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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A CULPABIBILIDADE NO CONCEITO ANALÍTICO DE DELITO Por: Alexander Brandes da Silva Orientadora Profª. Valesca Rodrigues Rio de Janeiro 2007

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … · Como no direito brasileiro, tal qual no ... políticas e religiosas que caracterizam a transição do feudalismo para o ... o bem

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A CULPABIBILIDADE NO CONCEITO ANALÍTICO DE DELITO

Por: Alexander Brandes da Silva

Orientadora

Profª. Valesca Rodrigues

Rio de Janeiro

2007

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A CULPABILIDADE NO CONCEITO ANALÍTICO DE DELITO

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Direito Penal e

Direito Processual Penal.

Por: Alexander Brandes da Silva

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AGRADECIMENTOS

...aos colaboradores, orientadores e

professores, pessoas essenciais para a

realização do presente trabalho...

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DEDICATÓRIA

...a minha amada filha Amanda,

inspiração para minha vida, minhas

realizações e minha incansável busca por

um mundo mais justo...

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RESUMO

A culpabilidade, conceito de reprovação social para caracterizar a

prática de um determinado delito em determinada sociedade, é tida para a

maioria da doutrina como elemento integrante do conceito analítico de delito.

Há questionamentos por parte da doutrina quanto à inclusão da

culpabilidade no conceito analítico. Doutrinadores de vanguarda entendem que

a culpabilidade é apenas pressuposto de aplicação da pena, pelo fato de existir

na redação dos artigos que tratam da exculpante a expressão “é isento de

pena”, entendendo tais doutrinadores que o que é isento de pena é o crime,

perfeito e acabado.

Este questionamento doutrinário na atualidade não apresenta qualquer

conseqüência prática, mas apenas doutrinária. O Código Penal não foi

contundente em tratar da teoria do delito, no entanto, o Código de Processo

Penal impõe que a existência de uma causa exculpante em uma conduta

delitiva acarretará a aplicação de uma sentença absolutória, afastando, assim,

os efeitos primários e secundários da sentença condenatória.

O entendimento da culpabilidade como pressuposto de pena poderá

ganhar força caso haja a alteração do artigo 386, V, do CPP, que impõe uma

sentença absolutória nos casos de existência da exculpante. Ocorre, ainda,

que a aplicação desse entendimento só ocorrerá no caso de adoção plena da

teoria finalista da conduta, onde a culpa e o dolo foram retirados da

culpabilidade e trazidos para o tipo, haja vista não haver crime sem dolo ou

culpa. Nisso, os doutrinadores são pacíficos. O Brasil, após a reforma de 1984,

adotou timidamente a teoria finalista na parte especial do CP, havendo, ainda,

características notórias da teoria causal na parte especial, corroborada na

persecução penal, sendo mitigada pela doutrina e pela jurisprudência.

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SUMÁRIO

• INTRODUÇÃO 07

• CAPÍTULO 1 – EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE DELITO

1.1- Crime e Delito 09

1.2- O Conceito de Delito 10

1.3- A Teoria Causal da Conduta 17

1.4- A Teoria Finalista da Conduta 18

1.5- A Teoria Social da Conduta 20

1.6- A Teoria da Imputação Objetiva 21

1.7- A Teoria Adotada Pelo Código Penal Brasileiro 22

• CAPÍTULO 2 – A CULPABILIDADE

2.1- Conceito e Evolução 28

2.2- Elementos 32

2.3- A culpabilidade apenas como pressuposto de pena 35

2.4- As causas que excluem a culpabilidade 36

2.5- A Culpabilidade e a Sentença Penal 44

• CAPÍTULO 3 – A CULPABILIDADE E A PERSECUÇÃO PENAL

3.1- A tipicidade e a ilicitude na persecução penal 47

3.2- A culpabilidade e a punibilidade na persecução penal 57

• CONCLUSÃO 64

• BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 67

• ÍNDICE 69

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INTRODUÇÃO

A culpabilidade, na sua complexa teoria, é elemento ainda não

totalmente pacificado na doutrina, e está longe de ficar. Autores de vanguarda

que tratam do conceito de delito têm adotado o posicionamento em que

colocam a culpabilidade não mais como elemento integrante do conceito

analítico de delito, conceituando-a apenas como pressuposto de pena,

enquanto outros mais tradicionais mantêm a culpabilidade como parte

integrante do delito. Tal fato decorre da controvertida natureza da

culpabilidade, que até hoje ainda é objeto de questionamentos. Confrontar tais

posicionamentos parece tarefa de relevante interesse jurídico, não para se

saber qual delas é a mais acertada, o que pode ou não ocorrer, mas que não

será o objetivo deste trabalho, tendo por foco principal fazer uma digressão

sobre o assunto, suas conseqüências teóricas e práticas.

Após o advento da teoria finalista da ação, proposta por Hans Welzel,

no início do século passado, mais precisamente em 1931, na Alemanha, o

conceito analítico de delito sofreu profundas modificações em sua estrutura.

Deixou-se para trás, em parte, a Teoria Causal do conceito de conduta, teoria

esta que trazia profundas dificuldades para a resolução de determinadas

problemas penais, mais que possui outras vantagens em relação à teoria

finalista. Veremos que o nosso Código Penal é tradicionalmente causal no

conceito de conduta. Com a reforma de 1984, tentou-se introduzir a teoria

finalista de conduta, como podemos destacar nos conteúdos dos artigos 20,

21, 29 e 59, todos do Código Penal. No entanto, persiste nos nossos Tribunais,

na persecução penal, a tradicional teoria causal, com algumas ressalvas.

O presente trabalho não tem a pretensão de aprofundar um estudo

sobre o conceito analítico de delito. Apenas buscar, de forma sucinta, trazer a

evolução do conceito de delito, os problemas que levaram a sua evolução e,

como tópico principal, dispor sobre a culpabilidade, seu conteúdo e sua

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importância para o conceito de delito. Explanar os motivos que levaram alguns

doutrinadores de vanguarda a dispor sobre a culpabilidade apenas como

pressuposto de pena, enquanto outros mantêm esta reprovação social como

elemento do conceito analítico de delito, bem como as conseqüências teóricas

e práticas desse posicionamento.

Para a consecução desse desiderato, foi o presente trabalho dividido em

dois Títulos. O primeiro tratará da conceituação, evolução e natureza do delito

e da culpabilidade no direito alienígena e no direito pátrio; já o segundo tratará

das conseqüências práticas da inclusão da culpabilidade no conceito analítico

de delito.

Não será analisada com profundidade a tipicidade, apesar de enormes

controvérsias que este elemento do delito trás até hoje. Sua relação com a

culpabilidade é o que interessa no presente estudo.

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CAPÍTULO 1

EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE DELITO

1.1 Crime e delito.

Preliminarmente, convém esclarecer que a expressão “delito” aqui será

tomada em sentido amplo, abrangendo tanto o crime como as contravenções.

No direito brasileiro não foi sedimentada a diferenciação entre delito e crime.

Tal diferenciação é adotada no sistema tripartido de infração, onde a

expressão “crime” é atribuída às infrações que atingem os direitos naturais, tais

como a vida, ficando a expressão “delito” para as infrações que atingem os

direitos decorrentes do contrato social, como a propriedade, e a expressão

contravenções para as infrações que ferem os regulamentos de polícia. Esse

sistema tem sua origem histórica no direito Francês, como ressalta Luiz Régis

Prado:

O Código Penal Francês de 1810 manteve essa divisão:

“Art. 1º A infração que as leis punem com penas de

polícia é uma contravenção. A infração que as leis punem

com penas correcionais é um delito. A infração que as leis

punem com pena aflitiva ou infamante é crime”. Essa

sistemática, denominada summa divisio do Direito Penal,

padecia de ilogicidade, visto que a gravidade da infração

era deduzida do rigor da sanção penal e não o contrário.

O atual Código Penal Francês (1994) persiste adotando a

concepção tripartida, mas corrige a metodologia e

estabelece um critério baseado na gravidade da conduta.

Nesse sentido, dispões, ipsis litteris, o artigo 111-1: “As

infrações penais são classificadas, segundo sua

gravidade, em crimes, delitos e contravenções”. As

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sanções correspondentes são determinadas pelas penas

principais, que se subdividem em principais criminais

(v.g., reclusão e detenção criminais – art. 131-1);

correcionais (v.g., prisão, multa – art. 131-3) e

contravencionais (multa – art. 131-12)1.

Como no direito brasileiro, tal qual no direito alemão, no italiano, no

português e em outros, não há diferenciação entre crimes e delitos, sendo

ambas as expressões sinônimas. Já a diferença entre os crimes e

contravenções diz respeito apenas à gravidade da conduta e a sua

correspondente pena, adotando assim o sistema bipartido de infrações penais.

Para melhor didática, usaremos indiscriminadamente a expressão “delito” para

expressar tanto os crimes quanto as contravenções, cientes de que se tratam

infrações penais diferenciadas apenas pela sua gravidade.

1.2 O conceito de delito.

O delito, na maior parte de sua história, foi tomado com base na

contrariedade de determinada conduta aos valores éticos de determinada

sociedade, trata-se de um conceito material de delito. Durante muito tempo,

não houve uma ciência específica para determinar suas razões, parâmetros,

finalidades, procedimentos; apenas sabia-se de sua necessidade. Tais

condições foram propícias para a arbitrariedade, a injustiça e a desigualdade

na aplicação da lei.

Na Roma Antiga, a primeira norma contendo reprovações penais por

escrito foi a Lei das XII Tábuas, no século V - AC. Antes, imperava o costume

e a interpretação subjetiva do julgador.

1 PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol. I. 6ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 237-238.

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Somente com o renascimento, movimento cultural do final do século

XIV, surgido na Europa, mas precisamente na Itália, o homem passou a ter um

valor de ser humano. O renascimento foi o marco do fim da Idade Média e

início da Idade Moderna. Trouxe transformações culturais, sociais,

econômicas, políticas e religiosas que caracterizam a transição do feudalismo

para o capitalismo. Posteriormente com o iluminismo, no século XVIII, cujo

maior defensor foi Immanuel Kant, e o positivismo, também do século XVIII,

com Auguste Comte, fizeram com que a razão e a ciência passassem a ser o

principal enfoque para explicar o universo. Assim sendo, como a lei existe para

o bem estar da sociedade, e não para o bem estar do Estado ou da Igreja, esta

passou por enormes reformulações.

Atualmente, o delito e visto sob três acepções: o delito conceituado

formalmente; o delito conceituado materialmente; e o delito conceituado

analiticamente.

Delito, em seu sentido formal, é a mera violação da norma penal. Este é

o mais prático e simples conceito de delito, não havendo dificuldades em se

entender que a conduta, adequando-se à descrição prevista na lei penal, viola

a norma proibitiva que daquela de extrai.

Delito, em seu sentido material, tem um aspecto mais simples ao

buscarmos sua fonte material. São as condutas que em determinada

sociedade, em determinado período, levando-se em consideração os princípios

éticos desta sociedade, são passíveis de uma reprovação penal.

Finalmente, delito, em seu sentido analítico, para a grande maioria da

doutrina, é a conduta típica, ilícita e culpável. Aqui está o foco do presente

trabalho, já que para alguns autores, como Damásio Evangelista de Jesus e

Macellus Polastri Lima, o conceito analítico de delito é o fato típico e ilícito,

sendo a culpabilidade apenas um pressuposto para a aplicação da pena.

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Conforme notificado por Francisco de Assim Toledo em seu livro,

Basileu Garcia e Nelson Hungria incluíam a punibilidade como elemento

integrante do conceito analítico de delito, o que é prontamente rechaçado pelo

autor, já que a punibilidade pressupõe um crime já aperfeiçoado. Vejamos na

íntegra o parágrafo sobre o assunto:

Alguns autores acrescentam outro elemento – a

punibilidade – a nosso ver sem razão. A pena criminal,

como sanção específica do direito penal, ou a

possibilidade de sua aplicação, não pode ser elemento

constitutivo, isto é, estar dentro do conceito do crime. Ao

contrário, pressupõe a existência de um crime já

aperfeiçoado. É conseqüência do crime. Não faz, pois

dele parte, conforme ressalta Bettiol: ‘Da definição

apresentada excluímos aparentemente o elemento

punibilidade, porque este não é um elemento que possua

autonomia estrutural. A punibilidade é antes uma nota

genérica de todo o crime, ao passo que este, quando se

apresenta estruturalmente perfeito em todos os seus

elementos, é um fato punível que reclama

necessariamente a pena’. De resto, quando se fala em

elemento ou em nota essencial de um conceito, está-se

referindo a um quid sem o qual esse conceito se desfaz,

ou não se aperfeiçoa. Ora, em relação ao conceito

analítico de crime, isso ocorre com a tipicidade (ação

típica), com a antijuridicidade e com a culpabilidade. O

mesmo não ocorre, por exemplo, quando falta uma

condição objetiva de punibilidade. Nessa hipótese, o fato

torna-se impunível, apesar da existência de um crime

anteriormente consumado. Isso evidencia a afirmação

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inicial de que a punibilidade é efeito, conseqüência

jurídica, do crime, não um de seu elemento constitutivo.”2

Ressalta-se o uso da expressão “ilicitude” ao invés de “antijuridicidade”,

já que o antijurídico, teoricamente, é o fato que não tem condições de produzir

efeitos jurídicos, já que é contra o jurídico, e a conduta passível de apreciação

pela lei produz, certamente, efeitos jurídicos. Apenas uma questão de

interpretação gramatical, que não traz maiores problemas.

