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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A RESPONSABILIDADE CIVIL
NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
Por: Natalia Caroline Tarsitano
Orientador
Prof. Ivan Garcia
Rio de Janeiro
2
2011
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A RESPONSABILIDADE CIVIL
NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em Direito
Empresarial, sob a orientação do Prof. Ivan Garcia,
com o objetivo de produção fonte coesa e
aprofundada sobre a responsabilidade civil nas
relações de consumo, com o fim precípuo de
aperfeiçoar os nossos conhecimentos.
Por: Natalia Caroline Tarsitano
3
AGRADECIMENTO
Agradeço aos meus pais e à minha
irmã, que sempre me apoiaram em
tudo.
Amo vocês.
4
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo estudar a responsabilidade civil no
âmbito das relações de consumo em face do sistema legal introduzido pelo
Código de Defesa do Consumidor.
É pertinente, outrossim, em razão da flagrante especialidade do tema,
visualizar os contornos elementares da relação de consumo, trazendo a lume o
aspecto conceitual em que se discernem os elementos que a compõem.
Antes da promulgação da legislação consumerista, não havia proteção
eficiente ao consumidor. Estava este subordinado aos princípios ortodoxos da
responsabilidade civil e se submetia à ditadura do capitalismo selvagem. O
CDC pautou uma mudança de postura ideológica do legislador pátrio, que
passou a perceber a manifesta necessidade de se adotar, também na esfera
do Direito privado, uma posição mais intervencionista, em defesa da parte
hipossuficiente da relação de consumo.
Levando em consideração os princípios do Direito do Consumidor, as
normas de defesa e proteção do consumidor são de ordem pública e interesse
social, calcadas nos princípios da vulnerabilidade e hipossuficiência.
Objetiva-se com esse estudo a análise dos aspectos gerais acerca da
responsabilidade civil nas relações de consumo.
Realizar-se-á uma breve análise a respeito das partes na relação de
consumo, o objeto da relação de consumo, a responsabilidade civil pelo fato e
pelo vício do produto ou serviço, a jurisprudência acerca do tema e ao final, um
breve estudo a respeito da responsabilidade pela inserção do nome do
consumidor nos cadastros de proteção ao crédito, com as diretrizes trazidas
pela Súmula 359, do Superior Tribunal de Justiça.
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 06
CAPÍTULO I
1.0 – Responsabilidade Civil 08
Objetiva e Subjetiva
CAPÍTULO II
2.0 - Da Relação de
Consumo 15
CAPÍTULO III
3.0 – Espécies de Responsabilidade Civil no Código de Defesa 27 Do Consumidor
CAPÍTULO IV
4.0 – A inversão do
Ônus da Prova 34
CONCLUSÃO 36
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 37
ÍNDICE 38
FOLHA DE AVALIAÇÃO 40
6
INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil foi uma das áreas que sofreu os maiores
impactos oriundos das expressivas transformações sociais, políticas e
econômicas.
O Código do Consumidor foi uma espécie de reforma na disciplina
jurídica então existente de uma maneira que transferiu os riscos do consumidor
para o fornecedor, estabeleceu responsabilidade objetiva para todos os casos
de acidente de consumo, quer decorrente do fato do produto ou do fato do
serviço. Sendo assim, o consumidor não pode arcar sozinho com os riscos da
relação de consumo ou, até mesmo, ficar sem indenização.
Se falando em direito de um produto, há de ser levada em
consideração a hipótese de um grave acidente atingir o consumidor, causando-
lhe danos material e/ ou moral. Nesse caso o Código Civil fica afastado, pois,
segundo o mesmo, esta responsabilidade deixa de ser uma relação contratual
para se materializar em função da existência de m outro tipo de relação: o
produto que foi vendido no mercado e causou prejuízo, assim como abrange o
artigo 12 do Código do Consumidor. Em síntese, o fato gerador da
responsabilidade do fornecedor não é mais a conduta culposa, e sim o defeito
do produto.
O excludente da inexistência de defeito cai no mérito comum. Se o
produto ou serviço não é defeituoso e o ônus dessa prova é do fornecedor, não
haverá também relação de causalidade entre o dano e a atividade do
fornecedor. O dano será oriundo de outra causa não imputável ao fabricante do
produto ou ao prestador do serviço. Assim existe uma suposição contra o
fornecedor, ao qual caberá a ele eliminar.
7
Maria Helena Diniz1 explica que Responsabilidade Civil é “a aplicação
de medidas que obriguem alguém a reparar – dano moral ou patrimonial
causado a terceiro em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem
ele guarda (responsabilidade subjetiva), ou ainda de simples imposição legal
(responsabilidade objetiva)”.
Sendo assim, pode-se observar que Responsabilidade Civil é a
situação de indenizar o dano moral ou patrimonial decorrente de
inadimplemento culposo (de obrigação legal ou contratual), ou de situação para
a qual a lei impõe a reparação. Ou seja, é um dever jurídico sucessivo
consequente à violação da obrigação.
Ela não constitui uma das fontes das obrigações, e pode ser contratual
ou extracontratual (extra-obrigacional ou delitual ou, ainda, aquiliana), e tem
por função, segundo Sergio Cavalieri Filho2: “o anseio de obrigar o agente,
causador do dano, a repará-lo inspirado no mais elementar sentimento de
justiça. Impera neste campo o princípio da restitutio in integrum, isto é, tanto
quanto possível, repõe-se à vítima à situação anterior à lesão. Isso se faz
através de uma indenização fixada em proporção ao dano”.
1 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 1984, v. 7. P. 32. 2 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 2. Ed. São Paulo. Malheiros Editores, 1998, p. 42.
8
CAPÍTULO I
1.0 - Responsabilidade Civil Objetiva e Subjetiva
A Responsabilidade Civil Objetiva independe do conceito de culpa,
ensejando a aplicação da Teoria do Risco, em que a responsabilidade do
agente decorre do seu próprio ato, que oferece perigo de lesão ao patrimônio
de outrem. Já a Responsabilidade Civil Subjetiva é indispensável à existência
do elemento culpa na conduta do agente, da qual resultou dano a alguém. A
averiguação da culpa determina ao agente o grau de sua responsabilidade,
impondo-lhe, ao mesmo tempo, o dever de indenizar o prejudicado conforme
seja a extensão do dano, associada à culpa na sua ação.
A teoria da culpa objetiva, consagrada no artigo 37, § 6° da CRFB,
implica no dever de indenizar o dano causado, independentemente de culpa do
agente lesionador.
Segundo Sergio Cavalieri Filho3, “(...) na busca de um fundamento para
a responsabilidade objetiva, os juristas principalmente na França, conceberam
a Teoria do Risco, justamente no final do século XIX, quando o
desenvolvimento industrial agitava o problema da recuperação dos acidentes
de trabalho. Risco é perigo, é probabilidade de dano, importando isso dizer que
aquele que exerce uma atividade perigosa deve-lhe assumir os riscos e reparar
o dano dele decorrente.
Assim, juntamente com o autor acima citado, podemos afirmar que “a
doutrina do risco pode ser, então, assim resumida: todo prejuízo deve ser
atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de
ter ou não agido com culpa”.
3 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 2. Ed. São Paulo. Malheiros Editores, 1998, p. 43.
9
A teoria da culpa subjetiva foi consagrada pelo Direito Brasileiro a partir
do Código Civil de 1916 e no atual Código Civil está no artigo 186. Resulta daí
que a comprovação da culpa, em face dos atos praticados pelo agente, é
determinante em nosso ordenamento jurídico, principalmente para a
averiguação do quantum indenizatório. Nesse sentido, a ordem jurídica leva em
consideração o fato humano voluntário, sobre o qual repousa toda a construção
dos efeitos jurídicos.
Na lição de Sérgio Cavalieri Filho4, “a idéia de culpa está visceralmente
ligada à responsabilidade, por isso que, de regra, ninguém pode merecer
censura ou juízo de reprovação sem que tenha faltado com o dever de cautela
em seu agir. Daí ser a culpa, de acordo com a teoria clássica, o principal
pressuposto da responsabilidade civil subjetiva”.
Também na ótica de Caio Mário da Silva Pereira5, “o que sobrevela na
caracterização do fato jurídico humano, como fator etimológico da ilicitude, não
é qualquer fator de ordem espiritual ou moral, como acentua Henoch D.
Aguiar6, porém, a relação puramente mecânica de causa e efeito, ou a
materialidade da transgressão”.
Na realidade, a teoria da culpa está indissoluvelmente ligada à idéia de
comportamento do agente – fato importante na determinação da conduta da
pessoa e, por conseqüência, para definir o seu grau de responsabilidade em
face das suas atitudes.
Portanto, somente será capaz de determinar a responsabilidade uma
conduta do agente que, contrariando a lei, produza lesão aos interesses
legitimamente tutelados de alguém.
4 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 2. Ed. São Paulo. Malheiros Editores, 1998, p. 46. 5 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. 11. Ed. Rio de Janeiro. Editora Forense, 1997, p. 87. 6 AGUIA, Dias, op. Cit., p. 110; Rui Stoco, op. Cit.
10
O mesmo Caio Mario da Silva Pereira7, citando De Page8,
esclarece que “não há responsabilidade na ausência de culpa, isto é, uma falta
de destreza, de habilidade, de diligência, de prudência, cujo resultado nefasto
podia ser previsto, ao menos implicitamente”.
1.1 – Elementos da Responsabilidade Civil
Fixada o conhecimento elementar de que a responsabilidade civil
baseia-se no fundamento de que aquele quem causa dano a outrem, impõe-se
o dever de o reparar. No Código Civil de 1916, como foi mencionado
anteriormente, o artigo 159 consagrava tal princípio, ipsis literis:
“Art. 159 - Aquele que por ação ou omissão
voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito,
ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o
dano”.
A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se
pelo disposto neste Código, nos artigos 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553.
Na redação legal é possível identificar os elementos essenciais da
responsabilidade civil, ou seja, seus pressupostos:
- Ação ou omissão – comportamento humano
- Culpa ou dolo do agente;
- Relação de causalidade entre a ação e o dano;
- Dano causado à vítima.
7 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. 11. Ed. Rio de Janeiro. Editora Forense, 1997, p. 89. 8 DE PAGE, Apud, PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. 11. Ed. Rio de Janeiro. Editora Forense, 1997.
11
A) Ação ou Omissão do Agente: O prejuízo causado deve ser
produzido pela conduta humana. Dessa forma, a responsabilidade do agente
pode resultar de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob a
responsabilidade do agente, ou danos causados por coisas (animais) que
estejam sob a guarda deste. O comportamento humano pode ser positivo ou
negativo (omissão). A violação pode ser sob o ponto de vista contratual:
descumprimento da obrigação prevista contratualmente; legal: conduta
contrária ao mandamento legal; ou social: o comportamento não chega a
infringir a lei, mas foge á finalidade social a qual se destina, como nos atos
praticados com abuso de direito.
A responsabilidade civil, como dito alhures, pode ser ato próprio ou por
ato de outrem, o qual o agente é responsável permanente ou temporário.
O maior interesse está na responsabilidade por ato de terceiro, porque
permite estender a obrigação de reparar o dano à pessoa diversa daquela que
praticou a conduta danosa. Tal extensão, só se verifica com a presença de
uma relação jurídica entre os dois agentes (o causador do dano e o
responsável) geradores do dever de fiscalização, que quando violado permite
que o subordinado pratique um comportamento culposo e ocasione, direta ou
indiretamente, dano à vítima. A responsabilidade civil com esse caráter
consiste no descuido do dever de vigilância (culpa in vigilando) ou do dever de
escolha (culpa in eligendo). Segundo o legislador de 1916, tal culpa é
presumida, ao cabendo à vítima prová-la.
No novo Código, a presunção de culpa desaparece, pois a teoria da
culpa cede espaço à teoria do risco, na qual não se perquire a culpa do agente.
Recai a responsabilidade somente pela decorrência do dano a terceiros.
Nos casos de danos cometidos por atos de terceiro, o Código, em seus
artigos 932, 936, 937 e 938, tratou como de responsabilidade objetiva.
A responsabilidade civil por ato de terceiro provia da disposição legal, e
a jurisprudência a aperfeiçoou, atendendo a segurança da vítima e visando
12
protegê-la. Neste sentido, cita-se o artigo 933 do Código de 2002: "As pessoas
indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de
sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos." O
artigo antecedente mencionado refere-se aos pais responsáveis pelos atos de
seus filhos, aos patrões responsáveis pelos atos de seus empregados, os
donos de hotéis e hospedarias, pelos atos de seus hóspedes.
B) Culpa ou Dolo do Agente: A culpa é um elemento necessário à
responsabilidade civil subjetiva. Não basta para a caracterização da
responsabilidade o cometimento de um ato contrário ao direito, sendo
necessário o elemento culpa. O conceito de culpa da definição de
responsabilidade civil dada pelo Código Civil de 1916 é a chamada culpa latu
senso. Porém, ela pode adotar a forma stricto sensu ou dolo. O agente procede
com dolo quando causa o dano deliberadamente, isto é, quis o resultado. A
culpa stricto sensu amolda-se ao critério do homem médio, quando esse não
se ateve ao cuidado que lhe era exigido, seja pela falta de vigilância ou pela
escolha errada. Ainda, a culpa (stricto sensu) abarca os conceitos de imperícia,
imprudência e negligência.
A obrigação de indenizar proveniente da culpa em sentido estrito
impele o homem a conviver em sociedade de modo a respeitar aos outros
seres e seus patrimônios, não bastando agir com conduta lícita, sendo preciso
o comportamento cauteloso de não causar dano a outrem.
A responsabilidade sendo vista sob o ponto de vista objetivo, a culpa
deixa de ser fundamental para a sua caracterização, pois admite a
responsabilização do agente infrator pelo simples prejuízo que trouxe à vítima,
sem perquirir seu elemento volitivo de culpa lato sensu.
Atendendo estes parâmetros, a teoria do risco elimina a idéia de culpa
do conceito de responsabilidade civil. E seguindo a tendência determinada por
13
algumas leis esparsas especializadas o novo Código Civil no artigo 927,
parágrafo único impõe:
“Parágrafo Único - Haverá obrigação de reparar o
dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem”.
Assim, a regra é que a responsabilidade seja subjetiva, dependendo do
elemento culpa, proveniente da vontade do agente causador do dano. Quando
a lei determinar ou quando a atividade praticada pelo autor do dano apresentar
riscos, a responsabilidade torna-se objetiva. Portanto, as determinações legais
especiais, citadas anteriormente, ganham o respaldo do novo Código Civil.
C) Nexo de Causalidade: A obrigação de reparação civil só surge
quando há uma relação de causalidade entre a ação ou omissão do agente e o
dano sofrido pela vítima. Torna--se obrigatório que o dano seja decorrência
clara e explícita da atitude danificadora do réu. A questão traz dificuldades
quando não é possível identificar o elo de causalidade entre o ato de uma
pessoa e o dano causado, principalmente quando há presença de vários
comportamentos, que de alguma forma, contribuíram para a produção do
resultado danoso. Também é importante mencionar as excludentes de
responsabilidade, como por exemplo, a culpa exclusiva da vítima, o fato de
terceiro, o caso fortuito ou força maior e cláusula de não indenizar
(correspondente à responsabilidade civil contratual). São situações em que não
há obrigação de indenizar por parte do autor do ilícito, pois sua conduta, apesar
de danosa não foi a causa direta do prejuízo sofrido pela vítima.
14
D) Dano: O dano é um elemento fundamental para a imposição da
obrigação de indenizar, sem o prejuízo, um comportamento ilícito pode passar
despercebido pelo mundo jurídico. O principal argumento para tal afirmativa
está na finalidade exclusiva da indenização imposta ao autor da conduta ilícita:
repara o dano sofrido. O elemento dano da responsabilidade civil serve
igualmente para o conceito de responsabilidade objetiva como para a subjetiva,
já que significa lesão a qualquer direito, podendo ser material ou moral.
15
CAPÍTULO Il
2.0 - Da Relação de Consumo
Maria Helena Diniz9, citando Del Vecchio, anota que anota que “a
relação jurídica consiste num vínculo entre pessoas, em razão do qual uma
pode pretender um bem a que a outra é obrigada. Tal relação só existirá
quando certas ações dos sujeitos, que constituem o âmbito pessoal de
determinadas normas, forem relevantes no que se atina ao caráter das normas
aplicáveis à situação. Só haverá relação jurídica se o vínculo entre duas
pessoas for normativo, isto é, regulado por norma jurídica”.
Evidentemente, todas as relações jurídicas exigem a presença de
alguns elementos. Estes, somados, compõem-na de forma a demonstrar sua
extensão e seu conteúdo. Diversa não é a relação de consumo. Exige-se a
presença de elementos de órbita subjetiva e outros de ordem objetiva. Em
regra, faltante um único deles sequer, concluir-se-á pela inaplicabilidade do
Código de Defesa do Consumidor.
Dessa maneira, e com respaldo no Código de Defesa do Consumidor,
pode-se dizer que existem como elementos da relação de consumo os sujeitos
e o objeto. Os sujeitos serão o pólo passivo e o pólo ativo e o objeto da relação
será sempre produtos ou serviços.
9 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 1984, v. 7.
16
2.1 – Das Partes na Relação de Consumo
2.1.1- O Consumidor
O conceito de consumidor adotado pelo CDC é de caráter econômico e
com fim, vislumbrando o personagem que adquire bens ou contrata a
prestação de serviços como destinatário final10.
Nos termos do art. 2º, do CDC:
“Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que
adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário
final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade
de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja
intervindo nas relações de consumo”.
A partir desse conceito, vislumbra-se que a qualidade de consumidor
não é restrita à pessoa natural ou física, uma vez que, a pessoa jurídica
também pode receber esse designativo, desde que seja destinatária final do
produto ou serviço que adquiriu e não o utilize como insumo necessário ao
desempenho de sua atividade lucrativa.
Desse modo, tem-se que até mesmo um Município pode ser
considerado consumidor, quando, por exemplo, for destinatário final do
fornecimento de energia elétrica. A jurisprudência é pacífica:
AÇÃO DE COBRANÇA - FATURAS DE ENERGIA
ELÉTRICA - MULTA MORATÓRIA - MUNICÍPIO NA
CONDIÇÃO DE CONSUMIDOR FINAL - APLICAÇÃO
DO CÓDIGO DO CONSUMIDOR - CORREÇÃO
MONETÁRIA - INCIDÊNCIA A PARTIR DA DATA DO 10 ARAÚJO, Vaneska Donato de (coord.). Responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 253.
17
VENCIMENTO - PRESCRIÇÃO - APLICAÇÃO DO
DECRETO N. 20.910/32 - HONORÁRIOS - FIXAÇÃO
COM BASE NO ART. 20, § 4º DO CPC - RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO.
Tendo em vista que nos termos do art. 2º do CDC, consumidor é toda
pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final, no caso acima se enquadra o Município em relação ao
fornecimento de energia elétrica pela Celesc, quando o produto é consumido
pela própria municipalidade.
Adverte Silvio de Salvo Venosa11, que “não somente as pessoas
jurídicas devem ser incluídas nesse conceito, mas também as entidades com
personificação anômala, que muitos preferem denominar entes
despersonalizados, como o condomínio, a massa falida e o espólio”.
A proteção de consumo atinge não apenas o típico consumidor final,
mas também o que utiliza o produto ou serviço como destinatário final. Assim,
por exemplo, produto adquirido por alguém é emprestado ou cedido a terceiro,
este também recebe a proteção da lei do consumidor.
O parágrafo único, do art. 2º, do CDC, foca a universalidade, conjunto
de consumidores de produtos e serviços, ou mesmo grupo, classe ou categoria
deles, e desde que relacionados a um determinado produto ou serviço,
perspectiva esta extremamente relevante e realista, porquanto é natural que se
previna, por exemplo, o consumo de produtos ou serviços perigosos ou então
nocivos, beneficiando-se assim abstratamente as referidas universalidades e
potenciais consumidores.
Essa disposição entra em consonância com a proteção do consumidor
em juízo, prevista pelas normas processuais do referido diploma que, em uma
postura democrática e socializante, não tratou apenas de tutelar interesses
11 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2005. P. 218.
18
individuais, mas, também, os de natureza difusa, coletiva ou individual
homogênea, conforme prevê expressamente o seu art. 81.
Nesse contexto, uma engrenagem defeituosa em um veículo ou um
produto alimentício deteriorado atingiriam número indeterminado de pessoas
que, indiscutivelmente, mereceriam a proteção do CDC, por meio da definição
prevista no referido parágrafo único do art. 2º.
O CDC, em seu art. 17, trouxe ainda a figura do consumidor por
equiparação: “Equipara-se a consumidor todas as vítimas do acidente de
consumo, ou seja, pessoas estranhas à relação de consumo, mas que
sofreram prejuízo em razão de defeitos intrínsecos ou extrínsecos do produto
ou serviço”.
Trata-se do consumidor indireto, por equiparação. Com esse
dispositivo, superou o CDC a dicotomia existente entre a responsabilidade
contratual e a extracontratual. O fundamento da responsabilidade do
fornecedor passou a ser o defeito do produto ou serviço lançado no mercado,
pouco importando se este se dá em uma relação contratual ou não.
2.1.2 - O Fornecedor
Do outro lado da relação jurídica, o conceito de fornecedor é mais
amplo e genérico, consistindo em qualquer pessoa física ou jurídica que
ofereça no mercado produtos ou serviços de forma habitual, in verbis:
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica,
pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os
entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de
produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços.
19
Com essa definição mais abrangente, todos os que participam da
produção e distribuição de bens e serviços são considerados.
Ensina Luiz Antonio Rizzato Nunes12:
“O termo fornecedor é gênero do qual fabricante,
produtor, construtor, importador e comerciante são
espécies. Ver-se-á que, quando a lei quer que todos
sejam obrigados e/ou responsabilizados, usa o termo
fornecedor. Quando quer designar algum ente específico,
utiliza-se de termo designativo particular: fabricante,
produtor, comerciante etc.”
Não somente as entidades de direito privado, mas também as de
direito público podem ser enquadradas no conceito de fornecedor, para efeito
de aplicação das normas do CDC.
No caso de ser público, entende-se o próprio poder público, União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, por si ou através de suas empresas
públicas que desenvolvam atividades de produção, ou ainda as
concessionárias de serviços públicos.
No concernente aos “entes despersonalizados”, também subsumíreis
ao conceito supra, e que, seriam os que embora não dotados de personalidade
jurídica, quer no âmbito mercantil, quer no civil, exercem atividades produtivas
de bens e serviços, e que tem regime jurídico sui generis.
Ressaltam Pablo Stloze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho13:
“Nada impede, ainda, que as sociedades de fato ou
irregulares (tratadas sob denominação de “sociedades
não personificadas” pelo Novo Código Civil), desde que
atuantes no mercado de consumo, sejam consideradas
12 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito material (arts. 1º a 54). São Paulo: Saraiva, 2000. p. 94. 13 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op.cit. p. 281.
20
fornecedoras para efeito de responsabilização, nos
termos do Código do Consumidor.”[10]
Apenas os que participam do fornecimento de produtos ou serviços no
mercado de consumo com exercício habitual do comércio, é que estão sujeitos
às normas de defesa do consumidor e integram a relação de consumo.
Ausente essa habitualidade da prática negocial, não há incidência da Lei de
Defesa do Consumidor.
Nesse sentido, o E. Tribunal de Justiça de Santa Catarina já decidiu:
“EXECUÇÃO. Nota promissória. Embargos rejeitados.
Vinculação de particulares. Legislação consumerista.
Habitualidade da atividade. Falta de provas. Não
incidência. Inversão do ônus probante. Inviabilidade.
Agiotagem. Prática não comprovada.
I - As relações obrigacionais entre particulares escapam,
de regra, à disciplina jurídica da legislação protetiva do
consumidor. A exceção decorre da habitualidade da
prática negocial do particular, em condições de enquadrá-
lo no conceito de fornecedor adotado pela codificação
específica. Ausente prova a respeito dessa habitualidade,
não há como submeter-se a relação obrigacional
decorrente da emissão de nota promissória
extrinsecamente perfeita, aos ditames do código
consumerista.[...]
Apelação Cível nº 2002.000097-3. Rel. Des. Trindade dos
Santos. Florianópolis, 09 de outubro de 2003”.
Fornecedor, portanto, é o sujeito que integra o pólo ativo da relação de
consumo, ou seja, atua como alienante do bem ou prestador do serviço
pretendido pelo consumidor, seu destinatário final.
21
2.2 – Objeto da Relação de Consumo
2.2.1 – Produto ou Serviço
A relação de consumo é uma relação jurídica pessoal travada entre o
consumidor e o fornecedor do produto ou serviço.
O objeto da relação de consumo é o produto ou serviço produzido e
posto à disposição pelo fornecedor ao consumidor, dotado de natureza
patrimonial e valor econômico. Não se confunde com bens sem apreciação
econômica e cunho subjetivo, como o direito ao nome, crédito e outros.
O Código de Defesa do Consumidor define o produto, em seu art. 3º, §
1º: “Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.”
Pela amplitude do conceito, pode-se observar que todo e qualquer bem
jurídico disponível, corpóreo ou incorpóreo, móvel ou imóvel, pode ser definido
como produto. Porém, não se pode esquecer que esse bem deve ter a
característica da “consumibilidade”, no sentido de que é sempre vocacionado à
alienação, ou seja dirige-se ao consumidor, seu destinatário final.
A crítica apresentada pela doutrina é que melhor seria a referência
legal à expressão “bens” – termo mais preciso e abrangente – do que a
“produtos”, palavra de acepção mais restrita. Ao encontro desse entendimento,
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho14 lembram ainda que essa
última expressão pode ter significado dúbio, na medida em que também pode
expressar espécie de bem acessório, definido como uma utilidade não
renovável que a coisa principal produz, e cuja percepção diminui a sua
substância.
De acordo com o preceituado, pode-se citar inúmeros exemplos de
produtos, circuláveis no mercado de consumo, desde o alimento que nos
14 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op.cit. p. 283. No mesmo sentido: FILOMENO, José Geraldo. op. cit. p. 55.
22
sustenta, passando por nossas roupas, nosso veículo, e o apartamento que
compramos, sem esquecer de que a aquisição dos referidos bens é feita pelo
destinatário final, o consumidor.
Não somente é amplo o conceito de produto, como também a
compreensão de serviço é vastíssima, conforme estabelece o § 2º, do art. 3º,
do CDC:
“§ 2°. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado
de consumo, mediante remuneração, inclusive as de
natureza bancária, financeira, de crédito e securitária,
salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.
O alcance do conceito é demasiadamente amplo, para atingir todo e
qualquer tipo de serviço realizado no mercado de consumo, desde que
contratado mediante remuneração (paga pelo consumidor), incluindo-se, por
expressa determinação legal, as atividades de natureza bancária, financeira, de
crédito e securitária, ressalvando-se, apenas, as relações empregatícias.
Sobre o tema, interessantes as palavras de Arruda Alvim15:
“Tal opção de política legislativa revela a preocupação de
não dar azo a divergente exegese, que pudesse vir a
excluir do conceito geral atividades de grande
movimentação de consumo, como as relacionadas,
notadamente aos bancos, e as seguradoras, sejam
públicos ou privados”.
15 ALVIM, Arruda et all. Código de defesa do consumidor comentado. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 40.
23
As atividades exercidas pelas instituições financeiras na prestação de
serviços aos seus clientes ou na concessão de mútuos ou financiamentos para
a aquisição de bens, estão inseridas nesse conceito.
Quanto às instituições bancárias e financeiras, dispõe a Súmula 297 do
Superior Tribunal de Justiça:
“Súmula 297: O Código de Defesa do Consumidor é
aplicável às instituições financeiras”.
Após mais de 20 (vinte) anos de vigência do CDC, ainda existem
instituições bancárias e financeiras que postulam sua exclusão dessa relação
de consumo. Todavia, o Colendo Supremo Tribunal Federal, julgou
improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2591, ajuizada pela
Confederação Nacional do Sistema Financeiro, cujo acórdão foi publicado em
29/09/2006, com a seguinte ementa:
“CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o,
XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88.
INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS
DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO
DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS
OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA
EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA
ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA
DE JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO
BRASIL. SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. 1. As
instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela
incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa
do Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do
Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física
ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade
bancária, financeira e de crédito. 3. O preceito veiculado
pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor
24
deve ser interpretado em coerência com a Constituição, o
que importa em que o custo das operações ativas e a
remuneração das operações passivas praticadas por
instituições financeiras na exploração da intermediação
de dinheiro na economia estejam excluídas da sua
abrangência. 4. Ao Conselho Monetário Nacional
incumbe a fixação, desde a perspectiva macroeconômica,
da taxa base de juros praticável no mercado financeiro. 5.
O Banco Central do Brasil está vinculado pelo dever-
poder de fiscalizar as instituições financeiras, em especial
na estipulação contratual das taxas de juros por elas
praticadas no desempenho da intermediação de dinheiro
na economia. 6. Ação direta julgada improcedente,
afastando-se a exegese que submete às normas do
Código de Defesa do Consumidor [Lei n. 8.078/90] a
definição do custo das operações ativas e da
remuneração das operações passivas praticadas por
instituições financeiras no desempenho da intermediação
de dinheiro na economia, sem prejuízo do controle, pelo
Banco Central do Brasil, e do controle e revisão, pelo
Poder Judiciário, nos termos do disposto no Código Civil,
em cada caso, de eventual abusividade, onerosidade
excessiva ou outras distorções na composição contratual
da taxa de juros. ART. 192, DA CB/88. NORMA-
OBJETIVO. EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR
EXCLUSIVAMENTE PARA A REGULAMENTAÇÃO DO
SISTEMA FINANCEIRO. 7. O preceito veiculado pelo art.
192 da Constituição do Brasil consubstancia norma-
objetivo que estabelece os fins a serem perseguidos pelo
sistema financeiro nacional, a promoção do
desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos
interesses da coletividade. 8. A exigência de lei
complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição
abrange exclusivamente a regulamentação da estrutura
do sistema financeiro. CONSELHO MONETÁRIO
25
NACIONAL. ART. 4º, VIII, DA LEI N. 4.595/64.
CAPACIDADE NORMATIVA ATINENTE À
CONSTITUIÇÃO, FUNCIONAMENTO E FISCALIZAÇÃO
DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ILEGALIDADE DE
RESOLUÇÕES QUE EXCEDEM ESSA MATÉRIA. 9. O
Conselho Monetário Nacional é titular de capacidade
normativa --- a chamada capacidade normativa de
conjuntura --- no exercício da qual lhe incumbe regular,
além da constituição e fiscalização, o funcionamento das
instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas
atividades no plano do sistema financeiro. 10. Tudo o
quanto exceda esse desempenho não pode ser objeto de
regulação por ato normativo produzido pelo Conselho
Monetário Nacional. 11. A produção de atos normativos
pelo Conselho Monetário Nacional, quando não
respeitem ao funcionamento das instituições financeiras,
é abusiva, consubstanciando afronta à legalidade”.
Foram opostos Embargos de Declaração pelo Amicus Curiae e pelo
Procurador-Geral da República, entretanto, decidiu o Pretório Excelso pela
improcedência da Ação.
No conceito de serviço, exige a lei que seja remunerado, para a
incidência das normas do CDC.
Para o serviço ser considerado não-remunerado, é necessário que não
haja remuneração direta ou indireta. No mercado de consumo, quase tudo tem
um custo, e esse acaba sendo repassado direta ou indiretamente ao
consumidor.
Para estar diante de um serviço prestado sem remuneração, será
necessário que, de fato, o prestador do serviço não tenha, de maneira alguma,
se ressarcido de seus custos, ou que, em função da natureza da prestação do
serviço, não tenha cobrado o preço.
26
Salienta Luiz Antonio Rizzato16 Nunes que por isso é que se pode e
deve classificar remuneração como repasse de custos direta ou indiretamente
cobrados. No que respeita à cobrança indireta, inclusive, destaque-se que ela
pode nem estar ligada ao consumidor beneficiário da suposta “gratuidade”.
Ainda é se suma importância destacar, segundo Antônio Herman
Benjamin17, que os serviços públicos prestados em obediência a uma tarifa,
incluem-se entre aqueles regulados pela lei de defesa do consumidor, tais
como: energia elétrica, água, esgoto, limpeza pública, e podem ser prestados
diretamente pelo poder público ou por concessionárias.
Por derradeiro, a exclusão, na parte final do dispositivo, das atividades
“decorrentes das relações de caráter trabalhista” se justifica pelo fato de que
elas são disciplinadas por regras próprias, nada impedindo, porém, a sua
aplicação subsidiária, naquilo em que não for incompatível com os princípios do
Direito do Trabalho, conforme ensina Pablo Stolze Gagliano.18
16 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. ibid. p. 100. 17 BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 173. 18 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo.op.cit. p. 288-289..
27
CAPÍTULO IlI
3.0 – Espécies de Responsabilidade Civil no Código de Defesa
do Consumidor
3.1- Responsabilidades do Fornecedor por Vício do Produto e
do Serviço
Haverá responsabilidade solidária do fornecedor de produtos de
consumo duráveis ou não duráveis pelos vícios de qualidade ou quantidade
que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou
lhes diminua o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com
as indicações constantes do recipiente da embalagem, rotulagem ou
mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza,
podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. É assim que
dispõe o artigo 18 da Lei 8.078/90.
Desse modo, conforme dispõe o artigo 18 do CDC, é possível que, no
caso de vício de qualidade na entrega de um produto, o consumidor peça ao
juiz a substituição do produto ou a substituição das partes viciadas – embora
também possa requerer a restituição da quantia paga ou o abatimento
proporcional do preço. Quanto ao pedido de substituição das partes viciadas, o
consumidor deverá ter solicitado anteriormente essa substituição diretamente
ao fornecedor, não sendo, obviamente, atendido.
Sendo assim, percebe-se que o pedido de substituição do produto não
está na responsabilidade pelo dano, mas sim na própria responsabilidade
derivada da garantia de qualidade ínsita à obrigação. Porém, o fundamento do
pedido de substituição do produto e das partes viciadas é o mesmo, de modo
que, nesses casos, não há de se pensar em dano ou em culpa.
28
3.1.2 - Excludentes de Responsabilidade do Fornecedor
Como dito alhures, a responsabilidade civil do fornecedor será sempre
objetiva, com exceção da responsabilidade civil dos profissionais liberais,
bastando ao consumidor, unicamente, demonstrar o dano e o nexo de
causalidade a fim de ensejar o direito à reparação.
Todavia, mesmo sendo de natureza objetiva a responsabilidade do
fornecedor, não resulta a mesma da simples demonstração do nexo causal
entre a utilização do produto e o dano provocado. Ocorre que, no intermédio
destes dois requisitos, deverá interpor-se um “defeito” do produto. Portanto,
não transformando o fornecedor num mero assegurador do produto.
Desse modo, segundo o artigo 12, § 3° do CDC, poderá o fornecedor
produzir prova liberatória nos moldes estabelecidos pela referida norma, ou
seja, provando o mesmo: a não colocação do produto no mercado, a
inexistência do defeito ou a culpa pelo evento ser exclusiva do consumidor ou
de terceiro.
3.2 - A Responsabilidade Civil dos Profissionais Liberais
No que concerne à responsabilidade civil pelo fato do serviço, o Código
de Defesa do Consumidor ressalva a situação dos profissionais liberais que,
nos termos do § 4º, do art. 14, somente respondem com fundamento na culpa
profissional.
Assim dispõe o art. 14, §4º, do CDC:
“§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais
liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho tecem que o
problema instigante diz respeito à intelecção do parágrafo único do art. 927 do
29
CC, que considera objetiva a atividade desenvolvida pelos empreendedores de
atividade de risco. Entretanto, há controvérsias sobre o assunto.
A doutrina é majoritária no sentido de que a responsabilidade civil dos
profissionais liberais continua de natureza subjetiva (culposa), por força de se
considerar o CDC Lei Especial em face do Código Civil.
Nas obrigações de meio a responsabilidade civil é subjetiva, com fulcro
no art. 14, §4º. Nesse sentido, decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
“1. Indenização por danos materiais e morais. Relação
de consumo. Alegado erro médico. Procedência. - 2.
Preliminar de ilegitimidade passiva e denunciação da lide
rejeitadas. Matéria preclusa. - 3. Cirurgia de ex-tração de
pedra dos rins e que ensejou a retirada do órgão
(nefrectomia). - 4. Obrigação de meio e não de resultado.
Responsabilidade médica de cunho subjetivo.
Inteligência do art. 14, § 4º, CDC. 5. Sentença de
procedência baseada, apenas, em assertiva da autora de
que os médicos eram inexperientes. - 6. Conjunto
probatório que leva a concluir pela ocorrência de
iatrogenia, ressalvado que a vida da autora, acometida de
forte hemorragia durante o ato cirúrgico, foi salva pela
intervenção dos médicos que a assistiam e que ela não
reclama de qualquer seqüela advinda da cirurgia. 5.
Provimento do recurso, para julgar improcedente o
pedido”.
Apelação n° 0066541-37.2005.8.19.0001 – N° Antigo:
(2009.001.67531) - Des. Paulo Maurício Pereira –
Julgado: 23.02.2010 – 4ª CC/ TJRJ
30
Entretanto, tratando se cirurgias plásticas embelezadoras, a
responsabilidade do cirurgião passa a ser objetiva, com obrigação de resultado,
conforme demonstra o recente julgado do Tribunal do Rio de Janeiro:
“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS,
MORAIS E ESTÉTICOS. ERRO MÉDICO. CIRURGIA
PARA COLOCAÇÃO DE PRÓTESES MAMÁRIAS.
REJEIÇÃO DO AGRAVO RETIDO. OBRIGAÇÃO DE
RESULTADO. RESULTADO INSATISFATÓRIO. DANO
MATERIAL CARACTERIZADO. DANO MORAL E DANO
ESTÉTICO AFASTADOS. PERÍCIA QUE ATESTA A
OCORRÊNCIA DE ENCAPSULAMENTO DA MAMA
ESQUERDA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA
CARACTERIZADA. - Rejeita-se o agravo retido interposto
em face de decisão que indeferiu requerimento de
produção de prova oral, porquanto sendo o juiz o
destinatário das provas, cabe a ele a aferição daquelas
necessárias à formação de seu convencimento sobre os
fatos alegados pelas partes com vistas ao deslinde da
causa, na forma do disposto no art. 130 do Código de
Processo Civil.- A responsabilidade civil do
profissional liberal, na forma do artigo 14, § 4º do
estatuto consumerista, é subjetiva, requerendo a
demonstração de culpa para a produção do dano. In
casu, não há dúvidas de que se trata de cirurgia estética,
a importar na existência de uma obrigação de resultado,
comprometendo-se o profissional a proporcionar ao
paciente o resultado por ele esperado. A caracterização
da obrigação como de resultado, inverte o ônus da prova
quanto à culpa, que será presumida, cabendo ao médico
elidir essa presunção mediante prova da ocorrência de
circunstância capaz de afastar o seu dever de indenizar.-
As provas carreadas aos autos não deixam dúvida de
31
que o resultado da cirurgia não foi satisfatório. O fato dele
decorrer de um quadro de retração capsular, que, nas
palavras do expert do juízo, constitui "comportamento
reacional atípico do organismo das pacientes, devido à
presença das próteses de silicone", não basta para
excluir a responsabilidade do réu, a despeito de haver a
cirurgia transcorrido dentro dos padrões preconizados
pela técnica e tática cirúrgica.Tendo o réu ciência do
problema apresentado pela paciente em cirurgia anterior
e sendo comum a ocorrência de tal reação em plásticas
estéticas, como informou o perito, não pretendendo o
médico assumir os riscos da cirurgia, deveria haver
recusado a sua realização ou, então, informado à autora,
em detalhes, os eventuais efeitos adversos, obtendo o
seu consentimento para a realização do procedimento a
despeito da possibilidade de contratura capsular. Não
havendo tomado tais cuidados, somente poderia eximir-
se o réu de sua responsabilidade se provasse a
ocorrência de fato imponderável, que não pudesse
prever. No que diz respeito aos danos materiais, faz jus a
autora tão somente ao ressarcimento dos custos para
realização de nova cirurgia. Quanto aos danos morais e
estéticos, não se encontram configurados. Não se infere
dos fatos narrados e demonstrados nos autos situação
que constitua vexame, angústia ou aflição, a ponto de
romper o equilíbrio psicológico da autora, que já havia
apresentado o mesmo problema em cirurgia anterior,
assim como não se pode falar que a autora conviva com
deformidade que lhe acarrete repulsa ou repugnância,
vez que já se submeteu a cirurgia posteriormente, que
minorou as conseqüências daquela realizada pelo réu,
cujos custos serão ressarcidos na presente demanda.
PROVIMENTO DO RECURSO PARA JULGAR
PROCEDENTE APENAS O PEDIDO DE INDENIZAÇÃO
POR DANO MATERIAL, RECONHECENDO A
32
SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA”.
Apelação n° 0068247-89.2004.8.19.0001 – N° Antigo:
(2009.001.34896) - Desembargador CARLOS SANTOS
DE OLIVEIRA - Julgado: 04/08/2009 – 9ª CC/ TJRJ.
Desse modo, via de regra, a responsabilidade dos médicos e
advogados é subjetiva, dependendo da existência de culpa. Todavia, tratando-
se de cirurgias plásticas embelezadoras, onde se faz necessário que ocorra um
bom resultado, a responsabilidade dos médicos será objetiva. No mais, os
profissionais liberais se submetem, integralmente, ao traçado pelo Código de
Defesa do Consumidor.
Assim, por profissional liberal se entende que é o prestador de serviço
solitário, que faz do seu conhecimento uma ferramenta de sobrevivência. É o
médico, o engenheiro, o arquiteto, o dentista, o advogado. Trata-se, por outro
lado, de categorias em franco declínio, na exata proporção em que, mais e
mais, tais profissionais tendem a se agrupar em torno de empresas prestadoras
de serviços: os hospitais, os grupos de saúde, as empresas de engenharia e de
consultoria, as sociedades de advogados.
A exceção aplica-se, por conseguinte, apenas ao próprio profissional
liberal, não se estendendo às pessoas jurídicas que integre ou para as quais
preste serviço. O CDC é claro ao asseverar que só para a “responsabilidade
pessoal” dos profissionais liberais é que se utiliza o sistema alicerçado em
culpa. Logo, se o médico trabalhar para um hospital, responderá ele apenas
por culpa, enquanto a responsabilidade civil do hospital será apurada
objetivamente.
Havendo responsabilidade civil objetiva de estabelecimento hospitalar
e de clínica de saúde, por ato próprio, com fundamento na teoria do risco (art.
33
14 do CDC), devem mencionadas entidades responder por qualquer evento
danoso contrário à incolumidade física dos seus pacientes.
Por fim, a norma excepcional isenta do standard de responsabilidade
objetiva tão só o próprio serviço prestado pelo profissional liberal. Continuam
respondendo objetivamente os fornecedores dos produtos e serviços utilizados
pelo profissional liberal. Qualquer defeito em um deles sujeitará o seu
fornecedor (desde que não seja profissional liberal) à responsabilidade objetiva.
34
CAPÍTULO IV
4.0 – Inversão do Ônus da Prova
Existe uma interação e complementaridade entre as normas do CDC,
do CPC e da Lei n° 7.347/85, com aplicação destas duas últimas levando-se
em consideração os preceitos lógicos do CDC, ainda que não contrariem as
disposições protecionistas do consumidor.
É certo que os dois pólos da relação de consumo (consumidor/
fornecedor) são compostos por partes desiguais em ordem técnica e
econômica, visto que o fornecedor possui, via de regra, a técnica da produção
que vai de acordo com seus interesses e o poder econômico superior ao
consumidor. A vulnerabilidade do consumidor é patente, e a sua proteção como
garantia é uma conseqüência da evolução jurídica pela qual passamos.
A inversão do ônus da prova como um direito básico do consumidor e
as demais normas que o protege não ofendem a isonomia das partes. Ao
contrário, é um instrumento processual com vistas a impedir o desequilíbrio da
relação jurídica.
A regra do ônus da prova esculpida no CPC é rígida. O juiz pode
aplicar a inversão do ônus da prova em favor do consumidor desde que
preenchidos um dos requisitos esposados no artigo 6°, VIII do CDC, como
objetivo de equilibrar a relação processual.
Uma vez constatados um desses requisitos, o juiz deve inverter o ônus,
pois não é uma faculdade sua, é um direito do consumidor para facilitar a
defesa de seus interesses. Isto não significa que sempre terá a inversão do
ônus, pois o fornecedor vai ter oportunidade de contrariar a presunção de
verossimilhança e a constatação da hipossuficiência. A inversão do ônus da
35
prova não é prevista como uma certeza, mas como probabilidade ou aparência
de verdade, possível de ser ilidida por prova em contrário.
As regras para a inversão do ônus da prova só serão aplicadas quando
seus requisitos se fizerem presentes. Caso contrário, é a regra geral do ônus
da prova que é aplicada no julgamento do processo.
36
CONCLUSÃO
O Código de Defesa do Consumidor, tendo surgido pelo clamor de uma
sociedade de produção e consumo massificada e como sendo uma das formas
de intervenção do chamado Estado do bem-estar, inaugurou um admirável
sistema de tutela dos direitos e garantias do consumidor como forma de se
compensar a vulnerabilidade econômica que o marca como participante de
relações sócio-jurídicas de consumo ao lado do titular do capital – o fornecedor.
A responsabilidade do fornecedor, hodiernamente, foge à disciplina do
tradicional Direito Civil. O advento do Novo Código Civil marcou a evolução do
instituto da responsabilidade civil, que ganhou novos contornos na legislação
pátria, na medida em que a responsabilidade baseada na culpa cedeu espaço
para a responsabilidade objetiva. Assim, a reparação de danos independe da
avaliação da conduta do agente imputado.
O regime da responsabilidade civil nas relações de consumo, conforme
vigora atualmente, reflete a relevância do aspecto social e do interesse coletivo
que não devem ser olvidados na atividade empresarial, que destarte, não se
sujeita simplesmente a regras de Direito Privado.
Nesse sentido, a responsabilidade civil objetiva do fornecedor,
enquanto um dos mecanismos jurídicos consagrados pelo novel regime
protetivo, também sinaliza para o compromisso social dos detentores do
capital.
37
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil.
São Paulo: Editora Saraiva, 1984;
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 2ª. Ed. São
Paulo. Malheiros Editores, 1998;
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. 11ª. Ed. Rio de
Janeiro. Editora Forense, 1997;
AGUIA, Dias, op. Cit.; Rui Stoco, op. Cit.
ARAÚJO, Vaneska Donato de (coord.). Responsabilidade civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008;
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 5.ed. São Paulo:
Atlas, 2005;
NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do
Consumidor: direito material (arts. 1º a 54). São Paulo: Saraiva, 2000;
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op.cit.
ALVIM, Arruda et all. Código de defesa do consumidor comentado. 2ª. Ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1995;
BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo
Roscoe. Manual de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007.
38
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 02
AGRADECIMENTO 03
RESUMO 04
SUMÁRIO 05
INTRODUÇÃO 06
CAPÍTULO I
1.0 – Responsabilidade Civil
Objetiva e Subjetiva 08
1.1 – Elementos da
Responsabilidade Civil 10
CAPÍTULO II
2.0 - Da Relação
de Consumo 15
2.1 – Das partes na
Relação de Consumo 16
2.1.1 – O Consumidor 16
2.1.2 – O Fornecedor 18
2.2 – Objetos da Relação
de Consumo 21
2.2.1 – Produto ou Serviço 21
CAPÍTULO III
3.0 – Espécies de Responsabilidade Civil
no Código de Defesa do Consumidor 27
3.1 – Responsabilidade do Fornecedor
por vício do produto e do serviço 27
3.1.2 – Excludentes de Responsabilidade
39
do Fornecedor 28
3.2 – A Responsabilidade Civil
dos Profissionais Liberais 28
CAPÍTULO IV
4.0 - A Inversão do
Ônus da Prova 34
CONCLUSÃO 36
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 37
ÍNDICE 38
40
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES - IAV
Título da Monografia: A RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE
CONSUMO
Autor: NATALIA CAROLINE TARSITANO
Data da entrega: 27/01/2011
Avaliada por: Prof. Ivan Garcia Conceito: