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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA A importância do estudo da imagem dentro de uma proposta humanizada de arte reabilitação- Aplicações da Proposta Triangular de Ensino Por: Fernanda de Freitas Thomaz Orientador Prof. Fabiane Muniz da Silva São Luís 2015

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES - Pós-Graduação · descrições contidas no livro Epopeia Ignorada de Oto Marques da Silva. O modelo de reabilitação discutido, por sua vez, partiu

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A importância do estudo da imagem dentro de uma proposta humanizada de arte reabilitação- Aplicações da Proposta Triangular de Ensino

Por: Fernanda de Freitas Thomaz

Orientador

Prof. Fabiane Muniz da Silva

São Luís

2015

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A importância do estudo da imagem dentro de uma proposta humanizada de arte reabilitação- Aplicações da Proposta Triangular de Ensino

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Arte em Educação e Saúde

Por: . Fernanda de Freitas Thomaz

3

AGRADECIMENTOS

À Deus e aos mestres, meu marido e filhos, meus pais e irmãos.

4

DEDICATÓRIA

Aos pacientes.

5

EPÍGRAFE

“ A dor passa, A beleza fica”

Pierre-Auguste Renoir

6

RESUMO

Segundo censo do IBGE mais recente 7% da população brasileira possui

deficiência motora. A reabilitação desses indivíduos tem sido compreendida

como um processo que objetiva a capacitação e o alcance do máximo

potencial de habilidades físicas, sensoriais, intelectuais, psicológicas e de

funcionamento social. Nesta perspectiva, busca-se valorizar o que existe no

indivíduo e não o que foi perdido e compreende-se a deficiência a partir de

uma interação do indivíduo com o ambiente, considerando também os modos

individuais de adaptação.

Essa proposta de reabilitação encontra consonância com classificações e

terminologias que estão sendo utilizadas mundialmente em relação à

deficiência.

O estudo das imagens da deficiência ao longo da história da arte, por sua vez,

demonstra que o significado da deficiência tem sido construído e reconstruído

ao longo dos tempos, sendo que se observa, na contemporaneidade,

iniciativas de retratar os desejos, os sonhos e a forma particular de cada um

enfrentar sua deficiência.

A arte utilizada como recurso dentro de hospitais de reabilitação, por sua

história recente, não tem uma prática ou fundamentação teórica expressiva,

apesar da existência de estudos que começam a apontar seus benefícios

físicos, psicológicos e sociais.

7

Adaptações da proposta triangular sintetizada por Ana Mae Barbosa para o

contexto da Arte reabilitação, especialmente através da análise de imagens da

deficiência, poderiam contribuir para a construção de novos conceitos sobre a

deficiência, favorecendo para que os pacientes passem a atuar ativamente

tanto na sociedade como dentro do seu processo de reabilitação, favorecendo

a humanização do atendimento.

8

METODOLOGIA

Foi realizada pesquisa bibliográfica e Pesquisa webgráfica sobre o tema

utilizando os descritores deficiência física, imagens da deficiência, arte, Ana

Mae Barbosa, proposta triangular de ensino.

Em sequência, foi realizado cruzamento dos dados das pesquisas

anteriores e análise reflexiva dos mesmos.

A proposta triangular de ensino foi apresentada e discutida sob a luz de

pensadores contemporâneos como Bossi, Giddens, Boaventura e Hall,

utilizando imagens da deficiência ao longo da história da arte a partir de

descrições contidas no livro Epopeia Ignorada de Oto Marques da Silva. O

modelo de reabilitação discutido, por sua vez, partiu de um modelo ecológico,

fundamentado na teoria de Urie Bronfenbrenner.

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

CAPÍTULO I - Deficiência, classificações e terminologias 12

CAPÍTULO II - Arte Reabilitação 16

CAPÍTULO III – Proposta triangular de ensino

- aplicações na arte reabilitação 21

CONCLUSÃO 39

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 40

10

INTRODUÇÃO

Na contemporaneidade, a arte é entendida como uma linguagem simbólica que

possibilita a expressão de sentimentos e a produção de conteúdos conforme

definido por Susane Langer (1981). Alfredo Bossi (1986) aponta que a arte é

construção, expressão e conhecimento. Envolve o ato de formar e transformar

os signos da natureza, a expressão da vida interior e da representação da

realidade.

No Brasil, o uso da atividade criativa como forma de tratamento teve início na

saúde mental, sendo um dos marcos o trabalho desenvolvido por Nise da

Silveira. Na reabilitação física, a atividade como forma de tratamento surgiu na

década de 40, com o Movimento Internacional de Reabilitação, que

impulsionou a implantação de programas de reabilitação física.

A grande maioria dos estudos sobre as atividades criativas, por meio das artes,

abrange o universo de pacientes psiquiátricos, oncológicos, e idosos. Os

estudos direcionados a outras populações (FRANCISQUETTI, 2011; SIMAS,

2012; SYMONS, 2011) estão concentrados em pacientes com doenças

neurológicas, com artrite ou amputados.

A proposta triangular de ensino, desenvolvida por Ana Mae Barbosa, enfoca

de forma integrada o fazer artístico; a leitura da imagem (obra de arte); e a

contextualização (história da arte). Essa autora aponta ainda que a arte

possibilitaria a humanização ao desenvolver a percepção e a imaginação para

captar a realidade circundante, assim como, a capacidade criadora necessária

à modificação desta realidade.

11

O objetivo desta revisão de literatura foi investigar como a proposta

metodológica de Ana Mae Barbosa pode ser adaptada à Arte Reabilitação em

pacientes com deficiência física dentro de uma visão humanista de

atendimento contribuindo para a construção de novos significados

relacionados à deficiência, estimulando uma postura ativa dos portadores de

deficiência e favorecendo sua reinserção social.

Para construção do pensamento foram discutidos os conceitos de deficiência e

Arte Reabilitação e apresentada a proposta triangular de ensino, enfatizando a

importância do estudo da imagem através da utilização de imagens da

deficiência ao longo da história da arte. Ao final buscou-se avaliar aplicações

da proposta triangular de ensino em atividades de Arte reabilitação voltadas

para pessoas com deficiência física.

12

CAPÍTULO I

Deficiência- classificações e terminologias

Há mais de 6 milhões de pessoas

deficientes neste país (Inglaterra),

alguns casos muito graves como o

meu, e uma grande parcela deles pode

ser ajudada. Os deficientes são antes

de tudo pessoas, depois deficientes.

Eles não devem ser condenados a uma

sentença perpétua de confinamento

solitário, sem conseguir se deslocar ou

se comunicar com o mundo (STEPHEN

HAWKING, 2005, P.301)

Segundo censo do IBGE 2010 quase 46 milhões de brasileiros, cerca de 24%

da população, declarou possuir pelo menos uma das deficiências investigadas

(mental, motora, visual e auditiva), a maioria mulheres. A deficiência visual foi a

mais apontada, atingindo 18,8% da população. Em seguida vêm as

deficiências motora (7%), auditiva (5,1%) e mental ou intelectual (1,4%). O

censo registrou, ainda, que as desigualdades permanecem em relação aos

deficientes, que têm taxa de escolarização menor que a população sem

nenhuma das deficiências investigadas. O mesmo ocorreu em relação à

ocupação e ao rendimento.

13

A terminologia adotada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) na

classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens

(CIDID) traduz avanços na concepção sobre as pessoas com deficiência em

comparação a décadas anteriores.

Essa classificação foi lançada em 1976, em Assembleia Geral da OMS em

caráter experimental, e publicada em 1980.

A CIDID foi inicialmente baseada na trilogia deficiência (impairment),

incapacidade (disability) e desvantagem (handicap). A deficiência foi entendida

como uma manifestação corporal ou como a perda de uma estrutura ou função

do corpo. A incapacidade refere-se ao plano funcional, ao desempenho do

indivíduo, enquanto a desvantagem diz respeito à condição social de prejuízo

resultante da deficiência e/ou incapacidade.

As discussões a cerca dessa classificação culminaram em 1997 em uma

revisão da CIDID, a CIDIC2 com base em outra trilogia- deficiência, atividade e

participação. A nova abordagem não negou a deficiência, demonstrando que é

necessário assumi-la para superá-la. O conceito de deficiência, portanto,

permanece; o de atividade refere-se à execução propriamente dita de uma

atividade do indivíduo e não a sua aptidão para realizá-la; o de participação

compreende a interação entre o indivíduo e o ambiente. A principal diferença

entre as duas CIDIC é que a segunda não se prende às características da

deficiência, mas enfatiza os recursos necessários para a criação de ambientes

inclusivos.

14

Em 2001, uma terceira classificação foi lançada pela OMS intitulada

Classification of Functioning, Disability an Healt (ICF), em português

Classificação Internacional de Funcionalidade, incapacidade e saúde. Essa

descreve a vida dos indivíduos de acordo com a sua saúde e surge devido à

interação da saúde com as questões sociais. As inovações dessa classificação

são as medidas sociais e judiciais tomadas para garantir acessibilidade e

tratamento específico aos que necessitam. O termo funcionamento traz uma

questão positiva ao relacionar as funções e as estruturas do corpo com as

atividades e a participação do indivíduo. São todas as atividades que o

indivíduo pode desempenhar na sociedade, levando em consideração os

acessos promovidos.

Como podemos notar, as terminologias da OMS no sentido de não

concebermos a deficiência como algo fixado no indivíduo o que

desconsideraria a interação do indivíduo com o ambiente, assim como, seu

modo individual de se adaptar à deficiência. Assim a CIF passa a valorizar os

“componentes da saúde” em detrimento das “consequências da doença” .

De acordo com o Decreto Lei 7612, que instituiu o plano nacional dos direitos

da pessoa com deficiência- Plano Viver sem Limites- Brasil- 2011, são

considerados pessoas com deficiência aqueles que têm impedimento de longo

prazo de sua capacidade física, mental, intelectual ou sensorial os quais, em

interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e

efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

No que se refere à deficiência física, abrande doenças em que há o

comprometimento do aparelho locomotor que compreende o sistema

15

osteoarticular, o sistema Muscular e o Sistema Nervoso. As doenças ou lesões

que afetam quaisquer desses sistemas, isoladamente ou em conjunto, podem

produzir grandes limitações físicas de grau e gravidades variáveis, segundo os

segmentos corporais afetados e o tipo de lesão ocorrida. (BRASIL, 2006, p. 28)

16

CAPÍTULO II

Arte Reabilitação

2.1 Reabilitação

O estudo sobre a reabilitação, assim como a própria compreensão sobre a

deficiência, tem sofrido transformações acompanhado os novos paradigmas no

campo da saúde. Segundo a OMS, a reabilitação é compreendida como um

processo que objetiva a capacitação e o alcance do máximo potencial de

habilidades físicas, sensoriais, intelectuais, psicológicas e de funcionamento

social, considerando que a reinserção social não depende exclusivamente do

potencial do indivíduo, mas também do seu contexto físico e sociocultural

(WHO, 2011, b).

Em consonância com esta definição, se desenvolveram modelos de

reabilitação que incorporam a família e o contexto de cada pessoa no processo

de neurodesenvolvimento e se apoiam na teoria de Urie Bronfenbrenner sobre

a ecologia do desenvolvimento humano, como visto na Rede Sarah de

Hospitais de Reabilitação. Tal teoria implica no estudo científico da interação

mútua e progressiva entre por um lado um indivíduo ativo, em constante

crescimento, e, por outro lado as propriedades sempre em transformação dos

meios imediatos em que o indivíduo vive, sendo esse processo influenciado

pelas relações entre os contextos mais imediatos e os contextos mais vastos

em que aqueles se integram”.

17

Segundo Pereira e Araújo, 2006, a reabilitação visa à independência dos

indivíduos levando-se em consideração o contexto de vida e fundamenta-se

em quatro princípios básicos.

1- Intervenção centrada no paciente

2- Ênfase no processo (interação, negociação, comunicação, educação e

troca de experiências

3- Educação fundamentada em um modelo que integra os aspectos de

autocuidado, produtividade, recreação e socialização, resultantes dos

componentes físico, sociocultural, mental-emocional, filosófico-espiritual

4- Responsabilização do paciente na resolução de problemas,

estabelecimento de planos, incluindo até a orientação do meio social na

execução de cuidados.

A Humanização do atendimento ganhou legitimidade com a Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, ao ser criado do Sistema Único de

Saúde (SUS) e pode ser entendida como a valorização dos diferentes sujeitos

implicados no processo de produção de saúde- pacientes, trabalhadores e

gestores. Os valores que norteiam esta política são a autonomia e o

protagonismo dos sujeitos, a corresponsabilidade entre eles, o

estabelecimento de vínculos solidários e a participação coletiva no processo de

gestão (SUS 2004, p 8). Sua operacionalização depende, entre outros fatores,

da formação de profissionais capazes de gerar uma nova cultura.

“ A questão essencial aqui gira em torno de uma

mudança de atitude em relação ao paciente, qual

é incapaz de atingir uma meta por meio de uma

18

ação preconcebida. Consequentemente, o desafio

é descobrir uma forma de se chegar o mesmo

objetivo por outros meios- ou então talvez, mudar o

objetivo completamente. Esse é um processo de

construir e criar mutuamente, que inclui a

eliminação da rigidez profissional”

(ALOYSIO CAMPOS DA PAZ, )

A humanização do atendimento por sua vez, não pode prescindir do trabalho

integrado, em equipe interdisciplinar treinada para o escutar e para observar o

paciente em todos os aspectos biológicos, psicológicos e sociais, que

interferem e caracterizam o seu eu.

Pode-se considerar interdisciplinaridade uma troca intensa de saberes

profissionais especializados em diversos campos, exercendo, dentro de um

mesmo cenário, uma ação de reciprocidade e mutualidade, que pressupõe

uma atitude diferenciada a ser assumida diante de um determinado problema,

ou seja, é a substituição de uma concepção fragmentada e distante por uma

visão unitária e abrangente sobre o ser humano.

19

2.2 A Arte na Reabilitação

No Brasil, o uso da atividade criativa como forma de tratamento teve início na

saúde mental. Um dos marcos mais importante foi o trabalho desenvolvido por

Nise da Silveira, médica psiquiátrica, que fundou, em 1946, o Serviço de

Terapêutica Ocupacional no Centro Psiquiátrico de Engenho de Dentro, no Rio

de Janeiro. Nessa instituição foi implementado um tratamento por meio da

ocupação, realizado com pacientes internados, através de oficinas de

marcenaria, pintura e modelagem com abordagem junguiana (DE CARLO,

2001).

Na reabilitação física, a atividade como forma de tratamento surgiu na década

de 40, com o Movimento Internacional de Reabilitação, que impulsionou a

implantação de programas de reabilitação física, seguindo práticas norte-

americanas.

A grande maioria dos estudos sobre as atividades criativas, por meio das artes,

abrange o universo de pacientes psiquiátricos, oncológicos, e idosos. Os

estudos direcionados a outras populações (FRANCISQUETTI, 2011; SIMAS,

2012; SYMONS, 2011) estão concentrados em pacientes com doenças

neurológicas (Acidente Vascular Cerebral, Parkinson, Esclerose Múltipla,

Paralisia Cerebral, Traumatismo Cranioencefálico, Neurofibromatose e Lesão

Medular), com artrite ou amputados.

Revisão de literatura realizada por Perruza e Kinsella sobre o uso de

atividades de arte na prática terapêutica de atendimento a pacientes

neurológicos aponta seis principais efeitos: percepção de maior controle,

20

promoção da reintegração do self, expressão, transformação da experiência de

doença, ganhando senso de propósito e construção de suportes sociais

(PERRUZA, 2010).

Em estudo qualitativo envolvendo entrevistas com pacientes neurológicos

atendidos semanalmente por um professor de arte e um terapeuta ocupacional

verificou-se que as atividades de artes visuais contribuíram para que os

participantes identificassem objetivos pessoais para o seu programa de

reabilitação, assim como, auxiliaram na ocupação do tempo livre promovendo

maior satisfação, confiança em si próprios e planos para engajamento em

atividades futuras (SYMONS, 2011).

A avaliação qualitativa do uso do ateliê digital para a reabilitação de pacientes

com lesão medular revelou também que a reabilitação não está apenas

relacionada à “sobrevivência” e readaptação, mas também a reaprender a

comunicar sentimentos e expressão potencializando e alargando o sentido da

vida (SYMAS, 2012).

A arte vem conquistando no Brasil, mesmo que de forma tímida, espaço na

área da reabilitação cognitiva. Estudos de neurociência comprovam que

atividades de arte estimulam diferentes áreas cerebrais favorecendo a

formação de novas sinapses e auxiliando nas conexões entre os neurônios.

Por ser uma atividade agradável e expressiva, proporciona o desenvolvimento

da cognição, pensamento e raciocínio, tornando-se veículo para alcance da

melhora física, psíquica e social do indivíduo, colaborando com as estratégias

atuais de reabilitação. (SOUZA, 2009).

21

CAPÍTULO III

Proposta Triangular de Ensino- Aplicações na arte Reabilitação

“ A arte é um rio cujas águas irrigam a

humanidade com um saber outro que não

estritamente o intelectual, e diz respeito à

interioridade de cada ser.”

(ANA MAE BARBOSA, 1994 )

Ana Mae Barbosa é uma educadora brasileira, pioneira em arte-educação,

tendo se tornado a principal referência no Brasil para o ensino da arte nas

escolas. Em 1987, a partir de análise antropofágica de escolas mexicanas,

inglesas e americanas incorporando o pensamento pedagógico do educador

brasileiro Paulo Freire desenvolveu uma proposta de ação pedagógica que

vem sendo estudada desde a década de 1990 tendo servido como referência

nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte dos ensinos fundamentais e

médios brasileiros. Sua proposta enfoca de forma integrada: o fazer artístico; a

leitura da imagem (obra de arte); e a contextualização (história da arte),

explorando as três dimensões estéticas da arte, conforme descrito por Bossi,

1986. Para esse autor a arte é construção, expressão e conhecimento. Não

abrange somente o ato de formar e transformar os signos da natureza como

também a expressão da vida interior e a representação da realidade.

A leitura da arte pode ser considerada uma metalinguagem da imagem, ou

seja, um inter-relacionamento entre forma e conteúdo de forma dialógica, uma

crítica estética da arte. Parte do princípio que a consciência da experiência

22

estética explicitada organiza os significados. Em outras palavras, através da

consciência se pode transformar os significados.

A história da arte seria a contextualização da obra de arte no tempo,

explorando as circunstâncias que foram produzidas. Essa autora aponta que,

apesar de ser um produto da imaginação, a arte não está separada da

economia, da política e dos padrões sociais que operam na sociedade. Assim,

através da leitura de cada obra de arte é possível estabelecer conexões e

relações entre outras obras de arte e outras manifestações culturais

acessando ideias, emoções, linguagens vinculadas a um contexto. Ana Mae

destaca que, na análise da obra isolada, a informação histórica fica

verbalmente sobreposta à imagem, ficando presa mais aos detalhes

representados que à significação. Já na análise comparativa de imagens, o

olho capta as diferenças históricas, ou seja, a própria análise visual organiza a

informação histórica.

Em relação ao fazer artístico afirma não apoiar o “deixar fazer” que

caracterizou o modernismo da arte-educação, mas buscar uma abordagem

que torne a arte não só um instrumento do desenvolvimento, mas

principalmente um componente de sua herança cultural. Questiona assim o

slogan dos arte educadores dos anos sessenta “o que importa é o processo e

não o produto”, valorizando a relação “processo-produto”, na história do

indivíduo e na história cultural. Entende assim que diferentemente da

modernidade que concebia a arte como expressão, na pós-modernidade essa

deve compreender também a construção do objeto e sua concepção inteligível,

como definidores da arte

23

Para Ana Mae, a arte possibilitaria a humanização ao desenvolver a

percepção, a capacidade reflexiva e a imaginação para captar a realidade

circundante e desenvolver a capacidade criadora necessária à modificação

desta realidade. Advoga ainda que é preciso levar a arte, circunscrita a um

mundo socialmente limitado, a se expandir, tornando-se patrimônio cultural da

maioria e elevando o nível de qualidade de vida da população

(BARBOSA,1994). Dessa forma, vai de encontro ao que ela denominou como

apartheid cultural que significa para o povo o candomblé, o carnaval, o bumba-

meu-boi e a sonegação dos códigos eruditos de arte. Na sua acepção, é

necessário o intercruzamento de padrões estéticos para que seja construído,

através do princípio dialético, um discernimento de valores. Dessa forma, seria

exercitada a habilidade de julgar e de formular significados ou de sumarizar

múltiplos significados que excedem a capacidade de dizer em palavras,

expandindo assim a consciência.

24

3.1 Importância do Estudo da Imagem

Ana Mae aponta, em sua proposta metodológica, que para entender a

importância da história da arte, da crítica da arte, da estética e do fazer

artístico como inter-relação da forma e conteúdo, o primeiro passo é o

entendimento da importância do estudo da imagem no ensino da arte.

Através do estudo da imagem se tem a pretensão de formar o conhecedor,

fruidor e decodificador da obra, ou seja, indivíduos com a capacidade de

julgamento. Esse estudo favorece uma compreensão sobre os elementos

visuais e as características de construção com predominâncias diversas como

agudeza, ordenação, emoção, fantasia.

Dentro desta proposta metodológica, portanto, a imagem deve ser lida e relida

com a função de preparar o aluno para entender o discurso visual (BARBOSA,

2002, p. 19). As artes visuais estão sendo entendida aqui sob uma perspectiva

contemporânea como uma linguagem simbólica que possibilitaria a expressão

de sentimentos e a produção de conteúdos conforme definido por Susane

Langer (apud Duarte Jr, 1981) .

Como o foco desse estudo são pessoas com deficiência física, serão

apresentadas abaixo imagens da deficiência física ao longo da história da arte

como forma de compreender como foi construído esse significado ao longo da

história e como esse vem sendo reconstruído na pós-modernidade.

Ao longo da história da arte há vários registros da deficiência física nas artes

25

plásticas, onde o artista, apesar da sua originalidade e criatividade, expressa

concepções do seu tempo relacionadas à deficiência, falando assim em nome

do coletivo.

Segundo descrição de Silva (1987) em seu livro A epopéia Ignorada

”anomalias físicas ou mentais, deformidades congênitas, amputações

traumáticas, doenças graves e de consequências incapacitantes, sejam elas

de natureza transitória ou permanente, são tão antigas quanto à própria

humanidade”. Além disso, atingem pessoas de todas as raças, nacionalidades,

idades, classes sociais e profissões. Há relatos da deficiência inclusive nas

mitologias grega e romana, porém os deficientes passaram a receber maior

atenção somente após a II Guerra Mundial, com a volta dos veteranos, muitos

deles com deficiências diversas causadas por ferimentos.

A arte Egípcia nos revela que há mais de cinco mil anos, a pessoa com

deficiência se integrava às diferentes classes sociais inclusive ocupando a

posição de faraós como Sipthah (séc. XIII a.C.) e Amon (séc. XI a.C.). Papiros

contendo ensinamentos morais no Antigo Egito ressaltam a necessidade de se

respeitar as pessoas com nanismo e com outras deficiências. Esse manuscrito

se encontra preservado quase em sua totalidade no Museu Britânico e um de

seus trechos diz:

“Não faça gozações de um homem cego nem caçoe de

um anão, nem interfira com a condição de um aleijado.

Não insulte um homem que está na mão de Deus, nem

desaprove se ele erra.” (KOZMA et al, 2011).

26

Uma das imagens da deficiência desse tempo mais difundida nos tempos

atuais é a de uma Estela Votiva da XIX dinastia, Originária de Menphys, que se

encontra no Museu NY Carlsberg Glyptotek . A palavra Estela provém de Stela

e significa “pedra erguida” ou alçada. Esse termo designa objetos em

monólitos (pedras únicas) nos quais são realizadas esculturas em relevo ou

textos com a função de veicular um significado simbólico seja mágico religioso,

territorial, funerário, entre outros. Nessa imagem vê-se um porteiro egípcio,

Roma, portador de deficiência com acometimento do membro inferior direito,

provavelmente por sequela de poliomielite, utilizando um auxílio locomoção,

que carrega uma oferenda à deusa Astarte Síria (anexo 1).

Outras imagens desse período são a pintura mural de Tell-el-Amarna que

representa duas moças com hidrocefalia, a escultura do Músico Anão V

dinastia e a representação do Deus, Bés. Bés, o Deus dos combates, dos

jogos e das danças é representado como um anão de pernas arqueadas e

aparência feroz. (anexos 2-4)

Seguindo os padrões da mitologia Grega, Homero, que pelos relatos era cego,

criou em Ilíada, um personagem Hefesto (cujo equivalente na mitologia romana

era Vulcano), o ferreiro divino, que era rejeitado por sua mãe, Hera, por ter

uma de suas pernas com atrofia. Zeus o retira do Olimpo e na terra Hefesto

compensa sua deficiência ao manifestar suas habilidades em metalurgia e

artes manuais. Homero e seu guia Dionísio conduzem Hefesto ao Olimpo

como retratado entre 430-420 a.c em vaso de figuras vermelhas encontrado no

Museu de Arte de Toledo (anexo 5).

Outras ilustrações desse Deus em sua cadeira de rodas alada são

27

encontradas datadas do século IV a.c (anexos 6 e 7).

Em Roma, as leis não eram favoráveis às pessoas com deficiência física.

Apesar disso, há relatos de Imperadores com deficiência física, especialmente

má Formação dos pés, tais como Galba e Othon. Dessa época, encontra-se

um mosaico na cidade francesa de Lescar que mostra um homem com

amputação do pé direito utilizando uma prótese de madeira (anexo 8).

O surgimento do cristianismo combate a eliminação dos nascidos com

deficiência e prega a prática da caridade e o amor entre as pessoas e as

imagens dessa época apresentam procedimentos de cura realizados por Jesus

(anexo 9).

O mosaico encontrado no nártex externo da Igreja de Chora em Istambul

retrata a passagem bíblica na qual Jesus entrou em Cafarnaum, o povo logo

soube e veio ao seu encontro. As pessoas se ajuntaram em tamanha

quantidade que não havia mais espaço para ninguém, nem mesmo ao lado de

fora do recinto, e ali Jesus pregou. Quatro pessoas tentaram se aproximar

trazendo um paralítico, carregando-o num colchão, e, como não conseguiram

chegar perto por causa da multidão, eles fizeram um buraco no teto da sala

onde estava Jesus e então baixaram, com cordas, o homem. Jesus,

percebendo a firmeza da fé desses homens, disse ao paralítico: "Filho, teus

pecados estão perdoados."

Do seculo VI existe uma imagem de um portador de deficiência em cadeira de

rodas que foi escavada em um sarcófago na China. (anexo 10)

28

No período medieval podemos encontrar figuras de deficientes em luminárias e

tapeçarias. Neste contexto, algumas deficiências são identificadas pela

ausência de membros ou pelo uso de auxílios para a locomoção.

No período alto medieval, os principais expoentes dos retratos dos excluídos

foram sem dúvida os artistas flamengos Bosh e Brueghel que retratam em

suas obras, cegos, deficientes físicos, doentes e deficientes mentais. (anexo

12).

Anterior ao Renascimento destaca-se Fra Angelico, um artista naturalista com

influencias renascentistas, que retratou a deficiência em suas obras. Fra

Angélico representa o elo entre a arte católica medieval e a cultura humanista.

No quadro “São Lourenço distribui Bens aos pobres” retrata um amputado

bilateral, um cego utilizando um bastão e outro indivíduo com um

acometimento no membro inferior direito, que utiliza uma bengala. (anexo 13)

Também do período que antecedeu a Renascença é a obra de Masaccio “São

Pedro cura os enfermos com sua sombra” (anexo 14) que mostra duas

pessoas com deficiência e seus auxílios locomoção.

Nas imagens de Brueghel, Masaccio e Fra Angélico, as pessoas com

deficiência aparecem entre os excluídos, muitas vezes malvestidas e com face

de sofrimento.

No Renascimento, a produção artística valoriza os ideais de beleza, com forte

influência da antiguidade reencontrada e Vicenzo de Rossi retrata o Deus

Vulcano em uma escultura onde sua deficiência é omitida (anexo 14).

29

No livro texto do Hospital Medieval Espirito Santo de Nuremberg, Alemanha

(1420), servindo como princípio orientador do sistema hospitalar da época,

encontra-se a imagem de Santa Elisabete da Hungria oferecendo o pão para

dois enfermos com deformidades no pé e na perna usando bengalas (anexo

15).

Rafaello, um dos principais expoentes do Renascimento desenhou uma

gravura que pode ser encontrada no Museu de South Kensington (Londres),

que mostra um portador de deficiência na porta de um templo (anexo 16).

Também Andrea Mantegna retrata em a família do marques Ludovico Gonzales

(1470) a representação de um anão da corte (anexo 17).

Lucas Cranach, pintor germânico renascentista, na obra Fonte do

rejuvenescimento, retrata portadores de deficiência, utilizando alguns meios de

transporte disponíveis na época (anexo 19).

No período Barroco, alguns artistas vão olhar mais de perto para as pessoas

do cotidiano. Nesse período, Velasquez retoma o tema dos bobos da corte,

retratados nas iluminarias medievais, e inclui anões e retratos do cotidiano da

corte (anexos 20 e 21).

Tanto nas imagens de Velasquez com nas de Mantegna, anões estão entre

personagens da corte, ocupando posição de destaque na obra ou próximo ao

centro da pintura. Mostram-se bem vestidos e com olhar altivo.

30

Nessa mesma época, o personagem Vulcano da mitologia romana é

novamente representado por Velásquez e Peter Paul Rubens (anexos 22 e

23).

Nessas imagens, a atrofia da perna não é destacada, mas apenas sua

habilidade de forjar o metal com o fogo.

Giusepe Ribera, pintor espanhol tenebrista, tendência pictórica que nasceu no

barroco, é autor de um quadro, exposto no Museu do Louvre, que mostra um

sorridente menino com deformidade no pé direito, provavelmente com sequela

de poliomielite que em sua mão esquerda carrega um papel escrito: Dá-me

esmola pelo amor de Deu. (anexo 24).

Jacques Callot desenhista francês possuía um talento singular para imaginar

posturas, fisionomias, trajes e figuras extravagantes. Sua cidade, Nancy, foi

sitiada e humilhada com a entrada do exército de Luís XIII. Durante a guerra

desenhou os suplícios e sofrimentos em uma série de dezoito imagens, além

da outras inúmeras ilustrações impactantes e disformes (anexo 25).

Há relatos de artistas plásticos com deficiência física no exterior (Henri

Matisse, Tolouse Lautrec, Frida Kahlo) e no Brasil (Aleijadinho, Nhozinho

Santos, Anita Malfati) e o estudo de suas histórias de vida e obras seria válido

no sentido entender como a arte influenciou a forma de conviver e ver a

doença e a deficiência, porém dentro da proposta deste trabalho de descrição

de imagens da deficiência física as obras de Frida Kahlo que datam do século

passado, tem especial relevância já Frida utilizou sua arte como forma de

comunicar sua dor, seu sofrimento. Nas obras dos demais artistas não há

31

indícios de suas deficiências, com exceção de Tolouse Lautrec, que a

apresenta em uma caricatura os sinais de uma distrofia poliepifisária através

dos membros bem curtos. Renoir destaca a caquexia associada à artrite

reumatóide, como pode ser visto nas imagens abaixo (anexos 26 e 27).

Frida Kahlo foi uma artista plástica mexicana, nascida em 1907, que se

notabilizou como pintora em seu país e no exterior pela força das suas obras.

Frida contraiu poliomielite aos 6 anos de idade apresentando acometimento da

perna direita, motivo pelo qual ganhou o apelido de Frida pata de palo (ou seja,

Frida perna de pau).

Apesar de não existirem registos médicos, há estudo que aponta ter sido

portadora de defeito congênito de espinha bífida a partir da observação de

uma de suas pinturas intitulada “o que vejo na água” de 1938 que mostra

deformidade do hálux e do segundo artelho.

Aos 18 anos um bonde, no qual viajava, chocou-se com um trem causando

fratura da coluna em três regiões, além de esmagamento da perna e do pé.

Durante 29 anos suportou dores, uso de coletes e diversos procedimentos,

inclusive cirúrgicos.

Durante a sua longa convalescença, começou a pintar, usando a caixa de

tintas de seu pai e um cavalete adaptado à cama, presente de sua mãe. O

sofrimento foi representado nos quadros A Coluna Partida, 1944 e Àrvore da

Esperança Mantém-se firme,1946.

32

Na tela Eu sou um veadinho ferido, 1944 Frida representa o cárcere em um

corpo atacado por várias doenças que contrasta com um olhar fixo e

impenetrável que representa seu eu e sua força de vontade.

Em 27 de julho de1953, Frida teve a perna direita amputada até a altura do

joelho, como representado na obra “Pies para que los quiero se tengo alas

para volar.” A frase representa sua capacidade de ultrapassar barreiras

aparentemente intransponíveis, ou seja, sair do enclausuramento do corpo

para viver a liberdade do eu. (anexo 28)

Na sociedade contemporânea encontramos a pessoa com deficiência retratada

em obras como a do fotógrafo sérvio Matej Peljhan que trouxe para a vida a

imaginação de uma criança de 12 anos com distrofia muscular, dependente da

cadeira de rodas para a locomoção, utilizando como referência o clássico

infantil “O Pequeno Príncipe”.

Inspirado nessa proposta, o publicitário mineiro João Fábio Matheasi,

fotografou 17 pessoas com deficiências físicas e mentais, realizando seus

sonhos. Eles foram clicados em imagens que mostram os desejos de cada um.

Sonhos como andar na chuva, jogar futebol, praticar skate, ser rapper, médico,

princesa e, também, se casar.

Os fotógrafos Jorge Aguiar e Tadeu Vilani desenvolveram o projeto fotográfico

“Meio Fio Vida de Cadeirante” que documenta a vivência das pessoas com

deficiências físicas no seu dia a dia, enfrentado dificuldades em

acessibilidades.

33

O projeto busca retratar a realidade e os efeitos dos indivíduos sociais,

resgatando a autoestima dos retratados. “A fotografia é a manifestação cultural

de nossa sociedade e como tal, não é apenas um objeto de cultura e sim, um

meio pelo qual a sociedade registra hábitos, gostos, pensamento, identidade e

sua história. Além disto, ela se torna potencialmente um agente de interação e

mudança social. Ao modificarmos um espaço da cidade, estamos modificando

também a relação com o cidadão”.

34

3.2 Aplicações da Proposta triangular na Arte Reabilitação

Convém contextualizar para que se possam compreender as aplicações da

proposta triangular de ensino na arte reabilitação.

A sociedade pós-moderna é caracterizada por dinamismo onde mudanças

rápidas, de grande amplitude e profundidade ocorrem impulsionadas pela

globalização, o desenvolvimento tecnológico e dos meios de comunicação.

Nesse contexto, um novo sentido de identidade é imposto, já que ocorre uma

ruptura com o referencial protetor da pequena comunidade ( GIDDENS 2002).

Ao mesmo tempo em que os meios de comunicação nos permitem estar

mundialmente conectados, nota-se também a fragmentação da sociedade que

se apresenta dividida em múltiplos apartheids, polarizada, ao longo de eixos

econômicos, sociais, políticos, religiosos e culturais (BOAVENTURA DE

SANTOS SOUZA, 2006).

Resquícios do positivismo de Comte e do racionalismo de Descartes

sobrevivem em uma sociedade que busca se reconstruir de forma mais

humanizada e integrada, valorizando as subjetividades e diversidades, apesar

de não ter encontrado ainda os meios para alcançar tais objetivos. Dentro

desta perspectiva, as dificuldades e os desafios são das mais variadas ordens

e estão ligados, entre outros fatores, à organização da sociedade, aos valores

que nela prevalecem, às prioridades definidas nas políticas públicas e aos

meios efetivamente disponibilizados para implantação dessas políticas.

35

A legislação nacional alinha-se com a internacional adotando posturas mais

avançadas em relação aos direitos sociais de acesso universal à cultura,

educação e saúde de qualidade, mas, por outro lato, sua ação é limitada no

sentido de viabilizar concretamente essas práticas.

Os ambientes de atendimento à saúde, locais historicamente de caráter

assistencialista, recentemente têm se voltado para a consolidação de ações

que defendem o direito de todos os cidadãos. Caminhos estão sendo

buscados no sentido da integralidade e universalidade, apesar de a

fragmentação e a verticalização dos processos de trabalho ainda afetarem as

relações entre os profissionais da saúde e entre estes e os pacientes.

As pessoas com deficiência, por sua vez, entre eles os portadores de

deficiência física, objeto desse estudo, estão de forma geral entre o grupo dos

excluídos já que possuem taxa de escolarização e ocupação menor, assim

como menor renda em comparação com a população sem deficiências, como

apontam dados do IBGE 2010.

Dessa forma, ao pensar na reabilitação de pessoas com deficiência física é

necessário lembrar que estamos falando de indivíduos historicamente

excluídos, vivendo o que Ana Mae denomina o Apartheid cultural. São sujeitos

que muitas vezes não tiveram e ainda não têm acesso aos códigos e não

participaram ativamente na sua construção, se caracterizando, na grande

maioria das vezes, como depositários de informação.

Em relação à arte, essa tem sido apontada como um recurso promissor para a

reabilitação com alcances físicos, psíquicos e sociais, apesar de contar ainda

36

com fundamentação teórica escassa, especialmente no que se refere aos seus

impactos sociais.

Atividades de Arte Reabilitação, fundamentadas na proposta triangular,

poderiam favorecer para que o portador de deficiência física desenvolva sua

capacidade de julgamento e de reflexão, assim como, sua consciência social e

capacidade criativa. Oportunizariam o acesso a uma nova forma de percepção

e de expressão, de conhecimento, que contribuiria para ordenar e dar sentido

à sua experiência. Além disso, poderiam transformar esse sujeito “depositário”

em um sujeito ativo que reflete, do ponto de vista físico, psicológico e social,

sobre o que é possuir uma deficiência, conseguindo construir seus próprios

significados, assim como, estabelecer seus próprios objetivos dentro do seu

processo de reabilitação.

Esse apontamento vai ao encontro do que Hall (2011) descreve em relação à

Luta ideológica. Para esse autor, essa frequentemente consiste na tentativa de

obter um novo conjunto de significados para um termo ou categoria já

existente, de desarticulá-lo de seu lugar na estrutura significativa.

È evidente que adaptações são necessárias para aplicação dessa proposta ao

contexto da reabilitação de pessoas com deficiência física, já que nesta

situação a arte está inserida como um recurso que pode ser empregado com

vários objetivos. Tais adaptações não só são possíveis como já foram previstas

por Ana Mae, motivo pelo qual definiu como uma proposta e não como um

método.(CARVALHO, 2007, MONTEIRO2005).

37

Destaque deve ser dado à utilização de imagens da deficiência o longo da

história da arte em atividades de Arte Reabilitação já que essas poderiam

estimular reflexões sobre a deficiência e oferecer aos profissionais a

possibilidade de acessar aspectos psicológicos e sociais do paciente VISTO

que métodos quantitativos de avaliação por si só podem não ser sensíveis ao

universo simbólico do indivíduo. Assim, possibilitaria a equipe conhecer o

paciente de forma mais complexa e integrada, entendendo sua percepção

sobre a deficiência. Ao mesmo tempo, auxiliaria na construção de novos

conceitos, no estabelecimento de planos e metas para a reabilitação

contribuindo para saiam do processo de reabilitação compreendendo seu

papel enquanto cidadãos.

A história da arte nos mostra como o significado da deficiência tem sido

construído e reconstruído, sendo que na sociedade contemporânea existem

tentativas de valorizar o que existe no indivíduo, seus sonhos, suas

expectativas, seus potenciais e não o que foi perdido. Esse movimento

coincide com princípios da reabilitação ecológica e devem ser abordados no

contexto da reabilitação

Essa proposta atenderia, portanto, ao momento histórico que vivemos de

relevância do atendimento humanizado na área da saúde.

“A tarefa da medicina do século XXI

será a descoberta da pessoa – encontrar as

origens da doença e do sofrimento, com este

conhecimento desenvolver métodos para o

alívio da dor, e ao mesmo tempo, revelar o

38

poder da própria pessoa, assim como, nos

séculos XIX e XX foi revelado o poder do

corpo” (CASSEL, 1991: x apud CAPRARA,

1999).

Além disso, favoreceria o uso da arte como um recurso de reabilitação sob

uma perspectiva pós moderna que alcança suas três dimensões: construção,

expressão e conhecimento (Bossi, 1986), ou seja, envolvendo o ato de formar

e transformar os signos da natureza, a expressão da vida interior e da

representação da realidade.

39

CONCLUSÃO

Adaptações da proposta triangular sintetizada por Ana Mae Barbosa para o

contexto da Arte reabilitação podem contribuir para a construção de novos

conceitos sobre a deficiência, favorecendo para que os pacientes passem a

atuar ativamente tanto dentro do seu processo de reabilitação como na

sociedade. Dessa forma, incentivariam para que se tornem cidadãos críticos

para o exercício da cidadania, capazes de atuar em favor de uma sociedade

mais inclusiva. Entre as adaptações possíveis, destaque deve ser dado ao

estudo das imagens da deficiência ao longo da história da arte.

Tanto nas terminologias de classificação da deficiência como nos modelos de

reabilitação observa-se a busca de não concebermos a deficiência como algo

fixado no indivíduo o que desconsideraria a interação do indivíduo com o

ambiente, assim como, seu modo individual de se adaptar à deficiência. As

imagens da deficiência em obras contemporâneas parecem traduzir essa

busca ao retratar os desejos, os sonhos e a forma particular de cada um

enfrentar sua deficiência.

40

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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44

Anexos

Anexo 1- Estela Votiva da XIX dinastia, Originária de Menphys, Museu NY Carlsberg Glyptotek

Anexo 2- Pintura mural de Tell-el-Amarna, representa duas moças com hidrocefalia.

45

Anexo 3- Músico Anão V dinastia

Anexo 4 Deus, Bés, o Deus dos combates, dos jogos e das danças é representado como um anão de pernas arqueadas e aparência feroz

46

Anexo 5- Dionísio conduz Hefesto ao Olimpo, 430-420 a.c, Museu de Arte de Toledo

Anexo 6 Hefesto em sua cadeira alada, vaso grego do século IV antes de cristo (a.c)

Anexo 7- Hefesto em cadeira de rodas junto com os outros deuses do Olympo, bocal de um vaso grego século IV a.c.

47

Anexo 8- Homem com amputação do pé direito utilizando uma prótese de madeira, mosaico romano, cidade francesa de Lescar

Anexo 9- Jesus curando o paralítico em Cafarnaum. Mosaico no nártex externo da Igreja de Chora em Istambul

Anexo 10- Portador de deficiência em cadeira de rodas. Imagem encontrada em um sarcófago na China, século VI

48

Anexo 11- O milagre de Cristo (Século XIII) – Anônimo. No detalhe vemos um homem com amputação da perna esquerda e outro sem os dois pés.

Anexo 12- Mendigos, Pieter Brueghel (1568) Museu do Louvre.

49

Anexo 13 São Lourenço distribui os bens aos pobres. Capela Nicolinna, 1445-1450.

Anexo 14-São Pedro cura os enfermos com sua sombra

50

Anexo 14- Deus Vulcano, Vicenzo de Rossi

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Anexo 15- Santa Elisabete da Hungria oferecendo o pão para dois enfermos com deformidades no pé e na perna usando bengalas. Coleção de miniaturas de obras impressas

Anexo 16- A cura do homem coxo, 1515, Rafaello

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Anexo 17- A família do marques Ludovico Gonzales, Mantengna, 1470

Anexo 18- Cena de estrada com arquitetura romana, Johannes Lingelbach (1622 - 1674). Apresenta um homem com o pé recentemente amputado caminha entre os cidadãos.

Anexo 19- Fonte do rejuvenescimento, Lucas Cranach

53

Anexo 20 Laz Meninas, Velázquez, 1656, Museu do Prado

Anexo 21- Don Sebastian de Morra 1645, Museu do Prado em Paris

54

Anexo 22- A Forja de Vulcano. A composição representa o exato momento em que Apolo, deus da juventude e da luz, fala a Vulcano, deus do fogo, sobre a infidelidade de sua mulher, Vênus, deusa da beleza e do amor, que está a traí-lo com Marte, deus da guerra.

Anexo 23 - Vulcano forjando los rayos de Júpiter, Pedro Pablo Rubens, 1636-7, Óleo sobre lienzo. 182,5 cm x 99,5 cm, Museo del Prado, Madrid 2

Anexo 24- José de Ribera, 1642. Museu do Louvre, Paris

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Anexo 25- desenhos da série “GUEUX (VAGABUNDO)” . Retratam a miséria e as doenças da população de Nancy durante a guerra.: Museu Histórico Lorrain, Nancy – França

Anexo 26 – Auto-retrato, Tolouse Lautrec

56

Anexo 27- Auto retratos, Renoir

Anexo 28- Obras de Frida Kahlo- a) o que vejo na água, b) o veadinho ferido, c) Pés para que os quero se tenho asas para voar

57

Anexo 29- Petit Prince- Obras do fotógrafo sérvio Matej Peljhan

58

Anexo 30- Projeto fotográfico “Meio Fio Vida de Cadeirante”, fotógrafos Jorge Aguiar e Tadeu Vilani

59

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

EPÍGRAFE 5

RESUMO 6

METODOLOGIA 8

SUMÁRIO 9

INTRODUÇÃO 10

CAPÍTULO I

Deficiência, classificações e terminologias 12

CAPÍTULO II

Arte Reabilitação 16

2.1 – Reabilitação 16

2.2 – A Arte na Reabilitação 19

CAPÍTULO II I

Proposta triangular de ensino- Aplicações na Arte Reabilitação 21

3.1 – Importância do Estudo da Imagem 24

3.2 – Aplicações da proposta triangular na Arte Reabilitação 34

CONCLUSÃO 39

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 40

ANEXOS 44

60

ÍNDICE 58