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Universidade Católica de Brasília Virtual PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS: PROTEÇÃO A VÍTIMAS E A COLABORADORES DA JUSTIÇA Especialização Criminalização dos Movimentos Sociais e seu antídoto: o Programa

Universidade Católica de Brasília Virtual · Menciona-se a conclusão apresentada pelo Programa das Nações Unidas para o ... o fenômeno da sociedade em massa revelou a crise

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Universidade

Católica de

Brasília

Virtual

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS: PROTEÇÃO

A VÍTIMAS E A COLABORADORES DA JUSTIÇA

Especialização

Criminalização dos Movimentos Sociais e seu antídoto: o Programa

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BRASÍLIA 2009

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Juliana Gomes Miranda

CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS E SEU

ANTÍDOTO: O PROGRAMA DE PROTEÇÃO AOS DEFENSORES

DOS DIREITOS HUMANOS

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-

Graduação Lato Sensu em Direitos Humanos –

Proteção e Assistência a Vítimas e a

Colaboradores da Justiça, da Universidade

Católica de Brasília, como requisito para

obtenção do Título de Especialista em Direitos

Humanos.

Orientador: Prof. Msc. Thiago Bazi Brandão

Brasília

2009

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Trabalho de autoria de Juliana Gomes Miranda, intitulado Criminalização dos Movimentos

Sociais e seu antídoto: o Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos,

requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Direitos Humanos, defendido e

aprovado, em ___ de ________ de 2009, pela banca examinadora constituída por:

_____________________________________________

Prof. Msc. Thiago Bazi Brandão

Orientador

__________________________________________

Prof. Daniel Seidel

Brasília

2009

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5

Dedico este trabalho a todas as pessoas

destemidas que conheci trabalhando para o

Programa de Proteção aos Defensores dos

Direitos Humanos, homens e mulheres que

acreditam no poder da transformação, que fazem

a diferença!

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Agradeço a equipe da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, meus pais e Rodrigo.

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RESUMO

Esse trabalho monográfico é a reunião de fatos e constatações identificados durante o trabalho

e a dedicação junto ao Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos,

da Secretaria Especial dos Direitos Humanos. A criminalização dos movimentos sociais é a

perpetuação da impunidade e injustiça, uma arma contemporânea contra o Estado

Democrático de Direito. Há um notório desrespeito às liberdades constitucionais de livre

manifestação, de expressão, de reunião. E o pior, não se tem respeitado a vida. É também por

isso que se deve valorizar práticas que buscam preservar e proteger os defensores dos direitos

humanos, um grupo de pessoas que luta todos os dias por um mundo mais justo e solidário.

Não se deve somente esperar do Estado essas práticas protetivas e o Programa de Proteção aos

Defensores dos Direitos Humanos, um programa do Governo Federal, demonstra isso, que

essa boa política se aprimora e se consolida com a interação democrática entre o Estado e a

Sociedade Civil.

Palavras-chave: movimentos sociais, criminalização e justiça.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................... 9

2. DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS: ORDEM GARANTIDORA ................................................ 12

2.1. CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA DOS DIREITOS HUMANOS ........................................................................... 12

2.2. A DEMOCRACIA COMO REGIME GARANTIDOR DA REALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ........................... 13

2.3. OS MOVIMENTOS SOCIAIS: SUA ORIGEM NO PLURALISMO E ATUAL CONFORMAÇÃO ................................... 20

3. COMBATE À CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS ..................................................... 26

3.1. OUTRO EXEMPLO DE INTERAÇÃO DEMOCRÁTICA ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ............................... 26

3.2. DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS E SUA PROTEÇÃO NO BRASIL .......................................................... 27

3.3. O MOMENTO ATUAL DOS DEFENSORES ....................................................................................................... 29

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................................. 33

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................................... 35

ANEXO ................................................................................................................................................................ 38

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INTRODUÇÃO

O ano de 2008 foi repleto de comemorações e reflexões na vida de brasileiros e brasileiras. Há

mais de vinte anos foi promulgada a Constituição Cidadã que transforma os paradigmas

jurídicos nacionais, sob o eixo formador dos direitos humanos. Outro marco importante

comemorado naquele ano foram os 60 anos da promulgação da Declaração Universal dos

Direitos humanos, o primeiro rol civilizatório universal dirigido a todos os seres humanos no

mundo. Desse corpo jurídico humanizado, regras e normas surgiram com o intuito de se

resguardar cada vez mais um conjunto mínimo de direitos e deveres a pessoas, grupos,

movimentos em situação de vulnerabilidade. Tratados e Pactos Internacionais são

convencionados pela comunidade internacional reunida em um só consenso: é preciso garantir

a dignidade mínima e humana entre as relações pessoais e intergovernamentais. No Brasil não

poderia ser diferente.

A partir da década de 90, o Estado brasileiro inicia um processo de ratificação das convenções

internacionais, incorporando em seu ordenamento jurídico o compromisso com valores

defendidos e assegurados universalmente. O Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto

do Índio, a Lei Maria da Penha, o Estatuto do Idoso, outras leis processuais que buscam

garantir o acesso à justiça, a ampla defesa, o contraditório são exemplos desse processo

legislativo institucional.

É mais que evidente a construção do regime democrático sobre os pilares da participação

popular, da defesa dos direitos humanos e da consolidação constitucional. Porém, essa lógica

não tem sido acompanhada nas realidades da luta social pelos direitos humanos. Tem-se

enfrentado diariamente notícias e denúncias de criminalização e desmoralização dos

movimentos sociais e defensores dos direitos humanos, apesar de se concordar com a

transformação de paradigmas que se tem vivenciado na atual governo Lula, uma afirmação de

um novo conceito de oposição, de esquerda e direita, de mercado e Estado, de Público e

Privado. Não é possível aceitar algumas rotulações que o movimento social tem sofrido com

sua resistência ou que servidores públicos imbuídos da missão institucional tenham suas

atividades ameaçadas e impedidas por frentes econômicas devastadoras e vilões do Estado de

Direito. Órgãos de Estado também têm empreendido seus abusos de poder ou desviado suas

funções, agredindo constitucionalmente nossa ordem social. Fatos como a recente incursão do

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Ministério Público do Rio Grande do Sul que clama pela extinção do Movimento dos Sem-

Terra na região, alegando que são guerrilhas armadas e agrupamento terrorista com exclusivo

fim de baderna e desequilíbrio da ordem pública. Além da ação do Ministério Público

Estadual, o Ministério Público Federal, com base na Lei de Segurança Nacional, o Judiciário

estadual, de forma articulada, programaram ações no mesmo sentido. Órgãos de Estado, com

atribuições constitucionais de defesa dos direitos difusos, coletivos, dos direitos civis,

políticos, sociais, econômicos e culturais, atuaram contrariamente.

Antes se fosse somente um mau exemplo de alguns membros do Ministério Público ou outros

agentes públicos no Rio Grande do Sul, mas foram episódios espalhados em todo território

nacional, de norte ao sul do Brasil. Sindicalistas, lideranças rurais, lideranças indígenas,

advogados, professores, estudantes, religiosos, são alguns dos grupos submetidos à refração

constante violadora de suas liberdades. Ainda se usa a arma de fogo para exterminar tais

defensores dos direitos humanos nos municípios brasileiros, mas, ultimamente, a arma mais

poderosa tem sido a desmoralização e a criminalização de sua luta.

Inconformados com essas denúncias, o mesmo Estado que bate, também tem sua dimensão

que defende. A Secretaria Especial dos Direitos Humanos, da Presidência da República, o

Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e o Ministério da Justiça têm se

empenhado no enfrentamento a essas práticas antidemocráticas noticiadas. Nomeadamente o

Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos que tem como uma de

suas estratégias o fortalecimento dos movimentos sociais, propondo a revogação ou alteração

de leis que criminalizem a defesa dos Direitos Humanos, e a implementação de medidas

protetivas que resguarde os defensores de abusos, violações e ameaças.

É ciente desse debate e desse contexto que se propôs a pesquisar e investigar com vertente

teórica e relato fático essa interação que não tem sido totalmente democrática entre Estado e

Sociedade Civil, revisitando o conceito contemporâneo de democracia, sob o prisma

legislativo do ordenamento brasileiro, emaranhado ainda de heranças de um período ditatorial.

Como realça o Professor Paulo Otero em sua obra, A democracia totalitária, ainda temos

muitos resquícios totalitários nos regimes atuais democráticos, em especial nas democracias

jovens da América Latina que são recheadas de lutas sociais e de classes junto às forças

opressoras, políticas e econômicas da época, que transcendem o tempo e a geografia.

Em 2003, como resultado de eleição democrática no Brasil, o Presidente Lula começa seu

primeiro mandato com elevadas expectativas de todo o movimento social por mudanças nas

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estruturas econômicas e políticas do País. Reconhece-se hoje um quadro interativo entre

Estado e Sociedade Civil que não pode se obnubilar as opções partidárias governamentais, o

que torna ainda mais complexa a tarefa proposta que seja revisitar o conceito de democracia

frente aos acontecimentos ―legitimados‖ por normas oriundas de um momento histórico

arcaico, já ultrapassado, mas presente com rumores totalitários.

Recentemente, teve-se outro episódio dramático de militantes e populares que foram

brutalmente impedidos de manifestarem suas idéias em público, por meio da ação da Brigada

Militar do Rio Grande do Sul. Em agosto de 2009, em mais uma ação da Brigada Militar,

quando de um cumprimento de reintegração de posse, um trabalhador rural foi assassinado.

Infelizmente o fato relatado não ocorre somente no Rio Grande do Sul e não ocorre somente

contra os Movimentos Sociais que lutam pela reforma agrária. Tem-se notícia e prova da

crescente mobilização das instituições de Justiça que desmoralizam e criminalizam os

movimentos populares no território brasileiro e sob o enquadramento legal de crimes contra a

segurança nacional.

Também se deve apor que o movimento social muito mudou durante a sua história brasileira

e, hoje, tem-se diversas divisões. Mas em seu conceito preceitual, movimento social não pode

jamais utilizar mecanismos nada adequados aos baluartes constitucionais de estado

democrático de direito, propagando a violência.

Por isso a real necessidade de se aferir um conceito moderno e atual de Democracia brasileira,

reconsiderando os comportamentos desses atores, Estado e Sociedade, sob o fato concreto da

criminalização dos movimentos sociais.

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2. DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS: ORDEM GARANTIDORA

2.1. Concepção contemporânea dos direitos humanos

Definitivamente, mais do que pensar em modelos de sociedade que os direitos humanos sejam

eficazes, deve-se ater aos princípios e mecanismos que possam permitir a defesa, a luta, o

desenvolvimento desses direitos. Os direitos humanos são princípios que defendem a

discriminação positiva em favor de camadas e categorias sociais, dadas as circunstâncias

fáticas e temporais. Esses instrumentos principiológicos devem aproximar, necessariamente, o

conceito de democracia da proteção aos direitos humanos.

Menciona-se a conclusão apresentada pelo Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento – PNUD, em‘A Democracia na América Latina, que os 18 países

pesquisados no relatório cumprem hoje os requisitos fundamentais do regime democrático e

só três deles vivia em democracia há 25 anos. Apesar da consolidação de seus direitos

políticos e liberdades individuais, esses países ainda enfrentam elevados níveis de pobreza e

desigualdade social. Portanto, não há direitos humanos sem a democracia, nem democracia

sem direitos humanos.

Diante de uma classificação formal1, distinguem-se, na história das instituições políticas, três

modalidades de Democracia: a Democracia direta, a indireta e a semidireta. Sem esquecer a

contemporânea democracia participativa.

Atualmente, a doutrina se depara com o dilema em se saber como construir e garantir uma

Democracia conscientizadora e transformadora de si mesma e de seus cidadãos, maximizando

os valores de solidariedade e eficiência. Isto é, em como obter uma democracia de consensos

em uma sociedade tão heterogênea, de variados interesses.

A participação é o diálogo do cidadão com o poder, direta ou indiretamente para a formação

da vontade governativa. Entre os principais atores de participação numa sociedade

democrática figuram os partidos políticos, os grupos de pressão, a imprensa, as associações,

as organizações e a opinião pública.

1 FABRE-GOYARD, S. Que é democracia (o). São Paulo: Martins Fontes.2003. p. 22.

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Houve uma transformação do indivíduo exclusivo cidadão, elemento da democracia direta, da

Grécia Antiga, para o cidadão participante, circunscrito também pela democracia

representativa.

Contudo, o fenômeno da sociedade em massa revelou a crise da Democracia representativa,

isso devido ao poder econômico inconsequente e ao poder político manipulador da

informação e comunicação, distanciando o representante cada vez mais do seu representado,

mais distante de sua vontade. Para alguns autores, na Democracia representativa não se

evidencia mais a participação popular, nem o controle social, nem a liberdade para dissenso.

Já a Democracia participativa, com seu elemento mobilizador, permite ao cidadão desvendar

o Estado, geri-lo e estabelecer um efeito vinculante aos demais setores da sociedade.

2.2. A Democracia como regime garantidor da realização dos direitos humanos

A criação de um sistema internacional que primariamente buscasse garantir e proteger um

conjunto de normas valoradas pela dignidade da pessoa humana decorreu de uma conjuntura

histórica de atrocidades acometidas durante e depois das grandes Guerras Mundiais. Uma

resposta, tardia que fosse, que tencionava a paz duradoura no mundo.

Em âmbito nacional, sob a perspectiva garantista dos direitos humanos, apresenta-se um

sistema que fortalece e complementa os sistemas regionais e internacionais dos direitos

humanos. De acordo com o artigo 1º da Constituição Federal brasileira, a dignidade da pessoa

humana é um dos princípios fundamentais da República Federativa. Infere-se o paralelo

criado entre o princípio republicano e a proteção à dignidade da pessoa humana. Almeja

prevenir experiências históricas de aniquilação do ser humano: as inquisições, a escravatura,

os Governos Totalitários, como o nazismo, o facismo, o stalinismo e os genocídios de

minorias étnicas.

Estar presente no rol dos princípios fundamentais da República significa o reconhecimento do

indivíduo e sua essencialidade como limite e fundamento do domínio político da República.

Essa compreensão justificará a conformação constitucional da República brasileira, onde se

proíbe, por exemplo, a pena de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de

banimento e as cruéis.

A dignidade do ser humano constitui não só um direito fundamental em si mesmo, mas

também o estandarte dos direitos fundamentais. A Declaração Universal dos Direitos do

Homem de 1948 consagra este princípio logo em seu preâmbulo: "Considerando que o

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reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus

direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no

mundo". Resulta daí, designadamente, que nenhum dos direitos consignados na Constituição

poderá ser utilizado para atentar contra a dignidade de outrem e que a dignidade do ser

humano faz parte da essência dos direitos fundamentais nela consignados. Não pode, pois, ser

lesada, mesmo nos casos em que um determinado direito seja objeto de restrições.

Como acrescenta a professora Flávia Piovesan, o ―valor da dignidade humana‖ —

ineditamente elevado a princípio fundamental da Carta, nos termos do art. 1º, III — impõe-se

como núcleo básico e informador do ordenamento jurídico brasileiro, como critério e

parâmetro de valoração a balizar a interpretação e a compreensão do sistema constitucional

instaurado em 1988. A dignidade humana e os direitos fundamentais constituem os princípios

constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo

suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro. Na Ordem de 1988, esses valores são

dotados de especial força extensiva, projetando-se por todo universo constitucional e servindo

como critério interpretativo de todas as normas subjacentes ao ordenamento jurídico nacional.

É o princípio do estado democrático de direito, baseado numa sociedade livre, justa e

solidária, na soberania popular, na participação e no pluralismo político que responde ao

problema do conteúdo, extensão e modo de proceder da atividade do Estado. O Estado de

direito também depende da consolidação do Estado constitucional, da existência de uma

constituição normativa fundamental estruturante, que vincule todos os Poderes Públicos ao

compromisso dos direitos humanos protegidos. Não foi a toa que o constituinte posicionou os

direitos fundamentais ao início da Constituição, antes mesmo da enunciação da organização

econômica e política do Estado.

Os direitos humanos fundamentais existem condicionados ao paralelismo entre Estado e

pessoa, entre a autoridade e a liberdade que se distinguem e até, em maior ou menor medida,

se contrapõem. São esferas que se condicionam, relacionam-se uma com a outra.

No Brasil, a tarefa de proteger e promover os direitos humanos aparece compartilhada pelos

três Poderes Públicos, juntamente com a Sociedade Civil, o cidadão e o mercado. Ao

Executivo compete programar políticas públicas efetivas na promoção e proteção aos direitos

humanos, atentas às normas e recomendações internacionais; ao Legislativo o estabelecimento

de o Estado de Direito mais adequado aos anseios sociais por direitos humanos

internacionalmente ratificados e nacionalmente demandados e ao Judiciário cabe a

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interpretação de acordo com os princípios e garantias constitucionais, assegurando em sua

jurisdição a proteção aos direitos humanos. A Sociedade Civil tem, fundamentalmente, a

função do controle social de toda essa gerência dos direitos humanos, alertando, cobrando,

recomendando, decidindo, discutindo, participando do processo público e privado de proteção

aos direitos humanos.

Os direitos humanos, como condição fundamental para a prevalência da dignidade humana,

devem ser protegidos e efetivados por meio de esforços conjuntos do Estado e da Sociedade

Civil. O processo institucional jurídico de efetivação - das normas constitucionais, leis,

regulamentos - tem sua contemporânea relevância, mas principalmente, crê-se que a real

efetivação e proteção aos direitos humanos se dão pela penetração social de sentir-se sujeito

de direitos.

O conceito de Constituição está relacionado ao de ―pacto‖, ―contrato social‖ ou concertação

social, pois numa sociedade edificada pela história e tradições, difunde-se a idéia de uma

Nação fundada na vontade dos homens que estabelecem entre si uma coletividade e definem

regras e princípios fundamentais a serem submetidos. Sob o aspecto mais jurídico do que

filosófico, a Constituição permite assegurar o respeito das normas pelas autoridades públicas e

por seus cidadãos.

E é nesse Estado constitucional que se contextualiza o eixo em debate, a derivação da

interação democrática entre Estado e Sociedade Civil. Enfatizamos a democracia como um

dos institutos políticos mais estudados em toda Ciência Humana e Social: sua amplitude

conceitual, suas diversas formas de se apresentar e suas peculiaridades nacionais.

A democracia se desenvolve mediante o diálogo entre a pluralidade de alternativas, sobre as

possibilidades e diversas necessidades da realidade, mas também sobre o consenso em

algumas questões constitucionais, nas quais não se pode haver interrupção e nas quais não se

deve existir dirigente2. Conforme nos ensina Lipset, ―todas as sociedades complexas são

caracterizadas por um alto grau de tensão interna e de conflito, mas as instituições

consensuais e os valores são condições necessárias para a sua persistência‖ 3.

Apresentada como um conjunto de regras fundamentais, a democracia para Bobbio se forma

(1) sobre o respeito à legitimidade passiva e ativa dos direitos e deveres democráticos, nas

2 A propósito, HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. Trad. de Gilmar Ferreira Mendes. 1997, p.36-37. 3 LIPSET, Seymour. Consenso e conflito. 1997, p. 13.

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tomadas de decisão, em quem é o povo da democracia, (2) sobre a regra da maioria que é

predominante nos processos decisórios coletivos, aprovada ao menos pela maioria do grupo e

(3) sobre a obrigação de existir alternativas reais aos cidadãos chamados a decidir ou a eleger

os que deverão decidir4.

A História tem demonstrado que o modelo democrático5 é servido como base, pelo menos em

tese, a todos os sistemas políticos existentes na modernidade, sendo desenvolvido de fato num

deles, no sistema liberal capitalista. Uma função essencial deste modelo é a perpetuação de

garantias de lutas constitucionais pelo poder, de disputas políticas. Por assim, a democracia se

constrói diante da possibilidade de acesso ao poder conferido principalmente à oposição,

manifestada também por meio de um sistema eleitoral e político livre e transparente. A

alternância no poder pode-se afirmar que é uma das características definidoras do regime

democrático, é claro que conjugada com o garantismo de outros valores democráticos

também, como o pluralismo, a liberdade, a participação popular nas tomadas de decisão e a

representação política.

Apoiado sobre a elaboração de Constituições escritas, na declaração dos direitos e garantias

individuais, civis e políticos, na separação dos poderes de Estado e na consagração da

soberania popular como princípio fundamental, o Estado, que ao final do século XVIII estava

a nascer, tinha subjacente um conteúdo essencialmente liberal que pressupunha mecanismos

de representação política e demandava uma organização permanente de associações de

cidadãos destinadas ao concurso eleitoral, os partidos políticos6 7.

A sua origem e projeção está intimamente correlacionada com a expansão da economia

capitalista e com a tentativa de equalização social, diante da segurança dos direitos

fundamentais da burguesia comercial e industrial em ascensão8. É por isso que se assiste o

enaltecimento de alguns direitos econômicos fundamentais, importantes para a burguesia

emergente, em observância ao direito de propriedade privada, à liberdade contratual e à

liberdade de empresa e a hipertrofia da função econômica do Estado9. Sob o aspecto político,

4 Para que se realize essa última característica, necessário se faz garantir os direitos de liberdade, de opinião, de reunião, de

associação, os direitos formadores do Estado Liberal. (BOBBIO, Norberto. O Futuro... p.20).

5 O modelo democrático formou-se em pleno sistema aristocrático e monárquico que reinava na Europa antes da Revolução

Francesa e a que os franceses chamavam de Ancien Regime. 6 SOUSA, Marcelo Rebelo. Os Partidos políticos no direito constitucional português. Braga: Cruz, 1983. pp. 19-21. 7 Sobre a natureza jurídica dos partidos políticos, v. SOUSA, Marcelo Rebelo. Os Partidos... pp. 80 ss e 522 ss. 8 Sobre a formação histórica do capitalismo, vide NUNES, A. J. Avelãs. Os Sistemas econômicos. Coimbra, 1973, pp. 81-

106 e MOREIRA, Vital. A Ordem jurídica do capitalismo. Coimbra, 1973, pp.38-47. 9 SOUSA, Marcelo Rebelo. Os Partidos... p.20.

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o Estado constitucional recolhe uma inspiração liberal demonstrada, principalmente, pela

afirmação do indivíduo como cidadão, detentor de direitos políticos, pela constituição da

nação como sede do poder supremo do Estado, no estreitamento das funções e intervenções

estaduais e numa delimitada distinção entre os órgãos de soberania incumbidos do exercício

de cada uma das funções do Estado10

.

O Estado liberal é dito como pressuposto não histórico, mas jurídico do Estado democrático.

Ambos são interdependentes, pois o liberalismo vai em direção à democracia, no sentido de

que são necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder democrático e a

democracia vai em sentido ao liberalismo, na medida que é necessário o poder democrático

para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais.

Nessa sociedade política que se forma desde o contratualismo de Hobbes, Locke e Rousseau,

pela doutrina democrática ao longo dos séculos XVIII-XX, verifica-se que os grupos, e não os

indivíduos, são os protagonistas da vida política na sociedade democrática, na qual não existe

mais um soberano, o povo ou a nação, conjunto de indivíduos que adquiriram o direito de

participar de forma direta ou indiretamente no governo, na qual não existe mais o povo como

unidade ideal, mas sim somente o povo dividido de fato em grupos contrapostos e

confluentes, com a sua relativa autonomia diante do governo central11

. É o nascimento da

sociedade pluralista.

Destarte, com a evolução do pensamento político filosófico, foi-se afirmando que a única

forma de democracia compatível como Estado liberal, ou seja, que reconhece e garante alguns

direitos fundamentais, como o de liberdade de expressão, de religião, de reunião, fosse a

democracia representativa12

ou parlamentar.

E o desenvolvimento desta democracia liberal no Estado de garantias está intimamente

relacionado com o alargamento gradual do direito do voto e da construção da consciência de

cidadania, e na descentralização da representatividade. A democracia, com base numa

perspectiva ―ultra libertária‖, fundamentar-se-ia não no consenso popular (como pretendiam

10 SOUSA, Marcelo Rebelo. Os Partidos... p.21.

11 BOBBIO, Norberto. O Futuro... p.23. 12 O Estado liberal é eminentemente um Estado representativo, pois nele há a impossibilidade de participarem no exercício

do poder político a generalidade dos cidadãos, lhes restando o dever/direito de elegerem seus representantes por meio do

sufrágio, de mandato respectivo motivado pela persecução de seus desígnios políticos. E mais, os mecanismos de

representação política incidiram no surgimento dos partidos políticos com base na própria atividade parlamentar. (Cfr.

SOUSA, Marcelo Rebelo. Os Partidos... pp.22-25 e DUVERGER, Maurice. Les Partis politiques. Paris: Armand Colin,

1951.p. 22).

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os contratualistas), mas no reconhecimento do direito de oposição e à diferença, pilares da

estrutura política pluralista13

.

A democracia de um Estado moderno nada mais pode ser que uma democracia pluralista. A

teoria democrática e a pluralista têm em comum, apesar de serem propostas diversas, a luta

contra o abuso do poder14

. O pluralismo político traduzido na existência e na liberdade de

formação e comunicação de diferentes ideologias e correntes políticas, bem como na

possibilidade de organização dos cidadãos para a fiscalização, a crítica e possível substituição

pacífica dos governantes, correlaciona-se também com a participação política15

. Para o povo

brasileiro que não vive um Estado Social efetivo, que oferece saúde, educação, previdência, o

caminho para inclusão e efetiva participação do povo é a dispersão e fragmentação do poder,

rearranjando o pacto federativo, privilegiando o poder e a interação local. É dessa forma que

se resgatará o sentimento de pertença pelos sujeitos. Como nos ensina Eder Sader,

―o respeito da forma instituída da prática política, encarada como

manipulação, teve como contrapartida a vontade de serem sujeitos da própria

história, tomando nas mãos as decisões que afetam suas condições de

existência. Com isso acabam alargando a própria noção da política, pois

politizaram inúmeras esferas do seu cotidiano‖16

.

Diante disso, infere-se que o pluralismo apreende a liberdade do dissenso como característica

fundamental da democracia moderna. Esta essência baseia-se no princípio segundo o qual o

dissenso, desde que mantido dentro dos limites, das regras do jogo, não é destruidor, mas

solicitador da sociedade, e uma sociedade que não se admita esse princípio é considerada

como morta17

.

Como efeito reativo, a participação política não é pressuposto de todo cidadão. A soberania

popular se perfaz com a livre existência e ação de órgãos próprios e de governantes que

buscam o interesse comum, coletivo e coletivizado. Não se aceita perpetuar algumas formas

de governo que afastam radicalmente a interferência dos seus cidadãos na gestão da coisa

pública, que impedem a associação e a participação nas tomadas de decisão.

13 A respeito MIRANDA, Jorge. Verbete oposição, In Polis Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, Lisboa, 1986,

p.826.

14 A democrática contra o Estado Autocrático e a pluralista contra o monocrático. (BOBBIO, Norberto. O Futuro... p.60)

15 MIRANDA, Jorge. Ciência política: Formas de governo. Lisboa, 1996, p.96. 16

SADER, Eder. Quando novos personagens entram em cena. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. P. 311-312. 17 BOBBIO, Norberto. O Futuro... p.61

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Assim, a democracia deveria subentender um sistema político no qual existiria o consenso

sobre as regras fundamentais, mas principalmente o dissenso, a composição de expressões.

Para que exista uma democracia basta o consenso da maioria. Mas exatamente o consenso da

maioria implica que exista uma minoria de dissentâneos18

. Quer dizer que num regime

fundado sobre o consenso não imposto autocraticamente, o dissenso é inevitável e apenas

onde o dissenso é livre para se manifestar, o consenso é real e apenas onde este é real, pode-se

assim o sistema proclamar-se como democrático. E mais, apenas numa sociedade pluralista, o

dissenso é possível, é necessário.

Reside o direito de resistir, de se opor na modernidade, especificamente sobre um dos pilares

constitutivos do Estado de Direito democrático19

: o pluralismo. Ao afastar o totalitarismo, o

pluralismo constitui uma garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais, por

conseguinte do Estado de Direito democrático baseado na dignidade da pessoa humana20

.

Noutro sentido, o pluralismo, em especial o político, assume uma natureza legitimadora da

própria democracia ao oscilar entre uma vertente subjetivista dos direitos e liberdades

fundamentais e a vertente objetivista que seja o sistema normativo e institucional. O

pluralismo também se reflete em nível organizativo, como a sua expressão em diversas

formas, a especialização e descentralização das atuações dos poderes públicos, por exemplo.

E, por fim, pode o pluralismo implicar em termos decisórios a amplitude participativa e

interventiva de diversos atores sociais e políticos na atuação governativa. Concebida como

sistema político que proclama a legitimidade do dissenso e das disputas entre segmentos e

classes sociais, a democracia não é compatível com a existência de uma sociedade civil que

simplesmente se amolda aos ditames do Estado. Também não é compatível com a presença de

movimentos sociais moldados para concordar, abdicando de sua missão histórica legítima,

que é fiscalizar, pressionar, cobrar, propor e exigir.

É necessário integrar e aprimorar os espaços de participação existentes, bem como criar novos

espaços e mecanismos institucionais de construção e monitoramento das políticas públicas de

direitos humanos no país. A interação democrática entre Estado e sociedade civil pressupõe

também a transparência e a disponibilização de informações públicas necessárias para o

exercício do controle social das políticas públicas.

18 BOBBIO, Norberto. p. 60. 19 Pluralismo, juridicidade e bem-estar. (Cfr. OTERO, Paulo. O Poder... p.526) 20 V. OTERO, Paulo. O Poder... p.528.

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20

2.3. Os movimentos sociais: sua origem no pluralismo e atual conformação

Entende-se por movimentos sociais, considerando um mundo globalizado e multicultural,

como redes interativas e de prática social, simbólica e política, com poucas formalidades e

institucionalidades. Essas redes conectam cidadãos, grupos e organizações da sociedade civil

vocacionados em torno de um interesse, de conflitos ou no apelo a uma solidariedade comum,

baseando-se em projetos políticos ou culturais.

As suas conexões podem ser locais, nacionais, regionais ou transnacionais, ou também uma

rede global de movimentos sociais. No caso brasileiro, durante o período da ditadura militar,

observa-se a constituição de redes pela democratização e por direitos humanos; após, com a

transição para a democracia, as redes para a consolidação da cidadania emergem; em seguida,

com o aprofundamento do processo de globalização.

Sugere-se que, dentre as várias teorizações da origem e formação dos movimentos sociais, no

Brasil, a construção dos movimentos sociais correlaciona-se com o movimento oposicionista

partidário. A oposição política como instituto incipiente tem no Brasil origens anteriores à

formação do Estado nacional independente. Suas primeiras aparições ocorreram no período da

Regência, movimento pela coroação de D. Pedro II, dimensionado (o período) no centro das

ideologias políticas pelos que apoiavam a monarquia brasileira com D. Pedro II. Acreditavam

que o Brasil deveria continuar como país único, um império independente de Portugal. Eram

os liberais moderados, defendiam a liberdade individual – da elite – e se encontravam nos

principais centros: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Sem exaurir a análise da história política da oposição, propõe-se um salto para outro período

importante na evolução da oposição, durante a Revolução de 1930 e os preparativos para a

campanha presidencial de 1929. O indicado da maioria das máquinas políticas estatais era o

governador de São Paulo, Júlio Prestes. O candidato de oposição – da Aliança Liberal – era o

governador do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas. Durante a campanha, a Oposição,

desconfiada da contagem final dos votos, com a possível vitória do candidato do governo e

revoltada com o assassinato de seu candidato à vice-presidência, decidiu por meio de uma

grande conspiração de aliados organizar o golpe e tomar o poder21

22

. Evidentemente,

mostrava-se uma oposição anticonstitucional.

21 SKIDMORE, Thomas E. Uma História do Brasil. 3 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 154.

22 SKIDMORE, Thomas E. Uma História... p.155.

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21

Esse momento foi marcado por uma polarização política entre esquerda e direita, entre a

formação do Partido Comunista Brasileiro – PCB, que mais tarde, com a luta contra o

fascismo, veio a formar a Aliança Nacional Libertadora – ANL, e os novos grupos da direita,

por exemplo, a extrema-direita, representada pela Ação Integralista Brasileira – AIB.

Com as ameaças comunistas de um golpe para a tomada do poder e algumas revoltas

localizadas, o Presidente Getúlio Vargas imediatamente convenceu o Congresso a declarar

estado de emergência, suspendendo direitos civis de suspeitos e obtendo a atmosfera perfeita

para intimidar sua oposição. Em 10 de novembro de 1937, o Brasil torna-se uma ditadura,

com o anúncio por Getúlio da nova Constituição do Estado Novo.

Em 1945, quando os militares tomaram de Vargas o poder, começaram as movimentações

para a eleição presidencial, disputada basicamente entre dois oficiais do Exército, Eurico

Gaspar Dutra (PSD), Partido Social Democrático, que a venceu, e Eduardo Gomes, seu

principal adversário, pela União Democrática Nacional (UDN).

Outro período marcante para a oposição política foi 1964-1967. Depois do Golpe de 1964, os

militares mantiveram o poder político por 21 anos. Durante seu governo, foi bastante

ostensiva sua decisão de expurgar a esquerda do sistema político. Com o Ato Institucional n.º

2, o general-presidente Castelo Branco decidiu que a estrutura partidária teria apenas dois

novos partidos: a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), representante do governo, e o

Movimento Democrático Brasileiro (MDB) 23

.

Mas a autêntica ditadura brasileira ainda estava por se iniciar, com a emissão, em 1968, do

Ato Institucional n.º 5, sem data para expirar seus efeitos. Censura e repressão foram medidas

justificadas a qualquer preço na luta pela segurança nacional24

. As arbitrariedades do governo

provocaram uma gradativa oposição armada, expandida em 1969. Mas em 1974, a oposição

armada restou liquidada, transformando-se num extrassistema ao regime autoritário.

Como tentativa de manobra política de manipulação, o General Geisel, então Presidente,

muda a regra eleitoral que negava à oposição acesso à televisão. Em consequência, o MDB, o

partido da oposição, sai vitorioso nas eleições de 1974 em vários estados, compondo o

governo sem maioria no Congresso. Dá-se início a uma nova onda de redemocratização

nacional, que clama por eleições diretas e liberdades constitucionais. Em 1984, chega ao

23 SKIDMORE, Thomas E. Uma História... p.231.

24 SKIDMORE, Thomas E. Uma História... p.232.

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22

poder Tancredo Neves, candidato da oposição, apoiado também por líderes dissidentes do

antigo PDS, por formadores do PFL, do PMDB, da ARENA. Não é empossado porque falece,

e assume o vice José Sarney.

Em 1985, onze partidos tinham representação no Congresso; em 1991 chegaram a dezenove.

Essa, que deveria ser reflexo de um sistema bem estruturado nos princípios pluralistas,

acompanhada por uma fraca disciplina partidária, estimulava a rotatividade e as barganhas

entre parlamentares, tornando a articulação do consenso sobre a ação política cada vez mais

complexa.

No espectro ideológico brasileiro, a direita brasileira consistia em um corpo de políticos

tradicionais e conservadores, ―um pequeno quadro de fanáticos preparados para usar a

violência e um bando de advogados ricos e homens de negócios que ansiavam por um

mercado livre‖, relata Skidmore25

. O mesmo autor defende que o destino do centro era o mais

incerto ao final da década de 1980; o predecessor era o MDB, rebatizado PMDB. Skidmore

afirma que a coligação não logrou muito êxito eleitoral, pois não apresentava coerência, tendo

desperdiçado sua vantagem moral na luta contra a ditadura26

.

O Partido dos Trabalhadores surge do ativismo sindical, no fim dos anos 1970. Cresce

significativamente na década de 1980, tendo sua representação na Câmara dos Deputados

ampliada de oito cadeiras para 49 em 1994, e em 2002, como partido de governo, ocupa 90

cadeiras eletivas, sob a promessa de mudança, de uma nova alternativa.

O PT, representante de uma oposição democrática, minoritária durante muitos anos eleitorais,

compõe uma coligação partidária e ganha as eleições presidenciais em 2002, aproveitando a

insatisfação e a ruptura aos padrões liberais e sociopolíticos vivenciados pela sociedade

brasileira desde a transição do regime político.

A oposição política no Brasil caracteriza-se como um movimento ideológico relacionado

durante sua evolução histórica com a esquerda e sua política de oposição. Sua principal

característica não era fiscalizar ou controlar o governo, e sim substituí-lo. E impregna a

formação da democracia moderna brasileira.

No início de 1980, os movimentos sociais se ampliaram e trouxeram para o debate um leque

de temas relativos à discriminação de raça e etnia, de gênero, de combate à violência e de

25 SKIDMORE, Thomas E. Uma História... p.300.

26 SKIDMORE, Thomas E. Uma História... p.300.

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direitos humanos. Esses movimentos sociais se caracterizavam a partir de identidades e não

mais a partir de uma base classista clara, como os operários e os camponeses.

Gohn identifica três ciclos de formação dos movimentos sociais, a partir de 1970: o 1º ciclo

era das lutas pela redemocratização do país e acesso aos serviços públicos (1972-1984); o 2º

ciclo era o da institucionalização dos movimentos populares ou sociais, a tematização dos

movimentos (1985-1989); e o 3º ciclo era o do surgimento de novos atores e a fragmentação

dos movimentos populares urbanos, por outro lado a ampliação dos movimentos sociais rurais

(1990-1997)27

. Complementando a classificação, poder-se-ia sugerir o 4º ciclo que é a

consolidação do movimento popular como sujeito e ator de decisão (1998-2009).

A relação entre Sociedade e Direito se mostra sempre em duplo sentido; uma relação de mão-

dupla: há, de um lado, o ordenamento jurídico que é elaborado sob os anseios e interesses

sociais, diante de um processo de adequação social constante; de outro, há o Direito

estabelecido que exige de sua sociedade a adaptação aos novos padrões de convivência. E por

isso nasce o Direito, como o propósito de formular as bases da justiça e segurança.

As necessidades de valores humanos, como a paz, a ordem e o bem comum levam essa

sociedade à criação de instrumentos de regência dos próprios valores. Infere-se que as

instituições jurídicas são invenções humanas que variam, socialmente, com o tempo e no

espaço. A adaptação deve ser um processo constante em todas as direções. O Direito em

direção às novas relações sociais e aos novos paradigmas e a Sociedade em direção aos novos

institutos e invenções jurídicas. É a mútua dependência entre Direito e Sociedade28

. E

relacionando o Direito com a libertação ou liberdade, Roberto Lyra ensina que o

―Direito, em resumo se mostra como a positivação da liberdade

conscientizada e conquistada nas lutas sociais e formula os

princípios supremos da Justiça Social que nela se desvenda. Por

isso não confundi-lo com as normas em que venha a ser vazada,

com nenhuma das séries contraditórias das normas que

aparecem na dialética social. Estas últimas pretendem

concretizar o Direito, realizar a Justiça, mas nelas pode estar a

oposição entre a Justiça mesma, a Justiça Social atualizada na

27 GOHN, Maria da Glória. Teoria dos movimentos sociais. São Paulo: Loyola, 1997. p. 45.

28 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Forense.2007. p. 11.

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História, e a ‗justiça‘ de classes e grupos dominadores, cuja

ilegitimidade não desvirtua o ‗direito‘ que invocam. Também é

um erro ver o Direito como pura restrição à liberdade, pois ao

contrário, ele constitui a afirmação da liberdade conscientizada e

viável, na coexistência social‖ 29

.

O autor relaciona a ampliação social da liberdade às condições de lutas sócias por direitos,

enfatizando os processos democráticos de atendimento. E os direitos humanos fazem parte

desse processo de conscientização histórica. Eles emergem de uma síntese jurídica,

demandando uma avaliação das emergências de normatividade, testando-as. São os direitos

humanos que darão legitimidade para se definir o que é emancipatório e o que não é na ação

dos movimentos sociais, das organizações dos grupos sociais que buscam nas normas e

estratégias regulatórias os subsídios para levar suas lutas adiante.

Os direitos humanos, na opinião de Boaventura Sousa Santos, são o escopo de um pluralismo

jurídico e interligações que exigem práticas sociais emancipatórias. ―O processo social e a

história são reflexos de libertação contínuos e permanentes e dentro desse processo, o aspecto

jurídico se mostra como a articulação entre os princípios básicos de Justiça Social atualizada

segundo padrões da liberdade‖ 30

.

Institucionalmente, num plano mais geral, a título de exemplo da ―contaminação‖ das

concepções emancipatórias, o atual Governo inovou ao trazer à sua Administração a

Secretaria-geral que se dedica prioritariamente em coordenar as relações político-sociais entre

governo e segmentos da sociedade civil. Sua tarefa é coordenar, instigar, estimular as relações

entre essas forças, compondo e consolidando preceitos democráticos na gestão da coisa

pública.

Infere-se certa preocupação em se garantir nas tomadas de decisão a participação popular e a

representatividade democrática nos debates. Essa mudança de valores, agregados dentro do

aparato governamental é uma constatação contemporânea que muitos dos movimentos sociais

não estavam acostumados a lidar. Os militantes populares e sociais no Brasil, sobretudo

aqueles que acompanharam a ditadura militar, conhecia um Estado que cooptava, planejador,

autoritário, autocrático, policial e repressivo. Exigindo-se dos movimentos uma postura

29 FILHO, Roberto Lyra. Que e direito (o). São Paulo: Brasiliense.1986.

30 FILHO, Roberto Lyra. Que e direito (o). São Paulo: Brasiliense.1986.

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25

defensiva31

. Os movimentos sociais latino-americanos do último Século tendiam a construir

seu pensamento crítico baseados nas grandes narrativas do marxismo, especialmente através

do assim chamado novo sindicalismo e da teologia da libertação.

Eis a transformação que exige não somente do Estado uma nova formatação, mas também

demanda da sociedade outra cultura política, uma atuação qualificada pela aliança e

concertação de interesses, sem abrir mão da crítica libertadora.

A Secretaria-geral da Presidência é um exemplo, destaca-se também a própria missão

institucional da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, os processos de conferências

temáticas, que já foram mais de cinqüenta, os conselhos de gestão e promoção e proteção aos

direitos humanos, os conselhos e órgãos controladores do Judiciário e do Legislativo.

―O Estado autoritário é um Estado solitário, que não tem a

interlocução da sociedade civil. Um novo Estado

comprometido com esses objetivos mais gerais, mais

democráticos, mais de equidade, mais de justiça social, precisa

ir se abrindo por sua própria iniciativa, criando espaços

públicos de co-gestão, criando formas de incorporar

participação cidadã, sabendo que essa participação cidadã é

condição para operar as rupturas dentro da estrutura

organizativa do Estado que destrua os bastiões de defesa dos

interesses das elites, e permita a reformulação das políticas

para reorientá-las em termos do interesse social‖ 32

.

São os novos espaços públicos, concertações e plasticidades que os movimentos, o Direito, o

Estado e a Sociedade se moldam no atual Estado democrático de direito. Essas esferas

públicas de representação, negociação e interlocução demonstram um campo democrático em

construção que acena a possibilidade de repensar e expandir os parâmetros de atual

democracia.

31 DULCI, Luiz. Governabilidade ampliada e participação social no governo Lula. Governo e sociedade civil: um debate

sobre espaços públicos democráticos. São Paulo: Peirópolis, 2003.p. 51. 32 BAVA, Silvio Caccia. ONGs republicanas e democráticas em um novo cenário político. Governo e sociedade civil: um

debate sobre espaços públicos democráticos. São Paulo: Peirópolis, 2003.p. 60.

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3. COMBATE À CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Nesse capítulo, há a preocupação de se dar publicidade à luta dos movimentos sociais, mas

ainda de se evidenciar práticas de proteção às suas manifestações e liberdades que surgem

institucionalmente a partir de uma interação Estado e Sociedade Civil. Após o debate acerca

da democracia, da concepção e do valor dos direitos humanos numa sociedade democrática e

aberta, traz-se a tona as denúncias dos movimentos sociais de abuso de poder e atos

criminalizantes, que tentam desmoralizar o movimento, os defensores dos direitos humanos.

Uma arma bem poderosa.

3.1. Outro exemplo de interação democrática entre Estado e Sociedade Civil

Há mais dez anos, as Nações Unidas, diante de uma conjuntura de busca e consolidação da

idéia de cultura de paz, reconheceram enfaticamente a necessidade de se proteger aqueles que

em todo o mundo se tornam o instrumento fundamental para a efetivação desses direitos: os

Defensores dos Direitos Humanos - DDH. Por isso, em 09 de dezembro de 1998, a

Assembléia-Geral das Nações Unidas aprova a Resolução 53/144, como a Declaração dos

Direitos e Responsabilidades dos Indivíduos, Grupos e Órgãos da Sociedade para Promover e

Proteger os Direitos Humanos e Liberdades Individuais Universalmente Reconhecidos.

Os Defensores dos Direitos Humanos são médicos, advogados, jornalistas, religiosos,

diplomatas, militantes, pessoas que se dedicam à difícil tarefa de lutar incansavelmente pela

ética, democracia, valores humanitários, justiça social, observando e clamando pelos

compromissos firmados internacionalmente em Direitos Humanos. Por compreender a

importância de suas militâncias e a necessidade de se criar condições e instrumentos que

protejam essas pessoas e garantam a efetividade dos direitos humanos e das normas

constitucionais, o Brasil, por meio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, órgão do

Executivo Federal, vinculado à Presidência da República, lançou, em 2004, o Programa

Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos – PPDDH, dias antes de um dos

mais covardes assassinatos, a morte da Missionária Dorothy Stang, em Altamira no Pará.

O Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos integra o ainda

incipiente Sistema de Proteção aos Direitos Humanos, um sistema de proteção a pessoa

ameaçada, composto pela proteção a vítima e testemunha, a criança e o adolescente

ameaçados de morte e, finalmente, aos defensores dos direitos humanos. Esse Programa tem

como objetivo garantir a proteção e a assistência à pessoa física ou jurídica, grupo, instituição,

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organização ou movimento social que promove, protege e defende os Direitos Humanos, e,

em função de sua atuação e atividades nessas circunstâncias, encontram-se em situação de

risco e vulnerabilidade, em conformidade com a Resolução n.53/144 adotada pela

Organização das Nações Unidas.

Os Defensores dos Direitos Humanos são as ferramentas da efetivação das normas

constitucionais e internacionais dos direitos fundamentais, que são patrimônio ético, jurídico e

político, os pilares para a realização da dignidade da pessoa humana.

3.2. Defensores dos direitos humanos e sua proteção no Brasil

No Brasil, a matéria originou-se de discussões e debates desenvolvidos pelos membros do

Grupo de Trabalho instituído pelas Portarias de nºs 66 e 89, ambas de 2003, da Secretaria

Especial dos Direitos Humanos, com a finalidade de apresentar propostas de políticas, ações e

medidas destinadas a garantir a proteção dos defensores de direitos humanos.

Esse Grupo de Trabalho era composto por representantes da Secretaria Nacional de Segurança

Pública, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, do Conselho Nacional dos

Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União, do Conselho Nacional

dos Comandantes Gerais das Polícias e Bombeiros Militares, da Associação Nacional dos

Delegados de Polícia, o Ministério Público Federal, da Câmara dos Deputados, da Associação

dos Magistrados do Brasil, da Unicef, da Ordem dos Advogados do Brasil, das organizações

não-governamentais Terra de Direitos, Movimento Nacional de Direitos Humanos e Centro

de Justiça Global.

Como produto do Grupo de Trabalho e tendo em vista as normativas internacionais,

nomeadamente a Resolução nº 53/144, da Assembléia Geral das Nações Unidas de 1998 e as

formatações de Representações Especiais, tanto do sistema ONU quanto do interamericano,

como a Resolução 1.842 da OEA, o Governo brasileiro, depois de grandes incursões com a

sociedade civil lança, oficialmente, em outubro de 2004, o Programa Nacional de Proteção

aos Defensores de Direitos Humanos - PPDDH, como ação a ser desenvolvida no âmbito da

Secretaria Especial dos Direitos Humanos.

Ressalta-se que, diante do quadro de vulnerabilidade e ameaças sofridas pelos nossos

defensores dos direitos humanos e da demanda social pela institucionalização de garantias e

proteção a esses cidadãos, em 2007, o Programa avançou na construção do seu marco legal.

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Assim, foi decretada a criação e aprovação da Política Nacional de Proteção aos Defensores

dos Direitos Humanos, por meio do Decreto Presidencial nº 6.044/2007, que consigna a

valorização do trabalho do defensor, pontuando os princípios gerais de respeito à dignidade da

pessoa humana – princípio constitucional -, de não-discriminação por motivo de gênero,

orientação sexual, origem étnica ou social, deficiência, procedência, nacionalidade, atuação

profissional, raça, religião, faixa etária, situação migratória ou outro status; promoção e

garantia da cidadania e dos direitos humanos; respeito a tratados e convenções internacionais

de direitos humanos e universalidade das dimensões dos direitos humanos.

Atualmente, a luta travada pelos Defensores dos Direitos Humanos tem se concentrado contra

as práticas criminalizantes dos movimentos sociais. Os que lutam, protestam e recorrem para

que seus direitos legitimados e garantidos sejam apenas cumpridos agora são alvos de

tentativas de criminalização.

O exemplo de força e luta pelos direitos humanos, o símbolo de renomado trabalho na defesa

aos direitos humanos foi a irmã Dorothy Stang. Missionária que lutou intensamente no Pará

pela implantação do Projeto de Desenvolvimento e Sustentabilidade para as famílias que

vivem na área de conflito agrário no norte do Brasil. Assassinada em 2005, pelos violadores

dos direitos humanos, a religiosa norte-americana recebeu em 2008, postumamente, o Prêmio

de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, um dos mais altos concedidos na

área dos direitos humanos.

Por meio da interação democrática com a sociedade civil, unidos com a coragem de agregar

forças e experiências para a realização da dignidade, na luta para dispor de uma sociedade

justa e mais humana, o Governo Federal reconhece o trabalho de milhares de brasileiras e

brasileiros, defensores dos direitos humanos. O PPDDH tem como escopo proporcionar

proteção e assistência à pessoa ou grupo, organização ou movimento social que tenha como

objeto a promoção ou proteção dos direitos humanos e se encontre em situação de risco ou de

vulnerabilidade, em decorrência do desenvolvimento de suas atividades.

Como condição de compreensão preliminar dessa política, relevante é destacar que todo o

esforço da rede de proteção aos defensores se consome em garantir sua integridade enquanto

agentes que promovem e protegem os direitos humanos e denunciam atrocidades, morosidade

no enfrentamento das questões sociais e impunidades.

Oportuno, ainda, é explicitar que o PPDDH dispõe de três eixos de atuação: a prevenção, que

se resume na articulação de políticas, combatendo as causas das violações dos direitos dos

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defensores e de suas denúncias, a investigação das ameaças e das violações aos direitos

humanos e a articulação, integração das políticas públicas locais e federais para atuar e

enfrentar as causas das violações relatadas. Para tanto, urge dispor de um quadro normativo

atual e revigorado que estabeleça as normas para a organização, condução e manutenção da

proteção aos defensores e defensoras de direitos humanos, instituindo o Programa e o

compromisso federativo dos atores envolvidos. Ao final de 2008, o Executivo encaminhou ao

Congresso uma proposição legislativa que busca a institucionalização do Programa,

respaldando sua ampliação e aprimoramento33

.

Nacionalmente, o PPDDH conta com quatro Coordenações estaduais – Pernambuco, Pará,

Espírito Santo e Bahia – e uma Coordenação-Geral, um arranjo institucional compromissado

em garantir e proteger, atualmente, mais de 60 (sessenta) defensores e defensoras ameaçadas

ou sob situação de vulnerabilidade.

Acredita-se que não se pode haver democracia sem que o Estado e a sociedade garantam a

todos os cidadãos, o efetivo respeito ao direito à segurança própria. É imprescindível para a

consolidação desta jovem democracia brasileira, para além do atendimento às normativas

internacionais do sistema de proteção dos direitos humanos, a concretização de uma política

pública assecuratória da dignidade dos defensores e defensoras dos direitos de todos. Os

defensores dos direitos humanos cumprem papel essencial na consolidação do Estado

democrático de direito, sustentado pelos pilares da separação dos poderes, da supremacia

constitucional e da garantia dos direitos humanos fundamentais.

Membros de organizações de direitos humanos, advogados, jornalistas, lideranças rurais e

indígenas que protegem vítimas e outros que atuam em defesa e promoção dos direitos

humanos muitas vezes se tornam as próprias vítimas. Reconhecer que muitos se encontram

em natureza precária de trabalho é imperativo para a proteção de sua luta. Os direitos

concedidos e garantidos a todos os cidadãos, como a liberdade de pensamento, de consciência

e de religião, o direito de livre manifestação e reunião, o direito à propriedade, à integridade, à

segurança são especiais para os defensores dos direitos humanos. Ao defender nossa

dignidade, recusamo-nos a ser humilhados e excluídos.

3.3. O momento atual dos Defensores

33 Projeto de lei nº 4575, de 2009.

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30

Hodiernamente a situação nacional dos Defensores dos direitos humanos ainda está bastante

crítica. No início de 2009, a Associação Nacional de Direitos Humanos – Pesquisa e Pós-

Graduação (ANDHEP), em convênio com a Secretaria Especial de Direitos Humanos –

Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos – concluiu uma

pesquisa inédita que diagnostica a condição dos defensores no país34

, para afirmar que, em

praticamente todo o país, os defensores de direitos humanos ainda são submetidos a todo tipo

de violência e se encontram em arriscadas condições, necessitando do respaldo público de

proteção, seja ela física, jurídica ou mesmo política. É sabido que a maioria das ameaças vem

de indivíduos que deveriam representar a voz do Estado, mas absorvem essa imagem para

fazer valer seus interesses particulares.

Esse diagnóstico varre todas as regiões, buscando de forma amostral identificar nos maiores

conflitos sociais nacionais a presença de lideranças, defensores ameaçados ou em situação de

vulnerabilidade. De acordo com o Coordenador da Pesquisa, o Professor Eduardo Bittar, a

pesquisa ―começa por narrar o espanto que a expressão produz ao senso comum, pois as

pessoas geralmente não reconhecem aqueles que lutam por direitos (acesso à terra, dignidade

do preso, eqüidade de gênero, discriminação, acesso à justiça, proteção ao meio-ambiente,

etc.) como ‗defensores dos direitos humanos‘‖. E reforça como é importante divulgar a

expressão e seu uso, até mesmo como medida de proteção.

Essa pesquisa foi, também, mais um passo adiante para a institucionalização e consolidação

dessa Política Nacional integrada com o Sistema Internacional de Proteção aos Direitos

Humanos. Ao mapear os principais conflitos sociais, envolvendo toda a diversidade possível

da indivisibilidade dos direitos humanos, busca definir os possíveis sujeitos dessas políticas

em comunidades indígenas, quilombolas, grupos LGBT, mulheres, crianças, jovens, pessoas,

movimentos, grupos que lutam por direitos universalmente reconhecidos. Bem como busca

definir a amplitude dos principais direitos debatidos e ponderados pelos defensores dos

direitos humanos no Brasil: o direito à terra vem em primeiro lugar, seguido do direito à

liberdade de manifestação e expressão, direitos culturais, sociais, econômicos e ambientais,

direitos políticos. E, incita como não poderia deixar de fazer, um rol dos maiores violadores e

―ameaçadores‖ aos defensores. São eles: pistoleiros, crime organizado, agentes públicos,

fazendeiros e até mesmo alguns grupos econômicos.

34 Ver extrato da pesquisa em anexo.

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31

Portanto, esse diagnóstico sugere a possibilidade de se construir de forma mais objetiva a

violação contra o Defensor dos Direitos Humanos - DDH, uma violência que a sociedade não

suporta nem quer mais permitir. Esse Programa é resultado da indignação social, um esforço

do governo e de todos, que almeja a integração democrática e federativa entre os poderes

públicos.

Um crime que é combatido com a educação em Direitos Humanos, capacitação dos agentes de

segurança e de justiça, produção de informação, documentos, artigos, seminários, debates

entre a Sociedade e o Estado.

Mesmo não tendo natureza vinculativa, a Resolução 53/144 da Assembléia Geral das Nações

Unidas, sendo reconhecida como a Declaração dos Defensores dos Direitos Humanos, seu

poder de discussão e de estímulo a políticas nacionais de proteção têm sido um destaque na

comunidade internacional. O Brasil, nesse ano de 2009, quase sediou um debate com

participações internacionais sobre a proteção aos Defensores dos Direitos Humanos. Um

encontro que reuniria militantes de todos os direitos, de todas as nações. Um encontro

simbólico, com trocas de experiências e sofrimentos também compartilhados. Mas esse

evento teve de ser redimensionado, pois seu financiador, as Nações Unidas, alegou falta de

recursos.

Nacionalmente, destacam-se alguns outros desafios para essa Política de Proteção à vida. Em

nível psicológico, o desafio é o sujeito psicótico. É fato, muitos dos beneficiários desse

programa sofrem de algum distúrbio, sendo necessário seu pronto diagnóstico. Por se

encontrarem em situação de vulnerabilidade ou risco ao desempenharem suas atividades de

promoção e defesa de direitos humanos, muitos demonstram um quadro de psicose, variando

seus níveis. As técnicas de entrevistas semidirigidas e atenção à inserção do núcleo familiar

são de extrema valia para se administrar tal desafio. A idéia da rede solidária bem desenhada é

também muito importante nessas condições. Obviamente, esses fatores serão diagnosticados

pelo psicólogo da equipe, mas se faz necessário o trabalho dessa questão com os demais

técnicos, sensibilizando-os para uma atenção diferenciada.

A atuação e cooperação do psicólogo nas demais ações dos programas – Direito, Sociologia,

Assistência Social – operam-se como apoio às políticas públicas, apresentando a qualidade e a

aptidão necessárias para proporcionar a reinserção social das pessoas em situações de risco.

Em nível assistencial, o Programa ainda carece de uma consolidação mais firme da rede

protetiva, de assistência para garantir aos seus usuários um atendimento mais adequado à

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saúde, vestimenta, trabalho, moradia e outros. Politicamente, o Programa teve um grande

avanço nesses últimos anos. Sua Coordenação Nacional ganhou confiança da sociedade civil e

pôde construir, Estado e Sociedade juntos, um conjunto de ações e estratégias – capacitação

de equipes técnicas, capacitação de policiais, parceria com a Força Nacional de Segurança

Pública, seminários, atenção dos gestores públicos, documentos institucionalizantes – que não

só divulgaram o trabalho do Programa, mas principalmente tornaram público o dever de

proteção e respeito ao trabalho dos defensores dos direitos humanos.

No combate à criminalização aos movimentos sociais, aos DDH, o PPDDH não está sozinho.

Teve ao longo dos anos 2008 e 2009 o apoio e suporte de um dos mais antigos Conselhos do

Brasil, que desde 1964 tem promovido o debate e a proteção aos direitos humanos, o

Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – CDDPH.

Após graves denúncias, que o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul pedia a

dissolução do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o CDDPH constituiu

comissão especial para se apurar tais práticas e recomendar a mudança social. Foram quase

dois anos de investigação, reunião, debates, que não se restringiram no sul do país,

culminando em 26 recomendações ao estado e à sociedade em 2008. Mas, infelizmente, em

agosto de 2009, essa comissão foi chamada a atuar e a produzir seu relatório final. É morto

mais um cidadão, depois de uma ação da Brigada Militar num acampamento do MST, quando

de cumprimento de mandado de reintegração de posse.

A Comissão Especial identificou abuso por parte dos agentes públicos, mas principalmente,

identificou ser possível com o diálogo a construção de medidas preventivas no sentido de

colaborar com a garantia dos direitos civis e das liberdades públicas. Em outubro de 2009, seu

relatório final traz mais 28 recomendações, sendo uma delas uma audiência pública local, no

estado, para juntos, CDDPH e instituições locais e estaduais rediscutirem o modelo

―democrático‖ que tem sido aplicado no Rio Grande do Sul.

É possível enunciar o sucesso dessa audiência, ocorrida em 26 de novembro de 2009. O

Relatório Final foi levado ao local das práticas que criminalizavam muitos dos movimentos

sociais e pediu-se também o compromisso democrático desses movimentos em atender à boa

ordem do Estado democrático de direito. Um Estado que necessariamente é envolto à

promoção e proteção aos direitos humanos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho monográfico teve início no Curso de Pós-graduação da Universidade Católica

Virtual, fruto de uma parceria entre os programas de proteção a pessoa ameaçada da

Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Optou-se por uma abordagem crítica da atualidade

vivenciada pelos defensores dos direitos humanos, considerados aqui como um instrumento

de propagação da democracia, aquela consolidada na prática dos valores suprapositivos, que

são os valores do respeito, da dignidade da pessoa humana.

A dignidade humana é princípio fundador da República brasileira, é o reconhecimento do

indivíduo e sua essencialidade como limite e fundamento do domínio público republicano. Os

direitos humanos são critérios norteadores e interpretativos de todas as normas subjacentes na

ordem jurídica. São princípios que defendem a discriminação positiva em favor de camadas e

categorias sociais, dadas as circunstâncias fáticas e temporais. Esses instrumentos

principiológicos devem aproximar, necessariamente, o conceito de democracia da sua

proteção.

A dignidade humana e os direitos fundamentais constituem os princípios constitucionais que

incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo

o sistema jurídico brasileiro. Na Ordem de 1988, esses valores são dotados de especial força

extensiva, projetando-se por todo universo constitucional.

Percebeu-se durante o trabalho que no Brasil houve uma relação bem familiar entre a

resistência e oposição política com o surgimento dos movimentos sociais. Um movimento que

aparece em contraposição à política ditatorial, que impregnou o Brasil durante 21 anos, mas

que ainda nos deparamos com heranças dessa época totalitária. Leis de conteúdo

antidemocrático ou com interpretações não-democráticas ainda persistem em existir no

ordenamento jurídico brasileiro. E inferiu-se sua utilização como justificativa para a

criminalização de muitos defensores dos direitos humanos.

É por isso e outras razões que o Brasil tem de incentivar, ainda, programas e ações que

buscam proteger a vida. Programas de proteção a pessoa ameaçada são ferramentas

indispensáveis num país que em muito se deixa perpetuar a impunidade e a desigualdade

social.

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O Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos é um desses exemplos e que o

senso comum muito se pergunta: ―temos isso mesmo no Brasil? Será que precisamos disso no

Brasil?‖ E a rápida e pronta resposta é Sim!

São lideranças indígenas, quilombolas, trabalhadores rurais, mães de vítima da violência,

professores, advogados, médicos, policiais, gestores públicos, militantes, estudantes, homens

e mulheres que todo o dia se levantam para suas atividades profissionais que não se refletem

na satisfação pessoal, pelo contrário, acordam todos os dias buscando a justiça, a paz, o bem-

estar de uma comunidade, a defesa dos direitos humanos. É mais que dever do Estado

brasileiro, que se afirma como uma potência democrática e econômica no cenário

internacional, promover a blindagem necessária a esses ―agentes para a paz‖, permitindo a

eles a continuidade de suas missões; missões que o Estado já assumiu ser incapaz de

promover sozinho.

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ANEXO

ANDHEP - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS, PESQUISA E

PÓS-GRADUAÇÃO

DIAGNÓSTICO NACIONAL SOBRE A SITUAÇÃO DOS DEFENSORES DE

DIREITOS HUMANOS

Março – 2009

A presente pesquisa foi realizada por força de convênio de número 30/07, firmado

com a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República – SEDH/PR.

Trata-se da sistematização de estudos com o fim de identificar conflitos que envolvem direitos

humanos em todo território nacional, mas, principalmente, de conhecer as especificidades de

cada região para possibilitar futura intervenção do Poder Público, por meio da implementação

do Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos e de eventuais

políticas publicas. Para tanto, é valiosa a percepção de pessoas que trabalham com direitos

humanos, pois através delas podemos entender quais as demandas dos defensores para um

projeto viável de proteção, atendo-se ao que é comum de todas as regiões e, ao mesmo tempo,

o que é característico de cada uma, merecendo, por isso, tratamento diferenciado.

Dessa forma, segue um breve extrato dos conflitos identificados em cada região do

país, ilustrado com mapas que demonstram graficamente onde há os principais conflitos e

defensores de direitos humanos em situação de risco ou vulnerabilidade. Importante observar

que a pesquisa não teve a pretensão de esgotar todos os conflitos existentes no país e as

pessoas envolvidas neles. Em primeiro lugar, porque foi realizada por amostragem, em razão

da dimensão do país, e, em segundo, dada a falta de estrutura, de comunicação e de outras

dificuldades próprias de algumas das regiões afetadas pelas violações de direitos humanos.

Região Sul

Os conflitos presentes nessa região têm íntima relação com o histórico sulista, marcado pelo

modo de produção rural ou pelos modernizados com a industrialização e a urbanização

homogeinantes. Os três estados apresentam, em sua maioria, problemas rurais. No Paraná

predominam os conflitos de disputa de terra, em razão do descompasso entre o espaço

territorial e os assentamentos humanos. As violações propriamente giram em torno das

seguintes questões: trabalho escravo, principalmente no norte do Paraná (Porecatu), S.

Mateus, sul do estado e Adrianópolis; quilombolas, em especial no Vale do Ribeira, onde há

grande concentração de habitantes da área rural e conflitos sócio-ambientais advindos dos

setores ligados ao agronegócio; atingidos por barragens, que resistem sair de suas terras e

lutam pela construção de uma política energética justa; e LGBT, em razão da homofobia. Para

os defensores de direitos humanos que atuam no Paraná a maior dificuldade está onde há

conflitos de terra, geralmente entre os grandes proprietários de terra dedicados ao agronegócio

(especialmente empresas multinacionais) e o Movimento dos Sem-Terra - MST e as mulheres

da Via Campesina. Os casos de maior repercussão foram o Syngenta Seedes (em Cascavel) e

o Ortigueira, nas regiões oeste e noroeste do Paraná, respectivamente. No primeiro caso,

percebe-se a presença de milícia armada: seguranças particulares contratados por proprietários

de terras por meio de uma associação, Sociedade Rural do Oeste do Paraná - SRO, criada para

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proteger seus interesses. No segundo, salta aos olhos a desigualdade social e o coronelismo,

com seus jagunços e pistoleiros. Ortigueira é também rota de tráfico. Em Santa Catarina

podemos destacar as violações contra quilombolas, índios e negros que são, de certa forma,

similares, em razão do chamado ―embranquecimento‖ da população. Quilombolas e índios

sofrem com o reconhecimento do direito à terra, e, os negros, com a tendência de

criminalização. Finalmente, no Rio Grande do Sul, são mais constantes problemas

penitenciários, violação aos direitos da criança e do adolescente e violência contra a mulher.

Neste estado os quilombolas não fazem parte apenas do contexto rural, também aparecem no

meio urbano. MST, Movimento das Mulheres Camponesas - MMC e Movimento dos

Atingidos por Barragens - MAB sofrem com a criminalização dos movimentos sociais. A

polícia gaúcha é muito conhecida pela atuação violenta e truculenta. O auxílio do governo

estadual é mínimo nessas questões, já que apóia, em grande medida, empresas que são as

grandes detentoras de terra.

Região Sudeste

Os conflitos mais recorrentes são de natureza urbana, contudo no campo também há

problemas seriíssimos constatados. Nas cidades, a desigualdade social atrelada à alta

concentração de renda é apontada como a causa do nascedouro de tais conflitos. Em geral, nas

regiões mais empobrecidas da urbe se verificam as maiores taxas de homicídio, a forte

atuação do crime organizado, casos recorrentes de violência policial e no interior do sistema

penitenciário, tendo todas estas violências atingido predominantemente a população

adolescente e jovem. Também é importante considerar o déficit e a precariedade de moradias.

Nos principais centros urbanos, nas regiões metropolitanas e, de modo mais intenso, nas duas

maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, registram-se inúmeros casos de violência

e ameaça contra defensores de direitos humanos. Verifica-se desde ações de desmoralização

pública e ameaça verbal até a criminalização, agressões físicas e morte de lideranças

comunitárias e de integrantes de organizações não-governamentais que se levantam contra:

violência policial; violações no sistema carcerário e de atendimento sócio-educativo; atuação

de milícias em comunidades; extermínio de adolescentes e jovens; e ausência e precarização

de moradias. Já no ambiente rural, verificam-se: a incidência de trabalho infantil e análogo à

escravidão em regiões de Minas Gerais, conflitos entre fazendeiros e comunidades

tradicionais (quilombolas e indígenas) e casos de violência contra trabalhadores rurais, em

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geral integrantes de movimentos que lutam pela terra ou que são atingidos por barragens. A

utilização de trabalho escravo e infantil é registrado nas regiões norte, noroeste e centro-oeste

de Minas, sem que haja notícia de defensores ameaçados. No que diz respeito às comunidades

tradicionais e aos trabalhadores rurais, não só há registro de violações de direitos humanos,

como também a existência de pessoas ou comunidades inteiras ameaçadas ou que passaram

por situações de violência. É o que ocorre, por exemplo, na região norte de Minas (Felisburgo,

Janaúba, Bocaiuva e Jequitái, entre outros), no Pontal do Paranapanema-SP e, mais

recentemente (2007), no município de Limeira-SP. Ao longo da pesquisa, registrou-se

também a existência de violências e ameaças contra defensores de direitos humanos que

atuam em questões que envolvem o movimento LGBT e o meio ambiente.

Região Centro-Oeste

Marcada por conflitos rurais e urbanos. Os rurais predominam nos estados de Mato Grosso e

Mato Grosso do Sul e envolvem, principalmente, a população indígena e os movimentos

sociais do campo, nos quais pequenos agricultores e trabalhadores sem-terra lutam pela

reforma agrária e por melhores condições de vida no campo. Na região norte do Mato Grosso

há grandes latifúndios, em grande parte fruto da grilagem de terras e com utilização de

trabalho escravo, que contornam outra grave questão, foco de conflito: a desenfreada

degradação ambiental advinda do desmatamento. Os defensores de direitos humanos que

atuam na região apontam os grandes latifundiários como os agentes violadores de direitos,

que ainda contam com o apoio irrestrito das instâncias de poder locais. A questão indígena

também é muito presente e envolve tanto a disputa pela posse dos territórios tradicionais,

quanto a questão da própria sobrevivência dessas etnias, que sofrem com o preconceito e com

a incompreensão da sociedade de cultura indígena. Em Mato Grosso destacam-se as questões

singulares da água e do impacto ambiental advindo da construção de barragens em locais

próximos a comunidades indígenas pertencentes à Reserva do Xingu, colocando em risco a

sobrevivência das etnias. No estado do Mato Grosso do Sul, a questão da demarcação das

terras indígenas é foco de conflitos envolvendo defensores de direitos humanos. No que

concerne aos conflitos urbanos, destaque deve ser dado aos estados do Mato Grosso e de

Goiás, onde foram encontrados conflitos envolvendo violência contra crianças e adolescentes

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e execuções policiais. Em Mato Grosso foram localizados também conflitos envolvendo

defensores de direitos humanos que atuam contra a corrupção eleitoral.

Região Norte

Na região predomina a violência rural e, em função da abundância de recursos naturais desses

estados, o conflito de terras também engloba a disputa pela água, por outros recursos

minerais, pela madeira e pelos próprios animais, principalmente os quelônios. Na região de

Lábrea, no sul do estado do Amazonas há diversas partes de rios ilegalmente apropriadas por

particulares com o objetivo de utilização do potencial hidrelétrico de quedas d´água. Pelo fato

de a região Norte ser a atual fronteira agrícola brasileira, a tendência é que se acirrem

conflitos rurais, tornando ainda mais constantes as ameaças a defensores de direitos humanos

que atuam na luta por terras e pela defesa do meio ambiente. Nos estados de Acre e Rondônia

há atualmente vários defensores ameaçados por madeireiros que realizam depredação ilegal

da natureza. Outra especificidade dos conflitos rurais existentes na região Norte remonta às

origens históricas do local, tradicionalmente ocupado por aldeias indígenas sobreviventes às

violências perpetradas pelos colonizadores nas terras brasileiras. Tornam-se cada vez mais

comuns as ameaças a lideranças indígenas cujas terras são cobiçadas por grupos de interesse

com grande força política local. Exemplo dessa situação é o caso da reserva indígena Raposa

Serra do Sol que, embora seja emblemático em função das discussões no Supremo Tribunal

Federal, não é o único caso de violência contra populações indígenas. No estado do Acre, por

exemplo, diversas aldeias indígenas têm suas lideranças ameaçadas em função de disputas por

terras estratégicas para a constituição de rotas de narcotráfico na fronteira brasileira com a

Bolívia.

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Região Nordeste

Nessa região predominam as ameaças a militantes na questão agrária, perfil que repete o

próprio padrão brasileiro de violência no campo. Pela origem histórica do Nordeste,

relacionada à monocultura escravista para exportação, há inúmeras populações quilombolas, e

são justamente elas as mais afetadas pela crescente disputa pelas terras da região. Na Bahia,

próximo a Bom Jesus da Lapa, há diversas lideranças quilombolas que sofrem violência de

grupos interessados nas terras ocupadas pelas comunidades. A coalizão entre latifundiários e

parte do poder institucional local, de que é exemplo o Poder Judiciário, torna complicada a

luta dos defensores de direitos humanos, que, muitas vezes, não possuem qualquer respaldo

para sua atuação. Além disso, destaca-se a questão da expansão ilegal do turismo no litoral do

Nordeste, principalmente no estado do Ceará, em áreas ocupadas por aldeias indígenas e

comunidades tradicionais. A tendência, nesse caso, é que esses grupos de interesse, diversos

deles estrangeiros, acirrem a violência contra essas populações, com o objetivo de expulsá-las

para a construção de complexos turísticos.