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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE O PAPEL DO MERCHANDISING SOCIAL COMO FERRAMENTA DE CONSCIENTIZAÇÃO SOCIOEDUCATIVA NA TELEDRAMATURGIA BRASILEIRA Por Marco André Santos Bernardo Orientador Prof. Fernando Lima Rio de Janeiro 2010

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · Alencar; "Dramaturgia de Televisão", de Renata Pallottini, e "Almanaque da Telenovela Brasileira", de Nilson Xavier. Alguns

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

O PAPEL DO MERCHANDISING SOCIAL COMO FERRAMENTA DE CONSCIENTIZAÇÃO SOCIOEDUCATIVA NA

TELEDRAMATURGIA BRASILEIRA

Por Marco André Santos Bernardo

Orientador

Prof. Fernando Lima

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

O PAPEL DO MERCHANDISING SOCIAL COMO FERRAMENTA DE CONSCIENTIZAÇÃO SOCIOEDUCATIVA NA

TELEDRAMATURGIA BRASILEIRA

Apresentação de monografia à Universidade

Cândido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Comunicação

Empresarial.

Por Marco André Santos Bernardo.

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AGRADECIMENTOS

A todos os profissionais que, tão

generosamente, me doaram seu

tempo: Flávio Carvalho de Oliveira,

Gerente de Projetos Sociais da Central

Globo de Comunicação (CGCOM); Luis

Fernando Bouzas, Diretor do Centro de

Transplantes de Medula Óssea do

Instituto Nacional do Câncer (INCA),

Luiz Henrique de Oliveira e Silva,

Gerente do programa SOS Crianças

Desaparecidas, da Fundação para a

Infância e Adolescência (FIA), Márcio

Ruiz Schiavo, Diretor da Comunicarte –

Agência de Responsabilidade Social, e

Mauro Alencar, Doutor em

Teledramaturgia pela Universidade de

São Paulo (USP). A todos, o meu

sincero muito obrigado.

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Manoel e Celina, a minha

esposa, Renata, e a minha sobrinha,

Mariana, que me ajuda(ra)m a escrever

os capítulos mais felizes da minha vida.

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RESUMO

A função primordial da teledramaturgia é entreter o público. Para isso, o folhetim foi criado por Émile de Girardin, em 1836. Para entreter os leitores e – por que não? – vender mais alguns exemplares de seu jornal, o La Presse.

Mas o caráter de entretenimento não impediu que alguns autores de

telenovela – o folhetim eletrônico do Século XX – vislumbrassem novas possibilidades para o gênero. Além de entreter, as telenovelas podem, também, educar e informar. E, principalmente, engajar o telespectador em campanhas de forte repercussão nacional.

Assim, surgiram as ações de merchandising social, recurso hoje

adotado por todas as emissoras que investem em teledramaturgia no país. As campanhas socioeducativas promovidas em novelas e minisséries são importantes porque despertam o senso crítico dos telespectadores e os transformam em agentes multiplicadores de conhecimento e solidariedade. De meros espectadores de um espetáculo audiovisual a cidadãos conscientes de seu papel social.

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METODOLOGIA

Este trabalho foi realizado a partir da leitura de livros, que tratam da

teledramaturgia brasileira com a devida seriedade que este importante

veículo de comunicação de massas merece. Entre outros títulos, pesquisei os

livros "A Hollywood Brasileira - Panorama da Telenovela no Brasil", de Mauro

Alencar; "Dramaturgia de Televisão", de Renata Pallottini, e "Almanaque da

Telenovela Brasileira", de Nilson Xavier. Alguns artigos de jornais e

revistas também ajudaram a complementar o estudo. Para chegar às questões

propostas neste trabalho, utilizei também trechos de entrevistas realizadas, por

e-mail ou pessoalmente, com os senhores Flávio Carvalho de Oliveira, Gerente

de Projetos Sociais da Central Globo de Comunicação (CGCOM); Luis

Fernando Bouzas, Diretor do Centro de Transplantes de Medula Óssea do

Instituto Nacional do Câncer (INCA), Luiz Henrique de Oliveira e Silva, Gerente

do programa SOS Crianças Desaparecidas, da Fundação para a Infância e

Adolescência (FIA), Márcio Ruiz Schiavo, Diretor da Comunicarte – Agência de

Responsabilidade Social, e Mauro Alencar, Doutor em Teledramaturgia pela

Universidade de São Paulo (USP). Algumas das entrevistas foram extraídas,

ainda, do livro "A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo", escrito por mim em

parceria com a também jornalista Cintia Lopes. Por fim, tive acesso a dados

fornecidos, entre outros, pela TV Globo (por intermédio do Globo

Universidade), Comunicarte, INCA e FIA.

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SUMÁRIO

CAPÍTULO I - O que é Merchandising? 10

CAPÍTULO II - O Merchandising social em novelas. 18

CAPÍTULO III – O Merchandising Social nas obras de Glória Perez

e Manoel Carlos 26

CAPÍTULO IV – Merchandising Social: Estudo dos Casos

“Explode Coração” e “Laços de Família” 32

BIBLIOGRAFIA 39

ÍNDICE 43

FOLHA DE AVALIAÇÃO 44

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INTRODUÇÃO

O tema desta monografia é o papel do merchandising social como

ferramenta de conscientização socioeducativa na teledramaturgia brasileira.

Por merchandising social, entendemos ações que, inseridas em obras de ficção

seriada, como novelas e minisséries, têm por objetivo promover a reflexão e

suscitar o debate em torno de temas de indiscutível relevância social.

A questão central deste trabalho é mostrar a importância das

campanhas de merchandising social no processo de conscientização da

população brasileira. De que maneira as campanhas socioeducativas

promovidas por autores como Glória Perez e Manoel Carlos, entre outros,

ajudam o público a se mobilizar, de forma consciente e solidária, no

enfrentamento de questões sociais.

No primeiro capítulo, a presente monografia detalha o conceito de

merchandising comercial em novelas e contextualiza os primeiros casos

exibidos na televisão brasileira, como o do antiácido Engov em "Beto

Rockfeller" (TV Tupi, 1968/1969) e da bicicleta Caloi em "O Primeiro Amor" (TV

Globo, 1972), e descreve algumas das mais famosas campanhas publicitária

da teledramaturgia nacional dos últimos anos.

No segundo capítulo, dando início à reflexão em torno do conceito de

merchandising social, a monografia apresenta as primeiras ações do gênero no

Brasil, como deficientes físicos em “Nino, o Italianinho” (TV Tupi, 1969/1970),

tráfico de drogas em “O Primeiro Amor” (TV Globo, 1972) e especulação

imobiliária em "O Espigão" (TV Globo, 1974).

Ao longo do capítulo III, esta monografia vai revelar a importância que o

recurso do merchandising social ganhou na obra de dois dos principais

representantes do gênero: Glória Perez e Manoel Carlos. Serão descritos

casos ocorridos em novelas como "Partido Alto" (TV Globo, 1984), "O Clone"

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(TV Globo, 2001) e "América" (TV Globo, 2005), escritas por Glória Perez,

e "História de Amor" (TV Globo, 1995/1996), "Por Amor" (TV Globo, 1997/

1998) e "Mulheres Apaixonadas" (TV Globo, 2003), assinadas por

Manoel Carlos.

Outro objetivo desta monografia é, conforme detalhado no Capítulo

IV, analisar esse processo de conscientização socioeducativa a partir de dois

dos mais famosos casos de merchandising social na teledramaturgia brasileira:

a campanha para localizar crianças desaparecidas em "Explode Coração" (TV

Globo, 1995/1996), de autoria de Glória Perez, e a de captar

doações de medula óssea em "Laços de Família" (TV Globo, 2000/2001), de

Manoel Carlos.

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CAPÍTULO I

O QUE É MERCHANDISING?

Revolucionária. É assim, em apenas uma palavra, que os estudiosos e

os pesquisadores da teledramaturgia brasileira costumam se referir à novela

“Beto Rockfeller”, exibida pela extinta TV Tupi entre 1968 e 1969. Idealizada

por Cassiano Gabus Mendes e escrita por Bráulio Pedroso, “Beto Rockfeller”

representou um marco na teledramaturgia brasileira pelos mais diferentes

motivos.

O publicitário Ricardo Xavier, o Rixa explica:

“Em vez do habitual galã engomadinho, um anti-herói

querendo se dar bem. Foi assim que o público se

identificou com a história do bicão interpretado por Luiz

Gustavo. O personagem-título era um espertalhão com

todas as imperfeições de um cidadão comum”. (RIXA,

2007, p. 130)

“Os diálogos eram coloquiais, bem próximos do dia-a-dia, com gírias,

inclusive, o que na época ainda era novidade”, acrescenta o pesquisador

Nilson Xavier (XAVIER, 2007, p.86). “Beto Rockfeller incorporou em sua trama

os fatos do cotidiano. Os personagens comentavam as notícias do dia, o que

dava um realismo extra à história de ficção”, completa Nilson Xavier (p.87).

Mas a história do sujeito que se fazia passar por milionário – daí o

pomposo sobrenome americanizado – para entrar na alta sociedade ficou

famosa por outro motivo também. “Beto Rockfeller” foi a primeira novela a

promover, ainda que em caráter não-oficial, a primeira ação de merchandising

da teledramaturgia brasileira. Como o protagonista bebia muito uísque, o ator

Luiz Gustavo faturava cerca de Cr$ 3 mil (DAUROIZ, 2008) toda vez que, em

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cena, tomava Engov, um remédio contra ressaca. Detalhe: na época, o ator

ganhava em torno de Cr$ 900 por mês.

Em entrevista concedida ao autor da presente monografia, em 2002, o

ator Luiz Gustavo recorda:

“Num único dia, repeti Engov 35 vezes! Só quem não

gostou da ideia foi a Alka Seltzer. Afinal, a empresa

patrocinava o futebol da Tupi. Certo dia, o diretor

comercial da emissora me chamou para conversar: ‘Luiz,

você não pode falar Engov. Tem que falar Alka Seltzer!’

Nessa, eu perguntei: ‘Mas a Alka Seltzer vai me pagar por

isso?’. ‘Por quê? Você ganha para falar Engov?’, insistiu

ele. ‘Eu, não!’, respondi, com a cara mais cínica do

mundo”,

O merchandising comercial voltou às novelas pouco tempo depois. E,

ao que tudo indica, para ficar. Em 1972, a Caloi fechou um acordo com a TV

Globo para que o modelo Caloi 10, recém-lançado no mercado, aparecesse na

abertura da novela “O Primeiro Amor”, de Walther Negrão (XAVIER, 2007,

p.97). Além disso, os personagens Shazan e Xerife (Paulo José e Flávio

Migliaccio) trabalhavam numa oficina mecânica e sonhavam em criar uma

bicicleta voadora. Enquanto não realizavam tal façanha, armavam as maiores

confusões pela fictícia Nova Esperança a bordo de uma engenhoca sobre

rodas batizada de “camicleta”.

Recorda o autor Walther Negrão:

“Em agradecimento ao bom serviço prestado, ganhei uma

bicicleta para dar ao meu filho, que estava com sete anos

de idade. E só. Mas não reclamo: na ocasião, não

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ganhava o suficiente para sair por aí comprando

bicicletas”. (BERNARDO, LOPES, 2009, p. 258)

Mas, afinal, o que é o merchandising?

Para Renata Pallottini professora de dramaturgia do Núcleo de

Pesquisa de Telenovela da Universidade de São Paulo (USP):

“Merchandising é a publicidade implícita que se faz no

interior da ficção, durante o decorrer da ação na

telenovela. Difere da publicidade comum, que aparece

desligada da ficção, é explícita e se assume como tal, o

merchandising disfarça e tenta passar pelo que não é. No

entanto, o merchandising cumpre, afinal, o mesmo papel

da publicidade comum: funciona como promotor de

vendas” (1998, p. 128 e 129).

Na opinião do doutor em teledramaturgia da Universidade de São

Paulo (USP), Mauro Alencar:

“...dentro de cada novela, há um programa publicitário

inteiro, que visa vender todo tipo de produto transformado

em símbolo de sucesso social, que interfere diretamente

no diálogo entre o autor e o público telespectador, e que

gera altos rendimentos para a emissora e seus

artistas,...”. (ALENCAR, 2002, p.100)

Completa o especialista:

“Excetuando-se as novelas de época, o gênero se presta

a esse tipo de intromissão. Afinal, o merchandising

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possibilita uma redução de até 50% do custo por capítulo

na Rede Globo.” (ALENCAR, 2002, p.100).

Depois do merchandising da bicicleta Caloi em “O Primeiro Amor”,

vieram outros. Muitos outros. Alguns ficaram famoso como o do jeans Staroup

em “Dancin’ Days”, de Gilberto Braga; do sutiã Hope em “Roque Santeiro”, de

Dias Gomes e Aguinaldo Silva; dos perfumes Natura em “Mulheres

Apaixonadas”, de Manoel Carlos; e das sandálias Azaléia em “Belíssima”, de

Silvio de Abreu.

Segundo Marcelo Duarte, diretor da Central Globo de Desenvolvimento

Comercial:

“Tudo começa quando a emissora aprova a sinopse de

um novo programa. Essa mesma sinopse chega à nossa

central, onde é meticulosamente decupada em termos de

oportunidades comerciais a partir das situações

proporcionadas pelo perfil dos personagens, pela

ambientação e pelo desenvolvimento dramático da

história. Identificando um primeiro leque de

oportunidades, essas são encaminhadas ao autor da

novela que opina sobre a sua conveniência. Enquanto

isso, a obra é produzida, vai ao ar e passa pelo crivo do

público. É quando novas idéias e oportunidades

aparecem, inclusive sugeridas espontaneamente por

anunciantes potenciais. Um novo projeto de

merchandising – agora dirigido especificamente ao cliente

– é, então, apresentado já com valores de

comercialização definidos. O processo se encerra com as

reuniões de briefing para fixar detalhadamente todos os

aspectos da ação e com a produção da obra incorporando

a mensagem do anunciante” (DI COLA, 2003).

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Afirma ainda Marcelo Duarte que:

“Em pesquisas realizadas pela emissora, descobrimos

que o público percebe e aceita muito bem a ação de

merchandising quando ela é naturalmente encaixada no

enredo, pois ela ajuda a estabelecer uma maior

proximidade com a realidade do dia-a-dia. Se a ação é

exageradamente vistosa, o público se sente

desrespeitado pela invasão comercial em seu sagrado

momento de entretenimento”. (DI COLA, 2003).

Das empresas que costumam anunciar seus produtos em novelas, a

Azaléia é uma das mais assíduas. Depois do sucesso da Azaléia Tropicaliente

em 1994, que vendeu cerca de 1,5 milhão de pares no rastro da novela de

Walther Negrão (GAZETA MERCANTIL, 2005), a empresa voltou a anunciar

seus produtos em “Celebridade”, de Gilberto Braga, “América”, de Glória Perez,

e, mais recentemente, “Belíssima”, de Silvio de Abreu.

Para o diretor de Marketing da Calçados Azaléia, Paulo Santana

(AZEDO, 2004), o merchandising “não é nem melhor nem pior do que a

propaganda. É apenas diferente”. Paulo garante que “O merchandising em

novelas tem um preço mais elevado, mas compensa bem o esforço publicitário

da empresa”.

Mônica Nakamura (MATTOS, 2010), diretora de marketing da Avon,

concorda. Não por acaso, as ações da empresa de cosméticos triplicaram nos

últimos cinco anos: passaram das 10 inserções na novela “A Lua me Disse”, de

Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa, para as 30 de “Negócio da China”,

também de Falabella, “Caras & Bocas”, de Walcyr Carrasco, e “Bela, a Feia”,

de Gisele Joras. “Quando temos um lançamento a fazer, sempre optamos pelo

merchandising em novelas. É uma maneira mais suave de acessar o público

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feminino e, principalmente, de fazer parte do dia-a-dia dele”, justifica Mônica

Nakamura.

A gerente de marketing da Deca, Flávia Pardini (AZEDO, 2004),

também elogia a estratégia. Depois de 15 anos longe da mídia eletrônica, a

fabricante de louças e metais tornou a investir no filão em “Senhora do

Destino”. Na trama de Aguinaldo Silva, a protagonista Maria do Carmo (Suzana

Vieira) era dona de uma loja de material de construção. Por seis inserções de

merchandising, a Deca desembolsou R$ 3 milhões (NEVES, 2004).

Flávia Pardini compara:

“Não temos como avaliar os resultados vindos

especificamente da novela. Mas, depois de aparecer

algum produto na televisão, sempre recebíamos ligações.

Em alguns momentos, a ação de merchandising passa

melhor a mensagem do que a propaganda convencional”.

(AZEDO, 2004).

O merchandising não agrada apenas os anunciantes. Os autores de

novela também não têm do que reclamar. Manoel Carlos, que, só em

“Mulheres Apaixonadas”, incluiu ações da Natura, Banco Itaú, Viagra, Dijean,

UOL, Intel, Azaléia, Unilever (OMO), Fiat, Gatorade e Nestlé, salienta:

“Por ser uma novela de ficção, mas numa linha realista,

as referências são sempre apropriadas. Prefiro que meu

personagem diga: “Vou tomar uma Coca-Cola” a “Vou

tomar um refrigerante’. Mesmo assim, é bom que se diga

que toda e qualquer inserção comercial só é feita com o

meu consentimento”, (JACINTHO, 2003)

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Segundo estimativas, um espaço publicitário de 30 segundos durante o

intervalo da novela custa cerca de R$ 180 mil. Já o merchandising em novelas

sai pelo menos o triplo desse valor (JACINTHO, 2003). Em outras palavras, o

merchandising na novela das oito, o horário mais cobiçado da teledramaturgia

brasileira, segundo o publicitário Daniel Barbará (REIS, 2004), da Agência

DPZ, “custa em torno de R$500 mil, sendo que 10% vão para o autor, diretor e

atores”. Ainda de acordo com o publicitário, “as novelas têm, em média, 90

ações de merchandising por mês”.

Durante os nove meses em que “Senhora do Destino” permaneceu no

ar, entre junho de 2004 e março de 2005, Aguinaldo Silva embolsou em torno

de R$ 200 mil por mês só de merchandising (VALLADARES, 2005). Mas o

autor não é o único a lucrar com o anúncio de marcas e produtos em suas

novelas. Até os atores que participam da cena são beneficiados. Ao longo de

“Senhora do Destino”, Suzana Vieira (VALLADARES, 2005) ganhou, só de

merchandising, cerca de R$ 600 mil. “Foi ótimo para o meu ego saber que as

empresas confiam em mim”, orgulha-se a atriz.

Segundo Cláudio Mello (AZEDO, 2004), professor de Merchandising e

Marketing Promocional da Escola Superior de Propaganda e Marketing

(ESPM), “apesar de mais onerosa, por envolver o cachê do ator, entre outras

coisas, a estratégia do merchandising em novelas é vencedora”.

Diretora de mídia da agência F/Nazca, Lica Bueno (MATTOS, RUSSO,

2010) concorda. E afirma que o merchandising leva três vantagens sobre a

propaganda convencional: “maior impacto – afinal, a novela dá mais audiência

que o intervalo comercial –, a possibilidade de demonstrar o uso do produto e o

endosso de celebridades”.

O grande desafio, na opinião de Cláudio Mello (AZEDO, 2004), é

envolver o consumidor com sutileza e inteligência. “Quando o merchandising

não é bem feito, o consumidor rechaça”, alerta o professor da ESPM,

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acrescentando que é importante, também, saber escolher o personagem ideal

para passar a mensagem desejada e, principalmente, convencer o

telespectador a comprar o produto. “A empresa quer sempre o mocinho e não o

bandido para representar a sua marca”, conclui ele.

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CAPÍTULO II

MERCHANDISING SOCIAL EM NOVELAS.

Não demorou muito para autores e anunciantes perceberem que o

merchandising é uma excelente ferramenta publicitária. A melhor que pode

existir quando o assunto é fixar a marca de um produto na mente do

telespectador. Mas, se as ações de merchandising ajudam a vender produtos e

a divulgar marcas, por que não ajudariam também a difundir valores, debater

temas e propor mudanças? Se os personagens de novela podem ser usados

como garotos-propagandas de automóveis, refrigerantes e cosméticos, por que

não usá-los também como porta-vozes de importantes campanhas

socioeducativas? E foi assim que surgiu, nos anos 70, o chamado

merchandising social.

“Algumas novelas brasileiras vêm prestando um importante serviço

público e, na verdade, este é um dos detalhes que as diferencia das produções

de outras procedências”, afirma o doutor em teledramaturgia pela USP, Mauro

Alencar (p.102). Mas, se é fácil afirmar que “O Primeiro Amor”, de Walther

Negrão, foi a primeira novela brasileira a promover uma ação de merchandising

comercial, o mesmo não acontece em relação à primeira novela a inserir uma

ação de merchandising social.

Para Mauro Alencar, o título cabe à novela “Cavalo de Aço”, também

escrita por Walther Negrão e exibida pela Globo em 1973. “Com ‘Cavalo de

Aço’, a Globo ‘oficializa’ o merchandising social. A novela discutia reforma

agrária, mas foi censurada. O autor, então, partiu para campanha antitóxico”,

relembra Mauro Alencar (p.102).

Na opinião do pesquisador Nilson Xavier, Dias Gomes foi um dos

precursores do merchandising social em novelas. Segundo ele:

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“Numa época em que ninguém falava em ecologia, Dias

Gomes foi o primeiro a tratar do assunto na televisão em

‘O Espigão’, exibida pela Globo em 1974. Outra obra sua

que abordou o tema foi ‘Sinal de Alerta’, exibida pela

Globo entre 1978 e 1979, na qual o autor abordou a

preocupação com a poluição nos grandes centros

urbanos” (XAVIER, 2007, p.194).

Na biografia “Apenas Um Subversivo”, Dias Gomes afirma que a

novela “O Espigão” discutia o avanço desordenado e predatório do mercado

imobiliário sobre o meio-ambiente a partir da história do proprietário de uma

grande empresa que lutava para comprar e demolir uma mansão em Botafogo

para erguer, no local, um edifício de 50 andares, apelidado de “espigão”. “Pela

primeira vez eram abordados os problemas ecológicos na televisão – até

mesmo a palavra ecologia era totalmente desconhecida do grande público –, a

novela ajudou a popularizá-los e a criar uma consciência”, avalia Dias Gomes

(GOMES, 1998, p.279).

Nilson Xavier contextualiza:

“A preocupação do Dias Gomes em inserir temas sociais

em novelas vem desde sua primeira trama original, ‘Verão

Vermelho’, exibida pela Globo em 1970, que tratou da

reforma agrária. Em ‘Assim na Terra como no Céu’,

exibida pela Globo entre 1970 e 1971, pela primeira vez, o

problema das drogas foi tratado numa novela” (p.194).

O pesquisador acrescenta que, antes de Dias Gomes, um outro autor,

Geraldo Vietri, já discutia temas de forte repercussão social em suas novelas:

“Em ‘Nino, o Italianinho’, exibida pela Tupi entre 1971 e 1972, Geraldo Vietri fez

uma campanha a favor dos paraplégicos” (p.194).

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No mesmo ano de “Nino, o Italianinho”, Benedito Ruy Barbosa

escreveu a primeira novela educativa da televisão brasileira, “Meu Pedacinho

de Chão”, uma coprodução entre TV Globo e TV Cultura de São Paulo. A

novela tratou sobre os mais variados assuntos, como vacinação, higiene e

analfabetismo. Ainda nos anos 70, Ivani Ribeiro abordou o tema da

alfabetização em “Mulheres de Areia”, Lauro César Muniz da questão do

divórcio em “Escalada” e Janete Clair dos diabéticos em “Coração Alado”.

Nos anos 80, pouquíssimos autores se aventuraram a discutir temas

sociais e a propor campanhas socioeducativas no horário das novelas. Uma

das raras exceções foi Ivani Ribeiro, que promoveu uma campanha

antitabagista em “Final Feliz”, exibida pela TV Globo entre 1982 e 1983, e

discutiu o risco da automedicação em “Amor com Amor se Paga”, exibida pela

TV Globo em 1984, e Gilberto Braga, que dissecou o drama do alcoolismo em

“Vale Tudo”, exibida pela TV Globo entre 1988 e 1989. E parou por aí.

Mas os anos 90 chegaram e, com eles, novas campanhas de

merchandising social. Logo, dois autores se destacaram por abordar,

sistematicamente, temas de forte repercussão social em todas as suas tramas:

Glória Perez e Manoel Carlos. Não por acaso, duas das mais famosas

campanhas de merchandising social promovidas em novelas da televisão

brasileira são assinadas por eles: “Explode Coração”, escrita por Glória Perez e

exibida pela TV Globo entre 1995 e 1996, e “Laços de Família”, escrita por

Manoel Carlos e exibida pela TV Globo entre 2000 e 2001.

Mas outros autores, de vez em quando, também recorrem ao

merchandising social para despertar a reflexão do telespectador sobre temas

pouco discutidos em sociedade. É o caso de Benedito Ruy Barbosa e a

questão da reforma agrária em “O Rei do Gado”, exibida pela TV Globo entre

1996 e 1997; de Aguinaldo Silva e o problema da gravidez na adolescência em

“Senhora do Destino”, exibida pela TV Globo entre 2004 e 2005; e de Silvio de

Abreu e o drama do tráfico internacional de mulheres em “Belíssima”, exibida

pela TV Globo entre 2005 e 2006.

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Em entrevista concedida ao autor da presente monografia no dia 22 de

fevereiro de 2010, Flávio Carvalho de Oliveira, gerente de Projetos Sociais da

Central Globo de Comunicação (CGCOM), salienta que:

“A proposta original dos autores é contar histórias e não

fazer campanha social. Por isso mesmo, o termo

merchandising social pode remeter a um didatismo que os

próprios autores não gostam. O bacana do merchandising

social não é quando alguém interrompe a história, faz

propaganda e, em seguida, retoma a narrativa. O bacana

é quando ela está incorporada na trama. O público não

gosta de didatismo excessivo”.

Ele explica que, no caso de alguns autores, como Glória Perez e

Manoel Carlos, principalmente, eles próprios já criam as sinopses de suas

novelas a partir de temáticas sociais.

Descreve ainda que:

“Normalmente, eles já têm ideia do assunto que querem

abordar e, além disso, dispõem de uma equipe de

colaboradores, que trabalha com eles. São esses

colaboradores que vão entrevistar especialistas, visitar

ONGs, pesquisar órgãos públicos atrás de informações e

conhecimento para o autor poder desenvolver a sua

história”.

Por outro lado, a TV Globo tem também um setor responsável por

monitorar as novelas, interagir com os autores, ler as sinopses e, quando

necessário, propor determinados temas.

Flávio Carvalho de Oliveira afirma:

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“É importante salientar que nada aqui é impositivo. O

autor é livre para topar ou não. Se não topar, teremos

outras oportunidades para abordar aquele determinado

tema. Não queremos é obrigar ninguém a fazer algo que

não caiba na história que ele quer contar. A liberdade de

expressão é um valor inegociável na TV Globo.”

Segundo ainda o gerente de Projetos Sociais da CGCOM, a TV Globo

tem um parceiro externo que monitora e contabiliza quantas ações de

merchandising social foram exibidas em cada uma das quatro novelas que

estão no ar. E, também, sobre o que essas ações tratam: de saúde ou de

educação, de meio-ambiente ou de direitos humanos e assim por diante. Ele

acrescenta que:

“Isso serve para termos uma leitura completa e

institucional dos temas abordados em cada novela. Glória

Perez não tratou apenas de esquizofrenia em ‘Caminho

das Índias’ nem Manoel Carlos só de tetraplegia em ‘Viver

a Vida’. Há outras temáticas que acabam entrando na

novela, mas não são tão visíveis. E a gente precisa

sistematizar essa informação. Afinal, esse material vai

ajudar a avaliar o impacto daquela determinada

abordagem sobre a sociedade. Se ajudou o público a

refletir sobre determinado tema, vai motivar o autor a

fazer mais e melhores campanhas de merchandising

social em outras oportunidades”.

Entre os anos de 1995 e 2005, segundo levantamento da Comunicarte

– Agência de Responsabilidade Social (RELATÓRIO ANUAL, 2005), as

novelas da TV Globo totalizaram 10.645 ações de merchandising social.

Quanto aos temas abordados, o grupo temático com maior predominância foi o

de “Questões Sociais” (4.104 ações). Entre outros assuntos, este grupo

temático aborda campanhas de educação no trânsito e de doação de medula,

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direitos dos portadores do HIV, incentivo à leitura e respeito às pessoas com

necessidades especiais.

O segundo grupo temático mais trabalhado entre 1995 e 2005 foi

“Saúde Sexual e Reprodutiva” (2.657 ações), que inclui, entre outras,

campanhas de orientação sobre prevenção do câncer de mama, incentivo ao

uso da camisinha, importância do exame pré-natal, alerta sobre os riscos da

gravidez precoce e implicações éticas sobre clonagem, inseminação artificial e

fertilização in vitro.

No terceiro grupo temático, o da “Sexualidade” (1.573 ações), o tema

mais discutido foi o da opção sexual, incluindo o respeito aos direitos do

cidadão, preconceitos e mitos relativos à homossexualidade. No grupo

“Relações de Gênero” (1.481 ações), foram abordados, entre outros, o

casamento na adolescência e suas consequências na relação conjugal, e o

relacionamento amoroso entre adultos com diferentes faixas etárias. Já os

assuntos discutidos no quinto e último grupo temático, o “Abuso de Drogas”

(830 ações), tiveram como foco o incentivo a grupos de apoio no tratamento

contra o uso dos mais diferentes tipos de drogas, como cigarro e álcool, e o

uso de remédios sem receita médica.

O publicitário Márcio Ruiz Schiavo, da Comunicarte afirma:

“Merchandising social é a inserção sistematizada e com

fins educativos de questões sociais nas novelas e

minisséries. Com ele, pode-se interagir com essas

produções e seus personagens, que passam a atuar

como formadores de opinião e agentes de disseminação

das inovações sociais, provendo informações úteis e

práticas a milhões de pessoas simultaneamente de

maneira clara, problematizadora e lúdica”, (SCHIAVO,

2002)

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Em 2008, segundo Balanço Social da TV Globo, a emissora exibiu 613

ações de merchandising social em suas novelas. Até mesmo produções de

época, como “Desejo Proibido”, de Walther Negrão, e “Ciranda de Pedra”, de

Alcides Nogueira, contabilizaram, respectivamente, 22 e 35 ações de

merchandising social. Mas, como geralmente acontece, a novela recordista foi

“Malhação”, com 180 ações. Entre outros assuntos, a novela discutiu combate

à exploração sexual de crianças e adolescentes, direitos das pessoas com

deficiência física, combate à violência contra a mulher, incentivo à doação de

sangue e combate ao preconceito racial.

Segundo análise de Flávio Carvalho de Oliveira:

“Ao contrário das demais novelas, que duram em média

oito meses, ‘Malhação’ fica no ar o ano inteiro. Além

disso, a linguagem é muito dinâmica e permite ao autor

trabalhar mais temas. Por outro lado, as abordagens não

podem ser tão aprofundadas quanto numa novela das

oito”. (OLIVEIRA, 2010)

Em segundo lugar, veio “Duas Caras”, com 109 ações de

merchandising social. A novela de Aguinaldo Silva abordou, entre outros

temas, trabalho voluntário, assédio sexual, valorização da democracia,

preservação ambiental, combate à dengue, vacinação infantil e doação de

sangue. “A novela de maior repercussão é sempre a das oito. É sempre a mais

assistida e, até por uma questão de horário, é a que permite tratamentos mais

contundentes”, observa, na mesma entrevista, Flávio Carvalho de Oliveira.

Mas qual teria sido a recordista em ações de merchandising social? A

novela “Mulheres Apaixonadas”, escrita por Manoel Carlos e exibida em 2003,

chegou a inacreditáveis 623 ações de merchandising social (CASTRO, 2004) –

mais que o total contabilizado em 2008. “Essa novela impactou a legislação de

maneira absurda: desengavetou o estatuto da terceira idade, refletiu sobre o

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referendo do desarmamento e ajudou na tipificação do crime de violência

doméstica no Código Civil”, avalia Flávio Carvalho de Oliveira (2010).

Autor do projeto do Estatuto do Idoso, o senador Paulo Paim (PT-RS)

(MENDONÇA, 2003) é dos que elogiam a iniciativa. “Não utilizar as novelas

como instrumento seria um grande desperdício”, declara o parlamentar.

Parceiro da TV Globo na identificação e classificação das cenas de caráter

socioeducativo de suas novelas, o publicitário Márcio Ruiz Schiavo, dono da

Comunicarte – Agência de Responsabilidade Social, em entrevista ao autor da

presente monografia no dia 1° de fevereiro de 2010, define o merchandising

social como “o uso consciente da estrutura da ficção seriada para promoção de

temas e ações socioeducativas”, mas ressalta que:

“...este trabalho não é desenvolvido com a intenção de

substituir a educação formal nem tampouco a função

educativa da família, que são absolutamente essenciais

para a formação das crianças e adolescentes”.

(SCHIAVO, 2010).

Ele garante que:

“Os meios de comunicação, muitas vezes apontados

como agente de difusão de valores e atitudes que,

eventualmente, suscitam comportamentos socialmente

negativos ou auto-destrutivos, também podem ser

empregados para promover, de maneira sistemática,

atitudes positivas e construtivas. Quando as mensagens

são passadas através da novela, causam mais impacto do

que os comerciais normais” (SCHIAVO, 2010).

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CAPÍTULO III

O MERCHADISING SOCIAL NAS OBRAS

DE GLÓRIA PEREZ E MANOEL CARLOS

Eles podem até não terem sido os pioneiros. Mas, sem dúvida alguma,

são os que realizam campanhas socioeducativas mais sistematicamente em

suas novelas: Glória Maria Rebelo Ferrante, a Glória Perez, e Manoel Carlos

Gonçalves de Almeida. A primeira fez que Glória Perez lançou mão do recurso

foi em 1984, quando dividiu a autoria de “Partido Alto” com Aguinaldo Silva. Na

ocasião, três empresas disponibilizaram linhas de ônibus até o bairro do

Encantado, no subúrbio carioca, por conta das constantes reclamações dos

personagens da novela.

Recorda Glória Perez:

“Na época, não havia ônibus no bairro. Aí, tive a ideia de

fazer com que a dona Sulamita (Marilu Bueno) saísse e

entrasse em casa, sempre exausta e com os sapatos na

mão, esbravejando porque precisava andar várias

quadras até pegar um ônibus. Pouco depois, a

comunidade do Encantado ganhou uma linha de ônibus e

eu, um troféu que guardo até hoje com muito carinho,

oferecido pelos moradores”. (BERNARDO, LOPES, 2009,

p.131 e 132).

Três anos depois, na novela “Carmem”, exibida pela extinta TV

Manchete entre os anos de 1987 e 1988, Glória Perez voltou a investir no

merchandising social. Desta vez, o tema abordado foi o vírus HIV. “Havia um

preconceito muito grande em relação ao tema. As pessoas falavam da aids

como uma doença de homossexuais, uma espécie de ‘castigo divino’”, relata a

autora (p.123), que resolveu abordar o tema através da personagem Rosimar

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(Theresa Amayo), uma dona de casa, mãe de três filhos, que contraía a aids

através de uma transfusão de sangue.

Ela completa:

“Logo, ela começou a sofrer o isolamento, a rejeição que

sofriam, na época, os portadores do vírus: parentes e

vizinhos passaram a evitá-la, a ter medo de chegar perto

dela, de tocá-la, de beber no mesmo copo, de comer no

mesmo prato” (p.124)

Acrescenta ainda que, na ocasião, o sociólogo Herbert de Souza, o

Betinho, foi convidado para ser o porta-voz da campanha na novela. E afirma:

“O trabalho foi muito bem-sucedido. Recebemos cartas

bonitas de gente que dizia ter ido dar um abraço num

amigo soropositivo por causa da novela. Eu me orgulho

muito desta campanha e, principalmente, de o Betinho ter

sido porta-voz dela” (p.124)

De lá para cá, Glória Perez não parou mais. Em sua volta à TV Globo,

discutiu questões éticas e abordou a inseminação artificial em “Barriga de

Aluguel”, exibida entre 1990 e 1991. Em “De Corpo e Alma”, mostrou o drama

do transplante e da doação de órgãos no Brasil.

Glória Perez relata que:

“No Instituto do Coração de São Paulo (Incor), visitei

várias pessoas que estavam esperando o transplante.

Acompanhei dramas muito pungentes porque as pessoas

viviam em contagem regressiva. Cada dia que passa é

um dia a menos para ser vivido” (p.136)

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Na semana de estréia da novela, o Incor recebeu nove órgãos para

transplante.

“Há dois meses, o instituto não recebia uma única doação”, enfatiza o

pesquisador Nilson Xavier (2007, p.197). Até no “remake” de “Pecado Capital”,

novela escrita originalmente por Janete Clair em 1975, Glória Perez enveredou

pelo merchandising social. Uma das campanhas de maior repercussão na

trama foi aquela desenvolvida a partir do drama da personagem Rafaela (Clara

Garcia), que sofria de câncer.

Em sua próxima novela, “O Clone”, Glória Perez realizou uma das

maiores campanhas antidrogas já promovida pela teledramaturgia brasileira.

Através dos personagens Mel e Lobato (Débora Falabella e Osmar Prado,

respectivamente), desmistificou o perfil do usuário de drogas. A autora mesclou

também depoimentos de ex-usuários, como o ator Carlos Vereza e a cantora

Nana Caymmi. Ao término da novela, Glória Perez foi homenageada pela

Associação Brasileira de Alcoolismo e Drogas (Abrad) e recebeu o prêmio

Personalidade dos anos de 2001 e 2002, concedido pelo Conselho Estadual de

Antidrogas (Cead/RJ).

Em “América”, exibida pela TV Globo em 2005, Glória Perez não se

contentou em abordar um único assunto. Pelo contrário. Chamou a atenção do

público para diversos temas: da cleptomania à pedofilia, do homossexualismo à

deficiência visual. Na ocasião, a autora recebeu a Medalha Tiradentes, a mais

alta condecoração da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, e foi

homenageada pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro por ter abordado, na

novela, as dificuldades cotidianas enfrentadas pelos deficientes visuais.

Em seu recente trabalho, “Caminho das Índias”, Glória Perez optou por

discutir o drama dos portadores de esquizofrenia a partir do personagem Tarso

(Bruno Gagliasso). Flávio Carvalho de Oliveira, gerente de Projetos Sociais da

TV Globo, afirma:

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“Quando as novelas terminam, a TV Globo entrevista

sociedades médicas, órgãos públicos e ONGs de saúde

para tentar avaliar o impacto daquela novela sobre a

sociedade. No caso de ‘Caminho das Índias’, tivemos o

relato de diversos psicólogos comentando que o número

de famílias que passaram a procurar atendimento

psiquiátrico para doentes mentais após a abordagem da

novela aumentou consideravelmente”. (OLIVEIRA, 2010)

No caso de Manoel Carlos, outro ferrenho defensor do merchandising

social, a primeira vez que ele promoveu uma campanha socioeducativa em

novela foi em 1995, quando escreveu “História de Amor”. Na trama, a

personagem Marta (Bia Nunes) descobre que é portadora de câncer de mama.

E, através dela, o autor reforça a importância dos exames de prevenção contra

a doença.

“Na ocasião, Manoel Carlos recebeu uma carta do Instituto Nacional do

Câncer atestando um grande aumento no número de mulheres preocupadas

em fazer exames preventivos”, relata Mauro Alencar (2002, p.103). Na mesma

novela, o autor mostrou, ainda, o drama dos deficientes físicos. Após ficar

paraplégico, o personagem Assunção (Nuno Leal Maia) consegue se reerguer

praticando esportes. O então Ministro Extraordinário dos Esportes, Edson

Arantes do Nascimento, o Pelé, chegou a gravar uma participação na novela.

Dois anos depois, Manoel Carlos voltou ao ar com “Por Amor” e, mais

uma vez, abordou dois temas de forte impacto social: o preconceito racial e a

dependência química. No primeiro deles, Márcia (Maria Ceiça) se separa do

marido, Wilson (Paulo César Grande), que não admite a possibilidade de ter

uma filha negra. No segundo, Orestes (Paulo José) tenta se livrar do vício do

álcool. Esta foi a primeira das muitas vezes que Manoel Carlos tratou do tema

alcoolismo em suas novelas. Ele voltaria a tocar no assunto em “Mulheres

Apaixonadas”, “Páginas da Vida” e “Viver a Vida”.

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Em “Laços de Família”, exibida pela Globo entre 2000 e 2001, Manoel

Carlos abordou uma questão pouco lembrada na teledramaturgia: a impotência

masculina. Na trama, o personagem Viriato (Zé Victor Castiel) não conseguia

se relacionar sexualmente com a mulher, Ivete (Soraya Ravenle), e começava

a se sentir deprimido. Naquele ano, a TV Globo ganhou o mais importante

prêmio de responsabilidade social do mundo, o BitC Awards for Excellence, na

categoria Global Leadership Award.

Em “Mulheres Apaixonas”, a novela recordista em ações de

merchandising social na televisão brasileira, Manoel Carlos realizou a façanha

de reunir, numa mesma novela, os mais variados temas, como maus-tratos a

idosos, violência doméstica, vacinação contra a gripe, câncer de mama,

dependência afetiva, homossexualismo e campanha pelo desarmamento.

Manoel Carlos afirma:

“Longe de mim achar que novela é tão somente

entretenimento. Seria dar pouco valor a um trabalho que

me consome tanto tempo e exige tanto sacrifício. Imagine

se eu me perdoaria de incluir cenas de merchandising

comercial, para ganhar alguns reais, e deixar de contribuir

para uma bela campanha humanitária: doação de medula,

síndrome de Down, câncer de mama, alcoolismo,

violência doméstica, preconceito racial e maus-tratos a

idosos. Eu me encho de orgulho e de alegria de saber que

contribuo para que, de alguma maneira, as pessoas e o

país melhorem”. (BERNARDO, LOPES, 2009, p.192).

O merchandising social também marcou presença em “Páginas da

Vida”, exibida entre 2006 e 2007. Entre outros temas, como dependência

química e discriminação racial, o autor destacou a síndrome de Down, através

da história da pequena Clara (Joana Mocarzel). Num dos capítulos da novela,

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Manoel Carlos mostrou a dificuldade que a mãe adotiva da menina, Helena

(Regina Duarte), enfrentava para matriculá-la em um colégio.

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CAPÍTULO IV

MERCHANDISING SOCIAL: ESTUDO DOS CASOS

DE “EXPLODE CORAÇÃO” E “LAÇOS DE FAMÍLIA”

Até hoje, Glória Perez não esquece do dia em que passou pela

Cinelândia, no Centro do Rio, e se deparou com algumas mães sentadas na

escadaria da Assembleia Legislativa com as fotos dos filhos desaparecidos nas

mãos. A esperança delas era de que alguém pudesse lhes dar alguma notícia.

Mas ninguém dava. “A maioria passava apressada e nem sequer olhava. Eu

olhei. E compreendi logo que, se o rosto daquelas crianças aparecesse na TV,

estando elas vivas ou não, haveria grande chance de que fossem localizadas”,

relembra Glória Perez (MEMÓRIA GLOBO, 2008. p.445).

E ela estava certa. Na novela “Explode Coração”, exibida pela TV

Globo entre 1995 e 96, o drama das crianças desaparecidas foi contada a partir

da história de Odaísa (Isadora Ribeiro), que se uniu às Mães da Cinelândia em

busca do filho Gugu (Luiz Cláudio Júnior). “A partir daí, isso abria espaço para

que as mães reais fizessem seu apelo pela TV, contando como e onde o filho

tinha desaparecido e dando informações que poderiam ajudar na sua

localização”, recorda a autora (p.445).

A repercussão não poderia ter sido melhor, salienta o publicitário

Ricardo Xavier, o Rixa:

“No capítulo do dia 09 de março de 1996, a novela

mostrou a foto de uma criança desaparecida há 10 anos.

Seis dias depois, a mãe, Rosemary Pedrosa Araújo,

reencontrou seu filho, Célio, que havia sido levado

embora pelo próprio pai” (RIXA, 2000, p.201)

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O filho de Rosemary foi apenas a primeira de um total de 64 crianças

que a campanha promovida por Glória Perez ajudou a localizar.

Em entrevista concedida ao autor da presente monografia no dia 24 de

fevereiro de 2010, Luiz Henrique de Oliveira e Silva, gerente do programa SOS

Crianças Desaparecidas, da Fundação para a Infância e Adolescência (FIA),

vinculada à Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do governo do

Estado do Rio de Janeiro, afirma:

“A parceria firmada entre a TV Globo e o Estado do Rio foi

fundamental para a localização destas crianças. Sem este

tipo de campanha, não teríamos encontrado tantas

crianças. Além disso, a novela ajudou a sensibilizar

empresários, que passaram a se engajar na campanha.

Fotos das crianças desaparecidas foram estampadas em

bilhetes de loteria, caixas de sapato e embalagens de

leite. Até o contracheque dos servidores estaduais do Rio

de Janeiro trazia fotos das crianças desaparecidas. A

última parceria que a gente fechou foi com a

Supergasbrás, que vai estampar fotos das crianças em

botijões de gás do país inteiro” (2010).

Desde 1997, 2.776 crianças e adolescentes já foram cadastradas no

programa SOS Crianças Desaparecidas. Até agosto de 2009, 2.344 delas já

haviam sido localizadas. Mas 432 ainda continuam desaparecidas. O

publicitário Márcio Ruiz Schiavo, da Comunicarte – Agência de

Responsabilidade Social analisa:

“Em termos quantitativos, 64 crianças é muito pouco.

Mas, em termos qualitativos, a novela ‘Explode Coração’

ajudou a mostrar para o Brasil que, na maioria dos casos,

quem sequestra essas crianças não são ciganos ou algo

do gênero. A grande maioria delas desaparece pela ação

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dos próprios pais. Infelizmente, a criança vira instrumento

de peleja familiar” (2010)

A iniciativa de Glória Perez encorajou o autor Tiago Santiago a

promover campanha semelhante na novela “Prova de Amor”, exibida pela TV

Record entre 2005 e 2006. Na trama, a protagonista Clarice (Lavínia Vlasak)

sofre com o sumiço de um dos filhos. Em parceria com a ONG Mães da Sé,

Tiago Santiago deu início à campanha “Viu, Avise”. Para tanto, o autor

divulgava fotos das crianças desaparecidas, descrevia as circunstâncias de seu

desaparecimento e, principalmente, convocava a população a participar

ativamente da campanha. Na ocasião, “Prova de Amor” ajudou a localizar

quatro crianças desaparecidas.

Luiz Henrique de Oliveira e Silva, do programa SOS Crianças

Desaparecidas, relembra:

“Todos os dias, o Tiago Santiago levantava uma

discussão diferente relativa ao tema das crianças

desaparecidas. Uma das mais interessantes foi a que

propôs a criação de um cadastro único e nacional de

crianças desaparecidas”. (2010)

A própria Glória Perez parabeniza a ideia de Tiago Santiago de dar

continuidade à campanha iniciada em “Explode Coração”. Ela avalia:

“Achei bacana. Muito bacana. Normalmente, quando

acaba a novela, acaba também o interesse das pessoas

por aquele determinado assunto, não é mesmo? No caso

de ‘Explode Coração’, eu fico orgulhosa porque vários

empresários e industriais aderiram à campanha. Claro

que não é na mesma proporção da época da novela, mas

você vai ao supermercado, por exemplo, e vê cartazes

com as fotos daquelas crianças. É sinal de que algo ficou.

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Na maioria dos casos, não fica”. (BERNARDO, LOPES, p.

133).

Já a ideia de abordar o tema da doação e transplante de medula em

“Laços de Família” partiu de uma notícia de jornal. Em 1990, Manoel Carlos leu

a notícia de uma mulher que engravidava do ex-marido só para salvar a filha

que sofria de leucemia. E melhor: conseguia salvá-la. Imediatamente, o autor

pensou em transformar a notícia em sinopse, mas, convencido de que o

cinema americano o faria primeiro, desistiu da ideia. Pouco tempo depois, os

jornais italianos noticiaram caso parecido. Mas, novamente, roteiristas e

diretores de cinema perderam a oportunidade de rodar um grande filme. Em

1995, Manoel Carlos não pensou duas vezes e transformou o caso americano

em sinopse de novela. Daí, surgiu o principal argumento de “Laços de Família”.

Ou, como descreve Manoel Carlos em depoimento ao livro “Autores – Histórias

de Teledramaturgia”, “a história de uma mãe que engravidava de um homem,

já sem gostar dele, para poder salvar sua filha que tinha leucemia”. (MEMÓRIA

GLOBO, 2008, p.67)

Na trama de “Laços de Família”, Vera Fischer interpretava Helena, a

mãe que decidiu engravidar de um homem, Pedro (José Mayer), para poder

salvar sua filha, Camila (Carolina Dieckmann), que tinha leucemia. Para tanto,

Helena é capaz de abrir mão de seu grande amor, Miguel (Tony Ramos), e

engravidar de Pedro. A filha dos dois nasce e é batizada com o nome de

Vitória. O transplante de medula é realizado com sucesso e Camila se recupera

da doença.

Por ocasião da novela, o Registro Nacional de Doadores Voluntários de

Medula Óssea (Redome) registrou um aumento significativo no número de

cadastros. Segundo Luis Fernando Bouzas, diretor do Centro de Transplantes

de Medula Óssea do Instituto Nacional do Câncer (INCA), em entrevista

concedida ao autor da presente monografia por correio eletrônico no dia 08 de

fevereiro de 2010, “os hemocentros não estavam preparados para receber um

fluxo tão grande de pessoas para fazer a doação de medula”.

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Detalha ainda que:

“Até 1999, o Redome tinha pouco mais de 9.500 doadores

cadastrados. No ano de 2000, quando a novela teve

início, tivemos 2.400 novos doadores. No ano seguinte,

2001, quando foi mostrada a história da leucemia da

personagem de Carolina Dieckmann, as doações

chegaram a 8.400” (BOUZAS, 2010).

Em seguida, completa que:

“No entanto, as doações só começaram a crescer mesmo

quando o INCA lançou um projeto nacional em 2004 de

promoção de campanhas de doação de medula óssea,

em parceria com os hemocentros e outras instituições.

Hoje, o Redome tem 1,3 milhão de doadores cadastrados.

Por mês, são cerca de 30 mil novos doadores em todo o

país” (BOUZAS, 2010)

Para Luis Fernando Bouzas, “as novelas têm um grande impacto na

vida das pessoas e, por isso, são poderosas ferramentas para disseminação de

informação”.

Por fim, recorda o referido diretor:

“Este tipo de iniciativa é importante e louvável. E os

autores que costumam abordar temas sociais em suas

novelas têm a consciência de que precisam ter o apoio de

profissionais e instituições importantes para divulgar a

informação correta. Na época de ‘Laços de Família’, por

exemplo, Manoel Carlos contou com a consultoria de

profissionais do Centro de Transplante de Medula do

Inca” (BOUZAS, 2010)

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Após o término da novela, a TV Globo exibiu imagens da personagem

de Carolina Dieckmann tendo os cabelos raspados durante a novela em sua

programação como parte de uma campanha pela doação da medula. Devido à

repercussão da novela, a Globo ganhou o mais importante prêmio de

responsabilidade social do mundo: o BitC Awards for Excellence 2001, na

categoria Global Leadership Award.

E, finalmente, Manoel Carlos observa:

“Eu não abro mão de embutir na minha novela temas e

comportamentos que possam motivar o público e levá-lo a

exercer atos de generosidade. Obviamente, quando a

novela acaba, esse exercício vai minguando até sumir,

mas o que se consegue durante aqueles oito meses de

novela no ar já tem grande significado e é gratificante”.

(BERNARDO, LOPES, p.192)

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CONCLUSÃO

O recurso do merchandising social pode até não ser uma característica

exclusiva da teledramaturgia brasileira. Outros países, como o México, também

promovem campanhas socioeducativas em suas obras de ficção, até há mais

tempo que o Brasil. Mas nenhum outro país incorporou as ações de

merchandising social de maneira tão sistemática quanto o Brasil.

Através deste minucioso estudo foi possível perceber que campanhas

de merchandising social, como as desenvolvidas em "Explode Coração" e

"Laços de Família", são importantes ferramentas socioeducativas porque

ajudam o telespectador a tomar conhecimento de inúmeros problemas sociais

e, principalmente, a engajar-se na resolução deles.

Mais: as telenovelas brasileiras, principalmente as escritas por Glória

Perez e Manoel Carlos, não se limitam a dissecar mazelas urbanas e

contemporâneas, como dependência química, maus-tratos a idosos e violência

doméstica. Elas também propõem alternativas de solução e estratégias de

ação.

Órgãos públicos, como a Fundação para a Infância e Adolescência

(FIA) e o Instituto Nacional do Câncer (INCA), são os primeiros a atestar o

inestimável alcance destas campanhas, através do aumento significativo tanto

no número de crianças que voltaram ao convívio familiar graças à campanha

promovida em "Explode Coração" quanto no de cadastros de voluntários para

doação de medula óssea por causa da novela "Laços de Família".

Esta é a telenovela brasileira. Uma telenovela que aprendeu a entreter,

educando. E a educar, entretendo.

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histórias que ninguém contou dos 10 maiores autores de telenovela do Brasil.

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Sites consultados:

www.cosmeticanews.com.br

www.memoriaglobo.com.br

www.teledramaturgia.com.br

Entrevistas realizadas em 2010:

ALENCAR, Mauro, doutor em Teledramaturgia pela Universidade de São Paulo

(USP).

BOUZAS, Luis Fernando, diretor do Centro de Transplantes de Medula Óssea

do Instituto Nacional do Câncer (INCA).

OLIVEIRA, Flávio Carvalho de, Gerente de Projetos Sociais da Central Globo

de Comunicação (CGCOM).

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SCHIAVO, Márcio Ruiz, diretor da Comunicarte – Agência de Responsabilidade

Social.

SILVA, Luiz Henrique de Oliveira e, gerente do programa SOS Crianças

Desaparecidas, da Fundação para a Infância e Adolescência (FIA).

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 1

APRESENTAÇÃO 2

AGRADECIMENTOS 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

O QUE É MERCHANDISING? 10

CAPÍTULO II

O MERCHANDISING SOCIAL EM NOVELAS 18

CAPÍTULO III

O MERCHANDISING SOCIAL NAS OBRAS DE GLÓRIA PEREZ E

MANOEL CARLOS 26

CAPÍTULO IV

MERCHANDISING SOCIAL: ESTUDOS DOS CASOS

“EXPLODE CORAÇÃO” E “LAÇOS DE FAMÍLIA” 32

CONCLUSÃO 38

BIBLIOGRAFIA 39

ÍNDICE 43

FOLHA DE AVALIAÇÃO 44

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

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