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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE CONTROLE JUDICIAL DO ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO Arnaldo Antonio Ferreira de Brito Orientadora Prof. Drª. Cláudia Gurgel Rio de Janeiro 2008

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE

CONTROLE JUDICIAL DO ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO

Arnaldo Antonio Ferreira de Brito

Orientadora Prof. Drª. Cláudia Gurgel

Rio de Janeiro

2008

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE

CONTROLE JUDICIAL DO ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO

Apresentação de monografia à Universidade Cândido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Direito Público e Tributário. Por: Arnaldo Antonio Ferreira de Brito.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus familiares, meus amigos, minha esposa Tatiana e ao meu filho Gustavo, minha inspiração.

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DEDICATÓRIA

Dedico aos meus pais, que mais uma vez contribuíram para mais uma conquista ao longo da minha trajetória.

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RESUMO

Em nosso país, cada vez mais se exige do poder público uma atuação eficaz no gerenciamento das necessidades da população. E o Poder Executivo, por meio de atos administrativos, é quem mais produz ações concretas para a solução dessas necessidades. Entretanto, por variados motivos, muitas vezes por erro ou dolo, esses atos podem transgredir o ordenamento jurídico, ferindo um direito individual ou coletivo. É preciso, então, que hajam mecanismos capazes de sanear esse problema. O controle de legalidade dos atos administrativos é feito essencialmente pelo Poder Judiciário, embora também possa ser exercido pelos Poderes Executivo e Legislativo. O estudo pretende tecer uma análise sobre o ato administrativo discricionário, o qual está mais sujeito a ser editado arbitrariamente pela Administração Pública, buscando na doutrina as justificativas para a delimitação de seu campo de atuação, para que seja possível ao judiciário exercer um controle não somente de legalidade em sentido estrito, mas também fazendo uso das diretrizes principiológicas, fortalecidas com sua positivação no ordenamento jurídico brasileiro.

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METODOLOGIA

O presente trabalho buscou na doutrina pátria o suporte teórico para a defesa de um controle judicial da atividade discricionária da Administração Pública. Nesse contexto, procurou-se examinar na jurisprudência a aplicação dos princípios gerais de Direito, especialmente aqueles previstos implícita ou explicitamente na Constituição Federal.

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SUMÁRIO

Introdução 08

Capítulo 1 – Atos administrativos 11

1.1 Elementos

1.2 Atributos

Capítulo 2 – Vinculação e discricionariedade administrativa 23

Capítulo 3 – A importância dos princípios no controle da discricionariedade

administrativa 34

3.1 – Princípio da legalidade

3.2 – Princípio da impessoalidade

3.3 – Princípio da moralidade administrativa

3.4 – Princípio da publicidade

3.5 - Princípio da Razoabilidade/Proporcionalidade

Capítulo 4 – Análise de julgados 44

Conclusão 49

Bibliografia 51

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INTRODUÇÃO

A sindicabilidade judicial da competência discricionária, tema deste trabalho, é

o controle efetuado pelo Poder Judiciário sobre a prerrogativa conferida pelo

legislador ao administrador público para editar atos administrativos, com liberdade

na valoração do mérito que fundamenta uma atuação estatal e na escolha do melhor

resultado jurídico em benefício do interesse público.

Sem perder de vista a necessária harmonização entre os princípios

constitucionais da inafastabilidade da tutela jurisdicional e o da separação de

poderes, este trabalho não se restringe a descer a uma análise da discricionariedade

administrativa e sua estrutura, conforme o pensamento doutrinário predominante.

Ele vai além de se perquirir sobre uma conceituação do poder discricionário e dos

elementos e atributos constantes do mesmo.

Deste modo, ao se propor apresentar o sentido da discricionariedade e a

razão pela qual o ordenamento jurídico, em alguns casos, confere essa atribuição de

praticar atos segundo critérios próprios da Administração, torna-se imperiosa a

necessidade de se expor a fronteira que esse poder não poderá ultrapassar.

A compreensão do controle jurisdicional da discricionariedade, como controle

de juridicidade, e não apenas de legalidade, revela a superação do positivismo

legalista, que pretendia reduzir o Direito à aplicação apenas das leis escritas.

Os princípios, cuja superioridade e hegemonia na pirâmide normativa se

reconhece a partir de sua positivação nos textos constitucionais, rotulados de

normas-chaves de todo o ordenamento jurídico na época do “pós-positivismo”, são

compreendidos, equiparados e até mesmo confundidos com os valores

fundamentais que governam a ordem jurídica.

Sobre esse aspecto, a partir da Carta Política de 1988, ocorreu a

constitucionalização dos princípios da Administração Pública. O artigo 37 da

Constituição Federal refere-se de forma expressa aos princípios de observância

indeclinável pela Administração Pública Direta e Indireta, de qualquer dos Poderes

da União.

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Ademais, a partir de formulações doutrinárias e da elaboração jurisprudencial,

somando-se aos princípios positivados explicitamente no texto constitucional, tem-se

admitido a utilização de princípios gerais de direito como técnica de controle

jurisdicional da atividade administrativa. Entre esses princípios destacam-se os

princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

A constitucionalização desses princípios gerou para o Poder Judiciário a

possibilidade de verificar, além da conformidade dos atos administrativos com a lei,

ao exercer o controle dos seus aspectos vinculados, à luz do princípio da legalidade,

também aspectos não vinculados desses atos.

É de induvidosa importância o estudo das teorias que definem o âmbito em

que se situa a discricionariedade, para que se torne possível considerar até que

ponto se concebe um controle judicial sobre os atos administrativos discricionários.

Afinal, quando o ente administrativo atua com liberdade de valoração, de escolha e

de decisão frente ao caso concreto, que pugna por uma atuação administrativa com

vistas à realização do interesse público, sua atuação é, à primeira vista, isenta de

verificação por outro Poder Estatal.

De toda a sorte, como a ordem jurídica brasileira encontra-se sob a égide do

Estado Democrático de Direito, é de suma importância a análise da

discricionariedade não só frente aos seus fundamentos, mas, sim, até onde essa

liberdade poderá desaguar, eis que o seu uso indiscriminado fere o sistema legal,

lesiona direitos individuais e não realiza o fim do interesse público que cerca a

atividade estatal.

Por essa razão, os princípios são importantes para estabelecer uma fronteira

que não poderá ser ultrapassada no uso da competência discricionária, pois sua não

observância distorce a essência desse poder, configurando-se um arbítrio

administrativo. O presente trabalho demonstrará que o ato advindo de práticas

dessa natureza poderá ser invalidado pelo Poder Judicário.

Em síntese, analisam-se a discricionariedade administrativa, seus limites e o

controle judicial a ser exercido quando a mesma não se contém em sua esfera legal.

Entretanto, antes de se analisar a discricionariedade administrativa, é

necessário conceituar o ato administrativo, verificar seus elementos e atributos, bem

como a diferença existente entre os atos administrativos vinculados e os

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discricionários. A partir daí, então, demonstrar a principialização do controle da

atividade administrativa.

Portanto, ainda que o uso da competência discricionária seja imprescindível,

como instrumento de otimização da realização do Direito no caso concreto e meio de

obtenção da eficiência nos desempenhos administrativos, é preciso “evoluir cada vez

mais, no sentido da completa justiciabilidade da atividade estatal e fortalecer o postulado da

inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial, pois, a progressiva redução e

eliminação dos círculos de imunidade de poder há de gerar, como expressivo efeito

conseqüencial, a interdição de seu exercício abusivo”, consoante averbou o eminente

Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal1

1 Cf. Mandado de Segurança nº 20.999, julgado em 31.03.199, in DJ de 25.05.1990, p. 4.605.

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CAPÍTULO 1: ATOS ADMINISTRATIVOS

A separação de poderes apresenta-se como um dos pressupostos da

existência do direito administrativo, uma vez que, se a Administração não estivesse

separada dos outros poderes do Estado, dificilmente poderia existir um direito

específico que disciplinasse sua atuação. É pacífico na doutrina o entendimento de

que o Poder Político, mesmo uno, indivisível e indelegável, exterioriza-se mediante

suas funções, que são exercidas pelos respectivos órgãos estatais.

Esses órgãos, denominados “Poderes” pelo artigo 2° da Constituição Federal,

exercem funções distintas: a legislativa, a executiva e a judicial. Contudo, apesar da

Carta Magna estabelecer a especialização de funções e a independência orgânica, o

princípio não é absoluto. O verdadeiro objetivo é uma colaboração de Poderes e um

efetivo equilíbrio no exercício das funções estatais, visando ao bem de toda

sociedade.

No tocante à função executiva realizada predominantemente pela

Administração Pública, verifica-se que se ela se manifesta por meio de atos

jurídicos, que são denominados atos administrativos. Estes são atos produtores de

efeitos jurídicos e sujeitos ao regime jurídico administrativo.

Contudo, a realização de atos administrativos não se restringe ao Poder

Executivo, pois a função administrativa, própria desse Poder, também é exercida

pelos Poderes Legislativo e Judiciário. Além disso, a Constituição prevê algumas

interferências com o fim de assegurar um sistema de freios e contrapesos. É nesse

enfoque que Michel Temer salienta: “Cada órgão do Poder exerce, preponderantemente,

uma função, e, secundariamente, as duas outras. Da preponderância advém a tipicidade da

função; da secundariedade, a atipicidade”.2

Os poderes legislativo e judiciário possuem em suas esferas órgãos

administrativos, os quais atuam observando o regime jurídico administrativo. As

hipóteses de concessão de férias, de aposentadoria, de licença e a punição de um

2TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 7ª. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 118.

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servidor são atos de natureza administrativa e, nesse teor, não estão relacionados

tão somente ao órgão executivo. Nesse particular salienta Miguel Seabra Fagundes:

“Assim como há atos legislativos, por natureza, que emanam dos Poderes Executivos e Judiciário, também existem atos materialmente administrativos, que não são praticados pela Administração Pública e sim pelos órgãos legislativo e judicante. Assim, quando a Câmara dos Deputados ou o Conselho Federal nomeiam funcionários das suas secretarias, praticam atos tipicamente administrativos. Quando os tribunais concedem licenças aos seus membros , aos juízes e serventuários, que lhes são imediatamente subordinados...estão exercendo atos administrativos pelo conteúdo”.3

Assim sendo, vale ressaltar o critério objetivo ou material para definir em um

primeiro plano o que se caracteriza como ato administrativo. Nesse propósito, cabe

apresentar a conceituação partindo desse aspecto utilizada por Maria Sylvia Zanella

Di Pietro: “Pelo critério objetivo, funcional ou material, ato administrativo é somente

aquele praticado no exercício da função administrativa, seja ele editado pelos órgãos

administrativos ou pelos órgãos judiciais e legislativos”.4

No entanto, a primeira noção de ato administrativo é aquela que parte do

conceito de ato jurídico, que é fornecido pela teoria geral do direito. O Código Civil

de 1916 estabelecia em seu artigo 81 a definição de ato jurídico como: “Todo ato

lícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou

extinguir direitos”.

