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1 UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSUS PROJETO “A VEZ DO MESTRE” O COMPORTAMENTO EMOCIONAL NA CRISE CONJUGAL POR: CÍNTIA SOUZA NETO Professora Orientadora: DIVA NEREIDA M. M. MARANHÃO RIO DE JANEIRO - RJ MARÇO DE 2003

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E

DESENVOLVIMENTO INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSUS PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

O COMPORTAMENTO EMOCIONAL NA CRISE CONJUGAL

POR:

CÍNTIA SOUZA NETO

Professora Orientadora: DIVA NEREIDA M. M. MARANHÃO

RIO DE JANEIRO - RJ MARÇO DE 2003

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E

DESENVOLVIMENTO INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSUS PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

O COMPORTAMENTO EMOCIONAL NA CRISE

CONJUGAL

Monografia apresentada para Universidade Cândido Mendes como requisito parcial para

conclusão do título do curso de pós-graduação em Terapia de Família.

RIO DE JANEIRO - RJ

MARÇO DE 2003

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................04

I - ADAPTANDO-SE À NOVA REALIDADE .....................................................07

II -HISTÓRICO DA INSTITUIÇÃO FAMÍLIA ....................................................08

III - O CASAL ENQUANTO FAMÍLIA ................................................................09

IV - COMO A CRISE ATRAVESSA O RELACIONAMENTO CONJUGAL .......11

V - A DEFINIÇÃO DE PAPÉIS ............................................................................15

VI - UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO .......................................................17

CONCLUSÃO .......................................................................................................26

BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................28

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METODOLOGIA DE PESQUISA

O procedimento técnico proposto neste trabalho é a pesquisa bibliográfica com o

objetivo de organizar informações que evidenciem o comportamento dos casais ao

enfrentar uma crise conjugal, entendendo-se que este analisa comportamentos sociais e

emocionais dos casais compreendendo a dinâmica familiar no âmbito sociocultural dessas

relações.

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INTRODUÇÃO

A crise do casal ainda é algo bem discutido e merece toda uma reflexão à partir do

pressuposto de que todos nós, casados ou não, enfrentamos conflitos no nosso dia-a-dia, no

entanto, o que mais nos incomoda, é que no viver a dois, tais crises podem surgir de forma

dobrada, ou seja, a fragilidade pode ser considerada maior...

Quando fala-se de crise, fala-se também de comportamento, onde na verdade, o

primeiro leva ao encontro de outro; no próprio desenvolvimento do ser humano, passamos

por crises de identidade, existenciais e até acidentais (que são aquelas imprevisíveis) e em

cada uma delas agimos de forma diferenciada dependendo do quanto e como

administramos (ou não) tais conflitos. Na realidade, enquanto vivermos em sociedade,

acreditando, portanto, que o homem não foi feito para viver só, estaremos sujeitos a

mudanças e que estas podem vir acompanhadas de crises, afinal, precisamos reconhecer

que temos dificuldades em lidar com o novo ou o inesperado.

O objetivo do presente trabalho não é ensinar os leitores a solucionar crises, mas a

detectá-las e tratá-las de forma correta, identificando as possíveis causas que geraram um

determinado comportamento a partir de reflexões e observações sobre uniões e

rompimentos conjugais, sob uma ótica própria da dinâmica familiar e a fragilidade

emocional no qual estamos inseridos hoje.

Falar de família nos dias de hoje é analisar todo um sistema econômico-cultural-

social; não podemos descartar ou desconsiderar partes integrantes deste ciclo, muitas vezes

vicioso, em que aprendemos a sobreviver conforme os valores internalizados; Família

significa, segundo nosso amigo dicionário, pessoas aparentadas que vivem, em geral, na

mesma casa, particularmente, o pai, a mãe e os filhos; pessoas do mesmo sangue; conjunto

de gêneros afins. Seguindo esta mesma linha de pensamento, casar, ainda segundo o mesmo

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6 recurso, significa matrimoniar; Unir, ligar; Unir-se a alguém por matrimônio. Neste

sentido, observa-se que quando duas pessoas decidem casar-se, ou dar-se em casamento, há

um objetivo em comum: União. Entender porque as pessoas resolvem unir-se não é algo tão

complicado; precisamos do outro, e então, acreditamos que o outro é capaz de completar ou

preencher algo que porventura falte em nós; Quando mantemos este tipo de pensamento,

depositamos no outro toda a responsabilidade da nossa própria felicidade, ou seja,

culpamos o outro se, durante o casamento, nos tornamos infelizes.

Na realidade, quando duas pessoas decidem unir-se, levam consigo toda uma

bagagem cultural bem singular; Cada um de nós recebemos uma formação educacional

diferenciada e levamos essa experiência também para o matrimônio; o que nos esquecemos

muitas vezes é que, infelizmente, não estamos preparados para lidar com o novo;

geralmente acreditamos que mudar o outro será mais fácil ou o mais correto do que mudar

nossos próprios conceitos; As diferenças não são desculpas para um relacionamento ruim,

ao contrário, elas podem acrescentar algo de especial à vida a dois, mas para isto, é preciso

conhecê-las para poder usá-las.

Quando entra-se neste processo, que muitas vezes torna-se algo vicioso, criam-se

verdadeiras ‘minas’ dentro do lar e se não houver colaboração de ambas as partes no

sentido de desarmá-las, começa-se a cultivar bombas que podem ameaçar o objetivo inicial

do relacionamento: A União.

Vivemos em uma sociedade muito exigente, que a cada dia algo é superado,

estamos na era da modernidade e isso influencia também no relacionamento conjugal;

Engana-se quem acredita que não sofremos tais transformações assim como no mundo

moderno; Estamos sempre querendo a superação tanto na área profissional quanto na vida

afetiva, e nesse processo de ansiedade, constroem-se verdadeiros muros que separam os

desejos pessoais das exigências deste mundo globalizado; Quando atinge-se um certo grau

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7 de maturidade, entende-se que somos humanos e, portanto, falhamos, compreendemos que

temos limitações e que devemos aprender a lidar com as mesmas de forma simples e eficaz.

A vida familiar e/ou conjugal é algo dinâmico e nesse processo existem fases

diferentes, diversificadas, onde os papéis sofrem também significativas transformações; a

cada nova fase, novos papéis, novos sentimentos, novas transformações e neste ciclo

evolutivo, faz-se necessário novas reflexões a respeito de objetivos e prioridades que se

deseja alcançar; Neste sentido, cada etapa da vida nos reserva dificuldades e desafios, mas

também nos proporciona novos prazeres e alegrias. Cabe a cada membro da família cumprir

bem o seu papel e viver intensamente cada fase.

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Capítulo I

ADAPTANDO-SE À NOVA REALIDADE

Uma das coisas mais importantes no relacionamento conjugal é respeitar as suas

fases, bem como usufruir de cada uma delas.

Os primeiros anos do casamento são marcados pela necessidade de adaptação. Os

Cônjuges chegam ao casamento com experiências diferentes e visões de mundo tão

particulares quanto suas experiências. Tal situação pode e deve promover um profundo

vínculo de amor que muitas vezes se caracterizará por um início difícil ou, desencadear

acontecimentos, a princípio pequenos, mas que gerarão grandes problemas.

Marido e mulher passarão a descobrir os prazeres e as dificuldades da vida a dois;

No período de adaptação, que pode durar uma vida inteira, ambos necessitam procurar

soluções criativas que ajudem a trazer paz a ambos. Muitos casais enfrentam dificuldades

quando tentam viver um casamento em que cada um mantém uma postura individualista,

agindo como se ainda fosse solteiro. Assim, ambos necessitam procurar ser um terceiro

indivíduo. Não uma dupla personalidade mas uma terceira personalidade, a do casal, as

decisões do casal, o bem-estar do casal, etc.

Procurar uma atitude sincera diante dos problemas é importante pois é uma forma

de assumir que eles existem, bem como cada um ter sua parcela de responsabilidade.

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CAPÍTULO II

HISTÓRICO DA INSTITUIÇÃO FAMÍLIA

O casamento, desde seus primórdios, era encarado como um ‘negócio de família’;

onde, na realidade, o papel do casamento era manter e/ou constituir alianças entre os

membros das famílias em questão; o amor, a paixão era vivida nas relações extra-

casamento, onde encontravam-se mulheres com a função de dar prazer ao homem; a

sexualidade era, então, algo extra-conjugal e o casamento tinha a função específica da

reprodução.

A igreja também tinha (e ainda tem) seu papel na relação conjugal; esta, por sua

vez, permitia que, no casamento, houvesse relações prazerozas, desde que com a finalidade

de procriação; neste sentido, o casamento tinha como função principal a continuidade da

espécie.

É então, à partir do século XVIII que a era moderna dá lugar ao amor romântico,

que, tornara-se o ideal de casamento; No entanto, o modernismo atual coloca à prova outro

aspecto importante nessa relação: A duração do casamento. O divórcio tem o papel de

reparador de um possível erro que se tenha cometido ou uma nova saída para uma relação

não ideal. Na realidade, hoje, os casais definem e recriam suas expectativas à luz das

possibilidades de um casamento dar certo ou não.

Casar muitas vezes significa despesas, contradições e riscos, um desafio para quem

deseja ser feliz numa relação que pode ser duradoura ou não; a grande questão é estar

preparado para enfrentar tais (e outras) crises em busca desse amor romântico, que está

cada vez mais distante de nossa realidade.

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Capítulo III

O CASAL ENQUANTO FAMÍLIA

A idéia da falência da família como instituição é incômoda enquanto inseridos na

cultura brasileira, que é, sem dúvida, muito conservadora.

Ao longo da história, a família tem sofrido transformações que são reflexos das

mudanças sofridas pelo homem através dos tempos. No Brasil, as coisas mudaram

consideravelmente no final da década de 50. Com a abertura econômica adotada pelo

governo no período pós-Getulista, ocorre uma invasão de tecnologia importada de países

desenvolvidos e a indústria nacional também goza de pleno desenvolvimento. Com isso, as

pessoas se deslocam do campo para as cidades; Estas crescem assustadoramente, gerando

problemas sociais, como o desemprego, o aumento da pobreza, a violência urbana e outros.

Com os industrializados vêm, também de fora, as idéias diferentes – os modernismos.

Os meios de comunicação se desenvolvem e tornam-se poderosos na capacidade de

mudar conceitos, quebrar valores tradicionais e banalizar coisas tão importantes como a

sexualidade, o amor e a família, entre outros tantos.

O desenvolvimento tecnológico culmina na era da informática e dos controles

remotos. O fascínio pela máquina aliado ao pânico da violência nas ruas, levaram o homem

a se isolar. O homem está só, como nunca esteve antes. Esta solidão afeta suas emoções,

sua saúde e vida familiar. A grande razão do desmantelamento familiar acaba sendo a

solidão.

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O isolamento, fruto de uma filosofia existencialista, que determina o estilo de vida

do homem moderno, faz com que ele perca, a cada dia, sua capacidade de amar, de se

relacionar

relacionar. Quando mergulhados no individualismo, o homem não se sente responsável

pelo outro, pela sua dor, seus conflitos e até pela sua morte. Pais e filhos, por vezes, andam

dentro de casa como seres estranhos que não te a ver um com a vida do outro. A família

então, adoeceu e é importante descobrir como esses afetos se deterioraram. Outro fator

responsável pela situação de solidão em que se encontram muitos casais/famílias é a quebra

de valores que servem como colunas na estrutura familiar. Os valores do ser humano são

refletidos na maneira de pensar, sentir, fazer opções, etc.

As famílias que vivem sob uma escala de valores falsos, construíram seus lares sob

a areia. Há famílias que estão ligadas pela tradição, outras pela aparência e preocupação

com o ‘status’ social, que fizeram do fator econômico seu fundamento.

O esforço de se restaurar a família, reatar vínculos, juntar os pedaços, resulta em

aprendizado que inclui aceitação, compreensão, solidariedade e valorização do outro.

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Capítulo IV

COMO A CRISE ATRAVESSA O RELACIONAMENTO

CONJUGAL

Para que um casamento se torne algo bem estruturado, bem consolidado, é

necessário, no entanto, mais do que uma determinação do casal para que ele realmente dê

certo; Antes, porém, é preciso que cada uma das partes – homem/mulher - estejam

preparados para assumir responsabilidades. Na realidade, responsabilidade pode ser

associada a compromisso, fazendo com que seja um meio para alcançar uma meta final, que

seria a felicidade e realização do casal; O objetivo aqui não é ensinar como receita de bolo

a conquistar a felicidade no casamento (até porque isso é algo pessoal e intransferível!) mas

sim, desmascarar ou elucidar a razão das crises e, à partir disto, entender o que se passa

com os cônjuges.

Algumas pessoas encaram as crises como uma boa oportunidade de crescimento ou

amadurecimento pessoal; outras se aprofundam nas conseqüências ruins que as crises

podem proporcionar e se afundam de vez no mar de medo, solidão e baixa estima; Os

cônjuges, entretanto, criam mecanismos, verdadeiros atalhos para que os buracos de

problemas mal resolvidos sejam superficialmente encobertos; aparecem, freqüentemente,

em eventos como casais felizes e parecem manter relações cordiais; quando isso ocorre, o

casamento é mantido mais pela crença na família que por fortes laços emocionais entre o

casal; a imagem de família ideal é mantido procurando corresponder ao casamento ou ao

que cada um considera que seja essa união matrimonial. O que fica registrado, à partir

dessa observação, é que o mais importante é que o casamento pareça bom do que realmente

o seja.

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Desentendimentos no casamento são inevitáveis, no entanto, a grande questão é

como discutir, passar pelas crises e ainda assim promover um crescimento conjugal? É

difícil imaginarmos como uma crise pode trazer algum benefício para o casal mas para isso

é necessário avaliar ou repensar alguns aspectos relevantes. No início deste estudo

verificamos que cada um tem suas diferenças, singularidades e que estas precisam ser

respeitadas e que dificilmente conseguimos ou até queremos viver sozinhos... precisamos

do outro. Apesar de já saber desta peculiaridade do ser humano, raramente aceita-se o outro

como ele realmente é, ou como ele se apresenta com suas manias , qualidades, defeitos...

principalmente se estas diferenças não vão de encontro com as particularidades do outro, no

caso, o cônjuge. Na realidade dos fatos, o que faz com que o casamento dê certo (ou não)

não é a ausência ou presença de problemas mas a capacidade dos casais de enfrentar e

resolver as dificuldades que podem surgir no curso de vida matrimonial.

Enquanto vive-se atrelado a este contexto que se chama mundo, não se pode deixar

de passar por alguma crise em algum ponto de nossa existência, quer em nível pessoal ou

interpessoal, no trabalho, na sociedade ou na família.

Diante da possibilidade das crises em nossa experiência como seres humanos, é

importante entender este tema, analisando ainda, alguns referenciais.

De modo geral, o homem enfrenta crises, experiências dolorosas em algum período

da vida. De um certo modo é até saudável o fato de se passar por crises, como já foi

colocado anteriormente, porque elas trazem a possibilidade de crescimento e maturidade. A

questão básica não é a crise em si mesma, mas a atitude de cada cônjuge frente a mesma. É

ela que leva o homem ao fracasso ou a vitória diante da crise.

Há , segundo Manoel Nascimento Pereira de Souza, pelo menos, três tipos de crises

e, à partir dessas, ramificam-se todas as demais:

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• Crises de Desenvolvimento: São aquelas que ocorrem em tempos

previstos, à medida em que o homem vive; crises de infância, da

adolescência e da vida adulta. É profundamente terapêutico que estas

crises sejam realidade no desenvolvimento do ser humano.

• Crises Acidentais: Estas não são previsíveis e, como conseqüência, seus

golpes são mais dolorosos: Morte súbita, separação drástica de um

membro da família, perdas materiais, divórcio, etc. A consciência de que

existem as crises acidentais já pode proporcionar um certo preparo para

enfrenta-las.

• Crises Existenciais: Acontecem em função de inúmeros fatores: Decisões

erradas, egocêntricas; vidas sem sentido; viver auto-destrutivo; complexos

e auto-imagem negativa. Essas crises podem gerar incapacidade de viver

bem consigo mesmo e com os outros.(1999; p.8-10).

As crises trazem conseqüências que podem afetar sensivelmente o tônus emocional

das pessoas, produzindo efeitos como ansiedade, incapacidade/insegurança, perda da auto-

estima, etc.

Existem modos positivos e negativos de enfrentar uma crise. Os modos doentios,

destrutivos, dificultam as saídas das crises, como por exemplo, negar que o problema

existe. Na realidade, quando se nega a existência de um problema, fecham-se as portas para

possíveis soluções.

Outro exemplo é não procurar ajuda ou recusá-la, assumindo um comportamento

suicida, trancando-se e fechando-se em si mesmas. Culpar os outros e não se

responsabilizar pelos sus próprios atos também é uma atitude que dificulta solucionar

crises. Tais pessoas não enfrentam os problemas com o objetivo de avalia-las e refletir.

No entanto, se faz necessário ter uma consciência clara de que as crises são

universais e uma realidade na experiência humana.

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Os conflitos, as crises, os desentendimentos são realidade na vida a dois, pelo

simples fato de duas pessoas diferentes estarem unidas para formar uma nova família. São

ações, atitudes e pensamentos que necessitam ser adaptados ao novo status familiar e estas

mudanças geram conflitos, no entanto, tais ações não devem impedir a harmonia conjugal.

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Capítulo V

A DEFINIÇÃO DE PAPÉIS

A definição de papéis nada mais é do que definição de responsabilidades com o

objetivo de manter e preservar o relacionamento conjugal.

Durante o namoro e o noivado, o casal não julga necessárias tais definições. No

casamento, se deparam com alguns conflitos que precisam ser resolvidos. O maior

problema, é que ambos reivindicam o direito de tomar as decisões finais na vida conjugal.

Embora seja totalmente razoável que ambos tomem decisões no casamento, o fato

de cada um reivindicar o seu direito, já é em si, um agravante importante.

Além disso, muitas decisões são contraditórias, ou seja, o que um decide não é o que o

outro gostaria que fosse e então, o problema já foi estabelecido. À partir daí, o casal já

percebeu que precisam tomar algumas providências para manter (se é o que desejam) a

vitalidade do casamento – ‘Até que a morte os separe’.

É necessário, portanto, que haja uma idéia de unidade em todas as áreas e isso inclui

a comunicação e as decisões do casal. Unidade no sentido de que os dois tomem as

decisões como se fossem um. Isto implica em comunicação ativa entre ambos. Assim, o

diálogo ocupa um lugar de muita importância no relacionamento. Hoje, os casais estão,

geralmente, ocupados com suas atividades cotidianas e muitos têm negligenciado uma

comunicação ativa/transformadora com seu cônjuge. Neste caso, a deterioração do

casamento torna-se inevitável. Investir num casamento saudável requer investir numa

comunicação consistente.

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As decisões podem e devem ser tomadas após intensa troca de impressões e

opiniões com o cônjuge. É claro que isso é um processo; não é algo que ambos decidam e

tudo fica diferente rapidamente; é um caminho onde, ambos, no decorrer do tempo, são

treinados (e vão se treinando mutuamente). Pode-se esperar algum tipo de atrito, pois todo

processo de

aperfeiçoamento requer algum atrito. No entanto, atrito não quer dizer, necessariamente,

conflitos. Pode-se pensar que o atrito é o que uma lixa produz ao lixar uma superfície de

madeira para que fique aparelhada e pronta para o uso. Neste sentido, o atrito que a lixa

produz é benéfico e útil e o resultado final é algo valoroso.

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Capítulo VI

UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

O casamento, célula de origem da família, atualmente encontra-se em crise. Hoje,

no Brasil, um em cada quatro matrimônios termina em divórcio. Podem ser enumeradas

diversas razões para a ocorrência desse índice alarmante, contudo não deter-se-á sobre elas,

e sim, sobre a necessidade premente de amplos estudos no campo da terapia de casal a fim

de se compreender melhor o fenômeno da conjugalidade e buscar recursos profiláticos e

terapêuticos adequados para seus conflitos e distúrbios.

O uso do jogo de areia é um exemplo de técnica utilizada como recurso não verbal

com finalidades exploratórias e terapêuticas á partir de uma abordagem junguiana da

conjugalidade.

O matrimônio implica em intimidade, em que um olhar ou um gesto assumem uma

gama infinita de variações e expressam diversos significados. A comunicação tem um

importante papel na dinâmica conjugal. O dito e o não-dito, circulam pela relação

compondo o mito do casal. Um meio provável de avaliar o quão íntimo se é de alguém é

mensurar o quanto se pode compreender do outro através do olhar e dos gestos, o quanto

pode-se saber do não-dito. Não descarta-se aqui a importância do diálogo no

relacionamento, porém essa técnica vem valorizar também este contato mais íntimo como

mais um recurso a ser utilizado. Alguns casais já esgotaram qualquer tipo de diálogo na

relação e o não-dito pode ser de grande valia nesse momento.

A intimidade vivenciada pelo casal pode ser comparada àquela vivida entre mãe e

bebê, contudo apresenta um traço diferencial: A escolha. O casamento, segundo Whitaker

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“é definido a partir da eleição mútua que institui uma relação de

compromisso, implicando em continuidade temporal e projeto vital

compartilhado. Dessa forma, constitui um modelo adulto de intimidade,

uma vez que pressupõe firmar um pacto afetivo espontâneo e de contínua

ratificação.”(1995; p.21-28)

A escolha mútua entre os parceiros constitui o vínculo conjugal, selado por um

contrato secreto, um acordo nunca dito ou escrito, que regulamenta a reciprocidade e

complementaridade das necessidades, anseios e medos do casal.

Esse contrato serve de base para a formação da aliança conjugal e apresenta três

níveis: consciente, pré-consciente e inconsciente, sendo que os dois últimos atuam através

de manifestações não-verbais.

O contrato consciente contém os elementos discriminados pela consciência como os

motivos que justificam a escolha amorosa e podem ser nomeados: ‘Eu gosto de ti porque és

assim’.

O contrato pré-consciente esconde as metacomunicações não verbalizadas das

expectativas de mudar alguns traços do parceiro. ‘Eu gosto de ti assim, mas nem pense em

fazer isso quando casarmos’.

O contrato inconsciente, por sua vez, refere-se ao intercâmbio de sentimentos

que satisfazem necessidades inconscientes de ambos. Essa troca ocorre por meio de uma

comunicação inconsciente entre os cônjuges, a qual exerce um papel decisivo no casamento

e tem antecedentes arcaicos na psique, pois segue o modelo da primitiva relação não-verbal

mãe-bebê. Segundo Pincus e Dare, esse contrato teria a seguinte forma:

“Eu tentarei ser algumas das coisas mais importantes que você quer de

mim, ainda que algumas delas sejam impossíveis, contraditórias e loucas,

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desde que você seja para mim algumas das coisas impossíveis,

contraditórias e loucas que eu quero que você seja. Não precisamos contar

um ao outro o que são estas coisas, mas ficaremos zangados, aborrecidos

ou deprimidos se não formos fiéis a isso.”(1987;p.40).

A fidelidade às cláusulas desses três níveis de contrato, possibilita a manutenção da

aliança conjugal sem a ocorrência de crises, em uma pretensa estabilidade. Contudo, nem

sempre essa harmonia é indicativa de um vínculo saudável.

Na maioria das vezes, o casal busca a terapia somente quando enfrenta um período

intenso de crise matrimonial. Porém, vale ressaltar que o processo terapêutico conjugal não

visa exclusivamente a supressão dos conflitos, pois são justamente as crises que

possibilitam oportunidades de crescimento individual para os parceiros e também um

incremento de criatividade no relacionamento.

Existem duas principais vertentes em terapia de casal: o modelo sistêmico e o

psicanalítico. O primeiro foi influenciado pela Escola de Palo Alto e o segundo derivou da

teoria de relações objetais de Melanie Klein e foi difundido pela Tavistock Clinic. No

entanto, nenhuma das vertentes apresenta homogeneidade, englobando variados enfoques

divergentes em perspectiva e procedimento terapêutico. O modelo sistêmico enfatiza o

aspecto interpessoal: o casal é um subsistema familiar estruturado em forma de díade. Já o

psicanalítico enfatiza o aspecto intrapsíquico, considerando os determinantes profundos da

relação, sejam estes reais ou fantasiados.

A abordagem da Psicologia Analítica, tem a vantagem de integrar diferentes

conceitos, sobretudo em função de que “o que caracteriza o trabalho do analista junguiano

de casal não é um modo técnico de trabalhar, mas uma visão de ser humano” ( Vargas,

1994, p.108). Por conseguinte, esse autor considera possível inserir a terapia conjugal de

abordagem junguiana nos dois modelos. No sistêmico, pelo fato de pressupor um sistema

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21 de funcionamento da personalidade arquetipicamente estruturado e, no psicanalítico, por

considerar os aspectos inconscientes da psique.

A abordagem junguiana de terapia conjugal não só considera as distorções de

comunicação ou os distúrbios vinculares, mas propõe uma visão que congrega ambos

aspectos: o interpessoal, na medida em que visa a integração dos papéis de marido/mulher

na persona, e o intrapsíquico pois, fundamenta o relacionamento do casal no padrão

arquetípico da coniunctio . Segundo Sharp (1993), Coniunctio, é um termo alquímico que

define uma operação na qual os opostos de uma massa caótica são separados e depois

reunidos em uma forma estável.

O Arquétipo da Coniunctio que refere a união e separação, está na base da

instituição do casamento e geralmente é responsável pela atração original entre duas

pessoas no estágio de enamoramento. Além do papel de homem e mulher, os parceiros

exercem os papéis sociais de marido/esposa e de pai/mãe, os quais têm como base as

vivências parentais de cada um.

Embora Jung nunca tenha atuado diretamente como terapeuta de casais, foi um

precursor no assunto ao publicar em 1925 o artigo O casamento como relacionamento

psíquico, postulando que,

“ quanto maior for o grau de inconsciência do indivíduo a respeito de si

mesmo, menor a possibilidade de livre escolha do parceiro. Por essa razão,

considera que quando o casamento ocorre na primeira metade da vida,

fundamenta-se exclusivamente na projeção de imagens inconscientes do

homem e da mulher, denominadas de anima e animus. A anima é uma

massa hereditária inconsciente, gravada no sistema vital e proveniente de

todas as experiências que os antepassados tiveram com o ser feminino, é

uma imagem de mulher que cada homem carrega dentro de si. O mesmo

vale para a mulher, que carrega uma imagem de homem interna,

denominada animus”. (1995; p.265)

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O matrimônio enquanto uma escolha psicologicamente diferenciada só é possível se

os parceiros tiverem estabelecido uma relação consciente com o seu processo de

Individuação, que é o processo de diferenciação psicológica. A meta da individuação não é

tornar-se perfeito e sobrepujar a própria psicologia pessoal, mas familiarizar-se com ela.

Por essa razão, envolve uma consciência crescente da realidade psíquica única, inclusive

das forças e limitações pessoais e, ao mesmo tempo, implica em uma apreciação mais

ampla da humanidade em geral. Dessa forma, segue dois princípios: em primeiro lugar é

um processo interno e subjetivo de integração e, em segundo, é um processo igualmente

indispensável de relacionamento objetivo.

A desigualdade de tempo em que os parceiros iniciam esse processo pode dificultar

a relação matrimonial do ponto de vista psicológico. Assim, para atingir o relacionamento

individual, o casamento passará por crises, condição indispensável para a tomada de

consciência.

Guggenbuhl-Craig e Vargas, fazem considerações sobre a conjugalidade apontando

duas vias para a mesma.

“A primeira, considerando o casamento como um meio de individuação,

ou seja, descobrir a própria alma através do confronto com o outro. Nesse

caso, os conceitos de normalidade matrimonial seriam relativos, pois o

caminhar de um casal em direção à individuação é singular e não segue

um padrão dos costumes e moral vigentes. A segunda, tratando da

concepção do casamento de bem-estar, a qual o autor considera falida,

uma vez que a convivência diária e rotineira gera inevitáveis confrontos e

conflitos”.( Guggenbuhl-Craig; 1980).

Segundo Vargas, o casamento é visto

“como um organismo vivo e criativo, que irá gerar filhos concretos ou

simbólicos em diferentes áreas da personalidade humana: Biológica,

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social, cultural, psicológica, etc. Dessa forma, o vínculo conjugal sadio é

aquele que permite o desenvolvimento individual dos parceiros e é

caracterizado por uma vivência dialética criativa. Isso não significa um

estado de perfeito entendimento entre o casal ou ausência de conflitos,

mas a elaboração dos mesmos de forma dinâmica, transformando-os em

aspectos propulsores de crescimento e enriquecendo a relação”.(Vargas;

1994; p. 337).

O jogo de areia é um instrumento terapêutico que pode contribuir para a vivência

dialética entre o casal por facilitar a expressão simbólica do mundo interno e também

permite a representação de aspectos pertinentes à realidade objetiva.

O jogo de areia é uma modalidade terapêutica inspirada na World Technique de

Margareth Lowenfeld e desenvolvida por Dora Kalff. Enfatiza a espontaneidade e

criatividade, fundamentando-se em conceitos junguianos.

Consiste na montagem de cenas a partir de imagens espontâneas, utilizando-se de

miniaturas em uma caixa-de-areia. Esta caixa deve ter a forma retangular rasa com a

seguinte dimensão: 72 x 50 x 7 cm. Deve ser construída com material impermeável, a fim

de que se possa molhar a areia para facilitar a modelagem do cenário e ser revestida

internamente com chapa na cor azul claro, para possibilitar a simbolização da água no

fundo e do horizonte nas laterais.

A areia deve cobrir metade da altura da caixa, podendo ser utilizada seca ou

molhada, desde que separadas em caixas diferentes. Preferencialmente, a areia deve ter sido

purificada de detritos e impurezas e especialmente tratada para este fim.

Miniaturas dispostas em um armário ou estante são oferecidas aos clientes para a

montagem das cenas. Podem ser realistas ou fantásticas, abrangendo diversas categorias,

tais como: Animais (domésticos, selvagens, répteis, marinhos, pré-históricos, peçonhentos

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24 e insetos); construções; brinquedos; armas; objetos; pedras; figuras (humanas, mitológicas,

fantásticas e sacras); meios de transporte e etc.

O registro das cenas é feito através de fotografia da cena final e anotações

esquemáticas durante a montagem das cenas, especificando a ordem de colocação das peças

e possíveis alterações.

O valor do Jogo de Areia repousa no seu caráter vivencial, pois prescinde de regras.

É livre e encoraja o espírito lúdico, tornando concreto o mundo interior através de uma

representação tridimensional. O priorizar da espontaneidade aliado a um ambiente seguro e

confiável, permite o livre expressar de fantasias oriundas de camadas profundas do

inconsciente, pertencentes a um estágio pré-verbal da psique.

Além disso, as principais metas de um processo terapêutico - expansão da

consciência e cura - são possíveis de serem alcançadas através do Jogo de Areia. Tal fato se

deve, pela ocorrência de um evento sincronístico proporcionada pelo encontro da imagem

interna com a externa. Esse encontro simbólico eu-outro é característico da vivência

dialética e pode restaurar em expansão de consciência para os cônjuges.

Embora existam depoimentos de terapeutas sobre os benefícios e validade do uso do

Jogo de Areia em psicoterapia de casais, não encontrou-se relatos de casos ou artigos

versando especificamente sobre o tema, apenas relatos do Jogo de Areia aplicado em

psicoterapia familiar.

Algumas das possibilidades são oferecidas na combinação do Jogo de Areia com a

psicoterapia familiar. Primeiramente, as dimensões da caixa de areia representam um set

físico e simbólico continente para o problema da família. Além disso, oferece a

possibilidade de que um membro tenha uma apreensão particularizada do problema ao

mesmo tempo em que adquire uma nova percepção de integração e comunicação com o

grupo familiar.

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Em segundo lugar, destaca a observação das alianças familiares, as quais ficam

explícitas durante o processo. O Jogo de Areia pode vir a ser uma oportunidade de

reestruturá-las, principalmente se forem alianças negativas.

É importante salientar que os conteúdos inconscientes são rapidamente revelados ao

terapeuta, facilitando a discussão dos padrões familiares. Outro ponto relevante é que o

Jogo de Areia tem um apelo imediato às crianças, podendo ser também um processo de

reparação da criança interior dos pais.

Também é possível observar aquilo que existe de único em cada grupo familiar

através do Jogo de Areia. Além disso, as vantagens adicionais da experiência tátil com a

areia encorajar a expressão de conflitos inconscientes e também de não requerer

habilidades artísticas para ser executado. Por último, conclui-se que o brincar incorporado

na terapia possibilita a compreensão dos padrões negativos familiares e também a

elaboração de novas perspectivas e soluções.

O material que compõe o Scenotest consiste em uma caixa com marionetes de

figuras humanas, peças de madeira para construções diversas, personagens simbólicas,

representações de natureza e objetos variados.

Através da sessão familiar pode-se perceber uma repetição de algo que acontece no

cotidiano de uma família. Esta análise fornece a noção do tipo de grupo com o qual se está

trabalhando, o tipo de interação que existe entre seus membros, o tipo de ambiente físico

em que vive a família, quais as normas, condutas e limites presentes no grupo familiar. E

ainda a observação do grupo familiar permite a melhor percepção do indivíduo que está em

processo de diagnóstico dentro desse grupo e o quanto de influência o mesmo exerce sobre

ele. Formula-se a hipótese de que pode-se usar este instrumento para investigar aspectos

interativos do grupo familiar no qual está inserido o sujeito de diagnóstico psicológico.

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A observação da rede de comunicações é um dos aspectos mais importantes no

sentido de oferecer uma visão da estrutura do grupo familiar. Por essa razão, esse recurso é

precioso no psicodiagnóstico familiar, uma vez que permite observar a rede de

comunicações operante tanto no nível verbal como no não-verbal.

Há maior eficiência, segundo os autores que defendem este tipo de intervenção, nas

mensagens não-verbais do que nas verbais, pois se os dois tipos de mensagem entrarem em

conflito, os conteúdos verbais são praticamente desprezados. Dessa forma, levanta a

hipótese de que, no comportamento social humano, utiliza-se o canal não-verbal para

negociar atitudes interpessoais e o canal verbal primariamente para transmitir informação.

Por conseguinte, a importância deste tipo de linguagem também ressalta a

necessidade de existirem recursos terapêuticos que estimulem essa via.

Considerando as semelhanças existentes entre os dois recursos, Scenotest e Jogo de

Areia, é possível aplicar o Jogo de Areia com grupos familiares de modo similar, uma vez

que este também auxilia na observação do grupo e de seus componentes.

Para efeito de comparação, destacar-se-á algumas diferenças entre os dois

instrumentos citados.

O Scenotest oferece materiais limitados e que são restritos à reprodução quase que

única e exclusiva do cotidiano familiar. Já o Jogo de Areia busca oferecer uma imensa

variedade de materiais, possibilitando a simbolização tanto de aspectos cotidianos como

também de outros relacionados ao mundo fantástico. O cenário do Jogo de Areia não é

restrito ao modelo de estruturação de uma casa, podendo ser construído de acordo com a

imaginação do paciente. Além disso, deve-se ressaltar a importância da areia como fator

terapêutico em si, pois o sentido do tato é um dos meios precoces pelo qual o indivíduo

descobre o mundo.

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Em razão de sua amplitude de recursos e variações de expressão, é possível

considerar a hipótese de que o Jogo de Areia é um instrumento que possibilita a

manifestação livre tanto de aspectos intrapsíquicos como daqueles referentes a relação

interpessoal da dinâmica familiar. Enquanto que o Scenotest, devido às restrições

mencionadas, teria por foco apenas o aspecto interpessoal.

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CONCLUSÃO

Enfim, conclui-se através deste estudo que, o relacionamento consiste numa mistura de

duas culturas diferentes; é uma fusão de duas culturas em uma nova cultura. Um

relacionamento saudável não reproduz a família do outro, precisa ser diferenciada de cada

família de origem. As regras de convivência do ambiente social que vivemos são

compreendidas como uma decorrência do amor de uma pessoa para outra, entretanto, ao

acreditar que se pode conviver bem com outra pessoa somente por amor, comete-se um

erro, simplesmente porque já está se formando assim, uma falsa expectativa em relação ao

que irá enfrentar as dificuldades da vida a dois. Dessa forma, pode-se dizer que, a união de

duas pessoas somente por amor não garante a boa convivência e acabam aparecendo as

dificuldades do relacionamento conjugal. Por este motivo, um dos desafios mais difíceis

nos relacionamentos é lidar com as diferenças e discordâncias.

As crises ou conflitos matrimoniais são estados de tensões que geram nos casais um

certo esgotamento dos recursos mais conhecidos para lidar com situações semelhantes. Um

casal vive muitas destas situações ao longo de uma união, as quais podem levá-los a um

crescimento dos membros dessa união, é aquele que se apropria dessa experiência para

revitalizar a relação; é a disponibilidade para investir na relação de maneira privilegiada.

Um outro fato é que existem casais que não conseguem lidar com as crises e acabam

divorciando-se. Uma das causas deste fato ocorre porque um dos cônjuges não vê o outro

como alguém que enriqueça sua vida, mas pelo contrário, uma espécie de ‘peso’.

O trabalho de equipe é a condição básica para que uma sociedade seja bem sucedida.

Ambos os sócios fazem o melhor possível, não para atingir a vitória individual, mas para

ganhar uma vitória conjunta. No relacionamento conjugal o mesmo ocorre; homem e

mulher sempre juntos. É o compartilhar de derrotas, das alegrias e das vitórias de cada um.

É submissão e exaltação mútua, sacrifícios e reconhecimentos mútuos. A glória pessoal

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29 subordina-se às realizações da sociedade conjugal, a auto-realização subordina-se à

realização do casal.

É praticamente impossível tomar duas pessoas de culturas inteiramente distintas,

dotadas de talentos diferentes e habilidades próprias e transformá-las numa sociedade

conjugal perfeita. A consecução dessa sociedade exige prática.

A formação de uma sociedade conjugal significa sacrifícios e exige amor altruísta.

O casal não pensa somente em si mas os dois passam a ser uma pessoa, construindo assim

essa tão falada identidade particular (de casal).

Um relacionamento perfeito como nos filmes ou músicas é uma ilusão de muitos

casais, no entanto, alguns desejam viver nesta fantasia ao invés de encarar a realidade de

uma vida em comum.

Diante do que já foi visto até aqui, pode-se avaliar que à partir de um conflito, uma

crise, os cônjuges abalam-se emocionalmente. É praticamente impossível passar por uma

situação conflitante e não alterar a estrutura emocional do casal, no entanto, tal abalo não

deve desestabilizar a relação conjugal. Porém, o desgaste dessas crises, se freqüentes,

podem acarretar em um descrédito ou desesperança dos cônjuges - ou um desses - de que

esta fase não é eterna.

As crises também podem ser uma oportunidade de crescimento conjugal. Nem

sempre quem passa pelas crises tem sensibilidade para perceber a possibilidade de mudança

devido ao próprio desajuste emocional que ocasionalmente as crises possam causar.

Embora estejamos falando de casais - não esquecendo que estes também estão na

condição de família - os filhos são, inevitavelmente, envolvidos neste processo de mudança

que a família sofre.

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O equilíbrio no relacionamento conjugal deve ser o objetivo dos cônjuges em meio

à crise e isto envolve compreensão e aceitação. Compreender o grau de responsabilidade

enquanto membros desta união e de que maneira contribui-se para este (des)equilíbrio. É

também pensar que pode-se agir de formas diferentes. É também entender que não há nada

a fazer para mudar o outro. Sabe-se que homem e mulher são bons sobreviventes e que é

necessário jogar o jogo da vida com as cartas que lhe foram dadas...

Neste processo, é preciso aceitar que as crises podem acontecer, e acontecem, na

vida das pessoas, que estas podem machucar, mas também é sugar a parte positiva deste

momento, descobrindo novas forças e aprendendo a aceitar a si mesmo e ao outro.

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