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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
Escola da Ponte: uma visão inovadora na educação
Por: Verônica Reis da Silva
Orientador
Profª. Flavia Cavalcanti
Rio de Janeiro
2012
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
ESCOLA DA PONTE: UMA VISÃO INOVADORA NA EDUCAÇÃO
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de especialista em Orientação Educacional e
Pedagógica
Por: Verônica Reis da Silva
3
AGRADECIMENTOS
A minha mãe e aos meus amigos que
sempre me incentivaram a continuar os
estudos.
4
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho ao meu marido e a
minha filha, por todo o amor e apoio
incondicional aos meus projetos.
5
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo desvelar os princípios democráticos e a
organização da aprendizagem e doa espaços da Escola da Ponte. Enquanto
escola pública trabalha com uma metodologia diferenciada, baseando-se em
um projeto político pedagógico inovador. A experiência de se trabalhar em
espaços coletivos com grupos heterogêneos, permite aos professores
abandonarem a monodocência exercendo uma prática pedagógica solidária. A
proposta de uma educação igualitária, em que o aluno assume seu papel de
sujeito ativo no processo educativo com responsabilidade e autonomia,
elaborando seus planos de estudo por meio de aprendizagens significativas e
integradoras, constitui uma possibilidade do exercício da cidadania na prática
escolar. Foi possível constatar o impacto de uma escola democrática com
capacidade de organização em torno de um projeto pedagógico reunindo
alunos, professores e pais num trabalho em conjunto envolvendo um
aprendizado mútuo de cooperação e senso crítico, confrontando-se com a
ideologia dominante e constituindo um espaço inspirador de intervenção
educacional, social e político a ser observado.
6
METODOLOGIA
Os métodos que levam ao problema proposto, como leitura de livros, o
site concernente à Escola da Ponte, entrevista com dois alunos da escola em
questão e por meio da observação com a coleta de dados, pesquisa
bibliográfica e pesquisa de campo com a visita realizada na escola em janeiro
de 2010.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - Relato da Visita, História e Organização da 11
Escola da Ponte
CAPÍTULO II - A Prática da aprendizagem como um processo 32
intencional e transformador
CAPÍTULO III – O Orientador Educacional e Pedagógico 52
Escola da Ponte: a relevância das relações democráticas no cotidiano
escolar CONCLUSÃO 67
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 71
ÍNDICE 73
FOLHA DE AVALIAÇÃO 74
8
INTRODUÇÃO
Este trabalho de pesquisa possui o título: Escola da Ponte: uma visão
inovadora na educação. Rubem Alves foi à porta de entrada para despertar
meu desejo de conhecer a Escola da Ponte. A partir do livro “A escola que
sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir” descobri uma forma de
aprendizagem baseada numa educação democrática, em que todos se reúnem
com o objetivo: aprender, crescer e trocar experiências.
Em outubro de 2009 enviei um e-mail para a Escola da Ponte
solicitando a visita que foi agendada para os dias 25 e 26 de janeiro de 2010.
A Escola da Ponte é uma escola pública localizada no norte de
Portugal, em Vila das Aves e no começo se caracterizava por uma organização
escolar baseada na repetição, vivenciando problemas existentes em muitas
realidades do mundo. Em 1976, desejando uma mudança estabeleceu uma
ruptura com a forma tradicional de ensino, encontrando outra forma de pensar
a educação. A Escola da Ponte é uma instituição de ensino idealizada pelo
educador José Pacheco, o qual iniciou um projeto em que estudantes
aprendem sem salas divididas por turmas ou disciplinas, compartilhando
valores e unidos num mesmo interesse.
No decorrer deste trabalho utilizarei a denominação Ponte como
referência carinhosa que os portugueses fazem à escola. Esta é a única escola
da rede pública do mundo com um Contrato de Autonomia assinado com o
Ministério da Educação. Obedece ao projeto político pedagógico da escola,
tendo liberdade de escolha do corpo docente com um trabalho em equipe de
professores empenhados em aprofundar as capacidades dos alunos,
estimulando-os a serem mais autônomos.
O presente estudo pretende revelar alguns dos elementos presentes
numa intervenção político-pedagógica direcionada pela inclusão de todos na
escola pública, baseada em princípios que a fazem realizar um projeto político
inovador. Pretendo esclarecer como ocorre a organização educacional da
Ponte, bem como o papel do professor, do aluno e da família nesse processo
democrático de ensino. Sua forma de educação pode servir de inspiração para
9
muitas escolas brasileiras se basearem numa concepção cidadã de educação,
acreditando que a escola pública pode ser competente, participativa e de
qualidade.
É de fundamental para o enriquecimento desse trabalho se destacar a
importância de alguns autores que defendem uma gestão democrática e a
construção de valores como liberdade, reflexão, cooperação e suas
contribuições pedagógicas para a educação. A fundamentação teórica
apresentada servirá de base para uma análise da Escola da Ponte e o
aprofundamento de questões relevantes para a orientação educacional e
pedagógica.
Utilizarei como referencial teórico para subsidiar esta pesquisa: ALVES
(2008), ELIAS (1997), FREIRE (1996), GADOTTI (2002), GRISPUM (2011),
LIBÂNEO (2009), MOREIRA (1990), PACHECO (2004, 2006 e 2008),
SARMENTO (2004), VASCONCELOS (2004) e VEIGA (2006).
A proposta metodológica para este estudo é a pesquisa bibliográfica, a
análise do Projeto Educativo da Escola da Ponte, seu regimento Interno e o
Contrato de Autonomia, com o registro das observações acerca das
observações acerca do trabalho desenvolvido pela escola, e entrevista com os
alunos Flávia (Consolidação) e Francisco (Iniciação). É uma pesquisa
qualitativa tendo sido realizada nos dias 25 e 26 de janeiro de 2010 uma
pesquisa de campo envolvendo entrevistas com os alunos, observação do
funcionamento da escola com o esclarecimento de dúvidas pertinentes ao
trabalho.
O presente trabalho será estruturado em três capítulos, além da
conclusão. O primeiro capítulo faz uma apresentação com a fundamentação
histórica da Escola da Ponte, descrevendo seu Projeto Educativo e princípios
fundadores, os dispositivos pedagógicos, o Regulamento Interno e a forma de
avaliação da Escola da Ponte. No segundo capítulo abordarei o trabalho
desenvolvido pelos alunos e professores bem como suas vivências e a relação
estabelecida na Escola da Ponte. Por fim, o capítulo 3 consistirá numa
comparação entre a Escola da Ponte e a educação tradicional no Brasil,
apontando algumas características pertinentes a esses dois modelos de
10
educação, destacando a importância das práticas pedagógicas democráticas
na orientação educacional e pedagógica.
Compreendendo a relevância da gestão democrática e participativa na
perspectiva da orientação educacional e pedagógica, procuraremos esclarecer
de que forma a organização da Escola da Ponte poderá contribuir para uma
aprendizagem de qualidade no âmbito educacional.
Não é concebível que a escola ainda hoje continue a perpetuar as
desigualdades adotando um currículo estático, descontextualizado da realidade
dos alunos, sem respeitar o ritmo de aprendizagem de cada pessoa. É
imprescindível abolir com o isolamento da escola e lutar contra essa forma de
organização que aliena e oprime, criando mecanismos que venham promover
a autonomia de todos os envolvidos no espaço escolar.
11
CAPÍTULO I
RELATO DA VISITA, HISTÓRIA E ORGANIZAÇÃO DA
ESCOLA DA PONTE
“O que vi na Escola da Ponte é o conhecimento crescendo a partir das
experiências vividas pelas crianças” (ALVES, 2008, p.49, p.32).
1.1 – Primeiras impressões: um relato da visita à Escola da
Ponte
Ao chegar à Escola da Ponte não havia porteiro, qualquer aluno podia
entrar e sair livremente, pois todos compreendem valores como
responsabilidade, alteridade e têm zelo pelos direitos e deveres. Após a
identificação na secretaria da escola mostrando a confirmação de visita
enviada pela coordenadora pedagógica Ana Moreira teve início a visita.
Imagina-se que um professor ou coordenador fosse apresentar a escola, mas
para surpresa vieram dois alunos: Francisco com 8 anos do Núcleo da
Iniciação e Flávia com 11 anos do Núcleo da Consolidação. Explicaram com
clareza de detalhes o projeto pedagógico, demonstrando amor pelo local que
estudavam e não estavam ali para vender um produto, eram estudantes que
transbordavam alegria e admiração pela escola que transmitia valores
importantes para suas vidas. Falavam com carinho dos outros colegas e dos
professores. Aquela não era mais uma instituição como tantas outras que
conhecemos: professores e alunos são vistos como iguais, fazendo parte de
um mesmo grupo.
A aparência da escola é um tanto surpreendente, parecida com as
escolas públicas brasileiras em sua estrutura, desprovida de beleza exterior.
Por outro lado, esconde uma riqueza educacional na sua forma de organizar o
seu funcionamento. Na entrada do prédio estão diversos quadros de avisos
12
contendo os Direitos e Deveres dos Visitantes, os Direitos e Deveres da Escola
da Ponte, convocação para a Assembléia, entre outros. Temos o direito de ser
guiados por um aluno durante o período da visitante também temos o dever de
fazer o máximo de silêncio possível em cada espaço. O objetivo é não
atrapalhar a aprendizagem dos alunos. Afinal, são os alunos os maiores
interessados em estudar. Parece estranho? Essa autonomia foi um choque
para os brasileiros que transitavam pela escola. Os alunos desde os seis anos
de idade já conheciam o sentido das palavras competência e objetivo e nas
Assembléias podem expor suas opiniões demonstrando habilidade em suas
posições.
Conhecemos uma realidade diferente da Escola da Ponte nas escolas
tradicionais, nas quais professores se elegem os detentores do saber e os
alunos são eleitos como aqueles desprovidos de conhecimento e que, Por
essa condição devem respeitar o professor sem questioná-lo. Sendo assim, os
alunos seguem os passos transmitidos pelo professor e aquele que se
distancia de sua ideologia é considerado incapaz por não se enquadrar no
modelo tradicional.
Paulo Freire insiste “que ensinar não é transmitir conhecimento, mas
criar possibilidades para sua produção ou construção” (FREIRE, 1996, p.22).
Sendo assim, o professor deve procurar estimular o aluno a construir sua
aprendizagem, instigando-o a pesquisar e a buscar alternativas para que
adquira autonomia para aprender.
Para a Escola da Ponte educar é construir conhecimento com
autonomia, cooperação e afetividade no relacionamento entre as pessoas e os
alunos não são apenas números que constam nas chamadas, que no caso da
Escola da Ponte são desnecessárias, pois há dentro das crianças que lá
convivem o desejo de estar na escola.
Rubem Alves descreve a Escola da Ponte como um espaço no qual
tudo é partilhado, sem campainhas e sem separação por turmas. É um lugar
que não tem espaço para a competição, em que as regras de convivência são
estabelecidas pelos alunos que passam a ter consciência do que pode ou não
ser realizado na escola. “E assim vão as crianças aprendendo as regras de
13
convivência democrática, sem que elas constem de um programa...”
(ALVES, 2008, p.68).
Os trabalhos desenvolvidos ao longo do ano são impossíveis de
prever, dependem da vontade dos alunos e estes escolhem o grupo com que
querem trabalhar, mesmo que estejam alunos de diferentes idades já que os
grupos se organizam a partir de pontos de interesses comuns e não por turmas
ou idades. Crianças de 8 anos compartilham saberes com outras de 11 anos
sem constrangimento e não percebemos a diferença de idades ao observá-las.
Importante destacar que a Escola da Ponte é agrupada por três
Núcleos. A Iniciação possui uma divisão dos demais alunos, pois é o único
grupo homogêneo da escola, composto por crianças pequenas que ainda não
sabem ler e escrever. Elas permanecem por cerca de um ano até terem
condições de elaborarem seus próprios projetos. Numa segunda-feira ao
presenciar o trabalho dos pequenos a partir das notícias do final de semana,
as crianças desenharam figuras que expressavam o que sentiam naquele
momento a respeito da tragédia que devastou o Haiti. Uma menina de 6 anos
relatou que em dezembro de 2009 também experimentaram sensação
parecida em conseqüência de um pequeno tremor enquanto realizavam as
atividades de educação física. A maioria delas conversava sobre os programas
de televisão pelos quais eram transmitidas imagens chocantes de
sobreviventes do terremoto. Depois desenhavam colocavam os nomes em
formato de legenda que serviriam para se recordarem o que haviam escrito.
Rubem Alves descreve a Escola da Ponte como um espaço no qual
tudo é partilhado, sem campainhas e sem separação por turmas. É um lugar
que não tem espaço para a competição, em que as regras de convivência são
estabelecidas pelos alunos que passam a ter consciência do que pode ou não
ser realizado na escola (FREIRE, 1996, p. 17).
No Núcleo da Consolidação em que são realizados planos diários e
quinzenais cada criança é responsável pela construção de um plano realizando
as atividades em grupos tendo a ajuda do professor quando houver
necessidade.
14
O que mais chama a atenção é ouvir música num espaço que os
alunos estão planejando os projetos. A explicação dos alunos é que a música
nos ajuda à concentração durante o exercício das atividades. Um fato
constatado foi perceber que muitos alunos que lá estudam foram rejeitados
pelas outras escolas. Alunos com Síndrome de Down, autismo e paralisia
cerebral são acolhidos, se juntando em grupos de cerca de quatro ou cinco
alunos além do professor que está a disposição. Há um trabalho permanente
dos professores que ajudam esses alunos especiais a realizarem seus planos
individuais e coletivos, descem para o espaço de área aberta e os levam ao
banheiro. Tanto professores como os colegas estão sempre prontos para
esclarecer dúvidas auxiliando-os a superarem as dificuldades.
Há também um outro espaço que faz parte da Escola da Ponte,
localizado em uma rua paralela que é responsável pelo núcleo da
Consolidação. Por ser um local como as escolas pré-fabricadas existentes no
Brasil, não apresentam um aspecto exterior atraente. Tanto o prédio que
contém os núcleos da Iniciação e da Consolidação, quanto o núcleo do
Aprofundamento que fica na rua ao lado, trabalham com a mesma forma de
organização dos espaços de aprendizagem.
No primeiro dia da visita ao deixar meu livro cair no espaço escolar, a
aluna que Flávia estava conduzindo a visita se ofereceu para ajudar a
encontrá-lo. A forma como ela se dirigiu para se comunicar com os outros
alunos foi um tanto inusitada. Ela simplesmente levantou a mão,
demonstrando querer dar uma informação ao grande grupo. As crianças
olhavam atentas para a aluna e após explicar que uma visitante havia perdido
o livro algumas crianças se dirigiram à caixa de “Perdidos e Achados” e
entregaram.
Muitos podem afirmar que o projeto da Ponte é eficaz em função da
cultura européia, ou pelo fato dos valores de Portugal serem muito diferentes
dos vividos no Brasil. Entretanto, a Ponte é estruturada em cima de um Projeto
Político Pedagógico baseado numa gestão democrática da escola em todos os
níveis (alunos, professores e pais), visando à autonomia do aluno em sua
relação com o conhecimento.
15
É possível compreender o significado de ser autônomo com alunos que
aprendem, ensinam, vivem, se divertem, choram e fazem tudo como os
demais, com a diferença de serem elas as responsáveis pelo caminho traçado
na escola. Impossível esquecer uma escola que respira cidadania, valorizando
o diálogo entre professor-aluno e aluno-aluno e na qual todos inclusive
visitantes somos parte do projeto da escola.
Sobre os portões abertos da escola... A cultura escolar que permite o
risco de algum aluno sair, pelo fato de não dispor de porteiro é também
interessante para a comunidade escolar, pois é um voto de confiança dado às
crianças, sendo mais um elemento que leva à reflexão sobre o trabalho
realizado. Ao permitir que seus alunos assumam riscos, a escola amplia o
campo de ação dos alunos e não os limita. Se algum dia acontecer algo que
envolva o fato dos portões estarem abertos, terão que decidir em conjunto
como tudo na escola. Afinal p professor José Pacheco construiu toda escola a
partir da resolução ativa de pequenos problemas que surgem diariamente,
sempre no coletivo por meio de discussões.
Um lugar de chegar, de ficar e de partir. Um lugar onde a liberdade e intencionalmente se chega para (com outros!) fazer crianças mais felizes. Um lugar de onde uns partem para levar sementes de sonho para outros lugares. Um lugar de onde outros partem, discretamente, para deixar que o sonho prossiga. (Entrevista com José Pacheco, 2007, p.4, IDEC, Internet).
1.2 - Apresentação e fundamentação histórica da Escola da
Ponte
A Escola da Ponte é uma escola pública da rede estadual de ensino de
Portugal, sendo conhecida pelos órgãos oficiais de educação como Escola
Integrada São Tomé Negrelos. Esta se diferencia das demais escolas públicas
não só pelo seu projeto pedagógico como pelo contrato de autonomia que
assumiu com o Ministério da Educação que permitiu regularizar seu projeto
educativo dando a garantia de poder contratar livremente seus professores.
16
A origem do nome da escola está descrita no Projeto Político
Pedagógico de 1996 que dispõe “A Escola da Ponte fica situada, como o
topônimo o indica junto a uma das pontes, que desde tempos imemoriais (e
das alpondras) serviu para transpor o rio Vizela”. Vila das Aves está localizada
ao norte de Portugal, pequena cidade caracterizada economicamente pela
produção de vinhos, azeites, carnes, produtos hortifrutigranjeiros e pela
presença da atividade têxtil. Com cerca de 20000 habitantes predomina uma
relação de proximidade entre a comunidade e a escola. (Projeto Pedagógico
Fazer a Ponte, 1976, p.27).
A escola teve sua fundação em 1932 e em nada se parece com o que
vê hoje nos depararmos com uma escola democrática, sendo um exemplo vivo
de como é possível ser diferente por meio de um projeto que envolve toda a
escola e na qual cada indivíduo é considerado único.
O ano de 1976 os professores lidavam com o isolamento físico e
psicológico em salas de aulas, sozinhos com os alunos, com seus livros e os
alunos ao ingressarem na Ponte com uma cultura diferente do contexto que
era introduzido na Escola da Ponte não tinham os problemas sociais dos
bairros pobres em que viviam, demandando dos profissionais da educação
uma atenção em relação aos aspectos afetivos e emocionais por eles
enfrentados (PACHECO, 2008, p.15).
Se os pais eram chamados à escola, pedia-se castigo para o filho ou contributos para reparações urgentes. A escola funcionava num velho edifício contíguo a uma lixeira. Nas paredes, cresciam ervas.Os alunos traziam banco de casa para se sentarem e improvisavammesas. As poucas carteiras com buraco para o tinteiro ameaçavamdesfazer-se. O banheiro estava em ruínas e não tinha porta. Satisfazer as necessidades mais elementares constituía um teste de entreajuda: as alunas lá fora em grupos de cinco, ou seis, fazia-se a parede e a porta num círculo humano em torno da necessitada e voltava-se para dentro... As crianças passavam as férias no abandono da rua a sonhar com uma praia inacessível. E, para lhes mitigar a fome, os professores serviam-lhes uma caneca de leite fervido no fogão que trouxeram de casa... (Entrevista com José Pacheco, 2009, p.2, IDEC, Internet).
17
No que se referia à educação das crianças com necessidades
especiais era mais um desafio na educação. Esses alunos se juntavam aos
outros considerados “normais” por meio de uma gestão diferenciada acerca de
um mesmo currículo. Feito isso, os alunos não interiorizavam sentimentos de
inferioridade. Há mais de 30 anos a Escola da Ponte já adotava essa atitude
integrando-os à comunidade escolar por meio de uma aprendizagem dinâmica.
De acordo com Pacheco no ano de 1984 foi alterada sua construção
passando a ser uma escola de área aberta, no lugar do velho prédio que
existia anteriormente, baseado no modelo de escola conhecido com o nome de
P3 (escola de área aberta) que privilegia a comunicação, libertando os alunos
da rigidez dos espaços tradicionais, resultando num trabalho em equipe
fortalecido pelo diálogo ente professores e alunos e entre os alunos. Toda essa
mudança torna o aluno um ser social capaz de trazer suas experiências ao
contexto escolar. (PACHECO, 2008, p.195)
Sendo assim, por ser uma escola de área aberta a arquitetura da
Escola da Ponte desempenha papel fundamental para que os objetivos do
projeto sejam concretizados. É uma forma de estrutura que permite a
integração entre escola, o meio e a vida de maneira que uma o saber à história
pessoal do aluno. O modelo é de tempo integral com gestão participada do
tempo e do espaço.
José Pacheco relata que em 1976 a Escola da Ponte era igual a tantas
escolas que conhecemos caracterizadas pelo isolamento dos professores,
exclusão dos alunos, violência e falta de reflexão em relação às práticas
escolares. A partir desses problemas existentes houve a necessidade de
interrogar as práticas educativas dominantes em que professores se
encontravam sozinhos, organizando-se em espaços justapostos sem
reconhecerem a experiência sócio-cultural do educando. Descreve o ambiente
escolar como um arquipélago de solidão de professores e alunos, ou seja, um
espaço em que o professor está só com suas angústias e incertezas e os
alunos trabalham de forma competitiva e solitária, sentados para o mesmo lado
uns atrás dos outros (PACHECO, 2008, p.12).
18
Através dos sonhos desse educador chamado José Pacheco, nasceu
o Projeto Fazer a Ponte e a tentativa de integrar cada vez mais as iniciativas
dos membros da comunidade em torno de um bem comum. Ele formou um
pequeno grupo de pais e professores comprometidos com a educação que
desejavam construir uma escola diferente, rompendo com a organização em
classes seriadas e com um envolvimento dos professores num projeto
inovador.
Rubem Alves descreve a Escola da Ponte como um lugar mágico e de
sonhos, no qual o aluno sente prazer em estudar e sabe o verdadeiro sentido
das palavras autonomia, responsabilidade e cidadania. Através da metáfora do
“Pinóquio ao Contrário”, modifica a história que é conhecida por se tratar de
um boneco de pau que se transforma em uma criança de carne e osso,
fazendo uma comparação à educação em que a situação é invertida. As
crianças seriam os Pinóquios que vão para a escola alegres e são
transformadas em bonecos de pau. Vemos que o aluno ao entrar no colégio
tradicional não é o mesmo ao longo de um tempo, pois vai sendo castrado aos
poucos. Retiram-lhe toda a emoção tornando-se pessoas sem liberdade e sem
vida. “... a escola transforma num adulto de madeira, rígido e triste como o
Pinóquio” (ALVES, 2008, p.26).
Alves (2008) entende que as escolas seguem modelos das fábricas
que trabalham segundo o “modelo das linhas de montagem”, atendendo à
lógica do mercado. A característica das linhas de montagem é que tudo ocorre
seguindo um programa previsto anteriormente. As escolas seriam fábricas e os
alunos produtos, adotando um modelo padronizado que segue uma sequência
linear. A posição do autor em relação à concepção do ensino tradicional ao se
referir À produção em linha de montagem é de fácil compreensão.
Abandonar esse modelo de linha de montagem e andando mais para trás tomar o modelo medieval da oficina do artesão como modelo para a escola. O mestre-artesão não determinava como deveria ser o objeto a ser produzido pelo aprendiz. Os aprendizes, todos juntos, iam fazendo cada um a sua coisa. Eles não tinham de produzir um objeto ideal escolhido pelo mestre. O mestre ficava andando pela oficina, dando uma sugestão aqui, outra ali, mostrando o que não
19
ficara bem, mostrando o que fazer para ficar melhor (modelo maravilhoso de avaliação). Trabalho duro, fazer e refazer. Mas os aprendizes trabalham sem que seja preciso que alguém lhes diga que devam trabalhar (ALVES, 2008, p.37).
É essa “escola artesã” que a Escola da Ponte defende, apreciando o
que cada um tem de diferente por meio do que Rubem Alves chama de
trabalho artesanal, valorizando as qualidades de cada aluno como pessoas
com suas singularidades. Ao contrário do que observamos no sistema de linha
de montagem que não se preocupa com o aluno que é incapaz de criar e de
buscar o novo, precisando acompanhar modelos e rotinas de forma rígida.
A escola seriada é constituída de forma linear e os conteúdos são
estabelecidos por disciplinas. Os professores considerados seres superiores
conduzindo as salas de aulas numa “educação bancária” depositando o
conteúdo no aluno.
Foi preciso alterar a organização da Escola da Ponte, valorizando a
cidadania, a democracia e o diálogo desejosos por uma educação capaz de
trazer às pessoas felicidade e prazer em relação à aprendizagem.
1.3- Projeto Educativo da Escola da Ponte e seus princípios
fundadores
O projeto pedagógico existe desde o ano de 1976 e surgiu em virtude
de diversos problemas, entre eles podemos citar: a falta de diálogo entre a
escola e a comunidade, o isolamento dos professores dentro da escola,
indisciplina dos alunos, violência escolar e ausência de um projeto adequado
ao contexto escolar.
A partir de uma postura que se opõe à escola da repetição, desprovida
de sentido, a Escola da Ponte repensou acerca do seu trabalho escolar,
voltando-se para uma educação na cidadania. Através de um projeto educativo
baseado na gestão democrática expressou uma nova forma de gerir a
organização do trabalho pedagógico evitando a fragmentação pedagógica e
eliminando o a centralização e autoritarismo na escola.
20
Por ter escolhido o modelo de educação em tempo integral, não
havendo turnos separados, a Escola da Ponte possibilita a organização dos
tempos sem uma quebra no planejamento das atividades.
A riqueza da arquitetura da Ponte está no fato dos espaços serem bem
mais amplos do que as nossas salas de aulas brasileiras, permitindo que tenha
várias estantes disponíveis com vários materiais necessários para o trabalho,
contendo mesas e cadeiras organizadas em grupo. Não há mais uma
organização por séries ou turmas Quando são avaliadas com base nos
objetivos do aluno, e comprovam estar aptas mudam de um Núcleo para outro.
O marco regulatório da Escola da Ponte ao tratar dos valores matriciais
do projeto nos itens 1 e 2 contidos no Projeto Educativo, dispõem:
É através de uma equipe coesa e solidária e uma intencionalidade educativa claramente reconhecida e assumida por todos (alunos, pais, profissionais de educação e demais agentes educativos) são os principais ingredientes de um projecto capaz de sustentar uma ação educativa coerente e eficaz. A intencionalidade educativa que serve de referencial ao Projecto Fazer a Ponte orienta-se no sentido da formação de pessoas e cidadãos cada vez mais cultos, autônomos, responsáveis e solidários e democraticamente comprometidos na construção de um destino colectivo e de um projecto de solidariedade que potenciem a afirmação das mais nobres e elevadas qualidades de cada ser humano (Projecto Educativo, itens 1 e 2, p.2).
O projeto da Escola da Ponte implica numa organização baseada
numa relação da equipe educativa (pais, professores, alunos) pautada na
reflexão das práticas educacionais. Sendo elaborado através da reflexão no
coletivo promove alguns valores essenciais ao projeto: a autonomia, a
solidariedade, a responsabilidade, a democracia, respeito à capacidade criativa
e inventiva das crianças.
Segundo VASCONCELOS (2004) o conceito de projeto político
pedagógico consiste num documento facilitador para a organização das
atividades escolares:
É o plano global da instituição. Pode ser entendido como a sistematização, nunca definitiva, de um processo de
21
Planejamento Participativo, que se aperfeiçoa e se concretiza na caminhada, que se quer realizar. É um instrumento teórico-metodológico para a intervenção da mudança da realidade. É um elemento de organização e integração da atividade prática da instituição neste processo de transformação (VASCONCELOS, 2004, p.169).
No momento que a Escola da Ponte observou que havia a
necessidade de mudar as práticas educativas que já estavam ultrapassadas
construiu o seu Projeto Educativo caracterizado pela participação coletiva na
reflexão crítica do cotidiano escolar. Possui uma gestão democrática, contando
com uma permanente observação da prática educativa, que está sujeita a
constantes modificações pautadas na realidade escolar que não é estática e
precisa ser revista e atualizada.
Pode-se destacar como ponto fundamental para compreensão acerca
da finalidade do projeto político pedagógico a conceituação de VEIGA (2006)
que aponta a necessidade e importância da discussão coletiva sobre a
educação:
O projeto pedagógico aponta um rumo, uma direção, um sentido explícito para um compromisso estabelecido coletivamente. O projeto pedagógico, ao se constituir em processo participativo de decisões, preocupa-se em instaurar uma forma de organização do trabalho pedagógico que desvele os conflitos e as contradições, buscando eliminar as relações competitivas, corporativas e autoritárias, rompendo com a rotina do mando pessoal e racionalizado da burocracia e permitindo as relações horizontais no interior da escola. (VEIGA, 2006, p.13)
Rubem Alves (2008) menciona o projeto educativo da Escola da Ponte
como uma práxis de educação na cidadania.
Mais do que um projeto de educação para a cidadania, o que verdadeiramente distingue a Escola da Ponte é uma práxis de educação na cidadania. Essa clarificação é verdadeiramente fundamental para entender o que se passa na Ponte. O sentimento profundamente enraigado no indivíduo de pertença a uma comunidade e a consciência que dele decorre dos direitos e deveres que nos ligam aos outros não se aprendem nas cartilhas ou nos manuais de civilismos, mas na experiência cotidiana de relacionamento e colaboração com os que estão
22
mais próximos de nós. O civismo não se ensina e não se aprende – simplesmente (como diria o publicitário Fernando Pessoa) “estranha-se”, isto é, pratica-se no dia-a-dia de uma forma permanente, consistente e coerente. E é na prática do civismo que resultam a aprendizagem e a consciência da cidadania. Há muito que a Ponte o percebeu – e que age em conformidade (ALVES, 2008, p.15).
Sendo assim, é um processo que parte do aluno se relacionando à
comunidade contando também com a participação dos pais em prol de um
objetivo comum: uma educação na cidadania. A escola dá aos pais o direito de
escolher o projeto educativo que considerem apropriados à formação dos seus
filhos, sendo concedido o direito de propor aos pais, interessados e à
comunidade o projeto educativo adequado à formação integral dos alunos,
conforme os Princípios Fundadores que descrevem os valores matriciais do
projeto (Projecto Educativo, item 4, p.2).
Na Escola da Ponte é o próprio aluno que gere a organização do seu
trabalho, definindo suas áreas de interesse, programa seus conteúdos,
desenvolve seu itinerário de aprendizado por meio de projetos de pesquisa
individuais e em grupo. Isso faz com que ele se reconheça como integrando o
projeto e sendo sujeito responsável por sua aprendizagem. Desde cedo,
aprendem a conviver de forma cooperativa, longe de atitudes competitivas já
que o aprendizado é resultado de uma convivência democrática orientando
todas as atividades.
O Projeto Educativo na descrição sobre os alunos dispõe acerca
destes da seguinte forma:
As necessidades individuais e específicas de cada aluno deverão ser atendidas singularmente, já que as características singulares de cada aluno implicam formas próprias de apreensão da realidade. Nesse sentido, todo o aluno tem necessidades educativas especiais, manifestando-se em formas de aprendizagem sociais e cognitivas diversas. (Projecto Educativo, item 9, p.3).
Como foi exposto anteriormente, a escola entende que todas as
pessoas possuem necessidades educativas no sentido que cada um aprende a
realidade de uma forma particular e por essa razão o aluno é visto como centro
23
do processo educacional, sendo considerado único. A forma de aprendizagem
não é a mesma para todos, pois cada um vai buscar seu percurso escolar
escolhendo o tutor que irá orientar e apoiar no que for necessário.
Dessa forma, cada criança é considerada única na sua individualidade
e vai se relacionando com os demais alunos e com os professores. Todos
possuem necessidades educativas especiais a partir do momento que cada um
deve ter uma forma própria de construir a aprendizagem que ocorre na troca
de informações. Como cada aluno é único há necessidade da gestão do
currículo ser feita de acordo com o percurso escolar de cada um, não deixando
de observar as competências e atitudes que devem ser desenvolvidas.
O currículo desenvolvido na Ponte é o currículo nacional, sendo assim,
todas as crianças aprendem todo conteúdo ensinado nas demais escolas
portuguesas, com um diferencial que é uma educação na cidadania, baseada
nos afetos e em novas tecnologias.
O Regulamento Interno da Escola da Ponte no título Articulação
Curricular aborda cinco dimensões que precisam ser compreendidas pelos
alunos, além do domínio tecnológico, do domínio afetivo e emocional que
também deve ser apropriado. Há uma gestão mais flexível do currículo
caracterizado por uma educação na cidadania, por meio de trabalhos por
projetos, por meio de uma vivência democrática. A escola não está apenas
centrada no currículo de disciplinas, como também é capaz de identificar os
objetivos da aprendizagem.
Fundamentado no currículo nacional, o currículo objetivo (ou exterior) é
organizado em cinco dimensões: Dimensão Linguística (Língua Portuguesa,
Francês e Alemão), Dimensão Lógico-Matemática (Matemática), Dimensão
Naturalista (Ciências, Estudo do Meio e Físico-Química), Dimensão Identitária
(História e Geografia) e Dimensão Artística (Música, Expressão Plástica,
Educação Visual e Tecnológica, Drama e Educação Física). Já o currículo
interior (ou subjetivo) corresponde a um percurso de desenvolvimento pessoal.
Todo currículo deve estar em consonância com o desenvolvimento afetivo e
emocional dos alunos.
24
A questão de séries, salas e turmas é trabalhada pelos alunos que são
contrários à adoção de conceitos estáticos e tradicionais. Na Ponte não
existem turmas criadas pelos professores, mas sim grupos que incluem alunos
que se unem pelo interesse comum de estarem juntos e a razão que leva os
alunos a estarem reunidos em grupos de estudos é a afetividade existente
entre elas.
Pacheco (2008) descreve que não deseja formar homens moldados
se assemelhando à concepção de Alves (2008) ao analisar as escolas
construídas no modelo das linhas de montagens em que os professores e
alunos são objetos produzidos, seguindo modelos padronizados.
Não queremos formar homens pré-fabricados, mas homens vivos. É por isso que me compete fazer aqui uma reflexão sobre os livros que se usam como manuais escolares. Ao equipararmos aos alunos com o número de livros iguais e semelhantes, para cada disciplina, exigindo a cada um e a todos esta ou aquela matéria, dada a mesma forma, não estamos a respeitar as pessoas das crianças... (PACHECO, 2008, p.128).
Os conteúdos na Escola da Ponte são estruturados de acordo com a
realidade dos alunos para que não gere o desinteresse por parte deles,
entendendo que a realidade é constantemente modificada. Uma vez que o
aluno não se interessa pelos conteúdos, perde o prazer em estudar. Por isso
os alunos escolhem o que deve ser estudado e como pode ser estudado
através da resolução de problemas.
O Projeto Educativo da Escola da Ponte no título “Sobre a Organização
do Trabalho”, no item 34 dispõe acerca da aprendizagem da seguinte forma:
A especificidade e diversidade dos percursos de aprendizagem dos alunos exigem a mobilização e conseqüente disponibilização de materiais de trabalho e recursos educativos capazes de lhes oferecer respostas adequadas e efectivamente especializadas. Assim, não tendo sentido unificar o que à partida é diverso, impõe-se questionar a opção por um único manual, igual para todos, as respostas padronizadas e generalistas pouco fundamentadas e também a criação de guetos, nos quais se encurralam aqueles que, por
25
juízo de alguém, são diferentes. (Projecto Educativo, item 34, p.6).
O professor é chamado de orientador educativo na Escola da Ponte e
tem a função de tutor, estimulando o interesse do aluno e supervisionando
permanentemente o trabalho do aluno, assumindo o papel de mediador entre o
encarregado de educação e a escola. O orientador identifica as dificuldades de
aprendizagem e procura ultrapassar esses empecilhos se organizando de
forma criativa e individualizada. Em oposição ao ensino tradicional o projeto
educativo determina que “o orientador educativo não pode ser mais entendido
como um prático da docência, ou seja, um profissional enredado numa lógica
instrutiva centrada em práticas tradicionais de ensino, que dirige o acesso dos
alunos a um conhecimento codificado e predeterminado” (Projecto Educativo,
item 27, p.5).
O papel do professor é auxiliar os alunos quando necessário, é um
intermediário na aprendizagem, ajudando a resolver os problemas,
estimulando as crianças, uma pessoa que confia em suas potencialidades,
assumindo as tarefas de estímulo e organização.
1.4- A avaliação na Escola da Ponte
No que tange à avaliação é um processo regulador das aprendizagens,
permitindo ao aluno tomar consciência do que já sabe e do que já é capaz. A
avaliação das aprendizagens é realizada quando o aluno se sente preparado e
a auto-avaliação ocorre no momento que sente necessidade de demonstrar o
que aprendeu através das competências e habilidades, acontecendo quando
alguém tem necessidade de expor os conhecimentos adquiridos.
O Projeto Educativo da Escola da Ponte ao tratar da avaliação no
Título “Sobre a relevância do conhecimento e das aprendizagens” entende que
“a avaliação, como processo regulador das aprendizagens, orienta
construtivamente o percurso escolar de cada aluno, permitindo-lhe em cada
momento tomar consciência, pela positiva, do que já sabe e do que já é capaz”
(Projecto Educativo, item 23, p.4).
26
Não se trata da avaliação classificatória no qual os professores aplicam
uma prova para vários alunos no mesmo horário, pois partindo do pressuposto
de que o aluno é autônomo ele tem condições de escolher o período que será
avaliado. No momento que o aluno realiza a avaliação conclui-se que ele se
sente seguro e confiante acerca das competências adquiridas.
No que diz respeito à organização do trabalho pelos alunos o Projeto
Educativo esclarece como ocorre a construção da aprendizagem:
O percurso de aprendizagem do aluno, a avaliação do seu trabalho, assim como os documentos mais relevantes por ele realizados, constarão do processo individual do aluno. Este documento tentará evidenciar a evolução do aluno nas diversas dimensões do percurso escolar (Projecto Educativo, item 37, p.6).
Na Ponte educar é mais do que preparar alunos para fazer exames,
pois significa ajudá-los a entenderem o mundo e realizarem-se como pessoas.
O professor (orientador educativo) provoca nos alunos a compreensão dos
porquês e para quês, num processo de reflexão crítica.
Na visão de Paulo Freire a educação tem a função de ensinar a
“pensar certo”, através da transformação da curiosidade ingênua em
epistemológica. Além de libertar os alunos do tradicionalismo que aliena e
oprime. Sendo assim, pensar certo quer dizer respeitar e desenvolver a
criatividade dos alunos tanto no ambiente escolar como na vida. O autor
descreve o processo de aprendizagem assim:
O que quero dizer é o seguinte: quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender tanto mais se constrói e desenvolve o que venho chamando “curiosidade epistemológica”, sem a qual não alcançamos o conhecimento cabal do objeto (FREIRE, 1996, p.25).
Freire usa termos como curiosidade ingênua e curiosidade
epistemológica ao a afirmar que formar é mais do que treinar e depositar
conhecimentos. “... rediscuto a curiosidade ingênua e crítica, virando
epistemológica” (Freire, 1996, p.14). A curiosidade ingênua é a do senso
comum e a curiosidade epistemológica é crítica e aberta à reflexão. O grande
27
diferencial da Escola da Ponte está em despertar as curiosidades e fazer
perguntas para tudo que acontece: Por que aulas? Por que há séries? Por que
horários pré-definidos? O questionamento é uma realidade na Ponte, sendo
um espaço de fazer perguntas e procurar soluções para os problemas na qual
a educação é refletida e pode ser reformulada.
Procura-se desenvolver na Escola da Ponte a responsabilidade, a
liberdade, a autonomia, a cooperação, o espírito crítico e a cidadania por meio
dos Dispositivos Pedagógicos. A finalidade é assegurar uma relação
significativa com o saber, promovendo situações de partilha que transformam a
aprendizagem permitindo um contexto democrático.
1.5- Os Dispositivos Pedagógicos da Escola da Ponte
Os Dispositivos Pedagógicos da aprendizagem agregam uma cultura
organizacional que não se limita ao domínio do currículo objetivo. Podemos
enumerar entre os dispositivos: os “Textos Inventados”, o quadro de “Direitos e
Deveres”, a “Assembléia”, a “Caixinha de Segredos”, o “debate”, a “Comissão
de Ajuda”, a “auto-avaliação”, o “trabalho de pesquisa”, a “aula direta”, “Preciso
de Ajuda”, “Eu já sei”, “Posso Ajudar em”, a “lista de habilidades e
competências”, o “jornal da escola, “Responsabilidades”, “Acho mal” e “Acho
bem”.
A “Comissão de Ajuda” é formada por dois alunos indicados pela Mesa
da Assembléia e por dois alunos indicados pelos professores, que têm a
função de todas as semanas verificarem as mensagens na Caixinha de
Segredo, sendo responsáveis pelo Acho Bom e Acho Mal e solucionando os
problemas mais graves que são colocados na Assembléia.
Os dispositivos “Eu já sei” e “Preciso de Ajuda” funcionam como um
autoavaliador dos conhecimentos construídos ao longo da aprendizagem. O
“Eu já sei” está disponível para que as crianças escrevam em um cartaz
exposto na parede o que aprenderam e os objetivos alcançados. É um mural
onde o aluno escreve o nome informando que atingiu os objetivos e que já
podem ser avaliados, pois já dominam o conteúdo. Já o cartaz “Preciso de
28
Ajuda em” a criança se coloca À disposição para ajudar num conteúdo que já
está dominando. Esses dispositivos funcionam para incentivar a solidariedade
entre os alunos.
Nos quadros “Acho bem” e “Acho Mal” os alunos colocam suas idéias
no Computador em relação a atitudes dos colegas, gerando uma reflexão
sobre os casos de indisciplina e problemas da escola.
Rubem Alves fez referência a estes dispositivos ao descrever a fala da
aluna que o guiou pelos espaços da Escola da Ponte durante a visita. “É o
computador do “Acho bem” e do “Acho mal”. Quando nos sentimos contentes
com algo, escrevemos no “Acho bem”. Quando, ao contrário nos sentimos
infelizes, escrevemos no “Acho mal” (Alves, 2008, p.45).
Também há um dispositivo conhecido como Caixinha de Segredos. Em
uma caixa de papelão os alunos deixam recados anônimos ou assinados,
cartas aos professores, pedidos de ajuda.
Sobre os dispositivos educativos da Escola da Ponte Rubem Alves faz
uma explicação acerca do cotidiano dos alunos da instituição:
Mais que aprender saberes, as crianças estão aprendendo valores. A ética perpassa silenciosamente, sem explicações, as reações naquela sala imensa. Na outra parede encontrei dois quadros de avisos. Num deles estava afixada a frase: “Posso ajudar em...”. Qualquer criança que esteja tendo dificuldades em qualquer assunto coloca ali o assunto em que está tendo dificuldades e o seu nome. Um outro colega, vendo o pedido, vai ajudá-la. E qualquer criança que se ache em condições de ajudar em algum assunto coloca ali o assunto que julga competente e o seu nome. Assim, vai se formando uma rede de relações de ajuda (ALVES, 2008, p.43).
As Assembléias da Escola acontecem todas as sextas-feiras no
auditório do Centro Cultural de Vila das Aves. Constituem um espaço para a
elaboração constante das regras sobre a convivência escolar, propiciando
momentos de diálogo e solução dos conflitos. Dessa maneira, contribuem para
a construção de capacidades morais essenciais ao processo de construção de
valores.
O Regulamento Interno da Escola da Ponte, no Capítulo II, Artigo 12,
descreve a Assembléia enquanto um dispositivo de intervenção direta; é a
29
estrutura de organização educativa que proporciona e garante a participação
democrática dos alunos na tomada de decisões que respeitam à organização e
funcionamento da Escola. Todos os alunos integram a Assembléia, sendo que
os orientadores educativos, demais profissionais da educação e pais podem
participar da Assembléia sem terem direito de voto. As principais incumbências
desse dispositivo são: elaborar e aprovar o Regimento Interno, refletir acerca
dos problemas da escola procurando soluções adequadas, aprovar o código
de direitos e deveres dos alunos e acompanharem os grupos de
responsabilidade (Regulamento Interno da Escola da Ponte).
Trata-se de uma vivência democrática e participativa em que todos
assumem a responsabilidade pelas aprendizagens como algo importante e que
lhes dizem respeito. O aluno tem voz ativa e se envolve na instituição com
poder de decisão nas votações das Assembléias, na organização dos projetos
e em todas as circunstâncias da histórica acadêmica.
Os alunos são responsáveis por alguns aspectos do funcionamento da
escola formando Grupos de Responsabilidades. Para que uma gestão
participativa verdadeiramente se concretize são estabelecidas tarefas que
recebem o nome de Responsabilidades. Dentre elas podemos citar: o Grupo
dos Murais, do Recreio Bom, mapa de presenças, arrumação do material,
biblioteca, jornal, etc. Os grupos de Responsabilidades são decididos nas
Assembléias e o mapa das responsabilidades é sempre definido no início de
cada ano letivo. Conforme o Artigo 13 do Capítulo II do Regulamento Interno
da Escola da Ponte: “Os grupos de responsabilidades asseguram uma gestão
dos espaços de trabalho e das diferentes formas de intervenção dos alunos, na
vida da escola” (Regulamento Interno da Escola da Ponte).
Os alunos produzem o “Texto Inventado” que é conhecido como texto
livre, permitindo a apropriação da escrita através do registro de sua visão de
mundo. Por meio desse dispositivo pedagógico o estudante escreve o que quer
e quando estiver com vontade, possibilitando uma vivência de trabalho
realizada com seriedade por surgirem do desejo de se expressarem por meio
da escrita.
30
Os Direitos e Deveres são descritos no Artigo 42 do Regulamento
Interno da Escola da Ponte e dizem respeito diretamente às atitudes dos
alunos, que decorrem do Projeto Educativo e do próprio Regulamento Interno
da escola. É a forma clara de como se pode agir com autonomia tendo
consciência dos direitos e deveres com responsabilidade O Quadro de Direitos
e Deveres é elaborado e aprovado pelos alunos no início do ano acadêmico.
Os direitos refletem preocupações essenciais como o debate de questões
coletivas, o direito de ir e vir, questões que dizem respeito à construção das
regras de funcionamento da escola, direito de escolher o que se quer trabalhar
e de que forma, ou mesmo ouvir música nos espaços de trabalho.
No que se refere aos deveres estipulados na Ponte, estes são
resultado de vários debates nas Assembléias da Escola. Tem destaque um
dever que os alunos conhecem bem: o de saber usar a liberdade com
responsabilidade. Desde bem pequenos os estudantes vão aprendendo a
respeitar as regras que não são impostas p ela escola, uma vez que são
construídas por eles que entendem que a usar a liberdade com
responsabilidade na conquista da autonomia. Os Direitos e Deveres dos alunos
da Ponte se encontram no site da Escola da Ponte para conhecimento de
todos que desejarem saber mais a respeito da escola. O professor José
Pacheco apresenta sua concepção em relação aos direitos e deveres como
uma aprendizagem no exercício da cidadania:
Não constam muitas proibições da lista de direitos e deveres, que os próprios alunos propõem, discutem e aprovam. Esta Carta Magna permite-lhes libertarem-se da tutela dos professores e serem dignos do exercício quotidiano da liberdade na responsabilidade. As nossas crianças não são educadas apenas para a autonomia, mas através dela nas margens de uma liberdade matizada pela exigência da responsabilidade. Buscamos uma escola de cidadãos, indispensável ao atendimento e à prática da Democracia. Procuramos, no mais ínfimo pormenor da relação educativa, formar o cidadão democrático e participativo, o cidadão sensível e solidário, o cidadão fraterno e tolerante (Entrevista com José Pacheco, 2009, p.2. IDEC, Internet).
31
No que trata dos Direitos dos Visitantes estes fazem parte do currículo
da Escola da Ponte: há um quadro situado na entrada do prédio para
visualização das pessoas. Entre os deveres podemos citar: “Todos os
visitantes têm o dever de só registrar imagens sob forma de fotografia
panorâmica sem flash” e “Todos os visitantes têm o dever de fazer o máximo
de silêncio possível em cada espaço”. Os direitos se referem à forma de serem
recebidos pelos alunos e ao direito de conhecer os espaços da escola guiados
pelos alunos. Um direito concedido ao visitante é o de assistir à Assembléia e
permanecer nos espaços que os alunos realizam as atividades.
Sendo assim, podemos nos sentir em casa num lugar acolhedor que
transborda alegria no modo de tratar aqueles que anseiam encontrara um
projeto inovador e acabam se deparando com uma escola capaz de superar
qualquer expectativa.
32
CAPÍTULO II
A PRÁTICA DA APRENDIZAGEM COMO UM PROCESSO
INTENCIONAL E TRANSFORMADOR
“Uma escola que o ponto de referência não seja o programa oficial a ser
cumprido (inutilmente!), mas o corpo da criança que vive, admira, encanta-se,
espanta-se, pergunta, enfia o dedo, prova com a boca, machuca, brinca”
(ALVES, 2008, p.55)
2.1 – Vivência dos alunos: uma aprendizagem no exercício da
cidadania
Os alunos da Escola da Ponte aprendem desde cedo a serem pessoas
capazes de desenvolver o olhar, a cumplicidade e a crítica com os outros, a
responsabilidade, a curiosidade e a busca pelo conhecimento. Os alunos
escolhem os objetivos a serem desenvolvidos durante a semana e dentro
desses objetivos, têm uma série de atividades. Os professores têm condições
de observar como está sendo organizado o planejamento do aluno.
No que se refere ao horário de funcionamento da Escola da Ponte, o
Contrato de Autonomia dispõe:
Todos os alunos cumprem o mesmo horário entre as 8:30 e as 16:00 horas e estão sempre utilmente ocupados na Escola, enquanto decorrem as actividades curriculares propriamente ditas, não havendo “horas mortas”, nem “furos”, designadamente, por ausência de professores (Contrato de Autonomia, p.3).
Segue-se uma organização escolar a partir de um grupo heterogêneo,
com o intuito de levar à integração dos alunos, rompendo com a disposição
dos salões em classes seriadas, distante da lógica tradicional de ensino
33
caracterizada por horários rígidos, sinais avisando a mudança de aula e
transmissão do conhecimento de forma passiva e considerando-se que os
horários indicam uma hierarquia de disciplinas pelo tempo a elas destinado.
Rego se mostra favorável à prática escolar baseada na
heterogeneidade, considerando importantes as interações entre os alunos,
formando um entrosamento entre a pluralidade existente, valores e vivências.
Neste sentido, essa estrutura escolar envolve uma troca e uma ação partilhada
de conhecimentos (REGO, 2001, p.110).
Chama-nos a atenção a forma como os alunos se comportam nos
espaços da escola e as respostas dadas as nossas indagações durante a
visita. Revelam-se sujeitos com grande capacidade de exposição ao público,
sem medos e com consciência do porquê estão na Escola da Ponte e o que
esta representa para eles. Acreditam e seguem os princípios da autonomia, da
responsabilidade e da liberdade na prática, e isso proporciona uma segurança
em estar empenhado com a proposta de educação da Escola da Ponte.
As duas crianças que nos guiaram em nossa visita à Escola da Ponte
tinham 8 anos(o Francisco) e 11 anos (a Flávia), mesmo sendo crianças
demonstraram uma postura mais adulta para a pouca idade. Alunos que se
sentiam gente grande e agiam com maturidade e desembaraço falando com
ternura e respeito da escola, defendendo sua proposta da qual fazem parte. As
crianças pareciam já estar habituadas a apresentar a escola aos visitantes, e
nos deixaram bem à vontade para indagar informações relacionadas à Escola
da Ponte.
Trata-se de uma escola democrática que forma alunos conscientes por
inteiro e que na busca da felicidade pessoal estão também integrados à Ponte,
associando idéias, inventando e interferindo sob as mais diversas formas na
sociedade a fim de melhorá-la. A independência que aprendem passa a ser
incorporada e ultrapassa o espaço escolar, já que a autonomia é apropriada e
assumida com propriedade e responsabilidade.
Segundo Sarmento, o trabalho desenvolvido pela Escola da Ponte tem
como característica a “reinvenção do ofício do aluno”, “resgatando a criança
em cada um”. Significa considerar o aluno como uma pessoa com competência
34
e poder de tomar decisões, e construir conhecimentos. Sendo assim, é a
criança que sendo sujeito competente pode escolher e organizar as atividades
e tarefas na escola e não o adulto (SARMENTO, 2004, p.51).
Os alunos têm possibilidade de assumir essa atribuição de tomar
decisões garantindo a participação destes, conferindo aos alunos um poder
decisional que se nota nas falas dos alunos e na forma de organização das
atividades, como por exemplo, nas Assembléias da Escola da Ponte.
Criança-aluno e aluno-criança tendem a equivaler-se e não mais a dissociar-se; deste modo se dissolve essa relação paradoxal da escola da modernidade que, para se impor, teve de matar a criança para fazer nascer o aluno (SARMENTO, 2004, p.52).
Por considerar a criança na sua essência e não dissociando a criança
do aluno, esta é mais livre para criar e demonstrar seus anseios e potencial
com prazer em aprender. É o que se passa na Escola da Ponte: a “criança-
aluno” é considerada um ser social.
Segundo Elias, os conceitos-chave da proposta de Freinet são dois: o
trabalho e a livre expressão. “Não há preocupação com a quantidade de
conhecimentos mas com o processo de construção. Praticar a livre expressão
e a convivência cooperativa significa inverter a metodologia” ( ELIAS, 1997,
p.36).
Em função do estilo de organização da Escola da Ponte, há uma certa
flexibilidade na disposição dos espaços e da aprendizagem. Segundo Pacheco
(2004, p.73), “Ninguém tem tempos fixos para brincar, trabalhar e aprender.
Embora haja um horário de referência para alunos e professores, estes não
olham para o relógio, quando o que é preciso fazer-se tem de ser feito”.
Há três níveis de trabalho organizados em núcleos: a Iniciação, a
Consolidação e o Aprofundamento que já foram descritos anteriormente no
capítulo 1. A passagem de um núcleo para o outro segue o ritmo com que
cada criança adquire os instrumentos necessários para passar de nível.
Após questionar os alunos acerca do funcionamento do Núcleo da
Iniciação a aluna Flávia explana sobre o assunto:
35
Os bem miúdos também têm o plano da quinzena. Só que este é feito pelo professor-tutor. Eles ainda não têm condições de fazer sozinho. Mesmo assim, aqui neste quadro que você vê está escrito todo programa para os alunos verem. A professora lê cada ponto do programa. Ao lado dos assuntos aprendidos os miúdos colocam um pontinho (Entrevista com alunos, Relato da aluna Flávia – Núcleo da Consolidação).
Pacheco descreve que a Iniciação se distingue dos demais núcleos por
existir um maior envolvimento dos professores interferindo na montagem dos
projetos. “A saída desse nível verifica-se quando a criança revela
competências de autoplanificação e avaliação, de pesquisa e de trabalho em
pequeno e grande grupo” (PACHECO, 2004, p.67).
Os alunos da Ponte conhecem a grade curricular sem divisão, sem
segmentação e constroem o currículo subjetivo, não aprendem sozinhos. Os
mais adiantados no conteúdo ensinam os que ainda sabem pouco e os
professores são mediadores. De acordo com Rubem Alves, “O aluno é, assim
o verdadeiro sujeito do currículo... Os professores não estão no centro da vida
escolar, não são o sol do sistema curricular” (ALVES, 2008, p.18).
Na Escola da Ponte os alunos possuem diversas responsabilidades,
entre elas está a de organizar o jornal escolar Dia- a- Dia, representando um
elemento de ligação entre a escola e a família, fazendo circular informação
sobre as experiências e projetos desenvolvidos pelos alunos. O jornal é mensal
e é feito nos computadores e apresenta notícias de tudo o que se passa na
escola e na comunidade escolar. O jornal é confeccionado pelos alunos dos
três núcleos que descrevem alguns trabalhos e atividades que consideram
relevantes.
A escola funciona embasada nos ideais democráticos, com uma
cultura cuja identidade é fortemente afirmada pelo seu Projeto Educativo que
convoca todos os envolvidos (pais, professores e alunos) a se unirem na busca
de uma escola mais humana.
Ao analisar as falas dos alunos Francisco e Flávia, estes estão
integrados à lógica da Ponte e se referem à escola em que estudam com
carinho:
Foto: Verônica Reis
36
Aqui aprendemos e gostamos de aprender. Tenho muitos amigos. Na outra escola que estudei em Trofa a professora não era muito giro. Ela batia (Entrevista com alunos, Relato do aluno Francisco – Núcleo da Iniciação). ... Aqui temos amor. Somos nós que temos que tomar nossa autonomia com responsabilidade (Entrevista com alunos, Relato da aluna Flávia – Núcleo da Consolidação).
Essas falas demonstram uma relação de afetividade com a Escola da
Ponte e com o professor. A escola proporciona uma gestão da aprendizagem
de forma significativa, com responsabilidade num contexto em que a escola e a
vida estão integrados e envolvidos por um sentimento de afetividade. Neste
sentido, pode-se afirmar que a organização e o funcionamento da Escola da
Ponte se distancia da imagem da escola como uma empresa caracterizada
pela burocracia.
Assim, a realização pessoal, a solidariedade, a participação, a
autonomia parecem ser as grandes finalidades educativas, que se realizam
através do reconhecimento da individualidade, do respeito pela diferença,
numa lógica que estabelece uma efetiva igualdade de oportunidades
educativas e da criação de condições para a comunicação e interação.
É sob este cenário que todas as aprendizagens acontecem com todas
as crianças que são, todas, diferentes, especiais, e tratadas como tal. Com
níveis, interesses, histórias e percursos diferentes, inserem-se nos grupos e
trabalham para fins comuns. É uma escola onde se concretiza um ensino
individualizado, um mesmo currículo para todos os alunos, desenvolvido de
modo diferente por cada um porque todos os alunos são alunos diferentes,
especiais unindo autonomia e cooperação entre os alunos, com a finalidade de
educar na cidadania.
“Para Freinet, a educação é trabalho, cujo produto imediato é o
conhecimento. Este que tem como matéria-prima a vivência social dos alunos
deverá ser polido, aperfeiçoado e ampliado” (ELIAS, 1997, p.54). É a escola do
trabalho que desperta o interesse dos alunos dando abertura para
aproximarem a escola da vida.
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É uma Escola cujas práticas educativas se afastam das práticas
tradicionais, e têm objetivo de proporcionar o desenvolvimento pessoal e social
do aluno. Funciona em tempo integral, ainda, com atividades extracurriculares
sendo adequadas sob o princípio do reconhecimento da experiência
sociocultural das crianças. É uma escola inclusiva capaz de desenvolver a
autonomia pessoal e social, indispensável na formação de cidadãos
participativos e sujeitos da história do seu tempo.
Ainda, dentro de cada grupo, a gestão flexível dos tempos e dos
espaços educativos permite momentos de trabalho em pequeno grupo,
momentos de participação em coletivo, momentos de ensino mútuo e
momentos de realização individual. Ao trabalharem individualmente ou em
grupo as crianças funcionam como um todo com o propósito de concretização
do projeto ou plano.
Os salões são equipados com estantes contendo livros de diferentes
áreas do conhecimento, fichários com atividades e computadores para serem
utilizados como instrumentos de pesquisa. As paredes têm função significativa
e funcionam como grandes murais em que são afixados não somente os
trabalhos, mas os instrumentos indispensáveis à organização das atividades
de forma cooperativa. José Pacheco apresenta uma explicação que elucida o
emprego do quadro de objetivos exposto na parede:
Todo o planejamento curricular se subordina, em primeira instância, ao quadro de objetivos afixado na parede das salas. Trata-se de uma lista completa dos objectivo(s) do(s) programas, mas decodificados, isto é, transcritos em linguagem acessível a todos e na lógica do ciclo (PACHECO, 2004, p.72).
Todos os alunos estão engajados na política nas reuniões semanais
nas Assembléias, em que se aprende na escola o que é um ser político e qual
o papel deles na sociedade. A partir da experiência no cotidiano escolar tem-se
a possibilidade de exercer a democracia nos trabalhos diários e projetos
individuais e coletivos tendo o diálogo como princípio fundamental.
No que diz respeito à Assembléia, a aluna Flávia esclareceu-nos
algumas questões importantes em relação ao seu funcionamento: “Aqui toda
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escola se mantém reunida para tomar decisões. Às sextas-feiras tem a
Assembléia para dinamizar as questões da escola” (Entrevista com alunos,
Relato da aluna Flávia – Núcleo da Consolidação).
Após questionarmos em relação às pessoas que participam das
Assembléias, a aluna explicou:
Todos nós! Todos os alunos. Também depois tem um tempo para os pais, professores, outros funcionários e visitas. Agora nessa sexta iremos aprovar nossos direitos e deveres e para isso nós temos a Mesa da Assembléia em que nós alunos propomos algumas adequações para melhor atender às nossas expectativas (Entrevista com alunos, Relato da aluna Flávia – Núcleo da Consolidação).
Com os alunos, pais, professores e funcionários envolvidos
diretamente com o Projeto Educativo da Escola da Ponte, são estabelecidas
parcerias que fazem sentido numa escola solidária que dá voz aos alunos que
elaboram seus Direitos e Deveres e têm o cuidado de colocá-los em prática. O
projeto é de toda escola com um objetivo em comum: tornar a escola um local
de aprendizagem solidária no qual o aluno se torne uma pessoa feliz.
Além de conhecerem os valores de uma sociedade democrática,
desenvolvem uma análise crítica com capacidade de tomar decisões
partilhando opiniões, lidando com os conflitos e respeitando as regras dos
Direitos e Deveres.
A criança é entendida como um todo, sociável, sem se negligenciar o
trabalho e a resposta individualizada. Um mesmo currículo para todos os
alunos desenvolvido de modo diferente por cada um Os programas são
integralmente respeitados, ao nível das temáticas e áreas de aprendizagem,
porém, não, se procede a qualquer divisão por anos de escolaridade.
Segundo Rego,
É possível constatar que o ponto de vista de Vygotsky é que o desenvolvimento humano é compreendido não como a decorrência de fatores isolados que amadurecem, nem tampouco de fatores ambientais que agem sobre o organismo controlando seu comportamento, mas sim através de trocas recíprocas, que se estabelece durante toda a vida, entre
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indivíduo e meio, cada aspecto influindo sobre o outro (REGO, 2001, p.95).
Cada professor (tutor) acompanha a evolução de um determinado
número de alunos e procede ao registro da avaliação do cumprimento dos
objetivos considerados fundamentais, os quais constam numa lista de
verificação. Nela se enumeram os objetivos a atingir, de acordo com o
programa em vigor, de acordo com as diferentes áreas de aprendizagem.
Listam-se, em primeiro lugar, as capacidades, competências e atitudes
seguidas dos objetivos das diversas áreas. É um roteiro que funciona como
estratégia de registro dos alunos, dos educadores e dos pais, permitindo uma
maior informação acerca da trajetória do aluno na escola.
O controle das aprendizagens é realizado de forma organizada: cada
aluno registra o que pretende estudar, o que será realizado e com quais alunos
irá fazer as atividades. Todos os dias fazem comparações e verificam se os
objetivos foram realizados. Descrevem num papel uma espécie de relatório
com descrições de pesquisa acerca dos temas que serão estudados, e
consultam fichários com textos de apoio contendo bibliografias e instrumentos
para consultas.
Há uma certa influência dos professores em relação aos alunos, para
que se conscientizem dos objetivos propostos no plano. Os alunos não estão
soltos na escola para fazerem tudo da forma que querem sem
responsabilidades. Tanto os professores como os próprios alunos fiscalizam se
as tarefas estão sendo cumpridas. É um processo de conhecer a si mesmo e
de conhecimento do outro de troca, fundamental ao crescimento e
desenvolvimento de ambos. Uma aprendizagem cooperativa e colaborativa
permeada de responsabilidade.
Os alunos gostam de ir à Escola da Ponte e demonstram amor, além
de se sentirem acolhidos por realizarem funções na escola. Os alunos
aprendem e revelam aprendizagens e envolvem-se vivenciando na prática
experiências acerca do sentido da escola. As aprendizagens são integradas e
contextualizadas através da mediação dos professores, sendo analisada pelos
alunos e professores.
40
Segundo Elias (1997, p.45), “A educação não é uma fórmula de escola,
um verniz espalhado sobre o metal fundido. É uma obra que deve gravar-se na
criança por toda a vida, produzir marcas permanentes”. Dessa forma, a escola
pode marcar o aluno de forma positiva para que este guarde na memória uma
agradável lembrança da escola.
As atividades são realizadas em um ambiente alegre e com fundo
musical, tendo como objetivo levar à concentração do aluno. Nos deparamos
com essa experiência que parece de difícil compreensão para nossa educação
no Brasil. Isso não representa algo menos eficaz ou construtivo, uma vez que
as crianças lêem, escrevem, aprendem a solucionar problemas de raciocínio
matemático, cantam,realizam as atividades. Os dois alunos (Flávia e
Francisco) não entendem porque uma pessoa que gosta de música não pode
ouvi-la em sala de aula e expõem suas posições a respeito do tema:
“Não entendo. É mais fácil aprender com música” (Entrevista com
alunos, Relato do aluno Francisco – Núcleo da Iniciação).
A música nos ajuda na concentração. Quando falamos num tom mais elevado do que a música não estamos a cumprir os nossos deveres. Somos nós mesmos que escrevemos nossos direitos e deveres. Temos então que respeitar a aprendizagem do outro (Entrevista com alunos, Relato da aluna Flávia – Núcleo da Consolidação).
Explorando e pesquisando os alunos levam para casa uma tarefa
registrada num caderno que os acompanha ao longo do ano. Este terá que ser
assinado pelos pais e representa um espaço para trocas de mensagens. Este
aspecto pode ser entendido como uma forma que permite aproximar os pais
dos alunos da Escola da Ponte e do processo de aprendizagem dos filhos.
Ao observar um pouco da dimensão artística da Escola da Ponte,
percebe-se que o que acontece lá é um trabalho diferenciado e as crianças
desenvolvem projetos que para serem concluídos passam por diversas áreas
de conhecimento. Assim, alguns alunos criaram um projeto cuja
intencionalidade era fazer um musical sobre o tema ecologia.
41
Os alunos pesquisaram sobre o tema, escreveram um poema,
construíram uma música a partir do poema, aprenderam a cantar,
desenvolveram coreografia, cenografia, figurino, e ao final iriam partilhar tal
experiência na Assembléia com os demais alunos. Sendo assim, trabalhou-se
num único projeto diferentes saberes envolvendo várias áreas do
conhecimento de forma consistente e significativa para os alunos.
É inexplicável na dimensão artística constatar como grupos com
projetos diferentes entendem o que os outros alunos estão fazendo,
acompanham e gostam do trabalho do outro grupo. Chamou-nos a atenção a
imagem de um grupo que estava ensaiando uma música, e uma criança de
outro grupo que estava desenhando começava a cantar a música, ficando
atenta a observar o ensaio... Interesse, curiosidade e envolvimento frutos do
convívio: Escola da Ponte.
Ao analisar alguns alunos com necessidades especiais que juntos com
os demais alunos estavam completamente integrados, participando com os
demais colegas das atividades e trocando saberes. Havia uma menina com
Síndrome de Down montando um mural no corredor com outras crianças. Ela
participava da conversa, falava e os outros ouviam, ria das coisas engraçadas
que diziam se sentindo feliz. Quase não notávamos a diferença dela para os
outros alunos ditos “normais”.
Pacheco enfatiza a questão organizacional dos grupos de estudo,
ressaltando que cada grupo deve incluir um aluno com “necessidade de
cuidados” (PACHECO, 2004, p.71).
Uma cena interessante presenciada por nós na Escola da Ponte foi a
de um menino autista brincando com a orientadora educacional de bola.
Estavam numa área aberta que fica de frente para a rua, sendo que os portões
ficam apenas encostados. A orientadora deixou o menino sozinho por um
período de tempo e este continuou jogando bola de um lado para o outro
tranquilamente. Depois de questionar acerca do perigo do portão estar aberto
havendo a possibilidade dos alunos fugirem, ela respondeu que todos já
sabem os direitos e os deveres e nunca um aluno com necessidades
42
educativas havia fugido. Na Ponte existe este risco e os alunos têm um voto de
confiança.
A Escola da Ponte é uma escola prazerosa em que se tem a intenção
de permanecer, trocar saberes, afetividades e onde a alegria se faz nas
descobertas e na aprendizagem. É um exemplo concreto de que a educação
não pode estar separada da vida e isolar as pessoas das questões sociais e
políticas que estão ao seu redor.
Alunos e professores vivem em sintonia e um dos motivos dessa
harmonia é pelo fato deles respeitarem princípios como liberdade e autonomia.
A criança que percebe que o seu trabalho tem um objetivo e que pode abandonar-se completamente a uma atividade não já escolar mas simplesmente social e humana sente-se invadida por uma forte necessidade de agir, de procurar, de criar (FREINET, 1977, p.113 apud ELIAS, 1997, p. 48).
2.2 – A Formação de professores na visão de um projeto
coletivo
Ao romper com a organização tradicional de ensino a Escola da Ponte
modifica a forma de agir dos professores (orientadores educativos), rejeitando
toda forma de trabalho descontextualizado que esteja voltado para um
conhecimento predeterminado e linear.
A formação de professores da Escola da Ponte baseia-se num
processo de ação e reflexão constante, englobando um trabalho em equipe e
não mais um projeto isolado de um professor.
Por meio de um trabalho em equipe a entrega é intensa demandando
disponibilidade maior de tempo para discussões e aprofundamento, ajudando
na superação dos obstáculos que venham a surgir. As experiências que os
docentes já viveram anteriormente ajudam a ultrapassar as dificuldades que
venham aparecer no trabalho, não estando mais isolado numa sala, possuindo
uma visão da escola como um todo e não só de um grupo restrito de alunos.
O Projeto Educativo da Escola da Ponte descreve o perfil do orientador
educativo em relação aos demais colegas de profissão, apontando algumas
43
características essenciais ao desenvolvimento de um projeto coletivo: prestar
ajuda às necessidades dos colegas, mantendo com estes uma relação
atenciosa, crítica e fraterna; procurar articular a sua ação com os demais
colegas; pedir ajuda e ajudar quando alguém solicite; aceitar diferentes pontos
de vista e apoiar os colegas na resolução de conflitos. (Projeto Pedagógico,
Perfil do Orientador Educativo, item 2, p.8).
A equipe de professores trabalha em união com responsabilidade,
expressando abertamente suas discordâncias e conflitos em busca de
negociação. O diálogo se faz presente em todos os momentos e o ambiente é
amistoso e de apoio mútuo, resultando num grande envolvimento em torno do
Projeto Educativo.
Não há sentimentos de frieza e solidão, pois o envolvimento dos
professores na escola ocorre pelo prazer nas atividades que se dispõe a fazer.
A recusa do trabalho em monodocência abriu caminho à partilha de
experiências. Os professores compartilham o que sabem e aquilo que são
fortalecendo o convívio profissional e aprendendo uns com os outros a
reformular suas opiniões. A formação que se ajusta ao projeto da Escola da
Ponte baseia-se num modelo de práticas sob a forma de uma aprendizagem
cooperativa.
Ser professor na Escola da Ponte se fundamenta em proporcionar aos
alunos a compreensão do "porquê" e "para quê", levando-as a um processo de
auto-formação e indagações acerca dos projetos que escolheram para realizar.
Consiste na reflexão e na capacidade de análise crítica, reforçando a
investigação e estimulando nas crianças o valor da pesquisa e dos
questionamentos em relação à variedade de assuntos.
Conforme o Contrato de Autonomia firmado entre o Ministério da
Educação e a Escola da Ponte, esta conquistou o direito de selecionar e
recrutar os orientadores educativos e os demais profissionais. Sendo assim, os
orientadores educativos devem cumprir o Projeto Educativo e o Regulamento
Interno da escola assumindo esse compromisso para o bem comum
(Regulamento Interno da Escola da Ponte, item 10, p.10).
44
A fim de que os orientadores educativos estejam preparados para a
imprevisibilidade, preparam-se em equipes, diariamente e ao fim da tarde. Os
trabalhos que vão ser desenvolvidos ao longo do ano são impossíveis de
prever, dependem dos programas, da vontade dos alunos, da negociação e,
até certo ponto, do acaso e da necessidade.
Não estando os alunos divididos por turmas, os professores são
professores de todos os alunos e não estão restritos a um único espaço, a um
único grupo de alunos. É um erro pautar o ritmo dos alunos pelo do professor
ou pelo ritmo de um livro, pois cada aluno é único e por isso não há um
professor para cada turma, e não há classes, pois os grupos refazem-se
sempre que novos projetos são elaborados.
O Projeto Educativo da Escola da Ponte descreve que o orientador
educativo como um “promotor de educação”, com a função de contribuir na
educação dos alunos, apoiando-os no desenvolvimento de aprendizagem
(Projeto Pedagógico, item 28, p.5). O professor deseja que os alunos
aprendam cada vez mais, se descobrindo como pessoas assentadas nos
valores da solidariedade e da autonomia.
No que tange à formação de professores, de um lado existe aquela
formação centrada na escola em que as situações são organizadas em função
dos conteúdos e das disciplinas. Em oposição a essa concepção tradicional de
educação há o trabalho realizado procurando a solução de projetos.
A escola tradicional costuma organizar o trabalho docente de forma
isolada e individual, na qual o professor enfrenta sozinho os problemas que
aparecem no exercício da profissão. Essa forma de instituição funciona como
um mecanismo de dominação reproduzindo as desigualdades sociais e
transmitindo valores de uma classe dominante que deseja se manter no poder.
Nesse caso, a formação de professores assume um processo linear, previsível,
agindo com controle e sem deixar espaço para desenvolver um trabalho
criativo aberto à inovação.
Na compreensão de Gadotti o professor precisa alterar sua postura
individualista, valorizando valores democráticos como a cidadania e o diálogo
entre todos os membros da organização escolar.
45
O professor, a professora precisam assumir uma postura mais relacional, dialógica, cultural, contextual e comunitária. Durante muito tempo a formação do professor era baseada em “conteúdos objetivos”. Hoje o domínio dos conteúdos de um saber específico (científico e pedagógico) é considerado tão importante quanto as atitudes (conteúdos atitudinais ou procedimentais) (GADOTTI, 2002, p.14).
Paulo Freire esclarece a posição adotada pela classe dominante da
seguinte forma: “Do ponto de vista dos interesses dominantes, não há dúvida
de que a educação deve ser uma prática imobilizadora e ocultadora de
verdades” (FREIRE, 1996, p.99). O autor aponta a situação da educação na
atualidade, na qual a elite dominadora impõe suas ideias como verdade
absoluta, impedindo a classe mais empobrecida da sociedade de sair do
patamar que se encontra. Sendo assim, torna-se simples controlar aqueles
indivíduos sem consciência do papel transformador que possuem e a
educação acaba sendo um instrumento de dominação.
Na busca de um trabalho diferenciado a Escola da Ponte entende a
formação de professores como uma construção autônoma firmada na
responsabilidade assumida por todos os envolvidos nesse processo. A
formação de professores ocorre através dos círculos de estudos, e os
professores são considerados agentes sociais inseridos em contextos próprios,
capazes de agir e refletir sobre o processo de formação.
A inovação dos círculos de estudos está em se tratar de uma
democracia participativa na qual a responsabilidade é de todos, sendo formado
por um grupo pequeno de pessoas que se reúnem para discutirem
informações sobre as práticas (PACHECO, 2008, p.41). O grande diferencial
dos círculos de estudos está no prazer que envolve o trabalho do professor,
estando ligado à livre escolha do objeto da aprendizagem, propiciando
descobertas num ambiente marcado pela curiosidade.
O modelo da Escola da Ponte se apresenta em práticas baseadas
numa aprendizagem cooperativa, com a elaboração de objetivos privilegiando-
se as interações entre os professores que são considerados sujeitos ativos em
construção.
46
José Pacheco compreende a formação de professores sem uma
separação entre teoria e prática, considerando os professores como
intelectuais no momento que assumem liberdade por meio do exercício crítico
ao questionar o modelo centralizador hegemônico das escolas. A formação
seria “um modelo e não um fim em si”, voltado para os professores que são
mediadores de formação com competências. (PACHECO, 2008, p.28). A
Escola da Ponte é um local no qual o professor é considerado um intelectual
que reflete sobre a prática e procurando sempre transformá-la para não
incorrer no erro de uma prática reprodutora.
Qual é o segredo dos profissionais de educação da Escola da Ponte?
O círculo de estudos como projeto coletivo e solidário seria uma alternativa
capaz de superar os problemas enfrentados por tantos professores no
processo de formação? Por que os professores precisariam estar sozinhos
tanto fisicamente como psicologicamente?
Os professores atuam como orientadores educacionais havendo um
grande senso de trabalho em equipe entre eles. A Escola da Ponte é um local
de aprendizagem, em que a relação ensino-aprendizagem é substituída pela
aprendizagem na prática.
Ser professor na Escola da Ponte significa poder ampliar a cada dia a
aprendizagem, compreendendo a importância da solidariedade para o
crescimento pessoal e coletivo. Uma escola preocupada com a aprendizagem
de todos, inclusive a dos professores. Os professores trabalham mais do que
aulas teóricas não estando restritos a transmitir o conteúdo e o aluno a ouvir
passivamente, e a responsabilidade é valorizada pelos orientadores
educativos. A relação estabelecida na Ponte é de carinho entre aluno-
professor, aluno-aluno e dos professores entre si carregada de afetividade em
prol da vida em comum na resolução de problemas.
O corpo docente da Escola da Ponte está comprometido com o Projeto
Educativo, com consciência de que dedica seu tempo num trabalho que é uma
realidade e não uma utopia. O papel do professor da Escola da Ponte em
relação ao percurso de aprendizagem sustenta-se conforme nos diz Rubem
Alves:
47
Os professores não estão no centro da vida escolar, não são o sol do sistema curricular. Estão relativamente às crianças em permanente movimento de translação e circunvolução, procurando acompanhar, orientar, e reforçar o percurso de aprendizagem e de desenvolvimento pessoal e social de cada aluno. A educação, afinal, sempre foi isso – e a singularidade do “projeto educativo” da Ponte decorre simplesmente do fato de o não ter esquecido (ALVES, 2008, p.18).
O professor é aquele que ajuda a resolver problemas, estimulando os
alunos, confiando nas suas potencialidades, não utilizando formas de
autoritarismo, assumindo as tarefas de estimular os alunos que precisam da
colaboração do professor e orientando as atividades de acordo com os
interesses dos alunos.
Paulo Freire esclarece que a escola tem lugar indispensável, sendo
responsável pela sistematização do conhecimento além de ter a função de
instigar a curiosidade dos alunos ao invés de “domesticá-la”. “É preciso que o
educando vá assumindo o papel de sujeito da produção de sua inteligência do
mundo e não apenas o de recebedor da que lhe é transferida pelo professor”.
(FREIRE, 1996, p.124).
Na Escola da Ponte o sentido da palavra autonomia prevalece no meio
de todos aqueles envolvidos na escola, e os alunos são preparados para
construírem autonomia vivenciando-a na prática do cotidiano escolar. O
orientador educativo está apto para trabalhar em equipe, saber aceitar o outro,
gerir conflitos, etc. Está envolvido tanto no aspecto cognitivo como no afetivo
estando ligado à formação pessoal. Qual seria o diferencial da Ponte? Pode-se
dizer a comunidade escolar como um todo compreende que para a educação
ser realmente democrática as pessoas não podem agir sozinhas: tudo que
ocorre na escola envolve uma ação compartilhada.
Uma vez que o professor desperta nos alunos a livre iniciativa e a
busca pela pesquisa e pelo conhecimento, não está preparando um projeto
para os alunos e sim ajudando a elaborarem projetos. Auxilia a fazerem um
planejamento, pois se o professor fizer para o aluno ele dificilmente se
empenhará em planejar os projetos por conta própria. Consiste num exercício
constante de aprendizagem na ação de planejar.
48
A educação é caminho e um instrumento de transformação social, com
a finalidade de ampliar a forma de se olhar o mundo, se posicionando de forma
reflexiva e atuante no verdadeiro sentido da palavra cidadania.
Dentre os valores fundamentais que norteiam a cultura nos círculos de
estudos, em especial na formação da Escola da Ponte, José Pacheco aponta
alguns:
O mutualismo (cooperação, solidariedade, e interajuda, que são obstáculos à autonomia isolacionista e competitiva), autonomia crítica e transformadora (criatividade, senso crítico e responsabilidade, que conferem ao indivíduo a possibilidade de existir com os outros como pessoa livre e consciente) e democraticidade (pluralismo, participação social e assunção de cidadania, que definem o homem como interveniente e confirmam a transformação da substância e das estruturas da comunicação) (PACHECO, 2008, p.47).
Uma característica da Escola da Ponte é que a formação em círculo
ocorre desenvolvendo-se projetos. Os círculos de estudos estão ligados aos
projetos envolvendo o caráter afetivo de confiança na troca de experiências,
sendo essencial para a união do grupo. Não se vê um professor trabalhando
isoladamente, já que as atividades passam por toda equipe de professores
num propósito comum de refletir sobre o trabalho diário e enriquecer as
capacidades dos alunos para que estes se sintam mais felizes e autônomos.
Pacheco descreve o desejo dos professores da Escola da Ponte a
seguir:
O que os professores da Escola da Ponte pretendem é o mesmo a que qualquer professor aspira: que as crianças aprendam mais, que aprendam melhor, que se descubram como pessoas, que vejam os outros como pessoas e que sejam pessoas felizes, na medida do possível. Esta idéia esteve presente desde a primeira hora, ao ser inscrita no projeto uma matriz axiológica assente na solidariedade e na autonomia(PACHECO, 2004, p.75).
Não podemos negar a dificuldade de se trabalhar em grupo, pois as
opiniões das pessoas em muitas situações são diferentes e os conflitos
surgem para serem superados levando a um crescimento e a uma reflexão do
49
grupo. As diferenças, nesse contexto, devem ser consideradas como algo
inerente ao ser humano, rompendo-se a lógica que nos fragmenta em iguais
de um lado e diferentes de outro.
Em oposição à organização burocrática na Ponte os orientadores
educativos se sentem a vontade, dão o máximo de si e se sentem queridos e
respeitados como uma família. O professor é valorizado na arte de educar e
aprender e aprende a partilhar espaços em comum deixando de lado as
inseguranças através de uma rede de solidariedade.
Na Escola da Ponte no trabalho em grupo ouve-se o outro e a
formação de professores implica em uma profunda reflexão sobre as práticas,
na troca de conhecimentos e sempre que for preciso transformar a prática com
a intenção de aprimorá-la.
A partir do momento que todos os orientadores educativos, gestor e
coordenadores pedagógicos se unem, tem-se a necessidade da troca, das
discussões das diferenças através de uma relação amistosa.
O espaço dos salões permite uma construção coletiva, de
responsabilidade com solidariedade e de autonomia, pois admite que haja
discussão numa forma de trabalho em que todos os professores acolhem
todos os alunos, diminuindo os problemas conhecidos no que se refere às
faltas de professores, abolindo as aulas vagas. Entende-se que apesar da
escola ter um desfalque no corpo docente, os alunos possuem outros
professores que podem se dedicar sempre que for preciso.
Diante da configuração da aprendizagem, não existem professores
destinados à turmas específicas, visto que eles trabalham coletivamente no
salão atendendo aos alunos. O orientador educativo deixa de ter a função de
explicador de conteúdos, passando à postura de orientador da aprendizagem
dos alunos, que mesmo que inclua momentos de explicação, avança em
outras ações, acompanhando o percurso de cada aluno sugerindo fontes de
pesquisa e estudo.
Analisando a questão de todos os professores da escola serem
responsáveis por todos os alunos, gera um outro ambiente escolar, levando a
novas relações entre as pessoas e destas com a escola. Os alunos que antes
50
precisavam se adequar ao jeito de cada professor e ter uma conduta
diferenciada em relaçao à aprendizagem , passam a ter uma relação diferente.
A relação a não é mais de cada professor em particular e passa a ser baseada
nas pessoas individualmente, numa cultura na qual os professores estão lado
a lado, dividindo os mesmos espaços com os estudantes.
Essa forma de organização da aprendizagem acaba com os discursos
conhecidos dos professores que se referem “meu aluno” e a “sua sala” e
coloca todos aqueles que integram a Escola da Ponte envolvidos num trabalho
coletivo e compartilhado.
Joé Pacheco faz referência aos orientadores educativos da Escola da
Ponte e sua organização nos espaços coletivos como um projeto individual e
coletivo:
Os professores não precisam de preparar aulas, na acepção clássica do termo, porque não há aulas. Preparam, apenas eventualmente, aulas muito especiais, as chamadas aulas directas. Os professores preparam-se a si próprios, todos os dias, para responderem a tudo o que for necessário e para enfrentarem a imprevisibilidade. Preparam-se em equipa, diariamente e ao fim da tarde. Os trabalhos que vão ser desenvolvidos ao longo do ano são impossíveis de prever, dependem dos programas, da vontade dos alunos, da negociação e, até certo ponto, do acaso e da necessidade....No final de cada dia, os professores reúnem para avaliar o trabalho do dia e preparar o do dia seguinte (PACHECO, 2004, p.74).
Os orientadores educativos da Ponte procuram ter ideias capazes de
transformar o meio que trabalham, permitindo que a aprendizagem ocorra de
modo significativo, contagiando as pessoas, buscando a atenção do outro pelo
qual os professores elaboram com frequência suas posturas abandonando as
práticas ultrapassadas de aprendizagem.
No momento que a Escola da Ponte funciona em coerência com os
princípios enunciados no Projeto Educativo, os orientadores educativos
passam a gerir os espaços de forma autêntica, buscando construir no coletivo
a criatividade, agindo de forma autônoma, solidária e responsável.
Acompanham o percurso dos alunos baseadas numa construção do projeto de
51
vida de cada um com suas particularidades e mantêm com os demais
orientadores educativos uma relação atenciosa e de amizade.
Paulo Freire expõe a contribuição representada pela ação dos
professores para a formação dos alunos:
É não é só interessante mas profundamente importante que os estudantes percebam as diferenças de compreensão dos fatos, as posições às vezes antagônicas entre professores na apreciação dos problemas e no equacionamento das soluções. Mas é fundamental que percebam o respeito e a lealdade com que um professor analisa e critica as posturas dos outros (FREIRE, 1996, p.17)
Sendo assim, o respeito por cada um dos alunos da Escola da Ponte
constitui um princípio e uma realidade permitindo a construção da autonomia
de cada um deles, considerando-os sujeitos.
Como vemos a formação continuada no contexto da Escola da Ponte é
como uma comunidade que deseja compartilhar conhecimentos e experiências
voltados para um mesmo propósito: a aprendizagem ligada à responsabilidade
e à vida. Um ponto fundamental do trabalho foi acabar com a solidão dos
alunos e professores. Enquanto numa escola tradicional o professor está
sozinho numa sala de aula, a postura da Escola da Ponte elimina a cultura de
isolamento, passando para um conceito em que todos os professores são
responsáveis pelos atos do coletivo. O professor ajuda o aluno a pensar por si
próprio, auxiliando-o com carinho, conduzindo-o ao caminho da participação e
da independência, agindo como um mediador e um facilitador do processo de
aprendizagem.
52
CAPÍTULO III
O ORIENTADOR EDUCACIONAL E PEDAGÓGICO NA
ESCOLA DA PONTE: A RELEVÂNCIA DAS RELAÇÔES
DEMOCRÁTICAS NO COTIDIANO ESCOLAR
Há trinta anos atrás a Escola da Ponte se enquadrava num contexto
educacional totalmente diferente do encontrado lá hoje. A Escola da Ponte é
um exemplo de que é possível por meio de determinação e disposição em
mudar a concepção educacional tradicional para uma educação mais humana.
Apesar da Escola da Ponte estar inserida num país com contexto
neoliberal assim como o Brasil, que privilegia valores como o individualismo e a
competitividade, no ano de 1976 decidiu romper com a concepção tradicional
de educação a fim de superar os obstáculos de uma cultura excludente. Dessa
forma, organizou-se eliminando séries, aulas, sinais, manuais a serem
seguidos, avaliações coercitivas, o trabalho isolado dos professores, entre
outras coisas. No que tange ao currículo adotado pela Escola da Ponte é o
mesmo de todas as demais escolas portuguesas, com o diferencial que
consiste em analisar os conteúdos atitudinais, respeitando cada aluno como
único com suas características particulares, respeitando-se o ritmo de
aprendizagem de cada um, num local solidário envolvendo cooperação.
Segue-se o programa curricular oficial válido para todas as escolas
portuguesas, entretanto em relação ao desenvolvimento da aprendizagem esta
é mais flexível.
Há um investimento no sentido de que os alunos ultrapassem objetivos
e aprendam e, portanto, não há uma lógica de recuperação de notas. Ao
questionar acerca da prova do Exame Nacional realizado por todos os alunos
do nono ano do ensino básico em Portugal, a Escola da Ponte respondeu que
no período anterior ao estipulado da prova são realizados simulados, para que
os adolescentes convivam com o formato dos exames nacionais do Ministério
da Educação, sendo que foram aplicadas as provas dos anos anteriores a
53
título de experiência. A coordenação informou-nos que os alunos estão muito
acostumados a aprender, mas não estão habituados com o absurdo
pedagógico da disposição de um aluno atrás do outro, sem trocarem
conhecimentos, cada um com uma prova pedindo para repetir algo que está
escrito no livro.
Nessa perspectiva de educação tradicional podemos destacar o
pensamento de LIBÂNEO (2009):
A retenção do material ensinado é garantida pela repetição de exercícios sistemáticos e recapitulação da matéria. À transferência da aprendizagem depende de treino... a avaliação se dá por verificações de curto prazo (interrogatórios orais, exercícios de casa) e de prazo mais longo (provas escritas). O reforço é, em geral, negativo (punição, notas baixas, apelos aos pais) (LIBÂNEO, 2009, p.100).
Depois dos alunos saírem da Escola da Ponte, enfrentam dificuldades
em acompanhar o ensino tradicional? Ao fazer esta pergunta a um professor
na Escola na Ponte, este respondeu que é o ensino tradicional que tem
dificuldade de acompanhar os alunos e que estes ao deixarem a Ponte têm
melhores classificações do que os alunos das demais escolas em Portugal.
Compreendem que as classificações não são o melhor modo de avaliar os
alunos, mas são os únicos dados que dispõem para que as escolas mais
tradicionais reconheçam o valor de uma educação que prima pela
aprendizagem.
Contrariando o contexto da Ponte, a educação tradicional no Brasil e
mesmo as das demais escolas portuguesas revelam um conjunto de situações
que correspondem a modelos que hoje não remetem às necessidades dos
alunos e insistem em um padrão obsoleto que reflete uma crise educacional.
Segundo Alves (2008) a educação tradicional visa moldar os alunos
unicamente para entrarem no mercado de trabalho:
A criança está, finalmente formada, isto é, transformada num produto igual a milhares de outros ISO-12.000: está formada, isto é, de acordo com a fôrma. É mercadoria espiritual que pode entrar no mercado de trabalho (ALVES, 2008, p.37).
54
A educação tradicional considera a escola um local neutro, em que se
privilegia uma forma de educação baseado na disciplina rígida em que tudo
precisa estar previamente previsto, até mesmo os horários das aulas com a
finalidade de manter a ordem e um controle sobre os alunos. Os sinais
delimitam o término das aulas avisando-nos acerca do encerramento de um
conteúdo e de uma disciplina específica.
Na visão de Grisnspum (2011) “no modelo tradicional de educação a
Orientação Educacional tinha o papel de ajustar o aluno à escola, à família e à
sociedade e as escolhas dos alunos eram pré-estabelecidas” (p.58). Sendo
assim, o papel da Orientação Educacional seria adaptar o aluno à realidade já
existente.
Para Freire (1996) a educação não é neutra e constitui um ato político,
transformando o sistema tradicional numa prática de libertação do ser humano,
descobrindo formas de agir com criatividade e consciência crítica (FREIRE,
1996, p.102).
Além dessa característica destacada acima, as salas de aula no Brasil
são organizadas de uma forma que as cadeiras e mesas estão enfileiradas,
dificultando a concentração dos alunos no envolvimento das atividades
propostas pelo professor. A mesa do professor é maior do que a dos alunos,
evidenciando a posição de superioridade e hierarquia do professor em relação
ao aluno. Esse padrão de escola é bem conhecido de todos nós e infelizmente
trata-se de um modelo fragmentado de ensino descontextualizado do mundo
real do educando.
Observa-se uma preocupação excessiva em transmitir uma grande
quantidade de conteúdos programáticos e poucos são aqueles professores
que junto com os alunos realizam atividades reflexivas, pois o objetivo desse
tipo de escola é cumprir o programa cumprindo uma bagagem conteudista que
se traduz em quantidade e não em qualidade de ensino.
Pacheco (2006) em seu livro “Para Alice com Amor” faz uma reflexão
sobre a educação utilizando metáforas para narrar o trajeto percorrido pela
Escola da Ponte em forma de poesia. No trecho abaixo faz alusão à educação
tradicional:
55
Encerrados nas gaiolas douradas da instrução, os jovens pássaros definhavam na repetição de rotinas. Se a calma reinante era perturbada por um grito, ou pela súbita transformação da graciosidade um vôo num violento choque de asas, tudo voltava ao normal sem demora...O método era a domesticação. Mas se perguntássemos aos adestradores por que domesticavam, não sabiam o que responder (PACHECO, 2006, p. 20).
Acredita-se que é preciso abolir essa forma alienante de trabalho que
nos afasta da realidade e acaba nos transformando em vítimas dessa forma de
compartimentalização do conhecimento.
Os professores já estão acostumados com os currículos lineares em
que se segue exatamente o que se encontra nos livros didáticos. São
praticamente obrigados a seguir os programas que são muito extensos e não
permitem atividades interdisciplinares, desmotivando tanto o professor como
também o aluno. Alves (2008) expõe sua posição à organização dos saberes
da seguinte forma:
O que os professores estão fazendo? Estão cumprindo um “programa”. “Programa” é um cardápio de saberes organizados em seqüência lógica, estabelecido por uma autoridade superior invisível, que nunca está com as crianças. Os saberes do cardápio “programa” não são respostas às perguntas que as crianças fazem. Por isso as crianças não entendem só que têm de aprender o que lhes está sendo ensinado” (ALVES, 2008, p.52).
Sem dúvida mexer na hierarquização das disciplinas causa
desconforto por parte daqueles que estão acostumados à rotina e não desejam
modificar a forma de trabalhar. Repensar a forma de trabalho escolar causa
um desequilíbrio na concepção já enraizada na concepção tradicional das
pessoas.
No Brasil os professores poderiam mostrar aos alunos que os
conteúdos ensinados em sala de aula não estão isolados, mas se relacionam e
é importante considerar os conhecimentos que os alunos trazem de suas
experiências cotidianas. A prática e a teoria se relacionam e estão em
constante processo de aprimoramento, sendo objetos de investigação
permanente.
56
O currículo rígido e linear não favorece a aprendizagem. Sendo assim,
o currículo deveria integrar várias áreas do saber, tornando o conteúdo mais
significativo e interessante às necessidades do aluno. LIBÂNEO (2009) ao
fazer referência às tendências progressistas e à aprendizagem ressalta:
Aprender é um ato de conhecimento da realidade concreta, isto é, da situação real vivida pelo educando, e só tem sentido se resulta de uma aproximação crítica dessa realidade (LIBÂNEO, 2009 p.24).
No que tange ao currículo significativo MOREIRA (1990) compreende
que é no espaço democrático que são aprendidos conhecimentos na busca de
um projeto coletivo:
Um currículo permeado por um interresse em compreensão se identifica por: a) enfatizar a interação entre professores e alunos; b) valorizar a participação de professores e alunos nas decisões; c) enfatizar comportamentos previamente determinados; d) promover a integração do conteúdo; e) selecionar o conteúdo a partir do que possa ser considerado "bom" e não a partir dos objetivos previamente fixados; f) enfatizar julgamento pessoal e racionalidade (MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa, 1990 p. 53).
A escola não pode se restringir a transmitir conteúdos estanques e
sem mobilidade, sendo indispensável que se questione a excessiva
preocupação em passar os conteúdos alterando essa visão restrita, ajudando a
fomentar uma visão crítica da educação através de uma prática dialógica que
conduza à autonomia do aluno servindo como um instrumento de
emancipação.
Grinspum (2011) ao se referir ao currículo aponta sua importância de
ser pautada numa ação coletiva:
A elaboração de um currículo é sempre um trabalho coletivo. No currículo estão colocadas algumas das principais questões com as quais a escola lida: docência, serviços da escola, recursos humanos e materiais, autonomia, competência e relações interpessoais e interinstitucionais, entre outras (GRINSPUM, 2011, p.99).
57
É no sentido da busca de uma prática emancipatória que Grinspum
(2011) descreve a função da Orientação Educacional, buscando “meios
necessários para que a escola cumpra seu papel de ensinar/educar,
promovendo as condições básicas para formação da cidadania dos nossos
alunos” (Grinspum, 2011, p.55).
Por vivermos em uma sociedade capitalista há um ideal de educação
por parte dos pais dos alunos e da própria escola em preparar os alunos para
o mercado de trabalho. O sistema utilizado pelos professores para avaliar
consiste em instrumento que visa padronizar os alunos, ou seja, no sistema
tradicional espera-se um aluno ideal e não um aluno real que possui conflitos
familiares, sociais, etc.
Para Grinspum (2011), a Orientação Educacional busca exatamente
esse aluno real trabalhando valores como a questão dos direitos e deveres que
é tão presente na vivência dos alunos da Escola da Ponte, compreendendo
que “a escola é um dos espaços do cotidiano do sujeito onde a subjetividade
está sendo formada” (Grinspum, 2011, p.104).
As provas expressam um modelo padronizante de comportamento pelo
qual o professor exige dos alunos respostas repetidas e únicas, desprovidas de
uma reflexão acerca do assunto estudado. Dessa forma, as avaliações
reproduzem as “linhas de montagem” descritas por Rubem Alves, em que o
conhecimento deve estar de acordo com modelos pré-estabelecidos, retirando
toda forma de liberdade e criatividade. Sob esse prisma, a prova pode ser um
momento privilegiado de estudo dependendo da forma que é conduzida, mas
não pode ser o único instrumento usado para avaliar o aluno, correndo o risco
de ser uma prática meramente reprodutora, funcionando como mecanismo de
poder (ALVES, 2008, p.35).
Quanto à questão da avaliação na Escola da Ponte, os alunos
informam quando já sabem sobre um determinado conteúdo e ao alcançarem
os objetivos escrevem num dispositivo exposto na parede do espaço de
trabalho. No momento que se sentem preparados procuram um professor para
explicar os resultados do projeto e o que foi aprendido.
58
Contrariando o conceito de avaliação existente na Ponte a educação
tradicional reproduz as ideias de um grupo hegemônico que quer se conservar
no poder e as leis elaboradas são controladas pelo Estado que é formado por
uma classe dominante que possui interesses econômicos e políticos. Trata-se
de uma visão individualista e competitiva que impera no âmbito escolar
transmitindo os do sistema capitalista. Os alunos são moldados e não são
trabalhados valores como solidariedade, cooperação e liberdade de expressão.
Em oposição a essa perspectiva acima, a Escola da Ponte propõe uma
escola que acolhe e inclui todos os alunos sem restrições, com a função de
construir uma sociedade em que as pessoas saibam conviver e organizar seus
conhecimentos para o atendimento de todas as necessidades. Uma educação
dialógica em que o aluno tem a palavra e sua voz é ouvida pelos demais
colegas e pelos professores em diferentes momentos; nas Assembléias, nas
aulas diretas, nos projetos coletivos, etc.
Combinando a valorização da heterogeneidade e o desenvolvimento
da autonomia com responsabilidade, enfatiza atividades de pesquisa por meio
da livre expressão e do uso da criatividade. A Ponte substituiu o que tinha da
educação tradicional criando Dispositivos Pedagógicos: caixinha de segredos,
a Assembléia, Comissão de Ajuda, o Preciso de Ajuda, o Acho Bem, o Acho
Mal, os grupos de responsabilidades, a autoavaliação, as aulas diretas, o
professor tutor, etc. Esses Dispositivos Pedagógicos promovem a
materialização de princípios como solidariedade e cooperação.
Dessa forma, a organização pedagógica, o currículo e o Projeto
Pedagógico da Escola da Ponte podem auxiliar na busca de uma estrutura
mais democrática no Brasil vislumbrando uma educação significativa e de
qualidade.
O papel da Orientação Educacional numa dimensão pedagógica é de
“valorizar não só os aspectos cognitivos, mas também os afetivos e
psicomotores” (GRINSPUM, 2011, p.104). É fundamental observarmos o aluno
como um todo, numa visão global e não mais isolada num determinado
aspecto.
59
Em algumas escolas no Brasil também há assembléias de alunos, mas
dificilmente encontraremos o mesmo grau de responsabilidade e engajamento
dos alunos que ocorre na Ponte. Em outras instituições observa-se uma
assembléia de alunos organizada por professores decidindo sobre festas e
questões à margem da vida escolar, não sendo tratados assuntos como
indisciplina, Direitos e Deveres e outras questões do cotidiano escolar.
Cabe também enfatizar que na Escola da Ponte não existem aulas
expositivas de um professor para uma determinada turma e grupo de alunos
em uma sala de aula, porque não há salas de aula e nem paredes para
separar um grupo de alunos do outro. Os próprios alunos definem o que
estudar e com quem desejam formar grupos a fim de organizarem planos de
estudos coletivos.
Os professores circulam nos espaços para solucionar as dúvidas que
possam aparecer durante o planejamento dos projetos. Nesse contexto os
professores não vivenciam a experiência de estarem isolados em suas salas
de aula e sentem-se parte de uma equipe, de uma família, sendo mediadores
das aprendizagens e se reunindo com os alunos para juntos prepararem o
plano da No que tange ao âmbito do trabalho do Orientador Educacional junto
aos alunos, este exerce o papel de levá-los à reflexão da realidade. Grinspum
(2011) descreve que a função dos Orientadores Educacionais em relação aos
alunos:
Auxiliá-los através de uma prática pedagógica que estimule sua participação, desenvolvendo sua capacidade de criticar e fundamentar sua crítica, de optar e assumir a responsabilidade de suas escolhas, de participar do planejamento, da execução e da avaliação do trabalho pedagógico (GRINSPUM, 2011, p.115).
Por meio do trabalho em equipe o professor compartilha
conhecimentos e experiências, sendo capaz de ultrapassar os obstáculos que
venham a surgir com maior clareza, pois o trabalho é pautado na coletividade
fundamentado no Projeto Educativo da Escola da Ponte. O projeto da Escola
da Ponte é uma fonte para inspirar novos fazeres, porque é bom sabermos o
60
que foi possível construir a partir do instante que um professor, no caso o José
Pacheco, fez do seu trabalho um projeto de vida e as coisas aconteceram.
Também não existe o processo de aprendizagem por transmissão do
conhecimento, o professor na Escola da Ponte dá condições orientando o
caminho e o aluno encontra as soluções. Desenvolvem a capacidade de
raciocinar, criar e pesquisar com autonomia e responsabilidade e os próprios
alunos exigem uns dos outros que se comportem bem observando os Direitos
e Deveres.
Em relação à função da Orientação Educacional no Brasil no que diz
respeito à realização de um trabalho participativo, este unto aos professores
numa visão de trabalho em conjunto. Segundo Grinspum (2011) os
orientadores educacionais devem junto aos professores:
Colaborar e participar da construção do projeto político pedagógico da escola, principalmente através de seu currículo. Trabalhando junto aos professores, através de uma reflexão crítica da prática pedagógica, o Orientador procurará contribuir para a discussão da realidade dos alunos, das finalidades do processo pedagógico, do sistema de avaliação, das questões de evasão e repetência... (Grinspum, 2011, p.116).
Nas escolas tradicionais no Brasil todo o trabalho é quase todo definido
pelo professor, só que é preciso entender que a autonomia para saber o que
escolher é um conhecimento social, que se constrói na relação com os outros.
Espera-se dos alunos atitudes de pessoas autônomas, quando estão inseridas
numa cultura escolar que oferece apenas “pinceladas” de autonomia, gerando
um processo que não atinge o alvo esperado. Pesquisar é uma ação que
implica pessoas autônomas, mas só se constrói autonomia no contexto de uma
cultura que esse valor respire por todos os poros.
Como vemos é inconcebível prosseguir num modelo de educação
tradicional, que conduz a uma aprendizagem condicionante, mecânica e
reprodutora, que faz com que o aluno não queira prosseguir os estudos por
não ver sentido no que está sendo trabalhado na escola. Um dos motivos da
evasão escolar no Brasil é conseqüência dessa falta de interesse em
61
decorrência de uma aprendizagem que está desvinculada da história de vida
dos alunos.
Além do problema da evasão, o sistema educacional tradicional
privilegia a homogeneidade deixando de considerar as características
individuais do indivíduo e o contexto cultural e social no qual estão inseridos.
Esta escola se mostra um espaço que não está aberto ao diálogo e não tem a
intenção de desenvolver uma educação democrática, aberta às diferentes
vozes. Pelo contrário, cala as vozes reprimidas por um sistema opressor. Na
maioria das escolas predomina uma tendência em privilegiar conteúdos
estanques em que as áreas de conhecimento não dialogam entre si e gera
uma situação complicada no âmbito escolar: a aprendizagem não faz sentido
para o aluno. Os professores têm a função de passar conteúdos alienantes
incapazes de levar a uma ampliação intelectual do indivíduo que não necessita
pensar criticamente, apenas reproduz o conhecimento sem realmente
apropriá-lo. É sempre um desafio quebrarmos as paredes que estão dentro de
nós...
Sendo assim, no Brasil o sistema tradicional de ensino falha por
trabalhar em torno da idéia de aluno ideal seguindo modelos determinados,
impondo uma homogeneidade que é excludente e não considera as diferenças
sociais existentes em nosso país. A escola é deficiente por não despertar no
aluno a paixão pelo conhecimento e sua importância como instrumento contra
as injustiças em nossa sociedade.
O alvo que deve ser considerado para uma transformação educacional
é um projeto político pedagógico com professores, pais de alunos,
funcionários, comunidade e alunos se unindo num só propósito de levar aos
alunos a uma busca de autonomia com liberdade, por meio de uma educação
mais humana e de um projeto pedagógico transformador.
Freire (1996) descreve que quanto mais o aluno exerce sua liberdade,
mais vai desenvolvendo atitudes responsáveis e faz alusão à autonomia que
faz parte desse processo de construção da aprendizagem.
É com ela, a autonomia, penosamente construindo-se, que a liberdade e preenchendo o “espaço” antes “habitado” por sua
62
dependência. Sua autonomia que se funda na responsabilidade vai sendo assumida (FREIRE, 1996, p.94).
Importante destacar que várias escolas brasileiras também estão
comprometidas com a questão educacional, introduzindo práticas inovadoras
baseadas em tendências democráticas que proporcionam aos alunos o
exercício do diálogo com atitudes solidárias. Porém este trabalho restringe-se à
discussão da educação tradicional no Brasil estabelecendo uma comparação
com o trabalho realizado na Escola da Ponte.
O ensino precisa superar o ensino conteudista, consistindo numa
proposta pedagógica preocupada com a vida dos alunos. O conhecimento
deve ser significativo e voltado para atitudes críticas levando ao
questionamento e desenvolvimento de habilidades e conhecimentos.
Um aspecto relevante da Escola da Ponte comparado com nossas
escolas brasileiras (públicas) é a quantidade de material disponível à
experimentação por parte dos alunos. São diversos instrumentos musicais,
tintas, papéis, tecidos, roupas, além dos alunos trabalharem com as mídias
digitais (tanto em música, quanto em artes visuais). Criam filmes, sons,
trabalham fotos e utilizam o recurso da internet nas atividades de
aprofundamento das pesquisas.
O diferencial da Escola da Ponte está na organização pedagógica, com
cartazes simples com desenhos e recorte de jornal pelas paredes, um papel
convidando os alunos a participarem da Assembléia, momento em que os
estudantes resolvem conflitos e definem os Direitos e Deveres. Todos os
conteúdos curriculares exigidos pelo Ministério da Educação ficam expostos
nas paredes para que todos tenham conhecimento. Enquanto nas escolas
tradicionais o professor ensina uma matéria por vez para alunos separados em
turmas homogêneas, na Escola da Ponte, o professor lida com diferentes
conteúdos e alunos de idades diferentes.
A aparência física da escola não é muito atraente para os visitantes,
dispondo de um prédio bem antigo que abriga os núcleos da Iniciação e do
Aprofundamento e em uma rua paralela a este prédio, fica o outro complexo
escolar da Ponte que é constituído por uma estrutura de escola pré-moldada.
Foto: Verônica Reis
63
Sendo assim, no aspecto concernente ao quesito beleza exterior, a Ponte está
aquém de muitas escolas públicas no Brasil.
Segundo Pacheco (2008), quando arquitetos e técnicos de educação
conceberam as escolas de área aberta, entendiam que a escola é um local que
a criança passa a maior parte do seu tempo, e que a criança precisa se libertar
da rigidez dos espaços com o objetivo de integrar toda a escola, estimulando
nos alunos a propagação da afetividade e da socialização favorecendo formas
de trabalho individuais, em grupo e atividades livres (PACHECO, 2008, p.198).
Essa proposta de arquitetura torna a escola mais democrática e propícia a uma
flexibilidade nos agrupamentos de alunos e na mobilidade entre os espaços.
Por ser uma escola aberta à comunidade os pais são atuantes e estão
numa posição de destaque na administração dos problemas escolares. Para
qualquer conflito é o Conselho Pais e não um diretor, coordenador ou
professor que possui o poder de decisão. O comprometimento das famílias é
tão grande que alguns pais viajam horas por dia para que seus filhos
freqüentem a escola e prossigam os estudos.
Os pais que levam os filhos para estudarem na Escola da Ponte se
identificam com a escola, passando a assumir postura atuante na escola. O
Contrato de Autonomia estabelecido entre a Escola da Ponte e o Ministério da
Educação assinala que os pais dos alunos devem estar envolvidos na direção
da escola e nos processos de aprendizagem dos alunos. Os encarregados da
educação ao matricularem seus filhos precisam se comprometer a cumprir o
Regulamento Interno, o Projeto Educativo e o Contrato de Autonomia (Projeto
Pedagógico, p.14).
Um aspecto complicado de lidar no âmbito educacional brasileiro é a
dificuldade dos pais se envolverem com a questão educacional dos filhos. Os
pais transferem para a escola a função de ensinar valores básicos se
isentando de muitas responsabilidades em relação à educação. Esquecem-se
de que é necessário um trabalho em conjunto entre a família e a escola,
construindo uma relação de parceria e confiança, em prol de uma educação de
qualidade que possibilite ao aluno conquistar autonomia fazendo uma leitura
crítica do mundo.
64
No Brasil a Orientação Educacional numa perspectiva democrática tem
como objetivo aproximar a família dos alunos do trabalho desenvolvido na
escola. Grinspum (2011) descreve que o orientador educacional deve fazer
com que os pais participem do projeto da escola da organização do projeto
pedagógico até as decisões que a escola irá desenvolver (GRINSPUM, 2011,
p.117).
Em relação ao Contrato de Autonomia firmado em 2005 entre a Escola
da Ponte e o Ministério da Educação, é uma característica inédita em Portugal
e no mundo, permitindo que uma escola pública faça sua própria seleção de
professores que devem estar de acordo com o Projeto Educativo e o
Regulamento Interno da escola. Constitui um modelo de organização escolar
que se diferencia das características dos modelos das demais escolas públicas
estatais e possibilitando a esta escola trabalhar com um conjunto de
dispositivos pedagógicos, selecionando o método de ensino e de avaliação
adequados às necessidades dos alunos, servindo de exemplo para muitas
escolas em outros países (Contrato de Autonomia, p.3 e 4).
Os problemas educacionais em Portugal não se diferem muito dos
vivenciados no Brasil no que se refere ao aspecto da violência no âmbito
escolar, com exceção da Escola da Ponte que recebe muitos “alunos
problemas” que foram rejeitados por outras instituições, mostrando a esses
alunos uma forma de aprendizagem que respeita os diferentes ritmos de
aprendizagens e valoriza as potencialidades individuais do indivíduo.
A partir de informações fornecidas por familiares que atuam como
docentes na rede pública e dados obtidos por intermédio de professores da
Escola da Ponte, conclui-se que os professores portugueses são bem
remunerados (apesar da crise instaurada em Portugal), sendo que um
professor que trabalha no primeiro segmento do ensino básico em início de
carreira recebe um salário de 1135 euros mensais e quando se aposentam o
salário passa para 2992 euros. Como vemos é mais do que muitos professores
universitários recebem atualmente no Brasil.
Além de receberem um ótimo salário, trabalham em uma só escola em
período integral e não precisam se deslocar de uma escola para outra como os
65
professores no Brasil, que para aumentarem o orçamento familiar precisam
trabalhar em diversas escolas em um só dia. Os professores portugueses por
fixarem-se apenas em uma escola, são capazes de se dedicar com maior
afinco ao trabalho que propõem fazer, com o benefício da profissão ser vista
com prestígio por toda sociedade.
No entanto, em nosso país os professores não têm a mesma
credibilidade por parte da população, perdendo o reconhecimento e a auto-
estima e sobrevivendo com migalhas do Estado. Mesmo assim, esses
brasileiros prosseguem na luta diária em meio a inúmeras dificuldades, dando
exemplo de resistência e persistência, acreditando que a educação é o
caminho para a transformação social sem usarem os baixos salários como
justificativa para uma omissão.
Pelo fato dessa educação estar voltada para a emancipação, envolvem
os conceitos de cidadania, autonomia e democracia com atitudes que podem
ser tomadas no presente para mudar e acolher a todos com dignidade que
precisamos buscar. O processo de reflexão sobre a construção de uma escola
cidadã implica abdicar às ideias cristalizadas e repensar acerca das práticas já
consolidadas.
No Brasil professores já compreenderam que é possível mudar,
inovando e olhando para a realidade que a escola está inserida adaptando
alguns princípios da Escola da Ponte, entre eles a autonomia, a
responsabilidade e a liberdade.
A partir das relações estabelecidas na Escola da Ponte, pessoas de
diferentes países visitam a escola buscando entender o seu funcionamento.
Pretendem fazer algumas alterações nas escolas que lecionam a fim de
aperfeiçoar o processo de aprendizagem. Na verdade não têm a intenção de
copiar a Escola da Ponte, apenas fazer algumas modificações com base nos
princípios pedagógicos da escola portuguesa. A questão não é seguir ou copiar
a Ponte, mas construir um projeto de escola baseado no respeito à capacidade
criativa e autônoma das pessoas.
A Orientação Educacional pode usar o exemplo da Escola Ponte
reinventando novas metodologias a serem aproveitadas nas escolas
66
brasileiras, buscando a coerência na formação do ser humano, proporcionar
uma verdadeira aprendizagem que conduz à felicidade. Fugir dos
conhecimentos mecânicos e nos aproximarmos dos conhecimentos que nos
acrescentem saberem construídos sob reflexões, com criatividade e
autonomia.
O principal papel da Orientação será ajudar o aluno na formação de uma cidadania crítica, e a escola, na organização e realização de seu projeto pedagógico. Isso significa ajudar nosso aluno “por inteiro”: com utopias, desejos e paixões. A escola com toda sua teia de relações, constitui o eixo dessa área da Orientação, isto é, a Orientação trabalha na escola em favor da cidadania, não criando um serviço de orientação para atender os excluídos (do conhecimento, do comportamento, dos procedimentos etc.), mas para entendê-los, através das relações que ocorrem (poder/ saber, fazer/ saber) na instituição Escola (GRINSPUN, 2011, p.37).
Uma mudança foi possível em Portugal, mesmo diante de todo rigor do
Ministério da Educação deste país. Por isso, é perfeitamente viável que
encontremos a nossa escola, sem copiar tal realidade, mas a partir dela
podemos nos encorajar e superar quaisquer barreiras que porventura
atravessem nossos caminhos.
Optando pela vida tal qual ela é, sem redomas. Estamos lutando pela inclusão de todos os alunos que são expulsos dessa mesma escola que, insistimos, é para todos. Nossa escola não está preparada nem para crianças consideradas normais, muito menos para as pessoas com deficiência. Porque queremos uma escola onde afinados e desafinados façam parte da mesma orquestra? É porque acreditamos que todas as crianças têm o direito a crescer em ambientes o mais livres possível e juntas, independentemente de raça, credo ou capacidade intelectual... Nela, de fato, a afinação da orquestra acontece (PACHECO, 2006, p.49).
67
CONCLUSÃO
Ao conhecer uma escola fascinante, na qual a aprendizagem ocorre
em consonância com o prazer distante da lógica que prevalece nas escolas
tradicionais caracterizadas por um professor que ensina uma matéria por vez
para alunos separados em turmas homogêneas. Não há a burocracia tão
comum às instituições de ensino em que os diretores ditam as regras e
professores e alunos “dizem amém”. Pelo contrário, na Ponte tudo é decidido
em conjunto pela comunidade educativa no exercício da prática democrática.
Qualquer pessoa que lida com a educação ficaria encantada com o
que se vê e ouve na Ponte, um espaço que respeita o indivíduo com suas
diferenças e limitações e trata a criança como um agente de sua própria
aprendizagem. A Escola da Ponte é um dos exemplos, de instituição escolar
que conseguiu estabelecer a gestão democrática em seu interior, mostrando-
nos que a partir de alguns pressupostos é possível colocarmos em prática uma
educação na cidadania.
A escola construiu seu projeto ouvindo as diferentes vozes, tendo
dentre os valores que constituem partes do projeto: a solidariedade, a
autonomia e a responsabilidade, constituindo valores que impregnam todas as
ações desenvolvidas na escola.
A Ponte provou que um projeto construído coletivamente é um dos
mais importantes instrumentos de luta e de emancipação. Por estarem em uma
escola cooperativa as pessoas aprendem umas com as outras a ajudar e a
reconhecer a necessidade de trocar experiências. Na escola não é enfatizada
a questão da competição já que a convivência está baseada na afetividade
com valores democráticos englobando todas as atividades.
Nossa intenção ao abordar a Escola da Ponte não é trazê-la como
modelo reproduzido no Brasil, mas para, de acordo com nossas peculiaridades
e, tomando seu exemplo, nos interrogarmos e examinarmos a realidade da
68
escola, cada uma particularmente, e de seu entorno, refletir e, se acharmos
necessário e possível, procurar outros fazeres, outros tempos e espaços
educativos, outro olhar sobre a prática que envolve nossas escolas e sobre o
aluno, reconhecendo-o como participante de toda a ação organizada numa
dimensão reflexiva de educação.
Entendemos que não existe uma fórmula de gestão democrática, mas
reconhecemos que é na ação coletiva que o projeto político pedagógico se
desenvolve e a Escola da Ponte parece ter se conscientizado da importância
do projeto pedagógico para a transformação do processo educacional
seguindo valores capazes de levar à democratização e autonomia da escola.
Como foi analisada anteriormente, a administração participativa
representa a base para superar do processo burocrático, mas precisa ser um
ato refletido para que não seja considerado apenas um modismo na escola,
com grande chance de acabar e voltarmos à condição antes vivenciada.
Ao contrário do que muitas pessoas possam pensar ao considerarem a
Ponte uma espécie de instituição sem regras, esta segue o Projeto
Pedagógico, o Regimento Interno e os dispositivos pedagógicos de natureza
democrática. As regras existem, porém, a diferença se relaciona com o fato de
como as regras são criadas, ou seja, através de constantes diálogos na escola
envolvendo professores, alunos e pais dos alunos. O respeito e a forma como
essas regras são seguidas pelos alunos são essenciais para o bom
funcionamento Poderia ser um local caracterizado por uma liberdade
confundida com uma desordem, mas os alunos assumiram a proposta
pedagógica da Ponte e compreenderam que é possível trabalhar com
liberdade e responsabilidade, se portando como sujeitos agentes de
aprendizagem e autonomia. Em relação à questão pedagógica Grinspum
(2011) aponta um aspecto fundamental concernente à importância da
aprendizagem como um processo de amadurecimento do indivíduo.
O trabalho pedagógico deve buscar insistentemente o fortalecimento da educação, enquanto dimensão da prática social e global; de ensino, enquanto atividade calçada na realidade objetiva de quem aprende, e da aprendizagem enquanto processo pessoal e intransferível que acontece
69
dentro de cada indivíduo, tendo em vista seu amadurecimento (GRINSPUM, 2011, p.99).
Mesmo com uma estrutura muito simples, semelhante a diversas
escolas conhecidas no Brasil, é possível fazer a diferença. Os alunos lá
também possuem problemas como violência, famílias desestruturadas, etc.
Engana-se quem pensa que só por ser uma escola localizada em Portugal seja
fácil o trabalho escolar. É justamente por ser uma escola que se preocupa em
acolher aqueles alunos desprezados e excluídos pelas demais escolas que
não foram capazes de olhar cada aluno como único com suas singularidades,
que a faz ser uma escola inclusiva. O que faz a Ponte ser uma escola
diferente?
Pode-se concluir que a Escola da Ponte se destaca pela solidariedade
orientando o trabalho daqueles envolvidos com a educação. Convive-se no
exercício da cidadania em cada local da escola, compreendendo-a na prática.
É uma escola pública preocupada em disseminar valores essenciais que
permitem ao aluno ver o mundo como ele realmente é. A beleza que permeia a
aprendizagem caracteriza-se pelo sentimento coletivo de felicidade que é
difundido nos corações daqueles que lá se encontram.
Compreendendo que a ajuda e o respeito ao outro são formas de
exercer a cidadania, entre os vários dispositivos já descritos neste trabalho, a
Ponte ressalta que todo o aluno pode reconhecer que sempre será apenas a
parte de um todo. Há uma total consciência no que tange à participação de
todos os alunos em Assembléias e mesmo nas constantes trocas entre alunos
e professores.
Trata-se portanto de repensarmos nos modelos e nas metodologias de
ensino, um sistema educativo em que se considere o aluno como único,
respeitando a sua essência e procurando promover o seu desenvolvimento
cognitivo, social e pessoal. Promover a autonomia das crianças, ensinando o
sentido de responsabilidade permitindo uma liberdade responsável.
Nesse sentido, torna-se indispensável observar as diferentes práticas
vinculadas à educação através de uma formação humanizadora no qual a vida,
a aprendizagem e a ação estejam juntos. A partir da proposta inovadora da
70
Escola da Ponte, pode-se vislumbrar mais uma alternativa à superação da
crise existente na educação. Alguns dispositivos pedagógicos e princípios
como liberdade, autonomia e responsabilidade com a ação conjunta dos pais
de alunos, dos professores e dos professores em torno de uma educação
democrática, têm-se mais uma forma de trabalho servindo como um
instrumento à emancipação.
Por tudo que foi descrito ao longo desse trabalho procurou-se analisar
o Projeto Educativo e a organização da Escola da Ponte, a fim de se pensar na
reorganização da escola pública em seus espaços e tempos escolares em prol
da democratização do processo de aprendizagem, presssupondo uma
mudança em relação às concepções cristalizadas com vistas a uma abertura
maior e um reconhecimento da identidade cultural respeitando o saber do
educando. “O educando que exercita sua liberdade ficará tão mais livre quanto
mais eticamente vá assumindo a responsabilidade de suas ações. Decidir é
romper e, para isso, preciso correr risco” (FREIRE, 1996, p.93).
A Ponte seria fonte de inspiração e estímulo às escolas, aos
orientadores educacionais e pedagógicos e aos professores que podem buscar
algumas iniciativas a uma educação responsável e solidária. Sendo assim, a
escola precisar ser formadora de sujeitos críticos, como resultado da ação de
indivíduos que acreditem e trabalhem para que esse papel transformador da
escola seja mantido.
Na medida em que o aluno vai construindo sua personalidade, enquanto participa do processo pedagógico, ele terá possibilidade de construir sua identidade pessoal, grupal, de classe, de nacionalidade, de autoconceito positivo, de conhecimento de si, do outro e do mundo. Vai trabalhando seus valores culturais; caminha em busca da compreensão do contexto, com suas contradições, conflitos e consensos; da subjetividade que está colocada na objetividade dos dados. (GRINSPUM, 2011, p.116).
71
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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72
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Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
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realização. São Paulo: Libertad, 2004.
VEIGA, Ilma Passos A. (Org.). Projeto político- pedagógico: um convite à
reflexão. Campinas: Papirus, 2006.
73
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
(TÍTULO) 11
1.1 - A Busca do Saber 12
1.2 – O prazer de pesquisar 15
1.2.1 - Fator psicológico 15
1.2.2 - Estímulo e Resposta 17
CONCLUSÃO 48
ANEXOS 49
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 52
BIBLIOGRAFIA CITADA 54
ÍNDICE 55