Lembramos, ainda, que um conceito de delito não exclui o outro. São

apenas várias acepções do mesmo instituto jurídico.

O conceito analítico de delito é hoje o instrumento utilizado na

persecução penal para a aplicação a lei penal. Decorre de vários séculos de

prática e pesquisas na busca de um sistema que limitasse o poder do Estado e

procurasse, ao mesmo tempo, uma solução mais próxima possível da justiça

social.

A estratificação do conceito de delito decorreu de uma necessidade

social para uma justa busca pela justiça penal. Foi uma mescla de pesquisa e

prática na aplicação de uma pena a uma determinada conduta. Desde antes

de cristo já havia conceitos de reprovação social, de tipicidade, de ilicitude, de

punibilidade, mas não havia uma ordem lógica, um critério objetivo, variava de

caso para caso, ficando a solução do caso concreto a critérios subjetivos do

aplicador da lei. No entanto, Aristóteles (séculos V a VI AC) já pregava o

conceito estratificado de delito como solução ideal para vários problemas na

teoria do delito.

2 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva. 1994. P. 81-82.

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Podemos dizer que a estratificação do delito é “uma escada que o

Estado deve subir, degrau por degrau, até que consiga aplicar o seu ius

puniendi”.

A estratificação é do conceito de delito e não do delito. O delito é uno,

apenas a análise do seu conceito é que percorrerá várias camadas para que

possamos concluí-la.

Assim sendo, surgiram os primeiros conceitos estratificados de delito,

decorrentes de uma necessidade social.

Primeiramente, surgiu o critério objetivo-subjetivo, onde se separavam

os aspectos objetivos e subjetivos do delito. Decorre do racionalismo do

iluminismo, bem como da busca de um critério objetivo dos positivistas. Por

este critério, a tipicidade e a antijuridicidade são partes integrantes da parte

objetiva, enquanto a culpabilidade pertence à parte subjetiva. Tal critério não

foi suficientemente capaz de solucionar muitos problemas do complexo campo

de aplicação da lei penal.

No início do século XX, conceituava-se o delito como uma conduta

antijurídica, culpável e punível. Não se distinguia a tipicidade da antijuridicidade

ou ilicitude, havendo várias condutas que poderiam ser consideradas

antijurídicas e culpáveis, mas que não eram, no entanto, conceituadas como

delitos. Assim, agregaram ao conceito a punibilidade, que nada mais é que

uma submissão a uma pena. Por tal critério, temos: a conduta, que é a vontade

exteriorizada que dá marcha à causalidade; a antijuridicidade, que é a

causação de um resultado socialmente danoso; a culpabilidade, que é a

relação psicológica entre a conduta e o resultado em forma de dolo ou culpa; e

a punibilidade, que é qualificação de se subsumir a uma pena.

Tal critério, apesar de ser considerado grande avanço na teoria do

delito, já se mostrou inadequada para solucionar determinadas situações da

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sociedade. A busca de uma melhor solução para a definição do delito ganhou

impulso com as teorias finalista e da imputação objetiva, como veremos a

seguir. Primeiro, vamos dar uma breve passagem pela teoria Causal da

Conduta, teoria que ainda é utilizada e é base do nosso Código Penal.

Depois de muito tempo de aplicação da lei penal e da teoria do delito,

firmou-se o conceito analítico de delito como a conduta voluntária típica, ilícita

e culpável.

Tipicidade é adequação da conduta à descrição da lei penal, com

violação da norma ali esculpida. Para a teoria finalista, compõe-se de: conduta,

dolosa ou culposa; nexo causal; resultado, sendo que estes dois últimos são

inerentes aos crimes materiais. Conforme elucida Eugenio Raúl Zaffaroni:

“As normas jurídicas configuram uma ordem – ordem

normativa, de normas-, mas a ordem jurídica não se

esgota nas normas proibitivas, integrando-se também

com preceitos permissivos que, colocados numa certa

ordem com as normas, conformam a ordem jurídica: a

ordem jurídica é composta pela ordem normativa

completada com os preceitos permissivos.3

Explica o jurista que a tipicidade é dividida em tipicidade formal e

tipicidade conglobante, abrangendo esta a antinormatividade e a tipicidade

material. A antinormatividade é uma análise analítica da norma penal e os

permissivos existentes em todo o ordenamento jurídico que, ao permitirem a

prática de uma conduta tipificada como crime, mas permitida pelo

ordenamento. É criticada por causar um esvaziamento da ilicitude, já que

extrairia desta o estrito cumprimento do dever legal. Já a tipicidade material é a

aplicação do princípio da insignificância, estipulando que apenas os bens

3 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2001. p. 567.

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penalmente relevantes são abrangidos pela tipicidade. Os crimes de bagatela

não podem ser instrumentos de preocupação do direito penal. Também é

criticada, pois deixa ao subjetivismo o volátil entendimento do que seja

bagatela penal.

A ilicitude é a permissão legal para a prática de determinada conduta

típica, evitando-se a concretização do delito. Difere da antinormatividade não

no seu conceito ontológico, já que ambas são permissivos para a prática de

determinada conduta, mas pelo fato de que a antinormatividade apresenta,

preliminarmente, a prática de uma conduta atípica, enquanto a antijuridicidade

é avaliada após a tipicidade, por não apresentar essa valoração na prática da

conduta descrita na lei penal e, conseqüentemente, aparente violação da

norma penal.

A culpabilidade é a reprovação social de determinada conduta, tida

previamente como típica e ilícita. Será analisada com profundidade no Capítulo

2 deste Título, haja vista ser o objeto central do presente trabalho.

A punibilidade não é, atualmente, parte integrante do conceito analítico

de delito, apesar do posicionamento de alguns autores que entendem o

contrário, como Basileu Garcia e Nelson Hungria. São condições objetivas

extrínsecas ao delito. São acontecimentos futuros e incertos que impedirão ou

não a aplicação da pena. Assim se posiciona Francisco de Assis Toledo, que

expõe:

“A punibilidade é antes uma nota genérica de todo o

crime, ao passo que este, quando se apresenta

estruturalmente perfeito em todos os seus elementos, é

um fato ‘punível’ que reclama necessariamente a pena.

De resto, quando se fala em elemento ou em nota

essencial de um conceito, está-se referindo a um quid

sem o qual esse conceito se desfaz, ou não se

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aperfeiçoa. Ora, em relação ao conceito analítico de

crime, isso ocorre com a tipicidade (ação típica), com a

antijuridicidade e com a culpabilidade. O mesmo não

acontece com a punibilidade, pois a exclusão desta não

suprime a idéia do crime já perfeito, como ocorre, por

exemplo, quando falta uma condição objetiva de

punibilidade. Nessa hipótese, o fato torna-se impunível,

apesar da existência de um crime anteriormente

consumado. Isso evidencia a afirmação inicial de que a

punibilidade é efeito, conseqüência jurídica, do crime, não

um seu elemento constitutivo.”4

1.3 A Teoria Causal da Conduta.

Foi com Ernst von Beling que, nos seus estudos sobre o delito,

distinguiu dentro do injusto objetivo a tipicidade da antijuridicidade ou ilicitude.

Tais estudos deram-se por volta do ano de 1906. Deste modo, solucionou-se o

problema da permissão dada pelo ordenamento a determinadas condutas, que

não mais se atritavam com o conceito de tipicidade. Ficou o conceito de delito

composto pelos seguintes elementos: conduta, que é a vontade exteriorizada

de maneira a dar início a uma causalidade; a tipicidade, que é a proibição da

causação de um resultado; a antijuridicidade, que é a contradição entre a

causação do resultado e a ordem jurídica; e a culpabilidade, que é a relação

psicológica entre a conduta e o resultado, em forma de dolo ou culpa. Surgia,

assim, a teoria causal da conduta.

No fim do século XIX, o movimento positivista procurou rejeitar toda

orientação metafísica aplicada às leis e aos fatos. Afastou-se a especulação,

apoiando-se as leis e fatos em causas eficientes aos seus efeitos. O que não

pode ser explicado pertence ao mundo espiritual. Surge, assim, o positivismo

4 TOLEDO. Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva. 1994. p. 81-82.

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jurídico, cujas bases estão fincadas em ciências estranhas ao ramo do direito.

Foi em Hans Kelsen que o positivismo encontrou seu maior estudioso e

defensor. Filho de matemático e também matemático, Kelsen tentou justificar

toda a ciência jurídica, basicamente, com o binômio causa-efeito.

Assim, para essa teoria, a conduta é uma ação voluntária, separada da

finalidade, de onde vem o fundamento para a teoria finalista, que a critica, pois

a ilicitude recai necessariamente de um processo causal, e uma conduta sem

finalidade não é conduta.

A voluntariedade é elemento essencial nesta teoria, bem como a causa

e efeito. Na ausência de vontade, não há conduta. É aí que se extraem críticas

e problemas na teoria causal. Primeiro, não se consegue explicar os crimes

tentados, já que a ação é apenas um elemento que dá causa a um resultado,

sem se questionar o conteúdo da vontade do agente, o que se conclui que

para analisarmos a tentativa, deveremos ter que descobrir, necessariamente, a

finalidade da conduta. Segundo, as condutas omissivas não possuem um

processo causal desenvolvido, o que não foi explicado pela teoria causalista.

Observa-se que a voluntariedade necessária adotada pela teoria causal

da ação só serviu para explicar o afastamento das hipóteses de atos

inconscientes tais como o sonambulismo, os atos de reflexo e outros.

1.4 A Teoria Finalista da Conduta.

O maior idealizador da teoria finalista foi Hans Welzel, através de seu

livro “Causalidade e Ação”, publicado em 1931. A partir daí, a teoria ganhou

força e inúmeros adeptos e seguidores.

A cerne da teoria finalista está no fato de que o direito não pode proibir

ou alterar meros processos causais, mas somente os atos praticados

finalisticamente, no caso das ações, e as omissões desses mesmos atos. A

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ação é dirigida a um fim, isto porque o homem pode prever as possíveis

conseqüências de sua conduta e com isso moldar as variantes de acordo com

os fins estipulados.

A finalidade é aquilo que se vê, enquanto a causalidade é algo

desprovido de visão. É aqui que está a grande diferença entre a teoria

causalista da teoria finalista. Para a teoria causal, a ação humana, depois de

ter iniciado sua alteração no mundo exterior, não haverá importância quanto à

sua finalidade, sendo analisada apenas em seus aspectos externos de causa e

efeito. Já na teoria finalista, toda conduta voluntária é orientada com uma

finalidade, antecipada na mente de agente. É o que a doutrina chama de

causalidade dirigida.

Welzel foi crítico ferrenho da teoria causal por entender que o direito não

pode definir o que seja conduta, apenas analisá-las.

Conforme demonstrado por Pedro Krebs, a teoria finalista deu outra

veste à teoria do delito, trazendo novos méritos, assim dizendo o autor:

“Os méritos da teoria finalista são:

a) ter passado a analisar a conduta humana sob os

vieses psicológicos, sociológicos ou antropológicos (leia-

se naturalísticos) deixando de lado os aspectos

unicamente jurídicos;

b) ter encerrado os aspectos externo e interno da

conduta punível.”5

Fica demonstrado que a ação não mais se resume ao vínculo entre a

conduta do autor e o resultado, sendo necessária uma finalidade sobre esta

conduta, e a finalidade é inerente à qualquer conduta voluntária,

independentemente da lei.

5 KREBS, Pedro. Teoria Jurídica do Delito 2ª Ed. São Paulo: Manole. 2006. p. 57.

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A maior conseqüência da teoria finalista em relação à teoria causal é

que o dolo deixa de pertencer à culpabilidade, indo integrar a tipicidade, o que

acarreta inúmeras alterações na prática, mas, principalmente, resolvendo os

problemas das condutas tentadas e das condutas culposas, que não eram

resolvidas pela teoria causalista da conduta.

As críticas que se fizeram à teoria finalista dizem respeito à solução

insatisfatória nos casos de delitos omissivos, já que em tal conduta, que na

verdade não existe, não pode advir nenhum resultado, não se podendo atuar

de modo finalista, bem como a solução insatisfatória nos delitos culposos, já

que o dever de cuidado também se encontra fora da finalidade da conduta.

As críticas foram rechaçadas pelos defensores da teoria finalista, com

o fundamento basilar de que toda conduta humana resta dirigida a uma

determinada finalidade. Assim, a omissão voluntária também é provida de

conteúdo finalista, bem como a conduta culposa é dirigida a um determinado

fim lícito, que por negligência, imprudência ou imperícia na sua execução,

atinge um resultado ilícito.

1.5 A Teoria Social da Conduta.

A teoria social da conduta veio com o intuito de criar um meio termo

entre a teoria finalista e a teoria causalista, com a premissa de que o que é

realmente importante na conduta penal é sua relevância ou valoração

normativa com a sociedade. No entanto, como todas as outras teorias, não é

suficientemente capaz de solucionar todas as condutas penais existentes

dentre outros problemas, como saliente Pedro Krebs:

“Tal posicionamento, assim como os anteriores, também

apresenta seus equívocos. O primeiro é o de não

delimitar, com precisão, todas as condutas existentes, eis

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21

que os movimentos reflexos ou aqueles decorrentes da

coação física irresistível também podem ser socialmente

relevantes. Nesse, sentido, os defensores da teoria social

da ação tiveram de fazer uso das teorias anteriores,

expondo-se às críticas já referidas. O segundo, e mais

importante, é o da suposta união entre o direito e a moral.

Sabemos que muitos fatos descritos em lei como

condutas delituosas não são socialmente relevantes

(exemplo: porte de arma), assim como muitas condutas

socialmente relevantes não são consideradas criminosas

(exemplo: o incesto).”6

1.6 A Teoria da Imputação Objetiva.

Pela deficiência apresentada pelas teorias retro mencionadas, surgiu

no meio do século passado e foi desenvolvida por Claus Roxin, a teoria da

imputação objetiva, esta decorrente do funcionalismo, ou seja, a ação só é

penalmente relevante quando constitui uma manifestação da personalidade do

indivíduo, conforme sua relação com seu meio circundante.

Esta teoria restringe a causalidade natural, incidindo sobre esta um

juízo de imputação objetiva do resultado, haja vista que nem todo resultado

que venha a ser causado é atribuído à conduta do agente. Sua base é o

incremento do risco e o fim de proteção da norma. Conforme esclarecido por

Luiz Régis Prado, quatro são as regras para se imputar a alguém um

determinado resultado:

“A causação de um resultado típico só realizará o tipo

objetivo delitivo se o agente criou um perigo juridicamente

desaprovado que se consubstanciou naquele. Não se

imputa objetivamente o resultado nas hipóteses de

6 KREBS, Pedro. Teoria Jurídica do Delito 2ª Ed. São Paulo: Manole. 2006. p. 59-60.

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diminuição do risco (para o bem jurídico), ausência de um

risco juridicamente desaprovado, resultado fora do âmbito

de proteção da norma e comportamento alternativo

conforme o direito, em sede de delito culposo. Essa teoria

objetiva garantir a prevalência de um conceito jurídico

sobre um conceito natural (pré-jurídico) de ação.”7

Entretanto, a teoria da imputação objetiva não ficou imune à críticas

dos defensores das outras teoria, já que também não foi capaz de resolver

todos os problemas da complexa teoria do delito.

1.7 A Teoria adotada no Código Penal Brasileiro.

O Decreto-Lei n. 2848, de 7 de setembro de 1940 é, até hoje, o nosso

Código Penal, norma base que descreve a maioria das condutas ou tipos

penalmente reprováveis em nosso sistema jurídico. Hoje erigido à categoria de

Lei Ordinária, sofreu profundas mudanças com a reforma penal de 1984,

alterando toda a sua parte geral.

No entanto, a parte especial, a que descreve as condutas, restou

intacta. Não sofreu a ingerência de um movimento que tentou avançar na

conceituação e prática da teoria do delito, já que há muito tempo havia sofrido

críticas da doutrina, e a jurisprudência já tendia para o lado da teoria defendida

e estudada por Hans Welzel, a teoria finalista.

Inicialmente, precisamos explicar que não há em nossas normas

penais a estipulação explícita de que deva ser adotada uma ou outra teoria da

conduta penal. Fica a cargo do intérprete da lei, no caso concreto, exteriorizar

a posição adotada no direito pátrio. Veremos que a parte especial, aos

descrever a conduta penal, pela simplicidade da relação de causa e efeito,

7 PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol. I. 6ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 306.

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adotou a teoria causal, mesmo porque, sua criação foi em data que tal teoria

ainda era tida como a solução ideal para a teoria do delito. Então para que veio

a teoria finalista? O dolo e a culpa não são realmente elementos da conduta?

É certo que a teoria finalista veio para solucionar determinadas situações antes

tidas como insolúveis, tirando o dolo e a culpa da culpabilidade, passando

estas para a tipicidade, integrando a conduta. Mas na prática, não fica tão fácil

dizer o que tem dolo e o que não tem.

O nosso Código Penal, como regra básica, estipulou que toda conduta

penal é punida a título de dolo, e a conduta culposa, que é exceção, tem que

vir prevista em cada caso.

Ora, analisemos a conduta tipificada o artigo 121, caput, do Código

Penal: “Matar alguém: pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos” (sic). A lei

descreve uma conduta de onde se extrai a norma de que é proibido matar

alguém. A conduta culposa está prevista no mesmo artigo, em seu parágrafo

3º: “Se o Homicídio é culposo: Pena – detenção de 1 (um) a 3 (três) anos”.

Pela teoria finalista, para darmos o primeiro passo no degrau da

estratificação do delito, ou seja, termos constatado que há tipicidade, é

necessária a constatação de uma conduta dolosa ou culposa no homicídio, e

como se trata de crime material, também devemos verificar o nexo causal e o

resultado. Não constatada uma conduta dolosa ou culposa na conduta, haverá

atipicidade, não podendo ser dada continuidade à persecução penal. Se não

há tipicidade, não há necessidade de se perquirir a existência de ilicitude e

culpabilidade. O grande problema é: como se verificar imediatamente que uma

conduta que se adequa ao tipo penal é culposa ou dolosa? Na maioria dos

casos isto é extremamente difícil.

Já para a teoria causalista, verificado preliminarmente uma conduta do

agente que resultou no evento morte, sem se preocupar imediatamente com o

dolo ou a culpa, poderemos subir o primeiro degrau da teoria estratificada do

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delito, passando em seguida para a ilicitude, que são os permissivos legais que

excluem o delito, e em seguida passamos para a culpabilidade, esta a

reprovação social, e é aqui que será analisado o dolo e a culpa.

A reforma penal de 1984 deixou explícita sua posição pela teoria

finalista, como podemos constatar nos artigos 20, 21, 29 e 56, todos do Código

Penal.

Nos artigos 20 e 21 estão consagrados, respectivamente, o erro de tipo

e o erro de proibição. O legislador exigiu explicitamente o dolo como elemento

integrante da vontade do fato, pertencente ao tipo subjetivo do injusto doloso,

com a consciência potencial da ilicitude do fato. Logo, o dolo deixa de ser tido

como elemento da culpabilidade. No erro de proibição, o agente que decide

agir de acordo com os elementos que compõem fato típico, sem consciência

de sua proibição, por erro inevitável sobre a consciência da ilicitude da

conduta, ele pratica fato típico doloso, mas não culpável, pelo fato do agente

ter agido por erro escusável a respeito da consciência da proibição dele. O erro

de tipo inevitável exclui o dolo, e conseqüentemente, o tipo subjetivo. Já o erro

de proibição exclui a culpabilidade, onde está localizada a reprovação.

O artigo 29 do Código Penal só admite a participação, em seu sentido

técnico, se o fato principal for praticado dolosamente. Se a conduta for

culposa, não haverá a participação.

Por fim, com o artigo 59, que trata da dosimetria da pena base, o dolo

e a culpa deixaram de ter intensidade.

Podemos então concluir que não há uma imperatividade na aplicação

de qualquer das teorias do delito no código penal brasileiro. As teorias do delito

serão aplicadas através do intérprete da lei. Vejamos o julgado do STJ que

evidencia a adoção da teoria finalista:

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25

“HC62389/BA; HABEAS CORPUS 2006/0149406-4

Ministro GILSON DIPP (1111)

T5 - QUINTA TURMA

15/02/2007

DJ 19.03.2007 p. 369

CRIMINAL. HC. CALÚNIA. DIFAMAÇÃO. CRIMES DE

IMPRENSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.

MATÉRIA JORNALÍSTICA. SIMPLES REPRODUÇÃO DE

DISCURSO DE TERCEIRO. AUSÊNCIA DE DOLO.

CONDUTA ATÍPICA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL

EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA.

Hipótese em que o paciente foi denunciado pela suposta

prática dos crimes de calúnia e difamação previstos na

Lei de Imprensa. Da leitura da publicação jornalística

depreende-se que o paciente não fez qualquer imputação

direta ao querelante, limitando-se a reproduzir as

declarações de deputado estadual a respeito do suposto

envolvimento do ofendido em esquema de corrupção. A

matéria jornalística apenas transmitiu manifestação de

terceiros,

veiculando informação de forma objetiva e imparcial, não

restando configurada a vontade de caluniar ou difamar o

querelante. A conduta do paciente encontra-se amparada

pelo art. 27, inciso III, da Lei de Imprensa. Deve ser

reformado o acórdão recorrido, para determinar o

trancamento da ação penal apenas em relação ao

paciente, em razão da atipicidade de sua conduta. Ordem

concedida.

Acórdão:

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes

as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA

TURMA do Superior Tribunal de Justiça. "A Turma, por

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unanimidade, concedeu a ordem, nos termos do voto do

Sr. Ministro Relator."Os Srs. Ministros Laurita Vaz,

Arnaldo Esteves Lima e Felix Fischer votaram com o Sr.

Ministro Relator.”

Observa-se que o acórdão, ao excluir a tipicidade, determinou o

trancamento de uma ação penal, cuja persecução já estava em andamento,

com oferecimento de denúncia em relação àquele que não praticou conduta

típica.

Para a exclusão da culpabilidade do conceito analítico de delito, será

necessária a constatação de que a teoria causal da conduta foi totalmente

afastada do direito pátrio, haja vista esta teoria indicar como elementos

integrantes da culpabilidade o dolo e a culpa. Não há como analisar a

culpabilidade como elemento excluído do delito se esta contiver o dolo e a

culpa, elementos essenciais à teoria moderna de delito.

Vejamos a redação do artigo 18 do CP:

“Art. 18. Diz-se o crime:

Crime doloso

I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu

o risco de produzi-lo;

Crime culposo

II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por

imprudência, negligência ou imperícia.

Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei,

ninguém pode ser punido por fato previsto como crime,

senão quando o pratica dolosamente.” (grifo meu)

Pela redação do parágrafo único, pode-se extrair a interpretação de

que o dolo é item posterior ao fato criminoso, mas integrando este. É um claro

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27

resquício da teoria causal da conduta, já que o parágrafo único do artigo 18

manteve a redação do parágrafo único do revogado artigo 15.

Passemos ao estudo da culpabilidade.

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28

CAPÍTULO 2

A CULPABILIDADE

2.1 Conceito e evolução.

“Culpa”, segundo o Dicionário Michaelis, é:

“1. Ato repreensível ou criminoso. 2. Responsabilidade

por um ato ou omissão repreensíveis ou criminosos:

‘Culpa é toda violação de um dever jurídico (Clóvis

Beviláqua)’. 3. Conseqüência de se ter feito o que não se

devia fazer. 4. Delito, crime. 5. Causa de um mal. 6.

Pecado.”.

Em termos genéricos, culpabilidade é a capacidade que tem o

indivíduo de entender e responder pelos efeitos decorrentes de seus atos. É a

reprovação pessoal pela realização de uma ação ou omissão típica e ilícita. É o

fundamento da pena, onde o juízo de reprovação é dado sobre a conduta

típica do agente pelo seu agir ou não agir em conformidade com a norma.

Como conceitua Eugenio Raúl Zaffaroni:

“É a reprovabilidade do injusto ao autor. O que lhe é

reprovado? O injusto. Por que se lhe reprova? Porque

não se motivou na norma. Porque se lhe reprova não

haver se motivado na norma? Porque lhe era exigível que

se motivasse nela. Um injusto, isto é,uma conduta típica e

antijurídica, é culpável, quando é reprovável ao autor a

realização desta conduta porque não se motivou na

forma, sendo-lhe exigível, nas circunstâncias em que

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agiu, que nela se motivasse. Ao não se ter motivado na

forma, quando podia e lhe era exigível que o fizesse, o

autor mostra uma disposição interna contrária ao direito.”8

E exemplifica o ilustre jurista:

“Assim, se um sujeito de certo grau de instrução e de

posição social furta um anel numa joalheria, sem que

ninguém o obrigue a isto, ou o ameace, e sem estar

mentalmente enfermo, dizemos que esse sujeito podia

motivar-se na norma que proíbe furtar, e que lhe era

exigível que nela se motivasse, porque nada o impedia.

Por esta razão lhe reprovamos o injusto, concluindo que

sua conduta é culpável, reprovável.9

Com relação à sua evolução história, torna-se relevante a sua análise

após a estratificação do delito, quando a culpabilidade ganhou teorias e

estudos mais profundos.

Os primeiros passos dados para a evolução da culpabilidade foram

dados no século XVII, onde se buscava dar imputabilidade ao ser humano com

a atribuição de uma determinada causa a seu ato.

Há três teorias relevantes para um relevante estudo sobre a evolução

histórica da culpabilidade: a teoria psicológica; a teoria complexa ou

psicológico-normativa; e a teoria normativa.

A teoria psicológica da culpabilidade não contém nenhum elemento

normativo ou valorativo. A culpabilidade era é entendida apenas como a

relação psicológica entre a atuação do agente, ou seja, a conduta, e o

8 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2001. p. 601.

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resultado alcançado. O injusto buscava alcançar a relação física entre causa e

resultado, enquanto a culpabilidade buscava alcançar a relação psicológica. A

característica principal desta teoria é que os doutrinadores não colocam no

mesmo plano a imputabilidade, o dolo e a culpa. Logo, caso haja uma causa

de excludente de imputabilidade, como a doença mental ou desenvolvimento

mental incompleto, não se pode chegar à aferição da existência de uma

conduta dolosa ou culposa. Os inconvenientes da teoria psicológica dizem

respeito à sua incapacidade de resolver os problemas dos crimes de culpa

consciente e os omissivos. Se o agente deixa de observar um dever objetivo

de cuidado, sendo ele previsível e o resultado evitável, era perfeitamente

exigível dele uma aferição psicológica entre a sua conduta e o resultado.

A teoria complexa, por sua vez, teve vertente no início do século XX,

procurando suprir as imperfeições da teoria psicológica da culpabilidade. Suas

características principais são que a culpabilidade é concebida como

reprovação pessoal do autor do injusto típico, admitindo também a

culpabilidade como relação psíquica através do dolo e da culpa, bem como

censurabilidade e reprovação. Há uma parte psicológica e outra parte

normativa.

Conforme dispôs Ronaldo Tamus Madeira sobre a teoria complexa:

A consideração das circunstâncias concretas de cada

fato, para a incidência da reprovabilidade da conduta, tem

aplicação tanto nos delitos dolosos, como nos culposos.

Culpabilidade é uma vontade de um ser contrária ou em

conflito com a vontade da lei. Uma conduta que contraria

ou contradiz a conduta determinada pela norma. É um

querer de um ser antagônico ao dever – ser normativo

penal. Tudo isso se traduz numa defeituosa formação da

vontade do agente, no momento da ação ou omissão, por

9 Ibidem. p. 601-602.

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não ser uma vontade conforme exige o direito. O psíquico

da conduta, seu dado interno ou subjetivo não se formou

nem se motivou de acordo com a fomentação legal.

Assim, o autor do ilícito típico representa e tem

consciência da ilicitude de seu proceder.10

Por fim, temos a teoria normativa pura da culpabilidade. Para esta

teoria, apenas a reprovabilidade pressupõe a culpabilidade, ou seja, a

compreensão da antijuridicidade da conduta e que o âmbito de

autodeterminação do sujeito tenha tido certa amplitude.

Esta teoria, com os estudos de Hans Welzel, transportou para o tipo os

injustos culposos e dolosos. É o que apregoa o finalismo. A culpabilidade

normativa compõe-se de três elementos: a imputabilidade; a potencial

consciência da ilicitude do fato; e a exigibilidade de conduta diversa.

Há autores que criticam esta posição da teoria normativa pura

alegando o esvaziamento da culpabilidade. Na verdade, a culpabilidade

ganhou novo ponto central com a saída do dolo e da culpa, qual seja, a

potencial consciência da ilicitude. Todos elementos subjetivos. Como

conseqüência dessa topografia, o erro de tipo e o erro de proibição passaram a

ter tratamento diverso, seguindo orientação da reforma penal de 84. O erro

sobre elementos objetivos do tipo exclui o dolo e o erro sobre a ilicitude do

fato, se inevitável, exclui a culpabilidade. Mudança também ocorre no concurso

de pessoas e no crime culposo. A participação, seja na forma de indução ou na

forma de cumplicidade, pressupõe uma conduta principal dolosa, sem a qual

não há que se falar em participação no sentido de acessoriedade do termo. Já

a inobservância do dever objetivo de cuidado, ou seja, no caso da imprudência

ou a culpa no sentido estrito da palavra, deixa de ser uma forma ou espécie de

10 MADEIRA, Ronaldo Tanus .A Estrutura Jurídica da Culpabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 1999. p. 66-67.

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culpabilidade, para integrar o tipo do injusto culposo, como falta de atenção ao

dever objetivo de cuidado.

Tem prevalecido a teoria normativa da culpabilidade, pela sua prática e

inovação, principalmente na inclusão da consciência da ilicitude do fato,

conforme ressalta Francisco de Assis Toledo:

Nessa linha de idéias, um dos acontecimentos históricos

mais importantes dos últimos tempos, do ponto de vista

penal, foi, indiscutivelmente, a construção da já

examinada teoria normativa da culpabilidade, para a qual

têm contribuído os mais notáveis penalistas, desde fins

do século passado até os nossos dias. A despeito das

divergências, inúmeras e inconciliáveis, entre os adeptos

da mencionada teoria normativa, em um ponto todos

estão de acordo: a exigência do elemento normativa

consciência da ilicitude do fato (para uns, integrante do

dolo; para outros, da própria culpabilidade), por parte do

agente, para o aperfeiçoamento do juízo de culpabilidade

normativa.11

2.2 Elementos da Culpabilidade.

a) A Imputabilidade: na clássica definição dada por Aníbal Bruno,

imputabilidade é o “conjunto das condições de maturidade e sanidade mental

que permitem ao agente conhecer o caráter ilícito do seu ato e determinar-se

de acordo com esse entendimento”12.

O artigo 26, caput, do Código Penal Brasileiro, diz que:

11 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva. 1994. 12 BRUNO, Aníbal. Direito Penal, Vol. 5ª Ed. São Paulo: Forense. 2003.

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“É isento de pena o agente que, por doença mental ou

desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao

tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de

entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de

acordo com esse entendimento.”

Para analisarmos o artigo supra mencionado, vamos identificar as três

teorias que explicam a imputabilidade.

A primeira delas é a teoria biológica, onde se leva em conta as

condições biológicas do agente. Se o agente apresentar alguma patologia

clínica que identifique uma anormalidade ou imaturidade mental, ele é

inimputável. Não há de se perquirir se o agente tinha ou não capacidade de

entendimento no momento do crime.

A segunda teoria é a psicológica. Se o agente no momento do fato não

apresentava normais condições psicológicas para a prática de seu ato, não

será imputável, ainda que posteriormente volte à normalidade.

A terceira teoria é a biopsicológica ou mista, que é uma junção das

duas teses acima, ou seja, o agente, para ser considerado inimputável, deverá

apresentar anomalia psicológica e não possuir, no momento do crime,

capacidade de entender suas ações. Esta tese é a acolhida no artigo 26 do

Código Penal.

O critério biológico é adotado no artigo 27 do Código Penal: “Os

menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às

normas estabelecidas na legislação especial”.

b) Potencial consciência da ilicitude: é a clássica presunção do

dever ser e não do que é. São analisadas as bases informativas para que o

agente tenha conhecimento de que determinada conduta é ou não proibida

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pelo ordenamento jurídico. Não é necessário que se conheça a lei penal, ou

qualquer outra lei adjetiva, mesmo porque, ninguém tem conhecimento de

todas as leis imposta na sociedade. O ordenamento jurídico se impõe

objetivamente para todos, bastando que se faça a sua publicidade de madeira

objetiva e maneira extensiva. Conforme expõe Luiz Régis Prado:

“A potencial consciência ou conhecimento da

antijuridicidade só foi considerada elemento autônomo da

culpabilidade a partir de um célebre acórdão do Tribunal

Federal da Alemanha, em 18 de março de 1952. Decidiu-

se, então, que a consciência da antijuridicidade é distinta

do dolo e que o erro jurídico-penal devia ser tratado como

erro de tipo e erro de proibição”13,

c) Exigibilidade de conduta diversa: por fim, o último e não menos

importante elemento da culpabilidade é o clássico elemento volitivo que, da

maneira como foi praticado, pode ou não exteriorizar uma reprovação social.

Não há no ordenamento jurídico hipóteses expressas de quais casos poderiam

ser exigidas condutas diversas.

Por se tratar de elemento que exclui o crime, suas hipóteses,

elencadas nos delitos dolosos, devem ser expressas. Já nos delitos culposos,

por se tratar de uma abrangência com infinitas possibilidades, onde não tem

como o legislador abranger todas as situações possíveis, não há como ser

expressa a exigibilidade de observância do dever de cuidado objetivamente

definido. Por fim, quando ocorrer a prática de delitos omissivos, sejam eles

próprios ou impróprios, será reconhecida a inexigibilidade de conduta diversa

quando a conduta praticada implique em interesses próprios legítimos ou

legais.

13 PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol. I. 6ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 425-426.

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35

2.3 A culpabilidade apenas como pressuposto de pena.

Fizemos uma pequena digressão sobre a teoria do delito e sobre o

conceito de culpabilidade para chegarmos até este capítulo com base razoável

para abordarmos esta indagação: a culpabilidade é elemento integrante do

crime ou é apenas pressuposto de pena?

A questão parece não ter conseqüências práticas relevantes, mas nós

procuraremos, no título II deste trabalho, buscar o que os julgados têm dito a

respeito, e daí tirar uma conclusão prática sobre o assunto. No momento,

interessa saber quais os posicionamentos e as conseqüências doutrinárias

sobre o assunto.

No estudo da evolução do delito, verificamos que a estratificação do

delito foi mais do que um avanço para se alcançar soluções para inúmeros

casos antes não abrangidos pelo objetivismo jurídico, foi o resultado de uma

busca decorrente de uma necessidade social e Estatal, na qual se impôs ao

Estado uma ordem lógica e uniformizada para se chegar ao conceito daquilo

que é delito, devendo ser alcançado não só pelos cidadãos na sua conduta do

“ser” e do “dever ser”, mas principalmente dirigido ao aplicador da lei, na sua

exegese, razoabilidade e proporcionalidade, sendo pressuposto lógico para a

aplicação da pena.

A culpabilidade normativa, composta pela imputabilidade, pela

possibilidade de conduta diversa, e pela potencial consciência da ilicitude do

fato delitivo, constitui a última fase alcançada pela reprovação social penal,

representando um enorme avanço no estudo do delito.

Aqui neste tópico está a cerne do presente trabalho. A explicação da

colocação topográfica da culpabilidade no conceito estratificado de delito

poderá alterar conceitos significativos com relação ao delito.

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36

Primeiramente, ressaltamos que a culpabilidade, assim como a

tipicidade, a ilicitude e a punibilidade, são todos pressupostos de pena. A

ausência de um deles acarretará a impossibilidade do Estado de exercer o seu

ius puniendi. No entanto, o conceito de delito e, conseqüentemente, a

definição de criminoso, decorrerá da inclusão ou não da culpabilidade no

conceito analítico de delito, o que já não ocorre com a punibilidade.

Como exemplos de doutrinadores que ser a culpabilidade apenas um

pressuposto para aplicação da pena temos: Damásio Evangelista de Jesus,

Marcellus Polastri Lima, e Pedro Krebs. O fundamento para tal entendimento

segue a mesma linha de raciocínio entre todos eles: o Código Penal Brasileiro,

ao tratar da culpabilidade, usa a expressão “é isento de pena”, enquanto os

artigos que tratam da ilicitude empregam a expressão “não há crime”.

2.4 As causas que excluem a culpabilidade.

Há no nosso Código Penal causas de exclusão da culpabilidade e

causas que atenuam a culpabilidade. Conforme visto, a culpabilidade é

formada estruturalmente com a imputabilidade, a potencial consciência da

ilicitude ou conhecimento do injusto, e a possibilidade de conduta diversa.

Estes elementos não foram distribuídos de forma discriminada no nosso

Código Penal.

As causas que excluem a culpabilidade estão previstas: no artigo 20, §

1º; no artigo 21, primeira parte; no artigo 22; no artigo 26, caput; no artigo 27; e

no artigo 28, § 1º. Já as causas que atenuam a culpabilidade estão previstas:

no artigo 21, última parte; no artigo 26, parágrafo único; e no artigo 28, § 2º.

Por uma questão de ordem doutrinária, a imputabilidade será

analisada primeira. O artigo 26 trata da culpabilidade no seu critério bio-

psicológico. Diz o artigo:

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37

“Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença

mental ou desenvolvimento mental incompleto ou

retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão,

inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato

ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

(grifo meu).

Mistura-se o critério biológico, ou seja, há a necessidade de se

comprovar a patologia do agente, bem como a manifestação dessa patologia

momento em que praticava o tipo penal, aqui o critério psicológico.

A conseqüência legal do reconhecimento pelo juiz da inimputabilidade

pelo artigo 26 é a aplicação de internação em estabelecimento adequado para

tratamento da patologia identificada.

O artigo 27 trata da causa de imputabilidade pelo critério biológico. Diz

o artigo: “Art. 27: Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente

inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.”

O simples fato de ser o autor da conduta delitiva menor de dezoito anos, será

considerado inimputável, sem se levar em consideração se este, no momento

da prática de sua conduta delitiva, possuía discernimento suficiente para

entender o caráter reprovável daquela. É uma presunção iuris et de iure.

A legislação aplicável, atualmente, ao menor de dezoito anos que

pratica conduta delitiva é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei

8069/90, que prevê, em seu artigo 112, quais as medidas aplicáveis ao menor.

Ressalta-se que a mencionada lei estabelece que a conduta praticada pelo

menor descrita como crime ou contravenção é denominada de ato infracional.

Pelo ECA, o menor não pratica crime, já que ausente um elemento integrante

da culpabilidade, qual seja, a imputabilidade.

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38

Teoricamente, para os que adotam a teoria de que a culpabilidade

seria apenas um pressuposto para a aplicação da pena, o entendimento supra

mencionado pode ser considerado um entrave ainda não explicado, já que o

menor de dezoito anos praticaria crime e não ato infracional, sendo-lhe

excluída a culpabilidade.

A embriaguez completa por caso fortuito ou força maior, seja pelo

álcool ou por substâncias do gênero também constitui estado psíquico

patológico excludente da imputabilidade e, conseqüentemente, a culpabilidade.

Diz o artigo 28, § 1º do Código Penal:

“É isento de pena o agente que, por embriaguez

completa, proveniente de caso fortuito ou força maior,

era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente

incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de

determinar-se de acordo com esse entendimento”. (grifo

meu).

No mesmo caso incide a regra da nova lei de entorpecentes (Lei

11.343/06), em seu artigo 45 e parágrafo único, que diz:

“Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão da

dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito

ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da

omissão, qualquer que tenha sido a infração penal

praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter

ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse

entendimento.

Parágrafo Único. Quando absolver o agente,

reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à

época do fato previsto neste artigo, as condições

referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz

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39

na sentença, o seu encaminhamento para tratamento

médico adequado”. (grifo meu).

Neste artigo há de forma contundente a aplicação do entendimento de

que a culpabilidade é elemento integrante da teoria analítica de delito. A

sentença do Juiz deverá absolver o réu que tiver praticado uma conduta

delitiva, sendo este inimputável no momento da referida conduta.

Entendimento contrário deveria ser dado se a culpabilidade não fosse

elemento do delito, pois a natureza da sentença deveria ter natureza diversa

da absolutória. Tal dissertação será abordada no Título II deste trabalho.

O segundo elemento integrante da culpabilidade é a potencial

consciência da ilicitude. Este elemento consubstancia-se na consciência do

injusto quando o agente pratica o ato típico. Conforme ensina Juarez Cirino

dos Santos sobre o assunto:

“A teoria da culpabilidade, vinculada à teoria finalista da

ação, separa conhecimento do fato e conhecimento da

antijuridicidade do fato: a consciência e vontade do fato

constituem o dolo, como elemento o dolo, como elemento

subjetivo geral dos crimes dolosos; a consciência da

antijuridicidade é o elemento especial da culpabilidade,

como fundamento concreto do juízo de reprovação. A

separação entre consciência do fato e consciência da

antijuridicidade do fato determina a distinção entre erro

sobre o tipo, que exclui o dolo, e erro sobre a proibição,

que exclui ou reduz a reprovação, uma necessidade

lógica da estrutura dos conceitos de dolo e de

culpabilidade. O erro de proibição, como erro sobre a

antijuridicidade do fato, tem por objeto a natureza proibida

ou permitida da ação típica: o autor sabe o que faz, mas

pensa, erroneamente, que é permitido, ou por crença

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positiva na permissão do fato, ou por falta de

representação da valoração jurídica do fato.”14

Em análise aos artigos que tratam deste elemento da culpabilidade,

comecemos pelas descriminantes putativas.

“Art. 20. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal

de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime

culposo, se previsto em lei.

§ 1º. É isento de pena quem, por erro plenamente

justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato

que , se existisse, tornaria a ação legítima. Não há

isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é

punível como crime culposo.” (grifo nosso).

Este artigo, no seu caput, trata do erro de tipo, elemento que, pela

teoria finalista da conduta, exclui o tipo, enquanto seu parágrafo primeiro trata

do erro sobre a ilicitude do fato que, caso existisse, tornaria a conduta lícita,

chamada de descriminante putativa.

As causas de exclusão da ilicitude estão previstas no artigo 23 do

Código Penal, são elas: legítima defesa; estado de necessidade; estrito

cumprimento do dever legal; e exercício regular de direito. Pode ocorrer que o

sujeito, agindo com erro plenamente justificável pelas circunstâncias que o

cercam, pense estar agindo em estado de necessidade, legítima defesa, estrito

cumprimento do dever legal, ou exercício regular de direito. A incidência destes

casos incorrem nas denominadas descriminantes putativas. Estes casos são

denominados de descriminantes putativas. Quando isso ocorre, deve-se aplicar

o artigo 20, § 1º do Código Penal.

14 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral, 2ª Ed. Curitiba: Lumen Iuris. 2007. p. 300-301.

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Observa-se que, por um raciocínio análogo ao caso do erro de tipo,

poderíamos ter em mente que seria mais adequada uma norma que excluísse

a ilicitude no caso de uma errada apreciação do fato excludente da ilicitude.

Ocorre que o erro de tipo, no caso de conduta dolosa, por ser o dolo um

elemento integrante do tipo, este não existe, e por conseqüência, o tipo

também não existe. É a aplicação da teoria finalista no direito pátrio, com a

reforma penal de 1984. Já no caso do erro sobre a ilicitude, esta continua a

existir, não tendo como o erro excluí-la, já que não a integra. Tal exclusão só

poderia ser apreciada na culpabilidade, que compreende a reprovação social

daquela conduta. Não há para o agente a potencialidade de conhecer a

ilicitude de sua conduta. Todos os fatos a ele apresentados se amoldam como

uma conduta lícita.

Outro caso integrante da potencial consciência da ilicitude é o caso

previsto no artigo 21 do Código Penal, denominado erro de proibição. Diz o

artigo:

“Art. 21. O desconhecimento da lei é inescusável. O erro

sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se

evitável, poderá diminuí-la de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um

terço).

Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente

atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato,

quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir

essa consciência.” (grifo nosso).

Conforme explica Damásio Evangelista de Jesus, “Se o sujeito não tem

possibilidade de saber que o fato é proibido, sendo inevitável o

desconhecimento da proibição, a culpabilidade fica afastada”15.

15 JESUS, Damásio Evangelista de. Código Penal Anotado. 17ª Ed. São Paulo: Saraiva.1995. p. 88.

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42

Cabe ressaltar que o legislador quis com o mencionado artigo atribuir

relevância ao injusto penal e não privilegiar àquele que desconhece a lei.

Quando falou da diferenciação do desconhecimento do injusto com o

desconhecimento da lei, assim se pronunciou Juarez Cirino dos Santos:

“... o desconhecimento do injusto, definido como

conhecimento falso do injusto, poderia constituir erro de

proibição escusável; o desconhecimento da lei, como

ignorância total da lei, não constituiria erro de proibição,

nem seria escusável, mas simples circunstância

atenuante, por causa da obrigatoriedade / generalidade

da lei penal, como norma do poder legislativo do

Estado.”16

E complementa o autor:

“Não é a ignorância total ou parcial da lei, ou a

representação falsa ou equivocada do injusto que

determina a relevância ou irrelevância do erro de

proibição, mas sua natureza evitável ou inevitável: erro de

proibição inevitável exclui a reprovação, erro de proibição

evitável pode reduzir a reprovação, em todas as hipóteses

– exceto no erro de tipo permissivo, em que pode

transformar o fato doloso em fato imprudente, segundo a

teoria limitada da culpabilidade (art. 20, § 1º). Logo, seria

erro de proibição evitável a ridícula alegação de não

saber que é ‘ilícito matar, subtrair coisa alheia, falsificar

documento etc.’ cuja proibição jurídica todos conhecem,

como mostram JESCHECK / WIGEND, entretanto, em

crimes contra o meio ambiente, ou outro setor do vasto

16 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral, 2ª Ed. Curitiba: Lumen Iuris. 2007. p. 315-316.

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Direito Penal especial, o erro de proibição direto do

cidadão comum, na modalidade de ignorância da lei, é

normal e, freqüentemente, inevitável: por exemplo, quem

poderia saber que é crime ter em depósito ou guardar

madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem

vegetal, sem licença da autoridade competente? (art. 46,

parágrafo único, da Lei 9.605/98)”17.

O direito pátrio tem adotado como critério para aferição do erro de

proibição o simples conhecimento do injusto, constituído pelo tênue

conhecimento da danosidade social da conduta praticada, da punibilidade, e

da antijuridicidade no caso concreto do tipo injusto, chegando-se a uma

convicção de uma inconsciência do injusto, seja por ignorância da lei, seja em

decorrência do conhecimento desta.

São três os tipos de erro de proibição existentes: erro de proibição

direto, que ocorre quando o agente age com erro sobre a existência da lei

proibitiva, sobre a validade da lei, e sobre o significado da lei; erro de proibição

indireto, onde o agente presume haver causa de justificação para os limites de

sua conduta, como no caso do pai que castiga o filho de maneira exacerbada;

e por fim o erro de tipo permissivo, onde não há violação da norma, mas uma

falsa realidade dos pressupostos fáticos para a sua conduta, como ocorre com

as descriminantes putativas.

Por fim, chegamos aos casos de possibilidade de conduta diversa, que

estão previstos no artigo 22 do nosso Código Penal:

“Art. 22. Se o fato é cometido sob coação irresistível ou

em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal

de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou

da ordem.”

17 Ibidem. p. 316.

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Os casos de obediência hierárquica, ou cumprimento de ordem, não

manifestamente ilegais, eram tidas até 1949 como causas supra legais de

exclusão da culpabilidade. Não havia na teoria de delito maneira de se

adequar tais condutas a qualquer permissivo penal, sejam as dos mandantes,

sejam se dos cumpridores. No entanto, salta aos olhos o caráter injusto

daquele que, cumprindo ordens não manifestamente ilegais, fosse condenado

por um ato que inevitavelmente é típico, ilícito e culpável. Não se aplica a

excludente da ilicitude denominada estrito cumprimento do dever legal porque

esta pressupõe uma lei que garanta determinado agir.

Ressalta-se que a coação irresistível prevista no artigo 22 é a moral, já

que se fosse coação física, haveria falta de conduta, que deve ser tratada pelo

artigo 13 do Código Penal.

2.5 A Culpabilidade e a Sentença Penal.

Analisadas as causas que excluem a culpabilidade, resta saber agora

qual a conseqüência jurídica que deve ser observada quando estiver evidente

a incidência de alguma dessas causas.

Seguindo um raciocínio lógico, se tomarmos a culpabilidade como

elemento integrante do crime, a sua ausência acarretará, inexoravelmente, a

aplicação de uma sentença penal absolutória. Caso contrário, se tomarmos a

culpabilidade apenas como pressuposto de aplicação de pena, a sua ausência

implicará, em tese, no reconhecimento do crime e da aplicação de uma

sentença condenatória, mas deixando o magistrado de aplicar a pena devido à

existência do motivo exculpante. E não é só. O reconhecimento do crime

acarretaria também não só o efeito primário da condenação, que é a aplicação

da pena, mas também o reconhecimento ou não dos efeitos secundários da

sentença, previstos no artigo 63, no artigo 91 e no artigo 92, todos do nosso

Código Penal, além de outras causas específicas em determinados crimes,

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45

como o reconhecimento do crime anterior para a existência da receptação,

prevista no artigo 180 do Código Penal.

Vejamos os artigos:

“Art. 63. Verifica-se a reincidência quando o agente

comete novo crime, depois de transitar em julgado a

sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha

condenado por crime anterior.”

“Art. 91. São efeitos da condenação:

I – tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado

pelo crime;

II – a perda em favor da União, ressalvado o direito do

lesado ou de terceiro de boa-fé:

a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em

coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção

constitua fato ilícito;

b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor

que constitua proveito auferido pelo agente com a prática

do fato criminoso.”

“Art. 92. São também efeitos da condenação:

I – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tem

por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes

praticados com abuso de poder ou violação de dever para

com a administração pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por

tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos;

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II – a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela

ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de

reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado;

III – a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado

côo meio para a prática de crime doloso.

Parágrafo único. Os efeitos de que trata este artigo não

são automáticos, devendo ser motivadamente declarados

na sentença.”

Tal constatação na aplicação da sentença deixaria evidente se a

culpabilidade, no nosso direito, integraria ou não o conceito analítico de delito.

No entanto, se assim fosse seguido no nosso sistema jurídico penal, o

presente trabalho restaria irrelevante. O nosso Código Penal, no seu Título V,

que trata das penas, em nenhum momento evidenciou os casos de aplicação

de sentença condenatória com a conseqüente isenção de pena. Conforme

vimos acima, a culpabilidade está dispersa entre o Título II, que trata do crime,

e o Título III, que trata da imputabilidade. A questão foi relegada do direito

material, mas como veremos, foi abordado no direito processual de maneira

controvertida.

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47

CAPÍTULO 3

A CULPABILIDADE E A PERSECUÇÃO PENAL

3.1 A Tipicidade e a Ilicitude na Persecução Penal.

Começamos este título com as conseqüências da ausência de

tipicidade e influência na persecução penal. Trata-se de matéria que não

demanda maiores problemas, já que há unanimidade na doutrina de que

ausente a tipicidade não deverá a persecução sequer ser iniciada. Lógico que

o acusado se defende de fatos e não de tipos, logo, poderá haver casos em

que o fato narrado ao julgador levantará dúvidas quanto à sua tipicidade,

cabendo a este dirimi-las.

Marcellus Polastri Lima entende que são elementos do crime apenas a

tipicidade e a ilicitude, sendo a culpabilidade apenas um pressuposto para a

aplicação da pena, e a ausência da tipicidade acarretará na ausência de uma

das condições da ação penal, que é a possibilidade jurídica do pedido. Assim

dispôs o autor:

“A denúncia também deverá preencher as condições

para o regular exercício da ação penal, ou seja: 1.

possibilidade jurídica do pedido, sendo que o fato

narrado deve ser constituir em crime (ação típica e

antijurídica, pois a culpa é pressuposto de pena); 2.

legitimidade ad causam; 3. o interesse de agir (nas

ações penais condenatórias este sempre estará presente

e presumido em relação ao Ministério Público); 4. a justa

causa (suporte probatório mínimo).” (sic)18

18 LIMA, Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal, Vol. I, 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2006. p. 240.

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Ora, a ausência de uma das condições da ação acarreta no não

recebimento da ação. Em caso de inquérito policial, é cabível o seu

trancamento através de habeas corpus. Caso a ação penal já esteja em

andamento, deverá o Juiz absolver o réu, com base no artigo 386 do Código

de Processo Penal.

Vejamos o julgado monocrático do Ministro Nilson Naves sobre o

assunto, que apesar de extenso, aborda com exatidão o que foi exposto:

“HABEAS CORPUS Nº 71.947 - SP (2006/0269951-9)

RELATOR : MINISTRO NILSON NAVES

IMPETRANTE: ELEONORA NANNI LUCENTI -

DEFENSORA PÚBLICA

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE

SÃO PAULO

PACIENTE: ANDERSON DOS SANTOS AQUINO

DECISÃO

Correto se me apresenta o pronunciamento do Ministério

Público Federal (Subprocuradora-Geral Maria das

Mercês). Vejamo-lo:

"Cuida-se de habeas corpus impetrado pela Defensora

Pública Eleonora Nanni Lucenti em benefício de

Anderson dos Santos Aquino, apontando como

autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de

São Paulo.

Do presente in folio extrai-se que, por volta das 10:20

horas do dia 1° de dezembro de 2004, à altura do nº 460

da Avenida Montemagno, na cidade de São Paulo/SP,

Anderson dos Santos Aquino fez uso de uma falsa

Carteira Nacional de Habilitação, registrada com o

aparente nº 498257495, em nome de Carlos Eduardo dos

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Santos. Consoante a preambular acusatória, o ora

Paciente apresentou o inidôneo documento a policiais

militares que participavam de blitz naquelas imediações,

mas, devido à sua qualidade duvidosa, os milicianos

entenderam por bem averiguar os dados ali inseridos,

vindo a constatar, logo após, que o número do espelho da

suposta carteira não figurava nos registros oficiais.

Demais disso, outras informações ali contidas não

conferiam com as levantadas pelo Copom (Centro de

Operações da Polícia Militar), revelando divergência no

tocante à categoria do condutor e à própria data de

validade do documento. Indagado a respeito dos dados

levantados, o ora Paciente terminou por admitir a

falsidade da carteira que exibira, confessando, também,

chamar-se Anderson dos Santos Aquino. Por tudo isso,

restou denunciado perante o Juízo de Direito da Terceira

Vara Criminal da Capital Paulista, como incurso nas iras

do art. 304, do Código Penal. Entretanto, com arrimo no

art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal, o

Julgador Monocrático decidiu pela improcedência do

pleito condenatório, calcado no fundamento de que o fato,

tal como retratado na vestibular da ação penal, não

poderia constituir crime, por se tratar a carteira de

habilitação de falsificação grosseira, de fácil percepção.

Irresignada, a Acusação buscou a reforma da sentença

absolutória, pleito acolhido pelo Tribunal de Justiça

Bandeirante, com o afastamento da tese de falsificação

grosseira, sob a afirmativa de que, se não fosse a

experiência dos policiais, a falsidade documental jamais

viria à baila, porquanto um principiante ou alguém menos

atento, por certo, tomaria a carteira de habilitação

apresentada como verdadeira, não tendo relevo para a

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caracterização do delito se a cártula fora exibida

espontaneamente ou por exigência da autoridade

fiscalizadora (fls. 44/47). Agora, em face desse Augusto

Superior Tribunal de Justiça, a Defensora Pública

Eleonora Nanni Lucenti impetra o presente habeas corpus

em benefício de Anderson dos Santos Aquino,

sustentando a inexistência do crime de uso de documento

falso, capitulado no art. 304, do Estatuto Repressivo, que,

ao seu ver, somente estaria configurado se, porventura, a

apresentação da carteira de habilitação pelo acusado

tivesse sido feita de modo espontâneo e, não, mediante

provocação de policiais, como na situação dos autos. Diz

a Impetrante, finalmente, que, em se tratando de

documento grosseiramente falsificado, não há falar em

prática delituosa, por ausência de potencialidade lesiva.

Eis, em síntese, o relatório. Cumpre observar,

primeiramente, não encontrar guarida na jurisprudência

dos Tribunais Superiores a alegativa da Defesa de que o

crime em testilha somente se configuraria se a

apresentação do falso documento pelo réu tivesse se

dado de forma espontânea. Ao contrário do quanto

asseverado pela causídica Impetrante, tanto o Excelso

Pretório quanto esse Augusto Superior Tribunal de

Justiça, em uníssono, afirmam que caracteriza a prática

do delito de falsidade documental (art. 304, do Código

Penal), não só se o documento é espontaneamente

exibido pelo agente, mas, também, se é solicitado pela

autoridade fiscalizadora. Foram proferidos neste mesmo

sentido, os julgados adiante reproduzidos:

............................................................................................

Melhor sorte socorre o Paciente, no tocante à alegada

atipicidade dos fatos, por se cuidar de documento

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grosseiramente falsificado. Na dicção da doutrina pátria, o

art. 304, do Diploma Aflitivo prevê crime denominado

remetido, ou seja, o que se vale de elemento de outro tipo

penal, para a configuração da sua figura essencial. Nesse

passo, o prefalado dispositivo faz remissão aos papéis

objetivados nos arts. 297 a 302, todos daquele mesmo

Texto Legislativo, como se vê da seguinte redação: 'Art.

304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou

alterados, a que se referem os arts. 297 a 302:' Desse

modo, incorporando elementos dos ilícitos mencionados e

não se confundindo com o ato de falsificar, o crime do

supra referido art. 304 precisa, para sua caracterização,

que o próprio documento seja potencialmente enganoso,

a ponto de, agregado à elementar 'fazer uso', poder

produzir o resultado de induzir alguém em erro. In casu,

todavia, a conclusão diversa chegou o Juiz Singular, uma

vez que não vislumbrou potencialidade lesiva no falso

documento apresentado aos policiais militares, reputando-

o grosseiramente forjado e, por isso mesmo, destituído de

poder vulnerante. É o que se constata do seguinte trecho,

pinçado da sentença absolutória, anexa à presente

manifestação: 'Cuidou-se de falsificação conhecida de

plano (fls. 54). Logo, prestigia-se o non liquet mercê da

atipicidade fática. A propósito: 'A dessemelhança

grosseira entre o verdadeiro e o falso, incapaz de iludir a

quem quer que seja, não constitui material do falsum

necessário à configuração do delito' (TJSP - AC 123.356-

3/2 - Rel. Gentil Leite - RT 685/314).' 'A falsificação

grosseira e reconhecível imediatamente por qualquer

pessoa inexperta não constitui crime, pois não põe em

perigo a fé pública. Com maior razão, portanto, quando a

pessoa não é inexperta, mas, sim, o próprio agente

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encarregado da fiscalização do documento e que a olho

desarmado percebeu sua adulteração (TJSP - AC - Rel.

Cid Vieira - RT 603/338)'.' Como visto, malgrado a

fundamentação sucinta, o certo é que o Magistrado tomou

o documento apresentado como falsificação grosseira e,

desse modo, como incapaz de afrontar a fé pública. Por

certo, assim procedeu após analisar o Laudo

Documentoscópico produzido pelo Instituto de

Criminalística da Polícia Civil Paulista (documento em

anexo) do qual é possível observar que, no caso em

apreço, a falta de semelhança entre o documento falso e

o verdadeiro é, mesmo, patente, valendo destacar

determinadas características do falsum detectadas pelos

peritos, tais como a má qualidade do papel utilizado e a

inexistência dos filetes coloridos, espargidos na massa do

papel, aflorando à superfície, bem como a ausência de

detalhes calcográficos nas tarjas existentes em torno do

documento forjado, dentre outras. Por tudo isso, o

Julgador Monocrático entendeu resvalar a ação do ora

Paciente para a seara do crime impossível, restando

convicto da completa ineficácia do objeto apreendido

pelos milicianos, absolutamente incapaz, destarte, de

concretizar o crime de uso de documento falso. É que, no

caso sub examen, não bastaria, à configuração do delito,

o ajustamento da conduta do agente ao requisito

estrutural do tipo, sendo necessário, ainda, verificar se o

documento forjado demonstra aptidão para ludibriar

terceiros, passando como se verdadeiro fosse, a ponto de

resultar em ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma

penal, qual seja, a fé pública. Bastante elucidativas a

respeito do assunto se mostram as lições do Ministro Luiz

Vicente Cernicchiaro, lançadas no aresto resultante do

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julgamento do RESP nº 51.915/SP, verbis. 'Neste ponto,

ganha realce outro pormenor. A autoridade policial, assim

que examinou o documento – desconfiou de sua

autenticidade. O pormenor é relevante. Chama à

colocação o denominado – Crime impossível. Vale dizer,

quando a execução não traz a probabilidade de alcançar

o resultado relevante (o fático não se confunde com o

normativo). A Carteira de Habilitação visa a comprovar

que o motorista está habilitado. É meio de prova. Como

tal, deve trazer a potencialidade para induzir alguém em

erro. O aresto evidenciou que o policial, à vista

desarmado e no primeiro relance, notou que o documento

fora forjado. Em outros termos, esse documento revelou-

se inidôneo, ineficaz para o fim especifico, ou seja,

demonstrar que o motorista estava habilitado. Não

estava, pois, em condições de induzir agente do trânsito

em erro. Dessa forma, não obstante, a exibição da

carteira, assim que solicitada, ser irrelevante para

caracterizar o crime, este só se projeta quando o

documento revestir-se de características capazes de iludir

fiscalização. Tenho, então, como caracterizado o – crime

impossível.' (STJ - REsp 51.915/SP - ReI. Ministro Luiz

Vicente Cernicchiaro - Sexta Turma Julgado em

02.09.1994 - DJ de 17.10.1994 - p. 27921 - REPDJ

12.12.1994 - p. 34.282). Celso Delmanto, em seu 'Código

Penal Comentado' elenca valiosos ensinamentos a

respeito do art. 304, do Código Penal, extraídos da

jurisprudência dominante, conforme adiante se observa:

'Requisitos do falso: Não se tipifica o crime de uso de

documento falso, quando falta ao documento usado

requisito necessário à configuração do próprio falso,

como na hipótese de documento sem potencialidade de

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54

causar danos (STF, RTJ 121/140; TRF da 5° R., Ap. 904,

DJU 3.5.96, p. 28541, in RBCCr 15/411). A existência de

falso penalmente reconhecido é pressuposto básico para

a configuração do uso, pois o art. 304 é crime remetido,

fazendo menção a outro que o integra, de modo que não

pode faltar elemento necessário à tipificação deste último

(TJSP/RJTJSP 96/472, RT 564/331). Grosseira a

falsificação, incapaz de iludir o homem comum, não é

passível de constituir material do falsum necessário à

configuração do delito do art. 304 (STJ, RT 721/546;

TJSP, RT 690/323. 685/314).' (Delmanto, Celso, Roberto,

Roberto e Fábio, 5ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2000, p.

541). Desse modo, constatado que o objeto apreendido é

absolutamente impróprio para configurar o falsum -

destituído, pois, de potencialidade lesiva - a hipótese é de

crime impossível, a teor do art. 17, do Código Penal. Em

derredor do assunto em comento, assim se posiciona

Marcelo Semer, verbis: 'Sendo o crime impossível uma

manifestação delituosa exteriorizada que não alcança o

resultado pela inidoneidade dos meios ou do objeto, é

possível, então, afirmar que a ausência de idoneidade

para lesar é que impede sua punibilidade. A correlação

entre crime impossível e lesividade - ou a interpretação do

crime impossível de acordo com o princípio da lesividade

- projeta para o ordenamento um paradigma. O crime é

impossível quando o resultado é inalcançável - portanto,

ausente a capacidade de lesar. Em nosso Direito todo

crime depende de um resultado, nos termos do art. 13 do

Código Penal. Nem todos, no entanto, admitem o

resultado naturalístico que se invoca na locução do

referido dispositivo acerca da relação de causalidade. Há

crimes sem resultado naturalístico - como os de mera

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55

conduta - e outros nos quais a lei despreza a ocorrência

do resultado para a consumação, como os formais. De

todo modo, deve haver um resultado - alheio ao âmbito

de modificação do mundo exterior para que exista um

crime. Este resultado só se pode conceber como um

resultado normativo ou ideal - a lesão ou a exposição a

perigo de um bem jurídico. Sem a lesão ou a exposição a

perigo de bem jurídico, como apontamos com a referência

à incorporação dos padrões materiais na dogmática

penal, não haverá tipicidade ou antijuridicidade. Em

resumo, não haverá crime. A idéia de lesividade permeia

a noção de resultado normativo: ação sem lesar ou expor

a perigo bem jurídico não é crime, pela ausência de

lesividade. Quer se entenda pela ausência de tipicidade

material - ainda que aparente ou formalmente a ação se

ajuste às selecionadas pelo legislador -, quer se aprecie

que a ação típica não seja antijurídica (por falta de

antijuridicidade material). Na hipótese de uma ação sem

potencialidade lesiva em que se mantém inatacado o bem

jurídico não estaremos diante de um crime, mas de um

crime impossível. É assim que se viabiliza a ampliação do

aspecto de impossibilidade do crime para além dos casos

de inidônea tentativa. O crime também pode ser

impossível quando, a despeito de não se exigir um

resultado naturalístico ou não se admitir a tentativa, a

consumação do delito permanece inalcançável pela

inidoneidade da ação. (..)' (apud autor citado, in 'Crime

Impossível e a Proteção aos Bens Jurídicos'; Malheiros,

São Paulo, 2002, p. 130/131). Em face do exposto,

patenteado o constrangimento ilegal a que está sendo

submetido Anderson dos Santos Aquino, opina o

Ministério Público Federal pelo conhecimento e pela

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56

concessão da presente ordem de habeas corpus, para o

fim de ser restabelecida a sentença monocrática,

reconhecendo-se a atipicidade da conduta que fora

atribuída ao acusado."Acolhendo o parecer, concedo a

ordem a fim de restabelecer, pela atipicidade do fato, a

sentença absolutória.

Publique-se.

Brasília, 21 de maio de 2007.

Ministro Nilson Naves

Relator”

O mesmo raciocínio deve ser adotado nos casos de ilicitude. A

ausência de uma das causas justificantes levará o julgador a prolatar uma

sentença absolutória. A dúvida quanto à existência e uma das causas

justificantes no momento do oferecimento da denúncia tem a doutrina

entendido que prevalece o princípio do “in dúbio pro societatis”, o que é

rechaçado por grande parte dos doutrinadores garantistas. Entende a maioria

da jurisprudência que havendo necessidade de dilação probatória a respeito da

existência de uma causa justificante, esta não poderá ser feita no momento do

recebimento da denúncia, mas sim dentro do processo.

Vejamos como exemplo o julgado da Corte Especial do Superior

Tribunal de Justiça que tratou da ilicitude na ação penal, interpretando-o a

contrario sensu:

“Apn 8 / DF ; AÇÃO PENAL 1989/0008673-1

Ministro WILLIAM PATTERSON (183)

CE - CORTE ESPECIAL

10/05/1990

PENAL. AÇÃO PENAL. DENUNCIA. LEGITIMA DEFESA.

REJEIÇÃO.

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- A DENUNCIA NÃO DEVE SER REJEITADA SE O

FUNDAMENTO CONTIDO NA RESPOSTA PREVIA

(LEGITIMA DEFESA) NÃO ENSEJA MOTIVAÇÃO

ABSOLUTA PARA CONSIDERA-LO CAUSA

EXCLUDENTE DA ANTIJURIDICIDADE.

- DENUNCIA RECEBIDA.”

3.2. A culpabilidade e a Punibilidade na Persecução Penal.

Começamos este tópico com a redação do artigo 386 do Código de

Processo Penal:

“Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na

parte dispositiva, desde que reconheça:

...

V – existir circunstância que exclua o crime ou isente o

réu de pena (art. 17, 18, 19, 22 e 24, § 1º, do Código

Penal); (grifo meu).

* Os artigos mencionados são anteriores à reforma

determinada pela Lei 7.209/1984. V. arts. 20 a 23, 26 e

28, § 1º da nova Parte Geral do CP.”

Aqui parece estar o amparo legal para os que defendem a tese de que

a culpabilidade é um elemento integrante do conceito analítico de delito, já que

a existência de uma causa exculpante implica obrigatoriamente na aplicação

de uma sentença absolutória, não podendo haver delito, nem o

reconhecimento dos seus efeitos secundários. É um indicativo. Observa-se que

o artigo 386, V, discrimina quais os casos de isenção de pena são suscetíveis

de uma sentença absolutória. Se a exculpante implica em uma sentença

absolutória, o seu patente reconhecimento impedirá a persecução penal a

partir da sua constatação. No entanto, conforme ocorre com a tipicidade e com

a ilicitude, dos três elementos que integram a culpabilidade, o único caso em

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58

que estará patente a existência de uma exculpante é o caso de imputabilidade

pelo critério biológico, que é puramente objetivo, ou seja, a menoridade. No

caso da potencial consciência da ilicitude e no caso da possibilidade de

conduta diversa, quando houver dúvidas, o que quase sempre ocorrerá, haverá

a necessidade de averiguação probatória suficiente para a convicção do

julgador, o que necessitará do devido procedimento penal.

Já com relação à punibilidade, parece estar esta excluída da redação

do artigo 386 do CPP, haja vista a expressa menção aos casos em que a

isenção de pena deve receber a sentença absolutória. A ausência de

punibilidade não demanda a aplicação de uma sentença absolutória nem

condenatória. Aqui, não há apreciação do mérito, apenas a impossibilidade

atribuída ao Estado de aplicar uma pena. Vejamos a lição de Fernando da

Costa Tourinho Filho:

“..., as decisões definitivas em sentido estrito, também

denominadas decisões terminativas de mérito, são

aquelas que encerram a relação processual, julgam o

mérito, mas não se subsumem na moldura das sentenças

absolutórias ou condenatórias de que tratam os arts. 386

e 387 do CPP. Não, são, segundo o nosso diploma

processual, nem absolutórias nem condenatórias. Certo

que muitas delas podem ser consideradas

verdadeiramente absolutórias. Entretanto, como na

linguagem do nosso estatuto processual penal, sentenças

absolutórias são apenas aquelas que se fundam numa

das causas elencadas no art. 386, não se pode chamá-

las de absolutórias. Exemplos: a decisão que reconhece a

ausência de condição objetiva de punibilidade a que

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decreta extinta a punibilidade, a que resolve o incidente

referido no § 1º do art. 120 do CPP etc.”19

O art. 107 do Código Penal elenca os casos em que ocorre a extinção

da punibilidade. As causas ali elencadas não constituem um rol taxativo,

havendo outras espalhadas na legislação penal. Assim dispõe Luiz Régis

Prado:

“O elenco de causas de extinção da punibilidade

constante do artigo 107 do Código Penal, porém, não é

taxativo. Causas extintivas da punibilidade encontram-se

previstas em diversos outros dispositivos, tais como o

ressarcimento do dano anterior à sentença irrecorrível no

peculato culposo (art. 312, § 3º, CP), a restitutio in

integrum no delito de subtração de incapazes (art. 249, §

2º, CP – perdão judicial), o pagamento do tributo ou

contribuição antes do recebimento da denúncia nos

delitos definidos na Lei 8.137/1990 (art. 34, Lei

9.249/1995) e o laudo de constatação de reparação do

dano ambiental (art. 28, I, Lei 9.605/1998 – Lei de crimes

Ambientais).”20

A aplicação de uma sentença terminativa sem apreciação do mérito

reconhecendo uma causa extintiva de punibilidade implica necessariamente na

impossibilidade de serem reconhecidos os efeitos secundários da sentença

condenatória. No entanto, quando houver sentença terminativa reconhecendo

a prescrição da pretensão executória, não há impossibilidade de serem

reconhecidos esses efeitos secundários. Um exemplo que a jurisprudência já

firmou entendimento é com relação à reincidência.

19 FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Prática de Processo Penal. 17ª Ed. São Paulo : Saraiva. 1995. p. 284. 20 PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol. I. 6ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 720.

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“Havendo extinção da punibilidade do agente de novo

crime por ilícito anteriormente cometido, mas pela

prescrição da pretensão executória, e não da pretensão

punitiva é de se reconhecer a reincidência, posto que

nesses casos a extinção da punibilidade não exclui o

efeito da reincidência. (TACRIM SP – Ap. 969.251/4 –

Rel. Juiz BENTO MASCARENHAS – 8ª C. – J. 28.9.95 –

Um.) (RT 727/534).”21

Parece não haver dúvidas de que a punibilidade e a culpabilidade

possuem conseqüências distintas no seu reconhecimento. A punibilidade

enseja a aplicação de uma sentença terminativa que não condena nem

absolve o réu, apenas declara a impossibilidade de ser aplicada uma pena

pelo Estado, não integrando o conceito analítico de delito, pressupondo um

crime acabado, ressalvados os entendimentos de Nelson Hungria e Basileu

Garcia, conforme acima noticiado. Já a culpabilidade, quando houver a

ausência de qualquer um de seus elementos constitutivos, ensejará a

aplicação de uma sentença absolutória.

Finalizando o presente tópico, podemos citar dois exemplos em que a

culpabilidade é excluída do conceito analítico de delito, já que apesar de sua

ausência, a prática da conduta típica e ilícita gera efeitos primários e alguns

efeitos secundários.

Primeiro: no caso de conduta típica perpetrada por menor de 18 anos.

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/1990, o

adolescente (menor de 18 anos e maior de 12 anos) não pratica crime, mas

ato infracional. Neste caso, o adolescente será submetido à medidas sócio

educativas ali previstas, que são na verdade verdadeiras penas diferenciadas.

Ora, se o menor responde com sua liberdade, cumprindo pena diferenciada, na

21 AMARO, Mohamed. Código Penal na Expressão dos Tribunais. São Paulo: Saraiva. 2007. p. 479.

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verdade ele cometeu um delito no seu conceito analítico, mas que não lhe será

imposta a pena do código penal, mas sim uma pena diferenciada prevista em

lei especial. Logo, a culpabilidade aqui é tida como pressuposto para aplicação

de uma pena diferenciada. Quanto aos efeitos secundários da sentença penal,

o menor que incorrer na prática de delito contra o patrimônio, prevê o artigo

116 do ECA responsabilidade pessoal do adolescente pelos danos causados.

Diz o artigo:

“Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos

patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o

caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o

ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o

prejuízo da vítima.

Parágrafo Único. Havendo manifesta impossibilidade, a

medida poderá ser substituída por outra adequada.”

Trata-se de regra especial, que afasta a responsabilidade subsidiária

em relação aos responsáveis do adolescente, prevista no Novo Código Civil,

conforme ensina Sérgio Cavalieri Filho:

“Na Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de

Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal

(Brasília, setembro de 2002) foi aprovada o Enunciado n.

40, com a seguinte redação: ‘O incapaz responde pelos

prejuízos que causar de maneira subsidiária ou

excepcionalmente, como devedor principal, na hipótese

do ressarcimento devido pelos adolescentes que

praticarem atos infracionais, nos termos do art. 116 do

Estatuto da Criança e do Adolescente, no âmbito das

medidas sócio-educativas ali previstas.’”22

22 FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª Ed. São Paulo: Malheiros. 2005. p. 52-53.

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Coaduna com o posicionamento de que os efeitos secundários da

sentença condenatória devem estar expressamente previstas na decisão do

órgão julgador.

Segundo: os casos de sentença absolutória imprópria, aplicada nos

delitos praticados por inimputáveis, excluídos os menores. Aqui se busca o

tratamento através de internação daquele que era ao tempo do delito, incapaz

de entender o caráter ilícito de sua conduta, pelo critério bio-psicológico do

artigo 26 do CP. Com o mesmo argumento do adolescente que pratica ato

infracional, responderá o autor de delito com privação de sua liberdade, mas

recebendo uma sentença absolutória.

São exemplos questionáveis, mas parece ainda inabalável o suporte

da culpabilidade como elemento do delito com base na exigência de sentença

absolutória para o caso de sua ausência.

Por fim, necessário se faz uma análise ao artigo 181 do Código Penal,

cuja redação é a seguinte:

“É isento de pena quem comete qualquer dos crimes

previstos neste título, em prejuízo:

I – do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;

II – do ascendente ou descendente, seja o parentesco

legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.” (grifo meu).

O título mencionado é o dos crimes contra o patrimônio, estipulando o

artigo 183 que o artigo 181 não se aplica nos crimes cometidos com violência

ou grave ameaça, ao estranho que participe do crime, e se o crime é contra

pessoa maior de 60 anos.

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Ora, a doutrina é unânime em tratar o mencionado artigo como uma

imunidade penal absoluta, decorrente de política criminal legislativa. Apesar de

ser utilizada a expressão “é isento de pena”, a sentença que reconhece a

mencionada imunidade tal qual como ocorre com a ausência de culpabilidade,

deverá o julgador absolver o agente que praticou a conduta típica, ilícita e

culpável. Havendo constatação do parentesco, o inquérito policial não pode ser

instaurado, a denúncia não pode ser oferecida e muito menos recebida.

Assim decidiu o TACRIM de São Paulo:

“A imunidade penal absoluta, prevista no art. 181 do

Código Penal, é impeditiva de procedimento criminal

contra que, de antemão, está isento de pena, já que o

processo, em tais condições, não teria objetivo ou

finalidade, constituindo constrangimento ilegal a sua

propositura. Por conseguinte, não se justifica a

instauração de inquérito policial, destinado à apuração de

infração penal, como meio preparatório para a ação

penal, aliás, inteiramente desnecessário na espécie.”

(TACRIM SP – HC 321.590/8. – Rel. Juiz OSNI D

ESOUZA – 2ª C. – J. 7.5.98.

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CONCLUSÃO

Pela pesquisa realizada no direito material pátrio, através de uma

análise perfunctória na teoria do delito, bem como um estudo sobre a

culpabilidade e seus elementos, chega-se à conclusão de que no direito pátrio,

o Código Penal Brasileiro não é capaz de indicar com total segurança se a

culpabilidade pertence ou não ao conceito analítico de delito.

O Código Penal indica a tipicidade, a ilicitude, a culpabilidade e a

punibilidade como pressuposto de pena, mas em relação à culpabilidade, à

punibilidade e à imunidade penal, usa a expressão “é isento de pena”, não

dizendo em momento algum quais as conseqüências imediatas e mediatas da

ausência da culpabilidade em uma conduta típica e ilícita.

O questionamento dos doutrinadores em relação à culpabilidade como

pressuposto de pena parte apenas de uma interpretação gramatical. A

existência da expressão “é isento de pena” não é parâmetro suficiente para

indicar ser ou não a culpabilidade elemento do delito. É certo que a

punibilidade é tida por grande parte da doutrina apenas como pressuposto de

pena e que também usa em muitos casos a expressão “é isento de pena”. No

entanto, fica claro que a aplicação da pena necessita de todos os requisitos do

Código Penal para a sua imposição, caso contrário, haverá isenção de pena.

O que os doutrinadores defendem é que a isenção de pena pressupõe

a existência de um delito perfeito e acabado. Assim sendo, a existência de um

delito, sem imposição de pena, que é um efeito primário da condenação,

implicaria, caso feito de forma expressa na sentença, na possibilidade do

reconhecimento dos efeitos secundários da condenação, dispersos no Código

Penal.

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A análise ao Código Penal não nos dá a certeza desse raciocínio, de

modo que só se poderá chegar a uma ou outra teoria analisando o

posicionamento dos nossos Tribunais, concluindo, assim, que a culpabilidade,

como elemento integrante da teoria analítica do delito, fica a cargo do exegeta.

Um reconhecimento dos efeitos secundários da condenação, sem a aplicação

da pena, poderia ser perfeitamente declarado pelo legislador, o que tornaria

evidente a teoria da culpabilidade apenas como pressuposto de pena. No

entanto, preferiu o legislador não se manifestar sobre o assunto, o que parece

ser mais lógico. A mudança de posicionamento legislativo poderia criar uma

nova problemática para o Código Penal: Qual a diferença entre culpabilidade e

punibilidade?

Analisando a matéria procedimental, a culpabilidade como elemento

não integrante do conceito analítico de delito, sendo definido apenas como um

pressuposto de pena, não encontra pilares de sustentação no direito

processual pátrio.

A atual redação dada ao artigo 386, V do CPP impõe a exclusão dos

efeitos primários e secundários da pena, decorrentes de uma sentença

absolutória que deve ser dada ao caso, deixa prejudicada a tese de que a

culpabilidade é apenas pressuposto de pena. Não há relevância prática,

atualmente, na controvertida conceituação analítica de delito. A questão

poderá ganhar fôlego se for excluído pelo legislador o mencionado inciso V do

artigo 386 do CPP, onde serão voltados os olhos do intérprete para o inciso III

do mesmo artigo, onde impõe a sentença absolutória quando “não constituir o

fato infração penal”.

A visão que se tem de que apenas o uso da expressão “é isento de

pena” no texto penal, especialmente nos artigos que tratam da culpabilidade,

não é suficientemente robusta para afastar séculos de estudo sobre a

estratificação do delito e a atual composição da culpabilidade.

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Resguardando as insignes posições em contrário, a conclusão

alcançada pela presente pesquisa é que não há irrelevância atual para

problemática da culpabilidade como elemento integrante do conceito analítico

de delito, única e exclusivamente por não haver conseqüências práticas no

momento de aplicação da sentença, seja absolutória, seja condenatória. A

controvérsia é apenas acadêmica, que no momento, não poderá ser firmado

uma contundente afirmação.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

AMARO, Mohamed. Código Penal na Expressão dos Tribunais. São Paulo:

Saraiva. 2007. 2118 p.

BRUNO, Aníbal. Direito Penal, Tomo I. 5ª Ed. São Paulo: Forense. 2003. 268

p.

BRASIL. Código Civil. 10ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. 2005.

BRASIL. Código de Processo Penal. 12ª Edição. Editora Revista dos Tribunais.

1997.

BRASIL. Código Penal Brasileiro. 12ª Edição. Editora Revista dos Tribunais.

2007.

FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Prática de Processo Penal. 17ª Ed. São

Paulo : Saraiva. 1995. 559 p.

FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª Ed. São

Paulo: Malheiros. 2005. 584 p.

JENSEN, Euler. Manual de Sentença Criminal. Rio de Janeiro: Renovar. 2006.

415 p.

JESUS, Damásio Evangelista de. Código Penal Anotado. 17ª Ed. São Paulo:

Saraiva.1995. 1076 p.

KREBS, Pedro. Teoria Jurídica do Delito. 2ª Ed. São Paulo: Manole. 2006. 255

p.

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68

LIMA, Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal, Vol. I. 2ª Ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris. 2006. 387 p.

MADEIRA, Ronaldo Tanus .A Estrutura Jurídica da Culpabilidade. Rio de

Janeiro: Lumen Juris. 1999. 174 p.

MICHAELIS. Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Editora

Melhoramento. 1998.

PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol. I. 6ª Ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais. 2006. 782 p.

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral, 2ª Ed. Curitiba:

Lumen Iuris. 2007. 737 p.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5ª Ed. São

Paulo: Saraiva. 1994. 362 p.

www.stf.gov.br – Jurisprudência.

www.stj.gov.br – Jurisprudência.

www.tj.rj.gov.br – jurisprudência.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito

Penal Brasileiro. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2001. 890 p.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTOS 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

SUMÁRIO 6

INTRODUÇÃO 7

CAPÍTULO 1 – EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE DELITO

1.1- Crime e Delito 09

1.2- O Conceito de Delito 10

1.3- A Teoria Causal da Conduta 17

1.4- A Teoria Finalista da Conduta 18

1.5- A Teoria Social da Conduta 20

1.6- A Teoria da Imputação Objetiva 21

1.7- A Teoria Adotada Pelo Código Penal Brasileiro 22

CAPÍTULO 2 – A CULPABILIDADE

2.1- Conceito e Evolução 28

2.2- Elementos 32

2.3- A culpabilidade apenas como pressuposto de pena 35

2.4- As causas que excluem a culpabilidade 36

2.5- A Culpabilidade e a Sentença Penal 44

CAPÍTULO 3 – A CULPABILIDADE E A PERSECUÇÃO PENAL

3.1- A tipicidade e a ilicitude na persecução penal 47

3.2- A culpabilidade e a punibilidade na persecução penal 57

CONCLUSÃO 64

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 67

ÍNDICE 69

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes – Projeto A Vez do

Mestre

Título da Monografia: A culpabilidade no Conceito Analítico de Delito

Autor: Alexander Brandes da Silva

Data da entrega: 25 de setembro de 2007.

Avaliado por: Conceito: