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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS- GRADUAÇÃO “LATU SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NA QUESTÃO DA CAPTAÇÃO E DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS NO BRASIL. Por: Ana Maria Alves Moreira Orientador Prof. Edla Trocoli Niterói 2011-09-13

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS- GRADUAÇÃO “LATU SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NA QUESTÃO DA

CAPTAÇÃO E DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS NO

BRASIL.

Por: Ana Maria Alves Moreira

Orientador Prof. Edla Trocoli

Niterói

2011-09-13

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NA QUESTÃO DA CAPTAÇÃO E

DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS NO BRASIL.

Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Terapia de Família. Por: Ana Maria Alves Moreira.

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AGRADECIMENTOS

...aos Mestres, amigos e familiares.

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RESUMO

Em 1997, quando da aprovação da chamada Lei dos transplantes, até os dias de

hoje, tivemos várias oportunidades de esclarecimentos à população acerca da doação de

órgãos e tecidos no Brasil. Adicionalmente, também tivemos um importante avanço

nessa área, possibilitando aos profissionais mudanças e melhorias em suas práticas

assistenciais. Mas ainda buscamos não somente entender o significado da doação em

constante mudança, frente aos valores morais, que também se alteram, mas, sobretudo

aprimorar nossos processos assistenciais, por meio de melhores evidências. Assim, fazer

uma revisão de literatura e discussão, sobre o tema doação de órgãos e tecidos, observou-

se que as evidências constroem um cenário internacional, em que a lei do consentimento

presumido é associada ao aumento das taxas de doação de órgãos, e que o

acompanhamento das famílias tem sido uma importante recomendação de especialistas. Desde que o transplante de órgãos firmou-se como tratamento de escolha para

muitas doenças em estágio final, a escassez de órgãos vem se tornando um problema

progressivamente maior, à medida que pacientes acumulam-se nas listas de espera.

Existe uma grande diferença entre o número de pessoas em lista de transplante e o

número de doadores. Campanhas educativas que incentivem as pessoas a manifestar o

desejo de ser doador e discutir sua decisão com a família, sugerem ser uma estratégia

importante para amenizar este problema.

Aumentar as taxas de consentimento para doação parece ser, no momento, o

melhor instrumento para diminuir o problema da escassez de órgãos.

Muitos aspectos estão envolvidos na decisão de uma família em doar os órgãos de

seus familiares. Técnicas especiais de abordagem e profissionais bem treinados em

entrevista familiar podem influenciar para o aumento das taxas de consentimento.

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METODOLOGIA

A pesquisa é bibliográfica desenvolvida com base material já elaborado,

constituído principalmente de artigos científicos, capacitando trazer respostas

significativas cujo objetivo procura traduzir significados e as interpretações de atores que

vivenciam um determinado processo e contexto.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 07

CAPÍTULO I – A QUESTÃO DA CAPITAÇÃO E DOAÇÃO DE ORGÃOS NO

BRASIL 10

CAPÍTULO II – A POLÍTICA 29

CAPÍTULO III - A PROPOSTA 46

CONCLUSÃO - 59

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA - 60

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INTRODUÇÃO

O contato de um médico de uma instituição de saúde em conversar com a sua

família sobre o tema da doação de órgãos foi o passo inicial para o processo que

ocasionou a possibilidade de salvar ou melhorar a qualidade de vida de algumas

pessoas, que se encontravam na lista de espera para transplante, desencadearam o

interesse sobre esse tema, o que acabou por ocasionar a pesquisa que deu origem ao

presente Trabalho de Conclusão de Curso.

Entre os vários obstáculos existentes para o crescimento dos transplantes e

diminuição de pessoas na fila de espera (para doação de órgãos e tecidos) no país,

destacam-se os organizacionais e os educacionais. A disponibilidade de órgãos

para transplante não é suficiente para atender a necessidade de transplante da

população. As medidas organizacionais e educacionais centralizam fatores

determinantes.

A carência de órgãos através de doadores é ainda um grande obstáculo para

a efetivação do programa de captação e doação de órgãos brasileiros.

A opinião pública favorável à doação de órgãos é fundamental e necessária

para contribuir com a discrepância entre o número de doadores e o número das

pessoas que se encontram na lista de espera, uma vez, que a doação de órgãos no

Brasil, depende excessivamente da vontade da família. Por isso é de extrema

importância que se levem informações sobre o tema para que seja discutido em

família. A população brasileira precisa ainda enfrentar certos mitos sobre o

assunto captação e doação de órgãos, pois a sociedade não está preparada para

lidar com seu maior limite de sofrimento: a morte.

É válido informar que ao fazer a leitura dos textos sobre captação e doação

de órgãos, podemos constatar que através da implementação de medidas voltadas

à educação e organização de uma política voltada ao assunto acima citado, é

proporcionado maior conhecimento para os profissionais de saúde e para a

população favorável à doação de órgãos e tecidos, trazendo à tona a importância

do diálogo sobre o assunto com a família, esclarecendo seu desejo ou não de ser

doador de órgãos.

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A partir de 1980 de acordo com Garcia (2006) o transplante de órgãos deixou

de ter caráter experimental e passou a ser importante opção terapêutica para

pacientes que possuem doenças orgânicas, nos quais o tratamento convencional

não fora eficaz. Boa parte do sucesso relacionado a esta nova técnica de atenção a

saúde se deve ao desenvolvimento de técnicas operatórias e aos estudos

relacionados à imunossupressão, bem como os cuidados ao receptor de órgãos e

tecidos em unidades de terapia intensiva e o acompanhamento no pós-transplante,

que garantem maior sobrevida e maior qualidade de vida aos indivíduos que

recebem um órgão ou tecido.

Garcia (2006) destaca que desta forma, tornou-se crescente o número de

patologias (doenças), cujo tratamento inclui esta terapêutica e, por consequência o

número de pessoas que se cadastram nas listas de espera a fim de receber um

transplante de órgãos sólidos ou tecidos.

Mas no Brasil, a consequência do aumento do cadastramento de pessoas na

lista de espera por um órgão, ocasiona uma discrepância de pessoas à espera desta

terapêutica e doadores. Essa diferença é um dos grandes obstáculos a ser

superado. Problemas de ordem cultural, despreparo dos profissionais de saúde a

respeito de morte encefálica e abordagem inadequada do potencial doador,

contribuem para manter essa diferença na lista de espera para transplante.

Visando ocasionar um direcionamento em atitudes legais sobre esse assunto

polêmico, através da Lei 9434/97, o Ministério da Saúde cria o Sistema Nacional

de Transplante.

Nesse trabalho, nosso objetivo foi analisar a política nacional de capitação de

órgãos e tecidos no Brasil, através de uma pesquisa bibliográfica sobre o assunto,

demonstrando a importância de investimentos em medidas organizacionais e

educacionais, tanto pública quanto profissional, além da necessidade de

disponibilizar informações claras e específicas a respeito dos conceitos básicos e

outras orientações relativas a esse assunto. Procuramos destacar para a

necessidade de campanhas de esclarecimento dentro das instituições de saúde

com participação de médicos, enfermeiros, assistentes sociais, técnicos de

enfermagem, dentre outros profissionais.

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Portanto, no primeiro capítulo, trazemos uma discussão sobre o resgate

histórico da captação de órgãos no Brasil e sua legislação.

Já no segundo capítulo buscamos abordar, a política de transplante de órgãos

e tecidos brasileiros e a política de transplante de órgãos e tecidos espanhóis,

referentes cada uma com seu modelo, como também a importância do trabalho

multidisciplinar.

E concluindo no terceiro capitulo destaco a importância da conscientização

social como importante veiculo de informação e esclarecimento para fomentar o

processo de capitação e doação de órgãos no Brasil.

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I - A QUESTÃO DA CAPTAÇÃO E DOAÇÃO DE

ÓRGÃOS NO BRASIL

O primeiro capítulo será direcionado a explicação do histórico referente a

implantação do sistema de transplante como medida terapêutica para pacientes

crônicos, suas limitações por conta de problemas organizacionais, crenças e valores da

sociedade, como também a criação da sua legislação até os dias de hoje.

1.1 – Resgate histórico sobre a captação de órgãos e a política de saúde.

A história dos transplantes de órgãos no Brasil tem seu início na década de 1960,

mais precisamente, no ano de 1964, e enquanto que o transplante renal foi

desenvolvendo-se progressivamente, o programa de transplantes dos demais órgãos

foram suspensos sendo retomados somente em meados dos anos 1980.

Segundo ASSIS (2002), o primeiro transplante de órgãos no Brasil, foi iniciado

no Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, quando um rapaz de dezoito

anos, portador de pielonefrite crônica1, recebeu um rim de uma criança de nove meses,

portadora de hidrocefalia2. No ano seguinte, em janeiro de 1965, foi realizado um

transplante renal inter-vivos no Estado de São Paulo. O primeiro transplante cardíaco

também ocorreu na cidade de São Paulo em 1968 (ASSIS, 2002)

Naquela época, segundo ASSIS (2002), a legislação que o Brasil dispunha sobre a

retirada de órgãos e partes de cadáver para finalidade terapêutica e científica, não era

considerada apropriada para regulamentação e realização de transplante.

1 Corresponde à inflamação da pelve renal em cujo caso clínico figuram febre, dor, sensibilidades lombares, eliminações de sangue ou pus pela urina, alterações digestivas e dor causada pela flexão da coxa.Fonte: wwwabcdasaúde.com.br 2 Condição caracterizada por acúmulo anormal, no crânio, de líquido cefalorraquiano, com dilatação de ventrículos cerebrais, aumento da cabeça, proeminência da fronte, atrofia encefálica, deficiência mental e convulsões. Fonte: www.abcdasaúde.com.br

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GARCIA (2006) relata com muita clareza, que um dos muitos aspectos negativos

com relação à situação dos transplantes, se daria pelo fato de o Brasil não possuir uma

legislação que pudesse aprimorar os aspectos legais e organizacionais. A legislação

vigente da época, segundo ASSIS (2002), não era considerada apropriada para

regulamentação e realização de transplantes, devido ao não estabelecimento de critérios

para morte cerebral, cadastramento técnico de equipes, hospitais transplantadores e

pacientes receptores. A inscrição de receptores, ordem de transplantes, retirada de

órgãos e critérios de destinação e distribuição dos órgãos captados eram regulados por

normas regionais e informais.

O desenvolvimento dos transplantes e sua aplicação no tratamento das doenças

terminais3 de alguns órgãos converteram-se num dos capítulos de maior êxito na

história da medicina.

Segundo GARCIA (2006), em aproximadamente três décadas, o transplante de

órgãos evoluiu de um procedimento relativamente arriscado, realizado apenas em

pacientes com doença renal grave, para uma intervenção terapêutica eficaz em

pacientes com doenças terminais de coração, fígado e pulmão. A característica principal

do transplante, que o distingue de outras cirurgias, convertendo-o em uma terapêutica

única e que alguns consideram como uma desvantagem é a necessidade da utilização de

um órgão ou tecido, proveniente de um doador, vivo ou falecido.

Para GARCIA (2006), “na grande maioria dos transplantes

significa: com exceção de uma parcela dos transplantes renais,

alguns casos de transplantes hepáticos e de casos excepcionais

de transplantes pulmonares e do pâncreas, os órgãos são

obtidos a partir de doadores já falecidos”. (GARCIA,

2006:313).

A grande limitação ao transplante com doador falecido é que apenas uma

pequena fração dos indivíduos que morrem pode converter-se em doadores de órgãos.

A remoção de órgãos, na grande maioria dos casos, só é possível em pacientes com

morte encefálica, isto é, em pacientes que apresentem distribuição completa e

3 - doença terminal é um termo utilizado para designar o estágio da doença em que não há mais possibilidade de se restabelecer a saúde, evoluindo para a insuficiência de órgãos alvo e eminência de morte. Fonte: www abcdasaúde.com.br

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irreversível do cérebro e tronco cerebral, mas que mantêm, temporariamente e

artificialmente, os batimentos cardíacos e a circulação sanguínea. Estima-se que

somente de 1 a 4 % das pessoas que morrem em hospitais e de 10 a 15% daquelas que

morrem em unidades de cuidados intensivos apresentam o quadro de morte encefálica

(4-6), sendo, portanto, potenciais doadores. (GARCIA, 2006:313)

Os recentes avanços no manejo imunológico, nas técnicas cirúrgicas, nos cuidados

intensivos e a introdução de drogas imunossupressoras mais modernas e de soluções

de preservação mais eficientes contribuíram para melhorar os transplantes.

Para GARCIA (2006), a maioria dos pacientes urênicos crônico4 o transplante

oferece a melhor oportunidade de sobrevida em longo prazo e de reabilitação, com

menor custo social. Para os pacientes com doenças terminais, é de maior valor, por ser a

única solução terapêutica, capaz de prevenir a morte certa em poucos meses,

oferecendo a expectativa de uma nova vida. Desde então, houve uma admirável

evolução tanto em termos de tecnologia médica e farmacêutica, quanto em termos de

variedade de órgãos transplantados. Ao lado desse aprimoramento técnico, houve

inigualável e eficaz progresso no campo da imunologia da rejeição dos órgãos

transplantados, superando, um dos maiores obstáculos à utilização terapêutica dos

transplantes. Segundo (ASSIS 2002), o Brasil aprimorou-se de uma notável capacidade

técnica para diversas modalidades de transplantes.

Devido a esse grande êxito, as indicações para transplantes de órgãos sólidos

estão se tornando cada vez mais liberais, aceitando-se pacientes idosos ou com

doenças sistêmicas associadas, levando a uma expansão no número de potenciais

receptores. Essa afirmativa, segundo GARCIA (2008), de que com o passar dos anos,

as técnicas de transplantes salvaram mais vidas, tornando-se mais confiáveis e mais

procuradas, o que fez aumentar a busca por órgãos disponíveis. A melhora lenta e

gradual na saúde da população também elevou a expectativa de vida da maioria das

pessoas, provocando uma queda na oferta de órgãos necessários, e com isso a buscar

por órgãos em pacientes idosos acaba por se transformar em um fenômeno brasileiro.

De acordo com GARCIA (2008), estima-se que anualmente, em todo o mundo,

em torno de 500.000 pacientes desenvolvam insuficiência renal crônica, 300.000 4 Diagnóstico que expressa uma perda maior da função renal. Fonte wwwabcdasaúde.com.br.

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insuficiências cardíacas e 200.000 insuficiências hepáticas, provocando uma demanda,

apenas destes órgãos, se todas as pessoas tivessem acesso ao tratamento, de um milhão

de transplantes por ano. A taxa estimada de potenciais doadores, isto é, de pessoas com

diagnóstico de morte encefálica sem contra indicação conhecida previamente para

doação de órgãos, nas diferentes comunidades e países, segundo GARCIA (2008), é em

torno de 50 a 60 por milhão de população por ano.

A taxa almejada de efetivação da doação, entre potenciais doadores, deve ser

superior a 50%, entretanto, na maioria dos países, apenas entre 15 a 70% tornam-se

efetivos doadores em decorrência da não detecção e não notificação da morte

encefálica, de contra-indicação médica ou problemas na manutenção do potencial

doador falecido ou, ainda, em razão da não aceitação da família à doação.

No Brasil, segundo GARCIA (2008), existem estudos sugerindo que possa haver

uma maior taxa de potenciais doadores, que nos países desenvolvidos, em torno de 60 a

100 por milhão de população por ano, possivelmente relacionados às vítimas da

violência urbana. Esse estudo meticuloso sobre a situação aponta a partir de dados

demográficos nacionais, a conclusão de que todos os anos o país produz entre 11 mil e

18 mil doadores de órgãos em potencial. Comparando seus cálculos com os transplantes

realizados a partir de órgãos extraídos de pacientes com morte encefálica,

indiscutivelmente mostra-se um desperdício assustador, pois para cada transplante

realizado, órgãos de 18 pacientes deixaram de ser aproveitados. O esforço para vencer o

desperdício brasileiro seria uma forma de diminuir o sofrimento de milhares de pessoas

que hoje levam uma existência precária, entre hospitais, laboratórios, exames sem fim,

controles, injeções, drogas novas para acender esperanças antigas.

O mesmo autor sinaliza que, como na maioria dos países, no Brasil existe uma

legislação rigorosa controlando o transplante de órgãos e tecidos, e os principais tópicos

dessa lei contemplam os requisitos mínimos para o credenciamento de hospitais e

equipes, a autorização para uso de doador falecido, os critérios de diagnósticos de

morte, a forma de consentimento, a restrição para uso de órgãos de doador vivo não

parente, a proibição de comércio de órgãos e as penalidades para as infrações.

GARCIA (2008) enfatiza que no final de 1995 foi encaminhada uma proposta ao

Ministério da Saúde de um modelo de organização de transplante para o país, baseado

no “modelo espanhol”. Porém, apesar de várias reuniões, não foi publicada nenhuma

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normatização sobre os transplantes. A Espanha, país número um nessa área, exibe um

aproveitamento seis vezes superior ao do Brasil. Em outros países desenvolvidos, a

diferença é entre duas a cinco vezes a favor deles.

Para GARCIA (2008), significa: “A lição de outros países revela a

existência no Brasil de uma situação de dificuldades reais e de problemas

artificiais, que se iniciam numa legislação complicada, recheada de boas

intenções, mas que na prática serve para impedir que vidas sejam salvas”.

(GARCIA, 2008: 09).

GARCIA (2008) pontua que: “O país já teve diversas legislação sobre

transplantes desde a primeira, de 1963. É provável que nenhuma tenha sido

tão inadequada como a atual”. (GARCIA, 2008: 09).

GARCIA (2008) nos relata que em diversos países, funciona a regra da doação

“presumida”: todo cidadão torna-se um doador em potencial depois que os

médicos constatam sua morte encefálica. Caso não queira fazer a doação, deve

registrar a vontade por escrito. A doação presumida chegou a vigorar no Brasil,

por determinado período. Mais tarde, por pressão da Igreja Católica e de outras

entidades religiosas acabou substituída. Hoje, a decisão pertence à família. A

pessoa morre e, mesmo que tenha registrado a vontade de doar seus órgãos, seus

parentes é que têm a palavra final. O mesmo autor destaca, se a experiência de

países bem sucedidos pode ensinar alguma coisa, o exemplo espanhol é de grande

serventia.

“A Espanha, berço das fogueiras de inquisição e abrigo de católicos

fervorosos, ali o Estado se separou da Igreja em questões de saúde e vigora

a lei de doação presumida. Existem equipes especializadas em transplantes

em cada hospital, que atuam para localizar doadores e resgatar órgãos.

Embora a lei autorize a “doação presumida”, as famílias são envolvidas e

convencidas a aceitar o processo. Apesar dos hospitais brasileiros, se

esforçarem para adotar as lições da Espanha, a distância é imenso”.

(GARCIA, 2008: 09).

Para ASSIS (2008), a disponibilidade de órgãos para transplante no Brasil não é

suficiente para atender a necessidade de transplante da população. Essa afirmação não

constitui um achado e sim, o grande dilema do processo doação-transplante em

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qualquer parte do mundo. Portanto, devido ao insuficiente número de doadores

falecidos, para atender a demanda, há um crescente número de pacientes em listas de

espera para transplante.

Como já nos foi relatado acima por ASSIS (2008), os programas de transplantes

foram retomados em meados de 1980. A sociedade brasileira ao mesmo tempo em que

vivenciava um processo de democratização política superando o regime ditatorial

instaurado em 1964 experimentava uma profunda e prolongada crise econômica. A

saúde então deixou de ser interesse apenas dos técnicos para assumir uma dimensão

política.

De acordo com MADEL (1991), o período a seguir, que compreende os vinte

anos de ditadura militar (1964 – 1984), foi cortado por algumas conjunturas específicas,

sobretudo no que concerne às políticas de saúde. Durante esse período se estabeleceu

no Brasil uma política de saúde diferente dos dois modelos anteriores. Realizando uma

síntese nova e perversa, ela reorganizou os traços institucionais do sanitarismo

campanhista, representados na primeira república, e os do modelo curativo (modelos

anteriores acima citados) da atenção médica previdenciária do período populista. Este

período ficou conhecido como período do “milagre brasileiro”.

Ainda de acordo com MADEL (1991), a centralização e a concentração do poder

institucional deram à tônica dessa síntese, que aliou campanhismo e curativismo numa

estratégia de medicalização social sem procedentes na história do país. Um elemento

favoreceu essa síntese criada pelo autoritarismo típico da fase do “milagre”. É que, no

nível político, essa conjuntura foi de fato a mais dura vivida\pela nação em tempos de

República. Ela foi marcada pelos atos institucionais e por outros decretos presidenciais

que modificaram a Constituição no tocante aos direitos de cidadania, informação e

comunicação social, bem como ao controle do exército dos poderes Legislativo e

Judiciário. Essa conjuntura se caracterizou também por uma vontade política arbitrária,

concentrada num poder Executivo avesso a medidas ou políticas sociais que

favorecessem a participação da sociedade civil. Neste contexto se reproduziu à

política de saúde do “milagre”, coerente com a política econômica, que preconizava um

crescimento acelerado com elevada taxa de produtividade, conjugada a baixos salários

para maioria da massa trabalhadora. Essa política desfavoreceu a maioria das

categorias, mas favoreceu os trabalhadores especializados, os técnicos e os quadros

superiores empregados nos setores de ponta da economia. Esses grupos foram bem

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aliciados por altos salários e incentivos, o que possibilitou o aumento do consumo

desses setores privilegiados, assim a difusão da ideologia do consumo no conjunto da

sociedade. A saúde passou então a ser vista como um bem de consumo. Especialmente

um bem de consumo médico. Madel(1991).

O mesmo autor Madel (1991) pontua que, de 1968 a 1975, generalizou-se a

demanda social por consultas médicas como resposta às graves condições de saúde; o

elogio da medicina como sinônimo de cura e de restabelecimento da saúde individual e

coletiva; a construção ou reforma de inúmeras clínicas e hospitais privados, com

financiamento da Previdência Social; a multiplicação de faculdades particulares de

medicina por todo o país; a organização e a complementação da política de convênios

entre o INPS e os hospitais, clínicas e empresas de prestação de serviços médicos. Tais

foram as orientações principais da política sanitária da conjuntura do “milagre

brasileiro”.

MADEL (1991) destaca que esta política teve evidentemente uma série de efeitos

e conseqüências institucionais e sociais, entre as quais a progressiva predominância de

um sistema de atenção médica “de massa” (no sentido massificado) sobre uma proposta

de medicina social e preventiva, que chegou a ser o discurso dominante na conjuntura

anterior ao golpe de Estado, o surgimento e o rápido crescimento de um setor

empresarial de serviços médicos, constituído por proprietários de empresas médicas

centradas mais na lógica do lucro do que na da saúde ou da cura de sua clientela (este

setor era, aliás, subsidiado em grande parte pelo Estado, ou seja, indiretamente pelos

trabalhadores, na condição de contribuintes do fisco e da previdência social, através do

desconto em folha). Nesse mesmo período ocorreu o desenvolvimento de um ensino

médico desvinculado da realidade sanitária da população, voltado para a sofisticação

tecnológica e dependente das indústrias farmacêuticas e de equipamentos médico-

hospitalares.

“assistimos, finalmente, à consolidação de uma relação autoritária,

mercantilizada e tecnificada entre médico e paciente e entre serviços de

saúde e população”.

(MADEL, 1991: 82).

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Para Bravo (2001), a medicalização da vida social foi imposta, tanto na Saúde

Pública quanto na Previdência Social. O setor saúde precisava assumir as características

capitalistas, com a incorporação das modificações tecnológicas ocorridas no exterior.

MADEL (1991) relata como se era de esperar, todos esses efeitos e conseqüências

fizeram emergir uma grande insatisfação popular em relação à “política de saúde da

ditadura”, perceptível já no fim do “milagre”. Os conflitos nos ambulatórios e nas filas

de espera dos serviços de saúde exprimiam essa insatisfação desde o início dos anos 70.

A situação se tornou mais explosiva no fim da conjuntura do “milagre”, constituindo-se

em sintoma de sua derrota e em razão da morte das políticas de saúde desse período.

Despencaram as verbas de saúde pública, e a atenção médica da Previdência Social

caminhou para a falência. A imagem da medicina como solução miraculosa para as

más condições de vida começou a ser socialmente percebida como miragem, a ser

publicamente denunciada e desmascarada. (MADEL, 1991: 82).

“nessa época, movimentos sociais de internos e residentes médicos

buscaram alianças e articulações com outros movimentos sociais,

procurando estabelecer estratégias comuns de questionamento e mudança

das políticas sociais do regime. A corporação médica, por sua vez,

descontente com o que qualificava como processo de massificação da

consulta nas instituições públicas, começou a denunciar a má qualidade dos

serviços médicos prestados à população. Os movimentos de contestações

em saúde cresceram em número e intensidade, de tal modo que, entre o final

dos anos de 1970 e o início dos anos de 1980, sindicatos e partidos políticos

iniciaram uma fase de agitação, centrada na questão da saúde e da política

de saúde. (MADEL, 1991: 83),

Os cientistas, acadêmicos e tecnocratas progressistas discutiam em congressos e

seminários nacionais e internacionais a degradação das condições de vida da população,

como conseqüência da política econômica que levara ao “milagre brasileiro”, trazendo

para essa discussão “o testemunho de cifras e taxas dramáticas sobre o acúmulo das

doenças endemias e epidemias”. (MADEL, 1991: 83).

Os movimentos sociais comunitários foram de grande importância no que tange

trazer o conhecimento sobre a situação que envolvia a política de saúde pública,

serviços previdenciários, população e sociedade.

BRAVO( 2001), pontua que a saúde nessa década, contou com a participação de

novos sujeitos sociais na discussão das condições de vida da população brasileira e das

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propostas governamentais apresentadas para o setor, contribuindo para um amplo

debate que permeou a sociedade civil. Dos personagens que entraram em cena nesta

conjuntura, destacam-se:

“os profissionais de saúde, representados por suas entidades, que

ultrapassaram o corporativismo, defendendo questões para mais gerais

como a melhoria da situação da saúde e o fortalecimento do setor Público; o

movimento sanitário, tendo o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde

(CEBES) como veículo de difusão e ampliação do debate em torno da

Saúde e Democracia e elaboração de contra propostas; os partidos políticos

de oposição, que começaram a colocar nos seus programas a temática e

viabilizaram debates no Congresso para discussão da política do setor, e os

movimentos sociais urbanos, que realizaram eventos em articulação com

outras entidades da sociedade civil”. (BRAVO, 2001: 95).

Para MADEL (1991), em 1982, quando ocorreram às primeiras eleições livres

para o Congresso e Assembléias Legislativas em vinte anos, muitos deputados estaduais

e federais se elegeram com programas centrados nas questões de saúde, tema

obrigatório dos programas dos candidatos aos governos estaduais naquele ano. Os

serviços de saúde se tornaram foco da crise do modelo de política social vigente entre

1975 e 1982. Não era para menos:

“as condições de saúde da população tornaram-se críticas, por causa de uma

política concentradora, centralizadora, privatizante e ineficaz, expressão do

regime político e autoritário. No início dos anos 80, a crise das políticas

sociais (saúde, habitação, educação) era identificada como a crise do

regime”. (MADEL, 1991: 83).

MADEL (1991) enfatiza que:

“a partir de 1983, a sociedade civil organizada desceu as ruas para pedir,

junto com um Congresso firme e atuante, novas políticas sociais que

pudessem assegurar plenos direitos de cidadania aos brasileiros, inclusive o

direito à saúde, visto também como dever do Estado. Pela primeira vez na

história do país, a saúde era vista socialmente como direito universal e dever

do Estado, isto é, como dimensão social da cidadania. (MADEL, 1991:83).

Dá-se então, o que se pode nomear como uma revolução no que se refere ao

processo de reorganização da saúde no Brasil. Através de debates feitos por esses novos

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sujeitos coletivos que a partir da integração sociedade, estado e município focam a

saúde como direito de todos e dever do Estado, descentralizando o poder decisório para

as esferas estaduais e municipais. Seria o início e construção de um modelo o qual,

através de novos mecanismos de gestão se daria a criação dos conselhos de saúde.

MADEL (1991) enfatiza que a concepção da saúde como “direito civil” foi uma

questão que suscitou acaloradas discussões até outubro de 1988, quando a nova

Constituição Federal reconheceu formalmente este direito social de cidadania, tanto

tempo excluído pela República. A percepção social da saúde como direito de cidadania

é um dado novo na história das políticas sociais brasileiras. A autora crê que essa

percepção é fruto dos movimentos sociais de participação em saúde da segunda metade

dos anos 70 e do início dos anos 80. Nesse sentido, a própria reforma sanitária pode ser

vista como um elemento novo no cenário político do país, um elemento instaurador de

uma política de saúde institucionalmente inédita. Em outro sentido, o lema “saúde,

direito de cidadania e dever do Estado”, implica uma visão ‘desmedicalizada’ da saúde,

na medida em que subentende uma definição positiva, diferente da visão tradicional,

típica das instituições médicas, que identifica saúde com ausência relativa de doença.

Segundo, “O Movimento de reforma Sanitária com a proposta do Sistema Único de

Saúde como alternativa ao sistema de saúde em vigor foi legitimado em nível nacional

na VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986. Nesta conferência, houve uma ampla

participação dos setores organizados na sociedade civil que, pela primeira vez, tinha

uma presença efetiva, não existe nas Conferências Nacionais de Saúde anteriores”.

(CORREA, 1994: 124)

De acordo com MACHADO (1986),

“ a participação da elaboração e fiscalização das políticas de

saúde, ou seja, o controle social foi um dos eixos dos debates

desta conferência. A participação em saúde é definida como “o

conjunto de intervenções que as diferentes forças sociais

realizam para influenciar a formulação, a execução e a

avaliação das políticas públicas para o setor saúde”.

(MACHADO, 1986 124).

Ainda de acordo com o referido autor em 1988, articulam-se no Movimento de

Reforma Sanitária os movimentos sociais, sindicatos e parlamentares e juntos fazem

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pressões na Assembléia Nacional Constituinte para inserir suas pretensões no texto

institucional: a conquista do SUS. Nesse processo, houve uma árdua batalha entre os

setores progressistas e setores conservadores, até se garantir na Constituição Federal de

1988, a saúde como direito de todos e dever do Estado, a descentralização com direção

única em cada esfera de governo, o atendimento integral com prioridade para as

atividades preventivas, a universalidade do atendimento, resolutividade, hierarquização,

regionalização e participação.

A participação social na área da saúde foi concebida, de acordo com CORREA

(1994), na perspectiva do controle social, no sentido de os outros setores organizados na

sociedade civil participarem desde suas formulações – planos, programas e projetos -,

acompanhamento de suas execuções, até a definição da alocação de recursos para que

estas atendam aos interesses da coletividade. Esta participação foi institucionalizada na

Lei nº 8142/90, através das Conferências, que têm como objetivo avaliar e propor

diretrizes para a política de saúde nas três esferas de governo, e por meio dos

Conselhos, que são instâncias colegiadas de caráter permanente e deliberativo, com

composição paritária entre os representantes dos seguimentos dos usuários, que

congregam setores organizados na sociedade civil, e os demais segmentos (gestores

públicos e privados e trabalhadores da saúde), e que objetivam tal controle. A VIII

Conferência Nacional de Saúde então se torna o marco fundamental para a discussão da

questão saúde no Brasil. O processo constituinte da Constituição de 1988 representou,

no plano jurídico, a promessa de afirmação e extensão dos direitos sociais em nosso

país frente às demandas de enfrentamento dos enormes índices de desigualdade social

Segundo Bravo (2001), a Constituição Federal de 1988, buscou corrigir as

históricas injustiças sociais acumuladas secularmente, avanços incapazes de

universalizar direitos, tendo em vista a longa tradição de privatizar a coisa pública pelas

classes dominantes. Sendo assim, o Sistema Único de Saúde (SUS), foi criado pela

Constituição acima citada para que toda a população brasileira tenha acesso ao

atendimento público de saúde, onde teve seus princípios estabelecidos na Lei Orgânica

de Saúde em 1990, com base no artigo 198 da Constituição Federal que são:

universalidade, integridade, equidade. As mudanças de arcabouço e das práticas

institucionais foram realizadas através de algumas medidas que visaram o

fortalecimento do setor público e a universalização de serviços à saúde; a

descentralização política e administração do processo decisório da política de saúde e a

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execução dos serviços, passo mais avançado na reformulação administrativa do setor.

Estas medidas tiveram, no entanto, pouco impacto na melhoria das condições de saúde,

pois era necessária a sua operacionalização, que não ocorreu. Além dos limites

estruturais que envolvem um processo de tal ordem, as forças progressistas

comprometidas com a Reforma Sanitária passaram a partir de 1988, a perder espaços na

coalizão governante, consequentemente, no interior dos aparelhos institucionais. O

retrocesso político do governo da transição democrática repercute na saúde, tanto no

aspecto político quanto no aspecto econômico.

Ainda de acordo com BRAVO (2001), no final da década de 80, já havia dúvidas

e incertezas com relação à implementação do Projeto de Reforma Sanitária, cabendo

destacar: “a fragilidade das medidas reformadoras” em curso, a ineficácia do setor

público, as tensões com os profissionais de saúde, a redução do apoio popular face à

ausência de resultados concretos na melhoria da atenção à saúde da população brasileira

e a reorganização dos setores conservadores contrários à reforma, que passaram a dar

direção no setor a partir de 1988.

Segundo Fleury (1989), a burocratização da Reforma Sanitária, afasta a população

da cena política, despolitizando o processo.

CORREA (1994) aponta que na década de 90, configurou-se legalmente a saúde

universal, pública e de qualidade e a participação social como controle social, ao tempo

em que se vem tentando implantar, na realidade, um processo de universalização

excludente, mercantilização e privatização da saúde decorrentes dos reflexos das

mudanças do mundo econômico em nível global e das reformas sanitárias propostas

pelos agentes financeiros internacionais, em especial pelo Banco Mundial (BM), que

vem tendo proeminência nesta área desde a segunda metade da década de 80. A política

de saúde vem sendo tencionada por dois projetos que representam interesses

antagônicos- o projeto do capital, que defende as reformas recomendadas pelo Banco

Mundial, e o projeto de setores progressistas da sociedade civil, que defendem o SUS e

seus princípios, integrantes da proposta da Reforma Sanitária- onde este último projeto

tem sido defendido por segmentos dos movimentos populares e sindicais como também

por instituições acadêmicas, que articulados no movimento de Reforma Sanitária nos

anos 80 e 90, conseguiram incorporar formalmente parte de sua proposta na legislação

do SUS.

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CORREA (1994) enfatiza que o outro projeto é apoiado pelo setor privado, pelos

donos de hospitais, diretores dos hospitais filantrópicos e beneficentes, grupos privados

de saúde, indústrias farmacêuticas e de equipamentos nacionais e internacionais, com

aliados no governo e na burocracia estatal, e tem conseguido influenciar a política de

saúde, consubstancializando na prática o projeto neoliberal. Suas raízes estão no

modelo assistencial privatista promovido pela Previdência Social nos governos da

ditadura. Contrapõem-se propostas de reafirmação do SUS e propostas para seu

desmonte no sentido de abrir a saúde para o mercado, conforme o recomendado pelos

organismos internacionais. O tencionamento entre o projeto do capital e dos setores

progressistas da sociedade tem desenhado a política brasileira de saúde, pois existem

resistências políticas ao primeiro projeto.

O autor em tela destaca algumas destas orientações geraram contradições frente à

agenda de reformas progressistas defendida pelo Movimento de Reforma Sanitária,

asseguradas na forma da lei. Não havendo um automatismo das imposições econômicas

dos organismos financeiros internacionais na política nacional de saúde, devido às

resistências das forças políticas que representam os interesses se expressam no CNS

(Conselho Nacional de Saúde) e deram o seu sentido político predominante em defesa

da saúde pública universal, criando resistências às contra-reformas recomendadas pelo

Banco Mundial.

(...) “apesar da importante atuação do CNS e do controle social exercido

pelos setores progressistas da sociedade civil, influenciando a política de

saúde em muitos aspectos, este teve limites, pois não conseguiu influenciar

de forma incisiva o modelo de assistência à saúde implementada, o qual em

parte, as orientações do Banco Mundial, nem tão pouco influenciou a

determinação do montante de recursos destinados à saúde. Esta

determinação ficou por conta das condicionalidades inerentes aos acordos

do Governo com o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco

Mundial, apesar de as inúmeras denúncias e resistência aos

contingenciamentos resultantes destes acordos. (CORREA,1994:135).

Mecanismos de controle social sobre as ações do Estado são mecanismos de

democracia que tem limites, podendo denunciar a apropriação privada do que é público

e / ou re-alocar recursos pré-determinados no Orçamento da União para atenderem

necessidades reais da população, o que já é um grande avanço na atual conjuntura

brasileira. CORREA (1994).

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“que esses mecanismos podem se constituir em instrumentos de gestão ou

de resistência à reprodução ampliada da acumulação do capital quando

denunciam a aplicação do fundo público no financiamento desta. É neste

sentido que estes devem ser fortalecidos e ampliados. O acompanhamento e

a participação da sociedade na definição da alocação dos recursos

destinados às políticas sociais, que estão sendo descentralizados para os

estados e municípios através de fundos específicos, são de grande

importância para que estes sejam gastos com o atendimento às demandas

reais da maioria da população e não fiquem à mercê dos interesses

clientelistas/ privatistas”. (CORREA, 1994:135)

“o conselho pode ser um instrumento para este fim, já que planos,

programas, projetos, relatórios financeiros, entre outros, têm que passar pela

sua aprovação. É um espaço que não pode ser desprezado numa realidade

brasileira, em que o que é público é tratado com descaso, os recursos para as

políticas sociais são escassos e o controle sobre estes, em sua maioria, ainda

está nas mãos dos gestores, tratando-os com sigilo como se fossem

privados”. (CORREA, 1994: 135).

1.2- A legislação referente à captação e doação de órgãos.

Após a realização da discussão da política de saúde e a captação / doação de

órgãos iremos situar como a questão está posta em termos de legislação, uma vez que,

devido ao avanço da própria política de saúde que ocorreram importantes mudanças no

que se refere à temática da doação / captação de órgãos e tecidos.

Segundo Almeida (2008), diante de tais avanços e com o aumento crescente de

pessoas necessitando de transplante de órgãos para viver, surgiu a necessidade de

disciplinar juridicamente a matéria. Várias leis foram criadas a fim de fomentar a

doação de órgãos, introduzindo princípios norteadores como o do respeito da autonomia

do doador e da beneficência5 e da não maleficência6.

Seguem abaixo as leis:

Lei 4280/63 – Foi o primeiro diploma legal. Permitia apenas a doação de córneas

do falecido, através de manifestação positiva escrita do titular em vida ou

consentimento do conjugue ou parente até segundo grau de parentesco, ou ainda o

5 Beneficência- ato, hábito ou virtude de fazer o bem. Fonte: dicionário Aurélio-Editora Nova Fronteira. 6 Maleficência- prejuízo, dano ou mal. Fonte: dicionário Aurélio-Editora Nova Fronteira.

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consentimento das corporações religiosas ou civis das qual o falecido fazia parte e

seriam responsáveis pelo destino dos despojos. OLIVEIRA (2008).

Lei 5479/68 – Permitia além da doação “post mortem”, a possibilidade do

indivíduo, absolutamente capaz, dispor de tecidos e órgãos, inclusive do corpo vivo. No

entanto, essa lei nunca foi regulamentada, causando assim inúmeros obstáculos a sua

efetiva aplicação. OLIVEIRA (2008).

Ainda de acordo com Oliveira (2008), o doador preenchia uma ficha cadastral na

Cruz Vermelha (instituição governamental que na época era responsável pelo programa

de cadastramento), ficando esta arquivada na instituição. Quando ocorria o “sinistro”

(termo utilizado para expressar o falecimento), não se tinha como identificar o suposto

doador, já que sua ficha de cadastro, não se encontrava acompanhando seus

documentos.

Não obstante a edição das leis acima citadas restou ineficaz a aplicação desses

diplomas para proporcionar um aumento na oferta de órgãos.

Para Assis (2008), a legislação não era considerada apropriada para

regulamentação de transplantes, pois não se estabeleciam critérios para diagnosticar a

morte encefálica, requisitos e condições que facilitem a remoção de órgãos e tecidos

humanos para transplante, pesquisa e tratamento, vedando a comercialização. Com base

nessa realidade normativo-constitucional, o Congresso Nacional revogou a Lei5479/68

e aprovou a Lei 8489 de 18/11/92 com finalidade de estimular as doações e simplificar

os procedimentos para retirada de órgãos.

Segundo o Ministério da Saúde (2008), a partir da Constituição Federal de 1988,

foram iniciadas as ações para a organização do Sistema Nacional de Transplantes,

implantação da lista única de receptores, criação das centrais estaduais de transplantes,

normalização e complementação da atividade, cadastrar e autorizar serviços e equipes

especializadas e estabelecer critérios de financiamento. Regulamentando ao texto

constitucional, veio a Lei 8489/92.

Lei 8489/92 – Por desejo expresso do disponente manifestado em vida, através de

documento pessoal ou oficial; na ausência do documento referido, a retirada de órgãos

será procedida se não houver manifestação em contrário por parte do conjugue,

ascendente ou descendente. A família poderia autorizar de forma verbal para o médico.

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Ou seja, todo cidadão em vida expressaria em seus documentos de identidade ou

carteira nacional de habilitação sua vontade de ser doador de órgãos pós-morte. Na

ausência desta informação, a doação de órgãos seria consumada, se não houvesse

manifestação contrária por parte do conjugue, ascendente ou descendente, podendo a

família autorizar a doação verbalmente para o médico.

Segundo Mendes (2008), existem dois aspectos notáveis nessa lei: primeiro, o

consentimento expresso ou presumido do doador; segundo, conforme a Constituição

Federal de 1988, a proibição de comercialização dos órgãos transplantados.

Para Vasconcelos (2008), o consentimento propicia a retirada de órgãos ou partes

do corpo de maneira mais célebre. É suficiente na doação “pós-morte”, que o doador

tenha manifestado, por qualquer meio, vontade de doar seus órgãos. Por outro lado, a

lei aperfeiçoa a questão do consentimento, prevendo a sua forma presumida.

Por sua vez Gandolf (2008), diz que inexistindo a manifestação de vontade

permitindo a doação emanada do próprio doador, é possível a retirada dos órgãos

transplantáveis, salvo havendo contrariedade do conjugue, do ascendente ou

descendente. Enfim, a pessoa que não manifestasse em vida pela doação, poderia a

família autorizar a doação de forma verbal para o médico.

Quanto à comercialização de órgãos, há proibição decorrente de preceito

constitucional e segundada por preceito legal, e o Ministério da Saúde será órgão

fiscalizador dessa lei, através das centrais de notificação das secretarias de saúde nos

Estados criados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Assis (2008) destaca que a finalidade dessa lei não era de ferir de

inconstitucionalidade qualquer preceito legal já que os congressistas diziam que eram

para estimular o doador que teria contraprestação de “benefícios sociais e

educacionais”. Não obstante o seu alcance e a evolução da matéria, os artigos 2º, 5º, 9º

e 13º do projeto de lei que resultou na Lei 8489/92, foram vetados.

O mesmo autor sinaliza com muita clareza que a Lei 8489/92, que dispunha sobre

a retirada e transplante de órgãos e tecidos e partes do corpo para finalidade terapêutica

e científica, a legislação não era considerada apropriada para a regulamentação e

realização de transplante. Mas mesmo assim esta lei não alcançou o êxito esperado, não

aumentando o número de doações.

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Devido não ter alcançado o sucesso esperado pela Lei 8489/92 pela sociedade de

um modo em geral, a própria é revogada pela Lei 9434/97, que foi regulamentada pelo

Decreto nº. 2268 de 30 de julho de 1997, permitindo a doação em vida e pós-morte,

dando primazia aos transplantes de órgãos provenientes de cadáveres..

Lei 9434/97 – Em fevereiro de 1997, regulamentada pelo Decreto 2268 de junho

do mesmo ano, também intitulada pelo seu relator, o Sr. Lúcio Alcântara (senador), de

“lei da vida”. O objetivo da lei da vida era dispor sobre remoção de órgãos, tecidos e

partes do corpo humano para fins de transplantes, na tentativa de minimizar as

distorções e até mesmo injustiças na destinação dos órgãos, que a legislação anterior

não conseguia controlar. Permitia a doação em vida e pós-morte, priorizando a

transplantes de órgãos provenientes de cadáveres a órgãos de pessoas vivas.

Para Oliveira (2008), um dos pontos mais polêmicos desta lei, foi a introdução do

art.4º, que se refere ao consentimento do doador para doar seus órgãos após a sua

morte- “salvo manifestação de vontade em contrário, nos termos dessa lei, presumia-se

autorizada a doação de órgãos e tecidos ou partes do corpo humano, para transplante ou

terapêutica pós-morte” - trazendo a regulamentação de diagnóstico para morte

encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de

remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos

definidos pela Resolução 1480 de 08/08/97 do Conselho Federal de Medicina.

Almeida (2008) nos relata que mesmo com a necessidade de fomentar a doação de

órgãos, esse texto foi fortemente combatido pelos juristas, por que suprimia a liberdade

básica do ser humano, principalmente sua dignidade e capacidade de autodeterminação,

quando o Estado passou a interferir na autonomia da pessoa, declarando arbitrariamente

para ela uma vontade positiva. Manifestando essa lei como um instrumento

inconveniente de intervenção do Estado na vida privada e também despertou forte

reação na sociedade, pois a lei retirou da família a legitimidade de decidir o destino dos

despojos do falecido, o que era permitido no diploma anterior, Lei 8489/92.

Por isso o governo, a fim de resolver esse equívoco, editou a medida provisória

1718-1 de 06/10/98, determinando que na falta de manifestação de vontade do potencial

doador, o pai, a mãe, o filho, ou conjugue poderiam manifestar-se contrariamente à

doação. Neste sentido a referida medida provisória trouxe certa tranqüilidade para os

familiares do indivíduo falecido, pois restabeleceu sua legitimidade anterior,( e por

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conta disso acaba posteriormente favorecendo a cultura negativa em torno do

transplante) e em 23/03/2001, foi promulgada a Lei 10211.

Lei 10211 – Essa lei deferiu de vez toda a polêmica, tornado sem efeito todas às

manifestações de vontade constantes em documentos e adotando o consentimento

expresso passando a exigir autorização dos familiares para doação de órgãos de pessoas

falecidas. Dessa forma, segundo Oliveira (2008), mesmo que o indivíduo manifeste

verbalmente em vida, a sua família é que decidirá sobre doação, os quais poderão optar

ou não por respeitar a autonomia do doador.

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II – A POLÍTICA DE TRANSPLANTE NO BRASIL

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2.1 – Sistemas Nacional de Transplantes

O Sistema Nacional de Transplante (SNT) adotado no Brasil, foi constituído

através da concepção e propósito de garantir o acesso universal justo e gratuito dos

órgãos disponíveis, dentro de uma dinâmica onde listados em uma única fila, as pessoas

que necessitam desta terapêutica, possam ser contatadas em tempo hábil, tornando-se

assim receptores correspondentes a estas determinações legais.

Garcia (2006) destaca que embora os transplantes estivessem sendo realizados há

25 anos, nunca houve uma política responsável pelo planejamento, coordenação

posteriormente das centrais de transplante de alguns Estados .RatzW.(2006) pontua

que:

(...) “do ponto de vista logístico, o transplante envolve o processo de

acondicionamento, armazenagem e transporte de órgãos dentro de tempo

pré-determinado, pelo tempo de isquemia de cada órgão, levando em

consideração as distâncias entre o centro de captação e o da implantação.

Além disso, também estão envolvidos aspectos mais específicos como o

agendamento de salas cirúrgicas, material e equipamentos especializados”.

(RAITZ, 2006: 01).

Todo esse processo inicia-se após a identificação da morte encefálica do potencial

doador e sua notificação à Central de Transplante; sua efetividade, por sua vez, depende

da rapidez e precisão com que o processo é conduzido.

Ratz W. (2006) relata que( os aspectos logísticos) são grandes responsáveis pela

não efetivação de transplante após a constatação de morte encefálica.

Diferentes instituições estão envolvidas por todo o processo de transplante de

órgãos. Suas criações datam de períodos distintos, alguns Estados são dotados de

entidades específicas as suas localizações a despeito das Centrais de Notificação,

captação e Distribuição de Órgãos regionais (CNNDO).

O Sistema Nacional de Transplantes foi criado e organizado em 04 de fevereiro de

1997, pela Lei 9434/97, o qual atuaria no conhecimento de morte encefálica em

qualquer ponto do território nacional, assim como seria responsável pelo destino dos

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tecidos e órgãos doados. Este sistema passa a compreender as esferas de representação

tais com; Ministério da Saúde, Secretaria de Saúde do Estado, Secretaria de Saúde do

Município, hospitais autorizados e serviços em rede auxiliares necessários à realização

dos transplantes.

Ao SNT cabe administrar a lista única nacional de receptores, com todas as

indicações necessárias à busca de órgãos, licenciar os estabelecimentos de saúde e

equipes especializadas para realização da captação, transporte e transplantação do

enxerto. No ano de 1997, também foram criadas as CNCDOs (Centrais de Notificação,

captação e Distribuição de Órgãos) configurando-se como unidades executivas

estaduais ou regionais do SNT.

Às CNCDOs cabe a função de coordenar as atividades do transplante no âmbito

estadual, realizando as inscrições e classificações dos receptores. Além disso, uma vez

realizado o diagnóstico de morte encefálica, deve-se notificar à CNCDO, que então,

deve providenciar o transporte do órgão doado até o local onde se encontra o receptor

ideal.

A CNNCDO (Central Nacional de Notificação, captação e Distribuição de

Órgãos), foi criada mais recentemente, em 16 de agosto de 2000, onde articulada ao

Estado tem a capacidade de notificar as situações de possíveis doações de órgãos e

tecidos., organizando no âmbito da instituição seus potenciais doadores. A CNNCDO é

um órgão que permanece como uma entidade subordinada ao SNT (Sistema Nacional

de Transplante), tendo sido criada com o intuito de auxiliá-lo em suas atividades,

apresentando, portanto, um caráter executivo. Também atua na esfera nacional e por

questões operacionais e logísticas situa-se no Aeroporto de Brasília, funcionando 24

horas por dia.

Ainda de acordo com Ratz W. (2006), inspirado no modelo espanhol de

organização do processo de transplante, em 23 de setembro de 2005, de acordo com a

portaria 1752, passa a haver a determinação de que todos os hospitais públicos,

privados e filantrópicos com mais de 80 leitos devem ter sua Comissão Intra-Hospitalar

de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT), com as principais

atribuições de:

“organizar, no âmbito do hospital, o processo de captação de órgãos;

articular-se com as equipes de UTI’s e Emergências a identificação e

manutenção dos potenciais doadores; coordenar as entrevistas com a família

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do potencial doador; articular-se com o Instituto Médico Legal, para,

quando for o caso, agilizar o processo de necropsia dos doadores”. (RATZ

W. 2006: 03).

Ratz W. (2006), enfatiza que somente no Estado de São Paulo existe, a OPO

(Organização de Procura de Órgãos) que é um modelo para captação de órgãos

particular, adotado tanto pela CNCDO da capital quanto pela do interior. De acordo

com esse modelo, cada hospital-escola possui uma OPO que consiste em uma equipe

que se deslocam entre vários hospitais em sua região, acionados pelos médicos locais

que identificaram dentre seus pacientes um potencial doador em morte encefálica.

Para Ratz W. (2006), a criação do Sistema Nacional de Transplantes fez o Brasil

despontar como um dos maiores países em número de transplantes no mundo. Em 1996

(antes da criação Central Nacional de Transplante), foram realizados 3.979 transplantes.

No ano de 2002 esse número chegou a 7.981 transplantes pagos pelo SUS (Sistema

Único de Saúde), representando um crescimento de mais de 100%. Isto fez aumentar o

valor gasto total em transplantes de 75,4 milhões de reais em 1996 para 280,5 milhões

de reais em 2001.

Ainda de acordo com Ratz W. (2006), o custo do transplante envolve gastos em

diversas esferas que se inserem nesse processo desde a captação até o término da

implantação do enxerto. Estes gastos incluem todos os procedimentos utilizados,

materiais de consumo, custos da depreciação dos equipamentos, profissionais

envolvidos e serviços de utilidade pública utilizado por todo o processo dentre outros.

Os gastos com transplante são, inegavelmente, elevados. Porém é necessário

ponderar o fato de que a logística do transplante tem de trabalhar ininterruptamente. Os

custos, portanto, incluem muito mais que medicamentos e terapias de suporte; assim,

não se pode esperar que tais custos sejam baixos.

“um estudo realizado pelo Instituto Dante Pazanesse de Cardiologia, uma

instituição governamental da Secretaria de São Paulo, os custos envolvidos

apenas no processo de doação de órgãos, desde a avaliação até a entrega do

corpo à família, é de R$2.883,34, desconsiderando o custo com

investimentos em instalações prediais, ar comprimido, vácuo e treinamento

de pessoal. O SUS, por sua vez, paga por 65% deste valor, o restante fica a

cargo do orçamento da própria unidade em que ocorreu o processo”. (RATZ

W. 2006: 3).

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De acordo com Garcia (2006), o modelo de organização brasileiro, atinge três

níveis que se compreende em nacional, estadual e hospitalar; incentiva a formação de

centros de transplante em regiões menos assistidas; cria o cargo de coordenador de

transplante nos hospitais com UTI (unidade de tratamento intensivo), os quais devem

ficar responsáveis pela procura de doadores; recredencia todos os centros de transplante

de órgãos e tecidos do país e mais a criação das Centrais de Notificação, Captação e

Distribuição de Órgãos Regionais em todos os Estados que realizem transplante como

já se foi citado em algumas páginas anteriores.

A portaria 905 do ano de 2000 regulamentou a criação de equipes de captação de

órgãos em cada hospital do SUS que tivesse UTI tipo II (unidade de tratamento

intensivo com pré e pós-operatório) e Emergências, sob pena de haver

descredenciamento desses hospitais.

A Comissão Intra-Hospitalar de Transplantes também conhecida como Comissão

Intra-Hospitalar de Captação de Órgãos e Tecidos existe, portanto, por força da lei, tem

responsabilidade perante o Ministério Público e tem autonomia de ações. Tem o

objetivo de coordenar todo o processo de captação, retirada dos órgãos e até o início

dos transplantes no receptor. Foi criada também para melhorar a notificação de mortes

encefálicas com atribuições tais como:

“organizar no âmbito do hospital, o processo de captação de órgãos;

articular-se com as equipes médicas do hospital, especialmente as das

Unidades de Tratamento Intensivo e dos Serviços e Urgência e Emergência,

no sentido de identificar potenciais doadores e estimular seu adequado

suporte para fins de doação; articular-se com as equipes encarregadas de

verificação da morte encefálica, visando assegurar que o processo seja ágil e

eficiente, dentro dos estritos padrões éticos e morais;

- Coordenar o processo de abordagem dos - Articular-se com as equipes

encarregadas de verificação da morte encefálica, visando assegurar que o

processo seja ágil e eficiente, dentro dos estritos parâmetros éticos e morais;

Familiares dos potenciais doadores identificados, assegurando que esta ação

seja igualmente regidos pelos mais estritos parâmetros éticos e morais;

-Articular-se com os respectivos Institutos Médicos Legais para, quando for

o caso agilizar o processo de exame pós morte dos doadores, facilitando,

quando possível, a realização do procedimento dentro do próprio hospital

tão logo seja procedida a retirada dos órgãos;

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- Articular-se com a respectiva Central de Notificação, Captação e

Distribuição de Órgãos – CNCDO – cuja coordenação permita o adequado

fluxo de informações;

- “Apresentar mensalmente, relatório de atividades CNCDO (Central de

Notificação, Captação, Doação de Órgãos)”. (Garcia,2006: 318).

Do ponto de vista organizacional, a medida mais importante para Garcia (2006), é

a continuação da formação e a utilização efetiva dos coordenadores hospitalares na

grande maioria dos hospitais com UTI e/ ou Emergência, porém para que realmente o

sistema funcione, ele deve ser aprimorado implementando outras medidas

organizacionais para um maior atendimento a população necessitada de transplante, a

desigualdade geográfica na distribuição dos centros de transplantes, registros

informatizados com informações completas sobre os doadores potenciais, padronização

de protocolos para medicações adequadas para as características do receptor ou doador

com o objetivo de manter a eficácia do tratamento com menos custos, sistemas

informatizados uniforme para os centros de transplante, que permita o acompanhamento

“online” dos pacientes transplantados, atribuindo o desenvolvimento do processo de

captação e distribuição de órgãos, tecidos e partes retiradas do corpo humano para

finalidades terapêuticas e transplantes.

Ainda conforme sinaliza Garcia (2006), na área de doação de órgãos e

transplantes, a educação, tanto pública quanto profissional, é essencial, pois nesta área,

mais do que em outra da saúde, a participação dos profissionais e da sociedade é um

dos fatores determinantes do sucesso ou fracasso dos programas de transplante

(ocasionando assim, um acréscimo na qualidade dos serviços prestados).

O mesmo autor sinaliza que entre as medidas educacionais empregadas a partir de

1997 tais como: cursos de formação de coordenadores educacionais de transplantes;

encontros regionais com intensivistas; cursos sobre doação e transplante para todos

profissionais que trabalham nos hospitais; encontros periódicos com jornalistas,

especialistas em comunicação e tomadores de opinião; desenvolvimento de programas

educacionais específicos para estudantes do 2º grau; incentivo à formação de

organizações não governamentais atuando na área de doação e transplante; campanhas

de doação enfatizando a importância de comunicar a decisão aos familiares; palestras e

debates sobre doação nas escolas; implantação no calendário anual da Semana Nacional

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da Doação e Dia do Doador e a formação de Organizações da Sociedade Civil, como a

ADOTE7 (Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos) e como a PRÓ-VIA8,

atuando na área de doação e transplante do Rio Grande do Sul, continuam sendo as

medidas educacionais juntamente com as organizacionais, as que mais necessitam de

investimento nos próximos anos.

Traiber C. (2006), pontua que a maior parte da população recebe informações

sobre transplante de órgão e doação através dos meios de comunicação de massa

(televisão9, rádio, jornais, revistas), um número menor é influenciado por familiares,

amigos, profissionais de saúde e campanhas sobre doação de órgãos. Mais importante

do que o veículo de informação parece ser a qualidade da mesma. Um estudo espanhol

observou que apesar da maior parte da informação vir da televisão, esta informação

pode ser geral, indefinida, inapropriada e não ser capaz de esclarecer dúvidas e medos

comuns, sendo assim incapaz de modificar comportamentos negativos relacionados à

doação de órgãos.

O autor também aponta que foi observado que informação com base individual

(encontros específicos, campanhas em escolas, amigos, familiares e profissionais de

saúde) promove uma maior modificação de comportamento. A pessoa bem informada é

capaz de promover discussão com amigos e familiares o que é por si só um mecanismo

de promoção de doação. Os profissionais de saúde têm papel fundamental na

divulgação de informação sobre doação de órgãos, pois tem acesso a grande parte da

população e causam impacto maior que outros meios de comunicação nas atitudes em

relação à doação de órgãos. Campanhas de esclarecimento e (propagação de

informações) deveriam ocorrer dentro das próprias instituições, com a participação de

médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e todos os outros profissionais que

trabalham no hospital. O mesmo deveria acontecer em postos de saúde, clínicas e

hospitais menores. Traiber C. (2006).

“Essas campanhas deveriam disponibilizar informação clara e específica a

respeito dos conceitos de morte encefálica, doação de órgãos, custo de

doação, aparência do corpo após a retirada dos órgãos, aspectos éticos,

7 Adote- Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos. Fonte: www.adote.org.br. 8 Pró-Via – Organização não governamental, sem finalidade econômica, situada no Rio Grande do Sul, cuja missão é atuar no sentido de promover mudanças de atitudes e valores da sociedade e Estado para preservar e melhorar a vida. Dedica-se a divulgação de informações sociais no processo doação-transplante de órgãos através de diversas medidas didáticas. Fonte: www.HSJ.com.br 9 As reportagens do programa da TV Globo com o tema o Dom da Vida, são campanhas de esclarecimento à sociedade por parte da mídia. Teve seu início em 12/04/2009 à 12/05/2009.

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experiências da família do doador e do receptor, entre outras orientações,

pois estas pessoas como são formuladoras de opinião influenciamos

pacientes e seus familiares. Obviamente, pelo amplo alcance, os meios de

comunicação de massa devem transmitir mensagens positivas e mostrar, por

exemplo, como funcionam os programas de transplante, quem são as

pessoas na lista de espera, como é a vida de transplantados, tudo isso

estimularia a aceitação e a doação de órgãos. (TRAIBER C. 2006: 180).

(...)“ estudos realizados com famílias de doadores de órgãos demonstram

que um fator importante para essa decisão foi à discussão prévia sobre

doação entre familiares, que avaliando uma amostra de 3.159 adultos

através de questionário, demonstrou que 80,1% autorizariam a doação de

um familiar seu se este houvesse manifestado previamente o desejo de ser

doador, por outro lado apenas um terço dos respondedores autorizaria a

doação se não houvesse uma discussão prévia com a família. O fato de a

família ter discutido sobre doação com o paciente ou acreditar que o

paciente desejaria ser doador mesmo sem ter tido uma discussão explicita sobre o assunto foi fortemente associado ao consentimento para doação de

órgãos. Infere-se que campanhas que incentivem as pessoas a discutir sobre

doação de órgãos e transplantes com seus familiares são fundamentais.

(TRAIBER C. 2006: 181).

O mesmo autor sinaliza que a educação para a mídia é fundamental para a

necessidade do suporte profissional de especialistas em comunicação no planejamento

das mensagens, com relação ao conteúdo e a melhor maneira de transmiti-las. É

necessário informar seriamente e educar a mídia é através dela, discutir com a

população o significado da doação de órgãos, a legislação com relação aos transplantes,

o conceito de morte encefálica e os problemas gerais dessa área. A promoção de

encontros periódicos com a mídia para discussão de todos os aspectos relacionados com

a doação e transplante parece ser uma forma eficaz de troca de informações.

Traiber C. (2006), enfatiza que apesar da atitude positiva de muitos sobre doação

e transplante de órgãos, existe uma grande diferença entre o número de doadores,

muitos profissionais da área de saúde não têm conhecimento adequado sobre o tema, e

assim deveriam ser incentivadas campanhas para educação desses profissionais. Uma

vez que a doação no Brasil depende exclusivamente da vontade da família, campanhas

que atuem sobre o esclarecimento da população e que incentivem as pessoas a

manifestar o desejo de ser doador parecem uma estratégia importante para amenizar

este problema.

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Para Rocha E. (1998), durante o recente debate gerado pela polêmica lei de

doação presumida, muito se falou sobre modelos de organização de transplantes. A

Espanha, com seus resultados surpreendentes quanto ao número de doadores de órgãos

sólidos, surge como possível exemplo a ser seguido para que possamos aumentar o

número de transplantes realizados no Brasil. Apesar das grandes diferenças existentes

entre países, pessoas e culturas irão discutir brevemente o modelo espanhol de captação

e doação de órgãos.

Dentro de todo contexto demonstrado a partir de estudos e pesquisas que vários

autores apresentaram neste trabalho, podemos constatar que realmente no Brasil serão

precisas muitas mudanças sobre a temática da captação e doação de órgãos.

Independente de classe social, raça, religião ou grau de parentesco, precisamos entender

que somos homens e mulheres, crianças e idosos e que a qualquer momento de nossas

vidas poderemos nos encontrar em situações em que teremos talvez uma das mais

difíceis e extremas decisões a tomar. Algumas pessoas que hoje se encontram do lado

de cá da fila de transplante, não estará livre de vir a ocupar o lado de lá desta mesma

fila amanhã. Somando todos os aspectos estruturais, educacionais, organizacionais,

legislações, econômico da política de transplante brasileira, identificamos que cada um

deles tem sua extraordinária importância no conjunto em prol da luta por uma vida

melhor, uma saúde melhor, melhores profissionais. É de muita importância que se tenha

conhecimento da situação em que se encontram as pessoas na lista de espera como

também, a decisão de favorecimento ou não à doação. Talvez, só seremos capazes de

reformular as demandas acerca deste tema se entender o quanto é importante sermos

profissionais capazes de trabalhar em uma perspectiva interdisciplinar, onde o respeito

e a troca de saber com outros profissionais seja referência de um trabalho em conjunto

articulado.

Entre modelos de organização de transplantes já existentes, se destaca o modelo

da Espanha, o qual consegue resultados surpreendentes em relação ao número de

doadores. A Espanha implantou uma política de saúde direcionada aos transplantes, a

partir de investimentos prioritários de ordem profissional e estrutural. Também existe

um grande investimento em educação continuada em que a sociedade espanhola esteja

sempre informada a respeito da importância da doação de órgãos e tecidos. A

experiência do modelo espanhol nos mostra o quanto de resultado positivo se pode

alcançar a partir de um planejamento adequado e minucioso de um projeto.

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Tomaremos por referência os estudos e relatos do Dr. Eduardo Rocha, professor

do departamento de Medicina Clínica, setor de Nefrologia, da Universidade Federal

Fluminense e coordenador de transplantes (TPM) do programa Gaveatransplante, Rio

de Janeiro, RJ.

2.2 - O Modelo Espanhol de Transplantes

Segundo Rocha E. (1998), a história dos transplantes de órgãos sólidos na

Espanha não difere muito da história dos transplantes dos demais países, pelo menos

em seus primeiros anos. Transplantes renais foram realizados na década de 1960 com

sucesso relativo e predomínio de doadores vivos aparentados, prática mantida dos anos

70. Em 1979, uma Lei de Transplantes (30/79) regulamentada no ano seguinte por um

Decreto Real (426/80), reconheceu o diagnóstico de morte cerebral permitindo que os

pacientes com esse diagnóstico fossem utilizados como doadores de órgãos para

transplante. Esse decreto, seguindo a tendência adotada na época por outros países

europeus como a França, determinava que todos os cidadãos espanhóis fossem

doadores exceto manifestação em contrário (doação presumida) sem, no entanto

estabelecer de que forma a negativa seria feita. O decreto apenas sugeria aos médicos

que utilizassem de todos os recursos possíveis para identificar um eventual desejo do

falecido de não ser doador, deixando os profissionais livres para escolher a melhor

conduta nesse sentido. Optou-se pela consulta aos familiares dos pacientes,

estabelecendo-se na prática uma solicitação de autorização familiar (por escrito) não

prevista na lei.

O mesmo autor sinaliza que esta conduta inicial, mantida até hoje, teve sua

adoção justificada por muitos no respeito aos familiares e também como forma de evitar

conflito que poderia modificar a atitude de uma sociedade até então amplamente

favorável à doação de órgãos. Campanhas de educação pública esclarecendo os

conceitos de morte encefálica e estimulando a doação pós-morte foram desencadeadas e

a formação de profissionais especializados na doação – coordenadores de transplantes-

foi estimulada.

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“A Organização Nacional de Transplantes (ONT) da Espanha surgiu

posteriormente ao aparecimento dos primeiros resultados que mostravam

aumento da atividade naquele país. Portanto, não podemos justificar o

sucesso do “modelo espanhol” apenas pela criação deste organismo, criado

em 1989”. Rocha E. (1998:02).

“O surgimento da ONT espanhola ocorreu a partir de uma intervenção dos

pacientes em filas de espera de órgãos para transplante, em um ano em que

o número de transplantes renais no país, até então crescente, diminui.

Sentindo-se ameaçados, os pacientes recorreram ao Defensor do Povo,

figura jurídica estatal que pode ser acionada por qualquer cidadão ou grupo

de pessoas que necessite de ajuda social. Constatada a procedência da

solicitação, não foi difícil chegar-se à constatação de que inúmeras dúvidas

e conflitos relacionados à prática dos transplantes existiam, e que uma

organização nacional poderia regulamentar a atividade, beneficiando no

esclarecimento dos mesmos e estimulando o crescimento organizado da

atividade transplantadora”. ROCHA (1998:02).

De acordo com Rocha E. (1998), em seu décimo ano de vida, a ONT espanhola

continua com as mesmas funções de seu início de atividade, ou seja, coordenar a

atividade de transplante de órgãos e tecidos em todo o território espanhol, participar da

elaboração de normativas e informes técnicos relacionados à mesma área, desenvolver

estudos a partir dos dados gerados pelos centros extratores e transplantadores e, de

máxima importância, informar a sociedade e difundir as atividades das equipes através

de contatos com a mídia e administração do país. Para execução de suas múltiplas

funções, a ONT espanhola foi estabelecida em um escritório central, situado junto ao

Ministério da Saúde em Madri, funcionando 24 horas por dia com uma equipe de

médicos, enfermeiros e auxiliares administrativos.

A intensa atividade transplantadora observada na Espanha não seria possível sem

a figura que podemos considerar como pilar de todo o sistema: o coordenador intra-

hospitalar autônomo de transplantes (TPM). O perfil deste profissional da área de

saúde, inicialmente um médico ou enfermeiro originado de diferentes áreas (anestesia,

medicina intensiva, nefrologia) e dedicação parcial de tempo começou a ser tratado no

início dos anos 80, tendo evoluído nos últimos anos para uma função muito bem

estabelecida, para qual se dedica exclusivamente: obter órgãos para transplantes. Ou

seja, muito antes da criação de qualquer organização de transplantes, já existiam

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profissionais trabalhando nesse sentido. Com o objetivo de detectar potenciais doadores

em seu próprio hospital, do qual integra o corpo clínico permanente, O TPM percorre

diariamente as áreas onde a patologia cerebral é mais freqüente observada - serviços de

emergência, terapia intensiva ou neurocirurgia e estabelece contato com os demais

profissionais, promovendo desta forma a comunicação dos casos de morte encefálica.

Quando um potencial doador é detectado, o coordenador autônomo ou a equipe de

coordenação (nos hospitais com maior número de leitos) passa a acompanhar o caso

juntamente com os outros especialistas. A atuação do TPM é feita de forma

independente das equipes transplantadoras, que só são acionadas após a doação. Cabe a

equipe de coordenação possibilitar que todos os procedimentos necessários para

confirmação do diagnóstico de morte encefálica sejam realizados, além de certificar-se

da realização dos cada vez mais importantes exames para detecção de doenças

potencialmente transmissíveis pelo doador.

Rocha E. (1998), pontua, que após a confirmação da morte cerebral, firmada

sempre por três profissionais independentes das equipes de transplante (em geral, 1

neurologista ou neurocirurgião, 1 intensivista e 1 radiologista) e avaliação dos

resultados de exames realiza-se a entrevista familiar e, confirmando-se a doação,

iniciam-se os preparativos para a cirurgia de extração dos órgãos. Diante da escassez de

órgãos, as doações múltiplas são em geral, o que implica na necessidade de coordenar

as ações múltiplas das equipes, frequentemente proveniente de diferentes hospitais.

“O TPM viabiliza a transformação do doador potencial em doador efetivo

de órgãos para transplantes, estando a qualidade destes sob responsabilidade

direta desse profissional. O sucesso da atuação dos coordenadores de

transplantes fez com que atualmente a maior parte dos hospitais espanhóis

de grande porte tenham um ou mais profissionais atuando nessa área,

confirmando a estatística de existência de 133 Comunidades Autônomas

espanholas”.(ROCHA E. 1998:03)

De acordo com Rocha E. (1998), os dados apresentados, demonstram o resultado

de uma política de transplantes adotada na Espanha há cerca de 10 anos. No entanto, é

importante reconhecer que as decisões que levaram à construção de uma organização

nacional surgiram a partir de uma atividade profissional intensa, onde se destacou a

figura do coordenador de transplantes, dando seus primeiros passos muito antes do seu

reconhecimento pelas gerências administrativas ou, posteriormente, pelas sociedades

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científicas. Este esforço, aliado às organizações de pacientes, principais beneficiários

pela drástica transformação ocorrida naquele país, fez com que o “modelo espanhol”

tenha obtido a atenção mundial no sentido de ser copiado ou adaptado em outros países.

Para que copiássemos o modelo espanhol com sucesso em nosso país teríamos que

transformar o Brasil em Espanha, com seus problemas, cultura e estrutura política (vale

lembrar que se trata de uma monarquia parlamentarista) e social. A experiência

espanhola, no entanto representa um exemplo de como resultados positivos podem

surgir após um planejamento adequado e execução minuciosa de um projeto.

Diagnosticando apropriadamente nossa política de transplante com o que pareça

mais adequado (nossas respostas para nossos problemas) teremos tudo o que

precisamos para construir um modelo tão eficaz - ou até mesmo melhor – do que o

espanhol. Depende de todos nós.

2.3 - O Despertar da Equipe de Saúde para Doação de Órgãos.

Como vimos no modelo espanhol, que é um modelo que traz resultados

pertinentes em relação à doação de órgãos, o trabalho em equipe constitui um dos

pilares. Para que possamos avançar na política de doação de órgãos e tecidos. Vale

dizer que o modelo espanhol, guardadas suas especificidades, já que o contexto em que

é desenvolvido é bem diferente do Brasil. Como já foi citado neste contexto acima, a

Espanha foi um país que apostou e investiu em equipes multidisciplinares e

interdisciplinares, pra se alcançar um pleno sucesso de organização e planejamento de

sua política de transplantes. As trocas de saberes, as informações, o respeito entre as

opiniões dos profissionais que trabalham em conjunto articulados é fundamental para

que qualquer projeto seja implantado. Consequentemente com um trabalho de equipe

interdisciplinar sempre existirá uma convergência de saberes, o que fará que o saber

desta equipe não se torne fragmentado.

Segundo CSD (Coordenadoria Setorial de Documentação) e BJ (Biblioteca

Jurídica);

- CONSIDERANDO o teor da Lei 9434/97, também conhecida como Lei dos

Transplantes, que trata das questões da Disposição pós-morte de tecidos, órgãos e

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partes do corpo humano para fins de transplante; dos critérios para transplante com

doador vivo e sansões penais e administrativos por seu descumprimento;

- CONSIDERANDO a regulamentação pelo Decreto nº. 2268/97, que estabeleceu

o Sistema Nacional de Transplantes (SNT), os Órgãos Estaduais e as Centrais de

Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos CNCDOS);

- CONSIDERANDO que em 2001 a Lei 10211/01 extinguiu a doação presumida

no Brasil e determinou que a doação com doador cadáver só ocorreria com a

autorização familiar, independente do desejo em vida do potencial doador, invalidando

os registros em documentos de identificação(RG) e carteira nacional de

habilitação(CNH);

- CONSIDERANDO que em 27/01/94 a Secretaria da Saúde do Estado criou a

Central de Notificação para coordenar e dar providências sobre o Sistema Estadual de

Doação, compondo-se de uma rede de hospitais conveniados ao Sistema Único de

Saúde (SUS) e da rede privada e em virtude de tais normas os hospitais devem

organizar-se internamente, com equipes multidisciplinares para estudar o tema e servir

como referência aos demais profissionais;

- CONSIDERANDO que no ano de 2000 o Ministério da Saúde criou a portaria

905, a qual determina que os hospitais devam ter uma comissão intra-hospitalar;

- CONSIDERANDO que em 2005 uma nova portaria, a 1752, determina como

exigência para os hospitais com mais de 80 leitos a criação da Comissão Intra-

Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes CIHDOTT);

- CONSIDERANDO que no ano de 2006 o Ministério da Saúde criou a portaria

1262, que define atribuições da CIHDOTT, entre elas educação continuada, campanhas

de sensibilização em pontos estratégicos na comunidade, palestras sócio-educativas em

empresas e instituições de ensino, e registro de dados estatísticos. Além disso, essa

portaria define atribuições ao coordenador da CIHOTT, para que este possa atingir a

excelência nos trabalhos de conscientização, captação, implantes e recuperação dos

pacientes que;

A formação das equipes é determinada em lei, conforme visto anteriormente e

sendo assim para a realização de um trabalho em equipe é importante a disponibilidade

do profissional, identificação com a temática, remuneração e capacitação. A

capacitação adquire importância na administração dos recursos vindos do Ministério da

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Saúde para a instituição que será credenciada a fazer retirada de órgãos de tecido do

corpo para transplantes. O trabalho de esclarecimento feito aos profissionais da saúde

serve para esclarecer a população sobre quem pode ser doador, por exemplo.

(REPULAG 2009).

A Comissão Intra-Hospitalar de captação de Órgãos e Tecidos no Brasil tem o

objetivo de coordenar todo o processo de captação, retirada e até o início dos implantes

no receptor. Foi criada também para melhorar a notificação de mortes encefálicas. Essa

equipe, composta por no mínimo de três pessoas, deve ter sensibilidade,

responsabilidade, seriedade, ética e habilidade política, para conciliar diversos serviços,

setores e profissionais dentro do hospital em torno do seu objetivo maior – Captação de

órgãos e tecidos. (CIHCOT 2009). Em relação ao trabalho do serviço social na captação

de órgãos e transplantes:

“(...) inicia-se quando a Central de Transplante recebe a notificação de

morte encefálica e neste momento, a central entra em contato com a

assistente social, ou enfermeiro do hospital onde se encontra o potencial

doador para levantar dados de identificação pessoal, social e familiar, os

quais contribuem para a abordagem familiar, no sentido de facilitar a

aproximação da família. A abordagem efetiva para a solicitação dos órgãos

só poderá ser feita após o diagnóstico oficial de morte encefálica, assinada

pelos médicos intensivistas e neurologistas, sendo que a convocação dos

familiares e notificação da morte encefálica ou óbito fica à cargo do hospital

responsável pelo paciente e não pela equipe da central de Transplantes.”

(CELESTINO G. 2009: 02)

O autor pontua ainda que o início do contato com a família pelo assistente social

da Central de Transplante, poderá ser precedido de desculpas, por estar abordando a

família em ocasião de sofrimento. No entanto, este papel é necessário em nome de

muitos que aguardam o ato de solidariedade de doação de órgãos para reconstruírem

suas vidas.

De acordo com Celestino G. (2009), na cultura brasileira a morte é vista com

resistência, pois ela é agressiva, imprevista, traz angústia e desolação, uma vez que, ela

rouba os sonhos e os projetos de vida. No convívio familiar e social, não se discute a

morte e quando surge o assunto o conceito apresenta traços de imortalidade, mesmo

tendo a consciência da finitude humana, e é neste contexto, que o assistente social

procura refletir com a família seus conceitos, suas crenças, seu modo de fé, de forma

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que, a própria família encontre conforto. A partir de um ambiente mais tranqüilo abre-

se a oportunidade para a abordagem propriamente dita. Consideramos que ao falar a

tonalidade de voz seja agradável, não agressiva, manifestando a compreensão deste

momento e procurando, realmente, aceitar a conduta dos familiares.

O assistente social auxilia interpretando e esclarecendo dúvidas, respeitando

sempre a decisão familiar. Fatores culturais e emocionais podem se classificar como os

mais importantes para compreensão das informações médicas, considerando reações

inesperadas dos familiares que se encontram extremamente sensibilizados com sua

perda.

Nesse processo o assistente social precisará sempre se reportar a seu código de

ética e lei de regulamentação da profissão que trazem os princípios e diretrizes para a

realização de um trabalho de qualidade com a família.

A abordagem familiar deve ser realizada de preferência no ambiente hospitalar

para intervenção de outros profissionais caso seja necessário. Deve reunir se possível

familiares de linha direta e/ ou responsável legal para a tomada de decisão e assinatura

do termo de autorização para retirada dos órgãos. Diante desta curta exposição,

podemos considerar que a abordagem à família do potencial doador proporciona um

espaço de elaboração frente a situação da morte, bem como o momento de reflexão

sobre a importância do ato de doar órgãos. CELESTINO G. (2009)

CELESTINO G. (2009) destaca que, quando não há em vida a opção de doar

órgãos, caberá aos familiares do potencial doador tomar esta decisão. Frente a essas

informações, percebemos que nos familiares contrários à doação de órgãos, as margens

de justificativas para o não consentimento são maiores e defensivas. Observamos que as

pessoas se apegam a uma variedade de respostas para que não sejam discriminadas pela

sua decisão contrária à doação, garantindo para si mesmas a segurança de sua decisão.

O serviço social procura deixar bem claro que não há recriminação por esta opção, pois

a questão de doar órgãos é escolha pessoal e voluntária. O serviço social enquanto

profissão que é contrária a qualquer forma de arbítrio deve procurar deixar claro que

não há preconceito na decisão da família.

O aumento das captações não depende unicamente da atuação do assistente social

da Central de Transplante, pois a aceitação da morte e da doação de órgãos são aspectos

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que sofrem interferência cultural e religiosa, e a mudança de comportamentos a elas

relacionados. CELESTINO G. (2009).

Ainda de acordo com a portaria 1752 que determina como exigência para os

hospitais com mais de 80 leitos a criação da Comissão Intra-Hospitalar de Órgãos e

Tecidos para Transplantes (CIHDOTT). Foi mais um avanço para o assistente social

que trabalha na área de saúde, pois passou a ser mais freqüente a composição destas

equipes inserindo o trabalho do serviço social juntamente com outros profissionais a

tarefa de se responsabilizar pela organização, coordenação e captação de órgãos de

possíveis doadores, desenvolver palestras e sensibilizações coma a comunidade intra-

hospitalar no intuito de criar uma nova mentalidade e gerar uma atitude de bondade. A

doação sem estigmas. O esclarecimento e sensibilização são capazes de promover

transformações em determinadas situações nos fazendo acreditar que amanhã a

realidade pode ser outra mais bonita, mais humana.

Realmente para o serviço social brasileiro, a inserção do serviço social nas

equipes de Comissão Intra-Hospitalar de Captação e Doação de Órgãos é de suma

importância, devido a ser um profissional que através de sua prática teórica, científica e

metodológica consegue articular instrumentos para mediar as demandas existentes sobre

o tema captação e de órgãos.

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III - CAPTAÇÃO DE DOADORES: UMA PRÁTICA DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE E DE MOBILIZAÇÃO SOCIAL.

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3.1 – Comprovação, Socialização e visibilidade . No Brasil, existe a falta de tradição do ato de doar diferente do que ocorre nos

países europeus, onde a história de suas grandes guerras, formou o espírito cívico e

sensibilizou a sociedade para a importância da doação espontânea.

Para os gregos antigos a palavra ethos significava a morada do homem, isto é, a

natureza, uma vez processada mediante a atividade humana sob a forma de cultura, faz

com que a regularidade própria dos fenômenos naturais seja transposta para a dimensão

dos costumes de uma determinada sociedade.

Nos termos do pensamento filosófico de T.W.Adorno e M.Horkheimer, em que

pese as diferenças entre ambos, a impossibilidade da ética no mundo atual remonta, sem

dúvida, ao problema da divergência entre ética e razão no transcurso do esclarecimento.

“como é sabido, Adorno e Horkheimer analisaram o imbricado

entrelaçamento entre mito e esclarecimento”

(LASTÒRIA, 2001) Em relação ao programa de esclarecimento, segundo os autores acima citados,

eles afirmam que a sua principal meta era a dissolução dos mitos, a substituição da

imaginação pelo saber.

A questão cultural em relação à doação no Brasil é diferente de outros países em

função de não termos vivenciado períodos de guerras, catástrofes, intempéries

climáticas, onde o ser humano tenha chegado a limites de sua existência. Não há uma

experiência existencialista em nosso ambiente cultural, onde o outro é condição para

nossa existência. Apesar de não termos passado por nenhum desses problemas, temos

outras problemáticas que interferem na questão cultural do brasileiro. Exemplo claro

desta situação é o descaso das instituições políticas com a questão da saúde.

Segundo PAULO FREIRE, a conscientização é: “tomar posse da realidade; por

essa razão, e por causa da radicação utópica que a informa, é um afastamento da

realidade. A conscientização produz a desmitologização”. (FREIRE,1980,p.29)

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A realidade, no entanto, é bem diferente. A população ainda desconhece a

gravidade da situação. O doador está cada vez mais raro e o ato de doar é visto como

desconfiança e apatia pela população. Soma-se a isso, a falta de informação, medos e

preconceitos. Nesse cenário, ações como a educação em saúde constitui-se uma

prioridade fundamental. É necessário que o trabalho educativo e de sensibilização seja

desenvolvido de forma eficaz para despertar a solidariedade das pessoas e o dever

consciente, enquanto papel de cidadania.

É fundamental que o Estado, bem como as Instituições responsáveis em parceria

com a sociedade, una-se num processo educativo, onde a população passe a ter clara

consciência de que o ato de doar é um ato de cidadania, um compromisso social, um ato

que apreendido poderá ser transmitido através de gerações.

Alguns sociólogos entendem como responsabilidade social a maneira de restituir

a alguém, algo essencial. Para isso urge uma estrutural mudança de hábitos, costumes e

perfil do indivíduo.

No mundo globalizado em que vivemos é fundamental que a sociedade civil

adote um perfil diferenciado dos tempos passados, em relação aos tempos atuais, para

que de forma organizada e consciente possa interagir junto às diversas esferas políticas,

com o objetivo de construir uma sociedade mais justa e igualitária.

LEONARDO BOFF (1994) cita em sua obra as características da sociedade

emergente planetária, onde compara a sociedade do passado com a sociedade do

presente. A organização social dos indivíduos era formada por consumidores passivos,

vivendo em estado de providência, no regime político democrático delegatício. Nesta

nova sociedade emergente, as pessoas têm expressão cultural singular, vivem em uma

sociedade civil organizada, com liberdade de expressão, participam das decisões

políticas através do voto. Trata-se de uma sociedade ligada com o mundo, ou seja,

participativa da socialização global.

O autor acima citado, também cita as características dos valores. Segundo ele,

nas sociedades passadas havia um sentido transcendental, com a predominância no

aspecto econômico. A abundância prevalecia, enquanto que nesta nova sociedade há uma

valorização de elementos imanentes, onde o aspecto cultural tem sido predominante,

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além de existir maior co-responsabilidade de ações. Neste novo paradigma as pessoas

estão preocupadas com a qualidade de vida e com uma forma mais integrada.

LEONARDO BOFF (1994), quando faz a correlação entre as sociedades;

passada e emergente identificamos que a sociedade emergente é caracterizada como

participativa, articulada, bem informada, buscando igualdade social co-responsável.

Desta forma podemos argumentar que a participação da sociedade civil no Programa de

Doação é muito importante, para que tornem-se multiplicadores, conscientizando a

sociedade através do envolvimento das lideranças sociais.

Assim segundo BOFF (1994), os distintos segmentos sociais, através de suas

lideranças precisam atuar de forma positiva na facilitação das informações, onde a

sociedade como um todo, necessita assumir uma maior responsabilidade social.

A Constituição Federal de 1988 e a VIII Conferência Nacional de Saúde, foram

fundamentais para o avanço na área da saúde no Brasil. O Governo Federal lançou as

bases da Meta Mobilizadora Nacional, que através de projetos propostos pelo

Departamento de Avaliação de Políticas de Saúde, nasce o Programa Nacional de

Captação de Órgãos.

Para KAUFMANN (2001) se a sociedade emergente, moderna é uma sociedade

da transformação, da tecnologia, do dinamismo, da comunicação, enfim, da mudança

frenética, é ao próprio homem como elemento social – por que já reconhecemos que a

natureza ou seu mundo natural está recriado- que cabe papel ativo quanto ao

reconhecimento de sentido da vida, de identidades e comportamentos. Seu

comportamento frente a opções sexuais, raça ou cor da pele, religião, ecologia, do modo

de vida urbana, da violência, da manipulação genética, do militarismo, das igualdades ou

diferenças, são amostras de quão diverso, complexo e intercambiável pode ser a

participação do homem moderno.

Mas segundo KAUFMANN (2001), os atores do momento, deste espaço de

diálogo – os familiares responsáveis – encontram-se fragilmente situados e confrontados

com o espaço da racionalidade técnica e das forças do espaço de consumo.

Para o autor acima citado, quem nega uma autorização de doação faz um esforço

no sentido de levar suas próprias críticas discursivas, justificando uma não adesão às

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forças do mercado, que exigem mais doadores para manter sua produção transplantadora

em ordem. Mas, o movimento dos que concordam também pode ser representativo de

um caráter emancipador desses atores. Também seus esforços reconstituem o mundo da

vida, procurando romper com as esferas do consumo individualista da sociedade

moderna. Também encerra elementos verdadeiros no campo discursivo, partilhados com

seu próprio grupo social e campo de valores – não do consumo, do saber científico ou

jurídico, de uma razão instrumental - mas, cultural e religioso, étnico ou estético, isto é,

do seu mundo da vida.

O mesmo autor pontua que o tema da doação de órgãos ocupa um espaço que vai

além do conhecimento médico. O processo de doação mantém profundas interações com

os valores individuais e sociais, implicando, nos seus encaminhamentos , em uma

intromissão colonizante nas esferas do mundo da vida dos atores sociais – potenciais

doadores e familiares - , que mesmo o conjunto jurídico, recentemente revisto na

legislação brasileira, e os interesses do mercado e da tecnologia, por mais estruturados e

vigiados que se encontrem, não permitem que a comunicação seja filtrada por um espaço

público legítimo e as decisões sejam consensualizadas por critérios éticos e racionais,

que são provocados por um estranhamento dos atores sociais com os aparatos da

modernidade.

3.2 - A decisão familiar.

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Nas duas últimas décadas, o aumento do sucesso das cirurgias de transplantes de

órgãos com a promoção da qualidade de vida dos pacientes beneficiados, fez com que a

procura desta terapia se reafirmasse como uma esperança de vida cada vez mais próxima

e possível. Em contrapartida, a baixa porcentagem de doadores dificulta a realização

desta intervenção que é responsável diretamente pela manutenção da vida de muitos

indivíduos portadores de condições crônicas. Um único doador, em boas condições e

sem contra-indicações, pode beneficiar, através de transplantes de diversos órgãos e

tecidos, mais de dez pacientes.

Contudo, CARVALHO (2005), relata que o crescimento da demanda por

transplantes é muito maior do que suas possibilidades. No Brasil, os pacientes e as

família têm o livre arbítrio de escolha sobre doar ou não seus órgãos, mas infelizmente, a

maior parte das pessoas não realiza esta escolha em vida ou se faz não comunica a seus

familiares. O desconhecimento da condição de doador de seu familiar é alegado pelas

famílias como sendo um dos principais determinantes da não doação. Vários outros

elementos são colocados como dificultantes no processo de doação, como complicações

ligadas a preocupações com o funeral do familiar, costumes, etnias e culturas, além de

restrições religiosas.

Segundo CARVALHO (2005), o conhecimento da população sobre doação de

órgãos e tecidos para transplante ainda é limitado, sendo esta uma das justificativas para

as baixas taxas de doação em nosso país, o que poderia ser melhorado com maior

investimento público no sentido de promover medidas educacionais.

De acordo com MEDSI (2004), embora a doação represente uma conduta social

moralmente boa, altruísta, podemos intuir que ainda não foi incorporada à moral comum.

O descrédito no funcionamento e estrutura do sistema de saúde, na alocação de recursos,

na relação de confiança entre profissional da saúde e paciente, acesso igual e justo; na

confidencialidade doador/ receptor; consentimento livre-esclarecido; o respeito à

autonomia; a defesa da vida e o caráter inovador e recente desta possibilidade

terapêutica, ainda em construção.

Para MEDSI (2004), pensamos ser esta uma discussão ética, por se tratar de

valores, princípios e normas que servem de base ao comportamento humano. Base para

uma conduta correta e justa apoiada na responsabilidade de seus atos.

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De acordo com ROSENBLATT (2000), a experiência começa com a família

vivendo o impacto da tragédia, caracterizada pelo anúncio do acidente e /ou da

internação. A família encontra-se vivendo um pesadelo. Surpresa com a ocorrência, a

família fica preocupada com o prognóstico e amedrontada com a possível morte. A

notícia da tragédia é a causa desse processo acerca do significado de ter de decidir sobre

a doação de órgãos. O desconhecimento dos detalhes dos momentos que antecederam a

tragédia ou do causou o agravamento do quadro clínico, faz com a família se perceba

sem recursos para entender o que levou a esta situação e passa a viver a experiência

tendo um vazio na história da tragédia.

A família procura significados e respostas à atual condição de saúde e a própria

condição como unidade familiar. O que é visto, ouvido e experienciado permanece com

ela durante todo o processo. A sua experiência segue com a piora do quadro clínico. Esta

outra condição causal a põe diante da experiência de receber do médico a notícia da

provável morte encefálica e a apresentação da possibilidade da doação de órgãos, dando

início à segunda fase da experiência, que é caracterizada pela família trabalhando com as

incertezas da morte encefálica.

Segundo ROSENBLATT (2000 ), o anúncio desta contingência do processo – a

morte encefálica- faz com que a família elabore estratégias que diminuam suas incertezas

e que ajudem a compreender e a aceitar a possibilidade da morte. Assim, os familiares

agem precisando definir a realidade no que diz respeito à gravidade do estado de saúde.

Compreender as mudanças nas condições clínicas e a aceitar a morte encefálica,

reconhecendo a morte como condição que determinará a disposição da família em

considerar, ou não, a doação de órgãos. A família está vivenciando uma situação nova,

inusitada, repleta de eventos pouco familiares para ela e, por isso, vai gerando estratégias

que a auxilie a enxergar a realidade.

O suporte social influencia fortemente na redução das incertezas. Os significados

e respostas vão surgindo à medida que os familiares interagem com os profissionais de

saúde, amigos, membros da família e com o meio. A família interpreta a situação e busca

nas interações sociais uma confirmação para sua interpretação. As conversas com

familiares e amigos ajudam a confirmar sentimentos, percepções e valores. A

confirmação da realidade definida ou oferecimento de novas formas de enxergar a

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situação ajudam na redução da incerteza. Ela adquire conhecimento sobre o ambiente, as

pessoas e a situação e, assim, associa novos conhecimentos, reduzindo suas incertezas

até se dar conta da complexidade e gravidade do caso. A construção desta nova realidade

não é uma tarefa simples e pode levar tempo. A família é capaz de entender o conceito

de morte encefálica mas, diante da experiência que está vivenciando precisa de seu

tempo para que este conceito faça sentido na sua realidade. ROSENBLATT (2000).

A família sabe que a decisão, seja ela qual for, tem conseqüências e tenta

imaginá-las antes de agir. A família imagina-se no futuro em ambas as situações:

autorizando a doação, ou não autorizando a doação de órgãos. O futuro constitui o objeto

social para a decisão. ROSENBLATT (2000).

O autor também aponta que o problema da decisão representa as estratégias da

família, que podem ocorrer de diferentes maneiras e em diversos níveis do sistema

familiar. A família pode trabalhar chegando a um consenso quanto à decisão; um único

membro da família pode assumir decidindo sem consultar os outros membros ou um ou

mais deles acabam concordando com os outros, mesmo sem aceitar a decisão.

O conjunto da experiência evidencia os fatores que podem estimular ou inibir a

família a consentir com a doação de órgãos. Ela depara-se com o objeto social doação de

órgãos, que é definido como dar vida a outras pessoas. Para a família considerar esta

possibilidade, implica, necessariamente, que ela reconheça que o quadro é irreversível.

Diante desta condição, a decisão de autorizar a doação é direcionada, também, por um

aspecto moral, que determina a ação de salvar a vida de outras pessoas e tem como

objetivo minimizar a dor e aliviar o sofrimento, durante o processo de luto. É esta

definição que ajuda a família a agir, autorizando a doação. Esta estratégia da família é o

que auxilia a dar significado à vida e à morte. ROSENBLATT (2000).

No entanto, a negação da realidade da morte ou a construção de qualquer outra

realidade impede a disponibilidade da família em autorizar a doação de órgãos. Nesta

situação, a estratégia de autorizar a doação tem o significado de admitir a morte e isto, a

família não pode aceitar. Sente-se cúmplice diante da possibilidade de estar alterando o

curso natural da história. Considera que o momento da morte estaria sendo demarcado

pelo momento da retirada dos órgãos, e isto não é natural. A possível variação

cronológica do momento da morte caracteriza-se como a co-variante do processo de

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tomada de decisão quanto à doação de órgãos. Nesta condição, a família opta, então, por

outra estratégia: não autorizando a doação. Isto não quer dizer que seja uma decisão

fácil, mas sim, que ela se encontra tão saturada pelas emoções da experiência que prefere

se manter em um contexto no qual se sinta mais segura, sem novas notícias ou eventos

desconhecidos. A estratégia utilizada pela família é a de evitar mais incertezas e assim se

pronuncia, não autorizando a doação de órgãos. ROSENBLATT (2000).

Contudo, ROSENBLATT (2000), nos diz que tal procedimento significa que,

autorizando ou não a doação de órgãos, a decisão familiar e comandada pelo objetivo de

aliviar o sofrimento de todos, acreditando estar escolhendo a melhor opção. Ela sofre ao

ter que tomar a decisão, mas define como sendo sua obrigação. A prioridade agora é

aliviar a dor física e emocional que cada um possa estar vivendo. Faz parte do processo,

ainda, em um contexto de sofrimento que está continuamente presente enquanto a

família vai vivendo o luto, a conseqüência de ir reconstruindo a história da morte. O

processo de aceitação e da nova condição do sistema familiar rumo à aprendizagem de

como continuar vivendo.

O mesmo autor sinaliza que se, por um lado, a decisão da autorização da doação

conforta e ajuda a família a ir dando sentido a morte e a própria vida, por outro, não

poder conhecer o receptor lhe é uma grande frustração. A família segue sua vida tendo a

expectativa de conhecer o receptor e passa a conviver com esta conseqüência do

processo. Esta interação simbólica – família e sociedade – torna-se permanente para as

famílias que autorizam a doação.Ela interpreta esta ação social, reage e demonstra sua

frustração e expectativa.

De acordo com ROSENBLATT (2000), a compreensão da influência da

incerteza no processo de decisão familiar quando estudado no contexto da doença se

relaciona com as incertezas da realidade em seu momento de abordagem. Os sinais de

dificuldade de adaptar-se à incerteza referem-se à habilidade de lidar com as estratégias

para manipulá-las conforme seu próprio desejo: reduzindo-a quando é avaliada como um

perigo, ou mantendo-a quando é avaliada como uma oportunidade. Desta forma, quando

a família considera que é mais seguro não saber de nada, ela opta por permanecer com a

incerteza, negando a realidade.

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CARVALHO (2005), enfatiza que as famílias são capazes de entender o

conceito de morte encefálica, porém diante da experiência que estão vivenciando, do

contexto de dor que estão sentindo, elas necessitam de tempo para que este conceito

tenha sentido em sua realidade naquele momento.

3.3 – Serviço Social: educação, informação e comunicação: ações que transformam. Pesquisadores do Núcleo de Educação estudam e relatam a respeito da

importância da educação em saúde. Cremos que ela seja uma ação que resulta do meio

sócio-cultural, onde o indivíduo participa e interage, convive com outras pessoas, e

estabelece relações sociais que geram aprendizagem. A construção do conhecimento é

produzida através da comunicação entre indivíduos ou grupos, e se dá através dos

interesses comuns. Somos educadores quando compartilhamos informações, com o

objetivo de proporcionar a evolução do outro. O relato dos pesquisadores da ENSP/

FIOCRUZ demonstra a real importância da educação em saúde, onde envolve relações

de ordem social, político, histórico e econômico.

“O processo educativo é o instrumento básico que veicula

informações e experiências sobre a saúde (...) A educação é

instrumento de transformação social, não só a educação formal,

escolarizada, mas toda ação educativa que propicie a

reformulação de hábitos, a aceitação de novos valores e que

estimule a criatividade. (MACEDO 2001.p19)

De acordo com MACEDO (2001), podemos enfatizar, que o processo educativo na área

da saúde, pode ultrapassar a condição de um simples processo de indução ou de

socialização de idéias, conhecimentos, valores, e se caracterizar como um processo de

aprendizagem crítica, criativa e transformadora, com convicção no todo, no conjunto da

sociedade, diferente das práticas de conhecimento ingênuo, fragmentadas e imediatistas.

O mesmo autor sinaliza que presume-se que atualmente está ocorrendo uma

revolução nas práticas públicas, através da conscientização tanto dos servidores que

prestam serviços, quanto da população usuária. A intenção é demonstrar que é possível

transformar e melhorar o cenário, através de práticas simples, voltadas para a educação

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em saúde, que permita a família do potencial doador refletir sobre sua ação e que a

realize com total consciência do ato que pretende executar.

O autor também aponta adicionalmente, que percebemos que o aumento das

taxas de doadores depende de um olhar que extrapole as questões técnicas do processo

como vêm fazendo vários países, que trabalham sistematicamente nesse processo, há

longo tempo, incorporando a abordagem social e a perspectiva ética, baseada no

voluntarismo das famílias e no respeito ao direito da autonomia das famílias dos

potencias doadores. Essa visão precisa ser parte integrante de quem sonha ter nesse

processo a certeza de desenvolver um trabalho justo e benéfico a comunidade.

Segundo KISNERMAN (1980) a captação de doadores tem um papel

fundamental nos serviços de transplantes de órgãos e tecidos, principalmente se

avaliarmos a evidência do impacto negativo no dia a dia destes serviços. As atividades

devem ser programadas de forma a atender as demandas dos serviços de saúde, pois se

não tiver o doador, não se concretizará a doação.

O autor também aponta que o assistente social exerce papel fundamental, porque

é o profissional de saúde que, historicamente vem ocupando espaço para

desempenhar com habilidade tal tarefa. Todavia, sua intervenção profissional irá

depender da conotação do seu trabalho realizada nas instituições públicas ou privada. A

influência do serviço social na América Latina foi baseada amplamente nos moldes

europeus, carente na teoria e rica em valores. O catolicismo aristocrático incentivou a

criação das primeiras escolas de formação profissional, sendo que em 1925, inaugurou a

primeira escola de Serviço Social em Santiago, no Chile.

“Depois da segunda guerra mundial, o Serviço Social norte-

americano entra em seu território pelo processo de difusão ou

transferência de elementos de uma cultura à outra. Peritos da

Nações Unidas percorrem a América Latina propiciando a

criação de novas escolas, para reverter os processos

acumulativos de separação ou desequilíbrio. A meta da profissão

se estabelece em sua funcionalidade do “cliente”. Sem explicitar

seu objeto de estudo, lançou-se ao ativismo através de supostas

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formas técnicas e científicas de readaptação do anormal social.

(KISNERMAN, 1980, p.19)

Natálio Kisnerman, através de sua obra, demonstra que a profissão de Serviço

Social teve o antes e o depois, com altos e baixos, até chegar ao processo de

reconceituação. O autor coloca .O autor coloca que desta forma, o Serviço Social não

atua simplesmente no processo educativo, mais também na promoção das relações

sociais entre outros. É importante estabelecer um processo contínuo e sistemático que

estimule a doação de forma voluntária como exercício de cidadania.

O mesmo autor defende que atualmente está ocorrendo uma revolução nas

práticas públicas, através da conscientização tanto dos serviços, quanto da população

usuária.

Traiber C (2006 ) , pontua que a maior parte da população recebe informações

sobre transplante de órgãos e doação através dos meios de comunicação de massa. Um

número menor é influenciado por familiares, amigos, profissionais da saúde e campanhas

sobre doação de órgãos. Mais importante que o veículo de informação pode ser, a

qualidade da mesma, não sendo capaz de esclarecer dúvidas e medos comuns, sendo

assim incapaz de modificar comportamentos negativos relacionados à doação de órgãos.

A autora acima citada também pontua que o desconhecimento da população de

forma geral sobre todo o processo de doação de órgãos implica em situações de dúvidas

e questionamentos internos dos familiares quando abordados, que optam pela “certeza”

da não doação, diminuindo sobremaneira os números de transplantes.

A autora também pontua que nota-se que o papel esclarecedor e fortalecedor de

dúvidas que deveria ser preenchido pelo profissional médico, por vezes é realizado de

forma rápida aos familiares, como se simplesmente pela fala do termo ME ( morte

encefálica) aos familiares já deveriam estar esclarecidos e convencidos.

Diante do exposto, percebe-se que há a necessidade da desmistificação

do processo de doação, melhoria das informações prestadas aos familiares, de forma a

conscientizar a população em geral, promover uma integração multiprofissional na

abordagem, visando o aumento da captação e dos transplantes, bem como o bem-estar do

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familiar que passa por uma perda de um ente querido por ME, fazendo-o lidar com esta

situação com o máximo de informações, menos sofrimento e menor possibilidade de

arrependimentos. Alguns fatores têm sido identificados como empecilhos no processo de

doação. Aumentar as taxas de consentimentos através de medidas educacionais, no

momento seja o melhor instrumento para diminuir o problema da escassez de órgãos,

diminuindo assim, a fila de espera por um órgãos transplantado.

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CONCLUSÃO

Segundo a Associação Brasileira de Transplantes e Órgãos, existem mais de

sessenta mil pessoas na fila de espera por um transplante, sendo que cerca de 30% ,

morrem antes de conseguirem uma doação.

Esses dados merecem ser considerados e discutidos, pois existe uma clara

diferença entre o número de doadores e o número de pessoas que se encontra em lista de

transplante.

È importante para a população ter conhecimento sobre a política de captação

de órgãos e suas demandas e pensar que não somente através de leis ou regulamentos

que se conseguirá incluir conteúdos na área de formação da saúde.

É necessário o investimento em educação, organização para que os

profissionais desta área para que estes possam atuar seguindo as necessidades da

população e que se possa diminuir o índice de recusa por parte dos familiares, atingindo

assim um desempenho adequado de ações e o despertar de toda sociedade sobre tema tão

importante.

A Comissão Intra-Hospitalar de Captação de Órgãos e Tecidos é uma

demonstração de trabalho de uma equipe multiprofissional com autonomia de ações com

o objetivo de coordenar todo o processo de captação a fim de melhorar a notificação de

mortes encefálicas.

Devido o processo de captação e doação de órgãos e tecidos nos remeter a

diferentes situações e emoções, é de extrema importância o trabalho de equipe

interdisciplinar para que esse trabalho, através da necessidade de flexibilização de

conhecimentos diferentes, sejam possíveis as articulações de planos de ações para a

intervenção do serviço social como forma de sujeito político em torno de seu maior

objetivo: aumentar a captação de órgãos e tecidos no Brasil.

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