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1
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
AVM – FACULDADE INTEGRADA
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
Elizabeth João Soto
ORIENTADORA: Maria Esther de Araujo
Prof. (nome do orientador)
EDUCAÇÃO INCLUSIVA E DISLEXIA: POSSIBILIDADES E LIMITES PEDAGÓGICOS NA CONTEMPORANEIDADE
2
Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Educação Especial e inclusiva Por: Elizabeth João Soto
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
AVM – FACULDADE INTEGRADA
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
EDUCAÇÃO INCLUSIVA E DISLEXIA: POSSIBILIDADES E LIMITES PEDAGÓGICOS NA CONTEMPORANEIDADE
Rio de Janeiro
2016
3
AGRADECIMENTOS
Ao Centro Educacional da Lagoa pela oportunidade de viver a pedagogia todos os dias
4
DEDICATÓRIA
Ao meu marido Gregório
Às minhas filhas Mariana e Ana Carolina
& May chagas, amiga e diretora do CEL
5
RESUMO
Esta monografia tem por objetivo trazer e discutir algumas questões
contemporâneas e de grande pertinência para o campo da educação especial,
tendo como ênfase a dislexia. A partir dessa investidura, a escrita desse texto
se consubstancia em uma pesquisa qualitativa que atravessa a definição da
patologia, seus impasses no cotidiano das escolas e, também, as leis nacionais
que tentam garantir espaço para crianças com necessidades educacionais
especiais. O estudo mostra que, infelizmente, estamos longe de oferecer uma
escola ideal a esses sujeitos, visto que tanto pais e profissionais ainda lutam
para garantir, na prática, uma educação de qualidade frente a dislexia. Nesse
contexto, essa monografia apresenta alguns horizontes de possibilidades para
enfrentarmos a dislexia, bem como tentar tirar o estigma a ela relacionado ao
longo das décadas.
6
METODOLOGIA
Como procedimento metodológico, pensa-se, inicialmente, em fazer um
apanhado sobre leis e diretrizes atuais abarcam a educação inclusiva no Brasil.
Em seguida, trazer contribuições de Fernando Capovilla (2001; 2004) para as
discussões mais centrais sobre dislexia, proposições acerca dessa dificuldade
cognitiva e elucidações sobre como podemos ensinar e experienciar a dislexia
de outros modos. Apresenta, também, as discussões da professora Camila
Machado de Lima, que defendeu seu mestrado na Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) em 2014 e logo publicou sua pesquisa em
livro1, na qual disserta sobre educação de surdos, mas traz um excelente
apanhado sobre políticas de inclusão no Brasil. Dentre outros autores que
ajudam nessa discussão estão Boaventura de Souza Santos (2008), quando
problematiza a racionalidade técnica como um ranço da modernidade, que nos
formou para segregar, dividir e invisibilizar sujeitos historicamente excluídos por
serem “diferentes”, por desviarem de um “padrão” de comportamento e/ou
lógica de pensamento ocidentalizado. Por fim, será trazido alguns estudos
recentes sobre o campo dos estudos e pesquisa do cotidiano (ALVES, 2001;
GARCIA, 2003), por acreditar que é nele, no cotidiano, que encontramos
situações reais de inclusão (ou não) que podem ajudar a alargar nossas
compreensões e ações sobre e com pessoas com dislexia.
Vale salientar que esses autores ajudam a pensar e praticar outros
modos de pensar a inclusão nas escolas e a enfrentar a dislexia não como
desvio ou problema, mas como potencialidade para lidarmos com a diferença e
enxergamos o outro como legítimo em nossas relações e desafios cotidianos. A
intenção é desnaturalizar o discurso hegemônico que afirmam que sujeitos
diagnosticados com dislexia não aprendem ou simplesmente precisam ser
colocados à margem de práticas educativas por serem “especiais”, ocupando o
lugar dos excluídos, dos deficientes, dos diferentes e, por isso, “atrasados”.
1Educação de Surdos (desafios para a prática e formação de professores), publicado pela editora WAK.
7
Nesse sentido, esta monografia vai se desafiar em fazer um estudo
bibliográfico com questões a serem pensadas para e no campo da educação
inclusiva.
Por fim, é importante afirmar que esta pesquisa se trata de uma
pesquisa qualitativa, pois se baseia em hipóteses pertinentes ao tema central.
Através destas hipóteses, a pesquisa vai sendo tecida por argumentos da
autora do trabalho. Vale ressaltar que esse tipo de pesquisa privilegia
fenômenos cotidianos e faz uso de situações reais para que se desenvolvam
questões, abordagens e afirmações sobre determinada temática.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 09
CAPÍTULO I
O QUE É DISLEXIA? 12
CAPÍTULO II
MAS O QUE A LEI GARANTE? 19
CAPÍTULO III
POSSÍVEIS CAMINHOS PARA TRABALHAR A DISLEXIA NO COTIDIANO
ESCOLAR 26
CONCLUSÃO 31
BIBLIOGRAFIA 32
ÍNDICE 34
ÍNDICE DE FIGURAS 35
ANEXOS 36
9
INTRODUÇÃO
Neste momento, planejo a monografia contendo, inicialmente, uma
introdução, na qual me apresento e situo minhas intenções com professora e
pesquisadora. Explicito minhas inquietações e lanço mão de algumas
perguntas norteadoras do trabalho, as quais não precisariam ser respondidas a
priori, mas discutidas à luz de alguns estudos e percepções pessoais sobre a
inclusão de alunos com dislexia nas escolas.
Em seguida, apresento uma breve metodologia de trabalho, com meus
procedimentos metodológicos e, principalmente, autores e teorias com as quais
pretendo investir para me ajudar a encontrar pistas, possibilidades e mesmo
limites para o trabalho com a dislexia em âmbitos educacionais. É aqui que
abro possibilidades de compreensão sobre o tema e puxo um fio para me
lançar mais detidamente à discussão teórica, epistemológica e política sobre a
inclusão.
Os capítulos posteriores vão se adensar mais sobre a fundamentação
teórica e uma breve análise de leis e diretrizes nacionais sobre o tema. Assim,
pensarei como essa investidura me ajuda praticar a inclusão de modo a
compreender a dislexia como uma patologia leve, visto que esta não está
relacionada com problemas de desenvolvimento humano. A pessoa disléxica
tem um outro tempo para compreender as coisas, as lógicas, as técnicas de
aprendizagem impostas pela escola e mesmo pela sociedade. Será que somos
ou estamos preparados para entendê-la dessa forma?
Há muitos anos a questão da educação inclusiva me toca, como pessoa
e professora, porque acredito que há muito para se avançar, seja em âmbito
privado, mas sobretudo público, no que tange a essa problemática educacional.
Comumente, através da minha formação e atuação há pouco mais de 30 anos
em escolas, é perceptível a crescente politização de práticas de inclusão nas
quais a diferença é negada em prol da ilusória homogeneidade supostamente
presente nas escolas, turmas, nas salas de aula.
10
Contudo, por meio de pesquisas recentes acerca sobre políticas de
inclusão nas escolas e minhas experiências recentes como profissional em
uma escola particular situada no bairro Jardim Botânico, zona sul do Rio de
Janeiro, percebo o quanto estamos distantes de um quadro ideal de inclusão. A
visão um tanto utópica de que toda diferença e todos os diferentes são
legitimados em suas deficiências será sempre uma tendência e um desafio a
ser problematizado, mas o que nos tem dito os últimos estudos sobre isso? O
que as últimas pesquisas no Brasil e no mundo nos apontam sobre possíveis
avanços nas políticas de inclusão nas escolas?
Longe querer responder a essas perguntas a priori, esta monografia se
interessa, mais especificamente, discutir e levantar questões pertinentes a
práticas de inclusão de crianças e adolescentes diagnosticados com dislexia.
Sabemos que existe, ainda, um grande abismo entre os discursos políticos (e
também curriculares) e os cotidianos das escolas, o que acaba provocando
conflitos internos em relação a essa patologia2, vivida e praticada por sujeitos
dia-a-dia. Nesse sentido, professores e outros profissionais, na escola, se
encontram em contextos bastante complexos, implementando,
precipitadamente e às vezes erroneamente, práticas de inclusão.
Por esse motivo, este trabalho monográfico pretende apresentar
justificativas mais sólidas para discussão deste tema, bem como objetivos e a
abordagem teórico-metodológica, que vai privilegiar o resultado/discussão de
algumas pesquisas recentes sobre esta temática, na tentativa de abrir
possibilidades outras de trabalho com dislexia nas escolas.
Essas inquietações partem do pressuposto de que há muito com o que
avançar em âmbitos pedagógicos no que tange a dislexia, visto que sua
complexidade e constante atenção não são garantidas por todas as escolas.
Sabemos que generalizar é difícil, mas com a crescente medicalização da
educação – na qual há muitas ressalvas – a dislexia vem sendo enfrentada,
muitas vezes, como um desvio de comportamento, algo passageiro e pontual.
Contudo, esta patologia não tem cura e exige acompanhamento por toda a
vida.
2 Vou defender o uso da palavra patologia em vez de “síndrome”, “doença” ou “dificuldade”, que acaba estigmatizando o sujeito disléxico. O sujeito com essa dificuldade lida com a aprendizagem de outros modos, em outros tempos, o que não significa que não vá aprender.
11
Por isso, este texto tem por objetivo clarificar como a dislexia tem sido
enfrentada pela escola e, sobretudo, pela escola. Que limites e possibilidades
ainda encontramos, além das frágeis leis que garantem (ou não) a qualidade
de tratamento da patologia no Brasil.
Ou seja, a pesquisa pretende, também, fazer um apanhado histórico de
como a inclusão vem sendo enfrentada em âmbito nacional, ou seja, como o
Brasil, em aspecto macro, vem avançando (ou não), em suas políticas
educacionais voltadas para a inclusão e, consequentemente, para a dislexia.
No que tange a organização da pesquisa, ela está estruturada
basicamente por capítulos e subcapítulos. Após esta breve introdução,
encontraremos, logo em seguida, a metodologia escolhida, com autores que
discutem direta e indiretamente a dislexia. Na fundamentação teórica,
levantaremos questões pertinentes à pesquisa. A partir do capítulo I, será feita
uma contextualização da dislexia, com informações e dados atuais sobre ela e
as precauções que devemos ter para e com a patologia. No capítulo II, dividido
em subitens, haverá uma discussão sobre as leis que garantem ou não a
dislexia como patologia passível de enfrentamento nas escolas, dentro do
contexto da educação especial. No capítulo III, veremos possíveis caminhos
para trabalhar a dislexia no cotidiano escolar, lembrando que esta pesquisa
não terá um campo delimitado de análise, mas hipóteses e questionamentos a
partir de pesquisas bibliográficas sobre o tema. Por fim, o capítulo de
conclusão, irá encerrar o trabalho, com prerrogativas acerca da dislexia e as
aprendizagens com o estudo.
12
CAPÍTULO I
O QUE É DISLEXIA?
A fundamentação teórica, principalmente, se dá em livros do médico
Dráuzio Varella, de artigos de Fernando Capovilla (2001; 2004) e discussões
com alguns profissionais da área.
Como já escrito anteriormente, serão privilegiados alguns autores e
teorias que ajudam a pensar a dislexia em um contexto de inclusão real e não
sob a ótica de um sistema que só fabrica, produz e repete discursos. Na
escola, o cotidiano é vivido por muitos sujeitos, com diferentes práticas e
narrativas sobre o que é ser incluído, como e por quê. As opiniões são
diversas, singulares e legítimas, mas quando falamos sobre dislexia, estamos
falando de uma patologia que exige um acompanhamento (e tratamento)
cauteloso. Contudo, existe um equívoco nesta cautela: quando decidimos
acompanhar uma pessoa com dislexia, por vezes caímos na armadilha de
excluí-la dos demais, das pessoas “normais” e, então, de distanciá-la de
processos pedagógicos comuns. Será essa a única saída? O estigma
permanece ou ele pode (e é) disfarçado?
De início, é importante dizer que a dislexia é uma patologia sem cura,
porém não é grave se acompanhada com paciência e persistência.
A sua causa é genética e hereditária e seus sintomas são variados, mas
se tornam bastante visíveis durante a alfabetização do sujeito, mas
comumente, nas crianças. Os sintomas são variados, mas se articulam entre si:
dificuldade em ler e escrever e de “decorar” conteúdos simples, como uma
tabuada em matemática e sentenças gramaticais, se tratando de Língua
Portuguesa. Disléxicos também trocam letras ao escrever e podem ter sua
coordenação motora comprometida. Por isso, a dislexia, quando não
diagnosticada corretamente, pode ser confundida com outras patologias, como
déficit de atenção por exemplo.
O diagnóstico é feito por acompanhamento integral de atividades
desenvolvidas pelo sujeito, comparando-as com a de outros, para começarmos
a fazer as interferências e, por fim, o diagnóstico. É muito importante
estabelecer o diagnóstico precoce para evitar que sejam atribuídos aos
13
portadores do transtorno rótulos depreciativos, com reflexos negativos sobre
sua autoestima e projetos de vida. Por isso, é importante, também, equilibrar o
“peso” que esta patologia pode ganhar cotidianamente – é intrínseco, para o
tratamento, saber e se apropriar da patologia, mas cautela e sensibilidade
fazem diferença nos momentos de acompanhamento – que durarão a vida
inteira.Deve-se ressaltar ainda, que a identificação precoce da dislexia é
importante porque o cérebro apresenta maior plasticidade em crianças
pequenas e é potencialmente mais maleável para um redirecionamento dos
circuitos.
Por isso, algumas complicações são possíveis para os portadores da
dislexia. Sobretudo problemas emocionais, que se agravam no ambiente
escolar, frente aos possíveis fracassos e comparações com outras crianças,
que acompanham as atividades em um ritmo compreendido pela escola como
o ritmo normal. Felizmente, através dos anos, diversos educadores, pais e a
própria ciência, em conjunto com a própria sociedade, vêm amenizando os
complicadores de que tem o diagnóstico comprovado. Se antes a patologia não
era compreendida, hoje ela é não só estudada, mas vista com outros olhos
pela maioria das pessoas que lidam diretamente com sujeitos disléxicos.
Em suma, precisamos focar em detalhes importantes antes de
seguirmos com a pesquisa. Para um diagnóstico preciso, como já dito, é
necessário se deter a alguns sintomas. Segundo Estill (2005) existem muitos
sinais visíveis nos comportamentos e nos próprios aparatos infantis, como os
cadernos das crianças, que podem auxiliar aos pais e educadores a identificar
precocemente alguns aspectos preditivos de dislexia, entre eles:
• Demora nas aquisições e desenvolvimento da linguagem oral;
• Dificuldades de expressão e compreensão;
• Alterações persistentes na fala;
• Copiar e escrever números e letras inadequadamente;
• Dificuldade para organizar-se no tempo, reconhecer as horas, dias da
semana e meses do ano;
14
• Dificuldades para organizar sequências espaciais e temporais, ordenar
as letras do alfabeto, sílabas em palavras longas, sequências de fatos;
• Pouco tempo de atenção nas atividades, ainda que sejam muito
interessantes;
• Dificuldade em memorizar fatos recentes - números de telefones e
recados, por exemplo;
• Severas dificuldades para organizar a agenda escolar ou da rotina diária;
• Dificuldade em participar de brincadeiras coletivas;
• Pouco interesse em livros impressos e escutar histórias;
• Demora nas aquisições e desenvolvimento da linguagem oral3.
3 Tópicos trazidos e adaptados do site http://www.profala.com/artdislexia13.htm Acessado em 18.11.2015
15
A figura abaixo é emblemática para entendermos mais objetivamente a
patologia:
Figura 1. Fonte: http://psicopedagogiaclin.blogspot.com.br/2015/02/dislexia.html
Com isso em mente, e apesar de serem muitas as frentes de
diagnóstico, suas consequências não são graves e permitem que a pessoa
disléxica conviva com a sociedade sem complicadores sociais. As
posturas/ações/comportamentos variam, mas não prejudicam os disléxicos nas
tarefas simples do dia-a-dia.
16
Infelizmente, muitas pessoas ainda se confundem em relação à dislexia.
Atualmente, a medicina, segundo Capovilla (2011), trabalha com três variações
(tipos) da dislexia: a dislexia acústica, a dislexia visual e dislexia motriz. A
seguir vamos ver, resumidamente, o que cada uma significa.
Dislexia Acústica Caracteriza-se pela insuficiência para a diferenciação acústica dos fonemas e na análise e síntese dos mesmos, ocorrendo omissões, distorções, transposições ou substituições de fonemas. Os fonemas são confundidos devido à sua semelhança.
Dislexia Visual A criança apresenta falta de precisão na coordenação viso-especial, o que se manifesta na confusão de letras parecidas graficamente.
Dislexia Motriz Há dificuldade para o movimento ocular, com nítida limitação do campo visual, levando a retrocessos e, principalmente, intervalos mudos durante a leitura.
Como se pode compreender, embora tenhamos variações, a gênese da
dislexia está na falta de precisão na aprendizagem de fonemas, o que,
obviamente, se reflete na leitura e na escrita. Existem casos em que a criança,
disléxica, “camufla” a patologia porque consegue se adaptar às exigências
mínimas da escola e até mesmo fora dela. Seja por falta de atenção alheia ou
simplesmente porque a manifestação da dislexia é branda, essas crianças têm
seu diagnóstico retardado e, com isso, o tratamento também se atrasa.
Mesmo que os tratamentos tentem corrigir o déficit em um dos âmbitos,
a melhor alternativa terapêutica será aquela que considerar a natureza múltipla
do transtorno, como explicitado anteriormente. O foco, nesse sentido, deve ser
baseado nos princípios básicos da aprendizagem da leitura, no processo de
transformação grafema-fonema e no reconhecimento global da palavra.
Primeiramente, essa ação deve consistir em ajudar as crianças a aprenderem a
organizar verbalmente estímulos visuais e auditivos para facilitar sua posterior
associação com o significado. Isto implica em agrupar os estímulos de acordo
com alguma categoria, como por exemplo, consoantes, sílabas iguais em início
de palavras, rimas, mesmo som no meio da palavra, características
semânticas, etc. Ao mesmo tempo, deve-se estimular a tomada de uma
17
consciência fonêmica para a decodificação e uma consciência ortográfica que
corrija lapsos visuais. Este enfoque tem como objetivo integrar o
reconhecimento dos sons e signos ortográficos, com a busca de significados
verbais de maior amplitude para facilitar a compreensão do texto.
Para crianças que ainda não iniciaram o processo de aquisição do
código escrito, a terapia evolutiva procura desenvolver áreas sensório-motoras
da criança, a fim de que ela adquira os elementos necessários para o código
escrito. Esta terapia inclui o desenvolvimento de funções complexas, como o
ritmo, a coordenação visuo-motora, e a decodificação fonológica. O emprego
de métodos fonológicos para prevenir ou remediar a dislexia tem se tornado,
nos últimos anos, no pilar fundamental do tratamento. O trabalho baseia-se
principalmente no domínio fonológico, que permita à criança detectar fonemas
(input), pensar sobre eles (performance) e utilizá-los para construir palavras e
sentenças.
A dislexia
implica uma abordagem mediante uma estratégia psicopedagógica destinada a estabelecer nexos entre a recepção do estímulo e sua incorporação ao léxico. O tratamento deve ser centrado na reeducação da leitura e escrita, abordando os aspectos envolvidos. O profissional, fonoaudiólogo ou psicopedagogo, treinado para trabalhar com dislexia, parte de um diagnóstico completo, necessário para que seja feito um planejamento para cada etapa, seguindo uma cronologia adequada (DEUSCHLE; CECHELLA, 2008, p. 1).
O diagnóstico e a avaliação da dislexia são fundamentais, sobretudo
para definir estratégias de intervenção, visando ao sucesso escolar. Assim
sendo, crianças e adolescentes disléxicos podem alcançar o sucesso escolar,
bem como ter atividades profissionais apoiadas na leitura e na escrita, estando
o sucesso acadêmico relacionado ao apoio recebido na escola, na família e de
profissionais especializados.
Vale ressaltar que, apesar de estarmos privilegiando crianças nesse
texto monográfico, não podemos perder vista que adolescentes também são
18
acometidos com a patologia. Obviamente, por não ter cura total, alguns
complicadores podem perdurar várias etapas do desenvolvimento humano.
Aqui, encontramos duas situações: a de adultos que não receberam o
diagnóstico precoce (na época escolar) e aqueles que, mesmo com o
diagnóstico, podem apresentar os mesmos sintomas constantemente.
Contudo, é de suma importância salientar que em nenhum contexto a
dislexia é uma patologia grave. O que pode acontecer (e acontece) é uma
variação no diagnóstico, tratamento, manifestações, situações e nos contextos
comportamentais.
Quanto à intervenção pedagógica, os sujeitos com distúrbios de leitura e
escrita devem participar de atividades que possam promover o
desenvolvimento da consciência fonológica.
19
CAPÍTULO II
MAS O QUE A LEI GARANTE?
Dito isso, o que as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica nos mostram? Infelizmente, não traz referências específicas,
porém globais nas quais podemos concluir na sua abrangência a educação de
sujeitos disléxicos. No artigo 5º são considerados educandos com
necessidades educacionais especiais aqueles que apresentam:
I - Dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo
de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades
curriculares, compreendidas em dois grupos:
a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;
b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou
deficiências;
II – dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais
alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis;
III - altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem
que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes (grifos
meus).
Pessoas com dislexia são consideradas aqui de modo generalizante e
ambíguo. Numa primeira leitura desse artigo, parece que eles estão incluídos
na alínea b do inciso I, apesar de trazer os sujeitos constituídos diferentes
como pessoas que têm dificuldades e limitações.
A lei corrobora com alguns ideais e concepções presentes em outros
documentos. De modo resumido, dentre estes ideais e concepções temos: a
compreensão da educação especial como modalidade transversal de todas as
etapas da educação básica, o fortalecimento do processo de construção da
20
educação inclusiva (já apontada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº
9.394/96), a educação para a diversidade, a educação de qualidade para
todos, a oferta e garantia do atendimento educacional especializado(AEE) para
os estudantes público-alvo da educação especial.
Em 2008 é oficializada a Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva que entende a inclusão como uma ação
política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de
todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum
tipo de discriminação (BRASIL, 2008, p.1) (grifos meus). Na presente política
também é garantida a oferta do atendimento educacional especializado, a
acessibilidade e a formação de professores para o AEE e de demais
profissionais da educação inclusiva.
O estar juntos tem se apresentado como conceito forte e bastante
defendido na educação inclusiva, no qual pressupõe que os alunos ao estarem
juntos estabelecem uma relação sem nenhum tipo de discriminação. Skliar
(2009) ajuda a compreender este discurso tão fomentado em documentos
legais, pesquisas e práticas pedagógicas. Segundo ele
la convivencia no puede ser entendida apenas como una negociación comunicativa, como una presencia literal, física, material de dos o más sujetos específicos puestos a “dialogar”. La convivencia tiene que ver con un primer acto de distinción, es decir, con todo aquello que se distingue entre los seres y que es, sin más, lo que provoca contrariedad. Si no hubiera contrariedad no habría pregunta por la convivencia. Y la convivencia es “convivencia” porque hay -inicial y definitivamente- perturbación, intranquilidad, conflictividad, turbulencia, diferencia y alteridad de afectos4 (p. 4).
O discurso defendido na política de educação inclusiva não implica,
assim,
relação de conflito, de estranhamento e de alteridade, elementos que provocam ruídos, uma vez que afirmam a heterogeneidade constitutiva da escola. A diferença é
4Tradução da autora: (...) a convivência não pode ser entendida como uma negociação comunicativa, como uma presença literal, física, material de dois ou mais sujeitos específicos postos a “dialogar”. A convivência tem a ver com um primeiro ato de distinção, ou seja, com todo aquilo que se distingue entre os seres que é, sem mais, o que provoca contrariedade. Se não houver contrariedade não haveria pergunta pela convivência. E a convivência é “convivência” porque há – inicial e definitivamente – perturbação, intranquilidade, conflitualidade, turbulência, diferença e alteridade de afetos.
21
subentendida nestes discursos como diversidade e é incluída sem ao menos provocar discussões referentes aos fatores históricos, culturais e sociais que invizibilizaram e tornaram “anormais” e excluídos da educação dita regular os sujeitos com deficiência, em especial, os surdos e surdas (LIMA, p. 80, 2014).
Neste documento fica definido alunos com deficiência aqueles que têm
impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, que em integração com diversas barreiras podem ter restringida sua
participação plena e efetiva na escola e na sociedade (grifo da autora). Em
relação a esta definição presente na política de educação inclusiva, Pletsch
(2011, p. 48) nos ajuda a pensar que
a ênfase dada aos recursos de acessibilidade como “superação das barreiras para a pessoa com deficiência” também está presente em orientações do Banco Mundial para os países da América Latina e do Caribe que enfatizam o “desenvolvimento inclusivo”. De acordo com essa concepção, a partir do momento em que os obstáculos forem removidos e a acessibilidade for promovida, a deficiência será superada.
“Barreiras”, como veremos mais adiante, é outro termo recorrente
quando a legislação se refere aos sujeitos com deficiência.
II.1 Resolução Nº 4/2009 – Diretrizes Operacionais para o AEE na
Educação Básica, modalidade Educação Especial
Outro documento legal de grande relevância para a Educação Especial é
a Resolução Nº 4, de 2 de outubro de 2009, que institui Diretrizes Operacionais
para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica,
modalidade Educação Especial. Neste documento é a apresentada a função do
AEE, seu público-alvo, onde ele pode ser realizado, sua proposta e
organização, bem como as atribuições do professor atuante neste
atendimento5.
A Resolução não trata diretamente dos estudantes disléxicos e suas
especificidades, mas assim como na Resolução Nº 2/2001 eles são incluídos
5 Sobre as atribuições deste professor apresentarei mais adiante.
22
em um grupo maior, o das deficiências: alunos com deficiência: aqueles que
têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou
sensorial (Art. 4º, inciso I). E junto a esse grupo, outros compõem o público-
alvo do AEE. São eles:
II – Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que
apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor,
comprometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias
motoras. Incluem-se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome de
Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e
transtornos invasivos sem outra especificação.
III – Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que
apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do
conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança,
psicomotora, artes e criatividade.
A função do AEE, segundo o artigo 2º da resolução nº4/2009, é
complementar ou suplementar a formação do aluno por meio da
disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que
eliminem as barreiras para a sua plena participação na sociedade e
desenvolvimento de sua aprendizagem. Mais uma vez eis que aparece o termo
barreiras como consequência das deficiências e/ou condições do público-alvo
da educação especial. O termo está presente nos mais variados documentos
legais que envolvem a educação especial e educação inclusiva. Onde estão
estas barreiras? O que ou quem são elas? Só a estes sujeitos estas barreiras
se fazem presentes? De modo sutil estas barreiras estão relacionadas às
condições dos sujeitos com deficiência.
O AEE é oferecido prioritariamente em salas de recursos multifuncionais
de escolas regulares e este atendimento deve ser realizado no contraturno da
escolarização (não são estipulados nos documentos aqui citados qual a
frequência por semana dos alunos atendidos), pois não substitui a classe
comum. Esta resolução aponta inclusive outras modalidades de AEE, como o
domiciliar e o hospitalar e também a sua oferta em centros de atendimento
(públicos, comunitários, confessionais e filantrópicos). Sobre a não substituição
23
da classe comum pela sala de recursos, é importante dizer que os alunos que
fazem parte desse atendimento têm dupla matrícula e para o âmbito do
FUNDEB são contabilizados duplamente no censo escolar.
A Sala de Recursos Multifuncional (SRM) se caracteriza por espaço
físico, mobiliário, materiais didáticos, recursos pedagógicos e de acessibilidade
e equipamentos específicos (Artigo 10, inciso I). Este atendimento aparece em
praticamente todos os documentos oficiais que tratam da educação inclusiva.
Pletsch (2011) vai nos dizer que a sala de recursos tem sido um dos principais
suportes de apoio à escola que pretende ser inclusiva, e diante disso, surge a
pergunta: que mudanças ocorrem na estrutura e nas concepções
pedagógicas? Que transformações têm se mostrado urgentes com a presença
ativa de alunos com deficiência, com transtornos globais do desenvolvimento,
com altas habilidades/superdotaçãono cotidiano escolar? Que relações podem
ser tecidas entre o AEE e a turma “regular”? O que os estudantes disléxicos e
com outras patologias estão fazendo na Sala de Recursos também não pode
ser feito na turma regular? A inclusão desses estudantes se resume no AEE?
Muitas perguntas (ainda) sem respostas...
O Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011, dispõe sobre a
educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras
providências. Nele estão presentes aspectos similares à Resolução Nº 4/2009,
no qual o AEE também tem a função de complementar ou suplementar a
formação dos estudantes, de acordo com suas condições e necessidades. E,
novamente, no artigo 2º,
a educação especial deve garantir os serviços de apoio especializado voltado a eliminar as barreiras que possam obstruir o processo de escolarização de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.
Em complementação a isso, o artigo 1, inciso I, a educação especial
será efetivada com diferentes diretrizes, a primeira é a garantia de um sistema
educacional inclusivo em todos os níveis, sem discriminação e com base na
igualdade de oportunidades. De modo geral, segundo Pletsch (2011, p. 39),
24
essas políticas seguem pressupostos internacionais que tomam como base o discurso em prol dos direitos educacionais e sociais dessas pessoas, prometendo a elas equidade de oportunidades, o que não garante igualdade de condições. Esse tipo de concepção reconhece os direitos individuais, mas não se responsabiliza pelas condições sociais que determinam as desigualdades socioeconômicas e de poder.
Mas as leis não terminam aí. Considerados como crianças de
Necessidades Educacionais Especiais (NEE), os disléxicos são ainda mais
amparados em outros artigos de leis, como a lei de Diretrizes e Bases da
educação - LDB , que diz em seu Artigo 5:
Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais os
que, durante o processo educacional, apresentarem: I - dificuldades
acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de
desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades
curriculares, compreendidas em dois grupos: a) aquelas não vinculadas a
uma causa orgânica específica; b) aquelas relacionadas a condições,
disfunções, limitações ou deficiências; II – dificuldades de comunicação e
sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilização de
linguagens e códigos aplicáveis; III - altas habilidades/superdotação, grande
facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos,
procedimentos e atitudes.
Existem mais algumas outras leis que podemos encontrar no site da
Associação Brasileira de Dislexia (ABD)6 como:
LDB 9.394/96 Art. 12 - Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as
normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I -
elaborar e executar sua Proposta Pedagógica. V - prover meios para a
recuperação dos alunos de menor rendimento.
Art. 23 - A educação básica poderá organizar-se em séries anuais,
períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos
6http://dislexia.org.br/v1/ Acessado em 22.11.2015
25
não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por
forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de
aprendizagem assim o recomendar.
Art. 24 - V, a) avaliação contínua e cumulativa; prevalência dos aspectos
qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período Lei nº
8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA) Art. 53, incisos I, II e III “a criança e o
adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua
pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho,
assegurando-se-lhes: I – igualdade de condições para o acesso e permanência
na escola; II – direito de ser respeitado pelos seus educadores; III – direito de
contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares
superiores.”
Após uma cuidadosa análise dessas leis, para quem trabalha em
escolas ou outros espaços pedagógicos, tem-se a impressão de que toda essa
prescrição não se mostra eficaz. Seja por má interpretação ou simplesmente
por não implementação do que está escrito nas leis, o que se vê é, ainda, um
descaso nacional frente a muitas patologias, nas quais encontramos a dislexia.
Ou seja, no fim, temos uma prescrição um tanto superficial e que pouco
ajuda a escola, como instituição, a trabalhar a dislexia. As diretrizes não se
responsabilizam pelo cotidiano, pelas desigualdades existentes, pelas lutas e
desafios que são vividos todos os dias por professores, especialistas e,
obviamente, pessoas com dislexia e outras patologias.
26
CAPÍTULO III
POSSÍVEIS CAMINHOS PARA TRABALHAR A
DISLEXIA NO COTIDIANO ESCOLAR
Após essa breve apropriação das diretrizes e leis nacionais que
“asseguram” a educação especial e inclusiva no Brasil, resta pensar
alternativas que de fato intervém na realidade das escolas. A dislexia não é tão
rara (acomete de 0,5 a 17% da população mundial, segundo a Organização
Mundial de Saúde - OMS) e precisa ser trabalhada em prol da igualdade de
direitos das pessoas portadoras da patologia. Ademais, o currículo só faz
sentido em relação às práticas vividas nas escolas e no cotidiano que
“acontece” com todas suas dores e delícias.
Capovilla (2001) defende que toda criança deve participar ativamente
durante sua aprendizagem, independente de alguma aparente dificuldade ou
patologia. Diferentes métodos e táticas podem ser traçadas no cotidiano
escolar para combinar diferentes modalidades sensoriais no ensino da
linguagem escrita às crianças. Ao unir as modalidades auditiva, visual,
cinestésica e tátil, esses procedimentos facilitam a leitura e a escrita, ao
estabelecer a conexão entre aspectos visuais (a forma ortográfica da palavra),
auditivos (a forma fonológica) e cinestésicos (os movimentos necessários para
escrever aquela palavra). Mas... temos garantido às crianças de nossas
escolas esse movimento? Como a formação de professores enfrenta essa
situação?
O método fônico, segundo Capovilla (Idem, pág. 67) tem como
característica o ensino das correspondências entre os sons e as letras e utiliza-
se de atividades que desenvolvem rima, discriminação de sons, segmentação
fônica e relações entre os fonemas e os grafemas, pois crianças disléxicas têm
27
dificuldade em discriminar, segmentar e manipular de forma consciente, os
sons da fala.
O conhecimento dessa teoria nos ajudaria a lidar com crianças
disléxicas, mas, sabemos, na cotidianidade das e nas escolas, algumas ações
se dispersam e uma educação de qualidade para com estes sujeitos não é
garantida. Não pretende-se fazer apenas uma crítica à escola, mas pensar
caminhos outros, que garantam trabalharmos com a diferença, com os
diferentes.
Uma ideia bastante interessante foi lançada por três mães conhecidas
pela autora desta pesquisa. Em um blog chamado PARA TODOS7, elas
relatam diferentes situações em que lutam pela inclusão social (e educacional).
Como bem escrevem:
ser diferente é normal. Ser diferente é legal. É cool. Mas a prática pode ficar bem distante do mundo ideal. Queremos o ideal. E que não venha ninguém nos dizer que não podemos. Pois somos mães, e como mães, somos leoas. E aprendemos a rugir.
Como podemos ver, infelizmente a prática pode ficar distante do mundo
real. Existem muitas narrativas como dessas mães e são cada vez mais fortes
(e fáceis) os meios pelos quais podemos expressar essas inquietações. A
dislexia é uma patologia real mas não podemos esquecer que ela transita
dentre tantas outras, dentro e fora das escolas! O estranhamento da própria
vida (que é cotidiana) é um exercício vem sendo trabalhado, por algumas
pessoas, há um tempo. O que (nos) acontece, geralmente, é o
negligenciamento dos detalhes que nos cercam. E, por isso, não raro cercamos
nossas certezas. Cercamos escolas. Cercamos nossas pesquisas. Cerceamos
possibilidades. Culpa, talvez, de um “universo científico no qual o destino está
fixado por leis mecânicas; o azar não tem lugar, todo acontecimento está
determinado, o mundo se rege por uma dinâmica de causa-efeito”
(NAJMANOVICH, 2011, p. 39) – mas, o que há nas entrelinhas dessa causa-
efeito? Esse movimento é sempre linear? Previsível?
7http://paratodos.net.br Acessado em 02.11.2015
28
Neste mesmo blog vamos encontrar uma narrativa muito recente e
bastante séria no que tange aos direitos e políticas de inclusão no Brasil. Uma
das mães e autoras do blog, escreve, indignada:
Então, tem escola dizendo por aí que vai ficar mais cara por causa
da inclusão? Contratou viv´alma. Ou, no máximo, contratou um
profissional e duas estagiárias. Dividiu a nova conta pelo total de
alunos, esfrega na cara dos pais que a inclusão vai custar R$ 200
mil, 300 mil, 700 mil por ano e^ tchan a mensalidade sobe 10%,
12%, 15%. Mas, se não tem mais gente e tem lei nova no pedaço,
pra quem sobrou a inclusão? Sobrou para o professor, ora! (...)
(Fabiana Ribeiro, em relato escrito no Blog Para Todos)8
Essa narrativa nos chama a atenção para a profissionalização da
inclusão, que muitas vezes fica à margem de processos educativos, meio
camuflada na homogeneidade do sistema escolar. Mais que isso: nos adverte
de que a responsabilidade para o trabalho com inclusão não é somente do
professor, mesmo quando observamos uma escola em escala micro, em uma
sala de aula.
É muito interessante perceber que a sociedade, junto à escola, tem
ajudado a esclarecer que a dislexia é apenas um desvio cognitivo, o que é,
felizmente, saudável às relações travadas na escola. Apesar de muitos
retrocessos e atrasos (como a narrativa de Fabiana bem explicita), temos visto
muitas alternativas e avanços nas práticas. Apesar dessa monografia não
delimitar um campo empírico de estudo, há relatos e experiências que nos
ajudam a pensar que, sim, a dislexia é uma patologia saudável, inofensiva e,
quem sabe, necessária para o enfrentamento das diferenças e dos diferentes.
Quando falamos de dislexia e vamos analisar a escola, percebemos que
ela se constitui um laboratório onde esse problema social é de certo modo
miniaturizado, mas visível e passível de tratamento (CERTEAU, 2011, p. 129).
Semelhante situação se aplica quando a dislexia se insere nesse sistema – a
8 A narrativa completa se encontra em anexo ao final desta monografia.
29
escola - que, ao homogeneizar pessoas, espaços e sujeitos, torna fictícias suas
diferenças. Ser diferente é um problema? Aparentemente, torna-se um
problema, frente as articulações e efeitos que são produzidos nas relações
intra-pessoais.
Mas o que fazer em relação a essa realidade apresentada? É possível
muitas coisas. Pensando na formação docente no Brasil, podemos dizer que há
muito a se avançar, mas, cada um, individualmente, pode fazer a sua parte. O
blog PARA TODOS, por exemplo, expressa uma rede que se entrelaça com
outras redes, pensando em uma comunidade escolar, gestada por pais,
professores, coordenadores, funcionários, etc. É uma formação compartilhada
em que se pode pensar estratégias que contribuam para que relações mais
horizontais se estabeleçam nas escolas, minimizando os “problemas” daqueles
que são diagnosticados com dislexia.
O profissional, na escola, não precisa ser especialista em desvios de
aprendizagem, no entanto, é necessário que os professores entendam as
necessidades dos alunos disléxicos dentro e fora da sala de aula. A atitude que
o professor deve tomar ao suspeitar de algum tipo de distúrbio de
aprendizagem, é entrar em contato com a orientação pedagógica da escola,
para mais detalhes do aluno. Se no caso o aluno já tenha passado por
avaliações anteriores, é importante que se tenha uma cópia dos resultados
para melhor observação.
Caso o distúrbio não tenha sido diagnosticado, ou os testes não tenham
dado resultados conclusivos é necessário que se encaminhe o aluno para a
avaliação necessária. Ressalta-se, novamente, que, mesmo sendo disléxico, o
aluno poderá ser bem-sucedido em situações diversas na sala de aula, desde
que tenha o acompanhamento necessário, assim como as devidas orientações.
Cada professor deve entender que as respostas orais dos alunos disléxicos
indicam melhor suas habilidades do que seus trabalhos escritos. A
compreensão e apropriação da matéria são bem mais prováveis se houver
clareza por parte do professor, assim como repetição, variedade e flexibilização
do ensino.
Ou seja, quanto mais informações sobre a patologia, maiores são
chances de sucesso e qualidade na prática pedagógica. A comunidade escolar
precisa se articular e estudar sempre novos modos de se exercitar a
30
legitimidade das diferenças, trabalhar com elas e descontruir os estereótipos e
estigmas relacionados às patologias existentes, como a dislexia.
Segundos os estudos de Teles (2004), a Associação Internacional de
Dislexia promove ativamente a utilização dos métodos multissensoriais,
indicando os princípios e os conteúdos educativos a ensinar. Esses métodos
podem ajudar profissionais e pais nas escolas e em casa, visto que são
métodos atuais e de grande eficácia (Idem). Seguem os métodos estudados
por Teles:
Aprendizagem multissensorial: A leitura e a escrita são atividades
multissensoriais. As crianças têm que olhar para as letras impressas, dizer, ou
subvocalizar, os sons, fazer os movimentos necessários à escrita e usar os
conhecimentos linguísticos para aceder ao sentido das palavras. São utilizadas
em simultâneo as diferentes vias de acesso ao cérebro; os neurónios
estabelecem interligações entre si facilitando a aprendizagem e a
memorização.
Estruturado e cumulativo: A organização dos conteúdos a aprender
segue a sequência do desenvolvimento linguístico e fonológico. Inicia-se com
os elementos mais fáceis e básicos e progride gradualmente para os mais
difíceis. Os conceitos ensinados devem ser revistos sistematicamente para
manter e reforçar a sua memorização.
Ensino direto, explícito: Os diferentes conceitos devem ser ensinados
direta, explícita e conscientemente, nunca por dedução.
Ensino diagnóstico: Deve ser realizada uma avaliação diagnóstica das
competências adquiridas e a adquirir.
Ensino sintético e analítico: Devem ser realizados exercícios de
ensino explícito da «fusão fonêmica», «fusão silábica», «segmentação
silábica» e «segmentação fonêmica». Compõem os métodos tradicionais de
alfabetização.
Automatização das competências aprendidas: As competências
aprendidas devem ser treinadas até à sua automatização, isto é, até à sua
realização, sem atenção consciente e com o mínimo de esforço e de tempo. A
automatização irá disponibilizar a atenção para aceder à compreensão do
texto.
31
A partir desses métodos, pode-se ter um leque maior de ensino e
aprendizagem em âmbito educacional. Vale ressaltar, ainda, que todos esses
métodos devem ser interpretados e aplicados individualmente, em conjunto
com as competências e formação de cada um(a).
CONCLUSÃO
A escrita dessa monografia teve a intenção de pesquisar e apontar
alternativas de trabalho para e com crianças disléxicas na sociedade e,
sobretudo, na escola. Os três capítulos aqui discutidos atravessaram questões
legais, políticas, sociais e educacionais e serviram como um pequeno manual
argumentativo sobre essas questões.
O levantamento bibliográfico sobre a dislexia, a definição da patologia,
as alternativas pedagógicas e a tentativa sempre constante de tentar amenizar
as relações com os sujeitos diagnosticados são de grande valia para o campo
e trazem horizontes de possibilidades para o trabalho com essa patologia,
muitas vezes silenciosa e silenciada pela sociedade.
Com esse texto monográfico, pretende-se tirar estigmas associados à
dislexia, trazer possibilidades de trabalho e novas compreensões para toda
comunidade social, principalmente pais e professores.
32
1. BIBLIOGRAFIA
ALVES, N. Decifrando o pergaminho – o cotidiano na escola nas lógicas das redes cotidianas, In: OLIVEIRA, I.B. e ALVES, N. Pesquisa no/do cotidiano das escolas – sobre redes de saberes. Rio de Janeiro: DP & A, 2001.
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_________. A Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência Comentada. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 2008.
CAPOVILLA, F.C. O implante coclear em questão. Benefícios e problemas, promessas e riscos. In: CAPOVILLA, F.C; RAFHAEL, W. P. Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngüe da Língua de Sinais Brasileira. Vol 2- São Paulo, SP: Edusp, Fapesp, Fundação Vitae, Feneis, Brasil Telecom, 2001. __________. Figuras de linguagem nos sinais: elementos da estrutura morfêmica dos sinais. In:; RAFHAEL, W. P. (editores) Enciclopédia de Lingua de Sinais Brasileira: o mundo do 122 surdo em Libras. São Paulo: fundação Vitae: Fapesp: Capes: Editora da Universidade de São Paulo, 2004. CERTEAU, M. A cultura no plural. 7ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2011. DEUSCHLE, V.;CECHELLA, C. O déficit em consciência fonológica e sua relação com a dislexia: diagnóstico e intervenção. Rev. CEFAC vol.11 supl.2. São Paulo, 2009 Epub, 2008.
33
ESTILL, C. A. DISLEXIA, as muitas faces de um problema de linguagem. Em: http://www.andislexia.org.br/hdl12_1.asp . Acesso realizado em 13/09/2005. GARCIA, R.L; ALVES, N. Conversa sobre pesquisa. In: Professora-pesquisadora: uma práxis em construção. ESTEBAN, M. T.; ZACCUR, E. (orgs.). Rio de Janeiro: DP&A, 2003. NAJMANOVICH, D. El juego de los vínculos: Subjetividad y redes - figuras en mutación. 2ª ed. Buenos Aires: Biblios, 2011. PLETSCH, M. D. A dialética da inclusão/exclusão nas políticas públicas educacionais para pessoas com deficiência: um balanço do governo Lula (2003-2010). Revista Teias, Rio de Janeiro, v. 12, n. 24, p. 39-55, jan./abr. 2011. SKLIAR, C. Experiências com a palavra: notas sobre linguagem e diferença. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2012. TELES, P. Dislexia: como identificar? Como intervir? Revista Portuguesa de medicina geral e familiar. Vol. 20, número 7. Portugal. 2004. VARELLA, D. Carcereiros. São Paulo: Companhia da Letras, 2012.
34
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 01 AGRADECIMENTOS 03 DEDICATÓRIA 04 RESUMO 05 METODOLOGIA 06 SUMÁRIO 08 INTRODUÇÃO 09
CAPÍTULO I O QUE É DISLEXIA? 12 CAPÍTULO II MAS O QUE A LEI GARANTE? 19 CAPÍTULO III POSSÍVEIS CAMINHOS PARA TRABALHAR A DISLEXIA NO COTIDIANO ESCOLAR 26
35
CONCLUSÃO 31 BIBLIOGRAFIA 32 ÍNDICE 34
ÍNDICE DE FIGURAS 35
ANEXOS 36
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 – Dislexia 15
36
ANEXOS
Então, tem escola dizendo por aí que vai ficar mais cara por causa
da inclusão? Contratou viv´alma. Ou, no máximo, contratou um
profissional e duas estagiárias. Dividiu a nova conta pelo total de
alunos, esfrega na cara dos pais que a inclusão vai custar R$ 200
mil, 300 mil, 700 mil por ano e2 tchan a mensalidade sobe 10%,
12%, 15%. Mas, se não tem mais gente e tem lei nova no pedaço,
pra quem sobrou a inclusão? Sobrou para o professor, ora!
Adaptar material. Fazer provas específicas. Dever de casa de acordo
com a capacidade de cada aluno. E ainda fazer tudo sorrindo.
Sobrou pro professor. Que tá ganhando rosca a mais para absorver
mais essa. E é assim, cravando no professor, sem dó, que muitas
37
escolas estão com suas promessas de inclusão. E tem gente, um
bocado de gente, que não está gostando nem um pouco disso.
Mas não era isso que vocês queriam?, devem nos perguntar as
escolas. Não, a gente não queria que fosse assim.
Sim, eu quero que o professor encare cada um dos alunos e assuma
todas as responsabilidades que aquele aluno mereça. Eu quero que
o professor invente jeitos mil de uma criança com surdez participar
da festa do fim de ano. Eu quero, sim, que o professor aumente a
letra no quadro, das apostilas, dos deveres, para que todos possam
entender que 2 + 2 são 4. Eu quero, sim, que o professor entenda de
vez por todas que todo e qualquer aluno é dele. Deve estar lá na sua
chamada, assim como na sua programação da aula. Quero que veja
filmes de mestres brilhantes, lute pelo aluno que ninguém quer e
encare a inclusão como consequência natural do direito à
educação. Mas, ao mesmo tempo, também quero que lhe deem
tempo, recursos e apoio para que isso seja bem feito. Bem feito e
sem que se sinta mais uma vez explorado.
É dele a responsabilidade do aluno de inclusão em sala de aula —
tenha ou não tenha mediador. É dele. Mas não é só dele: é de toda a
escola — do inspetor ao diretor. Então, daí a ter de se virar em
especialista em inclusão, de 2015 para 2016, é outra coisa. Por mais
que inclusão tenha a ver com boa vontade e vocação para o
magistério, precisamos profissionalizar a inclusão. Deixar de vez a
ideia de que o aluno de inclusão só se dá para aqueles que têm bom
coração. Esse professor também precisa de orientação, coordenação
e supervisão quando o assunto for inclusão. Não dá para jogar no
colo a tarefa de orientar a mediação, adaptar o dever de casa, fazer
novas provas ou simplesmente lidar com esse aluno com
necessidades específicas sozinho.
É preciso urgentemente profissionalizar a inclusão. Sair do improviso.
Capacitar professores para as salas de aula. Participar de
seminários, cursos, palestras que acontecem por aí. E, passar a
gestão disso para quem entenda do riscado. Ao professor, a
orientação para que a inclusão funcione em sala de aula.
A conta é de toda a escola. Ao menos, deveria ser.
38
(Fabiana Ribeiro, em relato escrito no Blog Para Todos)