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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
A CONSTRUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL DA
CRIANÇA NA VISÃO DE PIAGET E VYGOTSKY
Por: Sheila Soares Rozenbaum
Orientador
Prof. Fernanda Canavez
Rio de Janeiro
2012
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
A CONSTRUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL DA
CRIANÇA NA VISÃO DE PIAGET E VYGOTSKY
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de especialista em psicopedagogia.
Por: Sheila Soares Rozenbaum
3
AGRADECIMENTOS
À minha família linda que me apóia em
tudo que faço, meu marido e meu filho,
grandes motivadores, meus pais que
estão sempre ao meu lado e meus
amigos.
4
DEDICATÓRIA
Este trabalho é dedicado à minha família,
professores e a todas as crianças que me
refiro no estudo.
5
RESUMO
Este trabalho traz as contribuições teóricas de Piaget e Vygotsky para o
entendimento do processo de aprendizagem das crianças procurando
identificar como se dá o desenvolvimento intelectual, quais as etapas que o
constituem e alguns fatores que interferem em tal processo.
O conhecimento não é algo inerente ao ser humano, nem acontece por
uma simples observação do meio que o cerca, mas é gerado por uma
interação do indivíduo com o mundo. Desta forma, o sujeito participa
ativamente do seu processo de aprendizagem, incorporando o aprendizado
que lhe é passado de acordo com suas referências individuais.
Piaget acredita que o desenvolvimento humano passa por estágios que
vão do nascimento à adolescência , sendo que ao passar de um nível ao outro
a estrutura do pensamento torna-se mais sólida e, portanto o desenvolvimento
intelectual evolui.
Vygotsky pensa que o aprendizado sempre envolve interações sociais e
que a cultura tem grande influência no desenvolvimento do intelecto dos
sujeitos. Valoriza a linguagem enquanto sistema simbólico que leva ao
conhecimento e acredita que a escola é um lugar privilegiado de aprendizagem
sistemática onde a intervenção pedagógica intencional desencadeia o
conhecimento.
Destaca-se ainda neste trabalho a influência e as relações da
afetividade e da brincadeira com o desenvolvimento intelectual, considerando
estes dois, fatores de grande relevância para o entendimento deste processo.
A fim de enriquecer o estudo destes aspectos utiliza-se um pouco da teoria de
Henri Wallon sobre a afetividade e de Tizuko Kishimoto sobre a brincadeira.
6
METODOLOGIA
Para a realização deste estudo foram utilizadas pesquisas bibliográficas
com base em livros, artigos, redes eletrônicas e revistas publicadas a fim de
fundamentarem este trabalho. A pesquisa de livros e revistas foi realizada em
uma biblioteca pública e os artigos e redes eletrônicas retirados da internet.
Em princípio foram pesquisados os autores que publicaram obras
referentes ao desenvolvimento cognitivo em geral. Esta pesquisa acabou
sendo orientada aos estudos de Jean Piaget e Lev Vygotsky por ter percebido-
se que tais autores merecem destaque uma vez que explicam de forma
consistente a questão do desenvolvimento intelectual infantil possuindo vasta
bibliografia.
A teoria de Piaget aborda o processo do desenvolvimento cognitivo
destacando suas fases e influências por meio de jogos e da afetividade e, por
isso contribui muito a este estudo que tem o objetivo principal de compreender
como acontece o desenvolvimento intelectual nas crianças. Vygotsky destaca
as influências sociais e culturais na aprendizagem, mostrando como tais
fatores estimulam o desenvolvimento cognitivo, complementando assim este
estudo. Além disto, o último capítulo foi enriquecido com as teorias de Henri
Wallon e Tizuko Kishimoto, que puderam ampliar o estudo voltado para a
influência da afetividade e da brincadeira no processo de desenvolvimento
intelectual.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I - O processo de desenvolvimento intelectual da
criança de acordo com Piaget e Vygotsky 10
CAPÍTULO II - Etapas do desenvolvimento cognitivo para Piaget 19
CAPÍTULO III - Fatores que interferem no desenvolvimento intelectual 28
3.1 – Afetividade 3.2 – Brincadeira CONCLUSÃO 38
BIBLIOGRAFIA 40
ÍNDICE 43
8
INTRODUÇÃO
Este trabalho visa abordar o desenvolvimento intelectual das
crianças, focando na teoria de Piaget e Vygotsky.
A questão central é identificar como é construído o conhecimento
infantil, destacando suas etapas e a influência da afetividade e da brincadeira
neste processo.
A teoria de Piaget geralmente é considerada oposta à de Vygotsky
pelo fato do primeiro focar seus estudos no processo individual do
desenvolvimento intelectual e o segundo no processo social. Como pode ser
observado em Castorina (2001), em Vygotsky, a interação social e o
instrumento lingüístico são decisivos para compreender o desenvolvimento
cognitivo. Já a teoria de Piaget:
É apresentada como uma versão do desenvolvimento cognitivo nos termos de um processo de construção de estruturas lógicas, explicada por mecanismos endógenos, e para a qual a intervenção social externa só pode ser “facilitadora” ou “obsculizadora”. (CASTORINA, 2001, p. 12).
Apesar da contradição, acredita-se que essas duas teorias se
completam, uma vez que Piaget contribui para entendermos como a criança
aprende, a estrutura do seu pensamento e as etapas do seu desenvolvimento
e Vygotsky nos dá base para a compreensão da função social no processo de
conhecimento infantil.
Neste trabalho serão apresentadas as contribuições desses teóricos
para a compreensão do desenvolvimento intelectual da criança e será
constituído por três capítulos.
O primeiro capítulo descreverá sobre o processo de
desenvolvimento intelectual da criança mostrando como se dá a construção
desse conhecimento na visão de Piaget e de Vygotsky.
O segundo capítulo focará na teoria de Piaget mostrando as etapas
constituintes do desenvolvimento cognitivo da criança.
O terceiro capítulo tratará da afetividade e da brincadeira como
fatores motivacionais do desenvolvimento intelectual infantil.
9
Sabe-se que a psicopedagogia trabalha com os problemas de
aprendizagem e lida com a aquisição do conhecimento, por isso, entender
como acontece o processo de desenvolvimento cognitivo é fundamental para o
trabalho do psicopedagogo, que precisa conhecer o curso normal da
aprendizagem das crianças para poder trabalhar com suas dificuldades.
a psicopedagogia estuda as características da aprendizagem humana: como se aprende, como essa aprendizagem varia evolutivamente e está condicionada por vários fatores, como se produzem as alterações na aprendizagem, como reconhecê-las, tratá-las e preveni-las. (PORTO, 2011, p. 88)
Nota-se, portanto a importância das teorias de aprendizagem de
Piaget e Vygotsky para a psicopedagogia, contudo, o estudo desta não será o
objetivo deste trabalho que se focará, como descrito anteriormente, no
processo de desenvolvimento cognitivo das crianças segundo os dois autores
mencionados.
CAPÍTULO I
10
O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL
DA CRIANÇA NA VISÃO DE PIAGET E VYGOTSKY
Entender como se dá o processo de desenvolvimento intelectual da
criança é fundamental para os profissionais que trabalham com a educação.
Alguns autores contribuíram para o aprofundamento dos estudos
nesta área, dentre eles destacam-se Jean Piaget e L. S. Vygotsky, os quais
terão parte de suas teorias descritas neste capítulo.
Estes dois autores tentaram explicar como a aprendizagem
acontece, sendo que Piaget se dedicou mais à questão da gênese do
conhecimento enquanto Vygotsky enfatiza a origem social e histórica do
desenvolvimento intelectual. Existe, contudo, um aspecto básico considerado
pelos dois teóricos: o de que a aprendizagem e o desenvolvimento envolvem
sempre uma relação entre o sujeito e o objeto de conhecimento.
Na primeira parte deste capítulo será descrita a teoria de Piaget
sobre a aprendizagem e, em seguida, a de Vygotsky.
Jean Piaget nasceu na Suíça e desde novo demonstrou interesse
pela natureza e pelas ciências. Formou-se em biologia, licenciou-se em
ciências naturais e fez doutorado também em biologia. Sua formação o levou a
pensar que os processos de conhecimento poderiam depender de
mecanismos de equilíbrio orgânico. Sua trajetória profissional é longa tendo
deixado uma grande quantidade de livros e artigos publicados.
A teoria desenvolvida por Piaget denominada Epistemologia
Genética é uma junção das teorias do apriorismo, onde todo o conhecimento é
inerente ao sujeito, e a do empirismo, a qual postula que o conhecimento vem
das observações do meio que o cerca. Segundo Piaget, o conhecimento se dá
por uma interação do sujeito com o meio a partir de estruturas existentes no
indivíduo.
Para desenvolver esta teoria Piaget uniu a filosofia e a biologia
dando um caráter científico às suas observações a partir de procedimentos
experimentais que explicariam como a inteligência se desenvolve no homem,
apresentando uma solução ao problema do conhecimento humano.
11
Ele acreditava que a maior dificuldade em se criar um modelo
teórico que explicasse a estrutura do conhecimento ocorria devido ao fato de
que a filosofia ficava muito voltada à intuição e a biologia se deparava com a
impossibilidade de experimentação. O autor recorre à psicologia uma vez que
por meio dela era possível estabelecer conexões entre a filosofia e a biologia.
A partir de suas experimentações Piaget percebeu que em algumas
situações as crianças apresentam os mesmos erros, indicando uma lógica
infantil. Como vemos em Palanga (2001), na função de aplicar o mesmo teste
a um grande número de crianças, Piaget descobriu que as respostas erradas
eram, com freqüência mais interessantes que as corretas.
Percebeu ainda, que as crianças da mesma idade apresentavam os
mesmos tipos de erros nas respostas. Dessa forma, concluiu que para
entender o pensamento infantil era preciso dar atenção à qualidade da solução
apresentada pelas crianças. Assim chegou a ideia central de sua teoria: a de
que a lógica da criança é qualitativamente diferente da do adulto.
Em sua teoria considera que a hereditariedade influencia no
funcionamento intelectual, impondo limites ao desenvolvimento que são
estabelecidos pela maturação. Indica ainda se é possível a construção de
estruturas específicas em cada estágio de desenvolvimento, determinando o
alcance das possibilidades da criança em cada nível da aprendizagem.
Ainda que a indeterminação humana seja pequena por ocasião do nascimento, Piaget supõe a existência de uma hereditariedade específica no homem, constituída de seu equipamento neurológico e sensorial que pode impedir ou facilitar seu funcionamento intelectual, mas que não o explica. (AZENHA, 1999, p.23).
O homem herda ainda uma forma de interagir com o meio que leva
a construção dos significados e é permanente na vida do ser humano. A
organização desses significados muda regularmente de um estado para outro
mais complexo.
O sujeito aparece construindo seu mundo de significados ao transformar sua relação com o real, penetrando cada vez mais profundamente neste último e em sua própria maneira de pensar. Dessa forma, quando ocorre cada progresso que aproxima o sujeito do conhecimento do objeto, este último recua. (CASTORINA, 2001, p.17)
12
Não nascemos inteligente nem somos passivos à influência do
meio, respondemos aos estímulos externos agindo sobre eles como forma de
construirmos e organizarmos nosso conhecimento. Ou seja, o conhecimento
não é só inerente ao sujeito nem vem apenas das observações do meio, é
gerado por uma interação do sujeito com o meio em que vive, a partir de
estruturas existentes no indivíduo.
Toda experiência necessita de uma estruturação do real, isto é que o registro de todo dado exterior supõe a existência de instrumentos de assimilação inerentes à atividade do sujeito. ((PIAGET, 1988, p. 48)
Só se recebe um conhecimento se estiver preparado para isto, ou
seja, se puder agir sobre o objeto de conhecimento para inseri-lo num sistema
de relações. Não existe um novo conhecimento sem que o sujeito já tenha um
conhecimento anterior para poder assimilá-lo e transformá-lo.
Como já foi dito, o desenvolvimento da inteligência é determinado
por trocas mútuas entre o indivíduo e o meio e é vista como uma capacidade
adaptativa decorrente dessas ações. Quando a criança se adapta a uma
situação nova ela constrói novas estruturas mentais e se desenvolve
intelectualmente. Nesse processo, o sujeito assimila experiências, adapta-as
às suas estruturas mentais já existentes, acomodando-as e modificando-as a
fim de possibilitar a inclusão de experiências que não se ajustam às estruturas
até então presentes. A inteligência como adaptação a situações novas está
relacionada com a complexidade da interação do indivíduo com o meio.
Quanto mais complexa, maior será o desenvolvimento da inteligência da
criança.
Os processos de assimilação e acomodação se inter-relacionam. A
assimilação implica na incorporação dos dados de experiências novas às
estruturas cognitivas prévias. A criança, frente a novos estímulos, tenta os
adaptar às estruturas que já possui.
Inteligência é assimilação na medida em que incorpora todo e qualquer dado da experiência ou objeto ao sujeito. No entanto, não é pura, uma vez que para incorporar dados novos existem no sujeito modificações de esquemas para ajustes aos novos objetos a conhecer, o que implica acomodação. (AZENHA, 1999, p. 26)
13
A acomodação é a modificação da estrutura em função do meio, a
criança acomoda um estímulo novo a uma nova estrutura cognitiva criando
assim um novo esquema. A acomodação acontece quando a criança não
consegue assimilar um novo estímulo, não existe uma estrutura cognitiva que
assimile a nova informação devido às particularidades desse estímulo. Frente a
essa situação a criança pode criar um novo esquema ou modificar um
esquema existente, sendo que em ambos os casos ocorrerá uma mudança
nas estruturas cognitivas. A assimilação e a acomodação explicam a
adaptação intelectual e o desenvolvimento das estruturas cognitivas. A
adaptação intelectual é então um equilíbrio constante entre assimilação e
acomodação.
A inteligência constitui o estado de equilíbrio para o qual tendem todas as adaptações sucessivas de ordem sensoro-motora e cognitiva, bem como todas as permutas assimiladoras e acomodadoras entre o organismo e o meio. (PIAGET, 1958, p.32)
Percebe-se que quando assimilação e acomodação estão em
harmonia, o sujeito está adaptado, em equilíbrio. Quando as estruturas
intelectuais disponíveis são insuficientes para lidar com a nova situação ocorre
o desequilíbrio. Essas estruturas naturalmente se adaptarão as novas
condições chegando novamente ao equilíbrio. Por meio desse processo de
equilíbrios e desequilíbrios é que segundo Piaget ocorre a construção do
conhecimento.
O indivíduo possui então, estruturas cognitivas a partir das quais se
adaptam intelectualmente e organizam o meio, essas estruturas, já
mencionadas anteriormente, são denominadas esquemas. Os esquemas estão
sempre em transformação tornando-se cada vez mais refinados. O primeiro
esquema da criança é o reflexo, sendo que, a medida que ela cresce, o
número e a complexidade dos esquemas vão aumentam. Um conjunto de
esquemas constituirá uma estrutura intelectual.
Os esquemas, definidos enquanto estratégias de ações generalizáveis, que correspondem, no comportamento, evoluindo desde os esquemas primários – que derivam diretamente do exercício reflexo – até os padrões interiorizados do pensamento ou esquemas operatórios. (PALANGA, 1998, p.20)
14
Ao agir sobre o meio, a complexidade do conhecimento da criança
aumenta devido a criação de novos esquemas. As estruturas mentais se
desenvolvem pela ação do indivíduo sobre o meio a partir das trocas
estabelecidas entre eles.
A criança possui portanto estruturas lógicas que progridem de
acordo com o seu desenvolvimento. Cada nível de idade compõe-se por
estruturas próprias da faixa etária. O desenvolvimento da inteligência obedece
a certos estágios hierárquicos que começam no nascimento e vão até a
adolescência. A ordem desses estágios é a mesma em todas as crianças, mas
a faixa etária pode variar de uma para outra. Estes estágios de
desenvolvimento serão detalhados no segundo capítulo deste trabalho.
A aprendizagem só acontece se houver o fortalecimento das
estruturas do pensamento e se dá após a consolidação do esquema que a
suporta, assim como a passagem de um estágio para o outro depende da
consolidação do anterior.
Piaget acredita ainda que a criança participa ativamente desse
processo de aprendizagem precisando se implicar, raciocinar, colaborar com
seu desenvolvimento, predominando sua ação sobre o objeto de
conhecimento. Este último não é concebido apenas como sendo descoberto
espontaneamente pela criança, nem transmitido de forma mecânica pelo outro,
mas como resultado de uma interação, na qual o sujeito é sempre um
elemento ativo que procura compreender o mundo que o cerca e que busca
resolver as interrogações que este mundo provoca. O papel do professor nesta
teoria é o de encorajar, estimular a exploração e a construção. Ele cria
situações favoráveis para a criança chegar ao conhecimento.
A criança transforma aquilo que aprende de acordo com sua capacidade interna e nata, tornando-se transformadora da aprendizagem, criadora, se essa capacidade de aprendizagem e oportunidade lhe for oferecida. (SAYEGH, 2006, p.1)
Pode-se perceber que os fatores responsáveis pelo
desenvolvimento intelectual da criança segundo Piaget são: o biológico
(maturação do sistema nervoso); a experiência física adquirida na ação do
indivíduo sobre o objeto; as interações sociais; e a equilibração das ações.
15
Outra abordagem relevante para compreendermos o processo de
aprendizagem da criança é a tratada por Lev Semonovich Vygotsky. O autor
nasceu em 1896 na Rússia, formando-se em direito, história e filosofia,
trabalhou ainda em diversas áreas das ciências humanas. Seu amplo
conhecimento o permitiu criar uma teoria psicológica onde a questão principal
era o desenvolvimento da mente.
Destaca a interação social e o instrumento lingüístico como fatores
fundamentais para a compreensão do desenvolvimento cognitivo dando
relevância à intervenção dos fatores sociais na formação dos conhecimentos.
A aprendizagem se dá por meio da internalização dos instrumentos
mediadores e culturais e possui um caráter orientador sendo necessário o
intermédio de um adulto ou de uma pessoa mais experiente para que ela
ocorra. Internalização é a reconstrução interna que o indivíduo faz de uma
atividade externa, passando de um processo que envolve outras pessoas, para
outro que acontece no seu interior.
A teoria de Vygotsky aparece como uma teoria histórico-social do desenvolvimento que, pela primeira vez, propõe uma visão da formação das funções psíquicas superiores como “internalização” mediada da cultura e, portanto, postula um sujeito social que não é apenas ativo mas sobretudo interativo. (CASTORINA, 2001, p. 12)
A internalização envolve várias transformações uma vez que as
atividades externas devem ser modificadas para tornarem-se atividades
internas e, as atividades interpessoais se convertem em intrapessoais com o
processo de desenvolvimento. De acordo com Rego (1997), ao internalizar as
experiências fornecidas pela cultura, a criança reconstrói individualmente os
modos de ação realizados externamente e aprende a organizar os próprios
processos mentais. Neste momento o sujeito passa a se apoiar em recursos
próprios internalizados. Ao longo de seu desenvolvimento, o sujeito internaliza
as formas culturais da sociedade em que vive e adquire aí o material simbólico
que faz o intermédio de sua relação com os objetos de conhecimento.
Percebe-se que quando a criança internaliza o conhecimento existente na
cultura suas habilidades intelectuais se desenvolvem.
Sendo assim, a aprendizagem segundo Vygotsky inclui sempre
relações entre indivíduos. A interação social leva a criança a avançar aos
16
sistemas conceituais que não podem ser internalizados isoladamente. A
aprendizagem se dá então de fora para dentro, do social para o individual.
O aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. (VYGOTSKY, 1989, p. 101)
Apesar do processo de aprendizagem envolver relações entre
sujeitos, nem sempre é necessário a presença física do outro social que pode
apresentar-se por meio de objetos, da organização do ambiente e dos
significados que envolvem os elementos do mundo que rodeiam as pessoas.
A criança aprende na interação com o mundo e, para que esta
aconteça são necessários instrumentos que façam a mediação entre sujeito e
ambiente. De acordo com Vygotsky, esses instrumentos podem ser físicos ou
simbólicos. Sua função é conduzir a influência humana sobre o objeto levando-
o a transformações. Assim como os instrumentos, os signos são mediadores
que orientam o comportamento humano, porém eles não modificam o objeto,
sendo um meio de atividade interna dirigida para o controle do próprio sujeito.
A combinação dos instrumentos e dos signos leva ao surgimento de funções
cognitivas superiores.
Um dos principais sistemas simbólicos que levam à construção da
estrutura cognitiva segundo Vygotsky é a linguagem. Ela marca um salto
qualitativo no desenvolvimento do indivíduo. A princípio, a linguagem é
utilizada como um meio de comunicação entre a criança e os outros, porém,
quando ela se transforma em fala interior, se torna uma maneira de organizar o
pensamento infantil.
Os sistemas simbólicos (entendidos como sistemas de representação da realidade), especialmente a linguagem, funcionam como elementos mediadores que permitem a comunicação entre os indivíduos, o estabelecimento de significados compartilhados por determinado grupo cultural, a percepção e interpretação dos objetos, eventos e situações do mundo circundante. (REGO, 1997, p.55)
A inteligência que antecede a linguagem é considerada inteligência
prática que possibilita a ação no meio sem a mediação da linguagem. As duas
funções básicas da linguagem são o intercâmbio social e o pensamento
17
generalizante. Os significados das palavras propiciam a mediação entre o
sujeito e o mundo levando-o a compreender e agir sobre o meio.
A criança de início utiliza a fala com o intuito de se comunicar, com o
desenvolvimento ela utiliza a linguagem como instrumento do pensamento,
sendo capaz de planejar e controlar o ambiente e seu comportamento. Neste
momento a criança é capaz de efetuar operações complexas e aumenta a
capacidade de resolver problemas. Vygotsky caracteriza este momento como
fase intelectual, dando à linguagem a função de produtora do desenvolvimento
intelectual.
A linguagem é a maneira através da qual se transmite o
conhecimento e que torna possível trabalhar-se com o que Vygotsky chamou
de zona de desenvolvimento proximal. Esta refere-se a diferença entre o nível
de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. O nível de
desenvolvimento real é a capacidade que a criança tem de realizar tarefas
individualmente, ou seja, algo que ela já sabe, já aprendeu e o nível de
desenvolvimento potencial é a capacidade que ela possui de desempenhar
tarefas com a ajuda de outras pessoas. O aprendizado é, portanto, um
processo onde a criança penetra na vida intelectual das pessoas que estão a
sua volta.
Essa capacidade de se beneficiar da ajuda de outros ocorre num
determinado nível de desenvolvimento, não acontecendo antes de a criança
atingi-lo.
A zona de desenvolvimento proximal refere-se assim, ao caminho que o indivíduo vai percorrer para desenvolver funções que estão em processo de amadurecimento e que se tornarão funções consolidadas, estabelecidas no seu nível de desenvolvimento real. (OLIVEIRA,2002, p. 60)
A zona de desenvolvimento proximal permite ao educador ter
acesso ao desenvolvimento que a criança já atingiu e ao que ela está
tornando-se capaz de fazer, ou seja, ao seu processo de amadurecimento.
Vygotsky considera dois tipos de situações onde ocorre o
aprendizado: as informais que acontecem fora da escola e as formais que se
dão dentro do ambiente escolar. Esta última tem para ele papel essencial no
processo de desenvolvimento intelectual, uma vez que envolve a figura do
18
professor como mediador capaz de interferir neste processo e provocar
avanços que não aconteceriam espontaneamente. Este papel do professor
consiste em uma interferência na zona de desenvolvimento proximal dos
alunos.
As práticas educativas são meios de organizar o processo de assimilação pelo homem das aptidões desenvolvidas sócio-historicamente, que são reproduzidas pelo indivíduo durante seu desenvolvimento mental. (DANIELS, 1994, p. 161-162)
Percebe-se assim a grande influência social e cultural atribuída por
Vygotsky ao processo de desenvolvimento cognitivo das crianças. A mediação
de adultos ou pessoas mais experientes torna-se indispensável na
aprendizagem infantil que tem como base o “modelo” do meio que se está
inserida.
Assim como Piaget, Vygotsky acredita que a criança é ativa em seu
processo de aprendizagem, uma vez que não reproduz simplesmente cópias
da realidade, mas as incorpora e as modifica de acordo com seu conteúdo
interior.
No próximo capítulo focar-se-á nos níveis de desenvolvimento
cognitivo descritos por Piaget, os quais ocorrem do nascimento à adolescência
e apresentam uma ordem invariável e inevitável a todos os indivíduos, apesar
da faixa etária poder variar de uma pessoa para outra. Os estágios descritos
serão: Sensório-motor, pré-operatório, operatório-concreto e hipotético-
dedutivo.
CAPÍTULO II
19
ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO PARA
PIAGET
Piaget acredita que o desenvolvimento intelectual obedece a certos
estágios hierárquicos que iniciam no nascimento e vão até a adolescência. A
ordem desses estágios não varia, porém, as idades em que ocorre cada um
deles podem mudar de um indivíduo para outro. O estudo destes estágios é
parte essencial da contribuição de Piaget para a compreensão da evolução do
desenvolvimento cognitivo infantil.
Em cada nível, as crianças abordam e resolvem problemas de
maneiras qualitativamente diferentes em função do estágio em que se
encontram, ou seja, em cada período do desenvolvimento o sujeito apresenta
diferenças nos instrumentos intelectuais que utiliza.
Conforme mencionado no capítulo I, na inteligência existe um
esquema de assimilação ou uma estrutura que permite ao sujeito organizar o
mundo e compreendê-lo. As formas de organização estão em constante
modificação, já os mecanismos responsáveis pelo funcionamento intelectual
(assimilação e acomodação) não se modificam.
Quando assimilação e acomodação estão em harmonia, o sujeito
está em um equilíbrio momentâneo, porém, quando o indivíduo não possui
estruturas intelectuais disponíveis para lidar com novas situações, acontece o
desequilíbrio. Neste sentido, ao se deparar com uma situação desafiadora, o
sujeito, em desequilíbrio, necessita construir novas adaptações que o permitam
lidar com a nova realidade reequilibrando-se e, consequentemente evoluindo
intelectualmente. O processo de passagem de uma situação de menor
equilíbrio a uma de maior equilíbrio é denominado por Piaget de equilibração.
Do ponto de vista quantitativo a nova estrutura aumenta sua extensão. Do ponto de vista qualitativo há maiores mobilidade, permanência e estabilidade, atributos que levam a avaliar a sucessão como o alcance de um “melhor equilíbrio”. (AZENHA, 1999, p.33)
Cada período possui características próprias que o define, sendo
que o anterior prepara e anuncia o seguinte. Entender os períodos de
20
desenvolvimento descritos por Piaget ajuda os educadores a compreenderem
a maneira como a criança pensa, assim como os limites do que pode ser
aprendido por cada indivíduo.
O primeiro período de desenvolvimento descrito pelo autor é o
sensório-motor. Ele vai do nascimento até aproximadamente dois anos de
idade e é considerado o período anterior à linguagem. A principal característica
dessa fase é a ausência da função simbólica onde a criança não consegue
evocar pessoas ou objetos na ausência deles. Este momento é de suma
importância para o desenvolvimento uma vez que a criança irá elaborar as
subestruturas cognitivas que lhe darão a base para suas construções
intelectuais posteriores.
Esta inteligência anterior à linguagem é puramente prática não
havendo representação mental nem capacidade de abstração sendo que a
coordenação dos movimentos e percepções constituem os atos de inteligência
deste período.
À falta de linguagem e de função simbólica, tais construções se efetuam exclusivamente apoiadas em percepções e movimentos, ou seja, através de uma coordenação sensório-motora das ações, sem que intervenha a representação ou pensamento. (PIAGET, 2009, p.12)
Este período pode ser dividido em seis sub-períodos como veremos
abaixo.
No primeiro a criança utiliza os mecanismos reflexos de adaptação.
Ao nascer o indivíduo apresenta várias reações reflexas que indicam a
existência de atividade psíquica e levam a criança a adaptar-se e relacionar-se
com o mundo. De acordo com Piaget (2009), os primeiros reflexos dão lugar
ao exercício reflexo, isto é, “consolidação por exercício funcional” onde este
deixa de ser um simples automatismo havendo uma aquisição como, por
exemplo, sugar o polegar.
O segundo estágio deste período corresponde ao aparecimento das
reações circulares primárias, ou seja, à repetição de atividades que geram
prazer ao sujeito. É onde formam-se os primeiros hábitos e, portanto, inclui
uma atividade direta da criança, porém ainda não se pode falar na existência
21
de um ato de inteligência, uma vez que este inclui a busca de uma finalidade
em suas ações.
No terceiro sub-período há o aparecimento das reações circulares
secundárias, levando a criança a apresentar pequenas intenções e relações
meio-fim. O bebê já está familiarizado com seu corpo e sua atenção desvia-se
dele para o meio a sua volta. Pode-se dizer que este é o momento do limiar da
inteligência, onde o sujeito começa a intervir no meio que o rodeia e apresentar
satisfação ao atingir um resultado.
No quarto estágio já se apresentam atos mais complexos, onde há
grandes explorações dos objetos com aquisição de finalidades mais
intencionais. A criança constrói novos esquemas a partir de esquemas
dominados anteriormente.
No início do período sensório-motor, a criança não é capaz de
diferenciar o Eu do mundo externo, por isso, tudo que a criança percebe é
voltado para a própria atividade. As pessoas ou objetos só existem quando
estão presentes no campo de visão do bebê e, com o desenvolvimento, estes
objetos tornam-se sólidos e permanentes. A noção de permanência do objeto é
uma das principais conquistas deste momento. De acordo com Pulaski (2009),
essa percepção da permanência dos objetos é essencial à aprendizagem
posterior; reduz o egocentrismo da criança, permitindo-lhe discriminar entre ela
própria e a realidade externa, que existe independente dela.
Já o quinto sub-período acontece por volta do primeiro ano de vida
onde o repertório de atividades da criança se expande e, por meio de
experimentações, descobre novos esquemas de conduta. Percebe por
exemplo, que pode trazer um objeto para perto dela utilizando um pedaço de
pau, o que demonstra objetivo em sua relação com o meio.
O sexto e último estágio do nível sensório-motor marca a passagem
para o período seguinte. Nele a criança não necessita de grandes ensaios para
atingir novas descobertas. Atos como abrir e fechar gavetas e destampar
panelas são atividades típicas deste nível. Corresponde ao início da
representação mental que ocorre por volta dos dois anos de idade.
A ação física ou motora da criança é “interiorizada”; a criança representa para si própria, através de imagens ou símbolos, a
22
maneira como faria algo, sem realmente fazê-lo, até alcançar uma solução satisfatória. (PULASKI, 2009, p.36)
A linguagem neste momento vai da ecolalia (repetição de sílabas) à
palavras simples que representam frases como “água” na intenção de dizer
“quero beber água”. Em suas experimentações a criança produz esquemas
sensório-motores e é por meio da interiorização destes esquemas que surge a
linguagem.
Percebe-se então que o nível sensório-motor é um período de
grandes e importantes conquistas para o desenvolvimento da inteligência. O
funcionamento dos reflexos, a construção de hábitos, as relações meio-fim,
assim como as explorações dos objetos, marcam este período inicial da
inteligência. Nele a criança age por meio das percepções e ações através do
deslocamento do próprio corpo.
Após o período sensório-motor, a criança passa para o estágio
pré-operatório, que dura aproximadamente dos dois aos sete anos de idade.
Esta fase é marcada pelo aparecimento da função simbólica que é a
capacidade de representar um significado (objeto ou acontecimento) através
de um significante (imagem, linguagem). Esta capacidade permite à criança
evocar o passado, representar o presente e antecipar ações futuras.
Ao cabo do período sensório-motor, entre 1 ano e meio e 2 anos, surge uma função fundamental para a evolução das condutas ulteriores, que consiste em poder representar alguma coisa (um “significado” qualquer: objeto, acontecimento, esquema conceptual etc.) por meio de um “significante” diferenciado e que só serve para essa representação: linguagem, imagem mental, gesto simbólico etc. (PIAGET, 2009, p.51)
Se no período anterior o sujeito limita-se a ações concretas com o
pensamento preso no real, aqui torna-se possível a manipulação simbólica de
algo que não se pode ver, uma vez que há a capacidade da produção de
imagens mentais.
O pensamento da criança neste período é chamado por Piaget de
pensamento intuitivo, pois ela raciocina a partir de intuições e não de maneira
lógica como o adulto.
O indivíduo se prende às aparências e, por isso, não aceita
invariâncias, havendo a ausência de conservação. Se pegarmos uma bola de
23
massinha e transformarmos em uma cobra ele vai achar que não só a forma
mudou, mas também a quantidade, o peso, e o volume da bola. A criança não
conserva a informação prévia por causa da irreversibilidade do pensamento,
além disso, foca-se em apenas uma característica do objeto, não sendo capaz
de levar em conta, por exemplo, seu comprimento e largura.
Esta fase é marcada ainda pelo aparecimento da linguagem que é,
neste momento, comunicativa e egocêntrica já que a criança a utiliza com a
intenção de transmitir algo a alguém ou de procurar informações e, algumas
vezes, fala pelo prazer de falar, por meio de monólogos, sem a intenção de
comunicar-se. A linguagem possibilita interações com outras pessoas e dá a
criança a capacidade de utilizar representações para dar significados à
realidade.
O egocentrismo é característico deste momento, uma vez que o
sujeito que se encontra nesta fase não consegue conciliar seus interesses com
os dos outros, não coordena diferentes pontos de vista e acha que todos
pensam como ele.
Uma das características deste pensamento egocêntrico é
denominada de animismo. O indivíduo pensa que os elementos da natureza
têm vida, sendo dotados de consciência. Isto ocorre porque a criança
confunde-se com o universo, não tendo consciência de si. Ligado ao animismo,
tem-se o artificialismo onde o sujeito acredita que os fenômenos naturais foram
criados pelo homem. Perguntas como: Quem fez a lua? Porque fica de noite?
São comuns nesta fase. Também como reflexo do egocentrismo, o sujeito
neste estágio pensa que tudo é real (sonhos, retratos, sentimentos). Este
evento foi denominado por Piaget de realismo.
Pode-se perceber que no nível pré-operatório há uma reconstrução
do que foi desenvolvido no período sensório-motor onde a criança faz várias
acomodações no intuito de compreender melhor o mundo à sua volta. Ele
corresponde a um momento de preparação e organização para o próximo
estágio onde ocorre o aparecimento das operações.
À medida que a criança se aproxima dos sete anos, a tradicional idade da razão, começamos a ver o fruto de todos os seus anos de experimentação com objetos, imagens e
24
símbolos e, finalmente, com os pensamentos. (PULASKI, 2009, p.65)
Por volta dos sete anos a criança passa para o período operatório-
concreto onde apresentará um desenvolvimento intelectual de forma lógica e
coerente. Isto se dá pela chegada do pensamento operacional que capacita o
sujeito a realizar certas operações concretas resultantes de ações mentais
interiorizadas e reversíveis.
Esta fase é caracterizada pelo aparecimento da reversibilidade onde
há a possibilidade de retornar ao ponto de partida de uma transformação,
voltando-se às atividades passadas. Além disso, pode-se trabalhar com
princípios de invariância e coordenação de relações.
Este é um período caracterizado por um tipo de pensamento que demonstra que a criança já possui uma organização assimilativa rica e integrada, funcionando em equilíbrio com um mecanismo de acomodação. Ela já parece ter a seu comando um sistema cognitivo coerente e integrado com o qual organiza e manipula o mundo. (BIAGGIO, 2002, p. 72)
A criança pode formular hipóteses e buscar soluções não
dependendo apenas da observação da realidade. A representação faz com
que ela possa abstrair-se, não se limitando à representação imediata.
No começo desta fase a criança necessita da manipulação concreta
de materiais, porém, com o passar do tempo poderá operar através de
proposições verbais e outros símbolos.
Nos períodos anteriores foram adquiridas a linguagem e a função
simbólica e, por isso, as crianças podem comunicar-se, além de possuírem um
universo de representação formado não apenas por objetos, mas também por
sujeitos diferentes uns dos outros. Dessa forma, a descentração que leva à
constituição das operações, não se baseia apenas em um universo físico, mas
também inter-individual e social. As operações envolvem trocas e esse aspecto
é indispensável para o equilíbrio interior e para a universalidade das estruturas
operatórias.
Os princípios lógicos permitem à criança realizar operações mentais,
que representam estruturas denominadas agrupamentos e permitem ao sujeito
adquirirem as noções de:
25
• espaço – pode-se organizar os espaços que interage, reconhecer e
desenhar um mapa, colocar objetos em linha reta etc.;
• conservação – entende-se que a alteração da forma não leva
necessariamente a mudança de quantidade;
• seriação – ordena-se os elementos de acordo com a ordem de
grandeza crescentes ou decrescentes;
• tempo e velocidade – estabelece-se relações entre as durações e os
espaços percorridos e entende-se que os maiores não necessariamente
são mais velhos;
• classificação – capacidade em classificar os objetos de acordo com a
cor, forma e tamanho;
• números – entende-se a noção de quantidade, conservando-se a
quantidade, independente da forma como os objeto estão distribuídos
espacialmente;
Percebe-se que a criança avança significativamente no
desenvolvimento cognitivo ao entrar na fase operatória onde encontramos um
pensamento organizado com um nível neurológico de maturação, onde o
cérebro capaz de coordenar mais de uma dimensão do objeto, além da
capacidade de recordar atividades passadas com a possibilidade da
reversibilidade.
Apesar de todo avanço, a criança neste período apresenta
dificuldades em realizar operações aritméticas mais complexas, não
conseguindo abstraí-las. Esta habilidade é adquirida quando o sujeito entra no
nível das operações formais ou hipotético-dedutivo, onde ele é capaz de
raciocinar através de hipóteses e não apenas com objetos. Isto ocorre por volta
dos onze anos de idade quando começa a pré-adolescência, sendo que neste
momento as estruturas cognitivas alcançam seu nível mais alto de
desenvolvimento e, portanto, o sujeito estará entrando no estágio adulto do
desenvolvimento intelectual.
A representação agora permite a abstração total. A criança não se limita mais à representação imediata nem somente às relações previamente existentes, mas é capaz de pensar em todas as relações possíveis logicamente. (MOREIRA, 2001, p. 2)
26
Ao atingir este estágio, o indivíduo constrói operações de lógica
proposicional, além das construídas no período anterior como as de classes,
relações e números. Neste momento estão presentes estruturas combinatórias
que permitem a utilização de operações formais lógicas.
Podemos perceber avanços como maior possibilidade de
compreender relações lógicas entre várias classes, onde o sujeito tem a
capacidade de perceber todos os diferentes tipos de relações que podem
existir entre situações sem limitar-se ao entendimento das relações existentes.
Assim, o indivíduo pode planejar acontecimentos que lhe dêem informações do
que quer saber, tendo capacidade de apoiar-se no método científico de
investigação percebendo as diferentes possibilidades de um fenômeno.
Ele é capaz de pensar em termos de possibilidades. Isto se reflete na compreensão de noções científicas, e para Piaget o adolescente quando atinge o estágio de operações formais já tem todos os elementos necessários para utilizar o método experimental da ciência. (BIAGGIO, 2003, p. 85)
Além disso, o adolescente possui o pensamento combinatório, onde
pode reverter todas as escolhas de uma situação esgotando todas as
combinações possíveis. De acordo com Pulaski (2009), pode estudar uma
variável enquanto mantém constantes as demais, assim executando
experimentos multifatoriais complexos. Pode-se dizer que este pensamento
organiza-se em estrutura de rede que permite antecipar as diversas
combinações existentes para explicar situações ou resolver problemas, tendo-
se uma visão da totalidade.
Piaget caracteriza estas estruturas formais como formas de
equilíbrio que acontecem na relação entre os indivíduos com os outros e com o
meio físico em que estão inseridos.
Percebe-se ainda neste momento a aquisição de novos conceitos
concretos como a conservação de volume que só acontece quando o sujeito
adquire este nível de desenvolvimento por precisar compreender o equilíbrio
entre densidade e quantidade.
Ao chegar no último período descrito por Piaget, o adolescente
possuí portanto a capacidade de relacionar diversos agrupamentos e enxergá-
27
los em várias possibilidades. Isto se dá pela possibilidade de compreender
relações lógicas do pensamento combinatório.
Vimos então os quatro períodos de desenvolvimento cognitivo
descridos por Piaget e suas principais características. Pode-se perceber o
desenvolvimento desde as mais simples coordenações de reflexos até a
consideração de todas as possibilidades hipotéticas. Neste processo, a
equilibração está presente em cada nível de desenvolvimento, onde o ser
humano está sempre em busca de novas explorações.
O desenvolvimento mental é uma construção contínua, comparável à edificação de um grande prédio que, à medida que se acrescenta algo, ficará mais sólido, ou à montagem de um mecanismo delicado, cujas fases gradativas de ajustamento conduziram a uma flexibilidade e uma mobilidade das peças tanto maiores quanto mais estável se tornasse o equilíbrio. (PIAGET 2011, p. 4)
Em todos os períodos de desenvolvimento os indivíduos reagem
ativamente aos estímulos, ajustando-se e modificando o mundo em que vivem
a fim de satisfazerem suas necessidades.
O desenvolvimento pode ser visto portanto, como um processo
contínuo e coerente onde cada período prepara e anuncia o seguinte que, por
sua vez, possuirá estruturas de pensamento mais complexas e abrangentes.
No próximo capítulo serão descritas as influências da afetividade e
da brincadeira no processo de aprendizagem levando em consideração o
ponto de vista dos autores já trabalhados até aqui, além da contribuição de
outros teóricos que dedicaram seus estudos a estas questões.
CAPÍTULO III
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FATORES QUE INTERFEREM NO DESENVOLVIMENTO
INTELECTUAL
O desenvolvimento cognitivo da criança sofre a influência de
diversos fatores que podem ser motivadores ou inibidores deste processo. Este
capítulo descreverá sobre a interferência da afetividade e da brincadeira no
desenvolvimento infantil considerando-os fundamentais para a aprendizagem.
3.1 Afetividade
A presença da afetividade é extremamente importante no processo
de desenvolvimento dos indivíduos podendo estimulá-lo ou prejudicá-lo por
meio dos sentimentos, desejos, interesses, valores e emoções.
Segundo Piaget a inteligência é acompanhada por sentimentos e
são eles que dão a motivação ou a energia que leva ao desenvolvimento
intelectual. Pulasky (2009) explica isto ao dizer que todo ato inteligente é
acompanhado por sentimentos e estes fornecem a motivação, a energia que
ativa o crescimento intelectual.
O desenvolvimento afetivo acontece paralelamente ao cognitivo,
sendo assim, as características mentais das fases de desenvolvimento
descritas por Piaget influenciam a construção da afetividade que necessita do
mesmo processo de adaptação presente no desenvolvimento intelectual. As
emoções têm que assimilar novas situações do mundo e acomodar-se a elas
para que novos esquemas afetivos sejam criados. Por isso, pode-se dizer que
afeto e cognição andam juntos.
Não se pode raciocinar sem vivenciar sentimentos e para vivenciar
sentimentos necessita-se de compreensão. Como podemos ver em Piaget e
Inhelder (2009), esses dois aspectos são, ao mesmo tempo, irredutíveis,
indissociáveis e complementares: não é, portanto, muito para admirar que se
encontre um notável paralelismo entre suas respectivas evoluções. Todas as
ações dos indivíduos envolvem tanto cognição quanto afeto. Em uma questão
matemática por exemplo, estão presentes sentimentos como interesses e
valores, assim como o amor supõe compreensão.
29
O desenvolvimento afetivo pode acelerar quando há interesse ou
necessidade ou retardar quando a situação afetiva é uma barreira para o
desenvolvimento da formação das estruturas cognitivas, porém a afetividade
não é capaz de formar tais estruturas.
O aspecto afetivo tem uma profunda influência sobre o desenvolvimento intelectual. Ele pode acelerar ou diminuir o ritmo do desenvolvimento. Ele determina sobre que conteúdos a atividade intelectual se concentrará. O sistema afetivo é, assim dizendo o guarda-portão. De acordo com Piaget, o aspecto afetivo, em si, não pode modificar as estruturas cognitivas (esquemas), embora, ele possa influenciar quais estruturas modificar. (WADSWORTH, 1997,p. 37)
Frente a uma dificuldade em aprender, a criança pode apresentar
desinteresse e falta de prazer, o que pode levar a um bloqueio na
aprendizagem. Em contrapartida, quando há interesse por algo, a criança
poderá desenvolver uma estrutura cognitiva para compreender sobre o assunto
de tal interesse apresentando êxito na aprendizagem. Por isso, quando a
criança é levada a simplesmente reproduzir algo que não gere nela nenhum
tipo de motivação, a aprendizagem será comprometida.
Assim como o desenvolvimento cognitivo, o afetivo evolui. A
princípio encontra-se centrado no sujeito e em suas necessidades, evoluindo
para a relação com os outros indivíduos. Piaget relaciona os estágios de
afetividade aos estágios de desenvolvimento das estruturas cognitivas. No
primeiro (sensório-motor), prevalecem os sentimentos elementares como
prazer e dor, onde a presença do egocentrismo leva o bebê a voltar seus
interesses para ele mesmo.
No período pré-operatório acontece o desenvolvimento dos
sentimentos interindividuais como simpatias e antipatias que estão ligados ao
processo de socialização. O interesse apresenta um papel essencial no
desenvolvimento da inteligência neste momento por ser o orientador dos atos
de assimilação mental. Segundo Piaget (2011), assimilar mentalmente é
incorporar um objeto à atividade do sujeito, e esta relação de incorporação
entre o objeto e o eu não é outra que o interesse no sentido mais direto do
termo.
30
Já no período operatório acontecem grandes transformações em
relação à afetividade podendo perceber-se a cooperação entre os indivíduos
levando à coordenação dos pontos de vista, ao respeito mútuo e ao
aparecimento de sentimentos morais além de uma melhor integração do eu
com uma vida afetiva regulada.
Na adolescência, com o fim das construções do pensamento, a vida
afetiva assegura-se com a conquista da personalidade e a inserção na vida
adulta. Nesta trajetória do início da vida até este último período do
desenvolvimento, a afetividade vai aos poucos libertando-se do eu e
submetendo-se às leis da cooperação, sendo, durante este processo, a mola
das ações, uma vez que atribui valor às atividades regulando a energia que as
envolve.
Outro autor que trata da relação entre afetividade e inteligência é
Henri Wallon. Sua teoria tem como objetivo a origem dos processos psíquicos
que formam o ser humano. Buscou compreender o desenvolvimento humano a
partir do ato motor, da inteligência e da afetividade sendo que neste momento
serão utilizadas suas contribuições em relação a este último aspecto.
O autor acredita que a afetividade é a capacidade, do indivíduo de
ser afetado pelo mundo por sensações referentes a tonalidades agradáveis ou
desagradáveis e é expressa através da emoção, do sentimento e da paixão. A
emoção é a primeira expressão da afetividade e surge antes das primeiras
construções cognitivas, já o sentimento possui um caráter mais cognitivo e
surge no momento em que a pessoa já é capaz de falar sobre suas aflições.
A emoção é a exteriorização da afetividade, a sua expressão
corporal, motora. Está presente desde o início da vida sendo através dela que
os primeiros laços com o mundo são estabelecidos. Os primeiros sinais da
emoção são os espasmos do recém-nascido que, além de contrações dos
músculos estão envolvidos bem-estar e mal-estar onde o choro, riso ou soluço
aliviam as tensões do músculo.
A emoção é determinante na evolução mental: a criança responde a estímulos musculares (sensibilidade proprioceptiva), viscerais (sensibilidade interoceptiva) e externos (sensibilidade exteroceptiva). Esse movimento mostra como a sensibilidade da criança se estende ao ambiente. Passa a reproduzir os traços dos estímulos do
31
ambiente, e o contato com o mundo tende a afinar, tornar mais precisas, mais adequadas essas reproduções. (MAHONEY; ALMEIDA, 2005, p.20)
O sentimento é a expressão representacional da afetividade onde
não há reações instantâneas e diretas como na emoção. Ele impõe controles
à emoção diminuindo sua força. Já a paixão mostra o surgimento do
autocontrole para lidar com situações e, para isso, tenta fazer calar-se as
emoções. Como exemplo temos o ciúmes, a necessidade de exclusividade, as
exigências e o egoísmo.
Wallon considera que no início da vida, afetividade e cognição estão
misturadas prevalecendo a primeira que possui neste momento papel
estruturante. Ao longo do desenvolvimento estes dois aspectos se alternam
sendo que em alguns momentos a afetividade é dominante e em outros
predomina-se a cognição. Eles não acontecem paralelamente, mas de forma
integrada onde o desenvolvimento de um influi e depende do outro.
Afetividade e inteligência constituem um par inseparável na evolução psíquica, pois, embora tenham funções bem definidas e diferenciadas entre si, são interdependentes em seu desenvolvimento, permitindo à criança atingir níveis de evolução cada vez mais elevados. (ALMEIDA, 2008, p.8)
A princípio as trocas afetivas dependem da presença de outra
pessoa, a partir do momento em que a inteligência atingiu a função simbólica,
e consequentemente a linguagem, há a possibilidade de expressões afetivas
por meio da comunicação oral e escrita. Segundo Dantas (1992) instala-se o
que se poderia denominar de forma cognitiva de vinculação afetiva.
A origem da cognição está nas primeiras emoções, que permitem ao
bebê a construção dos conhecimentos sobre o mundo através da criação de
operações cognitivas e o ajudam a se estruturar no início da vida.
Wallon acredita ainda que o indivíduo passa por estágios em seu
desenvolvimento sendo que a afetividade e os recursos de aprendizagem
relacionados a ela evoluem na passagem de um para outro. Neste percurso a
diferenciação entre o sujeito e o outro vai aumentando até formar a identidade
autônoma onde o sujeito pode conhecer melhor seus valores, possibilidades,
motivações e sentimentos. Em cada um destes estágios existe um recurso
facilitador da aprendizagem do ponto de vista afetivo que deve ser adotado
32
pelos adultos para que o processo ensino-aprendizagem envolva atividades
que atendam as necessidades do aluno permitindo uma evolução consistente
em seu desenvolvimento.
A relação entre afetividade e intelecto foi descrita também por
Vygotsky que acredita na influência de um sobre o outro no decorrer
desenvolvimento infantil. Esta relação é de complementaridade, onde a
emoção encontra-se no âmbito das funções mentais das quais o pensamento
faz parte.
De acordo com este autor a origem do pensamento encontra-se na
esfera da motivação onde estão incluídas necessidades, interesses, afeto e
emoção. Desta forma, para compreender o pensamento é necessário
entender sua base afetiva. Segundo Oliveira (1992), destaca-se como uma
constante em seu pensamento a importância das conexões, profundas, entre
as dimensões cognitiva e afetiva do funcionamento psicológico do homem.
Quem separa desde o começo o pensamento do afeto fecha para sempre a possibilidade de explicar as causas do pensamento, porque uma análise determinista pressupõe descobrir seus motivos, as necessidades e interesses, os impulsos e tendências que regem o movimento do pensamento em um ou outro sentido. De igual modo, quem separa o pensamento do afeto, nega de antemão a possibilidade de estudar a influência inversa do pensamento no plano afetivo, volitivo da vida psíquica. (VYGOTSKY aput OLIVEIRA e REGO, 2003, p.18)
Vygotsky diferencia as emoções primitivas que possuem raízes
instintivas como alegria, medo e raiva das superiores como a melancolia e
acredita que as emoções primitivas podem desenvolver-se em emoções mais
sofisticadas na medida em que vão se afastando da origem biológica e se
constituindo como fenômeno histórico e cultural. Assim, a qualidade das
emoções muda durante o processo de desenvolvimento do indivíduo que,
acaba aumentando o controle sobre si mesmo.
Percebe-se então que afetividade e inteligência estão diretamente
relacionadas e que, assim como o desenvolvimento cognitivo, o afetivo passa
por um processo que começa no início da vida e vai amadurecendo com o
passar do tempo. Além disso, a afetividade é extremamente importante para o
33
desenvolvimento intelectual, uma vez que sem motivação, interesse e desejo
não se consegue chegar ao conhecimento.
3.2 Brincadeira
A brincadeira faz parte do universo infantil e possibilita à criança
diversas vivências e descobertas, sendo considerada uma atividade essencial
ao desenvolvimento dos indivíduos. Brincando a criança tem a possibilidade
de desenvolver seu pensamento criativo ampliando sua percepção do mundo.
Vygotsky discutiu o papel da brincadeira no desenvolvimento
infantil, privilegiando a de faz-de-conta onde vivencia-se imaginariamente uma
situação real. O brinquedo envolve um mundo ilusório e imaginário a partir do
qual os desejos que não podem ser satisfeitos imediatamente são realizados.
Nos primeiros anos de vida, o sujeito encontra-se muito ligado às
situações concretas e, conforme descrito no primeiro capítulo, quando
adquirem a linguagem e podem utilizar a representação simbólica, estão
preparados para vivenciar situações imaginárias. Neste momento, de acordo
com Vygotsky (2002), a criança é levada a agir num mundo imaginário, onde a
situação é definida pelo significado estabelecido pela brincadeira e não pelos
elementos reais concretamente presentes.
A criança age sobre os objetos de acordo com o significado que
estes possuem, sendo que, frente a uma porta sabe que deve abri-la ou fechá-
la por exemplo. Os brinquedos dão a possibilidade da criança agir
independente do que vê e, esta liberdade de ação é adquirida a partir do
processo de desenvolvimento.
Além disto, toda brincadeira possui regras que devem ser seguidas,
então quando a criança imagina ser a mãe e a boneca a filha, obedecerá as
regras do comportamento maternal. Desta forma ela tenta ser o que pensa ser
uma mãe. Assim, o que o sujeito não percebe na vida real, pode ser
vivenciado na brincadeira. São as regras dela que fazem com que a forma de
agir da criança seja mais avançada do que a habitual para sua idade.
Assim como a situação imaginária contém regras de
comportamento de forma oculta, os jogos com regras contém, também
ocultamente, uma situação imaginária. Segundo Vygotsky (1989) o mais
simples jogo com regras transforma-se imediatamente numa situação
34
imaginária, no sentido de que, assim que o jogo é regulamentado por certas
regras, várias possibilidades de ação são eliminadas.
É no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de numa esfera visual externa, dependendo das motivações e tendências internas, e não dos incentivos fornecidos pelos objetos externos. (VYGOTSKY, 1989, p. 110)
Ao agir em uma situação imaginária a criança aprende a guiar
seu comportamento pelo significado desta situação e não apenas pela
percepção imediata dos objetos. Na brincadeira o pensamento não está ligado
aos objetos e, a ação surge não das coisas, mas da idéia, além disto, o
significado é o ponto central e os objetos passam de dominante para
subordinados. Um cabo de vassoura pode, por exemplo, ser um cavalo onde
o primeiro separa o significado de tal animal do objeto cavalo real. Para que
esta separação aconteça é necessário que haja este intermediário que, neste
caso, é o cabo de vassoura. Assim, ao criar uma situação imaginária a criança
tem a possibilidade ainda de desenvolver o pensamento abstrato.
A brincadeira permite ao sujeito ainda a situação de autocontrole
uma vez que ele é levado muitas vezes a agir contra o impulso imediato para
atingir o prazer. Como exemplo temos uma situação em que a criança é
tentada a comer um chocolate que, pelas regras é proibido já que na
brincadeira trata-se de algo não comestível.
No brincar reina a espontaneidade e a liberdade onde satisfazer as
regras é uma forma de prazer. Esta regra é interna de autocontenção diferente
da regra de uma lei física.
Vygotsky compara a situação de brincadeira com a situação
escolar. O brinquedo, assim como a situação escolar cria uma zona de
desenvolvimento proximal e por isso, tem grande influência no
desenvolvimento da criança. A situação imaginária assim como a definição de
regras levam o brinquedo a criar esta zona de desenvolvimento proximal, uma
vez que a forma como a criança se comporta na brincadeira é mais avançada
do que em sua rotina diária. Além disto, esta ser uma situação de brincadeira
leva o indivíduo a separar objeto e significado.
35
Sendo assim, a promoção de atividades que favoreçam o envolvimento da criança em brincadeiras, principalmente aquelas que promovem a criação de situações imaginárias, tem nítida função pedagógica. A escola e, principalmente, a pré-escola poderiam se utilizar deliberadamente desse tipo de situações para atuar no processo de desenvolvimento das crianças. (VYGOTSKY, 2002, p. 67)
Percebe-se que, de acordo com Vygotsky, as crianças adquirem
grandes conquistas no brinquedo onde encontram um caminho para que as
mudanças de necessidades aconteçam. Na brincadeira alguns conhecimentos
podem ser consolidados através do treinamento das possibilidades de criar
situações, representar papéis, seguir as regras de condutas sociais. Além
disso, na brincadeira a criança pode transformar e produzir novos significados
e reproduzir o discurso externo internalizando-o, construindo assim seu próprio
pensamento.
Piaget descreve a brincadeira como uma oportunidade de assimilar
o mundo externo às necessidades internas, sem precisar de grandes
acomodações da realidade. Em seus estudos refere-se mais ao jogo em
relação ao brincar.
Acredita que o jogo possibilita a criança apropriar-se de sua
percepção da realidade e classifica-o em seis fases de acordo com o
desenvolvimento cognitivo infantil.
Na primeira os instintos determinam as atitudes do sujeito, já na
fase seguinte podemos perceber os jogos da voz onde a criança brinca com
este som. Segundo Piaget um esquema isoladamente não representa o lúdico,
sendo necessário um contexto para que uma situação caracterize o jogo. Na
terceira fase a criança aprende a manipular os objetos compreendendo a
brincadeira. Em seguida temos a fase onde pode-se brincar sem esforço, por
prazer, com a busca de uma finalidade. Na quinta fase o jogo representa uma
ampliação da função de assimilação e, por último, com a capacidade de
representação, o brincar vai além de um simples ritual, envolvendo símbolos
além do jogo motor.
Além disso, Piaget classifica os jogos em três estruturas de acordo
com sua evolução:
36
• Jogos de exercício – acontecem principalmente no período sensório-
motor e caracteriza-se pelo prazer obtido na satisfação das
necessidades. Este jogo está presente em toda a vida, inclusive no
adulto, já que o prazer é necessário na vida de todo ser humano.
• Jogos simbólicos – fazem parte da fase pré-operatória onde, além
do prazer percebe-se a presença da função simbólica. O símbolo
serve para evocar a realidade e a criança pode vivenciar questões
da realidade difíceis de serem elaboradas por meio destes.
É, portanto, indispensável ao seu equilíbrio afetivo e intelectual que possa dispor de um setor de atividades cuja motivação não seja a adaptação ao real senão, pelo contrário, a assimilação do real ao eu, sem coações nem sanções: tal é o jogo, que transforma o real por assimilação mais ou menos pura às necessidades do eu, ao passo que a imitação (quando constitui fim em si mesma) é acomodação mais ou menos pura aos modelos exteriores e a inteligência é equilíbrio entre assimilação e acomodação. (PIAGET e INHELDER, 2009, p. 56, 57)
• Jogos de regras – acontecem no período operatório concreto onde
se tem a capacidade de lidar com as delimitações no espaço e no
tempo além da consciência do que pode e do que não pode ser
feito. O símbolo dá lugar às regras que são impostas pelo grupo e a
criança pode, na brincadeira, lidar com as perdas, analisar os erros,
criar estratégias e tomar decisões.
Outra autora que traz contribuições sobre a brincadeira e sua
influência no desenvolvimento é Tizuko Kishimoto. Ela acredita que no brincar
a aprendizagem ocorre de modo prazeroso e significativo. Brincando a criança
aprende regras sociais, estimula a imaginação e a criatividade, desperta o
interesse, apresentando portanto, uma estimulação de seu desenvolvimento.
Assim como Vygotsky, Kishimoto vê na brincadeira uma
oportunidade da criança vivenciar experiências que na vida real não
conseguiria. Como exemplo a autora cita a brincadeira de super herói onde o
indivíduo é capaz de passar por cima de medos reais adquirindo
transformações em seu comportamento e, portanto uma evolução no
desenvolvimento.
37
Brincando, portanto, a criança coloca-se num papel de poder, em que ela pode dominar os vilões ou as situações que provocariam medo ou que a fariam sentir-se vulnerável e insegura. A brincadeira de super-heroi, ao mesmo tempo em que ajuda a criança a construir a autoconfiança, leva-a a superar obstáculos da vida real, como se vestir, comer um alimento sem deixar cair, fazer amigos, enfim, corresponder as expectativas dos padrões adultos. (KISHIMOTO aput BENITEZ, 2008, p.5)
Ao brincar, a criança pode apropriar de suas potencialidades e
construir seu mundo interior. Além disto, estimula sua curiosidade, adquire
iniciativa e autoconfiança, interage com o meio, desenvolve a linguagem, o
pensamento, a concentração e a atenção, aumentando seus conhecimentos e
consequentemente desenvolvendo sua aprendizagem.
Brincar tem uma função pedagógica importante sendo uma
ferramenta útil durante o desenvolvimento da criança. A brincadeira estimula o
desenvolvimento do pensamento na criança, propiciando um avanço das
estruturas cognitivas, levando a formação de estruturas complexas capazes de
construir o pensamento abstrato e criativo.
Para Kishimoto a brincadeira pode ter regras ou não, oportunizando
a imaginação e sugerindo a participação livre e descontraída. Além disto, ela
pode ter a função lúdica, na medida em que proporciona prazer e diversão, e a
função educativa, já que ensina qualquer coisa que aumente o conhecimento
do indivíduo.
Vemos então, que na brincadeira, a criança encontra um suporte
para o seu desenvolvimento que, por sua vez, acontece de forma livre,
espontânea e significativa. Além disto, nesta situação, o indivíduo pode lidar
com situações que, na vida real, não daria conta, o que acaba levando
também a um desenvolvimento pessoal. Frente ao que foi descrito, pode-se
dizer que ao brincar o indivíduo garante a integração social, melhora seu
equilíbrio emocional e sua atividade intelectual.
CONCLUSÃO
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A construção do desenvolvimento intelectual da criança acontece
em um processo, constituído por diferentes etapas e influenciado por diversos
fatores. Neste processo, as estruturas do pensamento tornam-se cada vez
mais complexas e o desenvolvimento cognitivo mais sólido, podendo ser
percebido o amadurecimento intelectual.
O conhecimento se dá principalmente na interação do sujeito com o
meio, sendo que aspectos internos do indivíduo como constituição neurológica,
motivações e interesses influenciam na construção da aprendizagem.
De acordo com Piaget, para se chegar ao conhecimento, é
necessário a presença de estruturas mentais, que são formadas nas ações do
indivíduo sobre o meio, e que progridem com o desenvolvimento intelectual, se
tornando cada vez mais refinadas. O sujeito participa ativamente do seu
processo de aprendizagem, transformando os conhecimentos de acordo com
suas referências internas e agindo sobre o mundo na busca de compreendê-lo.
Para Vygotsky o aprendizado acontece nas relações sociais e
envolve a internalização do conhecimento existente na cultura. Assim, o
intermédio do adulto ou de uma pessoa mais experiente torna-se indispensável
para que o desenvolvimento intelectual aconteça. Neste sentido, a escola é um
ambiente favorável por possuir a presença do professor como interventor e
provocador de avanços, além de possibilitar diferentes trocas sociais.
A afetividade afeta tanto positivamente quanto de forma negativa a
aprendizagem. Uma situação que tenha significado para a criança gera
motivação e interesse levando ao conhecimento, em contrapartida, quando o
sujeito reproduz algo que não tenha sentido para ele a aprendizagem pode ser
comprometida. Sendo assim, é fundamental que os educadores conheçam e
entendam o universo dos alunos a fim de construírem atividades que possam
gerar motivações levando às crianças a apresentarem um vínculo positivo com
a aprendizagem e chegarem assim a um desenvolvimento intelectual
satisfatório.
A brincadeira estimula a imaginação, a criatividade e o interesse
sendo, portanto um excelente recurso para se chegar ao conhecimento. Nela a
criança tem a oportunidade de interagir com o meio, desenvolver sua
39
linguagem, concentração e atenção aprendendo de forma espontânea,
significativa e prazerosa.
Este estudo pode trazer contribuições para o trabalho do
psicopedagogo que deve entender as características da aprendizagem
incluindo a forma como ela acontece, suas etapas e os fatores que influenciam
este processo. Assim, pode-se identificar e até prevenir possíveis dificuldades
que ocorram durante o desenvolvimento intelectual, aumentando a
possibilidade de a criança ter sucesso no seu processo de aprendizagem.
Percebe-se ainda a importância de se respeitar os limites de
aprendizagem de cada indivíduo, conhecendo e considerando suas
potencialidades e deficiências, para que, desta forma, proponha-se atividades
que levem de fato a aprendizagem.
BIBLIOGRAFIA
40
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ÍNDICE
43
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO
3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I - O processo de desenvolvimento intelectual da
criança de acordo com Piaget e Vygotsky 10
CAPÍTULO II - Etapas do desenvolvimento cognitivo para Piaget 19
CAPÍTULO III - Fatores que interferem no desenvolvimento intelectual 28
3.1 – Afetividade 28
3.2 – Brincadeira 33
CONCLUSÃO 38
BIBLIOGRAFIA 40
ÍNDICE 43