44
Universidade de Brasília - UnB Instituto de Artes - IdA Departamento de Artes Visuais - VIS FLÁVIA LIMA MARAVILHA KÓSMOS TERÁTON A imersão do observador no universo fantástico do artista BRASÍLIA - DF 2018

Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

Universidade de Brasília - UnB

Instituto de Artes - IdA

Departamento de Artes Visuais - VIS

FLÁVIA LIMA MARAVILHA

KÓSMOS TERÁTON

A imersão do observador no universo fantástico do artista

BRASÍLIA - DF

2018

Page 2: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

FLÁVIA LIMA MARAVILHA

KÓSMOS TERÁTON

A imersão do observador no universo fantástico do artista

Trabalho de conclusão de curso elaborado e

apresentado como requisito parcial necessário à

obtenção do título de bacharel em Artes Visuais

pela Universidade de Brasília.

Orientador: Prof. Dr. Gustavo Lopes

BRASÍLIA - DF

2018

Page 3: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

MARAVILHA, Flávia Lima.

Kósmos Teráton: A imersão do observador no universo fantástico do artista/ Flávia Lima

Maravilha – Brasília, DF, 2018.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade de Brasília (UnB),

Instituto de Artes - IdA. 1º Semestre de 2018.

36 f.

Orientador: Prof. Dr. Gustavo Lopes.

1. Instalação, Fantástico, Imersão, Monstruosidade, Distópico.

Page 4: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

Flávia Lima Maravilha

KÓSMOS TERÁTON:

A imersão do observador no universo fantástico do artista

Trabalho de conclusão de curso elaborado e

apresentado como requisito parcial necessário à

obtenção do título de bacharel em Artes Visuais

pela Universidade de Brasília.

Orientador: Prof. Dr. Gustavo Lopes

Aprovado em: _____/_____/_______

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________

Profª. Mª. Andrea Campos de Sá

Universidade de Brasília - UnB

____________________________________________________________

Prof. Miguel Simão da Costa

Universidade de Brasília - UnB

Brasília – DF

Julho de 2018

Page 5: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

Dedico este trabalho ao demônio que mora no

canto do meu quarto que me fez persistir na vida

de forma odiosa. Ave Satanás.

Page 6: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a minha persistência em levar o curso adiante, mesmo não

me sentindo parte do atual circuito artístico. Por continuar verdadeiro a minha identidade

artística e não deixar minhas referências de lado e não adotar princípios que não fossem meus.

Agradeço por ser capaz de perceber minha utilidade, mesmo que seja para fazer coisas

aparentemente inúteis.

Aos meus pais, Teresa e Carlos, por compreenderem minhas decisões e ideias por

mais mirabolantes e estranhas que fossem. Obrigado por me deixarem levar meus materiais

artísticos (em suas palavras “lixo”), para a casa de vocês. Obrigado pela paciência, por menor

que ela fosse muitas vezes.

Às minhas irmãs, Marcela e Fernanda, que me deram sugestões e ideias para resolver

as complicações que o trabalho trouxe, sem vocês minhas obras não seriam como são.

Ao meu gato e aos meus cachorros que me ajudaram durante as piores horas. Em

especial ao meu gato que realizou intervenções artísticas em meus desenhos.

Aos meus fones de ouvido que me ajudaram a passar por momentos críticos de

ansiedade social.

Aos meus antidepressivos e minha psicóloga, Keila, as coisas teriam sido mais

caóticas e impossíveis sem vocês.

Aos meus seguidores e amigos da internet que me apoiaram e continuam me apoiando.

Aos meus amigos de faculdade que sofreram junto comigo durante esses 5 anos de

faculdade. Em especial à Thaís, obrigado por aturar meus memes sem graça.

Aos professores, Me. Eduardo Lustosa Belga, Mª Andrea Campos de Sá e Miguel

Simão da Costa que me inspiraram com suas disciplinas e trabalhos artísticos.

Ao meu orientador Gustavo Lopes, apesar de o conhecer recentemente, não posso

deixar de agradecer imensamente pelo apoio e por esclarecer minhas dúvidas.

Agradeço a Universidade de Brasília e o corpo docente como um todo por tornarem

minha passagem pela faculdade proveitosa.

Por fim, agradeço aos meus demônios, obrigado por nunca deixarem de me

atormentar, vocês fazem minha poética existir.

Page 7: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

RESUMO

A imaginação e as fantasias da mente humana são íntimas, quase inacessíveis ao resto

do mundo, mas e se tivesse um modo de quebrar esta barreira entre o que é ficcional e o que é

real? A arte é um dos veículos que permite tal façanha, seja por meio da literatura, dos filmes,

dos games ou das artes visuais. Tentar permitir o observador adentrar e se imergir no universo

fantástico distópico habitado por monstros que venho criando é o objetivo desta pesquisa. Para

isso analiso outros meios artísticos a fim de encontrar uma maneira em que minha fantasia se

transporte para o real e seja acessível ao observador.

Palavras-chave: Instalação. Fantástico. Imersão. Monstruosidade. Distópico.

Page 8: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

ABSTRACT

The imagination and fantasies of the human mind are intimate, almost inaccessible to

the rest of the world, but what if it had a way of breaking this barrier between what is fictional

and what is real? Art is one of the vehicles that allows such a deed, whether through literature,

movies, games or visual arts. Trying to allow the observer to enter and immerse themself in the

fantastic dystopian universe inhabited by monsters that I have been creating is the purpose of

this research. For this I analyze other artistic medias in order to find a way in which my fantasy

turns real and is accessible to the observer.

Keywords: Installation. Fantastic. Immersion. Monstrosity. Dystopic.

Page 9: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO……………………………………………………..……………………….10

1- Instalação e Assemblage: Conceituação e breve histórico…….…...………………….. 11

1.1 - Conceito do termo instalação……………………………….………………………. 11

1.2 - Imersão: O observador e a instalação...…………………………………………….. 12

1.3 - Conceito do termo assemblage……………………………..………………………. 12

2- O Processo Criativo: A prática e as referências temáticas………………………….....14

2.1 - O fantástico…………………………………………………..……………………... 14

2.2 - Mundos distópicos: Mad Max, Fallout 3 e o início da pesquisa………….………... 15

2.2.1 - Das coletas de objetos às esculturas……………………...……….…………. 18

2.1.1.1 - O Capacete………………………………………………………….…... 20

2.1.1.2 - A Lança…………………………………………………………………. 21

2.1.1.3 - A Machadinha…………………………………………………………... 22

2.1.1.4 - O Escudo………………………………………………………………... 23

2.3 - Lovecraft: A influência da literatura fantástica e de horror na temática das obras… 23

2.3.1 - Das esculturas aos desenhos………………………………………………….. 26

2.4 - Monstruosidade: Conceito e contexto histórico……………………………………..27

2.4.1 - “Monstros reais”: A Teratologia…………………………………………….... 28

2.4.2 - Walmor Corrêa, ilustração científica e anatomia artística…………………..... 30

2.4.2.1 - O Tinhoso I……………………………………………………………...

Error! Bookmark not defined.

2.4.2.2 - O Colosso……………………………………………………………….

Error! Bookmark not defined.

2.4.2.3 - O Auréo I….……………………………………………………………. 33

2.4.2.4 - O Dúplice……………………………………………………………….. 34

2.4.2.5 - A Fada………………………………………………………………...… 34

2.4.2.6 - O Auréo II.…………………………………………………………….... 35

2.4.2.7 - A Graciosa……………………………………………………...………. 35

2.4.2.8 - O Tinhoso II…………………………………………………………….. 35

2.4.2.9 - O Mapa…………………………………………………………………. 36

2.4.2.10 - A Flora………………………………………………………………… 37

2.4.2.11 - A Paisagem……………………………………………………………. 38

2.5 - A Instalação: A totalidade dos elementos…………………………………………... 39

CONCLUSÕES FINAIS………………………………………………………….………… 41

REFERÊNCIAS…………………………………………………………………...………... 42

Page 10: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

10

INTRODUÇÃO

Nesta pesquisa consta o desenvolvimento de minha poética como artista, a criação da

temática, das obras e citação das referências visuais e teóricas que influenciaram o trabalho.

A pesquisa está organizada de forma cronológica, apontando onde cada evento referente

a produção deste trabalho se iniciou, antes e durante o ingresso na faculdade de Artes Visuais

na Universidade de Brasília.

Cito as principais disciplinas que iniciaram e inspiraram a produção das obras, fazendo

um diálogo entre a parte prática e a pesquisa teórica, pois uma apoiou a outra durante a criação

artística, sendo impossível as desvincular.

A bibliografia de base se separa em duas partes. A primeira utilizada para conceitualizar

a instalação conta com a “Escultura no campo ampliado” de Rosalind Krauss e “Sobre os

conceitos de instalação” de Fernanda Junqueira.

A segunda utilizada ao longo da pesquisa para nutrir o processo criativo, conta com a

obra literária “O Festival” de Howard P. Lovecraft, o filme “Mad Max” de George Miller, o

video game “Fallout 3” da desenvolvedora Bethesda Game Studios, os capítulos “Monstros e

Portentos” e “Physica Curiosa” da “História da Feiura” de Umberto Eco e o “Inquietante” de

Sigmund Freud.

O objetivo da pesquisa é explorar a instalação como um veículo de imersão na arte, no

sentido de o observador mergulhar no universo fantástico criado pelo artista. Assim a procura

por artistas e suas criações fantásticas seja na literatura, no cinema, no vídeo game ou artes

visuais se torna não apenas inspiração, mas estudo de processos para solucionar a disposição

das obras.

Page 11: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

11

1- INSTALAÇÃO E ASSEMBLAGE: Conceituação e breve histórico

1.1 - Conceito do termo instalação

As esculturas minimalistas extrapolaram os meios de expressão, misturando tanto

características da escultura como as da pintura. A quebra das barreiras dos meios, a

interdisciplinaridade, a exploração de lugares além do próprio espaço da galeria são novas

características e discussões que surgem na arte pós-modernista. Rosalind Krauss discute e

esclarece essa ruptura em “escultura no campo ampliado”:

Portanto, o campo estabelece tanto um conjunto ampliado, porém finito, de

posições relacionadas para determinado artista ocupar e explorar, como uma

organização de trabalho que não é ditada pelas condições de determinado meio de

expressão. Fica óbvio, a partir da estrutura acima exposta, que a lógica do espaço da

práxis pós-modernista já não é organizada em torno da definição de um determinado

meio de expressão, tomando-se por base o material ou a percepção deste material, mas

sim através do universo de termos sentidos como estando em oposição no âmbito

cultural. (KRAUSS, 1984, p.136)

O conceito de instalação que temos nas artes visuais hoje, só foi concebido nos anos 80

quando as propostas de escultura extrapolaram tanto os limites de seu conceito tradicional que

para fins teóricos e críticos seria mais simples formular um conceito que abrangesse todas as

propostas pós-modernistas que não mais cabiam na categoria de escultura.

Nessas propostas, o espaço ocupado está de tal modo ligado à obra que, sem ele, esta

não teria mais sentido. Isso, somado à natureza efêmera de muitas dessas instalações, torna

impossível o colecionismo e até mesmo a comercialização dessas obras de arte.

Quanto a importância do espaço, assim como outros elementos na sua expografia,

Elkins discorre:

A crítica tende a usar a palavra “espaço” para significar a dimensão da sala junto com sua luz, cor, textura e o trabalho é avaliado pelo modo como “agarra” ou

“ocupa” ou “relata” esse espaço. Uma instalação bem-sucedida controla o espaço assim

como responde às duas peculiaridades, e uma mal resolvida torna-se “perdida” no

espaço, ou é “indiferente” ao seu entorno. (TEDESCO, 2007, p.23 apud ELKINS, s/d,

p. 8)

Page 12: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

12

1.2 - Imersão: O observador e a instalação

Nas instalações, os artistas passaram a estudar não somente suas obras, mas o espaço

em que elas eram expostas, incluindo este em sua poética. O papel do observador passou a ser

considerado parte da obra.

A obra já não era mais vista como algo bidimensional e plano, onde o espectador não

era envolvido, tendo apenas o trabalho de observar a obra como uma janela. “olham para ela,

ao contrário de se sentirem dentro dela”(TEDESCO, 2007, p.20 apud O’DOHERTY, 2002,

p.43).

Levando em consideração o corpo do observador, os artistas exploram além da visão,

exploram o tato, a audição, a fim de o imergir na obra. O objeto de arte se aproxima da vida, de

modo a introduzir e envolver o espectador na própria obra, criando uma nova realidade

temporária.

1.3 - Conceito do termo assemblage

A assemblage é uma das propostas artísticas englobadas pelo termo instalação. Mas

antes de conceitualizar a palavra assemblage, voltamos aos séculos XVI e XVII, época onde

entusiastas viajantes europeus colecionavam objetos raros e peculiares e realizavam exposições

privadas, desses movimentos surgiram os termos “gabinetes de curiosidades” ou “quarto das

maravilhas” (Figura 1).

Page 13: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

13

(Figura 1)

“Gabinete de Curiosidades de Ole Worm”, 1655.

[http://www.sil.si.edu/Exhibitions/wonderbound/crocodiles.htm Smithsonian Museum].

Além de serem os precursores dos museus, os gabinetes de curiosidades giravam em

torno dos objetos achados, uma característica que séculos depois foi introduzida no meio

artístico pelo termo francês “objet trouvé”, que significa literalmente “objeto encontrado”.

Os objet trouvé são objetos coletados por artistas pelo seu valor estético. A assemblage

está intimamente relacionada ao colecionismo dos objets trouvés, logo na proposta da

assemblage os materiais de arte não são os convencionais usados, por isso que ela não se encaixa

na escultura ou pintura.

Portanto a assemblage é composta de materiais do cotidiano, danificados, naturais,

fabricados, achados ao acaso e com os quais o artista tenha uma significativa afinidade estética.

O conceito da técnica da assemblage simplificadamente é a aglomeração, sobreposição, junção

dos objet trouvés.

Page 14: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

14

2- O PROCESSO CRIATIVO: A prática e as referências temáticas

2.1 - O fantástico

O interesse pelo fantástico sempre foi presente na mente do artista ao redor do mundo,

nossa cultura é repleta de criaturas maravilhosas, monstros horríveis e lugares fantásticos que

desafiam as leis da natureza. Eles são reflexos de nossos desejos, medos e ansiedades.

O conceito de fantástico que proponho é similar ao do escritor espanhol David Roas

(1965), quando descreve a literatura fantástica. Segundo o autor, a característica fantástica só é

possível na narrativa quando há um conflito entre o sobrenatural e o real em nossa convicção

de realidade concreta, ou seja, nosso mundo, causando a incerteza ao leitor e assim fazendo o

acreditar na existência do impossível.

“O objetivo do fantástico é precisamente desestabilizar esses limites que nos dão segurança,

problematizar essas convicções coletivas antes descritas, questionar, afinal, a validade dos

sistemas de percepção da realidade comumente admitidos. (...). Uma transgressão que ao

mesmo tempo provoca o estranhamento em relação a realidade, que deixa de ser familiar e se

converte em algo incompreensível e, como tal, ameaçador. ” (ROAS, 2013 p.131)

Sinto que o fantástico que minhas obras transparecem sempre esteve latente em mim,

antes mesmo da entrada na universidade. Posso dizer que essa pesquisa remete à minha infância

e adolescência mais do que eu imaginava. A escola sendo um ambiente estressante, a fobia

social em seu ápice gerando o isolamento em meu quarto, tudo o que eu tinha para escapar

aquela realidade eram os games e o desenho.

Nesse meio claustrofóbico onde me sentia preso, porém seguro, surge o interesse em

procurar obras midiáticas como filmes, games, histórias em quadrinho que refletiam minha

prisão e insegurança. A temática pós-apocalíptica e distópica passou a ser recorrente em minha

formação como artista, tudo que eu expressava antes, quando criança, ainda expresso hoje,

como adulto.

O objetivo da pesquisa é o que eu procurava insaciavelmente quando mais jovem,

intercalar minhas fantasias com a realidade. Usando de vários meios artísticos para fazer o

universo fantástico assemelhar-se ao mundo real. Utilizar objetos achados, ossadas, insetos

para trazer a veracidade, mas usá-los de modo não convencional para trazer o inquietante ao

Page 15: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

15

observador. “O efeito do inquietante é fácil e frequentemente atingido quando a fronteira entre

a fantasia e a realidade é apagada. Quando nos vem ao encontro algo real que até então víamos

como fantástico. (...)” (FREUD, 1919, p.364)

Posso dizer que as esculturas têm um potencial de transmitir o inquietante por serem

compostas de objetos descartados e destruídos do nosso cotidiano que juntos formam outro

objeto que não tem nenhum sentido ou utilidade a não ser em um universo fictício. Eles em

conjunto com os desenhos formam um universo imaginário, sem uma narrativa fechada, mas

que esteja aberto a hipóteses e possíveis histórias à serem captadas pelo observador.

O sentimento do inquietante pode ser alcançado de diferentes formas em cada pessoa, a

expografia passa a ter um papel importante, estudar a disposição de cada obra se torna

necessário para que o real e o imaginário se confundam e possa surgir essa sensação de dúvida

e ambiguidade. Por isso a ideia de instalação pareceu me atrativa, por seu caráter imersivo.

2.2 - Mundos distópicos: Mad Max, Fallout 3 e o início da pesquisa

Divido a temática em três elementos, “O Ambiente”, “Os Monstros” e “O herói”. Estes

três elementos interagem entre si, criando uma base para que o observador possa formular

hipóteses e possíveis narrativas. O processo criativo aconteceu de forma desorganizada e

espontânea, surgindo a partir da prática e se nutrindo pela pesquisa teórica.

Por achar importante seguir uma linha do tempo para que teoria e prática se encaixem,

narrarei o processo criativo como aconteceu, partindo então de uma breve introdução ao motivo

precursor da temática desta pesquisa, o medo. No Dicionário eletrônico Houaiss temos o

significado da palavra “medo”.

n substantivo masculino

1 Rubrica: psicologia.

estado afetivo suscitado pela consciência do perigo ou que, ao contrário, suscita essa

consciência

2 temor, ansiedade irracional ou fundamentada; receio

3 apreensão em relação a (algo desagradável) (HOAUISS, 2001)

O medo tem um papel fundamental em nossa sobrevivência, ele nos permite evitar

situações de perigo. Porém pensando além da reação instintiva, o medo tem uma grande

participação em nossa cultura ocidental e muda paralelamente às mudanças da sociedade, ou

Page 16: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

16

seja, os medos contemporâneos não são os mesmos da antiguidade, os medos de uma classe são

diferentes dos medos de outra e o mesmo vale para a diferentes espaços geográficos. O medo

do incompreensível ou desconhecido se reflete nas crenças religiosas e populares, na arte, no

cinema, na literatura.

A grande questão é por que sentimos uma grande atração pelo medo? Bem, para explicar

isso podemos investigar categorias de medo na literatura fantástica, como o terror e o horror. A

diferença entre ambos pode ser explicada da seguinte maneira:

A distinção básica entre horror e terror consiste no primeiro ser da ordem do

psicológico e o segundo da ordem física. [...] A experiência do horror [...] envolve a

convivência com algo fora do normal (aparição de mortos, a demência, os pensamentos

macabros) que provoca uma inexplicável sensação de medo. É algo que se sente de

dentro para fora. [...] Por outro lado, a concepção de terror envolve uma ameaça externa,

algo que vem de fora e é parcial ou inteiramente desconhecido.[...] A sensação de terror

nasce do choque visual [...]. (SILVA, 2011)

E a literatura fantástica não é a única a explorar o horror e o terror, pois a partir dela

esses gêneros se adaptaram ao cinema e ainda a outras mídias como as histórias em quadrinhos

e os games. O terror é encontrado também em artes mais tradicionais como a pintura e a gravura,

principalmente a partir do movimento romântico.

E voltando a questão, o fascínio e a busca pelo horror, inquietante, terror e grotesco

nessas mídias artísticas talvez seja pela segurança que elas apresentam a quem está criando. Um

artista, escritor, espectador, leitor ou jogador não está em perigo físico provocado pela situação

que está criando ou consumindo. No campo da imaginação podemos criar situações que se

passassem fisicamente arriscaríamos nossa integridade física, assim possibilitando a

experiência do medo em um território seguro.

Um dos grandes medos contemporâneos é o futuro incerto da espécie humana ou do

planeta. O apocalipse ou o que vem depois dele se tornou uma das mais recentes temáticas

contemporâneas exploradas pela arte midiática. Duas obras de temática pós-apocalíptica, em

especial, me inspiraram durante o processo criativo e construção da temática dessa pesquisa.

Ambas se ambientam em futuros alternativos onde a humanidade passa por guerras e catástrofes

consequentes dos abusos destrutivos e consumistas humanos, que eventualmente resultam em

um cenário pós-apocalíptico ficcional.

A primeira pertence à plataforma cinematográfica, a série de filmes de ação e ficção

pós-apocalíptica Mad Max (1979, 1981, 1985, 2015), do diretor George Miller (1945). A

Page 17: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

17

primeira coisa que me chama atenção no universo de Mad Max é a fantasia realista, Mad Max

pode não estar em um gênero de horror ou terror, porém cria uma ambientação de suspense e

inquietação por ser uma ficção tomada a partir de eventos reais que a humanidade teme. O

mundo em que se ambienta as séries é marcado pelo caos e pela destruição que se instalam

devido a crises políticas, hídricas e petrolíferas.

Max é um ex-policial que se encontra em meio à insanidade em que o mundo se tornou.

Depois de perder a família e se tornar mentalmente instável, ele faz o que é possível para

sobreviver em meio ao caos, porém nos filmes Max nunca é o protagonista de sua própria

história, George Miller dá ênfase no mundo caótico e destruído, na falta da água, gasolina e

ordem, em seus habitantes insanos e nos conflitos gerados a partir desses elementos. Max é

quase que um observador na narrativa, apesar de buscar as escolhas mais justas ajudando a

quem ele acha inocente, ele não é o centro das atenções, o mundo a sua volta é.

Portanto, o universo do filme é mais importante que o seu protagonista. Enquanto criava

as primeiras obras, o pensamento de que o universo fantástico seria algo mais importante que a

narrativa que nele se passa foi recorrente em minhas reflexões, pelo objetivo das obras não

representarem uma narrativa, mas o universo em que ela se passa, deixando o observador livre

para criar suas possíveis narrativas. O universo de Mad Max e sua estética influenciou meu

processo criativo, assim como em Fallout 3, outra obra com a temática pós-apocalíptica que

me inspirou na construção da temática.

Fallout 3 (2008) é um jogo digital desenvolvido pela Bethesda Game Studios e pertence

ao gênero RPG (role playing game) de mundo aberto, ou seja, o jogador cria um personagem

partindo com certos pontos de habilidades que se desenvolvem ao decorrer do jogo, para isso o

jogador precisa realizar fases que podem ser relacionadas a história principal do jogo ou

histórias secundárias que podem ser encontradas ao explorar o mapa livremente por ser um jogo

de mundo aberto, ou matando inimigos pelo caminho. A história principal assim como as

secundárias são moldadas a partir do modo em que o jogador joga, elas possuem decisões que

levam a diferentes tipos de finais para a história, além de possuir uma mecânica de “Karma”,

suas escolhas levam seu personagem a um caminho bom, neutro ou mau, que afetam também

na história e em seu relacionamento com os personagens não jogáveis.

Fallout se ambienta em um futuro ficcional alternativo, no qual os Estados Unidos,

depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), passam a utilizar e desenvolver a energia

nuclear, não para criar armas, mas como uma fonte de energia ilimitada. Resultando

Page 18: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

18

esteticamente em uma versão futurista dos anos 50 dos estados unidos, porém tecnologicamente

avançada, com robôs domésticos, carros movidos a fusão nuclear, computadores portáteis.

A partir do século XXI o mundo começa a entrar em caos devido ao consumismo

exacerbado de todos os principais recursos naturais e artificiais. Isso gera um conflito mundial

que resulta na “The Great War” em 2077, que foi finalizada com o lançamento de toda as armas

nucleares das três grandes potências, China, Estados Unidos da América e União soviética.

Porém já prevendo esse destino, uma corporação contratada pelo governo dos EUA chamada

Vault-tec criou abrigos subterrâneos.

Fallout 3 se passa em 2277, no mundo devastado depois da guerra nuclear. O

personagem do jogador nasce em um dos abrigos subterrâneos chamado “vault 101”, localizado

em Washington D.C. Seu objetivo principal é procurar seu pai que fugiu da vault sem dar

notícias. Ao fugir da vault o jogador se depara com o mundo pós-apocalíptico, destruído pelas

bombas e habitado por criaturas monstruosas modificadas pela radiação e sobreviventes

insanos. Assim como em Mad Max, o universo de fallout fala mais que o próprio protagonista,

que apenas se torna memorável para os outros personagens do jogo quando o jogador completa

a história principal.

2.2.1 - Das coletas de objetos às esculturas

A estética pós apocalíptica de Fallout 3 se assemelha a Mad Max, seja na aparência e

vestimenta dos personagens a homenagens encontradas no próprio jogo (Figura 2 e Figura 3).

Page 19: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

19

(Figura 2)

“Screenshot do jogo Fallout 3”

Fallout 3

(Figura 3)

“Imagem em preto e branco do filme Mad Max” Mad Max 2: The Road Warrior

A ideia estética do futuro pós-apocalíptico de George Miller se tornou uma grande

referência para diferentes plataformas artísticas, sempre esteve presente também em meu

Page 20: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

20

repertório como desenhista. Durante o curso de Artes Visuais na Universidade de Brasília tive

uma pequena introdução a linguagem da assemblage durante uma disciplina de escultura em

2015.

Neste ano, ocorreu o lançamento do quarto filme da série Mad Max e eu não pude deixar

de transparecer a influência que essa franquia tem em minha poética, ela acabou se misturando

na temática do meu trabalho final na disciplina de escultura, e eu não pude deixar de perceber

a ligação que a assemblage tem com a temática pós-apocalíptica.

Nessa época, eu costumava fazer pequenas explorações urbanas em lugares

abandonados, o que me proporcionou uma busca mais focada ao tipo de objetos que eu estaria

procurando para fundir e criar as assemblages. Lembro que essas buscas pelos objetos ideais

eram ligadas a paleta de cores, procurava principalmente tons terrosos de ferrugem e sujeira.

Fundir os objetos de modo que ficasse esteticamente interessante e coerente, foi um desafio

prazeroso. A ideia de construir objetos estranhos que não fazem sentido a partir de coisas

descartadas e inúteis, mas que se encaixam em uma harmonia desarmônica, é um confronto

para minha natureza objetiva e racional que tenta trazer sentido a aquilo que não tem. Eles

trazem uma estética ambígua inquietante e curiosa quando estão unidos.

O resultado e o próprio processo criativo trazem em suas essências as referências dos

mundos pós apocalípticos antes apresentados, desde as explorações urbanas que me

aproximavam da atmosfera hostil de abandono e descuido, às coletas onde tive o contato tátil

com os objetos que uma vez foram úteis e agora se encontram em desuso e também à construção

das obras que me levavam fantasiar a encarnação de um personagem de um mundo fictício.

As primeiras assemblages resultaram no surgimento do primeiro elemento da temática

“O Herói”. Ela é composta pela armadura e armas da personagem, um capacete, uma lança,

uma machadinha e um escudo.

2.1.1.1 - O Capacete

O capacete (Figura 4) é formado por uma máscara de solda antiga e empoeirada, em seu

visor se encontra dependurado um adorno feito com diversas chaves velhas e um dente de

crocodilo presos a fios de cobre desencapados. Em cima do visor há uma fileira de tachinhas e

um prego dourado localizado no meio. Nas laterais da máscara, há no lado esquerdo uma pena

de uma ave não identificada preta amarrada com barbante e um adorno feito com pregos

enferrujados dependurado lembrando um brinco. No lado direito, há uma pena de galinha

Page 21: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

21

d’angola e uma pena de ave não identificada branca suja de terra avermelhada amarradas com

barbante. Dimensões (23,5cm x 24cm x 27cm).

(Figura 4)

“O Capacete”, 2015

Acervo do artista

2.1.1.2 - A Lança

A lança (Figura 5) tem como base um galho de seco, onde em uma ponta encontrasse

amarrados uma lâmpada de vapor metálico queimada e um machete de lâmina enferrujada

amarrados ao galho e entre si por um arame. Um tecido sujo de cor bege cobre o meio do galho

e o fio duplo de cores vermelha e preta que se conecta e amarra a lâmpada no galho. O fio duplo

percorre o galho por baixo do tecido até se conectar a duas pilhas unidas por uma fita isolante

preta. Na outra extremidade do galho há um ornamento feito por um osso de galinha e uma

pena de ave não identificada amarrados com barbante e tecido. Dimensões (96cm x 8cm x 7cm).

Page 22: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

22

(Figura 5)

“A lança”, 2015

Acervo do artista

2.1.1.3 - A Machadinha

A machadinha (Figura 6) é composta de duas peças maiores unidas, uma torneira antiga

e uma picareta improvisada a partir da fusão de um pedaço de liga de ferro e uma bitola de aço

modelada. Na extremidade da picareta uma lâmpada 4.8v queimada, amarrada por um arame.

O meio da peça está enlaçado com um barbante que sobrepõe o fio duplo de cores vermelho e

preto que conecta a lâmpada há duas pilhas que se encontram presas por fita isolante na

extremidade da torneira. Dimensões (18cm x 34cm x 3cm).

(Figura 6)

“A Machadinha”, 2015

Page 23: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

23

Acervo do artista

2.1.1.4 - O Escudo

O escudo (figura 7) tem como base uma calota de pneu revestida com um pneu partido

ao meio e preso por arames, em lados opostos se encontram também presas por arames duas

pastilhas de freio. Do lado posterior do escudo há dois suportes amarrados por arames, em cima

deles há um reator eletrônico conectado à uma lanterna destruída e à um módulo, que por sua

vez se conecta a dois fios ligados a uma braçadeira. A braçadeira é composta por um pedaço de

casca de árvore com dois cintos, um gancho, um interruptor duplo paralelo e uma luva de

soldador. Dimensões (43cm x 43cm x 12cm).

(Figura 6)

“O escudo”, 2017

Acervo do artista

2.3 - Lovecraft: A influência da literatura fantástica e de horror na temática das obras

Um ano após a construção das assemblages, várias narrativas surgiram em minha mente,

utilizei do formato das histórias em quadrinhos para expressar as possibilidades de criação que

as assemblages poderiam me proporcionar. O desenho e a escrita possibilitam uma visão mais

explícita do universo que estava criando aos poucos, havia decidido de alguma forma levar

essas criações como o projeto de conclusão de curso, porém a ideia de mostrá-lo completamente

pronto e raciocinado ao observador não me atraia. Mas utilizar as histórias em quadrinhos como

mídia de teste foi uma etapa importante para questionar quais seriam as relações entre os

elementos desse universo, além do aspecto imersivo que eu planejava incluir na obra.

Nesse momento da pesquisa recorri às referências literárias fantásticas e um autor

sempre me chamou muita atenção na complexidade dos universos contidos em seus contos, sua

capacidade descritiva cria uma atmosfera de horror que gera uma imersão do leitor na história

de uma forma inacreditável.

Page 24: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

24

Howard Phillip Lovecraft (1890-1937) era um escritor estadunidense, suas obras

mesclam o horror ao fantástico, Lovecraft descrevia o gênero de suas obras como “horror

cósmico” ou “cosmicismo”, onde o medo é criado a partir a insignificância do homem em

relação ao cosmos. Nas palavras de Lovecraft, “A emoção mais forte e mais antiga do homem

é o medo, e a espécie mais forte e mais antiga de medo é o medo do desconhecido”(Lovecraft,

1987, p.1)

O conto “O Festival” de H.P. Lovecraft foi uma das principais referências durante essa

etapa do processo criativo. Posso ressaltar alguns parágrafos do conto que apelam para a

imersão, o autor cria uma atmosfera que envolve o personagem e o próprio leitor por meio da

descrição minuciosa dos elementos do local onde ocorre a narrativa, tornando-se possível um

mapeamento da cidade.

Passando o cimo do morro, vi Kingsport estendida e gelada no lusco-fusco do

entardecer; a Kingsport nevada com seus cata-ventos e campanários, cumeeiras e

chaminés, ancoradouros e pontes pequenas, salgueiros e cemitérios; labirintos

intermináveis de ruas íngremes, estreitas e tortuosas, e o vertiginoso ponto central

encimado pela igreja e que o tempo não tivera a coragem de tocar; amontoados sem fim

de casas coloniais apinhadas e espalhadas em todos os ângulos e níveis como os

brinquedos bagunçados de uma criança; a antigui-dade pairando em alas cinzentas

sobre cumeeiras e telhados à holandesa embranquecidos pelo inverno; clarabóias e

janelas de vidraças pequenas, uma a uma brilhando no anoitecer frio para se juntar a

Orion e as estrelas arcaicas. E contra os ancoradouros que se decomponham batia o

mar, dissimulado e imemoriável, de onde o povo viera nos tempos mais antigos.

(Lovecraft, 1925, p.21)

A imersão, neste caso, seria a quebra da barreira entre o fictício e o real, o leitor não se

colocaria necessariamente no lugar do protagonista em suas decisões, mas o acompanharia em

suas ações como se estivesse em sua pele. Essa sensação também pode ser provida pela a

escolha da escrita em primeira pessoa, além de não termos muitos vestígios sobre quem o

protagonista é, apenas sua participação na continuação de uma tradição hereditária, mas ele

próprio não sabe que tipo de tradição esta seria. Esses espaços inconclusivos e misteriosos

acrescentam não só ao suspense, mas a aproximação com o leitor.

Ao ler o conto inúmeras vezes, percebi que a história era composta por três elementos

principais, o homem, o monstro e o ambiente. Analisar esses elementos e a interação entre eles

me influenciou a separar a temática da minha pesquisa de forma semelhante, a fim de estudar

Page 25: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

25

maneiras de tirar o universo fantástico que estava criando das histórias em quadrinhos e passar

para uma plataforma menos ilustrativa e mais subjetiva a cada observador.

O homem: é visto como inferior ao que o cerca, todo o ritual e as criaturas são hostis

aos seus olhos, mas em nenhum ponto da narrativa eles realmente tentam o agredir ou forçá-lo

a fazer algo.

Ele entra em constante contradição, não gostaria de estar no ritual, porém permanece,

ele poderia se retirar a qualquer momento, não fica aparente se haveria alguma punição caso

ele se recusasse a deixar o festival, estava ali por vontade própria.

Então vi o bruxulear lúgubre de uma luz pálida, e ouvi o barulho sinistro de

águas sombrias. Mais uma vez me arrepiei, pois não estava apreciando o que a noite

me proporcionara até então, e desejei amargamente que nenhum antepassado tivesse

me chamado para esse rito primitivo. (Lovecraft, 1925, p.26)

Então seguiram-se alguns momentos do ritual em que eles se prostraram em

reverências, especialmente quando o velho segurou acima da cabeça aquele Odioso

Necronomicon que trouxera com ele. Participei de todas as reverências, pois tinha sido

convocado para aquele festival pelos meus antepassados. (Lovecraft, 1925, p.27)

Os monstros mascarados: prosseguem o ritual de forma pacífica, eles oferecem tributos

vegetais aos deuses. O que se torna ameaçador, portanto, é quando sua aparência é exposta e

aterroriza o protagonista.

E na caverna infernal vi o rito ser realizado, o pilar doentio da chama ser

adorado e os punhados arrancados da vegetação viscosa que reluzia verde no clarão

cloroso serem jogados na água. (Lovecraft, 1925, p.27)

Quando um dos seres começou a se afastar gingando como um pato, ele se

voltou rapidamente para impedi-lo, de maneira que a brusquidão do seu movimento

deslocou a máscara de cera do que deveria ser a sua cabeça. E então, já que a posição

desse pesadelo barrava minha passagem para a escada de pedra de onde tínhamos

vindo, eu me joguei no rio subterrâneo oleoso que borbulhava na direção das grutas do

mar, naquele caldo pútrido dos horrores interiores da terra, antes que a fúria dos meus

gritos pudesse atrair para mim todas as legiões de ossuários que aqueles abismos de

pragas poderiam esconder. (Lovecraft, 1925, p.29)

O cenário: cria a incerteza, o ambiente passa de calmo e silencioso para invasivo.

“Fiquei satisfeito que escolhera caminhar, pois o vilarejo branco fora um belo quadro visto do

morro(...)”. (Lovecraft, 1925, p21)

Page 26: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

26

“A medida que a estrada descia em curva em direção ao mar, pus-me à escuta dos sons alegres

de um vilarejo à noite, mas não os ouvi.”. (Lovecraft, 1925, p.21)

Após uma eternidade descendo, vi alguns corredores laterais ou refúgios que

vinham de recantos desconhecidos de escuridão para esse poço de mistério da noite.

Logo eles tornaram-se excessivamente numerosos, como catacumbas hereges de uma

ameaça inominável, e o seu odor cáustico de decomposição tornou-se bastante

insuportável. Ensabia que certamente tínhamos passado pela montanha e embaixo do

solo da própria Kingsport, e me arrepiei que uma cidade fosse tão envelhecida e

carcomida por esse mal subterrâneo. (Lovecraft, 1925, p.26)

Tudo se relaciona com o homem, sua visão distorcida do que está a sua frente o coloca

como a vítima da situação, mas ele seria mesmo a vítima ou só estava negando seu destino, a

tradição de seu povo?

Esse conto veio alimentar meu trabalho de questionamentos e reflexões, o que eu

realmente procuro transparecer? Talvez essa relação entre quem é a vítima e quem é o agressor?

O homem ou o monstro? Como traria o monstro e o ambiente para a escultura?

2.3.1 - Das esculturas aos desenhos

A escultura, ao meu ver, se aproxima mais da realidade por sair do bidimensional,

representar os monstros pela escultura seria uma tarefa difícil de se realizar, a chance de saírem

de modo grosseiro e desmerecidos de estarem ao lado das assemblages que alcançam um nível

superior de realismo era grande.

A solução veio aos poucos, durante os anos de 2016 e 2017 me direcionei ao estudo de

técnicas científicas para trazer meus monstros mais próximos à realidade. Mas primeiramente

necessitei de uma base teórica e referências, portanto aprofundei na temática da

monstruosidade, tentando achar seu conceito e contexto histórico, me detendo a cultura e visão

ocidental europeia.

2.4 - Monstruosidade: Conceito e contexto histórico

Page 27: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

27

No dicionário eletrônico Houaiss, a etimologia da palavra monstro: “lat. monstrum,i

'objeto ou ser de caráter sobrenatural que anuncia a vontade dos deuses; monstro; ser, fenômeno

ou objeto descomunal, disforme ou, p.opos., grande, maravilhoso'”(HOUAISS, 2001). Aqui, a

origem da palavra traz um sentido místico, isto porque ao longo da história ocidental os

nascimentos de pessoas com corpos disformes eram apontados como um mau presságio.

Desde a Idade Média, discutia-se a respeito da diferença entre dois tipos de

monstruosidade que, fazendo abstração das muitas variáveis terminologias, poderíamos

caracterizar como portentos e monstros.

Os portentos eram eventos prodigiosos e estupefacientes, mas naturais ( como

o nascimento de bebês hermafroditas ou dicéfalos). Muitos autores tentaram explicar

suas causas(...), embora parecesse difícil deixar de vê-los, à maneira dos antigos, como

sinais premonitórios de algum acontecimento fora do comum.(ECO, Humberto, 2007,

p.241)

Além de que muitos dos monstros mitológicos ocidentais são consequências do

encontro com pessoas deformadas ou animais exóticos. “Trata-se de animais exóticos, como o

elefante e a girafa, de abortos da natureza e de seres que se pareciam, para os marinheiros e

viajantes que os viam de longe (...), com os monstros dos bestiários.” (ECO, Humberto, 2007,

p.241)

Continuando a explorar o termo monstro, trazer o significado de monstruosidade torna-

se indispensável:

substantivo feminino

qualidade, característica do que é ou se apresenta de forma monstruosa

1 ser ou coisa cuja constituição se apresenta de forma contrária à natureza;

monstro (HOUAISS, 2001)

Estes dois significados de monstruosidade trazem tanto a imagem da natureza

sobrenatural do monstro quanto a natural, a ideia de o monstro ser ambíguo se apresenta, o

corpo do monstro é uma imagem que foge ao padrão, foge a normalidade, o que nos fez

questionar sua naturalidade, mas ao mesmo tempo tentamos o compreender e o aceitar como

um ser natural.

Contemporaneamente o termo “monstro” relacionado ao ser humano disforme é

inadequado, é antiético. Porém alguns resquícios dessa nomenclatura em meio científico são

vistos nos conceitos anatômicos atuais:

Page 28: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

28

Normal: em anatomia é um conceito estatístico, representado pelo o que ocorre na

maioria dos casos, o mais frequente. Ex: 20 dedos, coração com seu ápice inclinado

para o lado esquerdo do corpo.

Variação anatômica: é uma alteração da forma ou posição do órgão, porém não causa

prejuízo na função. Ex: as alterações de posição que são visualizadas no sistema venoso

superficial, são exemplos simples de variação anatômica.

Anomalia: É uma alteração da forma ou posição do órgão, que causa prejuízo na

função, sendo compatível com a vida. Ex: ausência de membros (amelia), fenda

palatina.

Monstruosidade: é uma alteração da forma ou posição do órgão, que causa prejuízo na

função, incompatível com a vida. Ex: anencefalia (ausência do encéfalo) (NOBESCHI,

2010, p.3)

2.4.1 - “Monstros reais”: A Teratologia

Ao longo da pesquisa em relação ao termo monstruosidade, me deparei com um de

vários significados no dicionário eletrônico Houaiss: “1.1 Rubrica: teratologia. qualquer

deformação congênita significativa apresentada por um ser” (HOUAISS, 2001)

Foi neste ponto da pesquisa que descobri um conceito ao qual o termo não estivesse vinculado

ao fantástico, sobrenatural ou a qualquer forma pejorativa. Este significado de monstruosidade

está relacionado à Teratologia.

Sua relação com o monstro está intrínseca na própria etimologia da palavra, do grego

τερατολογία, composto de τερατο e λογία, que significam, respectivamente, monstro e estudo.

(VEIGAS E SOUZA, 1905). E seu significado no dicionário: “Rubrica: medicina.1

especialidade médica que se dedica ao estudo das anomalias e malformações ligadas a uma

perturbação do desenvolvimento embrionário ou fetal” (HOUAISS, 2001)

No século XIX, a Teratologia foi formada a fim de explicar de uma forma científica a

causa da deformação no corpo humano. Este novo estudo trouxe uma nova visão sobre os

“monstros humanos”, mas para se estabelecer em solo científico teve que enfrentar os

pensamentos tradicionais da época, além da dificuldade de estabelecer as causas e possíveis

tratamentos por não haver o reconhecimento necessário para se realizar as pesquisas ou mesmo

achar indivíduos portadores de deformações monstruosas. (ANGELL, 2008)

Page 29: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

29

Segundo Katherine Angell, “O foco da teratologia era apreciar a monstruosidade como

um fenômeno natural ao invés sobrenatural. ” (ANGELL, 2008, p. 143, tradução da autora).

Nesse aspecto os pensamentos teratológicos tentavam achar uma razão científica para a

formação dos monstros, as quais se diferiram dos pensamentos tradicionais.

Angell menciona Isiodore Geoffroy St. Hilaire (1805-1861) como um importante agente

na formação do pensamento teratológico, ele estabeleceu uma categorização mais elaborada,

na qual limitava a monstruosidade a deformações extremas.

1. Variedades — anomalias simples, leves, que não colocam obstáculos à

realização de funções e não produzem deformidade.

2. Vícios de conformação — anomalias simples, pouco graves do ponto de

vista anatômico, que tornam impossível a realização de uma ou mais funções ou

produzem deformidade.

3. Heterotaxias — anomalias complexas, aparentemente graves do ponto de

vista anatômico, mas que não impedem nenhuma função e não são aparentes

externamente.

4. Monstruosidades — anomalias muito complexas, muito graves, que tornam

impossível ou difícil a realização de uma ou de várias funções, ou produzem

conformação viciosa muito diferente das usuais da espécie (SAINT-HILLAIRE, 1832,

v.1, p.33,39-49 Apud AMARAL, Lígia, 1994)

Ele argumentou que os monstros deveriam ser enquadrados como uma patologia médica

e serem tratados como qualquer outro paciente. Para ele a monstruosidade é um fenômeno

puramente congênito, ou seja, característico do indivíduo desde o nascimento.

St. Hilaire teria três razões para estabelecer a monstruosidade como congênita, a

primeira seria que as deformações extremas são, geralmente, vistas no nascimento. A segunda

era que por ser congênita desvincular a teratologia dos pensamentos míticos. E a terceira, a

monstruosidade era gerada a partir de uma má formação do feto no útero.

Porém outras vertentes na própria teratologia acreditavam que a monstruosidade não se

limitava ao aspecto congênito e que ela poderia se desenvolver ao longo da vida do indivíduo.

Segundo William John Litlle (1810–1894), um dos que contestaram a teoria de St. Hilaire, “São

numerosas as deformidades congênitas, (mas) um número maior ainda é adquirida ou

desenvolvida depois do nascimento. ” (Tradução da autora)

Confrontando os pensamentos teratológicos, os pensamentos tradicionais trazem tudo o

que a Teratologia queria negar para se tornar uma ciência. Um dos grandes pensadores que

Page 30: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

30

estabeleceram esses pensamentos em listas de causas para a monstruosidade foi Ambroise Paré

(1510-1590).

Existem variadas causas que dão origem aos monstros. A primeira é a glória

de Deus. A segunda é sua ira. A terceira, uma superabundância de sêmen. A quarta,

uma quantidade insuficiente dele. A quinta, a imaginação. A sexta, a hipotrofia, ou seja,

as dimensões reduzidas do útero. A sétima, o modo incorreto de a mãe se sentar, por

exemplo, quando, estando grávida, fica muito tempo sentada com as pernas cruzadas

ou encolhidas contra o ventre. A oitava, em razão de uma queda ou de golpes dados no

ventre da mulher grávida. A nona, doenças hereditárias ou acidentais. A décima, a

putrefação ou corrupção do sêmen. A décima primeira, a confusão ou mistura de

sêmens. A décima segunda, o logro de patifes malévolos. A décima terceira são os

demônios ou diabos. (PARÉ, 1573 Apud ECO, 2007, p. 245)

2.4.2 - Walmor corrêa, ilustração científica e anatomia artística

O território científico da Teratologia me levou a procurar técnicas que a ciência usa para

estudar as demais criaturas, como visto o que faz das criaturas monstruosas é a divergência de

uma normalidade na anatomia.

Meus interesses pelas obras de Walmor Corrêa (1960) me levaram a melhorar meus

conhecimentos anatômicos, aqui a disciplina de Anatomia Artística exerceu um grande papel

nas possibilidades de criação de criaturas mais verossímeis. Em seguida a disciplina de

Ilustração Científica que solucionou meu problema na representação dos monstros, fez surgir a

ideia em aderir os desenhos à instalação, além de influenciar tanto na técnica quanto na

composição.

Walmor Corrêa é uma das minhas principais referências vindas do circuito de arte

contemporânea. A poética do artista brasileiro, nascido em Santa Catarina, mostra uma

dualidade entre arte e ciência, o real e o fantástico. Suas criações de híbridos de insetos, híbridos

de mamíferos e aves, sempre me instigaram até eu me ver na posição de querer trazer a vida as

criaturas que eu desenhava, assim como Corrêa faz com as suas.

Apesar de Corrêa ter como estrutura de sua poética a codificação e classificação

científica da fauna, tendo liberdade de misturar animais, porém não se permitindo modificar

suas anatomias de modo a criar estruturas ósseas ou sistemas orgânicos novos. Tento ir além,

minhas criaturas lembram vagamente animais existentes em nosso meio ambiente, diferente das

Page 31: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

31

de Corrêa que lembra, por exemplo, um rato com asas de ave, então o desafio de trazê-los a

terceira dimensão iria além de juntar duas espécies diferentes.

Acabei me limitando a poucas classes de animais na produção das esculturas de

monstros, uma delas se assemelha a um mamífero e outras três são parecidos com insetos. No

mamífero usei a técnica de modelagem em massa de modelar “Das”, foi feito um molde de

silicone e a tiragem de uma cópia em resina de poliéster. Nos insetos utilizei uma técnica muito

utilizada em coleções entomológicas que consiste no incrustamento da espécie em um bloco de

resina.

As ossadas e insetos utilizados para a construção dessas criaturas foram achados de

maneira aleatória e casual durante minhas explorações urbanas, após refeições ou comprado em

açougue. Os animais foram achados já mortos, desde que não acho apropriado ou ético matar

um animal para criar uma peça de arte ou qualquer outro objeto. Foram encontrados em

propriedades públicas, nenhum foi retirado de reservas protegidas ou propriedades privadas.

Do elemento “Os Monstros”, há quatro desenhos e quatro esculturas. Do elemento “O

ambiente”, olhando o universo como um todo, uso de referência espaços áridos como deserto e

a caatinga, por serem lugares contemplativos, porém inóspitos e hostis. Porém quando

pensamos em montar isso em uma galeria fechada e limitada, a ideia de deserto como um lugar

quase que infinito e vazio é destruída. O ambiente passa a ser, então, o próprio espaço onde a

instalação irá ser montada, um espaço claustrofóbico, a solução que penso é uma bancada de

estudos, remetendo a um ambiente onde você fica recluso e isolado, porém o mundo de fora

está diante de seus olhos. “O ambiente” será composto por três desenhos, um mapa, um da flora

e um de paisagem e objetos que representam o ambiente como rochas e gravetos.

2.4.2.1 - O Tinhoso I

Desenho com bico de pena, nanquim, grafite e guache branco sobre folha Canson Mi-

Teintes 340 Chanvre Clair de gramatura 160g/m². Dimensões (50cm x 50cm). (Figura 7)

Page 32: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

32

(Figura 7)

“O Tinhoso I”, 2018 Acervo do artista

2.4.2.2 - O Colosso

Desenho com bico de pena e nanquim sobre folha Canson Mi-Teintes 340 Chanvre

Clair de gramatura 160g/m². Dimensões (50cm x 32,5cm). (Figura 8)

(Figura 8)

“O Colosso”, 2018

Page 33: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

33

Acervo do artista

2.4.2.3 - O Áureo I

Desenho com bico de pena e nanquim sobre folha Canson Mi-Teintes 340 Chanvre

Clair de gramatura 160g/m². Dimensões (32,5cm x 25cm). (Figura 9)

(Figura 9)

“O Áureo I”, 2018

Acervo do artista

2.4.2.4 - O Dúplice

Desenho com bico de pena e nanquim sobre folha Canson Mi-Teintes 340 Chanvre

Clair de gramatura 160g/m². Dimensões (32,5cm x 25cm). (Figura 10)

Page 34: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

34

(Figura 10)

“O Dúplice”, 2018

Acervo do artista

2.4.2.5 - A Fada

Escultura feita com partes secas de diferentes insetos fundidos Insetos usados: besouro

morto, exoesqueleto abandonado de cigarra, asas de mariposa.

Após a montagem da escultura ela passou por um processo de incrustação em resina

poliéster. Em seguida foi lixada com várias lixas d'água de diferentes números. Dimensões (6cm

x 6cm x 3cm). (Figura 11)

(Figura 11)

“A Fada”, 2018

Acervo do artista

2.4.2.6 - O Áureo II

Escultura feita com ossos das asas e pernas de pássaro, partes secas de exoesqueleto

abandonado de cigarra e carapaça de caramujo.

Após a montagem da escultura ela passou por um processo de incrustação em resina

poliéster. Em seguida foi lixada com várias lixas d'água de diferentes números. Dimensões

(6,5cm x 8,5cm x 6cm). (Figura 12)

(Figura 12)

“O Áureo II”, 2018

Acervo do artista

Page 35: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

35

2.4.2.7 - A Graciosa

Escultura feita com ossos da costela e vértebras de pássaro, asas e cabeça de libélula e

abdômen de besouro.

Após a montagem da escultura ela passou por um processo de incrustação em resina

poliéster. Em seguida foi lixada com várias lixas d'água de diferentes números. Dimensões

(7,5cm x 10cm x 4,5cm). (Figura 13)

(Figura 13)

“A Graciosa”, 2018

Acervo do artista

2.4.2.8 - O Tinhoso II

Base da escultura feita em massa de modelar DAS, seguida da confecção de um molde

de silicone para retirar uma cópia da escultura em resina poliéster. Em seguida foi lixada com

várias lixas d'água de diferentes números. Foi aplicada uma camada de primer branco na

escultura em resina para iniciar a pintura em tinta acrílica fosca. Após a pintura, detalhes em

verniz foram acrescentados.

Foram utilizados para a montagem da cabeça, do membro superior esquerdo, do

membro inferior direito e do rabo ossos de rato e galinha. Os chifres foram esculpidos e pintados

a partir de ossos de galinha. Para a pelugem foi utilizado pêlos de cachorro. Dimensões (15cm

x 13cm x 15cm). (Figura 14)

Page 36: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

36

(Figura 14)

“O Tinhoso II”, 2018

Acervo do artista

2.4.2.9 - O Mapa

Desenho com bico de pena, nanquim e guache branca sobre folha Canson Mi-Teintes

340 Chanvre Clair de gramatura 160g/m². Dimensões (40cm x 50cm). (Figura 15)

Page 37: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

37

(Figura 15)

“O Mapa”, 2018

Acervo do artista

2.4.2.10 - A Flora

Desenho com bico de pena e nanquim sobre folha Canson Mi-Teintes 340 Chanvre

Clair de gramatura 160g/m². Dimensões (50cm x 15cm). (Figura 16)

Page 38: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

38

(Figura 16)

“A Flora”, 2018

Acervo do Artista

2.4.2.11 - A Paisagem

Desenho com bico de pena, nanquim e guache branca sobre folha Canson Mi-Teintes

340 Chanvre Clair de gramatura 160g/m². Dimensões (24,5cm x 50cm). (Figura 17)

(Figura 17)

“A Paisagem”, 2018

Acervo do artista

Page 39: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

39

2.5 - A Instalação: A totalidade dos elementos

A instalação e seus elementos são dependentes entre si, não seria possível expor somente

uma arma ou um desenho, a obra perderia totalmente seu sentido.

O produto final, a obra em sua totalidade representa uma bancada de estudos do “herói”,

assim o universo fantástico é interpretado aos seus olhos, deixando ainda mais subjetivo aos

olhos do observador. (Figura 18)

(Figura 18)

“Kósmos Teráton”, 2018

Acervo do Artista

Ao utilizar esse formato quase que arqueológico para apresentar as obras foi

inicialmente uma tentativa de eliminar o artista da obra, mas quanto mais eu me envolvia no

próprio processo criativo, percebia que por mais que tentasse é quase que impossível

desvincular a arte do artista.

Para mim, a obra me representa em meus momentos de introversão em meu quarto, pelo

fato de ser uma mesa de estudos escura, isolada e claustrofóbica, mas que ao mesmo tempo

Page 40: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

40

abre um infinito de possibilidades de fantasias. Tais momentos foram recorrentes em minha

infância e tiveram grande impacto em minha formação. De fato, isso faz parte de minha poética

e de minhas referências.

Os objetos, monstros e paisagens foram criados a partir da ambiguidade que encontro

na introspecção, o medo da solidão e a paz na solitude. Assim a instalação em conjunto expressa

momentos de paz onde vemos o personagem fascinado pelo mundo a sua volta e angustiado

pela repulsa que a aparência hostil e repugnante das criaturas o trazem.

Essas relações talvez só se tornarão perceptíveis ao olhar atento do observador, pois

estão propositalmente espalhadas de forma sutil nos desenhos, com uma caligrafia quase

ilegível. Afinal, meu objetivo não é deixar isso claro, já que preso pela subjetividade da

formação e conexão de cada observador com a obra.

Quanto à disposição da instalação, foi escolhido um local escuro na galeria Espaço

Piloto, para enfatizar a iluminação criando uma atmosfera dramática e grotesca, uma lona

bloqueia a entrada do sol e separa o ambiente do resto da galeria. Essa pequena adaptação foi

pensada para se esquecer o ambiente da galeria e criar a própria ambientação da obra.

Em geral, os objetos que constam na instalação são os apresentados ao decorrer dessa

pesquisa e outros objetos apropriados que servem para complementar esteticamente a ideia da

mesa de estudos. Entre eles estão: ossos, penas, um extintor de incêndio, diversas ferramentas.

Page 41: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

41

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme o trabalho prático foi progredindo novas ideias foram surgindo, concluo que

esta pesquisa está em constante evolução. A insatisfação com a bidimensionalidade do desenho,

levou meu trabalho para a tridimensionalidade e em seguida à instalação, isso só me diz que há

ainda inúmeros níveis de imersão a serem atingidos não só pela visão, mas pelos outros

sentidos. Talvez pensar em algo maior, ir além de uma pequena bancada, há inúmeras

possibilidades de expandir a instalação e aderir novos monstros, personagens e ambientes.

Seguir e persistir em explorar esses novos meios de arte, me fazem querer incorporar a

realidade virtual no trabalho. Existem inúmeras e infinitas maneiras de conseguir a sensação de

imersão na fantasia, a tecnologia atualmente está a favor do artista então porque não usá-la?

Para isso precisarei me dedicar a aprender os meios além do que a arte convencional

vem a oferecer. E assim trazer ao circuito de arte contemporânea novas propostas de inserir a

fantasia na realidade.

Page 42: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

42

REFERÊNCIAS

AMARAL, Lígia Assumpção. Corpo desviante: olhar perplexo. Psicol. USP, São Paulo , v. 5,

n. 1-2, 1994 . Disponível em

<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-

51771994000100016&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em junho de 2018.

ANGELL, Katherine. Joseph Merrick the Concept of Mostrosity in Nineteenth Century

Medical Thought, 2008. In:LYNN BAUMGARTNER, Holly; DAVIS, Roger. Hosting the

monster. Rodopi, 2008.

BETHESDA Game Studios (2008). Fallout 3. [CD-ROM]. Estados Unidos da América:

Bethesda Softworks; Bethesda Game Studios.

CUSTODIO, Polyana Cristofoletti . O Fascínio Pelo Medo: Elementos Que Instigam. Rio

Claro, 2015. Disponível

em:<https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/136535/000860318.pdf?sequence=1

&isAllowed=y>. Acesso em junho de 2018.

ECO, Humberto. Historia da Feiura. Rio de janeiro: Record, 2007. Pág. 107-125, 241-157.

FREUD, Sigmund. “O inquietante”. História de uma neurose infantil (O homem dos lobos):

além do princípio do prazer e outros textos. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo:

Companhia das Letras, 2010: 328-376.

HOUAISS, Antônio. Dicionário Eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Editora Objetiva

Ltda, 2001

JUNQUEIRA, Fernanda. “Sobre os conceitos de instalação”. GÁVEA. 14(14), setembro

1996.

KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado. Rio de Janeiro: Gávea, 1984.

Page 43: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

43

LOVECRAFT, Howard Phillips. A tumba e outras histórias. Tradução de Jorge Ritter. Porto

Alegre: L&PM, 2007.

____________, Howard Phillips. O Horror Sobrenatural na Literatura. Rio de Janeiro: Editora

Francisco Alves, 1987.

MAD Max. Direção: George Miller. Produção: Byron Kennedy. Intérpretes: Mel Gibson;

Joanne Samuel; Hugh Keays-Byrne; Geoff Parry; Steve Bisley; Tim Burns; Roger Ward.

Roteiro: Hampton Fancher e David Peoples. Música: Brian May. Australia: Kennedy Miller

Productions; Crossroads; Mad Max Films, c1979. (93 min).

NAZÁRIO, Luiz. Da Natureza dos Monstros. Arte e Ciência, 1998. Pág. 165-167

NOBESCHI, Leandro. Introdução ao Estudo da Anatomia Humana. Instituto de Imagem em

Saúde, 2010. Disponível em:

<http://www.imagingonline.com.br/biblioteca/Leandro_Nobeschi/introducao-ao-estudo-da-

anatomia-humana.pdf>. acessos em junho 2018

SILVA, A.P. Sob o signo de Plutão: digressão sobre os limites do horror e do terror. 2011.

Disponível em <https://sobreomedo.files.wordpress.com/2011/05/silva.pdf>. Acesso em

junho de 2018.

TEDESCO, Elaine. INSTALAÇÃO: CAMPO DE RELAÇÕES. Revista Prâksis, Novo

Hamburgo, v. 1, p. 19-24, jan. 2007. ISSN 2448-1939. Disponível em:

<http://periodicos.feevale.br/seer/index.php/revistapraksis/article/view/593>. Acesso em: 29

junho 2018.

VEIGAS E SOUZA, Antonio Augusto. O lábio Leporino: breves considerações, teratologias e

clinicas. 1905. 86 páginas. Dissertação Inaugural- Escola Medico-Cirurgica do porto. 108, rua

do comercio do porto, 1905.

Page 44: Universidade de Brasília - UnB Departamento de Artes Visuais - …bdm.unb.br/bitstream/10483/23379/1/2018... · 2020. 3. 12. · artística e não deixar minhas referências de lado

44