Dessa forma, muitos doutrinadores o consideram como espécie do gênero ato

jurídico. Entretanto, ele é dotado de um plus que é próprio de sua espécie. Esse

acréscimo é a finalidade pública, requisito indispensável de todo ato administrativo.

A propósito, segundo a definição de Hely Lopes Meirelles:

“Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública, que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria”.5

3 FAGUNDES, M. Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1957, p. 49.

4 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 178. 5 MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 145.

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Então, de acordo com esse conceito, verifica-se que para a realização do ato

administrativo, deve estar presente a supremacia do Poder Público na expedição de

atos visando ao interesse geral da sociedade. Nessa espécie de ato, a

Administração age unilateralmente, logo, não em nível de paridade com o particular.

Com isso, este estará em posição de submissão em face do interesse público em

jogo.

Os atos administrativos distinguem-se dos atos bilaterais da Administração

Publica. Nestes, ela atua em consonância de vontade com o particular, constituindo

os contratos administrativos. Apesar disso, vale esclarecer que mesmo nesses atos

que decorrem da manifestação de vontade de ambos, a Administração não se despe

de suas prerrogativas e restrições, pois nunca pode se distanciar do interesse

público.

A noção de que o ato administrativo constitui espécie do gênero ato jurídico

não deve afastar o entendimento de que os mesmos podem ser realizados por

outros órgãos do Poder Público ou pelas pessoas que o representam. Nesse teor

vale a definição empregada por José Cretella Júnior:

“Ato administrativo é toda manifestação de vontade do Estado, por seus representantes, no exercício regular de suas funções, ou por qualquer pessoa que detenha, nas mãos, fração de poder delegada pelo Estado, que tem por finalidade imediata criar, reconhecer, modificar, resguardar ou extinguir situações jurídicas subjetivas, em matéria administrativa ”.6

Há também definições que não excluem o controle que o judiciário exerce

sobre atos, com o fim de verificar a legalidade que sempre deve estar presente.

Ademais, com isso, se ressalta a distinção entre os atos administrativos e os

judiciais. Neste enfoque está a definição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

“...declaração unilateral do Estado no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante comandos concretos complementares da lei...expedidos a título de lhe dar cumprimento e sujeitos a controle de legitimidade por órgão jurisdicional”.7

6 CRETELLA JÚNIOR, Curso de Direito Administrativo, 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 219. 7 MELLO, Celso A. B. de, Elementos de Direito Administrativo. 2ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 91

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Os atos administrativos decorrem da supremacia que o Poder Público, como

realizador do bem da coletividade administrada, possui sobre os interesses

individuais. Dessa forma, são realizados sob regime jurídico administrativo e, com

isso, sujeitos aos privilégios e restrições próprios da Administração Pública.

O controle judicial dos atos administrativos verifica a conformidade dos

mesmos com a lei. Ademais, a submissão do ato às normas jurídicas constitui uma

verdadeira garantia do Estado de Direito. Um ato que não está adequado ao sistema

normativo é eivado de ilegalidade e, com isso, desprovido de capacidade para

atender ao fim de todo o ato administrativo: o interesse público. Em relação a essa

vinculação à lei, esclarece Miguel Seabra Fagundes:

“...sendo a função administrativa, que constitui o objeto das atividades da Administração Publica, essencialmente realizadora do direito, não se pode compreender seja exercida sem que haja texto legal autorizando-a ou além dos limites deste”.8

Assim, quando o Estado manifesta sua vontade visando criar, reconhecer,

modificar, resguardar ou extinguir situações jurídicas em nome da finalidade pública,

está se utilizando de um ato administrativo. Estes produzem efeitos jurídicos e são

regidos pelo regime jurídico administrativo. Entretanto, não escapam da submissão

ao princípio da legalidade. Partindo dessas premissas, Maria Sylvia Zanella Di Pietro

o conceitua como: “...declaração do Estado ou de quem o represente, que produz

efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito

público e sujeita a controle pelo judiciário”.9

4.1. Atributos do ato administrativo

O ato administrativo, como manifestação de vontade do Poder Estatal, é

dotado de atributos especiais que o distingue dos atos jurídicos emanados dos

particulares. Essas características peculiares decorrem da posição de supremacia

do Estado como ente realizador dos fins públicos. Com isso, o ato dessa espécie

possui uma série de atributos e os mesmos configuram-se como prerrogativas do

Poder Público, das quais a autoridade que o manifesta não pode se distanciar.

8 FAGUNDES, op. cit, p. 113. 9 DI PIETRO, op. cit, p. 181.

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4.1.1. Presunção de legitimidade e veracidade

A presunção de legitimidade é uma qualidade da qual se reveste o ato

administrativo referente à sua conformidade com os ditames legais. Dessa forma, os

atos administrativos se presumem legais até prova em contrário. Portanto, essa é

uma presunção juris tantum de legitimidade.

Já a presunção de veracidade relaciona-se com os fatos, pois em razão dela

também presumem-se verdadeiros os fatos alegados pelo Poder Público. Este

manifestou sua vontade com vistas a satisfazer o interesse público. Dessa forma, as

declarações, atestados e certidões são dotados de fé pública.

Esse atributo permite que os atos da Administração Pública não sejam

indagados e colocados em dúvida, pois é de conhecimento dos particulares que a

mesma se sujeita ao princípio da legalidade, fundamento de toda sua atuação.

Ademais, em virtude dessa característica, os fins de interesse público tendem a ser

alcançados com maior segurança e rapidez. Sobre o tema preconiza Manoel Maria

Diez:

“...a presunção de legitimidade dos atos administrativos responde a exigência de celeridade e segurança das atividades do Poder Público, que não poderiam ficar na dependência da solução de impugnação dos administrados, quanto à legitimidade de seus atos, para, só após, dar-lhes execução”.10

Do exposto, sendo expedido um ato administrativo, será o mesmo dotado de

execução imediata. Assim, caso o mesmo esteja viciado por ferir o campo da

legalidade, produzirá efeitos até que seja invalidado pela própria Administração ou

pelo Judiciário.

4.1.2. Imperatividade

Os atos administrativos são impostos ao particular independentemente da sua

concordância. Porque dotados de coercibilidade, a Administração os estabelece

através de atos unilaterais, que serão cumpridos em razão desse atributo.

A imperatividade não está presente em todos os atos da Administração, pois

se limita aos atos administrativos propriamente ditos. Dessa maneira, está fora do

âmbito dos atos que só conferem direitos solicitados, como na permissão e na

10 DIEZ, Manoel Maria apud MEIRELLES, op. cit, P. 135.

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licença. Ademais, está ausente nos atos meramente enunciativos, como as certidões

e pareceres.

Portanto, nos atos dotados de imperatividade se presencia uma submissão do

particular, que deverá cumprir e atender plenamente o ato. Isso decorre da

supremacia e dos fins visados pelo Poder Público. Contudo, o particular tem a

garantia de que a Administração está agindo em virtude do interesse público e que

está submetida à lei.

4.1.3. Auto-executoriedade

Esse atributo permite que o ato administrativo seja posto em execução pela

Administração Pública, sem necessidade da intervenção prévia do Poder Judiciário.

É um poder que estará presente em certas hipóteses para que a Administração

execute imediata e diretamente seus atos, sem interferências, uma vez que ela

melhor que ninguém conhece sua esfera de atribuições.

Contudo, esse atributo só estará presente quando a lei expressamente o

prever, como nos casos dos contratos em que a lei admite a encampação sem a

necessidade da via judicial. Nos casos em que a Administração age em nome do

poder de polícia administrativa, quando, por exemplo, cassa licenças de

funcionamento. Ademais, esse atributo também estará presente nos casos que

reclamam execução imediata, sob pena de ferir o interesse público.

A presença desse atributo não obsta que o particular lesado pela execução

do ato reclame pela via judicial uma indenização por eventuais lesões. Assim, caso a

pessoa interessada provoque o judiciário, será realizado um controle posterior do

referido ato.

Dessa maneira, o ato poderá ter sua execução sustada pela via judicial, caso

seja contrário à lei. Por outro lado, também poderá ser invocada pelo particular a

regra da responsabilidade objetiva do Estado, por ato de seus agentes, prevista no

artigo 37, § 6° da Constituição Federal, que estabelece:

“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”

Cabe ressaltar que esse atributo é fracionado por alguns doutrinadores. Estes

presenciam a exigibilidade, como o meio de que dispõe o Poder Público para criar

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obrigações aos particulares sem necessidade de anterior intervenção do Poder

Judiciário. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “...no caso da exigibilidade, a

Administração se utiliza de meios indiretos de coerção, como a multa ou outras

penalidades administrativas impostas em caso de descumprimento do ato”. 11

Em relação à executoriedade, alguns autores a consideram como a

verdadeira forma de utilização da força coercitiva pelo Poder Público. Ainda de

acordo com a mesma autora: “...a Administração emprega meios diretos de coerção,

compelindo materialmente o administrado a fazer alguma coisa, utilizando-se

inclusive da força”. 12

4.2. Elementos do ato administrativo

O ato administrativo reclama a presença de alguns elementos que são

imprescindíveis para a formação do ato. Os mesmos formam a essência do ato,

pois, se ausentes, descaracterizam-no e retiram sua validade.

No entanto, encontra-se em sede de doutrina uma divergência acerca da

denominação desses fatores indispensáveis. Alguns os denominam como elementos

do ato, porém, há também a corrente que considera os mesmos como requisitos do

ato.

Na verdade, os elementos estão relacionados com a existência do ato, sendo

assim, indispensáveis para a validade dos mesmos. Já os requisitos se referem aos

elementos em conjunção com características que possibilitam a produção de efeitos

jurídicos. Em relação a essa divergência, posiciona-se José Cretella Júnior:

“...agente, objeto e forma seriam os elementos que, agrupados, determinariam a existência do ato, enquanto que os requisitos seriam esse mesmos elementos, mas em tal estágio de preparação (agente capaz, objeto lícito, forma prescrita) que, presentes, confeririam ao ato administrativo condições necessárias e suficientes para que pudesse produzir os efeitos jurídicos pretendidos. Segundo a generalidade dos autores, não fazemos distinção entre elementos e requisitos dos atos administrativos”. 13

11 DI PIETRO, op. cit. P. 185. 12 Idem 13 CRETELLA JÚNIOR, op. cit, p. 281.

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A propósito, a Lei da Ação Popular (4.717, de 29/6/65) estabelece em seu

artigo 2º os cinco elementos dos atos administrativos: competência, forma, objeto,

motivo e finalidade.

4.2.1. Competência

A competência é o conjunto de atribuições concedidas por lei às pessoas

jurídicas, órgãos e agentes que realizam as atividades assumidas pelo ente estatal e

com o fim previamente de atendimento do interesse público.

Para que o ato seja válido, deve necessariamente ser praticado com

observância da competência. Essa é distribuída pela Constituição Federal às

pessoas públicas políticas (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) e, pela lei,

aos órgãos e agentes incumbidos de atender ao fim público.

Ela se origina do poder atribuído pela lei, para o exercício de funções

administrativas. Dessa forma, seu limite é o espaço determinado pela própria lei, não

podendo dele se afastar, sob pena de praticar ato inválido.

A competência é um elemento vinculado de todo ato administrativo, com isso,

ela deve ser sempre observada de acordo com os ditames da lei instituidora. Em

relação a esse requisito, Hely Lopes Meirelles também observa o seguinte:

“A competência administrativa, sendo um requisito de ordem pública, é intransferível e improrrogável pela vontade dos interessados. Pode, entretanto, ser delegada e avocada, desde que o permitam as normas reguladoras da Administração. Sem que a lei faculte essa deslocação de função, não é possível a modificação discricionária da competência, porque ela é elemento vinculado de todo ato administrativo e, pois, insuscetível de ser fixada ou alterada ao nuto do administrador e ao arrepio da lei”.14

4.2.2. Objeto

Também considerado como conteúdo do ato, refere-se ao efeito jurídico

imediato a ser produzido com a manifestação de vontade da Administração Pública.

Como espécie do gênero ato jurídico, os atos administrativos causam uma

modificação, criação ou extinção nas relações jurídicas que estão ligadas ao

desempenho estatal para satisfação da necessidade pública.

14 MEIRELLES, op. cit, p. 147.

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Nos atos discricionários, o objeto será colocado à escolha da Administração,

ou seja, diante do caso, ela vai determinar qual o efeito a ser produzido sobre as

pessoas, bens e direitos do particular. Contudo, quando o ato for vinculado, a lei

estabelece um único objeto como realizador do fim de interesse público, do qual a

Administração não poderá se afastar.

4.2.3. Forma

O ato administrativo para ser válido necessita observar a forma prescrita em

lei para sua exteriorização. Ele poderá ter a forma verbal ou escrita, de decreto,

portaria ou resolução, de acordo com o estabelecido pela lei e, com isso, será ilícito

se tiver desobedecido aos ditames legais. Num outro aspecto, o ato não será válido

se todas as fases de um procedimento não tiverem sido obedecidas.

No campo do direito administrativo, todo ato é, em regra, formal, sendo a

liberdade a exceção. Logo, essa é mais uma característica que distingue esses atos

dos atos praticados pelos particulares, pois nestes a regra é a liberdade de forma.

A forma é o meio através do qual a Administração exterioriza materialmente

seus atos. Assim, ela configura-se como uma garantia para os administrados, pois o

Judiciário, controlando o ato, vai verificar se as formalidades ditadas pela lei foram

observadas. Por outro lado, é também uma garantia para a própria Administração,

pois esta, através de seu poder de autotutela, fiscaliza se seus próprios atos foram

manifestados em consonância com a lei.

4.2.4. Finalidade

A finalidade de todo o ato administrativo é o atendimento do interesse público,

isto é, a realização dos anseios e necessidades da sociedade que se administra.

Verifica-se com isso, que toda atuação estatal está vinculada a esse fim, não

podendo do mesmo se afastar.

Todo ato da Administração Pública, seja vinculado ou discricionário, não

poderá distanciar-se desse fim. Isso porque, em sentido amplo, a finalidade sempre

corresponde à concretização do interesse público. No sentido restrito, a finalidade é

o resultado a ser produzido de acordo com estabelecido de forma explícita ou

implícita pela lei.

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Sempre que a finalidade de interesse público ou aquela mais restrita definida

pela lei for ignorada pelo legislador, este terá atuado com desvio de poder, pois

praticou um ato contrário ao fim público. E todo ato do administrador deve atender

aos interesses gerais da sociedade, pois estes são irrenunciáveis.

4.2.5. Motivo

O ato administrativo é sempre baseado num motivo determinante de sua

realização. Assim sendo, configura-se como o pressuposto de fato ou de direito que

serve como razão fundamental para a prática do ato.

O pressuposto de fato está relacionado com as circunstâncias e situações

que autorizam a prática do ato. Já o pressuposto de direito classifica-se como o

dispositivo de lei que determina a prática do ato pela Administração Pública.

Quando o motivo que preconiza o ato estiver expresso no texto legal, a ação

do administrador será vinculada, pois não poderá se afastar do estabelecido pela lei.

Contudo, quando o motivo for deixado ao critério do administrador, o mesmo estará

diante de uma atuação discricionária, sendo que por meio dela deverá fazer um

valoração subjetiva, visando a atender de forma integral ao interesse público.

O motivo é distinto da motivação do ato, pois esta é a demonstração por

escrito da existência do primeiro, ou seja, é a comprovação de que os pressuposto

de fato ou de direito que embasaram a atuação administrativa realmente estavam

presentes. Contudo, há em sede de doutrina uma divergência acerca da

obrigatoriedade ou não da motivação. Em relação ao tema estabelece Maria Sylvia

Zanella Di Pietro:

“Para alguns, ela é obrigatória quando se trata de ato vinculado, pois, nesse caso, a Administração deve demonstrar que o ato está em conformidade com os motivos indicados na lei; para outros, ela somente é obrigatória no caso dos atos discricionários, pois, sem ela, não se teria meios de conhecer e controlar a legitimidade dos motivos que levaram a Administração a praticar o ato”. 15

Então, alguns doutrinadores consideram que só os atos vinculados exigem a

motivação. Os atos discricionários, para essa corrente, possuem a faculdade de não

exigir a motivação, porém, caso a mesma seja feita, vai atuar como fator vinculante

15 DI PIETRO, op.cit, p. 195.

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21

e, caso os motivos sejam falsos ou inexistentes, nulo será o ato praticado, Nesse

teor, segundo lição de Hely Lopes Meirelles:

“Portanto na atuação vinculada ou discricionária, o agente da Administração, ao praticar o ato, fica na obrigação de justificar a existência do motivo, sem o que o ato será inválido ou, pelo menos, invalidável, por ausência de motivação. Quando, porém, o motivo não for exigido para a perfeição do ato, fica o agente com a faculdade discricionária de praticá-lo sem motivação, mas, se o fizer, vincula-se aos motivos aduzidos, sujeitando-se à obrigação de demonstrar a sua efetiva ocorrência”. 16

O que parece prevalecer é o entendimento de que tanto os atos

discricionários como os vinculados exigem para a sua perfeição a motivação. Isso

porque, através dela, se possibilita um controle de legalidade pelo Poder Judiciário e

pela própria Administração, através de seu poder de autotutela. Ademais, a

motivação é um princípio constitucional, pois segundo o artigo 93, X: “As decisões

administrativas dos tribunais serão motivadas, sendo as disciplinares tomadas pelo

voto da maioria de seus membros”.

Também relacionada com o elemento motivo do ato administrativo, está a

teoria dos motivos determinantes. Segundo ela, quando a Administração Pública

motiva o ato, mesmo sem a exigência legal, fica vinculada à existência do mesmo.

Dessa forma, se os motivos forem falsos ou inexistentes o ato administrativo será

inválido. A propósito, estabelece Celso Antônio Bandeira de Mello: “Uma vez

enunciados pelo agente os motivos em que se calçou, ainda quando a lei não haja

expressamente imposto a obrigações de enuncia-los, o ato só será válido se estes

realmente ocorreram e o justificavam”. 17

Assim, quando o motivo não é previsto pela lei, detém o Administrador uma

faculdade discricionária de não motivá-lo. Porém, caso ele realize a motivação

estará adstrito aos fundamentos demonstrados e, com isso, ele terá que comprovar

que os mesmos realmente se apresentaram. Sobre esse tema exemplifica Hely

Lopes Meirelles:

16 MEIRELLES, op. cit, p. 149. 17 MELLO, Celso A. B. de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 229.

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“Assim, para a dispensa de um servidor exonerável ad nutum, não há

necessidade de motivação do ato exoneratório, mas se forem dados

os motivos, ficará a autoridade que os deu sujeita à comprovação de

sua real existência”. 18

18 MEIRELLES, op. cit, p. 150.

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CAPÍTULO 2: VINCULAÇÃO E DISCRICIONARIEDADE

O princípio da legalidade é também um princípio basilar do Estado

Democrático de Direito. É da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição

e fundar-se na legalidade democrática. Diante deste postulado fundamental, tanto os

indivíduos como a Administração Pública se submetem ao princípio da legalidade,

pois este se configura como um dos princípios fundamentais do ordenamento

jurídico constitucional.

Além dessa submissão ao direito positivo, a Administração Pública, no

desempenho de sua atribuição de tutela e gerência dos interesses coletivos, possui

prerrogativas, as quais, logicamente, devem ser exercidas nos limites da lei, pois

quando a Administração age com supremacia sobre os administrados é sempre em

benefício do interesse maior da coletividade.

Desse modo, deve ficar bem esclarecido que o ente estatal não se afasta da

submissão à lei, mesmo com as prerrogativas de Poder Público. De outra forma, a

vida social se transformaria num caos. Além disso, cairia por terra o Estado

Democrático de Direito.

Nesse campo de atribuições em que se constata a supremacia do interesse

geral da coletividade sobre os interesses dos particulares vistos isoladamente, o

ente público realiza atos administrativos.

Esses atos unilaterais possuem certos atributos como a presunção de

legitimidade ou de veracidade, a imperatividade e a auto-executoriedade. Esses

atributos constituem-se em verdadeiras prerrogativas do Poder Público, que são

concedidas ao ente que realiza funções administrativas, em face das metas visadas

por essa atividade.

Tais prerrogativas podem ser entendidas, numa primeira impressão, como

faculdade do Poder Público, porém, constituem um poder-dever irrenunciável pela

Administração quando exerce atividades voltadas aos anseios da coletividade.

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Ela não poderá em sua atuação se afastar dos mecanismos que são

concedidos para propiciar uma eficiente realização do interesse público, fim de toda

atividade estatal. É nesse sentido que José Cretella Júnior esclarece que: “A

autoridade administrativa é obrigada a tomar toda e qualquer providência em prol do

interesse público”.19

Logo, as prerrogativas concedidas ao poder estatal visam ao desempenho de

atividades voltadas à proteção do interesse público. Com isso, a Administração em

sua esfera de ingerência deve promover o bem comum e a defesa e manutenção da

ordem social.

E para a efetiva realização de suas atribuições, a Administração vai editar

atos administrativos que serão vinculados ou discricionários, dependendo do

disposto pela lei. O que, na verdade, é uma decorrência dos chamados poder

vinculado e poder discricionário.

Por outro lado, como visto anteriormente, a atuação administrativa encontra

um limite que é o princípio da legalidade. Esse princípio configura-se como um dos

sustentáculos do Estado Democrático de Direito. Em razão disto, toda atividade da

Administração Pública deverá estar em consonância com as normas jurídicas.

Assim, com essa sujeição às normas jurídicas, os administrados possuem

uma proteção contra abusos do Poder Público. Além disso, a Constituição Federal

estabelece esse princípio expressamente em seu artigo 5º, inciso II, que dispõe:

“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de

lei”.

Ela não poderá, em seu âmbito de atuação, afastar-se da lei e seus

postulados, sob pena de comprometer seus atos e, com isso, eivá-los de ilegalidade,

já que abusivos e arbitrários. Sobre o princípio da legalidade, que rege toda a

atividade administrativa, preconiza Afonso Rodrigues Queiró:

“... de acôrdo com o qual tôdas as decisões ou atos unilaterais da Administração, dotados de eficácia jurídica externa, quer assuma o caráter de atos individuais e concretos (atos administrativos sensu estricto), quer assumam o caráter de atos genéricos e abstratos (atos regulamentares), têm que basear-se numa norma legal, têm, em suma, que ter o seu pressuposto na lei. Esta está ou deve estar, por assim dizer, na origem de tôdas as manifestações de vontade da

19 CRETELLA JÚNIOR, op. cit., p. 16.

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Administração com relevância jurídica externa, isto é, de todos os seus atos que contendam com os direitos e interesses de terceiros”20

Então, a Administração Pública em seu campo de atuação está restrita à lei.

Essa subordinação se apresenta como uma verdadeira garantia para os indivíduos,

pois em virtude dela paira sobre os administrados uma maior tranqüilidade e

segurança em relação às ações do poder público, que elevam de forma suprema o

interesse público.

De acordo com o exposto, ao desempenhar suas funções a Administração

Pública dispõe de duas espécies de poderes: o vinculado e o discricionário. Esses,

logicamente, submetem-se ao princípio da legalidade, que vigora em toda extensão

de atividades administrativas. Quanto aos mesmos, é relevante citar o entendimento

de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Quanto aos chamados poderes discricionário e

vinculado, não existem como poderes autônomos; a discricionariedade e a

vinculação são, quando muito, atributos de outros poderes ou competências da

Administração”.21

Há determinados casos em que a Administração atua completamente

vinculada à lei, sem nenhuma parcela de apreciação subjetiva. Nessas hipóteses,

encontra-se em evidência o poder vinculado, também conhecido como regrado, pelo

qual todos os elementos do ato administrativo (competência, forma, finalidade,

motivo e objeto) estão determinados pela lei.

A sujeição é havida como total porque o legislador, nesses casos, já

estabeleceu todos os requisitos do ato. Dessa forma, o administrador não terá a

chance de apreciar subjetivamente os aspectos concernentes ao interesse público,

motivo e objeto do ato. A autoridade legislativa se adiantou e valorou

antecipadamente todos esses aspectos.

Diante da competência vinculada, não é deixada qualquer opção à autoridade

administrativa. Ademais, como esta não tem a faculdade de escolher a melhor

solução para o atendimento do interesse público, deverá editar o ato em

consonância com os ditames legais. A propósito, sustenta Odete Medauar:

20 QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. Os limites do Poder discricionário das autoridades administrativas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, nº 97, p 1-8, jul./set., 1969.

21 DI PIETRO, op.cit, p. 86.

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“Há poder vinculado quando o administrador, ante determinada circunstância, é obrigado a tomar determinada decisão, pois sua conduta é ditada previamente pela norma jurídica. O traço original do poder vinculado é o automatismo, pois a autoridade administrativa não necessita procurar qual a melhor solução em determinada circunstância, pois só há uma solução, aquela previamente determinada pela lei”.22

Assim, como se vê, em face de um poder vinculado da Administração, o

particular possui o direito subjetivo de exigir que a Administração edite o ato, sob

pena de cometer uma arbitrariedade.

Verifica-se, então, que o administrador encontra-se totalmente tolhido quando

a norma jurídica estabelece de forma total os requisitos de sua atuação. Logo,

deverá editar o ato respeitando todas as especificações legais. Caso ele desatenda

a lei, o ato será nulo, e com isso, a ilegalidade poderá ser declarada pela própria

Administração ou pelo Judiciário, sendo este último provocado pelo interessado.

Nesse sentido, vale ressaltar a colocação de Hely Lopes Meirelles:

“O princípio da legalidade impõe que o agente público observe, fielmente, todos os requisitos expressos na lei como da essência do ato vinculado. O seu poder administrativo restringe-se, em tais casos, ao de praticar o ato, mas de o praticar com todas as minúcias especificadas na lei. Omitindo-as ou diversificando-as na sua substância, nos motivos, na finalidade, no tempo, na forma ou no modo indicado, o ato é invalidado, e assim pode ser reconhecido pela própria Administração ou pelo Judiciário, se o requerer o interessado”.23

Na realização de um ato vinculado, depara-se a autoridade com a obrigação

de motivá-lo, ou seja, com o dever de explicitar a sua conformação com as

determinações legais. A motivação de um ato administrativo vinculado à lei

demonstra a conformação do mesmo com os requisitos indispensáveis para a sua

validade. Aliás, assinala José Cretella Júnior:

“Mediante a motivação, que reúne os elementos de fato de direito determinantes da ação do Estado, fica justificada a concretização do ato administrativo. Nos casos em que a motivação é obrigatória, considera-se causa de invalidez do ato a falta, insuficiência, obscuridade, incerteza ou contradição nos motivos”.24

Portanto, os atos vinculados possuem todos os elementos e requisitos

necessários para a edição determinados pela lei. Com isso, a Administração Pública,

através de seu poder de autotutela, poderá declarar a nulidade do ato e retirá-lo do

22 MEDAUAR, Odete. Poder Discricionário da Administração. Revista dos Tribunais, São Paulo, nº 610, p. 38-45, agosto de 1986.

23 MEIRELLES, op.cit., p. 113. 24 CRETELLA JÚNIOR, op. cit., p. 311.

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mundo jurídico. Ressalte-se o teor da Súmula 473 do STF, no sentido de que a

própria Administração pode anular os seus atos quando eivados de vícios que

contribuem para a sua ilegalidade.

Além dessa possibilidade conferida à própria Administração, detém o Poder

Judiciário uma importante função. Esta é a revisão do ato quando requerida pelo

interessado. A propósito, esclarece Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

“com relação aos atos vinculados, não existe restrição, pois, sendo todos os elementos definidos em lei, caberá ao Judiciário examinar, em todos os seus aspectos, a conformidade do ato com a lei, para decretar a sua nulidade se reconhecer que essa conformidade inexistiu”.25

Em determinados casos, a Administração Pública possui uma maior liberdade

para agir e decidir de acordo com sua própria determinação. Neles ela apreciará

subjetivamente os aspectos relativos ao destinatário do ato, conteúdo do mesmo e a

conveniência e oportunidade para a satisfação dos fins públicos.

Nessa atuação em que se destaca a livre apreciação, o agente administrativo

expedirá atos com uma maior flexibilidade. Isso em virtude da parcela de escolha e

decisão concedida à Administração pela lei. Então, nessas hipóteses, o que

sobressai é o espaço de liberdade que o administrador terá à sua disposição.

Dessa forma, a lei permite à autoridade que pratica o ato uma parcela de

liberdade de decisão e, com isso, ela vai optar pela solução que melhor se adequar

ao interesse público. Essa atuação com maior maleabilidade é justificada pelo poder

discricionário que o próprio direito positivo confere à Administração Pública. Nesse

teor sustenta Afonso Rodrigues Queiró:

“o poder discricionário é concebido, entre nós, como uma certa margem de liberdade, concedida deliberadamente pelo legislador à Administração, a fim de que esta escolha o comportamento mais adequado para a realização de um determinado fim público”26.

Contudo, mesmo nesses casos a atuação não será totalmente livre, pois em

relação a certos requisitos do ato administrativo encontra-se a mesma totalmente

vinculada. Diante disso, em se tratando de competência, forma e finalidade do ato

administrativo, não poderá a autoridade se afastar do disposto pela lei. Nesse tema

se manifesta Hely Lopes Meirelles:

25 DI PIETRO, op. cit., p. 202. 26 QUEIRÓ, op. cit, p. 2.

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“Por aí se vê que a discricionariedade é sempre relativa e parcial, porque, quanto à competência, à forma e à finalidade do ato, a autoridade está subordinada ao que a lei dispõe, como para qualquer ato vinculado. Com efeito, o administrador, mesmo para a prática de um ato discricionário, deverá ter competência legal para praticá-lo; deverá obedecer à forma legal para a sua realização; e deverá atender à finalidade legal de todo ato administrativo, que é o interesse público”.27

Logo, segundo o saudoso autor, a discricionariedade não é absoluta, pois

sempre há certos elementos do ato administrativo (competência, forma, finalidade)

que estão previamente determinados pela norma jurídica. Com isso, esses

elementos deverão ser atendidos plenamente, ou seja, o administrador não poderá

deixar de atuar com subordinação à lei nesses aspectos.

Daí se infere que a parcela de liberdade autorizada pela lei para a

Administração exercer suas atribuições é limitada somente a alguns elementos do

ato administrativo e não a todos eles. Em virtude dessa característica, parte da

doutrina considera que a expressão “ato discricionário” não corresponde ao real

sentido de sua essência.

Alegam o fato de o ato não ser em sua totalidade discricionário, já que

sempre estão presentes elementos vinculados a uma anterior previsão legal. Com

isso, afirmam que a melhor expressão para definir essa parcela de liberdade é

“poder discricionário”. Neste tema se manifesta Vitor Nunes Leal:

“Não existe, com efeito, ato discricionário; o que existe é o poder discricionário, e alguns autores são bem rigorosos no emprêgo preferencial desta expressão... Quando se afirma que os atos discricionários escapam à revisão do poder judiciário, o que se quer dizer é que o poder discricionário está imune da revisão jurisdicional... se nenhum ato administrativo pode ser considerado discricionário em sua integridade, não existe ato discricionário”.28

Contudo, o termo ato discricionário já se encontra incorporado na doutrina e

na jurisprudência. A propósito, José Cretella Júnior salienta o seguinte:

“Não só a melhor doutrina brasileira como o direito positivo e a jurisprudência consagram, entre nós, a existência do ato administrativo discricionário e a legitimidade da expressão, tradicional, precisa, técnica e indispensável”.29

Então, apesar de parte minoritária da doutrina ressaltar que a expressão ato

discricionário está eivada de imprecisão terminológica, a mesma é familiar nos

27 MEIRELLES, op. cit., p. 115. 28 LEAL, Victor Nunes. Poder Discricionário e Ação Arbitrária da Administração. Problemas de Direito Público, Rio de Janeiro, p. 278-294, 1960.

29 CRETELLA JÚNIOR, op. cit., p. 253.

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ouvidos dos estudantes, profissionais de direito e administradores. Contudo, a

discordância doutrinária não pára por aí, pois há o entendimento de que a

discricionariedade abrange três momentos diferenciados, mas interligados. No

tocante a esse tema, posiciona-se Odete Medauar:

“Evidente que o poder discricionário é uma faculdade, a atividade discricionária é o exercício de funções com utilização do poder discricionário, enquanto o ato administrativo discricionário é o resultado do exercício desse poder, seu resultado concreto”.30

A propósito, convém salientar a posição semelhante de José Cretella Júnior,

que também destaca a diferença existente no conteúdo das expressões “poder

discricionário” e “ato discricionário”:

“Se poder discricionário é a possibilidade ou faculdade de editar o ato, este é aquele em concreto...Concretização do poder discricionário, que lhe define os limites, o ato discricionário é um momento pontual, fase final, acabada, resultante necessária de pontualidade que se exteriorizou, reunindo, ao nascer, os requisitos impostos para existência eficaz... Sem o poder discricionário, inexistiria o ato administrativo discricionário. Sem este, o poder discricionário seria inócuo, perdendo sua razão de ser”.31

O âmbito em que se apresenta o poder discricionário é o relativo ao motivo e

ao objeto. A autoridade vai valorar os mesmos de forma subjetiva para editar o ato,

se for oportuno e conveniente para o interesse público. Ademais, vai verificar se não

há violação aos princípios que, de uma forma geral, orientam a atividade pública.

Na atuação discricionária, a autoridade também se submeterá à lei, pois

sempre deverá observar os elementos vinculados: competência, forma e finalidade.

Porém, no campo reservado à sua observação não poderá, de qualquer forma,

praticar atos contrários ou exorbitantes dos limites da lei, pois se assim o fizer estará

exercendo um ato arbitrário. Este de forma alguma se confunde com o ato

discricionário. No dizer de Hely Lopes Meirelles:

“Convém esclarecer que poder discricionário não se confunde com poder arbitrário. Discricionariedade e arbítrio são atitudes inteiramente diversas. Discricionariedade é liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei; arbítrio é ação contrária ou excedente da lei. Ato discricionário, quando autorizado pelo direito, é legal e válido; ato arbitrário é sempre ilegítimo e inválido”.32

30 MEDAUAR, Odete, op. cit., p. 39. 31 CRETELLA JÚNIOR, op. cit. p. 24. 32 MEIRELLES, op. cit., p. 115.

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A discricionariedade administrativa pode ocorrer quando a norma não

descreve antecipadamente a situação em vista da qual será suscitado o

comportamento administrativo. Ou quando a situação é descrita por palavras que

recobrem certos conceitos vagos, irredutíveis à objetividade total. Ou ainda quando

a norma confere no próprio ordenamento uma liberdade decisória, que envolve

exame de conveniência e de oportunidade, ao invés de um dever de praticar um ato

específico.

O poder discricionário encontra-se na atuação administrativa por um simples

motivo: é impossível para o legislador prever todas as situações que reclamam

atendimento pelo Poder Público. A vida social não é estática e sim dinâmica. Logo,

sempre existirão circunstâncias e situações não contempladas previamente pelo

legislador.

Contudo, em determinados casos, a lei até se antecipa estabelecendo a

competência, como nos casos do poder de polícia. Porém, no que concerne ao

âmbito de situações que necessitam dessa atividade em prol da coletividade é que

encontra-se o problema. Isso porque é impossível catalogar todas as situações que

possam ocasionar lesão ou insegurança ao interesse público.

É um privilégio para o administrador, em determinados casos, poder valorar

subjetivamente os motivos e determinar o objeto, segundo a oportunidade e a

conveniência para o interesse público. Isso se justifica pelo fato de que o mesmo

presencia as necessidades coletivas, pois em sua atuação se depara concretamente

com elas.

Dessa forma, a Administração encara frente à frente as situações que

imploram sua ação e, com isso, se defronta muito mais com a realidade e as

necessidades coletivas que o legislador. A autoridade administrativa vivencia, em

seu dia a dia, todas as espécies de circunstâncias que reclamam uma atitude em

proveito do interesse público. A propósito, segundo Hely Lopes Meirelles:

“Essa liberdade funda-se na consideração de que só o administrador, em contato com a realidade, está em condições de bem apreciar os motivos ocorrentes de oportunidade e conveniência da prática de certos atos, que seria impossível ao legislador, dispondo na regra jurídica - lei – de maneira geral e abstrata, prover com justiça e acerto. Só os órgãos executivos é que estão, em muitos casos, em condições de sentir e decidir administrativamente o que convém e o que não convém ao interesse público. Em tal hipótese, executa a lei vinculadamente quanto aos elementos que ela discrimina e

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discricionariamente, quanto aos aspectos em que ela admite opção”.33

Logo, já que o seu dia a dia é realizar o bem comum da coletividade, está em

melhor posição para apreciar situações não previstas pelo legislador. Assim, é

imprescindível que detenha esse poder de fazer a melhor escolha possível para a

realização do interesse público.

Diante do exposto, a discricionariedade estará presente quando a lei, explícita

ou implicitamente, conferir essa liberdade de atuação para a autoridade

administrativa. Em determinados casos, a lei não delimita ou não prevê todas as

hipóteses em que o administrador deverá realizar um ato. Noutros ela permite uma

conduta alternativa, para que a própria autoridade opte pela melhor solução em prol

do interesse público. A propósito, conceitua Wálter Campaz:

“... corresponde à faculdade de escolha do comportamento mais conveniente ou oportuno, em cada caso concreto, quando a tal esteja o agente autorizado pelo ordenamento jurídico. Quando a lei não particulariza o sentido da conduta administrativa, ou possibilita a escolha entre soluções alternativas e igualmente validadas pelo ordenamento, ocorrerá, na sua plenitude, a discricionariedade”.34

Portanto, a faculdade discricionária na realização de funções administrativas

possui o escopo de melhor realizar o interesse público. O seu pressuposto é o

benefício da coletividade, na prática de atividades que tragam segurança, bem estar,

comodidade e tranqüilidade aos administrados.

A coletividade que se administra é detentora de anseios e necessidades, que

precisam do amparo do Poder Público. É em razão disso que se possibilita essa

parcela de liberdade. Ademais, os administrados são protegidos contra

arbitrariedades pela lei, pois toda atividade administrativa, seja discricionária ou

vinculada, possui essa barreira intransponível.

Como verificado, a faculdade discricionária de decidir ou optar pela melhor

solução que se coadune com o bem comum encontra-se em evidência na valoração

dos motivos e na escolha do objeto. Estes, como visto neste trabalho, são elementos

do ato administrativo.

33 Ibidem, p. 116. 34 CAMPAZ, Wálter; Discricionariedade. Revista de Direito Público, São Paulo, nº 47-48, p. 28-37, jul./dez., 1978.

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O motivo encerra os pressupostos de direito ou de fato que impulsionam o

ente público a editar atos. Já o objeto é o efeito jurídico imediato que a expedição do

ato realizará. Para Caio Tácito: “O poder discricionário é a faculdade concedida à

Administração de apreciar o valor dos motivos e determinar o objeto do ato

administrativo, quando não o preestabeleça a regra de direito”.35

O presente trabalho visa analisar a discricionariedade administrativa, seus

limites e o controle que o Poder Judiciário possa realizar sobre ela. Contudo, pode-

se adiantar que os atos que se originam do poder discricionário não estão imunes ao

controle judicial, como também, obviamente, não estão imunes ao controle da

própria Administração, no uso do seu poder de autotutela.

No entanto, o que se poderá apreciar é a legalidade do ato, ou seja, se o

mesmo não exorbitou dos limites previstos na lei. Quanto ao mérito, que se refere à

parcela do ato relativa à conveniência e oportunidade em face do interesse público,

não poderá o juiz substituir os critérios de escolha da Administração pelos seus,

pois, caso contrário, estaria interferindo num âmbito de atribuições que não é o seu.

Finalmente, cabe acrescentar que não existem atos totalmente discricionários,

como já visto, nem tão pouco totalmente vinculados. Na prática, o que se verifica

são parcelas de predominância. Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles:

“Tanto nos atos vinculados como nos que resultam da faculdade discricionária do Poder Público, o administrador terá de decidir sobre a conveniência de sua prática, escolhendo a melhor oportunidade e atendendo a todas as circunstâncias que conduzam a atividade administrativa ao seu verdadeiro e único objetivo – o bem comum”.36

Dessa forma, apesar de serem conceitos totalmente diferenciados, na prática

administrativa observa-se que algumas vezes os mesmos se complementam. O que

é intangível e, por conseguinte, inafastável, é a subordinação à lei e aos princípios,

pois são o fundamento de todo o Estado Democrático de Direito e, com isso,

também de toda atividade administrativa. No que concerne ao presente acréscimo,

cabe ressaltar a ponderação de Caio Tácito:

“A competência vinculada é, por essa forma, o oposto à competência discricionária. São quantidades antinômicas, a se repelirem pela incompatibilidade conceitual: onde há vinculação, cessa a

35 TÁCITO, Caio. Poder vinculado e Poder discricionário. Revista de Direto da Procuradoria Geral, Rio de Janeiro, p. 1-7, nº19, 1968.

36 MEIRELLES, op. cit., p. 163.

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discricionariedade; onde se apresenta a discrição, repele-se a vinculação. A prática administrativa evidencia, porém, serem raros êsses modelos extremos e categóricos. Não há, usualmente, nenhum ato totalmente vinculado ou totalmente discricionário. Existem matizes de predominância, mais ou menos acentuados, dando relêvo à parte livre ou à subordinada da manifestação administrativa”.37

37 TÁCITO, op. cit., p. 3.

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34

CAPÍTULO 3: A IMPORTÂNCIA DOS PRINCÍPIOS COMO

LIMITADORES DA DISCRICIONARIEDADE ADMIINISTRATIVA.

3.1 – Princípio da legalidade

Este princípio, como se conhece no Brasil, significa que a Administração

Pública é prisioneira da lei, garantindo a preservação do próprio Estado Democrático

de Direito, uma vez que se contrapõe a quaisquer tendências de exarcebação

personalista dos governantes.

A essência da noção de legalidade está no parágrafo único do artigo 1º da

Constituição Federal de 1988, que ressalta os aspectos da soberania e da

cidadania. É o externamento da vontade popular e a vitória da soberania contra

qualquer espécie de totalitarismo, significando que a liberdade consiste em fazer

tudo aquilo que não prejudica a si e a outrem.

Com relação à atuação do Poder Executivo, o princípio da legalidade,

assentado na própria estrutura do Estado Democrático de Direto e especificamente

radicado nos artigos 5º, II, 37 caput, e 84, IV da Carta Magna, significa que a

Administração nada pode fazer senão o que a lei antecipadamente determina.

Contudo, este princípio adquiriu nova dimensão com a ascensão do princípio

da moralidade ao status constitucional. Não se legitima mais o princípio da

legalidade por estar simplesmente positivado no ordenamento jurídico.

A Administração Pública deve retirar da Constituição os elementos para

moldar os contornos legitimadores da moralidade administrativa. As leis infra-

constitucionais e os atos administrativos que visem nortear o comportamento da

Administração devem estar em harmonia com os cânones éticos expressos e

implícitos na Constituição.

No caso dos atos administrativos discricionários, a norma jurídica estabelece

que o agente administrativo está autorizado a, em determinados casos, optar pela

melhor solução em prol do interesse público. A propósito, Diogo de Figueiredo

Moreira Neto oferece o seguinte conceito:

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35

“Discricionariedade é a qualidade da competência cometida por lei à Administração Pública para definir, abstrata ou concretamente o resíduo de legitimidade necessário para integrar a definição de elementos essenciais à sua execução, diretamente referido a um interesse público específico”.38

No que se refere ao resíduo de legitimidade, salientado na conceituação da

discricionariedade por Diogo de Figueiredo Moreira Neto, cabe explicitar a sua

importância em face dessa competência concedida pela lei à Administração Pública.

Diante disso, torna-se necessário defini-la e, para isso, vale destacar as palavras do

ilustre autor:

“A definição do Estado como Democrático e de Direito (art. 1º da Constituição) pressupõe o reconhecimento de duas distintas ordens de referência ética: a ético-política e a ético-jurídica. À ordem ético-política corresponde o conceito de legitimidade e à ordem ético-jurídica o conceito da legalidade, tal como serão tratados no presente trabalho. Ambas as ordens, porém, nada mais representam que disposições estáveis do poder na sociedade; uma ordem legitimada pela estabilização do poder em torno de valores consensualmente aceitos e uma ordem legalizada pela estabilização do poder positivado em normas coativamente impostas”.39

Então, para o ilustre autor, a legalidade está intimamente ligada ao Direito,

enquanto a legitimidade está coadunada com a Política. Esta última se caracteriza

como um conjunto de valores consensualmente aceitos e seguidos por uma

sociedade. Em razão dessa força social, traduz-se a legitimidade dos conceitos que

a sociedade elege como imprescindíveis para a sua existência.

Dessa forma, tanto a legitimidade quanto a legalidade estão relacionadas com

o interesse público. Contudo, a legitimidade se refere a um interesse público não

legislado, e a legalidade a um interesse público que foi traduzido como norma

jurídica a ser observada. Aliás, nesta linha de pensamento, Diogo de Figueiredo

Moreira Neto:

“Ainda que o Estado Democrático de Direito tenha resolvido tão bem a antinomia entre a legitimidade e a legalidade, esses dois padrões continuam a existir, com funções muito claras, no novo “continuum” jus-político: o interesse público, antes ou depois de legislado, é sempre padrão de legitimidade, mas só o interesse público legislado alça-se a padrão de legalidade. As dimensões são, portanto, bem distintas: a legitimidade é muito mais ampla que a legalidade,

38 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimitadade e Discricionariedade. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 33.

39 MOREIRA NETO, op. cit., p. 5.

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36

simplesmente porque é impossível, em qualquer sociedade, que a lei defina exaustivamente todas as hipóteses do interesse público. Assim, por mais extensa, minudente e cuidadosa que seja a definição jurídica da legalidade, sempre existirão miríades de aspectos do interesse público não legislado que, não obstante, constituem-se em definições políticas derivadas de legitimidade que, de alguma forma, deverão ser feitas sempre que surgir a oportunidade e a conveniência de explicitá-las”.40

Assim, passíveis de serem invalidados pelo Poder Judiciário, insuficientes são

aqueles atos administrativos que, mesmo ostentando um status de aparência de

legalidade, discrepem dos valores morais previstos e respeitados em determinada

comunidade. Nesse sentido, pode-se dizer que o ato administrativo legítimo deve

conformar harmoniosamente os princípios da legalidade e da moralidade.

3.2 – Princípio da impessoalidade

No Direito Brasileiro, o princípio da impessoalidade foi introduzido

autonomamente pela Constituição de 1988 entre os princípios reguladores da

Administração Pública. Este princípio pode ser conjugado com o próprio interesse

público, ou seja, o administrador ao praticar um ato sempre deverá ter em vista essa

finalidade e não objetivar interesses próprios ou de terceiros. Num outro aspecto,

cabe ressaltar a posição de José Afonso da Silva, pois, segundo ele:

“ O princípio ou regra da impessoalidade da Administração Pública significa que os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica mas ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o funcionário. Este é um mero agente da Administração Pública, de sorte que não é ele o autor institucional do ato”.41

Impõe a impessoalidade, em um de seus principais desdobramentos

normativos, a exigência de imparcialidade, o dever de a Administração Pública agir

com independência no cumprimento e no manejo de seus deveres e poderes

perante os interesses privados.

Este princípio implica no dever funcional de isenção, contrário à politização da

Administração Pública, requerendo desta a observância das vedações de condutas

administrativas de favorecimento, de perseguição, de discriminação, de

desequiparação, moldadas por interesses alheios ao interesse público e por isso

vedadas pela ordem jurídica.

40 Ibidem, p. 14. 41 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 15. ed. rev. São Paulo: Malheiros, p. 645, 1998.

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37

O dever funcional de isenção vai ao ponto de determinar ao agente público

que se auto-declare impedido ou suspeito nas hipóteses em que a decisão

administrativa a emanar tenha repercussão direta ou indireta na órbita de seus

interesses pessoais. A esse respeito, dispõe o parágrafo único do artigo 18 da Lei

9.784/99: “A omissão do dever de comunicar o impedimento constitui falta grave, para

efeitos disciplinares”.

Importante, ainda, reproduzir o pensamento de Caio Tácito sobre o tema:

“ O princípio da impessoalidade repele atos administrativos discriminatórios que importem favorecimento ou desapreço a membros da sociedade em detrimento da finalidade objetiva da norma de direito a ser aplicada. ...Em síntese, a atividade administrativa pode, e em certos casos deve, distinguir entre pessoas, em função de peculiaridades que a lei manda observar. Não poderá jamais discriminar entre elas, sobrepondo o juízo personalista à objetividade legal de tratamento. O princípio da impessoalidade se aproxima, em suma, do princípio da imparcialidade, um e outro subordinado à regra da neutralidade e isenção administrativas”.42

A impessoalidade pressupõe a total isenção dos órgãos e entes da

Administração no cumprimento da função, os quais estão funcionalmente atrelados à

adoção de critérios jurídica e objetivamente inspirados e justificados pelo interesse

público que norteia a sua atuação.

Mesmo na atuação discricionária, a competência não é deferida para fazer

valer critérios pautados exclusivamente na vontade do agente, mas para fazer

imperar uma eleição objetivamente conduzida pelo requisito finalístico que

fundamenta a outorga da esfera de decisão.

Deve-se, assim, buscar uma independência da atividade administrativa

brasileira, tradicionalmente maculada por uma história de nepotismo, clientelismo e

outras inúmeras mazelas. No atual estágio da ordem jurídica, estruturada em um

modelo de Estado Social e Democrático de Direito, pode perfeitamente ser

invalidado qualquer ato administrativo que, sem favores ou ódios, não esteja

atrelado ao interesse público.

42 TÁCITO, Caio. O Procedimento Administrativo e a Garantia da Impessoalidade. Revista de Direito Administrativo Aplicado – Gênesis. Curitiba, Síntese jul-set 1996, p. 629.

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38

3.3 – Princípio da moralidade administrativa

A atividade administrativa, além de orientada para o atingimento do interesse

público, encontra-se expressamente submetida, nos termos do artigo 37, caput, da

CRFB/88, ao princípio da moralidade.

A Constituição elevou a moralidade administrativa a bem jurídico protegido

pela ação popular (art. 5º, LXXXIII), máxima garantia da cidadania como fundamento

do Estado Democrático de Direito (art. 1º, II).

A Carta Magna preceitua, ainda, com elevada carga valorativa repressiva,

sanções de perda da função pública, suspensão de diretos políticos,

indisponibilidade de bens e ressarcimento ao Erário ao cometimento de atos de

improbidade administrativa (art. 37, § 4º, atualmente regulamentado pela Lei

8.249/92), além de qualificar como crime de responsabilidade do Presidente da

República os atos que atentem contra a probidade na Administração ( art. 85, V).

Dentro de um grupo social pode haver diferentes concepções de moralidade,

variáveis no tempo e no espaço, pelo que a Moral não deve ser entendida como um

conjunto único e perene de normas de conduta. A moralidade administrativa exige

do administrador público comportamentos compatíveis com o interesse público que

lhe cumpre atingir, voltados para os ideais e valores presentes no grupo social e que

estão expressos no preâmbulo da Constituição Federal.

Contudo, por imperativo de segurança jurídica, há necessidade de afastar do

conteúdo dogmático do princípio da moralidade administrativa, na tarefa de

delimitação do seu sentido e alcance, a inferência de que, por conta da previsão

constitucional, tenha-se estabelecido a sujeição da Administração a normas

derivadas da moral comum, não reproduzidas no âmbito da positividade do Direito.

Mostra-se mais consentânea com a interpretação sistemática da ordem

jurídica a assertiva de que o conceito de moralidade administrativa, segundo Marcio

Cammarosano:

“não está referida direta e imediatamente à moral comum, individual ou social não institucionalizada, nem a este ou aquele ideal de justiça consubstanciado nas convicções pessoais de quem quer que seja, ou numa suposta justiça universal. Está referida sim a valores que

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informam o direito positivo, como a lealdade, boa-fé, veracidade, honestidade”.43

O princípio da moralidade possui extrema relevância na discricionariedade

administrativa, pois a autoridade com competência para praticar o ato deverá

observar as regras de boa administração. Afinal, o agente atua com o fim de

satisfação do interesse público e, para isso, deve ser observada a ética da

Administração. Logo, não basta a observância das regras jurídicas positivadas.

Neste sentido preconiza Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

“Em resumo, sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade”.44

Muito mais do que em qualquer outro elemento do ato administrativo, a moral

é identificável no seu objeto ou conteúdo, ou seja, no efeito jurídico imediato que o

ato produz e que , na realidade, expressa o meio de atuação pelo qual opta a

Administração para atingir cada uma de suas finalidades.

A Constituição permite o controle e invalidação de determinados tipos de atos

imorais. De um lado, ao prever ação popular por danos à moralidade administrativa,

o que autoriza o cidadão a pleitear a invalidação das despesas públicas que, pela

sua inutilidade para o interesse público e pela desproporção em relação à situação

da coletividade, são consideradas imorais, ainda que tenham fundamento legal. Por

outro lado, ao próprio Tribunal de Contas da União foi dado, pelo art. 70 da

CRFB/88, o poder de apreciar, não só a legalidade, mas também a legitimidade, e a

economicidade das despesas realizadas, o que envolverá seu aspecto moral.

Na atual fase pós-positivista do Estado Democrático de Direito, que propiciou

a inserção nos textos constitucionais dos princípios de Direito, dentre os quais o da

moralidade administrativa, pode se afirmar que esta integra o Direito, mas nem

sempre a legalidade, no sentido estrito do termo. De modo que o controle

jurisdicional dos atos administrativos abrange, além do exame da conformação do

ato com a lei, a verificação de sua compatibilidade com os ditames da moralidade.

43 CAMMAROSANO, Márcio. O Princípio Constitucional da Moralidade e o Exercício da Função Administrativa. Tese de Doutorado em Direito Administrativo. São Paulo, PUC/SP, 1997, p. 128.

44 DI PIETRO, op. cit., p. 79.

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40

3.4 – Princípio da publicidade

O princípio da publicidade, do qual decorre o dever de fundamentação dos

atos administrativos, potencializando o seu controle jurisdicional, está previsto

expressamente no artigo 37, caput, da Constituição Federal. Por força deste

princípio, não se admitem atos sigilos, o que torna viável o controle da legitimidade

do exercício da Administração Pública.

No Estado Democrático de Direito, exige-se da Administração Pública que

marque todo o seu desempenho funcional com a nota da publicidade, da

transparência, do amplo e efetivo cumprimento do dever de prestar à coletividade

administrada o pleno conhecimento de todos os atos praticados.

O dever de publicidade administrativa é a outra face do direito fundamental à

informação, pelo qual todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações

de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, com a única ressalva

constitucional de sigilo para informações imprescindíveis à segurança da sociedade

e do Estado ( art. 5, XXXIII, CRFB/88).

Ao lado do direito substancial à informação, o texto constitucional prevê meios

de garantir a publicidade da atuação administrativa. Assim dispõe no artigo 5º,

XXXIV acerca dos recursos administrativos, do direito de petição ao Poderes

Públicos, independentemente de pagamento de taxas, em defesa de direito ou

contra ilegalidade ou abuso de poder e do direito de obtenção de certidões em

repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de

interesse pessoal.

O princípio da publicidade assegura ao administrado não apenas o direito à

informação, à transparência da atuação administrativa, à visibilidade do poder, mas

também o direito à informação verdadeira. Embora indispensável, a satisfação do

imperativo de transparência da atuação não confere máxima eficácia ao princípio da

publicidade.

Com efeito, exige-se nas relações humanas que os comportamentos sejam,

além de frontais e não ocultos, sinceros, e não simulados ou dissimulados. Assim

também nas relações com a Administração Pública não se concebem os

procedimentos ocultos, mentirosos ou inautênticos.

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41

Como os princípios informativos do regime jurídico-administrativo se

relacionam entre si, publicidade e razoabilidade também entretêm vínculos

significativos na missão de conformar a validade da atividade administrativa,

sobretudo da atividade discricionária.

A razoabilidade das decisões administrativas, bem como o respeito aos

demais princípios, somente são atingidos quando efetivamente cumpridos os

deveres relacionados com a publicidade administrativa.

Sem publicidade não se respeitam na execução da lei as exigências

negativas e, sobretudo, as positivas do cânone da imparcialidade, resultando dessa

somatória de vícios o comprometimento da razoabilidade da decisão. Em regra, a

ausência de publicidade remeterá o controle externo, sobretudo o do Poder

Judiciário, à descoberta de vícios que comprometem a valoração e ponderação

administrativas incorporadas aos atos produzidos.

3.5 – Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade

No Estado Constitucional, deve a Administração a observância integral à

balizas principiológicas da ordem jurídica. Neste contexto, a margem de decisão

outorgada pelo Direito em favor da Administração Pública dever ser exercitada por

meio de provimentos que obrigatoriamente devem revelar submissão ao postulado

pelos vetores principiológicos, sob pena de arbitrariedade e conseqüente invalidade

da atuação.

A razoabilidade e a proporcionalidade são princípios estruturadores de um

ordenamento jurídico-administrativo democrático. Participam das instituições que a

Constituição estruturou e estabeleceu para formar e conformar a atuação

administrativa legítima, com vistas a solidificar seu projeto de cidadania e a idéia de

Direito insculpida em seus comandos.

Considerando que o princípio da razoabilidade, na trilha da construção

jurisprudencial anglo-saxônica, tem dupla acepção, ora significando a referência à

tomada em consideração, pela autoridade decisória, de elementos impertinentes, ou

ao esquecimento de outros elementos pertinentes, ora compreendendo a proibição

de conduta que contrarie, de forma manifesta, o senso comum, verifica-se que ele

guarda correspondência com o conteúdo do princípio da proporcionalidade, quanto

ao primeiro sentido enunciado, à medida que o chamado teste da racionalidade

possa envolver o juízo de adequação e exigibilidade.

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42

Por outro lado, às vezes, no teste da razoabilidade, em sentido estrito, pode

haver justaposição do mesmo raciocínio concernente à idéia de proporcionalidade

em sentido estrito, à medida que a valoração dos interesses em conflito possa ter

por fonte o consenso popular, e não o juízo do aplicador da norma jurídica. Na

opinião de Celso Antônio Bandeira de Mello, “em rigor, o princípio da

proporcionalidade não é senão uma faceta do princípio da razoabilidade”.45

Não apenas à noção de proporcionalidade, mas também à noção de

ponderação, aparece associado o princípio da razoabilidade. Nesta linha, Marçal

Justen Filho afirma que o princípio denominado indistintamente de

razoabilidade/proporcionalidade exige, em primeira linha, o dever de ponderação.

Segundo o autor:

“em primeiro lugar, a proporcionalidade se relaciona com a ponderação de valores. Não há uma homogeneidade absoluta nos valores buscados por um dado Ordenamento Jurídico. É inevitável um certo atrito entre os valores. (...) Nessa linha, a proporcionalidade relaciona-se com o dever de realizar, de modo mais intenso possível, todos os valores consagrados pelo Ordenamento Jurídico. O princípio da proporcionalidade impõe, por isso, o dever de ponderar os valores”.46

A razoabilidade e a proporcionalidade vão indicar a necessidade e a

suficiência de um específico critério que a atuação administrativa não poderá dele

desgarrar-se, sob pena de desacerto valorativo capaz de fundamentar a invalidade

de qualquer conduta diversa, mesmo que formalmente agasalhada pelo sistema

normativo.

Esses princípios atuam como um limite interno da discricionariedade, no

sentido de ser um dos fatores que condicionam a própria escolha entre os possíveis

indiferentes legais, catalogados abstratamente na norma de competência, impondo a

rejeição a certa ou certas alternativas autorizadas pelo marco normativo, em função

dos vetores jurídico-materiais incidentes na atuação administrativa.

Atos desarrazoados ou desproporcionais não poderão, sob pena de afronta a

valores jurídicos fundamentais do sistema, ser objeto de qualquer forma de

convalidação. Apenas caberá, em face de tão grave patologia administrativa, trilhar o

caminho da invalidação, do reconhecimento da nulidade do ato, na recomposição da

45 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 21ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 107.

46 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 5ª ed. São Paulo: Dialética, 1998, p. 63.

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legalidade violada com a emanação do ato, ressalvadas as hipóteses de

estabilização do efeitos dos atos viciados fundadas no princípio da segurança

jurídica e da boa-fé.

Ao Poder Judiciário, no exercício de sua missão constitucional, incumbe

realizar o controle fundamentado na aplicação dos princípios da razoabilidade e da

proporcionalidade, como garantia da tutela judicial efetiva consagrada na

Constituição em favor dos administrados.

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CAPÍTULO 4: ANÁLISE DE JULGADOS

RE 191668 / RS - RIO GRANDE DO SUL RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. MENEZES DIREITO Julgamento: 15/04/2008 Órgão Julgador: Primeira Turma

Publicidade de atos governamentais. Princípio da impessoalidade. Art. 37, parágrafo 1º, da Constituição Federal. 1. O caput e o parágrafo 1º do artigo 37 da Constituição Federal impedem que haja qualquer tipo de identificação entre a publicidade e os titulares dos cargos alcançando os partidos políticos a que pertençam. O rigor do dispositivo constitucional que assegura o princípio da impessoalidade vincula a publicidade ao caráter educativo, informativo ou de orientação social é incompatível com a menção de nomes, símbolos ou imagens, aí incluídos slogans, que caracterizem promoção pessoal ou de servidores públicos. A possibilidade de vinculação do conteúdo da divulgação com o partido político a que pertença o titular do cargo público mancha o princípio da impessoalidade e desnatura o caráter educativo, informativo ou de orientação que constam do comando posto pelo constituinte dos oitenta. 2. Recurso extraordinário desprovido.

Trata-se, originariamente, de uma ação civil pública, na qual a Prefeitura de

Porto Alegre foi condenada a abster-se de incluir determinado slogan em sua

publicidade. No entendimento da Suprema Corte, o caput e o parágrafo 1º do art. 37

da Constituição Federal objetivam assegurar a impessoalidade da divulgação dos

atos governamentais que devem voltar-se exclusivamente para o interesse social.

Na verdade, não quis o constituinte que os atos de divulgação servissem de

instrumento para a propaganda de quem está exercendo o cargo público, de

maneira a fortalecer, com recursos orçamentários, sua presença política junto ao

eleitorado.

No momento em que existe a possibilidade de reconhecimento ou

identificação da origem pessoal ou partidária da publicidade há, sem dúvida, o

rompimento do princípio da impessoalidade, haja vista a configuração da promoção

pessoal do exercente de cargo público vinculado a determinado partido político.

RE-AgR 365368 / SC - SANTA CATARINA AG.REG. no Recurso Ordinário Relator: Min. Ricardo Lewandowski

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Julgamento: 22/05/2007 Órgão Julgador: Primeira Turma AGRAVO INTERNO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ATO NORMATIVO MUNICIPAL. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. OFENSA. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O NÚMERO DE SERVIDORES EFETIVOS E EM CARGOS EM COMISSÃO. I - Cabe ao Poder Judiciário verificar a regularidade dos atos normativos e de administração do Poder Público em relação às causas, aos motivos e à finalidade que os ensejam. II - Pelo princípio da proporcionalidade, há que ser guardada correlação entre o número de cargos efetivos e em comissão, de maneira que exista estrutura para atuação do Poder Legislativo local. III - Agravo improvido.

Aqui, a Câmara Municipal de Blumenau pretendia criar 42 cargos em

comissão, de assessoramento parlamentar, em detrimento da exigência de concurso

público. O agravante argumentava que os 25 servidores existentes, de cargo efetivo,

serviriam para cuidar do processo legislativo, da realização de sessões plenárias, do

funcionamento e transmissão da TV Legislativa, de todo suporte jurídico, financeiro e

administrativo, e mais um cem número de atividades imprescindíveis para o

funcionamento regular de um órgão de um poder autônomo.

Em cima dos argumentos acima citados, o Supremo Tribunal Federal

entendeu que havia mesmo disparidade entre a quantidade de atribuições a cargo

dos servidores efetivos da Câmara Municipal e as atividades típicas de

assessoramento parlamentar dos 42 cargos criados, evidenciando-se a violação do

princípio da proporcionalidade.

Concebida a proporcionalidade como uma correlação de meios e fins,

segundo o ministro Ricardo Lewandowski, não era admissível que dos 67

funcionários daquele legislativo municipal, apenas 25 fossem de provimento efetivo.

A lógica deveria ser inversa, até para dar suporte aos cargos em comissão.

Ainda foram citados pelo ministro inúmeros precedentes da Suprema Corte

que identificavam a proporcionalidade e a razoabilidade como critérios que

necessariamente deveriam ser observados pela Administração Pública no exercício

de suas funções típicas.

RMS 24629 / RO Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 2007/0169855-6 Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho Data do julgamento: 29/05/2008 Órgão julgador: 5ª Turma

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CURSO DE FORMAÇÃO. CANDIDATO APROVADO EM TODAS AS FASES. DOCUMENTO EXIGIDO NO EDITAL.

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CERTIDÃO NEGATIVA DE PROTESTO DE TÍTULOS. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E RAZOABILIDADE CARACTERIZADA. PRAZO DIFERENTE PARA A APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA PLAUSÍVEL. PREVISÃO EXPRESSA DO EDITAL INCOMPATÍVEL COM O PRINCÍPIO DA ISONOMIA, QUE DEVE NORTEAR OS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECURSO PROVIDO. 1. O Edital é a lei do concurso, que deve estabelecer normas garantidoras do tratamento isonômico e impor a igualdade de condições para o ingresso no serviço público. 2. À míngua de comprovação do preenchimento dos requisitos necessários à investidura no cargo, não se pode garantir a participação de candidato a Policial Militar no Curso de Formação da Corporação. A não apresentação de documento exigido no certame autoriza a eliminação do candidato. 3. Contudo, no caso, o Edital foi alterado para permitir que a Carteira Nacional de Habilitação fosse apresentada somente ao final do Curso de Formação. Tal regra também deve ser estendida à apresentação da Certidão de Protesto de Títulos, que tem por objetivo avaliar a idoneidade do candidato, antes de seu ingresso no Curso de Formação. Hipótese em que o candidato apresentou certidão positiva de apenas um protesto de título e busca tratamento idêntico ao conferido para a apresentação da CNH. 4. Pretensão que merece acolhida, à falta de qualquer fundamento para a distinção de tratamento conferido no Edital para a apresentação de documentos, tanto que a alteração levada a efeito para a apresentação da CNH não foi acompanhada de qualquer justificativa pela autoridade apontada como coatora, de sorte a configurar evidente afronta ao princípio da isonomia. 5. Outrossim, se se revela razoável, à primeira vista, a concessão de maior lapso temporal para a apresentação da CNH, até mesmo para possibilitar a aquisição de Carteira de Habilitação para os candidatos aprovados na 1a. fase, maior razão ainda se vislumbra para o alargamento do prazo também para a apresentação de Certidão Negativa de Protesto de Títulos, porquanto, até o encerramento do Curso de Formação, o candidato poderá discutir em juízo o valor do débito, ou mesmo, dispor de meios para solvê-lo, uma vez que tão-só o ingresso no Curso de Formação já confere remuneração ao candidato, de sorte a viabilizar a quitação da dívida ou a obtenção de empréstimo para tanto. 6. Recurso Ordinário provido, para conceder a segurança pretendida, a fim de assegurar ao recorrente o direito de apresentar a Certidão Negativa de Protesto de Título até o término do Curso de Formação Básica Policial Militar; a apresentação de tal documento, nessa oportunidade, fica erigida em condição sine qua non de sua nomeação e posse.

No presente caso, o Secretário de Estado da Administração de Rondônia

indeferiu a matrícula do impetrante no Curso de Formação da Polícia Militar, em

razão da existência de certidão positiva de protesto de título em seu nome.

O Edital no. 197, referente ao Concurso Público para Provimento de Vagas de

Policial Militar do Estado de Rondônia, de 26 de agosto de 2005, previa, no item

16.1, que os candidatos aprovados e classificados na 1a. Fase do Concurso, dentro

do número exato de vagas, seriam convocados para matrícula no Curso de

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Formação e deveriam apresentar, dentre outros documentos, “Certidão Negativa de

Protestos de Títulos dos Cartórios da cidade de origem, nos últimos 5 anos, e

Carteira Nacional de Habilitação original e 3 (três) cópias, no mínimo na Categoria

B'”.

Naquele contexto, o indeferimento da matrícula para o Curso de Formação

fundara-se apenas na existência de um protesto de título, o que revelava que,

quanto aos demais aspectos investigados, o candidato tinha sido considerado apto

para o ingresso na carreira Militar.

O ministro relator fez menção ao parecer do Ministério Público Estadual, no

sentido de que seria irrazoável alijar o impetrante - e quem estivesse na mesma

situação - do concurso em virtude de notório fato isolado em sua vida, evento este,

aliás, a que estaria suscetível qualquer pessoa em razão do desarranjo econômico-

financeiro, especialmente por desemprego, que era expressivo na realidade local.

Note-se, que na opinião do membro do Parquet, a punição seria a mesma a

ser imposta àquele candidato possuidor de incessantes e numerosos registros47

negativos, em franca demonstração de desregramento sócio-financeiro, o que não é

recomendável para o ingresso na vida pública, seja qual for o cargo almejado.

Assim, seria evidente a desproporcionalidade - e até mesmo desigualdade - dessa

punição idêntica para casos manifestamente distintos, pois, segundo os referidos

postulados constitucionais, deve-se guardar a devida proporção entre o fato ou

conduta e a respectiva conseqüência jurídica.

Remessa Ex-ofício em MS – REOMS 65880 Relator: Poul Erik Dyrlund Órgão julgador: 8ª Turma Especializada do TRF 2ª Região Data do julgamento: 06/05/2008

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. BNDES. RESULTADO

DE RECURSOS ADMINISTRATIVOS E DE ACESSO PÚBLICO AO

PADRÃO DE RESPOSTAS DE PROVA DISCURSIVA. ART. 37,

CAPUT DA CRFB/88. PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE E

MORALIDADE. 1 - Cuida-se de Mandado de Segurança impetrado

por candidato em face de organizadoras de concurso público e

Empresa Pública que o realiza, objetivando a apresentação de

resultado de recursos administrativos interpostos pelo mesmo,

quanto a questões de prova discursiva e do padrão de resposta

desta, aduzindo, em síntese, a não divulgação do resultado dos

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recursos por ele interpostos, bem como os critérios de correção da

prova discursiva. 2 - A ampla divulgação dos critérios de correção de

prova discursiva adotados por Banca Examinadora e de resultado

justificado de recursos apresentados coadunam com os princípios da

publicidade e da moralidade que devem nortear toda a atividade da

Administração Pública, conforme se extrai do preceito do art. 37,

caput da Constituição da República de 1988. 3 - Objetiva o

impetrante exatamente o conhecimento das razões de seus recursos

administrativos e dos critérios de avaliação da banca, sendo certo

que as próprias autoridades impetradas aduziram, em sua

informações, ter apenas constado, no meio eletrônico, a relação das

inscrições dos candidatos cujos recursos foram providos. Como

cediço. A motivação deve pautar todo ato administrativo. 4 -

Remessa conhecida, porém desprovida.

Pode-se ver neste caso que o juízo ad quem confirmou a segurança para

determinar a divulgação pública e ampla do padrão de resposta da prova discursiva

do concurso para cadastro de reserva de profissional de Administração do BNDES e

divulgação ao Impetrante do parecer original assinado e datado da banca que

indeferiu seus recursos administrativos.

Mais uma vez observa-se a influência dos princípios como limite à atuação

administrativa, pois o desrespeito à ampla divulgação dos critérios de correção da

prova discursiva adotados pela Banca Examinadora e do resultado justificado dos

recursos apresentados pelo Impetrante não estão em consonância com os princípios

da publicidade e da moralidade que devem pautar toda a atividade da Administração

Pública, como se extrai do texto constitucional, em seu artigo 37, caput.

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CONCLUSÃO

A problemática da extensão do controle judicial da atividade administrativa

envolve a tensão entre os princípios constitucionais da inafastabilidade da tutela

jurisdicional e da separação de poderes.

No Estado Liberal, o controle jurisdicional se cingia unicamente em matéria

administrativa à observância rigorosa do princípio da legalidade. Em decorrência, a

Administração Pública tinha uma esfera livre de ação, absolutamente isenta de freios

judiciais, sobretudo, um espaço político assentado sobre o mérito administrativo.

Mas, assim que do ponto de vista conceitual a discricionariedade passou a se

desmembrar do mérito, foi possível uma progressão teórica que passasse do

controle meramente formal dos atos administrativos, via princípio da legalidade, para

o controle material, via princípio da legitimidade.

A extensão do controle jurisdicional a todos os atos administrativos deve-se,

em grande parte, ao advento do Estado Democrático de Direito, às novas dimensões

do direitos fundamentais, à renovação hermenêutica e também ao despertar de uma

nova consciência jurídica de constitucionalidade.

A constitucionalização dos princípios da Administração Pública e dos

princípios gerais do Direito gerou para o Poder Judiciário a possibilidade de verificar,

além da conformidade dos atos administrativos com a lei, ao exercer o controle de

seus aspectos vinculados, à luz do princípio da legalidade, aspectos não vinculados

desses atos, em decorrência dos demais princípios.

Em um Estado Democrático de Direito, deve a Administração serviência

integral às balizas principiológicas da ordem jurídica. Nesse contexto, a margem de

decisão deixada pelo Direito em favor da Administração Pública deve ser exercitada

por meio de provimentos que obrigatoriamente devem revelar submissão completa

ao postulado pelos vetores principiológicos aceitos por aquela sociedade, sob pena

de arbitrariedade e conseqüente invalidade da atuação.

Elementos de fecundação da ordem jurídica positiva, os princípios permitem

avaliar a aplicação do direito pela Administração Pública, especialmente no exercício

da competência discricionária, com vistas ao controle de sua juridicidade.

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Os comandos que deles se irradiam devem reinar no processo de efetivação

da função administrativa, já que sua violação se mostra visceralmente contrária às

valorações jurídico-fundamentais que governam o Estado Democrático de Direito,

insculpido na Magna Carta.

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FOLHA DE AVALIAÇÃO Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes – Projeto A Vez Do Mestre Título da Monografia: Controle Judicial do Ato Administrativo Discricionário Autor: Arnaldo Antonio Ferreira de Brito Data da entrega: Avaliado por: Conceito: