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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
A FUNÇÃO SOCIAL AMBIENTAL DA CIDADE, O DIREITO À
MORADIA E A FAVELIZAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES
ABANDONADAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
Por: Katia Lemos da Costa Soares
Orientador
Prof. Francisco Carrera
Rio de Janeiro
2011
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
A FUNÇÃO SOCIAL AMBIENTAL DA CIDADE, O DIREITO À
MORADIA E A FAVELIZAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES
ABANDONADAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
Apresentação de monografia à Universidade Candido
Mendes como requisito parcial para obtenção do grau
de especialista em Direito Ambiental.
Por: Kátia Lemos da Costa Soares
3
AGRADECIMENTOS
A Mauricio, meu marido, à Vanessa e ao
Fábio, meus filhos, pelo apoio e
compreensão nas ausências para
dedicação a este estudo. À Biblioteca da
Procuradoria Geral do Município do Rio de
Janeiro pela sua sempre disponibilização
do acervo para os meus estudos e
pesquisas.
4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a meu marido que
sempre me incentiva a estudar e se alegra
com minhas conquistas e ao professor
Francisco Carrera que ajudou a aumentar
mais ainda a minha predileção pelo Direito
Ambiental.
5
RESUMO
A questão da ocupação dos prédios públicos e privados abandonados na
área central da Cidade do Rio de Janeiro e na Avenida Brasil, ganhou uma nova
roupagem com o advento da Constituição da República de 1988, que implantou a
função social ambiental da propriedade e da cidade. Para atender a essas duas
funções, é necessário que a cidade seja reorganizada urbanisticamente e
administrativamente, para exigir que as propriedades se dispam do seu direito
absoluto e vista a roupa da função social e ambiental.
Felizmente, o farrapo da habitação popular na Cidade levou grupos a
procurar aproveitar aquilo que os proprietários desprezaram, seja no intuito de
especular financeiramente, seja no descaso e desinteresse pelos prédios
instalados em áreas de conflitos urbanos, ou ainda, seja na falta de interesse em
usar a propriedade para o seu próprio bem. A cidade é dinâmica, as pessoas são
dinâmicas e quando a população age, legalmente, difícil é detê-la sob o prisma do
direito que não quer se atualizar, como pensam os defensores de um direito
absoluto da propriedade.
Os espaços estão cada vez mais apertados onde a infraestrutura melhora a
vida da população. Cada vez que a cidade cresce, os grupos sociais procuram
viver mais perto de onde se encontram os equipamentos e serviços públicos e
privados mais importantes para atender às suas necessidades. Se eles
encontram espaços não utilizados ou subutilizados, procuram logo o seu lugar ao
sol. Isto ninguém pode tirar do ser humano, o direito a uma vida digna, que na
Constituição da República de 1988, vem expressado, entre muitos outros, o direito
à moradia, e porque não em lugares melhores, mesmo para os pobres?
Veremos nesse singelo trabalho um histórico de como está acontecendo a
luta dos pobres na cidade dos ricos, a Cidade Maravilhosa.
6
METODOLOGIA
O método utilizado neste trabalho foi predominantemente a leitura de livros
e revistas jurídicas e a pesquisa de dados e notícias pela Internet em busca de
informações atualizadas sobre a população pesquisada e de fotos e mapas
ilustrativos da questão estudada. Em campo foram produzidas as fotografias das
fachadas de algumas das comunidades observadas. A pesquisa bibliográfica foi
totalmente realizada na Biblioteca da Procuradoria Geral do Município do Rio de
Janeiro, obtendo cópias de variadas publicações periódicas e empréstimos de
livros para este estudo.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I - A Função Social Ambiental da Cidade, o Direito
à Moradia e a Ocupação Irregular 9
CAPÍTULO II - O Papel Social Ambiental da Cidade do Rio
de Janeiro, o Exercício do Direito à Moradia e o Plano Diretor 23
CAPÍTULO III - A Destinação Obrigatória Dos Imóveis
Abandonados e a Concessão da Habitação Social 36
CONCLUSÃO 47
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 49
ANEXOS 54
ÍNDICE 62
FOLHA DE AVALIAÇÃO 64
8
INTRODUÇÃO
O trabalho ora apresentado é fruto do interesse em entendermos como o
direito de moradia na Cidade do Rio de Janeiro vem se concretizando, ao observar
que cada vez mais a Cidade cresce para os lados, incha, e não consegue atender
à necessidade de moradia de todos os grupos que nela habitam. Para esclarecer
um pouco esse problema buscamos saber o que ocorre na prática das lutas por
moradia na Cidade, principalmente nas áreas centrais e na Avenida Brasil, onde a
infraestrutua urbana se mostra mais adequada a uma vida digna e como o direito
tem avançado para atender a essa demanda por moradia.
No primeiro capítulo, preferimos apontar a função social ambiental das
cidades, programada pela nova ordem jurídica instalada pela Constituição da
República de 1988, exigida e direcionada pela legislação regulamentadora,
apresentar o direito à moradia à luz da Constituição e demonstrar como acontece
a ocupação irregular efetivada nos imóveis abandonados nas áreas mais
atraentes de uma cidade.
A seguir, no capítulo dois, estudamos o papel social ambiental da Cidade
do Rio de Janeiro, à luz da legislação geral e local, com ênfase nos movimentos
populares que buscam o exercício do direito à moradia que atenda às suas
necessidades e não somente o direito de morar. Apontamos as razões que levam
a população de baixa renda a não exercer o seu direito de moradia e o papel que
vem sendo empenhado pelo Poder Público e os particulares defendendo o seu
interesse econômico. Por fim a nova ordem urbanística aprovada recentemente
na Cidade, o novo Plano Diretor, e seu papel no amparo da luta pela moradia na
área central.
No capítulo terceiro, vemos as soluções que se tem buscado para evitar o
déficit habitacional na Cidade do Rio e o avanço legal que vem amparando a luta
dos ocupantes de imóveis abandonados e obrigando os proprietários dessidiosos,
públicos e privados, a abrir os olhos ao direito de moradia da população e a
obrigação de destinação social e ambiental das suas propriedades.
9
CAPÍTULO I
A FUNÇÃO SOCIAL AMBIENTAL DA CIDADE,
O DIREITO À MORADIA E A OCUPAÇÃO IRREGULAR
1.1 – A Função Social Ambiental da Cidade
Apenas como introdução ao tema, entendendo a cidade como espaço
destinado ao convívio dos cidadãos, interessante história das cidades nos conta
Leonardo Benévolo e Celso Antonio Pacheco Fiorillo, em que este autor diz e
depois conclui com as palavras daquele, que “embora tenha sido precisamente na
área euro-asiática que teria ocorrido a idéia da cidade como estabelecimento mais
completo e integrado, que contém e justifica todos os estabelecimentos menores –
bairros, edifícios etc. – a cidade permanece, na visão do autor ‘uma criação
histórica particular; ela não existiu sempre, mas teve início num dado momento da
evolução social, e pode acabar ou ser radicalmente transformada num outro
momento.”1
Num breve passeio pela história das cidades, Fiorillo nos mostra que no
período Paleolítico (há cerca de 5 milhões de anos), o homem viveu coletando seu
alimento e procurando um abrigo no meio ambiente natural, sem modificá-lo
permanentemente; no período Neolítico (aproximadamente há 10 mil anos), os
habitantes organizaram as primeiras aldeias nos locais próximos dos locais de
trabalho e aprenderam a produzir seu alimento composto de plantas e animais; há
5 mil anos, algumas aldeias se transformaram em cidades e os alimentos eram
produzidos, com excedentes, para alimentar uma população de artesãos,
mercadores, guerreiros e sacerdotes. A cidade se torna um estabelecimento mais
1 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Natureza jurídica da cidade em face do direito ambiental constitucional e da lei nº 10.257/2011 – lei do ambiente artificial. Revista de Direito Social, Porto Alegre, n. 8, p. 49
10
complexo, surge a escrita, e a história da civilização passa a depender da
quantidade e da distribuição do excedente de alimento.
O conceito de cidade, trago da professora Helita Barreiro Custódio, que a
define em seu artigo Introdução ao Direito Urbanístico2:
“a noção de cidade, do latim urbs, compreende uma área
marcada com o arado (o circuito da cidade) e edificada para
habitação permanente de uma comunidade ou ‘povo d´uma
cidade, cidadãos’. O vocábulo latino civitas, também com
sentido de cidade, tem significado muito mais amplo, pois
compreende a ´reunião de cidadãos, nação, estado, forma
de governo de uma nação. Como civitas, considera-se a
cidade como um ‘conjunto demográfico não rural, de
expressão social e econômica, sede de um município.”
Hoje nos importa enfrentar a questão de território no conceito de cidade.
Nos países desenvolvidos (EUA e alguns europeus, por exemplo), segundo
Benévolo, o território é equilibrado pelos planos de autoridade pública; o
desenvolvimento das cidades é controlado de maneira razoável, ou seja, casas
por preços razoáveis, circulação de pedestres protegidas do tráfego motorizado e
o conjunto de serviços facilmente acessíveis, garantidos à maioria dos cidadãos.
José Afonso da Silva refere-se a este estágio da evolução das cidades, com
o desenvolvimento das aldeias, como o estágio pré-urbano.3 Somente nas
cidades modernas ocorreu o fenômeno da urbanização, segundo este mesmo
autor, quando o excedente da produção se fez necessário para a sustentação das
classes dominantes que se organizaram e não produziram seus próprios
2 CUSTODIO, Helita Barreiro. Introdução ao direito urbanístico. Fórum de Direito Urbano e Ambiental, Belo Horizonte, n. 50, p. 55 3 MOTTA, Mauricio, Coord. Fundamentos teóricos do direito ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 238.
11
alimentos. Antes, assumiram outras atividades como a divisão social urbana
baseada na propriedade. Surgiu aí a cidade, que tinha como característica
principal os elementos capazes de multiplicar e facilitar a distribuição da produção.
A partir desse contexto, segundo Miguel Etinger de Araújo Junior:
“o capitalismo, como modelo econômico, passa a ditar as
regras do desenvolvimento e crescimento das cidades. A
aquisição de riquezas, o aumento da produção, o
escoamento e o tráfego de produtos, dentre outros fatores,
passam a ser os aspectos fundamentais nas intervenções
da cidade, deixando de lado aspectos como qualidade do
meio ambiente e relações sociais.”4
A cidade moderna, segundo ainda José Afonso da Silva, será considerada
núcleo urbano se reunir três concepções: primeira, a demográfica (número mínimo
de habitantes); segunda, a econômica (abrangendo o comércio, o artesanato, o
negócio, o cultivo dos valores espirituais e exercício do poder público) e terceira,
um conjunto de subsistemas administrativos, comerciais, industriais e
socioculturais. Miguel Etinger Araújo Junior (op. cit. p. 242) aduz que não basta os
aspectos estatísticos e de atividades para representar o espírito da cidade atual,
falta o elemento subjetivo nesse espaço territorial e acrescenta que “o núcleo
fundamental da construção da cidade é a cidadania (sujeito coletivo social) e não
o cidadão, pois pressupõe um debate real dos problemas a serem solucionados,
balizados por pressupostos básicos como os mencionados direitos humanos e
fundamentais.”
Explica mais o autor que a cidade é um local propício ao debate e tomadas
de decisões, em substituição às práticas administrativas que não são eficazes em
4 Op. cit. p. 239
12
solucionar as demandas sociais contemporâneas, uma vez que nessa cidade, as
pessoas estão mais próximas, criam vínculos de afetividade e se sentem partes de
um conjunto de pessoas.
No direito brasileiro, com a Constituição da República de 1988, a cidade
passou a assumir a denominada função social ambiental da cidade. Em seu artigo
182 a Constituição trata da Política Urbana, instituindo as funções sociais da
cidade e da garantia de bem-estar dos habitantes como os objetivos da política de
desenvolvimento urbano, incluindo aí, expressamente, a função social da
propriedade urbana. No art. 225, a Carta Magna prescreve o direito de todos ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, obrigando o poder público e a coletividade a
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. O Estatuto da
Cidade, Lei 10.257/2011, norma regulamentadora dos art. 182 e 183 da
Constituição, estabelecem que a política urbana deve objetivar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana,
garantindo o direito dos cidadãos às cidades sustentáveis, entre eles o direito à
moradia, também para as presentes e futuras gerações.
Para o mestre Mauricio Leal Dias5, o princípio da função social ambiental da
cidade é resultado das diretrizes gerais de desenvolvimento urbano estabelecidas
no Estatuto da Cidade e executado pelos Municípios. A política de
desenvolvimento urbano definida nesta lei tem caráter ambiental, uma vez que
deve garantir o bem-estar dos habitantes, consoante o direito fundamental das
presentes e futuras gerações ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Essa
lei opera a concretização do princípio da função social ambiental da cidade, que
abrangerá o princípio da função social e ambiental da propriedade, que tem os
seus contornos traçados nos planos diretores. Para este autor, o direito do
ordenamento territorial da cidade fundamenta-se no princípio da função social
5 DIAS, Mauricio Leal. A função social ambiental da cidade como princípio constitucional. Fórum de Direito Urbano e Ambiental. Belo Horizonte, n. 16, pp. 1796-1797.
13
ambiental da cidade e o direito urbanístico fundamenta-se no princípio da função
social ambiental da propriedade, que àquele se submete hierarquicamente.
Carlos Ari Sundfeld6 comentando as diretrizes gerais estabelecidas pelo
Estatuto da Cidade nos ensina que os deveres de ordenar e controlar o emprego
do solo e de proteger o patrimônio coletivo, estabelecidos pela Constituição de
1988, nos art. 30, VIII; 23, III e VI; 216 e 225, foi disciplinado pelo Estatuto,
orientando e dando os limites ao Estado e atribuindo direitos subjetivos públicos à
sua observância. O Estatuto deu a direção global da política urbana: “ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana
(art. 2º caput), de modo a garantir o direito a cidades sustentáveis (inciso I, V, VIII
e X)”. As funções sociais da cidade são as de fornecer moradia, trabalho, saúde,
educação, cultura, lazer, transporte etc., que devem ser cumpridas pelas partes
públicas e privadas envolvidas, uma vez que o espaço da cidade é parcelado e
apropriado por elas. A Política urbana tem a missão de viabilizar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e das propriedades em particular.
Essa missão é cumprida por meio da ordenação que permitirá o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. A
ordem urbanística tem dois sentidos: ordenamento e estado. Quanto ao
ordenamento ela é o conjunto de normas de ordem pública (art. 1º, parágrafo
único do Estatuto) que condicionam as ações individuais na cidade, positivas ou
negativas e, por estado, entende o autor, que é um estado de equilíbrio que os
agentes envolvidos estão obrigados a buscar e preservar. Para o Estatuto esse
equilíbrio é possível nas várias funções da cidade, como moradia, trabalho, lazer,
circulação etc., previstos no art. 2º e seus incisos: realização do
presente/preservação do futuro (I), estatal/não-estatal (III e XVI); rural/urbano (VII);
oferta de bens/necessidade dos habitantes (V); emprego do solo/infraestrutura
existente (VI); interesse do Município/territórios sob sua influência (IV e VIII). Sob
o prisma do equilíbrio, onde o crescimento deverá respeitar os limites da 6 DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sérgio, Coord. Estatuto da cidade (comentários à lei federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010, pp. 54-55.
14
sustentabilidade, é que se deve compreender os direitos subjetivos assegurados
pelo inciso I do art. 2º, entre eles o direito à moradia, que o autor define assim: “a
população tem o direito coletivo a uma cidade sustentável, o que deve levar à
fruição individual das vantagens dela decorrentes.”
O Plano Diretor, definido por Hely Lopes Mirelles como “(...) o complexo de
normas legais e diretrizes técnicas para o desenvolvimento global e constante do
Município, sob os aspectos físico, social, econômico e administrativo, desejado
pela comunidade local”7 consagrado pela Constituição da República de 1988, pela
primeira vez no Brasil, é uma lei segundo a redação do art. 182 da Constituição,
que deve ser aprovada pela Câmara Municipal: “a política de desenvolvimento
urbano, executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes fixadas em
lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.”
Pelo art. 40 do Estatuto da Cidade o Plano Diretor precisa ser aprovado por
lei municipal. Nas Leis Orgânicas Municipais é exigido lei para a sua aprovação,
confirmando por todos os instrumentos legais que o Plano Diretor é lei. Será
necessária apenas uma lei geral e instrumental da política urbana por Município,
una e indivisível, podendo permitir leis específicas para regulação das atividades e
situações previstas no plano. O art. 41 do Estatuto obriga as cidades com mais de
vinte mil habitantes a aprovar o seu plano diretor, repetindo o art. 182 da
Constituição, que deverá abranger todo o território do Município, cabendo a
discussão sobre a abrangência sobre a área rural à doutrina, no que não é
unânime.
O plano deve conter, no mínimo, o que consta do art. 42 do Estatuto, como
delimitação de áreas urbanas a serem parceladas, edificadas e utilizadas, os
instrumentos da política urbana e o sistema de acompanhamento e controle. Zélia
Leocádia da Trindade Jardim8 explica que “do ponto de vista jurídico, sem dúvida,
7 COUTINHO Ronaldo e BONIZZATO, Luigi, Coord. Direito da cidade: novas concepções sobre as relações jurídicas no espaço social urbano. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007, p. 100. 8 Op. cit. p. 121
15
o Plano Diretor, após a vigência do Estatuto da Cidade, tornou-se um modelo
institucional inovador como norma legal, um instrumento jurídico-político
fundamental para a ampliação da cidadania, a mitigação da especulação
imobiliária e a sustentabilidade da qualidade de vida de nossas cidades.”
1.2 – O Direito à Moradia
Moradia, habitação ou abrigo, palavras sinônimas, compõem uma parte dos
direitos fundamentais consagrados na Constituição da República de 1988 nos
artigos 5º a 17.
Na lição de Ricardo Pereira Lira9, moradia é um instrumento indispensável
à formação elementar da consciência de cidadania, preservador da dignidade da
pessoa humana (art. 1º, inciso III da CR/88), erradicador da pobreza e
marginalização e redutor das desigualdades sociais (art. 3.º, III, CR/88). É um
direito fundamental social assegurado pela Constituição, conforme se lê no caput
do art. 6º, com a redação da EC 26/2000: “são direitos sociais a educação, a
saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição.”
O direito à habitação também é instrumento do desenvolvimento urbano e
do direito ao desenvolvimento. A Declaração sobre o Desenvolvimento Urbano
(1986), adotada pela Resolução 41/128, da Assembléia das Nações Unidas,
reconheceu o direito ao desenvolvimento como direito humano inalienável, que
habilita toda pessoa humana e todos os povos a participar do desenvolvimento
econômico, social, cultural e político, para dele contribuir e desfrutar (art. 1º) e,
ainda, toda pessoa humana é sujeito central do desenvolvimento e deveria ser
participante ativo e beneficiário do direito ao desenvolvimento (art. 2º). O papel
dos Estados, a nível nacional, é o de realizar o desenvolvimento e assegurar a
9 LIRA, Ricardo César Pereira . Direito à moradia, cidadania e o estatuto da cidade. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, 2002, p. 260.
16
igualdade de oportunidade para todos, no acesso aos recursos básicos de
educação, saúde, alimentação, habitação, emprego e distribuição equitativa de
renda. O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das
Nações Unidas (1966), em que o Brasil se tornou signatário pelo Decreto
572/1992, no art. 11, estipula que os Estados-partes reconhecem o direito de toda
pessoa a um nível de vida adequada, para si e sua família, incluindo aí
alimentação, vestimenta, moradia e melhoria contínua de suas condições de vida.
A Agenda Habitat das Nações Unidas (1996), adotada na II Conferência das
Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos proclamou o desenvolvimento
sustentável nos assentamentos humanos. Apenas para acrescentar, o Brasil
participou, além dos atos acima citados, também dos seguintes atos e tratados
internacionais, onde reconheceu o direito à moradia como direito humano:
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); Convenção Internacional
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965);
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher (1979); Convenção sobre os Direitos das Crianças (1989) e a Agenda 21
sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992).
O direito à moradia é o direito que toda pessoa tem de se abrigar em um
determinado local, com a intenção de se estabelecer, habitualmente, longe das
práticas do período Paleolítico quando o homem viveu coletando seu alimento e
procurando um abrigo no meio ambiente natural, sem modificá-lo
permanentemente. Na cidade moderna toda pessoa precisa de um local em que
possa se estabelecer, sozinho ou com sua família, desenvolver as atividades que
os sustentam e se proteger das ações naturais e humanas que ameacem a sua
paz e seu domínio. Esse local é chamado de moradia, na acepção jurídica da
Constituição brasileira e dos atos internacionais.
O direito de moradia na cidade moderna é exercido através da propriedade.
É espaço delimitado, construído, inviolável, para o qual de adquire título de
propriedade ou a permissão para o seu uso. É local que deve acolher o indivíduo,
17
ou indivíduos, proporcionando-lhes a paz e a tranquilidade para que ele viva como
cidadão, contribua e receba os benefícios que a cidade lhe proporcione.
Rebeca de Souza 10 confirma nossa interpretação, explicando melhor ainda
com a seguinte afirmação:
“(...) a falta de moradia adequada é um problema comum
nas cidades brasileiras e que muito preocupa os militantes
das causas urbanas. (...) Diante dessas condições, o direito
à moradia não pode ser visto apenas como o direito a um
abrigo, representado tão-somente pela edificação. A
concepção moderna da moradia deve abranger a
observância dos padrões construtivos, evitando riscos à vida
humana, a regularidade da posse ou da propriedade sobre a
qual ascende e o acesso aos serviços e equipamentos
urbanos essenciais, especialmente os de saneamento
básico, energia elétrica e coleta de lixo. Isto é, a moradia é
o local onde o indivíduo tenha condições de viver
dignamente, em condições de salubridade física e mental, e
que lhe forneça as condições mínimas necessárias para o
desenvolvimento de suas potencialidades e manutenção de
seu bem estar e de seus familiares.”
O exercício do direito à moradia, segundo Luis Armando Viola11 se dá
através da construção e distribuição de moradias pelo Estado; mediante subsídios
aplicados sobre os preços das moradias e sobre as locações; critérios para definir
os beneficiários (pobres, quem não tem imóvel próprio ou quem vive em abrigos)
10 SOUZA, Rebeca de. Breves reflexões sobre os direitos sociais no Brasil e a nova política habitacional do governo federal. Revista de Direito da Cidade, Rio de Janeiro, n. 1, p. 139. 11 VIOLA, Luis Armando. O direito social “moradia” com o advento da lei nº 10.257, de 10.07.2001 (estatuto da cidade). Interesse Público, Porto Alegre, n. 37, pp. 342-343.
18
etc. A Constituição de 1988 estabeleceu o direito social moradia através de norma
programática, que não investiu o particular no direito de ação de exigir
imediatamente do Estado uma prestação positiva, porém não deixa de ser um
direito tutelado por este. O direito subjetivo não é o da entrega direta da moradia.
O ente Federado já está investido no direito subjetivo de exercer a atividade de
construção de moradias e o particular no direito subjetivo de exigir que a norma
regulamentadora seja editada.
1.3 – A Ocupação Irregular
Nelson Saule Junior12 explica que o direito a cidades sustentáveis definido
no Estatuto da Cidade é o “direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento
ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao
trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações” e, também, “a gestão
democrática por meio da participação da população e de associações
representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e
acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano”.
Essa definição tem semelhança com o Direito Ambiental ao dizer que o direito à
moradia deve ser assegurado para as presentes e futuras gerações e demonstra
que é um direito difuso dos habitantes da cidade.
Para este autor, os sujeitos que têm a proteção jurídica de direito à cidade
sustentável são os habitantes e comunidades que formam a sua identidade e
memória histórica e cultural e os grupos sociais que vivem em assentamentos
urbanos informais consolidados, que podem demandar do Poder Público ações e
projetos de urbanização e regularização fundiária de interesse social. Para a
gestão democrática da cidade os grupos marginalizados e excluídos devem ter
acesso à vida política e econômica da cidade, exercendo os seus direitos, político
e de cidadania, coletivos dos habitantes das cidades. Os grupos que moram em
12 SAULE JUNIOR, Nelson. Instrumentos de destinação social dos imóveis da União. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico. Porto Alegre, n. 26, p.62.
19
bairros populares, loteamentos, conjuntos habitacionais e assentos informais e
irregulares devem ser reconhecidos legítimos na ação administrativa e judicial
para contribuir com os processos democráticos de planejamento urbano, como
exemplo, o plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias, o orçamento
municipal e o plano diretor, juntamente com o Estado na gestão e fiscalização da
coisa pública.
No Brasil, como em vários países em desenvolvimento e subdesenvolvidos,
a ocupação do espaço urbano é marcada pelo défict habitacional, pela deficiência
de qualidade dos serviços de infraestrutura, pela ocupação predatória de áreas
inadequadas e demais causas que levam as cidades grandes a se incharem de
pessoas sem possuírem uma moradia adequada. Esse incremento da população,
problemático para a ocupação do solo urbano, que se dá na maioria das vezes de
forma irregular, deve-se principalmente à industrialização. Juntamente com o
processo de industrialização vem a falta de política habitacional, sem
planejamento e racionalidade; o assentamento se torna desordenado e iníquo,
expressão usada pelo Professor Ricardo Pereira Lira13
“(...) realizado sob o domínio da chamada ‘segregação
residencial’, por força da qual as populações carentes e de
baixa renda são ejetadas para a periferia do espaço urbano,
onde vivem em condições as mais dilacerantes, agravadas
pela inexistência de uma política de transporte de massa,
recebendo as áreas de assentamento da população
abastada e de classe média a concentração dos maiores
benefícios líquidos da ação do Estado.”
13 Op. cit. pp. 265
20
e continuando, atividade especulativa dos donos de grandes áreas urbanas, que
exercem o seu domínio pelo não-uso, aguardando a hora de vender os lotes
acumulados, mais valorizados pelos investimentos urbanísticos e comunitários,
pagos por todos os cidadãos.
A pobreza social é um fator determinante da informalidade no acesso à
moradia: a má distribuição de renda, o desemprego, o Estado elitista na economia
e produção do trabalho e as desigualdades geradas pela globalização financeira,
apenas como exemplos. Outro fator importante a ser considerado nessa
informalização do exercício do direito à moradia é a forma como os governos,
principalmente municipais, têm organizado seus territórios e formulado políticas
habitacionais urbanas, dissociadamente da estrutura fundiária. Grande parte da
população das cidades brasileiras não tem acesso regular ao solo urbano com os
seus serviços e equipamentos, isto porque as leis urbanísticas são elitistas e
tecnocráticas, determinando valores absurdos aos preços dos terrenos e das
construções, impedindo o acesso dos pobres às áreas centrais da cidade, onde se
encontram a infraestrutura e os serviços disponíveis à apenas parte da população.
Em outras áreas esses equipamentos e serviços têm sido distribuídos de forma
desigual. Tanto o mercado quanto o Poder Público não têm interesse em
viabilizar o acesso dos mais pobres ao uso do solo e à moradia.
“A cultura jurídica dominante ainda não reconhece
plenamente o princípio constitucional das funções
socioambientais da propriedade e da cidade (...) reafirmando
uma noção patrimonialista da propriedade tão somente
como mercadoria e assim estimulando toda uma série de
processo especulativo.”14
14 FERNANDES, Edésio. Desafios da regularização fundiária de assentamentos informais consolidados em áreas urbanas. Forum de Direito Urbano e Ambiental. Belo Horizonte, n. 49, p. 35.
21
É o que nos ensina o professor Edésio Fernandes.
A lição do professor é profunda e traz à tona uma interessante análise do
problema da ocupação irregular, destacada aqui de forma resumida, que essa
solução de assentamento informal praticado pela camada desfavorecida de
moradia regular na cidade, não é uma opção adequada em termos ambientais,
urbanísticos, sociais e jurídicos. A população dessas áreas vive com a
precariedade urbanística e ambiental, sem segurança jurídica da posse, sujeitos a
despejos e remoções, pressões de proprietários, políticos, bandidos, traficantes e
especuladores. Por não terem um endereço, ficam sem o acesso aos benefícios
da urbanização, ao crédito formal e às condições básicas de cidadania. A
informalidade, ao contrário do que se pensa, não é uma opção barata, pois os
moradores pagam preços abusivos para terem acesso a serviços improvisados e
pela própria moradia, dadas as condições precárias em que vivem. Muitas das
residências das áreas informais, as favelas por exemplo, têm aluguéis a preços
absurdos, como reflexo da especulação imobiliária praticada nas cidades.
Para a professora Ângela Moulin15 o planejamento urbano está deixando de
ser tecnocrático hoje, ou seja, de responsabilidade exclusiva do Estado, e
passando a ser um processo político com a participação dos atores sociais, depois
de percebia a ineficiência do Poder Público em controlar a expansão urbana. Para
ela, o crescimento da cidade informal ameaçou o ordenamento urbanístico
imposto à cidade formal pelo Estado. A população de baixa renda passou a
protagonizar movimentos sociais pelo seu reconhecimento público e pela
presença do Estado, através de investimentos em infraestrutura urbanística. A
garantia de que o acesso à cidade faz parte dos direitos dos cidadãos, expressa
pela Constituição da República de 1988, nos art. 182 e 183, é fruto do movimento
pela reforma urbana, que reconheceu a cidadania dessa população vulnerável e
imprimiu inovações jurídicas que levaram ao tratamento da cidade como um bem
público, gerido para o interesse coletivo e com a participação popular. 15 SANTOS, Ângela Moulin S. Penalva. Planejamento urbano: para quê e para quem? Revista de Direito da Cidade, Rio de Janeiro, n. 1, p. 39.
22
Além dos problemas apontados acima, a habitação informal, irregular,
contribui para uma poluição visual, que pode ser conceituada pelo professor Celso
Ferrari em seu Dicionário Urbanístico como “presença no ambiente de elementos
que, isoladamente ou pela concentração excessiva, provocam sensação visual
desagradável, contrária ao bom gosto, inestética.”16 Já o professor Celso Fiorillo17,
diz que:
“a poluição visual, na maioria das vezes, dá-se de maneira
gradativa, permitindo que nos acostumemos com a
desarmonia visual. Essa paulatina poluição dos espaços
urbanos deve ser contida, sob pena de inviabilizar-se às
futuras gerações a oportunidade de desfrutarem um meio
ambiente artificial harmônico.”
16 PEREIRA NETO, Aloisio. A poluição visual nas grandes cidades. In Cidades sustentáveis no Brasil e sua tutela jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2009, p. 27. 17 Op. cit. p. 28
23
CAPÍTULO II
O PAPEL SOCIAL AMBIENTAL DA CIDADE DO RIO DE
JANEIRO, O EXERCÍCIO DO DIREITO À MORADIA E O
PLANO DIRETOR
2.1 – O papel social ambiental da Cidade do Rio de Janeiro
O artigo entitulado Moradia Social na Cidade do Rio de Janeiro, de autoria
da arquiteta e urbanista do Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM
Rosane Biasotto18, traz um importante estudo do problema que queremos
ressaltar neste trabalho.
Nele vemos, num apanhado geral, como não havia na Cidade do Rio uma
preocupação com a função social e muito menos social ambiental, mesmo com a
publicação do Estatuto da Cidade no ano de 2001, há um tempo considerável para
o início das políticas de ocupação do solo à sombra do mandamento
constitucional. Até o momento, o crescimento populacional da Cidade do Rio de
Janeiro diminuiu significativamente nas áreas centrais, como em toda a região
metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, que se caracteriza pela concentração
da infraestrutura e de investimentos nas áreas centrais da Cidade “enquanto o
número de moradias e significativas parcelas da população se deslocam em
direção às áreas periféricas, com piores condições de infraestrutura e mais
distantes das principais oportunidades de trabalho”. Isso se deve ao fato dos
investimentos públicos terem formado novas centralidades e elitizado os bairros
da Zona Sul, enquanto, ao mesmo tempo, ocorreu o aumento das favelas e dos
loteamentos clandestinos nos bairros da Zona Oeste, em condições precárias de
saneamento e de serviços urbanos básicos.
18 BIASOTTO, Rosane. Moradia social na cidade do Rio de Janeiro. Direito à Moradia na Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, n. 1, p. 50-55.
24
No Centro da Cidade ocorreu um expressivo aumento de imóveis vagos
enquanto aumentou também o déficit habitacional da Cidade para as famílias que
ganham até três salários mínimos, que atingiu 87,7% em 2005. O esvaziamento
da função residencial das áreas centrais entre os anos 1990 e 2000 aconteceu
devido à ausência de políticas habitacionais voltadas a manter a população
residente dessas áreas e a manutenção das mesmas como referências culturais,
de trabalho e de consumo de bens e serviços. Com isto houve a saturação dos
meios de transporte, já insuficientes, pelo aumento da demanda de deslocamento
de casa-trabalho-casa e procura pelos serviços de lazer nos bairros próximos ao
Centro.
Essa desigualdade territorial é resultado de um modelo de desenvolvimento
baseado na apropriação privada da valorização da terra urbana. Os imóveis
subutilizados nas áreas centrais funcionam como reserva futura para um mercado
imobiliário seletivo e segregador. A distribuição da população na terra urbana, da
Cidade do Rio, sempre foi vinculada à escolha da elite pelos espaços nobres,
perto das praias cariocas. A Zona Sul e a orla da Barra da Tijuca foram ocupadas
pelas classes sociais de renda mais alta enquanto as áreas da Zona Norte,
próximas ao Centro, foram ocupadas pela população de renda média. À
população de baixa renda restou se instalar nas áreas perto dos eixos ferroviários
da Zona Norte e Oeste da Região Metropolitana, em áreas sem infraestrutura,
longínqua, como a Baixada Fluminense, ou improvisar espaços de sobrevivência
nos morros da Cidade, ou, ainda, resistir na área central, fora do foco principal de
interesse dos agentes imobiliários.
Além da área central da Cidade, especial atenção merece ser dada ao
longo trecho da Avenida Brasil, uma avenida importante, de cinqüenta e oito
quilômetros de extensão, que corta vinte e sete bairros da Cidade. Muitas
empresas que outrora mantinham-se funcionando ao longo dessa via,
abandonaram seus prédios devido à vários fatores, e um dos mais importantes é a
25
violência provocada pelos moradores das favelas que se instalaram em seu
entorno.19
A Avenida Brasil, quase totalmente, foi incluída em Zona Industrial,
excetuando-se as áreas residenciais consagradas pelos programas de moradias
populares do Governo Federal. Não só a violência ditou o abandono das
atividades das empresas antes instaladas na Avenida, mas também outros fatores
como: o avanço tecnológico que possibilitou novas formas de produção, a
transmissão de informações e a guerra do incentivo fiscal para atrair as indústrias,
promovida pelos demais estados do Nordeste e do Sul.
Essa transformação econômica conduziu ao esvaziamento industrial da
Avenida Brasil e dificultou o reaproveitamento dos imóveis projetados com fins
específicos. Ainda mais, possibilitou a degradação do seu entorno, provocando a
extinção das atividades afins e do comércio que perderam a razão de existir. Os
imóveis abandonados, com seu entorno degradado, aumentam a cada dia na
Cidade, nessa extensa área, dando a oportunidade de invasão desses espaços
pela população carente de habitação.
Alguns imóveis ganharam nova destinação, porém ainda há vários prédios,
fábricas e galpões abandonados e suas condições são de depredação, estruturas
em ruínas e precárias moradias de alvenaria (ANEXO 1). Existem regiões ao
longo da Avenida Brasil onde não se pode construir moradias, pela legislação
urbanística vigente hoje. Alteradas, poderão ser construídas casas e comércios.
Outro fator importante a considerar é o impacto visual horrível que esse
abandono dos prédios provoca na paisagem da cidade. Ao ver as fotos no Anexo
deste trabalho, que apenas servem de exemplo nesse estudo, percebemos a
deprimente imagem que aparece ao longo a Avenida aos milhões de pessoas que
passam diariamente por ela. Isso sem considerar que por ali passam outros
tantos turistas e trabalhadores de outras cidades, que nelas trafegam todos os
19 http://desfavelizacao.wordpress.com/. Cabral quer desfavelizar a Avenina Brasil Acesso em 20/01/2011
26
dias, oriundos das duas Rodovias que nela desembocam, como a Rodovia
Presidente Dutra (BR-116), em Irajá, e a Rodovia Washington Luiz (BR-040), em
Cordovil, seguindo então para o Centro, importante ao comércio e aos negócios, e
para os bairros da Zona Sul e Barra da Tijuca, mais nobres e atraentes ao turismo
na Cidade.
Tal situação mostra que falta muito para a Cidade do Rio de Janeiro
assumir o seu papel de cidade ambientalmente sustentável, como deseja a
Constituição da República, seu filho o Estatuto da Cidade e a anterior Lei, que
muito antes já desejava isto e certamente inspirou o assento constitucional de
cidade boa para os cidadãos, que assim nos dizia e ainda diz, sob o número
6.938/1981, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente, e define o que
é considerado poluição visual em seu art. 3º, inciso III, alíneas a e c:
“Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
(...)
III – poluição, a degradação da qualidade ambiental
resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da
população;
(...)
c) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio
ambiente;”
É lamentável observar que são péssimas as condições estéticas de parte
da paisagem urbana na Avenida Brasil, principalmente entre os bairros da Penha
e Bonsucesso, com predominância das favelas à beira das calçadas e de prédios
em estado de degradação paisagística tão grande que deixa dúvidas se estão
27
sendo efetivamente usados pelas suas empresas proprietárias, ou, se já não estão
abandonados, prestes a serem invadidos pela população. Nesse mesmo trecho
pode-se ver empresas funcionando em prédios conservados, bem construídos,
alguns ornamentados com beleza paisagística, como a instalação da Fundação
Oswaldo Cruz, destacando-se ainda os quartéis e outros prédios públicos e
privados de grandes empresas. As ocupações irregulares, a maioria também
nesse trecho, formam as favelas e as empresas invadidas, compondo uma vista
feia, com prédios de alvenaria não acabados, sem pintura ou pastilhas, que
caíram há muito, a fiação da eletricidade pública aproveitada para essas
ocupações em péssimo estado, emboladas, sobrecarregadas nos postes
próximos, tudo isto mostrando um quadro medonho de descaso do Poder Público
e dos proprietários dos imóveis ao longo da via, durante muitos anos, parecendo
demonstrar que para a área onde se localiza não é necessário estar bonito, bem
conservado ou organizado. Não se vê uma figura tão triste e infeliz na orla da
Zona Sul e Barra da Tijuca, onde tanto o Poder Público como a comunidade dão
melhor atenção no sentido de ser dada destinação aos imóveis, ou pelo menos,
mantê-lo em condições favoráveis à beleza da paisagem que agrada e atrai os
turistas que contribuem para a riqueza financeira da Cidade, esquecendo-se que
muitos deles antes passam pela Avenida Brasil.
2.2 – A falta de exercício do direito à moradia na Cidade, as razões, o Poder
Público e o interesse econômico
A falta do exercício do direito à moradia que se tem observado na área
central da Cidade do Rio pela população de baixa renda que se instalou em
regiões sem infraestrutura, em condições precárias e longínquas, muitas vezes,
não é sem razão de ser. A atenção dada área central, através das políticas
públicas adotadas, foi para reproduzir e requalificar as áreas antes desvalorizadas,
incorporando valor e potencializando a atuação do mercado em regiões
desinteressantes e aumentando o processo de segregação social, fazendo com
28
que os pobres se mudem para as áreas mais longe ou para as favelas. O
interesse de revitalização do Centro sempre foi associado à inserção da Cidade
nos negócios e na economia global, e mesmo as políticas de embelezamento e
renovação não pretendiam atender ao público morador local.
A modernização dos espaços urbanos no Centro do Rio deixa em segundo
plano as necessidades da população moradora que contribui para a vitalidade
urbana dessa área. A substituição dos espaços de moradia pelos espaços de
consumo, serviços e lazer sofisticado tem sido a tônica dos projetos de
requalificação dessa área, embora sejam travestidos de projetos de integração de
usos residenciais e não residenciais, pois os investimentos públicos não têm
alterado efetivamente o esvaziamento residencial e não favorece a moradia de
interesse social adequadamente.
Os movimentos de resistência social força o posicionamento dos governos
ao lado da manutenção e ampliação da moradia popular nas áreas centrais. Com
as ocupações sociais em prédios abandonados no Centro da Cidade, a luta e a
pressão dos movimentos sociais demonstram a resistência diante dos interesses
imobiliários. As famílias, no entanto, sofrem com as constantes ameaças de
reintegração de posse e condições precárias de moradias, como o corte de luz e
água, problemas de vedação, difícil acesso aos andares superiores nos prédios
mais altos, riscos de incêndio etc.
Com tudo isto, para essas famílias, estar na área central, perto dos seus
trabalhos e das melhores condições de acesso aos serviços públicos e ao lazer, é
mais importante.
2.3 – O novo Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro e a busca da população
por moradia nas áreas centrais
O Novo Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro, aprovado pela Lei
Complementar nº 111, de 1º de fevereiro de 2011, cuja ementa diz: “Dispõe sobre
29
a Política Urbana e Ambiental do Município, institui o Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano Sustentável do Município do Rio de Janeiro e dá outras
providências”, pretende cumprir o previsto no art. 40 do Estatuto da Cidade (Lei
10.257/2011) e ser o instrumento básico da política de desenvolvimento e
expansão urbana da Cidade do Rio de Janeiro. No que interessa a este trabalho,
destacamos os seguintes artigos:
“CAPÍTULO I
DO USO E DA OCUPAÇÃO DO SOLO
(...)
Seção II
Da Ocupação Urbana
(...)
Art. 16. Os usos não residenciais serão localizados em
áreas destinadas para este fim ou em áreas de uso
diversificado, podendo ser aceito em zonas residenciais
desde que seu funcionamento não represente incômodo ou
perigo.
(...)
§ 4º A legislação urbanística, através de lei, deverá
contemplar:
(...)
II - coexistência de usos e atividades diversificados,
compatíveis entre si e com o uso residencial, evitando-se
segregação dos espaços, diminuindo os deslocamentos e
30
contribuindo com o processo de descentralização das
atividades econômicas;
(...)
CAPITULO III DOS INSTRUMENTOS DE GESTÃO DO USO E
OCUPAÇÃO DO SOLO
Seção I Das Áreas de Especial Interesse
Art. 70. Áreas de Especial Interesse, permanentes ou
transitórias, são espaços da Cidade perfeitamente
delimitados sobrepostos em uma ou mais Zonas ou
Subzonas, que serão submetidos a regime urbanístico
específico, relativo a implementação de políticas públicas de
desenvolvimento urbano e formas de controle que
prevalecerão sobre os controles definidos para as Zonas e
Subzonas que as contêm.
Parágrafo único. Cada Área de Especial Interesse receberá
apenas uma das seguintes denominações e conceitos:
(...)
II. Área de Especial Interesse Social - AEIS é aquela
destinada a Programas Habitacionais de Interesse Social –
HIS, destinados prioritariamente a famílias de renda igual ou
inferior a seis salários mínimos, de promoção pública ou a
ela vinculada, admitindo-se usos de caráter local
complementares ao residencial, tais como comércio,
equipamentos comunitários de educação e saúde e áreas
de esporte e lazer, abrangendo as seguintes modalidades:
(...)
31
b) AEIS 2, caracterizada por:
(...)
1. imóveis não edificados, não utilizados e subutilizados em
áreas infraestruturadas;
(...)
Seção II Do Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios
Art. 71. Lei específica de iniciativa do Poder Executivo
poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a
utilização compulsórios do solo urbano não edificado,
subutilizado ou não utilizado, fixando as condições e os
prazos para implementação da referida obrigação, nos
termos dos artigos 5º a 8º do Estatuto da Cidade.
(...)
§4º Poderão ser também considerados como subutilizados,
os imóveis com edificação em ruínas ou que tenha sido
objeto de demolição, situação de abandono, desabamento
ou incêndio.
(...)
Seção VII Da Ocupação de Vazios Urbanos
e Imóveis Subutilizados
Art. 212. A ocupação de vazios urbanos e imóveis
subutilizados e não utilizados compreenderá:
(...)
32
III - o aproveitamento dos imóveis, respondendo à demanda
de moradia em bairros centrais e bem servidos de
infraestrutura;”
Da leitura simples dos artigos retirados do novo Plano Diretor da Cidade do
Rio de Janeiro, vê-se que a ocupação das áreas centrais da Cidade pela
população de baixa renda, com o objetivo de melhor usar o solo urbano e seus
acessos físicos (suas construções), estando subutilizados ou não utilizados, será
daqui para frente uma meta a ser cumprida pela Cidade através da legislação
urbanística que virá complementá-lo.
Hoje já existem vários movimentos sociais, embasados no artigo 6º da
Constituição da República, que instituiu a moradia como um direito social,
buscando agregar esse objetivo ao uso dos espaços subutilizados ou não
utilizados nas áreas centrais, não somente como alternativa de abrigo aos sem-
teto, como também para marcar politicamente a luta pelo direito à moradia. A
palavra de ordem destes movimentos é “se morar é um direito, ocupar é um
dever”, fazendo com o que o Poder Público cumpra as funções sociais da
propriedade e da cidade.
Podemos destacar aqui algumas das moradias sociais, em processo de
reconhecimento do direito de morar no Centro, buscando a titulação da
propriedade e segurança da habitação, para vencer as constantes ameaças de
despejo e atitudes de expulsão simuladas, realizadas pelo Poder Público,
concretizadas nos cortes de água e luz dos prédios abandonados e ocupados pela
população de baixa renda. Na foto a seguir dá para ver a área central da Cidade,
apenas como uma amostra, onde se localizam algumas das ocupações existentes
hoje:20
20 www.chiqdasilva.com/. As ocupações de prédios vazios e o esvaziamento do centro da cidade do Rio de Janeiro. Acesso em 19 mar 2011
33
Da esquerda para a direita, são as ocupações denominadas de Chiquinha
Gonzaga, Flor do Asfalto, Zumbi dos Palmares, Manuel Congo, Carlos Marighela,
Almor, Nelson Mandela e Quilombo das Guerreiras.
Resumidamente mostraremos o que caracteriza cada uma das ocupações,
segundo as notícias e entrevistas disponíveis na Internet.
1. Ocupação Chiquinha Gonzaga: (ANEXO 2 FOTO 1) Rua Barão de São
Felix, nº 110. Funciona atrás do Ministério da Defesa, nas proximidades da
Central do Brasil, num antigo prédio abandonado há mais de 20 anos pelo Incra, o
instituto dedicado à reforma agrária. O prédio foi desapropriado e passou para o
nome do Estado do Rio de Janeiro, que garante a permanência das 68 famílias no
local, num total aproximado de 300 pessoas. Destas, 80% têm emprego; 27,7%
34
têm o ensino fundamental, 21,3% o ensino médio e 6,4% o superior incompleto.
Antes de habitarem na Chiquinha Gonzaga, 48,9% deles pagavam aluguel, 17%
viviam em outra ocupação, 14,9%, na casa dos pais, 10,6%, na rua, e 6,4% em
hospedaria.21
2. Flor do Asfalto: (ANEXO 2 FOTO 2) Avenida Rodrigues Alves, nº 535.
Trata-se de um espaço de 2500 metros quadrados, dividido em duas partes: em
uma moram mais de 20 famílias e na outra se encontra um espaço autogerido que
existe há quase 4 anos. Além de funcionar como moradia, se desenvolve como
espaço cultural, com muitos eventos, oficinas e trocas de idéias: biblioteca, oficina
de serigrafia, herbário, atelier, oficina de bicicletas, uma pequena agrofloresta com
uma média de 70 espécies (algumas em extinção), cooperativa de alimentos,
cozinha comunitária e mais.22
3. Zumbi dos Palmares: (ANEXO 2 FOTO 3) O prédio foi construído em
1942 para o INPE – Instituto Nacional de Pensionistas da Estiva, com 7
pavimentos. Em 1947 o INPE foi incorporado ao Instituto de Aposentadorias de
Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas – IAPETC e com a unificação
do sistema de aposentadoria, o prédio passou a ser propriedade do Instituto
Nacional de Seguro Social – INSS, e permanece até hoje. Em 2005, foi ocupado
por 133 famílias que utilizam o comércio, as escolas e os centros culturais, além
de ser fonte de empregos para a maioria dos moradores. Funciona precariamente
o Centro Cultural Zé Kéti, um grande espaço para estacionamento de carrinhos de
ambulantes e os apartamentos ficam atrás. A circulação vertical é feita pela
escada, pois não há mais elevadores, o hall e os espaços comuns são bem
amplos e na cobertura, ociosa, funcionam atividades de recreação, com uma
pequena quadra, um grande salão coberto e uma área descoberta23
21 www.arteepolitica.com.br/ap/.../ocupacao-chiquinha-gonzaga/. Acesso em 19 mar 2011 22 http://expressaoliberta.blogspot.com/2010/07/solidariedade-ocupacao-flor-do-asfalto.html. Acesso em 19 mar 2011 23 http://www.chiqdasilva.com/ap/.../ocupação–zumbi-dos-palmares. Acesso em 20 mar 2011
35
4. Manuel Congo: (ANEXO 2 FOTO 4) Rua Alcindo Guanabara, nº 20.
Surgiu no dia 01 de outubro de 2007, num edifício privado, conhecido como Cine
Vitória, na Cinelândia, sem utilização há onze anos. Foram despejados e
ocuparam o prédio abandonado da Secretaria de Fazenda, na Regente Feijó, de
onde foram expulsos pela polícia. Ocuparam, então, o prédio em que estão até
hoje, na rua Alcindo Guanabara, do INSS, sem utilização há 10 anos. Possui 120
moradores e 42 famílias, na maioria cariocas, com uma média de 03 filhos. As
mulheres têm entre 30 e 40 anos, que não trabalham na maioria, cuidam dos filhos
e da limpeza da ocupação. A renda principal vindo vem dos homens que estão,
em sua maioria, inseridos no mercado de trabalho formal, em ocupações com
baixa remuneração. 24
5. Ocupação Carlos Marighela: (ANEXO 2 FOTO 5) Rua do Riachuelo nº
48. Houve o despejo das 65 famílias, trabalhadoras no comércio informal, que
viviam no local em condições degradantes, sem água, esgoto e iluminação e
foram encaminhadas para abrigos da prefeitura. Não há notícias da situação
atual da ocupação nas fontes pesquisadas.25
6. Ocupações Almor e Nelson Mandela: embora estejam localizadas no
mapa acima, não foram encontrados registros sobre estas ocupações nas fontes
pesquisadas.
7. Ocupação Quilombo das Guerreiras: (ANEXO 2 FOTO 6) Avenida
Francisco Bicalho, nº 49. O prédio pertence à Companhia de Docas do Rio de
Janeiro e abriga 100 famílias pobres: cerca de 20 crianças, idosos e duas
mulheres grávidas também compõem o Quilombo das Guerreiras, que estão
resistindo, apesar da infra-estrutura precária, à reintegração de posse do imóvel.26
24 http://www.uel.br/grupo-pesquisa/. Acesso em 20 mar 2011 25 http://inverta.org/jornal/edicao-impressa/. Operação choque de ordem no Rio de Janeiro. Acesso em 20 mar 2011 26 http://www.flickr.com/photos/rataodiniz/. Acesso em 20 mar 2011
36
CAPÍTULO III
A DESTINAÇÃO OBRIGATÓRIA DOS IMÓVEIS
ABANDONADOS E A CONCESSÃO DA HABITAÇÃO
SOCIAL
3.1 – A destinação obrigatória dos imóveis abandonados
A função social do imóvel urbano, conforme disposto no art. 182, caput e §
2º da Constituição da República de 1988, será definida por lei local que dará as
diretrizes da sua melhor utilização, sempre no interesse da coletividade, e não da
definição particular do proprietário do bem. A ordem econômica deve entender
dois princípios, um que garante a propriedade privada e outro que impõe ao
proprietário o dever de dar destinação ao imóvel, assegurando a existência digna,
conforme os ditames da justiça social, e desenvolver o seu estudo da propriedade
e do seu acesso a ela na categoria do direito fundamental.
O direito à moradia difere do direito à propriedade, e são antagônicos, o
direito à moradia do cidadão que não a tem e o de propriedade do titular do bem.
Se a propriedade é um direito fundamental do indivíduo que a tem, como o é
também o direito de moradia de outro que não a tem, a propriedade deve então
cumprir a sua função social, sob pena de sofrer a usucapião.
Se o particular tem a propriedade o Estado tem o dever de protegê-la e
favorecê-la, no interesse da coletividade, atuando no interesse público. O
particular, então, tem o dever de cumprir a função social do bem que conquistou
para evitar o seu perdimento e a Administração tem o dever de atender às regras
que determinam agir contra o particular em favor do coletivo.
Atualmente, o direito de propriedade reclama não só o cumprimento da sua
função social, mas também da sua função ambiental. A legislação prevê: o art.
225 da Constituição da República consagra o direito universal a um meio ambiente
37
ecologicamente equilibrado e a uma sadia qualidade de vida; o art. 170 da
Constituição baseia a ordem econômica também na defesa do meio ambiente,
tratando diferentemente as empresas conforme o impacto ambiental dos seus
produtos e serviços; o Código Civil de 2002, no art. 1.228, § 1º, abandonou o
absolutismo da propriedade para abraçar o relativismo, condicionando-a ao
atendimento das funções sociais e ambientais. Todos estes dispositivos atrelam a
propriedade à sua função sócio-ambiental.
É necessária uma política urbanística para ordenar a utilização do solo
urbano com uma concepção democrática do direito de propriedade. O direito
urbanístico contemporâneo enseja assentamentos mais justos e racionais nas
médias e grandes cidades e é norteado por dois princípios básicos: o primeiro
considera que a propriedade não é uniforme e inalterável em qualquer
circunstância, mas permite o exercício das faculdades de usar, gozar e dispor
limitadamente, em nome do interesse social; o segundo considera que a
edificação e a utilização do solo urbano não pode ser uma realização privada, ao
sabor da conveniência do dono do lote ou da gleba urbana, mas uma realização
pública sob o prisma da qualidade de vida da comunidade.
O Estatuto da Cidade foi o diploma legal que deu, a partir do ano de 2001,
as diretrizes para o desenvolvimento urbano, formatando um perfil mais moderno
e democrático para a propriedade urbana, através de vários instrumentos
destinados a racionalizar os assentamentos urbanos, quais sejam: 1) plano diretor
– instituindo a política de desenvolvimento e de expansão urbana; 2) o direito de
superfície – convenção que permite a construção sobre um terreno alheio, ficando
o construtor com o domínio da edificação e o cedente com o patrimônio do
terreno; 3) concessão de direito real de uso – transferência da fruição temporária
de terreno público ou particular, a título de direito real, remunerada ou não, para
fins de urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra ou qualquer
utilização de interesse social; 4) edificação e parcelamento compulsórios –
eficazes contra a especulação imobiliária; a edificação compulsória obriga o
38
proprietário a edificar, em prazo legal, sob pena de incidir sobre o terreno o IPTU
exacerbado ou sofre a desapropriação-sanção, e o parcelamento compulsório
obriga o proprietário a parcelar o imóvel e atender à demanda populacional por
moradia; 5) direito de preempção – direito que o Município passa a ter na
transação entre particulares de adquirir o imóvel em determinadas áreas definidas
na lei de uso e ocupação do solo, para atender à finalidades urbanísticas; 6)
urbanização consorciada – utilizada em empreendimentos conjuntos da iniciativa
privada e do Poder Público para alcançar as transformações urbanísticas
estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental em uma área, com a
participação dos proprietários, moradores, usuários e investidores; 7) imposto
progressivo – incide sobre a propriedade ociosa para induzir à construção, quando
for de interesse para o Poder Público; 8) outorga onerosa do direito de construir –
criação do piso artificial, aproveitando o terreno no subsolo, no solo e no espaço
aéreo, além do limite estabelecido para o aproveitamento do solo, com a
contraprestação do beneficiário; 9) usucapião especial urbano – concede o
domínio da propriedade de até 250 m2, em área urbana, a quem a possuir como
sua por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua
moradia ou de sua família, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano
ou rural; 10) concessão de uso especial para fins de moradia – assemelhado ao
usucapião, incide sobre as propriedades públicas de até 250 m2, concedendo a
posse, gratuitamente, a quem a possuir como sua por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua
família, desde que não seja proprietário ou concessionário de outro imóvel urbano
ou rural; 11) transferência do direito de construir – autoriza o proprietário de imóvel
público ou particular a construir em outro local ou alienar o direito de construir,
quando o imóvel for necessário para implantação de equipamentos urbanos e
comunitários, preservação de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou
cultural, ou servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas
ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social, ou ainda,
se o proprietário doar parte de seu imóvel para os fins acima; 12) estudo de
39
impacto de vizinhança – obrigatório para empreendimentos e atividades públicas e
privadas que possam causar impactos negativos à população residente na área a
ser utilizada, antes de obter a licença. Não substitui o estudo de impacto
ambiental previsto na legislação ambiental; 19) consórcio imobiliário – o
proprietário das áreas atingidas pelo parcelamento, edificação ou utilização
compulsórios pode transferir ao Poder Público municipal o seu imóvel e, após as
obras de urbanização ou edificação, recebe como pagamento unidades
imobiliárias urbanizadas ou edificadas.
De nada adiantam os institutos acima existirem na legislação pátria, se não
forem utilizados por falta de políticas públicas que atendam à necessidade de
conceder moradia digna à população de baixa renda. O desenvolvimento informal
é um problema que deve ser enfrentado de duas maneiras, segundo Edésio
Fernandes27: uma, com políticas preventivas, articulando as políticas fundiárias
com as urbanas, habitacionais, ambientais e fiscais na esfera local, envolvendo
especialmente imóveis vazios e subutilizados privados e públicos em áreas
centrais, com a participação de outras esferas de governo e particulares e duas,
com políticas curativas, regularizando os assentamentos informais já
consolidados.
Os governos municipais têm que reservar áreas bem localizadas e servidas
de infraestrutura urbana, aproveitando os prédios e terrenos não utilizados ou
subutilizados, para a habitação de interesse social, através do seu plano diretor e
leis de uso, ocupação e parcelamento do solo urbano para criarem cidades
ambientalmente sustentáveis.
27 FERNANDES, Edésio. Desafios da regularização fundiária de assentamentos informais consolidados em áreas urbanas. Forum de Direito Urbano e Ambiental. Belo Horizonte, n. 49, p. 35-36.
40
3.2 – A concessão da habitação social
As políticas públicas implantadas no Centro da Cidade do Rio têm tido um
caráter embelezador e renovador para atender a um público que não corresponde
aos seus moradores. Todavia, os regimes de proteção do patrimônio edificado por
seus valores arquitetônicos, culturais ou ambientais, vêm cumprindo uma função
social positiva ao proteger os grupos mais frágeis contra a pressão do mercado
que visa um uso mais rentável para o local. As intervenções públicas visam
renovar e reabilitar o patrimônio construído, porém não altera o estado de
abandono e esvaziamento populacional da área. Realizaram-se investimentos
nas áreas centrais que aliaram a conservação do mobiliário histórico ao comércio
popular e atividades culturais, como museus e centros culturais e, no bairro da
Lapa, dinamizaram as atividades ligadas ao turismo e ao entretenimento noturno,
principalmente.
As propostas de intervenção nas áreas centrais da Cidade do Rio incluem a
requalificação da Zona Portuária, com remodelação paisagística e apropriação de
imóveis vagos ou subutilizados, para atividades turísticas ou de comércio. A
revitalização e a requalificação dessas áreas envolvem cada vez mais incentivos
às iniciativas privadas, interessadas em ampliar seus espaços de investimento, e
parcerias público-privadas promovidas pelos governos municipais que colocam os
investimentos privados em primeiro lugar, sem levar em conta os interesses e as
necessidades da população que aí reside ou precisa residir.
A importância da moradia popular no Centro da Cidade é reconhecida
amplamente, mas o Poder Público municipal não tem incorporado instrumentos
para neutralizar a valorização fundiária que acompanha a requalificação e
renovação do tecido urbano. É fundamental que as ações públicas no Centro
garantam a permanência da população de baixa renda que habita nessa área,
melhorando as condições de moradia e combatendo a ociosidade de imóveis
vazios ou subutilizados, enfrentando o déficit habitacional da Cidade.
41
Para que a população ocupante dos imóveis abandonados ou subutilizados
do Centro da Cidade do Rio possam continuar a residir nesses locais e chegarem
a receber o título que lhes garanta a moradia pacífica e segura, alguns
instrumentos podem ser implementados pelo Poder Público das três esferas de
Governo, a luz do Estatuto da Cidade e da legislação que visa justamente atender
a essa população no seu direito à moradia.
A moradia serve como parâmetro para identificar a vida digna da pessoa e
o seu padrão adequado. O padrão de vida adequado depende da satisfação do
direito à moradia. A Resolução das Nações Unidas, entitulada Comentário Geral
nº 4 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas,
de 12 de dezembro de 1991, trata dos componentes do direito à moradia, que são:
segurança jurídica da posse; disponibilidade dos serviços, materiais, benefícios e
infraestrutura; gastos suportáveis; habitabilidade; acessibilidade; localização e
adequação cultural. Todos esses componentes encontram-se fartamente nas
áreas centrais da Cidade do Rio, que apesar do esvaziamento habitacional,
melhora a cada dia o tecido urbano para quem trabalha, negocia e busca lazer e
cultura. Todo o potencial para uma via digna da população aí existe e não é toa
que a população de baixa se sente tão atraída por esse espaço, ao invés de
aproveitar áreas mais amplas, naturais, com menos poluição aérea, sonora e
visual e que até mesmo proporcionam um lazer mais saudável, com possibilidade
das pessoas de qualquer idade aproveitarem as ruas e calçadas mais largas e
menos movimentadas para passeios de bicicletas, motocicletas, a pé, no lombo de
animais como cavalos e burros, carroças, ou de brincarem nas áreas abertas
como praças e descampados com campos de futebol, árvores para subir, árvores
frutíferas para colher parquinhos e inúmeras atividades mais baratas ou gratuitas
para a população da região. Não obstante se constata esse quadro, a
infraestrutura urbana e os serviços públicos são precários e a busca em áreas
mais bem servidas sai muito mais cara e cansativa.
42
O que o Poder Público pode fazer é implantar políticas públicas para que a
população disposta a permanecer nos imóveis ocupados, justamente porque
ninguém fez dele um meio de atender à função sócioambiental da Cidade,
mantendo-os para a sua moradia e de sua família. Os instrumentos postos pelo
Estatuto da Cidade e demais legislação já existem para atender a essa população,
basta que se dê concreção a eles e essa é a idéia de quem invade esses prédios,
morar na área central dignamente e não como um simples invasor.
Como dito no item anterior há dois instrumentos legais que podem
possibilitar o exercício do direito à moradia digna e favorecer a propriedade da
população de baixa renda que se instala nos prédios ociosos do Centro do Rio.
São eles o usucapião especial urbano, que incide sobre a propriedade urbana
privada, e a concessão de uso especial para fins de moradia, que incide sobre a
propriedade urbana pública.
A Constituição da República de 1988, no art. 183, e o Estatuto da Cidade,
Lei 10.257/2001, no art. 9º, prevêem o instituto do usucapião especial urbano,
como um instrumento capaz de conferir domínio ao possuidor de área urbana de
até 250 m2, por cinco anos ininterruptos e sem oposição, que a utilize para sua
moradia e de sua família, se não for proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Visa efetivar o direito fundamental à moradia como um instrumento especial de
aquisição pela prescrição do direito de propriedade garantido pela Constituição,
pelo fato de seu possuidor ou ocupante ter dado à propriedade a função social que
dela se exige.
É um utilíssimo instrumento a ser aplicado na política de regularização
fundiária da Cidade em que estejam assentadas populações de baixa renda e que
poderia ser também utilizado nas ocupações de prédios por população de baixa
renda que preencham os requisitos para a aquisição por usucapião. Adaptando o
art. 10 do Estatuto da Cidade, que trata do usucapião coletivo e exige que para
tanto não se possa identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, ao caso
dos prédios ocupados, onde também não se pode precisar a fração de cada
43
ocupante, uma vez que alguns se instalaram nas salas pré-existente e outros
dividem áreas comuns como salões, corredores e áreas abertas de uso comum, o
procedimento para essa aquisição também deveria ser simplificado, flexibilizando
as normas processuais relativas ao usucapião para dispensar a citação dos
confinantes e a necessidade de planta formal subscrita por técnico especializado.
Assim, entendemos que a população ocupante desses prédios, com mais de cinco
anos, ininterruptos, sem oposição, e sem possuir outro imóvel urbano e rural, pode
se valer desse instrumento para adquirir-lhe a propriedade.
Outro instrumento jurídico de que se pode valer a população ocupante é o
da concessão de uso especial para fins de moradia, previsto anteriormente pelo
Estatuto da Cidade, mas que teve vetado os artigos 15 a 20, e posteriormente
aprovado pela Medida Provisória nº 2.220, de 4 de setembro de 2001. Em seu art.
1º prevê os mesmos critérios exigidos para o usucapião coletiva, como possuir
como seu imóvel público de até 250 m2, ininterruptamente, sem oposição, em área
urbana, para moradia sua ou de sua família, sem possuir outro imóvel a qualquer
título, e sem possibilidade de identificação dos terrenos ocupados por cada
possuidor, para que se conceda o direito à concessão de uso para fins de
moradia. A diferença do usucapião é que o art. 1º da Medida Provisória, exige
essa posse até o dia 30 de junho de 2001. Alguns autores entendem que essa
exigência é inconstitucional, por não estar prevista no art. 183, § 1º da
Constituição.
Algumas providências estão sendo tomadas pelo Poder Público para
viabilizar o direito de moradia na área central da Cidade do Rio de Janeiro. Para a
ocupação denominada Manuel Congo, localizada na Av. Alcindo Guanabara, nº
20, a Secretaria Estadual de Habitação, a Caixa Econômica Federal e o Ministério
da Cidades, assinaram contrato para comprar o imóvel abandonado e ocupado
pelas famílias, e transformá-lo em moradia popular. A idéia é recuperar o prédio,
sem necessidade de remoção dos moradores, e criar um projeto social de
44
organização comunitária e educação patrimonial para que os moradores cuidem
da manutenção do prédio.28
Há notícias que nos dão conta de que as ocupações Chiquinha Gonzaga,
Almor, Zumbi dos Palmares e Quilombo das Guerreiras, estão sendo
contempladas pelo Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS,
com verba para projeto, mobilização social e obras. O projeto de arquitetura e
mobilização social comprova que é possível habitar nos prédios abandonados.29
Várias outras leis têm sido aprovadas pelo Congresso Nacional
estabelecendo as políticas e programas de regularização de assentamentos
informais consolidados, de interesse social, caracterizado pela população
pertencente a grupos socioeconômicos mais desfavorecidos. Apesar de serem
direcionadas aos ocupantes de terras públicas e privadas ociosas, cabe ao
interessado fazer valer os mesmos instrumentos para a busca da moradia social
nos prédios abandonados das áreas centrais e da Avenida Brasil aqui estudadas,
para que não baste apenas a moradia, o abrigo, mas a propriedade, valorizada,
cuidada, usada para os seus fins sociais e ambientais, atendendo à necessidade
da população e aos fins mesmos da cidade ambientalmente sustentável.
As leis recentes que possibilitam a regularização fundiária para as camadas
mais pobres da população, reconhecida como de seu direito pela Constituição da
República de 1988, além da Emenda Constitucional 26/2000, do Estatuto da
Cidade e da Medida Provisória 2.220/2001, são:
1. Lei 10.931/2004 – dispõe sobre a gratuidade do registro imobiliário dos
programas de regularização.
28 http://exame.abril.com.br/economia/brasil/noticias/governo-do-rio-vai-restaurar-predio-abandonado-do-inss-para-moradia-popular 29 www.chiqdasilva.com/. As ocupações de prédios vazios e o esvaziamento do centro da cidade do Rio de Janeiro. Acesso em 19 mar 2011
45
2. Lei 11.124/2005 – lei de iniciativa popular que criou o Fundão Nacional
de Habitação de Interesse Sócia.
3. Lei 11.481/2007 – possibilitou a transferência de terras da União para os
Município, para regularização da situação dos ocupantes.
4. Lei 11.888/2008 – estabeleceu o direito a assistência técnica gratuita
para o avanço dos programas de regularização.
5. Lei 11.977/2009 – dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida e a
regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas.
Esses programas visam promover a segurança jurídica da posse dos
moradores e integração socioespacial das áreas e comunidades.
Para concluir, remetemo-nos à excelente conclusão apresentada pelo
Professor Edésio Fernandes, em seu artigo “desafios da regularização fundiária de
assentamentos informais consolidados em áreas urbanas”, 2010, na esperança de
que as leis que abraçam os assentamentos em terras públicas e privadas,
cheguem a alcançar os ocupantes de imóveis das áreas centrais e da Avenida
Brasil, na Cidade Maravilhosa, que foram esquecidos e desprezados pelos seus
proprietários, particulares e públicos, durante tantos anos e se apresentam como
ótimas opções de moradia, não somente para as camadas mais pobres da
sociedade, que corajosamente investe nesse intento, mas para as classes média e
média-baixa, que luta para adquirir seu imóvel próprio, muitas vezes longe das
áreas mais bem servidas de infraestrutura urbana e serviços públicos, comprando
e pagando por anos um imóvel, para exercer o seu direito de moradia:
“Em especial, o papel dos operadores do direito – juízes,
promotores, defensores, advogados, registradores,
estudantes – é fundamental para que essa nova ordem
jurídico-urbanística seja plenamente materializada através
de programas, planos, projetos, ações e decisões.
46
Promover a inclusão social pelo Direito: eis o desafio
colocado para os juristas brasileiros. O papel dos juristas
construindo as bases sociais e coletivas do Direito
Urbanístico é de fundamental importância nesse processo
de reforma jurídica e reforma urbana, que passa
necessariamente pela regularização dos assentamentos
informais, para que sejam revertidas as bases dos
processos de espoliação urbana e destruição
socioambiental que têm caracterizado o crescimento urbano
no Brasil e para que conceitos e práticas de
desenvolvimento sustentável sejam efetivamente
materializados.”30
30 FERNANDES, Edésio. Desafios da regularização fundiária de assentamentos informais consolidados em áreas urbanas. Forum de Direito Urbano e Ambiental. Belo Horizonte, n. 49, p. 38.
47
CONCLUSÃO
A função social ambiental da cidade é cumprida quando ela respeita o
direito à moradia dos seus habitantes, oferece a todos uma cidade sustentável,
equilibrada em sua infraestrutura que atende a todas as áreas instituídas com os
seus usos e ocupações. Numa cidade ambientalmente sustentável não pode
haver ocupações irregulares que venham a ser maléficas, seja ao meio ambiente,
à economia, aos poderes públicos e camadas sociais que nela residem. A
moradia precisa ser um abrigo e cumprir a função social e ambiental que dela se
espera, contribuindo para uma cidade organizada, bem utilizada e atraente para
os seus próprios moradores e para os que vêm de fora para visitar ou firmar seus
negócios e usar dos seus recursos em todas as modalidades.
Na Cidade do Rio de Janeiro, o papel social ambiental nunca foi muito bem
desempenhado na questão do atendimento ao direito de moradia da população.
O papel econômico e especulador sempre foi mais bem amparado pelas políticas
públicas que regeram as propriedades e seus usos pelos seus proprietários. Esse
quadro impossibilitou muito o exercício do direito à moradia da população mais
desfavorecida economicamente, que acostumou a ser empurrada para longe das
áreas nobres e mais bem equipadas, se instalando nas periferias das áreas mais
bem providas de infraestrutura urbana. Esse quadro só viria a mudar depois de
muitos anos e com a força das lutas pelos direitos dos pobres, assentados na
Constituição Cidadã, promulgada em 1988, que programou o atendimento das
necessidades do homem, em todos os aspectos, a serem buscados por eles e
atendidos pelo poder público.
As lutas que levaram ao reconhecimento dos homens como iguais entre si, em
direitos e obrigações, pela Constituição Cidadã, refletiram no amparo do direito à
moradia para todas as camadas da população brasileira, e atualmente tem
revelado um forte braço ao determinar que as funções sociais e ambientais da
propriedade e da cidade tenham um papel fundamental no exercício desse direito.
48
Hoje quem não usa ou usa mal a sua propriedade, deve dar lugar ao uso para
quem precisa e exerce de maneira pacífica e organizada. As ocupações devem
deixar de ser irregulares e ganhar forma legal e justa para que a Cidade ganhe
cidadãos amparados em seus direitos, que vive, ama e constroe uma sociedade
onde todos realmente sejam “iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade (grifo nosso)... “ (art. 5º, caput, da Constituição da República de 1988)
49
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www.chiqdasilva.com/. As ocupações de prédios vazios e o esvaziamento do centro da cidade do Rio de Janeiro. Acesso em 19 mar 2011
54
ANEXOS
Índice de anexos
Anexo 1 >> Fotos dos imóveis abandonados, invadidos ou não, situados na Avenida Brasil; Anexo 2 >> Fotos das ocupações existentes na área central da Cidade do Rio de Janeiro.
ANEXO 1
FOTO 1 – antiga empresa localizada na Avenida Brasil, no bairro de Bonsucesso, invadida pela população.
55
Foto 2 – mesma empresa da foto 1, vista de frente.
Foto 3 – outra empresa ao lado da anterior, também invadida pela população.
56
Foto 4 – mesma empresa da foto 3.
Foto 5 – mesma empresa da foto 3, vista de frente.
57
Foto 6 – posto de gasolina abandonado na Avenida Brasil, no bairro de Ramos.
Foto 7 – loja abandonada na Avenida Brasil, no bairro de Ramos.
58
Foto 8 – galpão e prédio abandonados na Avenida Brasil, no bairro da Penha.
Foto 9 – mesmos prédios da foto 8.
59
ANEXO 2
Foto 1 – Ocupação Chiquinha Gonzaga
Foto 2 – Ocupação Flor do Asfalto
60
Foto 3 – Ocupação Zumbi dos Palmares
Foto 4 – Ocupação Manuel Congo.
61
Foto 5 – Ocupação Carlos Marighela
Foto 6 – Ocupação Quilombo das Guerreiras
62
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I - A Função Social Ambiental da Cidade, o Direito
à Moradia e a Ocupação Irregular
1.1 – A Função Social Ambiental da Cidade 9
1.2 – O Direito à Moradia 15
1.3 – A Ocupação Irregular 18
CAPÍTULO II - O Papel Social Ambiental da Cidade do Rio
de Janeiro, o Exercício do Direito à Moradia e o Plano Diretor
2.1 – O papel social ambiental da Cidade do Rio de Janeiro 23
2.2 – A falta de exercício do direito à moradia na Cidade, as razões,
o Poder Público e o interesse econômico 27
2.3 – O novo Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro e a busca
da população por moradia nas áreas centrais 28
CAPÍTULO III - A Destinação Obrigatória Dos Imóveis
Abandonados e a Concessão da Habitação Social
63
3.1 – A destinação obrigatória dos imóveis abandonados 36
3.2 – A concessão da habitação social 40
CONCLUSÃO 47
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 49
ANEXOS 54
ÍNDICE 62
64
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES - PÓS-
GRADUAÇÃO “LATO SENSU” - FACULDADE INTEGRADA AVM
Título da Monografia: A FUNÇÃO SOCIAL AMBIENTAL DA CIDADE, O
DIREITO À MORADIA E A FAVELIZAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES
ABANDONADAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
Autor: Kátia Lemos da Costa Soares
Data da entrega: 02/04/2011
Avaliado por: Conceito: