‘idios’ - ‘o mesmo, ele mesmo’ –

e no latim idem – ‘idêntico’ (COSTA, 2002). Opera como um espelho, no qual o

indivíduo é capaz de reconhecer no espaço características que também

definem sua personalidade “por meio não de uma relação de igualdade, mas

de semelhança, estabelecendo assim mão dupla, pois a partir dessa

identificação com o lugar, o homem também reconhece a si mesmo” (RIBEIRO,

2003, p.83).

Esse fato se reflete na propriedade de reconhecer algo ou alguém

como próprios – a noção de pertencimento. Para FISCHER (1994, p.75), tal

expressão da identidade se manifesta como mecanismo de apropriação, “uma

linguagem simbólica para dizer o espaço social em que se vive, revelando, no

fim das contas, uma parte do mundo interior a transbordar para o espaço no

qual se vive”, onde símbolos cristalizam esse fenômeno como estratégia de

personalizar determinado ambiente.

Por meio dessa ação, “indivíduos são capazes de criar ou captar

significados, simbolizando e interagindo com os mesmos, levando-os a

incorporá-los à sua própria identidade” (KUHNEN, 2001). Tanto na apropriação

quanto na definição do símbolo, este “sentido nasce dessa relação do homem

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com sua cultura, dele com seu ambiente e com sua criação” (FRÓIS, 2002,

p.45).

Para NORBERG-SCHULZ (1980) esta dinâmica se associa ao caráter

do lugar, seu “genius loci”. Se o homem fosse incapaz de referenciar, sobrepor

ou até impor ao espaço qualidades inerentes ao seu próprio modo de ser, da

sua identidade como indivíduo ou como grupo, relações de afeto não poderiam

ser estabelecidas e se inibiriam qualificações de espaços em Lugar (TUAN,

1983). Essa interdependência entre indivíduo, sociedade e espaço resulta da

“maneira pela qual o homem modifica o ambiente e se deixa modificar por ele

(...) pois os espaços são expressões culturais do homem ao mesmo tempo em

que são suportes espaciais para a construção de sua identidade.” (DUARTE et

al., 2006, p.08).

Se “a identidade das pessoas é, em boa medida, uma função dos

lugares e das coisas” (NOBERG-SCHULZ apud NESBITT, 2006, p.457), então,

a identidade é um processo análogo e, ao mesmo tempo, entrelaçado à

construção da cidade, paisagem, espaços e lugares que a edificam. Por isso é

relevante se utilizar a categoria da Identidade para, como numa figura que se

completa por cheios e vazios, se compreender características que levam certos

lugares a serem símbolos de determinada cultura, como foi investigado no caso

da Av. Afonso Pena.

6.3.4.3. Fluxo

A paisagem da rua predomina na imagem urbana como via de

circulação e mobilidade, onde “pessoas observam a cidade à medida que nela

se deslocam e outros elementos organizam-se ao longo destas vias” (LYNCH,

2005, p.58), unindo atores e cenário em ritmos peculiares.

Fisicamente, o deslocamento é “a variação de posição de um corpo

relativamente a um ponto chamado ‘referencial’” (JAPIASSÚ e MARCONDES,

2006, p.195). Este “deslocamento” (VILLAÇA, 2001) gera fluxos, “sequências

intencionais, repetitivas e programáveis de intercâmbio e interação entre

posições fisicamente desarticuladas, mantidas por atores sociais nas estruturas

econômica, política e simbólica da sociedade” (CASTELLS, 2001).

Sob o aspecto da utilização, vê-se “espaços da fluidez e espaços

viscosos”, onde não é a velocidade nem a densidade da circulação de pessoas

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ou objetos em deslocamento, mas a frequência em que se manifesta esse fluxo

em espaço designado para o mesmo - “um espaço pode ser denso quanto às

vias, mas não fluido” (SANTOS e SILVEIRA, 2001, p.262). Assim, espaço fluido

é aquele cujo fluxo é regrado a partir do uso frequente, em oposição ao espaço

viscoso.

Já sob o aspecto da hierarquia, tem-se “espaços da rapidez e da

lentidão”. Em oposição ao espaço lento, os espaços rápidos são, na ótica

material, “dotados de maior número de vias (...), de mais veículos privados (...),

de mais transporte público (...)”; e na ótica social, “aqueles onde é maior a vida

de relações, fruto da sua atividade econômica ou sociocultural, ou então, zonas

de passagem, respondendo a necessidades de uma circulação mais longínqua”

(SANTOS e SILVEIRA, 2001, p.263).

Sob a relação dialética espaço/tempo, há “espaço de fluxos” e “espaço

de lugares”, também denominado fixo (CASTELLS, 2001). Na paisagem

urbana, “os fixos, isto é, o que é imóvel, e os fluxos, isto é, o que é móvel”

(SANTOS e SILVEIRA, 2001, p.247) correspondem-se onde “a urbanização é o

‘fluxo’, a cidade é o ‘fixo’, o lugar” (SANTOS, 1994 apud SOUZA,1996, p.59).

Daí, o suporte físico para fixos são ruas, avenidas, bulevares, praças, e

são capazes de assinalar seus significados (FERRARA, 2005). A convergência

de infraestrutura e usuários (diga-se, acessibilidade), determina, sob pretexto

político, econômico ou cultural, papel mais destacado de um espaço urbano na

hierarquia da cidade, compreendendo-se porque certas ruas acabam se

tornando caminhos cativos e símbolos coletivos.

Com interdependência, “a dinâmica dos fluxos impregna os fixos,

redefinindo-os, modificando-os, renovando-os até criar os lugares da cidade”

FERRARA (2005, p.02). A “lugaridade”, permite distinguir o local, “referência da

paisagem”, do lugar, “polo cognitivo onde se pode apreender usos e sentidos”

(FERRARA, 2005, p.03).

Assim, “ruas adquirem identidade e movimento, não só pela sua

própria forma ou pelas junções nodais (...)” (LYNCH, 2005, p.96), mas também

pelos ritmos distintos, visíveis e sensíveis, em que se vive a experiência

espaço/tempo. Na trajetória histórica de Campo Grande e da Avenida Afonso

Pena, fluxos foram alterados por necessidades de uso, influenciando a

consolidação simbólica de seu espaço. A sensação transmitida pelos fluxos, de

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adensamento, rarefação, movimento ou estagnação, são questões que se

apoiam na categoria ora apresentada e agrega fatores explicativos para

compreensão da paisagem e da cultura da AP.

6.3.4.4. Limite

Originária do latim ‘limes’, remete à qualidade de fronteira, e sua

designação é “aquilo que separa uma coisa da outra que lhe é contígua”

(JAPIASSÚ e MARCONDES, 2006, p.169). Para cada objeto, natural ou

construído, há um “limite espacial” (CHING, 2000, p.169), onde sua

extremidade, superfície ou volume define-se por intervalo, linha(s) delineadoras

ou contrastes e gradientes de textura e intensidade.

Contudo, limite pode ser tanto um conceito espacial objetivo, bem

como um fenômeno subjetivo e simbólico - “Uma rua comprida com a sua

ambiguidade de caráter, tanto de limite como de via, pode penetrar numa

região e, assim, trazê-la aos nossos olhos, mas pode também, ao mesmo

tempo, desmembrá-la” (LYNCH, 2005, p.95). Ou seja, há tênue diferenciação

entre a rua ter limite ou ser limite.

Objetivamente, quando a rua tem limite, independente da sua natureza

– retilínea, curvilínea, segmentada, interseccionada - “todas as vias têm um

ponto de partida, a partir do qual somos conduzidos através de uma sequência

de espaços até nossa destinação” (CHING, 1998, p.252). Associa-se, assim, à

expressão de direção, movimento, extensão e crescimento. quando arrematada

“por uma forma ou espaço dominante, por uma entrada elaborada ou

articulada, ou pela fusão com outra forma arquitetônica ou com a topografia de

seu terreno” (CHING, 1998, p.198). É passível de ser definida fisicamente,

possuindo necessariamente ponto de partida e de chegada - pois “ruas com

origens e fins claros e bem conhecidos tinham identidades mais fortes,

ajudavam a manter a cidade como um todo e davam aos observadores a

sensação da sua orientação, quando estes por elas passavam” (LYNCH, 2005,

p.65).

Subjetivamente, quando a rua é limite, define a cidade por meio da sua

força dominante espacial, a “visibilidade”. Se a continuidade da rua tem limite

físico satisfatoriamente identificável, com presença de espécies arbóreas

reforçando sua conformação e estrutura, facilita-se seu reconhecimento como

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centralidade, se torna um marco em si (LYNCH, 2005). Porém, se o limite físico

“em sentido abstrato é contínuo mas apenas visível em alguns pontos”

(LYNCH, 2005, p.74), sua força pregnante vai se perdendo, tornando-se um

“limite fragmentário” (LYNCH, 2005, p.74). De modo algum isso é negativo. Ao

contrário, os limites “não devem ser necessariamente impenetráveis (...) são

mais uma costura de união do que propriamente uma barreira isoladora”

(LYNCH, 2005, p.75).

Assim, a tênue separação entre o que é e o que tem limite começa a

aparecer, e as ruas também podem assumir esse papel. Esse espaço, então,

“funciona de um modo ambíguo, tanto como um ponto de encontro linear, um

limite, ou uma rua para gente diversa a diversas horas” (LYNCH, 2005, p.76)

de modo a ultrapassar “a imagem da rua, como sendo uma via de circulação”

(LYNCH, 2005, p.76) apenas.

Entretanto, em ambas situações - quando a rua é limite ou quando tem

limite - há uma característica concomitante que as compõem e analisam

simultaneamente: a atividade perceptiva do usuário-observador, ou distância

ou fronteiras psicológicas. Quando a rua se bifurca, por exemplo, os limites

começam a ficar não tão consensuais dentre seus observadores - dizer que a

rua, começa ou termina aqui ou ali depende do referencial, tanto físico como

perceptivo (LYNCH, 2005).

As fronteiras psicológicas que demarcam um espaço pessoal invisível

mas respeitado é legitimado pela população que conhece as lógicas culturais

do lugar. Isso demonstra inclusive que “o espaço vivido (Lugar) é fragmentado

em função do pertencimento ao mesmo povoado (...) ou área cultural, que

fornecem referenciais básicos para o cotidiano em sua dimensão espacial”

(GALLAIS, 1977 apud CORRÊA, 1995, p.32). Essa dualidade coloca em xeque

em que ponto a AP tende a se enquadrar, sendo ou tendo limite. Assim, a

categoria do limite e seus nuances podem nos ajudar a reconhecer os valores

e significados que se aliam a essas questões.

6.3.5. Resultados e Discussão

6.3.5.1. Memória: lembrança e esquecimento

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As lembranças evocadas por elementos presentes na paisagem da

Avenida Afonso Pena são indícios de que por ali flutuam fragmentos de

Memória, fixados ao longo do tempo na presença da sua forma física.

Algumas dessas referências são monumentos, ocupações ou

interferências na urbanização da avenida que, por diversas vezes, expressam

lugarização de algo que já não mais faz parte desse contexto, mas assumido

como se ainda estivesse por ali.

Antes, durante, e mesmo após, o desenrolar o ato de tombamento dos

seus canteiros centrais (2009-2016), a Av. Afonso Pena vem perdendo e

ganhando uma série de elementos (arquitetônicos, urbanísticos, artísticos,

dentre outros), dentro e fora dos limites do trecho de tombamento. Se, por um

lado, isto demonstra sinais de transformação, por outro, revela a contradição e

a arbitrariedade quanto à preservação da sua história, identidade e,

principalmente, memória e caráter simbólico.

De início, na geoface Centro, no limiar do encontro com a geoface

Amambaí, no trecho da AP após a Av. Calógeras e nas proximidades das

margens do córrego Segredo, há um antigo condomínio residencial, hoje

ocupado majoritariamente por pequenos prestadores de serviços. Por muito

tempo, os canteiros centrais defrontes ao mesmo foram conhecidos pelo

apelido de ‘Pedra’ – feira informal de corretores de automóveis que ocupavam

a área total como estacionamento nos mesmos.

Apesar de fundada em ano incerto – entre meados dos anos 60 e início

da década de 1970 – a Pedra já ocupou três locais: o original (1), na Av.

Afonso Pena, entre as ruas 13 de Maio e 14 de Julho, defronte à Praça Ari

Coelho; o tradicional (2), na mesma avenida, entre a Av. Calógeras e a Av.

Ernesto Geisel; e o atual (3) (e tido como provisório), na plataforma desativada

do terminal de ônibus urbano da antiga Estação Rodoviária Municipal, que fica

nas proximidades da avenida, mas não, de fato, na sua extensão (ARRUDA,

2015).

A primeira mudança de endereço se justifica, conforme relato do

Presidente da Associação de Vendedores de Veículos Autônomos (AVVA), sr.

Isidoro de Oliveira Cardoso,

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“porque a praça virou centro; mas choveu e virou um barro

só. Pegamos os carros todos e voltamos para o mesmo

lugar (1). O prefeito nos perguntou porque voltamos e nós

dissemos: não tem condições para a gente ficar ali (2), sem

um calçamento, sem as entradas para deixar os carros.

Ficamos ali (1) um mês, que foi o tempo para a Prefeitura

fazer as obras do meio-fio, construir o calçamento e os

bancos no outro ponto (2).” (ARRUDA, 2015)

No segundo ponto de venda, “a Pedra permaneceria (...) até 2012, ano

em que a feira foi removida da Afonso Pena por causa das obras de

revitalização e remoção das vagas de estacionamento da via” (ARRUDA,

2015).

Dos 176 associados da tradicional feira de negociações, somente 40

seguem enfrentando a dificuldade de atrair a antiga clientela para o ‘novo’

endereço. “Os demais ou foram para garagens, ou têm que ficar circulando

pela cidade, para sobreviver”, conforme informação do sr. Isidoro (ARRUDA,

2015). Além de conviver com o abandono e insegurança do antigo terminal

rodoviário e arredores, os vendedores, mais uma vez, buscam viabilizar junto

ao poder público, um local definitivo dotado de infraestrutura adequada

(ARRUDA, 2015). “Hoje, nem dá para dizer, é só para sobreviver (...) o desafio

é manter a Pedra ‘viva’”, como desabafa o presidente da AVVA (ARRUDA,

2015).

Muito antes ainda da definição do tombamento de parte dos canteiros

centrais, a construção, demolição e/ou deslocamento de marcos históricos e

simbólicos, já fazia parte da tradição de desenvolvimento da Avenida Afonso

Pena.

A subunidade Centro, pela idade histórica, é o primeiro a sofrer estes

acontecimentos.

Em 1933, acontece a inauguração do Obelisco, no cruzamento da AP

com a R. José Antônio, em homenagem ao fundador da cidade. O Obelisco

“alto, branco, imponente” (MACHADO, 2000, p.368) perdura na Afonso Pena,

apesar das tentativas de condenação e maus-tratos, o que colocou e mantém

em alerta a sociedade para agressões ao monumento, pois “(...) os obeliscos

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modernos, inclusive o nosso, também ficam, por vezes, recobertos de

hieróglifos desenhados com tinta de spray, pelos chamados grafiteiros”

(MACHADO, 2000, p.369).

Com o deferimento do seu tombo como patrimônio municipal na década

de 1990, o Obelisco está visivelmente melhor conservado. Mas o procedimento

não evitou que parte do canteiro central da Afonso Pena, que o abriga, fosse

removido, de modo que o monumento ficasse ilhado, se tornando parte de

tímida rotatória, passando rente às mesmas razões que levaram à retirada do

antigo Relógio.

Também no ano de 1933, em ocasião à 1ª Feira de Amostras

(precursora da atual Expogrande, feira agropecuária anual), ocorreu

inauguração do Relógio25. Com quatro faces e em estilo Art Dèco, exatamente

no cruzamento da avenida com a R. 14 de Julho, veio exaltar o progresso local,

oferecendo à sociedade nova referência de lugar para os mais variados tipos

de encontros e eventos a toda e qualquer hora do dia. Porém, em 1969,

subjugado à prevalência do automóvel, aconteceu sua demolição:

“Neste cruzamento existiu até 1969, um relógio que havia

se tornado em ponto de referência para todas as atividades

sociais da comunidade e que de lá foi retirado, para facilitar

o trânsito de automóveis. Isso evidencia a preocupação

com o trânsito de automóveis, pessoas e mercadorias,

sempre presente desde a planta de 1909” (OLIVEIRA

NETO, 1999, p.130).

No ano do centenário municipal (1999) “o povo descobriu a falta que

fazia diversos prédios da cidade antiga” (ARRUDA, 2002b, p.03), a começar

pelo Relógio. Sob grande polêmica, foi discutido se este deveria ou não ser

reconstruído, mas, principalmente onde isto deveria acontecer: no cruzamento

de origem ou outro local. Por fim, uma réplica do antigo monumento foi

edificada em local diferente do original, hoje na Afonso Pena com a av.

25 A base do relógio foi construída por Manoel Secco Thomé, mas o projeto do mesmo, como

também do Obelisco, são possivelmente atribuídos à Frederico Urlass. (ARRUDA, 2002.)

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Calógeras, ainda em um dos canteiros centrais, porém mais adequado aos

interesses do trânsito de veículos no centro da cidade.

“Mas não dá para reconstruir um marco da importância do

relógio, em outro lugar, descaracterizado e sem nenhuma

discussão com a sociedade. Reproduzir bens históricos é

muito complicado e pode virar um kitsch sem valor, como

acabou acontecendo”. (ARRUDA, 2002b, p.03)

Estes fatos colocados, demonstram que a memória na AP é reconstruída

no imaginário dos usuários que tomam os espaços como referência para

ancoragem de suas histórias de vida. Assim, um marco arquitetônico ou

urbanístico ausente ainda se mantém vivo, pois a memória vivencia e

reconstrói espaços mentais (DUARTE et al., 2006b).

A AP apresenta marcos importantes retomados pelos seus usuários para

evocar um tempo que existe em suas memórias, mas que se firmam como

referências do presente: as árvores que são ‘centenárias’ são evocadas como

testemunhas vivas de sua existência no desenvolvimento não apenas da

cidade, mas dos próprios habitantes que a conheceram na infância e

cresceram com ela.

Entretanto, desde o término do processo e promulgação do tombamento

dos canteiros centrais, em 2011, as árvores da Afonso Pena têm sofrido

bastante com descaso, recebendo pouco ou quase nenhum tipo de manejo

adequado. O último programa de manutenção da arborização urbana ali

desenvolvido data o ano de 2009. Para especialistas, como a bióloga Karina

Sandim, agente fiscal da PMCG, além do abandono, “problemas provocados

pelo meio urbano podem ter contribuído para acelerar a despedida das

figueiras, como a compactação do solo, estresse urbano e poluição”. Além

disso, “elas foram colocadas em condições inadequadas, em calçadas

estreitas, o que hoje não se pratica mais”. Sem o devido monitoramento, as

principais heranças do passado da Capital têm apresentado problemas sérios,

entre eles fungos e pragas.

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As espécies de Ficus microcarpa, plantadas nos idos dos as 193026 estão

sendo removidas (Figura 4) - em 2016, um ingá (Inga sp.), no trecho entre as

ruas 13 de Maio e Rui Barbosa (VIEGAS, 2016), e, em 2017, um Ficus (Ficus

microcarpa) em frente à Escola Estadual Joaquim Murtinho. “O resultado do

abandono é percebido nas lacunas que elas deixaram na avenida com 'status'

de mais arborizada da cidade. Elas adoecem e acabam não resistindo”

(MIDIAMAX, 2017). Consideradas patrimônio histórico, cultural e paisagístico

de Campo Grande, apesar da importância, as árvores centenárias dos

canteiros já tombados estão ameaçadas de se tornar patrimônio perdido e

esquecido da Capital, como já ocorrido outras vezes na história da avenida:

“No trecho defronte a Praça do Rádio Clube havia árvores

que foram demolidas em 1967, para uma urbanização geral

dos canteiros que nunca aconteceu mas que deixou as

marcas negativas na paisagem da Avenida e com isso,

aquele trecho, é comprometido até hoje”. (ARRUDA, 2016)

Figura 4. Funcionários da prefeitura cortaram o pé de ingá. Fonte: GAIGHER, C.

apud VIEGAS (2016)

26 “No projeto urbanístico do engenheiro Nilo Javary Barem ela era a mais importante rua da primeira planta da cidade, com 55,00 metros de largura e não tinha ainda o canteiro central definido e ela existia, implantada, da Av. Calógeras até a Rui Barbosa; no ano de 1922, o prefeito da época, Arlindo de Andrade Gomes, resolveu construir o canteiro central e plantou as árvores que lá estão até os nossos dias. Os fícus e os oitizeiros da Afonso Pena foram

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Isso demonstra como a paisagem, o repertório arquitetônico, bem como

o arranjo urbano do qual a AP faz parte, é solidificado através da memória viva

que a cidade representa, evocada através dos “lugares de memória”, que “nos

falam, não somente do passado mas, ainda mais, eles justificam e confirmam o

tempo presente” (AUGÉ, 1989 apud DE BIASE, 2001, p.179). Na avenida, a

ideia de memória são as indicações de uma construção temporal que gira

entorno da sua paisagem, estabelecendo-se ligação entre passado, presente e

futuro.

Mesmo com toda a importância histórica que reside na AP pela sua

intensa participação no desenvolvimento da cidade, a memória relativa

especificamente a esses fatos pouco faz parte do conhecimento geral de seus

usuários. Como por exemplo, a ocasião da inauguração do busto em

homenagem ao fundador de Campo Grande, José Antônio Pereira (Figura 5),

localizado na Avenida Afonso Pena com o cruzamento da Av. Calógeras,

registrada pelo fotógrafo local Roberto Higa. “O fotógrafo conta que muita gente

passava pelo local sem saber o que estava acontecendo e, por isso, parava

para olhar” (PAVÃO, 2014). Hoje, o monumento tem pouco destaque na

paisagem e ainda concorre com o atual relógio, posicionado no canteiro frontal

a ele, com história bem mais polêmica.

Figura 5. Inauguração do busto de José Antônio Pereira. Fonte: HIGA apud

PAVÃO (2014).

plantados em 1921 e em 1939, respectivamente por Arlindo Gomes e Eduardo Olímpio Machado.” (ARRUDA, 2016)

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A Avenida Afonso Pena tem no Centro da cidade um trecho onde

pululam evidências mnemônicas. Ligado fortemente ao comércio e as

atividades cotidianas de trabalho, estudo e transitação, o centro impregna-se

do ar de saudosismo, próprio daqueles momentos que já ficaram no tempo

passado, mas habitam o presente cotidiano.

Em oposição, outra área onde se percebe a diluição de memórias

evocadas refere-se ao trecho do Amambaí, bastante ligado atualmente à

influência decadente do prédio da Rodoviária Municipal e das atividades e

grupos sociais marginais que, por consequência, acabam sendo atraídos ao

local. Esse fator negativo influencia menor presença dos usuários, que por

evitarem a área, deixam de relacionar-se com o espaço, sombreando as

memórias positivas do bairro como um local histórico e de formação da cidade.

O caso dos carrinhos de lanches é um exemplo dessa alternância de

memórias na avenida. Por muito tempo, trailers de lanches, os ‘dogueiros’,

ficaram instalados nos canteiros centrais da AP, fazendo parte do hábito

noturno dos campo-grandenses de se comer no fim de noite, assim como

ocorria na Feira Central, que também é um caso à parte. Após o tombamento

dos mesmos, em 2011, o futuro deles se tornou incerto, pois este ato removeu

dos canteiros todos os elementos físicos e sociais que não faziam parte do

Plano original da avenida, incluindo a retirada de estacionamentos e

recapeamento da via (SANTOS e OLIVEIRA, 2011). Os leitores de jornais e

cidadãos locais, ficaram divididos sobre a medida da Prefeitura de acabar com

os dogueiros da Avenida Afonso Pena (CONCEIÇÃO, 2011). Com a ocasião do

desativamento da antiga Rodoviária, no Bairro Amambaí, os carrinhos de

lanches foram provisoriamente instalados no antigo terminal Heitor Laburu,

antes de serem instalados no Horto Florestal Municipal, a fim de se formar

praça de alimentação à céu aberto, ‘lanchódromo’. A proposta é que os trailers

sejam substituídos por quiosques. Enquanto isso não ocorre, os dogueiros

passaram a reclamar da queda nas vendas. Antônio Carlos do Prado, o

Toninho, proprietário de um dos traillers removidos, que por cerca de 17 anos

trabalhou na avenida, informou que “para a maioria dos carrinhos, caiu em 80%

o movimento. Eu mesmo, que antes trabalhava com sete ou oito funcionários,

hoje tenho apenas dois”. Ainda comentou que “a rodoviária antiga é muito

discriminada e que muita gente tem medo de ir até o local, fora isso há clientes

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que nem sabem que os dogueiros foram para lá”. Outro proprietário de carrinho

de lanches, Rodrigo Bittencourt, que estava há cinco anos na Avenida Afonso

Pena, revelou:

“Deixaram a gente meio que na mão. Não deram estrutura

e a prefeitura não cumpriu nada daquilo que prometeu.

Falaram que iam pintar, e nada. A gente mesmo que está

tirando dinheiro do bolso e colocando água encanada,

esgoto e fazendo a pintura” (VASQUES, 2011).

Nelson Bogado Ostemberg, presidente da Associação dos Vendedores

Ambulantes Autônomos de Campo Grande (AVAL), conta que dos 19 trailers

que antes ficavam na Avenida Afonso Pena, hoje na rodoviária estão apenas

15, ponderando que “temos um lado positivo, que é a união, pois passamos

grande parte do tempo juntos, tempo este que deixamos de estar com nossas

famílias; e também que muitos carrinhos não tomam chuva”, conta. Também

afirmou que “muitas pessoas tinham medo da região, por causa da fama da

antiga rodoviária”, que após o encerramento das atividades e da omissão dos

proprietários e órgãos competentes, atraiu população de rua para a ocupação

do prédio, estando associada ao consumo de drogas, atividades ilícitas,

prostituição e insegurança social. O prédio da antiga rodoviária é particular, e

não da PMCG, por isso, apenas o espaço onde os dogueiros estão, que são as

antigas plataformas de ônibus, é que são da administração municipal, e sendo

assim, os dogueiros, bem como os também removidos comerciantes da

'Pedra', continuam por lá até hoje (VASQUES, 2011).

Essa alternância da memória aos espaços se explica, segundo

DAMATTA (1998, p.68), porque o ser humano “se constrói pela lembrança,

pela recordação e pela ‘saudade’, e se ‘desconstrói’ pelo esquecimento e pelo

modo ativo com que consegue deixar de lembrar”. Essa alternância entre

memória viva e memória adormecida configura um ritual, que segundo

ECKERT (2002, p.80), trabalha “é a construção social da memória coletiva,

forma de abrir dialeticamente o presente ao fluxo do tempo”, bem como se

colocar o debate de quais manifestações cotidianas na e da paisagem são

caras à sociedade que lhe produz.

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Todos os casos ilustrados até aqui apresentam arbitrariedades da

memória na Avenida Afonso Pena. A apreensão do espaço urbano se dá como

um reflexo da sociedade, porém, não como um reflexo direto e claro, mas sim,

complexo e contraditório. Composto por inúmeras ações, tanto as realizadas no

presente como também as ocorridas no passado, esse reflexo é capaz de

deixar marcas impressas nas formas espaciais da cidade, seja hoje ou

amanhã. Essa ideia de camadas sobrepostas engendram a formação da

paisagem urbana, não só em aspecto concreto, mas também abstrato.

No caso da AP, o reconhecimento da avenida está contido no impacto

visual e mnemônico da paisagem. Certos aspectos materiais dela são capazes

de evocar memórias de forma mais ativa do que outros, demonstrando que

memórias presentes e memórias ausentes dão caráter também à sua

interpretação.

Partindo de uma rua como a Avenida Afonso Pena, verifica-se que ali há

vestígios de memória coletiva, ou que ela mesma é o fio condutor de diversas

memórias, sendo um lugar capaz de fazer parte da identidade campo-

grandense e, assim, simbolizar a cidade.

6.3.5.2. Identidade: diversidade e cotidiano

A impressão que emana da paisagem da AP é que ela assume a função

de porta-voz do povo campo-grandense, comunicando mensagens que

ganham atenção através da sua espacialidade. Cabe a ela a atribuição de

cartão-de-visita da cidade, como se os cidadãos pudessem se apresentar ao

estrangeiro que ali chega, transmitindo rapidamente aquilo que ostentam como

lhe sendo próprio e representativo de toda a comunidade em que se insere.

Num primeiro reconhecimento do local, captar, mesmo que

superficialmente, valores que são significativos para o campo-grandense, como

a organização do traçado da via; a modernidade, condicionada ao shopping; a

incorporação da natureza, representada pelos parques e canteiros; a

cidadania, promovida pelas Praças; dentre outros.

A avenida é o local onde ele leva forasteiros que chegam para conhecer

a cidade. Isso porque os espaços podem representar a metáfora do caráter do

“si mesmo”, através do qual as pessoas desejam ser reconhecidas (DUARTE

et al., 2008). Por considerar que a avenida é a “beleza da cidade”, o cidadão

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sente orgulho de se apresentar por ali, pois está, dessa forma, construindo a

visão que quer que tenham de si mesmo, através da cidade onde mora.

“Qual é a rua mais importante de Campo Grande? A

maioria das pessoas, certamente, escolhe a Av. Afonso

Pena como nosso cartão postal urbanístico e paisagístico

(...). A Avenida Afonso Pena, para quem chega em nossa

cidade, impressiona pela sua generosa qualidade urbana.

Sua história está ligada à história do desenvolvimento da

cidade” (ARRUDA, 2016).

Um ponto interessante é o processo de nomenclatura que envolve a

avenida, não só pelo nome oficial, mas também pelos nomes atribuídos

especialmente a um trecho ou área. Este foi um aspecto revelador da

investigação acerca da identidade na paisagem da AP, pois “(...) o homem

seleciona um número determinado de estímulos e depois os relaciona entre si

para criar uma ideia, antes de dar-lhe um nome” (BAILLY, 1979, p.90).

Originalmente, no Plano de Alinhamento de Ruas e Praças, de 1910, a

grande avenida em estudo denominava-se, então, Marechal Hermes e a Rua

Velha, primeira via pública da cidade às margens do córrego Prosa, era a que

possuía o nome de Afonso Pena. Somente no ano de 1916 é que foi

apresentada a proposta na Câmara Municipal onde a avenida central da vila

passasse a se chamar Afonso Pena - como modo de se homenagear o

presidente que aprovou o traçado da estrada ferroviária Noroeste do Brasil,

beneficiando Campo Grande - e a outra, que tinha esse nome, mudasse para o

nome de 26 de Agosto (MACHADO, 2000). “Aqui já teve dois nomes. A

Marechal Deodoro era este pedaço onde tinha a classe média baixa. A Afonso

Pena era o centro que depois virou lugar de casa mais abastada (...)”, conta a

professora aposentada Horaide Pavon Barros, que nasceu ali, numa casa nas

primeiras quadras da avenida Afonso Pena, no bairro Amambaí (Figura 6)

(MACIULEVICIUS, 2013).

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Figura 6. B. Amambaí, 1972 e 2013 - duas imagens para a mesma Av. Afonso

Pena. Fonte: MACIULEVICIUS (2013).

Essa dupla nomeação do passado ainda perdura no cotidiano presente

da avenida, mas com outra representatividade simbólica:

“Nos 7,8 quilômetros de extensão ela tem duas caras,

representa dois séculos. Da antiguidade à modernidade, a

Afonso Pena do bairro Amambaí parece ter parado no

tempo em vista da colorida composição de shopping,

prédios e toda paisagem que os Altos elevam”

(MACIULEVICIUS, 2013).

A topografia mais elevada da avenida no ponto é também um dos

fatores de sua nomeação como Altos (Figura 7). Mas os contrastes sociais e

culturais são evidências muito mais latentes na diversidade e identidade da

avenida, que já teve ou que poderia continuar tendo vários nomes, como os

associados aos bairros (Amambaí, Centro, Jardim dos Estados, Santa Fé,

Chácara Cachoeira e Veraneio). A Afonso Pena persiste como um nome, no

sentido substancial da palavra, designando a paisagem campograndense. “Os

contrastes do começo ao fim contemplam passado e presente. É um histórico

somado à atualidade e não deixa de ser a identidade, ainda que mesclada, da

cidade Morena” (MACIULEVICIUS, 2013).

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Figura 7. Altos da Av. Afonso Pena. Fonte: MACIULEVICIUS (2013).

A Identidade afirma-se pela diversidade, seja quanto às ambiências,

ritmos, usos e significados comuns, compartilhados coletivamente, indicando

que é possível apontar a avenida como um retrato da sociedade local, onde

seu espaço público também serve como atenuante das disparidades sociais,

culturais e econômicas. “Do início aos Altos, Afonso Pena é uma avenida de

extremas diferenças” (MACIULEVICIUS, 2013).

De acordo com CULLEN (2006), o fenômeno da “apropriação do

espaço” se refere diretamente à expressão dos usuários de um espaço urbano.

Utilizar a calçada, a esquina ou o canteiro central da Avenida Afonso Pena para

fins comerciais, sociais, culturais ou políticos, cotidianamente ou

ocasionalmente, são evidências que afirmam essa apropriação do espaço,

como se descreve:

“Mas a tradição se consolida: na esquina com a Rua 14 de

Julho, aos domingos, os jornais gratuitos distribuídos há

mais de 30 anos; quando adolescentes passam no

vestibular, comandam as esquinas atrás de pequenas

doações para suas campanhas; as grandes empresas

andam também usando as esquinas para fazer seu

marketing, o que reflete o sucesso da avenida principal”

(ARRUDA, 2016).

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Um meio de apropriação estreitamente relacionado ao espaço e

paisagem da avenida diz respeito ao gosto pelas caminhadas, recreativas ou

esportivas. Iniciado nos tempos dos grandes cinemas da avenida, como o Cine

Central e o Cine Alhambra, se estabelecia um verdadeiro circuito cultural entre

os estabelecimentos, promovendo a caminhada descompromissada e

domingueira, o chamado ‘footing’ (MACHADO, 2000).

Nos anos 1980, após o prolongamento da avenida da região central para

o sentido leste, promovido pela construção do viaduto sobre o vale da Av.

Ceará, esse hábito se desloca para outro ponto. “Com isso, aos domingos, o

footing, costumeiro dos anos 1930 na Praça Ari Coelho, se desloca em

modalidade para os altos da avenida” (ARRUDA, 2016).

Em sequência, com a implantação do Parque dos Poderes, a Afonso

Pena passa a interligar o complexo político do estado e, assim, o Shopping

surge como empreendimento da modernidade.

Depois, o Parque das Nações Indígenas e, recentemente, o Parque do

Prosa, complexo de visitação ambiental, fazem com que, nesse ponto, a

ciclovia que corta os canteiros torne-se intensamente utilizada, assim como a

calçada frontal ao Parque das Nações Indígenas, por pessoas praticantes da

caminhada, ciclismo e outras atividades desportivas e recreativas, como andar

de patins e brincar com carrinhos de controle remoto.

Simultaneamente a todo esse desempenho do lazer ativo, há também o

atrativo pela atividade contemplativa particular que se enquadra nesse

contexto. A paisagem, ainda em estado mais natural, oferta a proximidade com

a natureza em menor presença em outros trechos da avenida, estimulando a

permanência por meio das rodas de tereré no fim de tarde.

Este deslocamento reforçou, dentre outros fatores, o processo de

esvaziamento da zona central da Afonso Pena, que apesar do recente

prolongamento da ciclovia, não resgatou o footing de outrora para o trecho

original da avenida. A afeição negativa por certo lugar “provoca a sua

desvalorização, que pode ser percebida pela presença de marcas depreciativas

ou pela sua destruição” (MANCEIRA, 2003, p.10).

De qualquer modo, este processo frisa a importância da avenida a partir

do seu espaço exterior e público (calçadas, canteiros centrais, leito carroçável)

e sua paisagem como plano de contato do usuário com o espaço da rua, que

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demonstra a prevalência da AP enquanto lócus do contato social como fator de

identidade da avenida.

Essa desocupação ou omissão do espaço tem, em geral, a raiz de um

mesmo fator, indicando que a falta de vivência é diretamente ligada à falta de

opinião ou de identidade compartilhada.

Até certo ponto, isto também remete à passagem da colocação da

Estátua de Manoel de Barros no canteiro da Avenida. “A celeuma com a

instalação da estátua ocorreu após recomendação do MPE (Ministério Público

Estadual) de que a obra não fosse instalada no espaço original, em frente ao

hotel de trânsito do Exército, por se tratar de uma área tombada”

(CAVALCANTE, 2017). Até que se decidisse por implantá-la em outro ponto do

canteiro - que na verdade também é tombado - outros locais foram cogitados, e

a população ficou em meio à polêmica, sem ser consultada sobre o valor do

próprio poeta homenageado ou de qual lugar estaria mais adequado à imagem

e relevância do mesmo para a cidade. Por fim, a mesma foi colocada na AP,

esquina com a R. Rui Barbosa, privilegiada pelas sombras das árvores

centenárias que justificam o projeto da obra artística feita em metal. O autor da

obra, artista plástico Ique, explica que “o sombreamento também era

tecnicamente muito importante para o trabalho, que tem proposta interativa, se

não ficar na sombra, ninguém senta, porque o bronze absorve o calor

naturalmente. (...) Este espaço é sombreado e está no coração da cidade”

(CAVALCANTE, 2017).

Do distanciamento da população para com o debate, a interatividade e a

polêmica chegaram a outro extremo – quando moradores de rua passaram a

usar o banco que compõe a estátua como local de pouso (Figura 8),

justamente porque quase todos os outros bancos da avenida já haviam sido

retirados anteriormente (JORNADA, 2018). Desde a ocasião do tombamento

dos canteiros, a população teve sua circulação e permanência limitadas por

cercamentos físicos e ausência de bancos. Os cidadãos, o elemento humano

da paisagem, foram impedidos de interagir com os canteiros ou a sombra de

suas árvores enquanto um novo elemento, artístico, estava sendo incluído. A

contradição e arbitrariedade ficaram expostas com a apropriação espontânea

dos moradores de rua, mas velada no restante da população campo-

grandense.

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Figura 8. Estátua de Manoel de Barros. vira abrigo para moradores de rua.

Fonte: JORNADA (2018).

O sentimento de pertencimento e seu rebatimento experiencial - a

apropriação - são fundamentais para a construção de identidade coletiva, pois,

“a criação dos ambientes sociais pode, nesse sentido, ser compreendida como

um prolongamento e um reflexo da imagem que uma sociedade tem de si

mesma” (FISCHER, 1994, p.09). A identidade coletiva pode ser construída por

meio de diversas ações de uso e apropriação, de forma que “o processo de

apropriação espacial, consequente das intensas relações da população com o

espaço, torna o ambiente rico em significados, conferindo à paisagem

construída a capacidade de expressar a identidade do local” (MANCEIRA,

2003, p.20).

Esse meio ambiente humano continua em mutação, e é, nesse contexto,

que se pode falar de cultura, esse movimento de criação simbólica que dá

significado aos objetos, aos espaços e aos pensamentos, fazendo ao mesmo

tempo a transmissão e a reformulação dos signos. Nesse sentido, pode-se

dizer que a identidade tem um caráter de permanência, de resistência e de

continuidade e que ela utiliza a memória como base de seus registros e de sua

transmissão (COSTA, 2002, p.146).

6.3.5.3. Fluxo: mobilidade e temporalidade

Por ser visualmente reconhecida, a dinâmica do fluxo e os ritmos

urbanos também oferecem direções ao entendimento de que questões ligadas

à vivência e experiência podem extrapolar a dimensão concreta presente no

espaço urbano.

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A Afonso Pena é urbanisticamente e funcionalmente ligada ao

‘movimento’, eixo de passagem, seja por uso do pedestre, ciclista ou

automóvel, caracterizando-se por axialidade estruturante das demais áreas de

Campo Grande. A origem da cidade de Campo Grande, calcada na qualidade

de rota de passagem, cristaliza-se na AP por meio da vocação da avenida em

se estabelecer como um lugar onde todos vão e passam. A centralidade da

avenida na malha urbana atual comprova que essa característica serviu como

condicionante do crescimento campo-grandense. Ao mesmo tempo em que

esta condição se coloca como grande qualitativo desta paisagem, é aquela que

mais oferece riscos e preocupações quanto ao seu patrimônio construído,

ambiental e histórico, dependendo das ações para com seu planejamento e

gestão urbana.

“O risco futuro, ligado ao tráfego e ao trânsito está na sua

condição linear de cortar a cidade de leste a oeste e assim,

um alcaide pode aparecer propondo um sistema de

transporte usando-a como meio e as árvores tombarem em

nome do progresso, como já tombou seu relógio”

(ARRUDA, 2016).

Este monumento, no cruzamento da Rua 14 de Julho com a Avenida

Afonso Pena foi o primeiro sucumbir à evolução do ritmo e fluxo urbano (Figura

9). Na década de 1970, devido ao crescimento da cidade, o bem público

precisou ser demolido. "Construíram na época sem imaginar que o trânsito

ficaria caótico com esse desvio no meio", explica Evandro Higa, fotógrafo do

crescimento da cidade nas décadas de 1970, 1980 e 1990. Uma réplica foi

erguida em 2000 a uma quadra de distância do ponto original, no canteiro

central da avenida (PAVÃO, 2014).

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Figura 9. 1º Relógio Central de Campo Grande, derrubado em 1970. Fonte:

HIGA apud PAVÃO (2014).

Desde então, a cada vez que se relaciona o fluxo com a área central da

avenida, torna-se expressiva a sensação opressora, a qual FISCHER (1994,

p.98) descreve como “o amontoamento (que) é o sentimento de desconforto

mais ou menos pronunciado produzido por uma situação de densidade”.

Ainda hoje, esta densidade é, em boa parte, enfrentada no alto tráfego

do Centro da cidade, onde faixas de pedestres na Avenida Afonso Pena estão

bem visíveis, mas são ignoradas no dia a dia (Figura 10). “Já acostumados a

“enfrentar” os veículos, as pessoas caminham de forma acelerada, com direito

a corridinha, mesmo com um policial paralisando o trânsito para garantir a

passagem em segurança”. A vendedora autônoma Gertrudes Batista da Costa

diz: “Só passo na faixa e só ando na calçada”, enquanto a atendente Daise

Sena, que passa quatro vezes ao dia pelo local, relata: “Quando não tem

policial é difícil atravessar. Às vezes um carro para, mas o do lado não”. São

depoimentos da conturbada vida de pedestre na principal avenida da cidade

(SANTOS, 2011).

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Figura 10. Policiamento para segurança no trânsito de automóveis e pedestres

na Av. Afonso Pena. Fonte: PERALTA apud SANTOS (2011).

Apesar da condição de cartão postal, a Afonso Pena sente os sinais da

contemporaneidade: trânsito no horário de pico confuso, com inúmeros

veículos, ciclistas e transeuntes. O resultado desta combinação muitas vezes

resulta em acidentes que causam lentidão na via, alterando o fluxo local do

trânsito e das pessoas (BOGO e FERNANDES, 2016).

O fluxo pode ser importante não somente pelos momentos em que é

verificada sua presença, mas também quando não acontece ou é

desacelerado, refletindo no grau de atenção e percepção da paisagem da

avenida. Enquanto a apropriação pelo movimento se manifesta devido ao

intenso fluxo de pessoas no horário comercial, em que essas se apropriam do

espaço exterior da avenida, a sombra oferecida pelas copas das árvores e os

raros bancos instalados nos canteiros proporcionam um ambiente para

ocupação estática, porém, não monótona.

Peculiarmente, é possível distinguir que o fluxo não é um fenômeno

restrito ao espaço, visível e mensurável apenas pelo sentido visual. Também

era relativizado ao tempo subjetivo, externando a perceptividade particular de

cada indivíduo quanto à velocidade dos acontecimentos. “Ao cruzar a Afonso

Pena de ponta a ponta tem-se a impressão de que os anos acompanham o

passar das quadras. São os extremos do avanço que deixou para trás o

começo e pulou logo para o final” (MACIULEVICIUS, 2013).

Com a explosão do tecido urbano em Campo Grande, com sua elevação

à capital do Estado na década de 1970, consolidou-se configuração urbana

radial onde praticamente todos os acessos convergem para o centro da cidade,

reforçando a centralidade comercial e de serviços que caracterizam a Av.

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Afonso Pena (PLANURB, 2006). Por isso, a AP, com posição central na área

urbana de Campo Grande, está ao alcance fisicamente dos mesmos. Mas,

mais que isso, é capaz de atrair mais do que fluxos de mercadorias, os fluxos

humanos. A professora aposentada Horaide Pavon Barros descreve que a

Afonso Pena “Continua um trecho calmo, tranquilo, só na hora do rush que o

trânsito é tumultuado, mas a gente não deixa de estar no coração da cidade. A

gente vê as vilas muito distantes, porque para nós aqui é tudo muito próximo”.

(MACIULEVICIUS, 2013).

Como conector estrutural entre partes da cidade, onde o Fluxo na

avenida AP aplica-se ao movimento de ir e vir, quanto à sua intensidade,

qualidade e direção e é capaz se fragmentar, dividir, limitar a paisagem em

trechos distintos. O Amambaí “não é que aqui tenha parado no tempo, mas (...)

demorou muito para desenvolver e pouca coisa mudou”. Já córrego acima,

Centro, Jardim dos Estados, Altos, “Lá é bem mais organizado, bonitinho(...)

então dá essa sensação de que aqui é desvalorizado e muito afastado de lá”

diz Aldivino Luiz da Cunha, morador da Avenida. (MACIULEVICIUS, 2013).

O fluxo, na abordagem sociológica de DAMATTA (1998) sobre a rua,

resulta do ritmo ditado pela memória e experiência: “O fluxo da vida, com suas

contradições, durezas e surpresas, está certamente na rua, onde o tempo é

medido pelo relógio e a história se faz acrescentando evento a evento numa

cadeia complexa e infinita” (DAMATTA, 1998, p.29).

Num modelo de cidade onde vias arteriais, grandes e largas, estão

sendo mais destinadas ao escoamento de automóveis do que ao resgate do

pedestre ao domínio da rua, a proporção do fluxo do desenvolvimento cultural

pode ficar inverso. Se o tempo e fluxo humano que percorrem a Avenida

Afonso Pena não forem apropriados pela gestão do patrimônio urbano que

constitui sua paisagem, corre-se o risco de que “o avanço virá aos poucos, a

passos lentos, ao contrário do fluxo do trânsito da pista e não seguindo a

ordem cronológica de existência da avenida”. (MACIULEVICIUS, 2013).

6.3.5.4. Limite: físico e percebido

Com base nos critérios de LYNCH (2005), a Avenida Afonso Pena pode

ser classificada como “Via” - eixo de circulação ao longo do qual um cidadão o

utiliza habitual ou ocasionalmente, à medida em que por ele se deslocam.

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Conforme registrou MACHADO (2000), a Praça Newton Cavalcante e o Parque

dos Poderes definem dois extremos “Limites” de sua extensão, que apesar de

serem obstáculos penetráveis, quebram a continuidade da Avenida. Ao longo

de seu comprimento, existem vários “Marcos”, elementos físicos e simbólicos,

que se tornam pontos de referência espacial e identitária da paisagem urbana.

Importante elemento na compreensão do Limite no estudo da Afonso

Pena foi constatar que seu espaço, de traçado contínuo, pode ser, na verdade,

interpretado como sucessão de diferentes subunidades, distintas por

características que lhe fazem peculiares. “A nossa concepção de espaço tem

em conta os limites das coisas. Se não tiverem limites, estabelecemo-los,

criando linhas artificiais (...)” (HALL, 1994, p.201).

Em se tratando das extremidades de começo e fim, as subunidades do

Bairro Amambaí e dos Altos simbolizam-se como tais, respectivamente. A

primeira toma, na visão dos usuários, o significado de ‘início’ ou ‘princípio da

avenida’, apesar de a avenida ter nascido em seu trecho central, pelo

pioneirismo como bairro e pelo maior tempo de existência, que remete ao

tempo passado. A segunda foi considerada como sendo o ‘término da avenida’,

pela pouca densidade e ocupação, que indefinem e deixam em aberto

possibilidades que remetem mais ao tempo futuro.

“São os extremos do avanço que deixou para trás o

começo e pulou logo para o final. Os prédios que de forma

simplória compõem o cenário da antiga avenida se

resumem a hotéis. Enquanto no trecho onde o presente e o

futuro se encontram, estão edifícios residenciais,

comerciais e até mesmo os que fogem do padrão e não

obedecem a regra, cada andar de uma altura.”

(MACIULEVICIUS, 2013).

Essas subunidades tornam-se, então, não somente definições físicas do

espaço da avenida, mas também metáforas que revelam valores

corporificados.

Um fator para essa diferenciação em partes também reside na topografia

variada pela qual a avenida passa, sobrepondo diferentes níveis e cruzando

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acidentes geográficos, como córregos e vales, que lhe conferem diferentes

ambientações e perspectivas, também combinadas ao subsistema

socioeconômico. Nascida e criada na Afonso Pena, a professora aposentada

Horaide Pavon Barros diz que o trecho privilegiado começa córrego acima, em

referência ao sentido leste, oposto ao curso do córrego Segredo. “As casas

mantêm o estilo, aos poucos que vem saindo sobrados. Mas eu tenho a

impressão de que do córrego para cima é que a avenida tem mais privilégios.

Até os jardins são mais bem cuidados” (MACIULEVICIUS, 2013).

Na dinâmica espacial da rua, o processo de limitação da paisagem

urbana não se restringe “(...) a reproduzir a divisão física das ruas: cada

segmento é marcado por tipos característicos e atividades correspondentes”

(MAGNANI, 2004, p.04), o que também se verifica na Afonso Pena. Edilberto

Souza, gerente de antigo hotel na região do Amambaí define: “Eu diria que são

dois pontos distintos. Shopping e Parque das Nações Indígenas; já aqui,

acesso ao aeroporto, onde ficaram situados só os hotéis” (MACIULEVICIUS,

2013). Para Fernando Moraes, morador do Jardim dos Estados, a área central,

“que antes era mais residencial, está se tornando comercial e que por isso tem

toda uma infraestrutura (...) de um bairro consolidado que está passando por

uma transformação” (MARIN, 2017).

Mas, independentemente do número de segmentos delimitados, a

explicação está no fato de que “(...) em todos os casos houve uma tentativa de

transcender a divisão sugerida pelo recorte físico das transversais” (MAGNANI,

2004, p.05) pelo fato de que a diversidade de um espaço não advém somente

da sua qualidade de sobressair-se visualmente, mas principalmente daqueles

indivíduos e grupos que nele existem e que dele se utilizam.

A engenheira civil Valéria Gabas, integrante do Conselho Municipal de

Meio Ambiente, também ressalta a característica mista do bairro Jardim dos

Estados - “Tem um setor comercial e casas antigas, pessoas que foram morar

em outras regiões. Eu cresci no Jardim dos Estados e ainda moro no bairro e

gostaria que houvesse a convivência entre as áreas de moradia com o serviço

que é forte” (MARIN, 2017).

Assim, “como um lugar se define como um ponto onde se reúnem feixes

de relações (...)” (SANTOS, 2006, p.77), o ingrediente ‘indivíduo’ e ‘sociedade’

se tornam fundamentais na apreensão dos significados que nele se depositam,

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principalmente, porque os limites que o definem, como no caso da Afonso

Pena, mesmo que sejam marcados e visualizados por elementos do espaço

urbano, são, em várias ocasiões, eleitos segundo parâmetros subjetivos e

pessoais, frisando o caráter significativo que esses valores desempenham na

setorização da avenida. “Olhe para o canteiro daquele trecho, o verde é numa

escala de cores apagada, há mais terra do que grama e folhas secas. É como

andar hoje numa Afonso Pena do século passado, porque o atual abriga nada

menos do que o Parque das Nações Indígenas, dono de um verde exuberante”,

descreve a professora aposentada Horaide Pavon Barros o Bairro Amambaí.

(MACIULEVICIUS, 2013).

Apesar dessa unidade formal, a avenida pode ser dividida ou limitada

em ambiências ou segmentos, segundo critérios pessoais, subjetivos, rebatidos

fisicamente da mesma forma, indicando sob quais maneiras a AP repercute em

seu usuário: econômica, histórica, afetiva, física.

Verifica-se que mesmo definindo elementos físicos do espaço urbano

para limitar extremidades ou trechos da avenida, os usuários atrelam

acontecimentos e usos para conferir respectivo caráter para tal.

Geometricamente falando, a reta da avenida é concisa, mas a vivência e a

interpretação se dão em função partes, dos segmentos de reta que preenchem

o cotidiano dos usuários.

6.3.5.5. Preservação e Transformações na Grande Avenida: Patrimônio e

Valor Cultural

O Patrimônio, assim como o Território, não existe a priori. Ambos são

construídos coletivamente e de forma intencional, ao longo do tempo. A

patrimonialização, como procedimento de salvaguarda, de conservação e de

valorização do patrimônio, ajuda a redefinir e fortalecer territórios. Por meios

desse processo, ocorre atribuição coletiva de sentido ao Patrimônio, traduzido

num acordo social implícito sobre valores coletivamente admitidos, que ajuda a

testemunhar identidade compartilhada. Nesse caso, a apropriação patrimonial

se confunde com a apropriação territorial e se expressa na forma que se

pretende usá-lo.

Até aqui, toda esta discussão colocada por meio das categorias de

leitura da paisagem da avenida Afonso Pena destaca a arbitrariedade com que

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ela e seu caráter simbólico e cultural tem sido tratado. A questão se coloca não

somente pela execução precipitada e inadequada, mas não ilícita, dos

regimentos, regras ou leis que a regem (Lei de Uso e Ocupação do Solo, Plano

Diretor e de Mobilidade, Ato de Tombamento, etc.), mas também pelo demérito

aos valores e significados culturais que a mesma personifica. A falta de

correspondência ou analogia entre os elementos formais de seus espaços

(canteiros, calçadas, monumentos, etc.) e as entidades a que eles se referem

(cidadão e sociedade) são indícios de que este fato não pode ser negado. São

muitos exemplos e fatos que concorrem para este entendimento (desocupação

da Pedra, replicação do Relógio, remoção dos carrinhos de lanche, isolamento

do Obelisco, etc.). Estas arbitrariedades podem resultar em desmotivação pela

população, culminando e corroborando o esvaziamento e abandono,

principalmente em áreas centrais, como já se verifica em tantas cidades pelo

mundo.

Isto posto, verifica-se que incluir a leitura destes que realmente

vivenciam (ou não) determinado espaço (população) por aqueles que planejam

o uso do mesmo (técnicos) e daqueles que assumem a sua administração

(gestores) é, senão interessante, como indispensável à gestão, preservação e

transformação sustentável de um dado Meio Ambiente urbano, como é o caso

da Avenida Afonso Pena.

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Quadro 2. Bens com Registros e Tombamentos em Campo Grande/MS.

BENS TOMBADOS – CAMPO GRANDE/MS

NO. BEM LOCAL CARÁTER QUALIDADE ESFERA DATA/

PROCESSO

01 Obelisco Av. Afonso Pena, 2949, Centro Monumental Material Municipal 09/09/1975 Lei n. 100

02 Museu ‘José Antônio Pereira’ Av. Guaicurus, Jd. Monte Alegre Arquitetônico Material Municipal 20/04/1983

Dec. n. 4.934

03 Morada ‘dos Baís’ Av. Afonso Pena, 1702, Centro Arquitetônico Material Municipal 04/06/1986

Dec. n. 5.390

04 Casa do Artesão Av. Afonso Pena, 1837, Centro Arquitetônico Material Estadual 13/07/1994

Dec. n. 7.863

05 Quartel General 9ª RM (Antigo Edifício Sede) Av. Afonso Pena, 2270, Centro Arquitetônico Material Estadual 26/07/1994 Lei n. 1.526

06 Conjunto dos Ferroviários R. dos Ferroviários, Cabreúva Arquitetônico Material Municipal 13/05/1996

Dec. n. 3.249

07 Complexo Ferroviário Rede Noroeste do Brasil Av. Calógeras, Cabreúva Arquitetônico Material Estadual 26/03/1997 Lei n. 1.735

08 Escola Estadual ‘Mª Constança de Barros Machado’ R. Mal. Candido Mariano Rondon, 450, Amambai Arquitetônico Material Estadual 03/07/1997 Res. SECE

09 Colégio ‘Osvaldo Cruz’ Av. Fábio Zahran (antiga Av.Noroeste), Centro Arquitetônico Material Municipal 27/10/1997 Lei n. 3.387

10 Igreja São Benedito ‘Tia Eva’ R. Dom Cirílo, Jd. Seminário Arquitetônico Material Municipal Estadual

07/05/1998 Res. SECE

11 Acervo Artes Plásticas ‘Lydia Baís’ --- Artístico Material Estadual 30/12/1998 Res. SECE

12 Escola Municipal ‘Isauro Bento Nogueira’ Sítio Histórico, Anhanduí Arquitetônico Material Municipal 10/01/2003

Dec. n. 8594,

13 Loja Maçônica ‘Estrela do Sul nº. 3’ Arquitetônico Material Municipal 29/06/2004

Dec. n. 8.966

14 Monumento Símbolo UFMS Av. Costa e Silva, Cidade Universitária, Pioneiros Monumental Material Municipal 10/01/2006

Dec. n. 9.489

15 Prato Típico ‘Sobá’ --- Cultural Imaterial Municipal 18/07/2006 Dec. 9.685

16 Loja Maçônica ‘Oriente Maracaju’ Av. Calógeras, 1952, Centro Arquitetônico Material Municipal Estadual

30/07/2007 Lei n. 3.406

17 Residência R. Antônio Maria Coelho, 1334 Arquitetônico Material Municipal 16/01/2008 Dec. 10.327

18 Árvore R. da Paz esq. c/ R. Rio Grande Do Sul Botânico Material Municipal 08/06/2009

Dec. n 10.875

19 22 Árvores (espécie Ficus microcarpa) e Canteiros Centrais da

Avenida Afonso Pena Av. Afonso Pena, entre R. Pedro Celestino e Av. Calógeras Urbanístico Material Municipal

17/08/2011 Dec. n. 11.600

20 Sede ‘Rádio Clube’ R. Padre João Crippa, 1280 Arquitetônico Material Municipal 15/8/2012

Dec. n. 11.937

Fonte: Adaptado de FCMS (2018)/ FUNDAC (2018).

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Outro ponto a ser destacado considera que, dentre o total de 20 (vinte)

bens tombados em esfera municipal e estadual localizados dentro do perímetro

urbano de Campo Grande (Quadro 2), 10 (dez), ou 50%, estão contidos dentro

do recorte de estudo aqui abordado, incluindo-se aí os canteiros centrais da

avenida Afonso Pena. Desta dezena de bens, 05 (cinco) estão precisamente

situadas na Afonso Pena, com a adição dos próprios canteiros, o que significa

dizer que metade deles (50%) está na avenida (Figura 11).

Figura 11. Área de recorte do objeto de estudo, Av. Afonso Pena, entorno e

bens tombados, CGR/MS. Fonte: Adaptado de Google Earth (2018).

De um lado, vê-se, o peso que a avenida possui como um vetor do

processo de patrimonialização da cidade. Ao mesmo tempo, compreende-se

que sua área de entorno, embora não definida pelo Tombamento de parte da

Avenida, opera papel relevante neste contexto. Ou seja, a preservação da

avenida Afonso Pena prescinde também do resguardo patrimonial de

elementos que giram em sua periferia, material e imaterialmente falando.

Se entendermos que “Lugar significa mais do que uma localização”

(NORBERG-SCHULZ apud NESBITT, 2006, p.447), a rua, então, se apresenta

como um universo múltiplo de relações e acontecimentos, cada qual lhe

aferindo um espírito singular. Ao compreender o subsistema simbólico e

cultural da Avenida Afonso Pena, fica explícito que muito mais do que simples

referência espacial ou geográfica, sua paisagem se apoia em qualitativos ao

longo de sua extensão, bem como do seu entorno direto, para se tornar

referência simbólica.

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O agrupamento isolado dos canteiros centrais, somente, não é e nem

pode ter a pretensão de resguardar todo um conjunto de valores complexos e

dinâmicos que constituem a paisagem cultural da Avenida Afonso Pena. Sua

compreensão, como colocado, extrapola seu limite vetorial e abrange a escala

local dos bairros centrais da cidade, bem a escala regional da zona urbana

municipal.

6.3.6. Conclusão

As categorias de análise da paisagem na dimensão cultural apontaram a

diversidade e o cruzamento de olhares neste território único que é a Avenida

Afonso Pena. A identidade, a memória, o fluxo e o limite tornam-se, então, não

somente definições físicas do espaço da avenida, mas também metáforas que

revelam valores identitários corporificados.

São diversos os atores que constituem o elemento humano nesta

paisagem urbana, dentre eles empresários, comerciários, turistas, gestores

municipais, munícipes, dentre tantos outros. A percepção destes por meio dos

relatos históricos, jornalísticos, documentais, registrou conhecimento e relação

com os elementos da paisagem da AP.

Embora haja diferenças de memória na avenida, onde uma ou outra

geoface se destaca mais ou menos positiva ou negativamente, essa, como

campo subjetivo e psicológico que é, promove e consolida a formação da

identidade, vinculada aos espaços vividos, participando da preservação e da

transformação da avenida como patrimônio cultural local. O fluxo e limite,

embora fatores de dimensão mais física, também refletem impressões

subjetivas, tornando-se parte integrante da percepção da paisagem da avenida,

estabelecendo divisões e movimentos.

O sentido de lugar, seu “genius loci” (NORBERG-SCHULZ apud

NESBITT, 2006, p.451), só se faz acontecer mediante aqueles que vivenciam e

experienciam o espaço e lhe conferem significação, sensível e relativa, que

extrapola as meras condicionantes funcionais. A avenida AP se manifesta

como um lugar à disposição de todos, à princípio, sem distinções sociais,

caracterizada pela diversidade que lhe torna representativa na cidade.

Fatores econômicos, políticos ou culturais podem alterar a importância

que é designada ao mesmo, pois “o valor atribuído a um dado lugar pode variar

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ao longo do tempo” (CORRÊA, 1995, p.40). Essa alteração pode ser vista na

subunidade Bairro Amambaí ou Centro, que de um lugar bucólico para seus

moradores, se tornou um lugar esquecido para todos que frequentam a

avenida.

Apesar de ser qualidade perene à trajetória de vida e existência de um

lugar, esse “genius loci” não é estanque; possui ainda a qualidade de se

transformar à medida que a existência decorre. “Até certo ponto, o caráter de

um lugar é uma função do tempo; ela muda com as estações, com o correr do

dia (...)” (NORBERG-SCHULZ apud NESBITT, 2006, p.451). é isso que precisa

ser levado em conta, por exemplo, quando se retira, precipitadamente os

dogueiros da avenida ou a Pedra dos canteiros, pois são eles que, hoje,

justificam e potencializam valores do passado, como o footing central os as

árvores centenárias. É dentro dessa compreensão que SANTOS (2006, p.78)

confirma que “há uma alteração no valor do objeto (lugar), ainda que

materialmente seja o mesmo, porque a teia de relações em que está inserido

opera sua metamorfose”.

Assim, pôde-se confirmar que mergulhar na atmosfera local que constitui

a Afonso Pena e absorver seu “genius loci” é possível por meio do plano do

vivido, do incentivo à permanência, ao contato cotidiano com os elementos

materiais, naturais e construídos da sua paisagem, que constroem tanto seu

valor afetivo como patrimonial. “Pode ser o bairro, a praça, a rua, o condomínio,

a pequena vila ou cidade, o lugar rural, desde que possibilitem o encontro

coletivo e relações de afetividade. (...) O lugar, portanto, é onde a vida se

desenvolve em todas as suas dimensões” (LE BOURLEGAT, 2000, p.17-18).

Na Avenida Afonso Pena, conclui-se que o Tombamento parcial dos seus

canteiros centrais não toma esta dinâmica como origem deste processo,

tampouco a toma como destino de suas ações de transformação desta

paisagem urbana.

6.3.7. Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código

Financiamento 001. A autora também agradece a Universidade Federal de

Mato Grosso do Sul – UFMS, a Universidade Anhanguera UNIDERP -

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Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal e a

Universidade Católica Dom Bosco – UCDB.

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7. Conclusão Geral

O tema e objeto desta pesquisa, a Avenida Afonso Pena, apresentou-se

muito oportuno, principalmente por ter sido realizado concomitantemente ao

momento em que a AP se torna objeto de novas proposições de uso e de

possíveis ressignificações, a partir e em decorrência do processo de

tombamento de parte dos seus canteiros centrais.

O repensar deste espaço, no seu contexto do espaço-tempo histórico,

geográfico, cultural, bem como do ponto de vista da Paisagem – pensada como

ambiente natural (geossistêmico), territorial (espaço real, efetivamente

construído e vivido) e cultural (das percepções, valores e significados

atribuídos ao longo do tempo), traz consigo contribuições às tomadas de

decisão, relacionadas à gestão urbana de forma mais sustentável,

minimizando, assim, as arbitrariedades dispensadas para com a avenida. Da

mesma forma, também pode vir a servir de referência às situações de mesma

natureza, vivenciadas em outros territórios urbanos similares, sejam eles locais,

regionais ou nacionais.

O desenvolvimento das indústrias, a grande ênfase na mobilidade

urbana e o uso exagerado de veículos particulares, criou o ideal de vias largas

em grandes cidades. Herança do urbanismo no século XIX, que acabou por

influenciar vários planos diretores e traçados urbanos, como ocorreu em

Campo Grande. Nascia, assim, a Avenida Afonso Pena, como um Boulevard,

cuja proposta original previa a implantação de árvores em seus canteiros

centrais.

A utilização de outros recursos do urbanismo clássico, como o da

perspectiva monumental, com a inserção de símbolos da modernidade, e hoje

contemporaneidade, em pontos estratégicos, também tinha e ainda tem a

intenção de ostentar, por meio de monumentos, o poder político. O antigo

Relógio, o Obelisco, o novo Relógio, o viaduto, estátua do Poeta, os próprios

canteiros hoje tombados da Avenida são grandes evidências para este fato.

Contudo, de maneira intuitiva, mas com a comprovação da pesquisa, o

seu reconhecimento como local relevante para Campo Grande não advém

somente dessa memória histórica, estando mais ligada, assim, à sua

participação enquanto cenário de vida própria história de seus usuários.

Quanto mais se usa e se apropria o espaço da avenida, mais sua paisagem

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adere significados e valores, e mais forte seu patrimônio material e imaterial

ficam. Porém não é o que tem sido previsto e aplicado na Avenida.

A partir dos subsistemas físico natural e construído, socioeconômico e

cultural investigados com base no sistema GTP, pôde-se refletir sobre os

impactos locais e/ou regionais deste recente fato. Com o processo

metodológico proposto pode-se analisar, por meio complexo espectro de

Paisagem, um Meio Ambiente urbano tão singular quanto a Avenida Afonso

Pena, indicando-se possíveis diretrizes arquitetônicas e urbanísticas que

preservem suas dimensões paisagísticas sem comprometer seu

desenvolvimento ambiental permanente.

A pesquisa empírica, apoiada nas observações da avenida, no Artigo I,

foi de fundamental importância para identificação na AP de seus elementos que

configuram diferentes ambiências e corporificam os valores impregnados de

significados para os campograndenses. As análises tecidas evidenciaram as

peculiaridades espaciais da avenida quanto à arborização, topografia, recursos

arquitetônicos e marcos na paisagem.

O levantamento e a análise do processo de formação de Campo

Grande, onde se inseriu a estruturação e configuração socioeconômica que

resultaram na Afonso Pena de hoje, como foi visto no Artigo II, revelou como o

desenvolvimento urbano e histórico foram aliados para sua relevância no

contexto local. Além disso, revelou-se o potencial que a avenida tem para o

turismo local intraurbano.

Ao mesmo tempo, aprofundar o estudo acerca das questões simbólicas

e culturais que transformam esta rua em síntese e laboratório da experiência

urbana na cidade, como apresentado no Artigo III, contribuiu para compreender

e salientar a sonegação dos valores e significados, bem como da apropriação

que a população faz de todo o seu conjunto. São parâmetros complementares

à dimensão material do espaço que ajudam gestores, técnicos e a própria

população a relacionar questões que estão ligadas à apreensão da rua como

Lugar.

O sistema GTP estabelece conjugação intrínseca aos preceitos da

sustentabilidade no meio ambiente. Paralelamente, o geossistema dá bases

ambientais, o território constrói bases socioeconômicas e a paisagem entrelaça

bases simbólicas que explicam e permitem reconhecer potenciais e riscos para

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o desenvolvimento local, oferecendo oportunidades de planejamento decisivas

para a preservação e transformação da qualidade de vida nas cidades.

Somente entrelaçadas estas três dimensões é que o processo de

patrimonialização é duplamente expressado e internalizado pela população.

Dessa maneira, pôde-se avaliar se há contradições ou coerências entre

sua preservação e sua transformação ambiental. Isto significa dizer que foi

cumprido o objetivo geral de “compreender a multiplicidade e a evolução da

Paisagem da Avenida Afonso Pena, em Campo Grande/MS, no tempo e no

espaço, com vista à Gestão Urbana sustentável do Meio Ambiente voltada ao

desenvolvimento local e regional, apontando impactos locais e/ou regionais

decorrentes do decreto de Tombamento dos canteiros centrais (entre R. Pedro

Celestino e Av. Calógeras) ao longo de toda a extensão da Avenida Afonso

Pena (do Parque dos Poderes à Praça Newton Cavalcanti)”.

Assim, a questão inicial de “considerar e refletir até que ponto o recente

tombamento da avenida Afonso Pena, em Campo Grande/MS, pode contribuir

para minimizar possíveis proposições arbitrárias que possam interferir na

sustentabilidade (ambiental, social e cultural) desse espaço ou reforçar o

engessamento no uso desse patrimônio” pode ser apresentada como

contribuição e novidade. Essencialmente, porque corrobora que este ato legal

trouxe legitimação de significado coletivo à paisagem central da cidade, mas ao

mesmo tempo, marginalizou e tirou estímulos do seu contexto que justifiquem a

fonte e origem desta significação e simbolização: o cidadão urbano.

As intervenções feitas após 2011 nos canteiros da avenida trouxeram

sentido contrário à preservação, sem necessariamente se dirigir à uma

transformação qualitativa da Avenida Afonso Pena. Desse modo, o

tombamento tem se mostrado muito mais inadequado e arbitrário, assim como

todas as ações decorrentes deste manifesto, do que diferente.

No caso da Avenida Afonso Pena, este estudo aponta alguns reflexos e

contradições de que o tombamento dos canteiros sublinha potenciais e riscos

desta rica e diversa paisagem, na intenção de que arbitrariedades sejam

minimizadas e a sua patrimonialização ampliada a todo o seu conjunto

paisagístico:

Isolar as árvores centenárias da população, com cercamentos, retiradas

de bancos e afins, não trouxe preservação a ponto de as árvores não

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morrerem. Ao contrário, diluir a concentração física e simbólica das árvores

centenárias do centro para os demais canteiros pode ampliar a imagem da

arborização para outros pontos da avenida, considerando-se a possibilidade

imensa que o cerrado oferece para tanto. A combinação disto com os recursos

arquitetônicos diversificará e consolidará os diversos perfis da avenida para

local de relações interpessoais – alimentação, lazer, recreação. Para tanto é

preciso se sentar em mesas, cadeiras, com lixeiras próximas a se usar, etc.

Estender a ciclovia de uma ponta a outra, somente, não garante a

existência da mobilidade urbana. Faltam calçadas para caminhar, pérgulas

para descansar, enfim, articulações de fluxos com segurança e distinção.

Apesar de garantir a preservação das árvores centenárias na porção central

dos canteiros, a remoção dos estacionamentos a 45° não incorporou medidas

que proporcionem ‘vitalidade humana’ à avenida. De um falso progresso

estimulado pelo ordenamento do trânsito e privilégio do automóvel, como

aconteceu com o Relógio ou quase voltou a acontecer com o Obelisco,

população, através do noticiário local, demonstra-se sendo preterida, por não

ter sido consultada em nenhum momento a respeito dessas intenções.

O canteiro da avenida, como área verde livre pública, carece de ser vista

como reserva de espaço comunitário que combina qualitativos para exercício

da vida urbana. A sustentabilidade ambiental, social e cultural desta paisagem

natural e construída depende da ligação e aplicação destes fatores. Qualquer

mudança direcionada ao espaço da avenida, sem o conhecimento da realidade

simbólica que se atrela a esse contexto, pode acarretar em danos às relações

ambientais, sociais e culturais que, mesmo tidas como invisíveis, têm grande

peso em sua paisagem urbana.

A partir disso, o planejamento e a gestão as paisagem da Avenida

Afonso Pena deve assumir algumas diretrizes que estejam voltadas para as

forças que engendram a sua produção, preservação e transformação.

Campo Grande dispõe hoje de diversos parques lineares, que são áreas

que margeiam córregos com finalidade primordial de proteção da mata ciliar e

preservação ambiental, algumas com equipamentos de lazer. A Avenida

Afonso Pena não é uma via marginal, mas sim um grande veio de

desenvolvimento da cidade. A mesma pode e deve ser vista como um local

propenso a se tornar um grande Parque Linear. Isto marcaria uma série de

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intervenções sociais, urbanísticas e ambientais em uma das principais áreas de

Campo Grande, que além do turismo urbano, atrairia projetos de educação

ambiental em ponto central, privilegiado e extenso. Sendo dotada de vários

equipamentos para condição de utilização múltipla, que lhe são ausentes ou

desvalorizados, como lazer, recreação, apropriação, comercialização e também

para a cultura, voltar-se-ia a ações destinadas à recuperação e revitalização da

infraestrutura urbana e ambiental. Esta estratégia pode ofertar a visão de

conjunto à avenida, que percebida por fragmentos da paisagem marcados por

personalidades tão distintas, tem sido trata por fatias que não se alinham. Não

seria apenas o caso de embelezamento, mas principalmente da possibilidade

de qualidade de vida maior para a população, com mais atrativos de

apropriação, se colocaria mais em contato e próxima da paisagem da avenida.

Isto é importante pois, visto ser uma área extensa, a manutenção exigiria não

somente o aporte financeiro e técnico do poder público, mas também a

fiscalização constante da população para que esta valiosa paisagem seja

permanentemente e constantemente preservada e transformada em conjunto.

Recordando o patrimônio material de Belo Horizonte, em fato ocorrido à

avenida homônima da cidade, repentinamente, os gigantescos Ficus da

também Avenida Afonso Pena mineira, o mais importante cartão postal da

cidade, foram cortados. Felizmente, a Avenida Afonso Pena campo-grandense

já tem os grandes fícus de sua paisagem tombados. Mas isto não quer dizer

que a Avenida não sofra mais riscos contra o seu patrimônio, seja ele tombado

ou não.

De modo preventivo, subsistemas e dimensões naturais e construídas,

valores socioeconômicos e afetos e significados validados pela população

campo-grandense que indicam a maneira pela qual AP se apresenta aos olhos

de quem a vivencia estão sendo resguardados ao se fazer esta pesquisa. Mas,

dada a dinâmica inerente à construção das paisagens, muitos outros podem se

perder antes mesmo de serem conhecidos ou vividos pela população. Por isso

é tão caro a apropriação dos Lugares, como resultado expressivo do contexto

cultural em que se encontra, o significado da paisagem da Avenida Afonso

Pena pode persistir no tempo, servindo de influência a outras gerações.

A necessidade dos homens de se enraizarem a um espaço vincula-se ao

anseio por identidade, seja individual, bem como coletiva. A manifestação dos

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lugares como lembranças vivas, passadas e presentes, através de seu espaço,

sentidos e pessoas, propicia a habilidade de formar um repertório mnemônico.

O meio urbano, coletivo por princípio, é extremamente importante ao propiciar

o suporte da memória, já que as lembranças são como pedras que formam,

literalmente, a cidade.

O escritor Victor Hugo considerava que a cidade, por sua arquitetura, é

tal qual um livro, no qual cada pedra é uma letra, cada hieróglifo, uma ideia.

Assim como o diálogo entre Marco Polo e Kublai Khan que abre este trabalho,

as frentes de investigação do sistema GTP, constroem e ligam a análise

ambiental da Avenida Afonso Pena. Os subsistemas socioeconômico, cultural e

geográfico, distintamente sedimentam as bases para a compreensão

articulada, complexa, híbrida e dinâmica que define a Paisagem da Avenida

Afonso Pena como uma ponte que conecta os habitantes ao seu meio

ambiente urbano em diferentes dimensões temporais e espaciais.

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APÊNDICE

MAPA-CHAVE

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