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UNIVERSIDADE DE COIMBRA FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO «O DEBATE EM TORNO DO ENSINO PRIVADO NAS DÉCADAS DE 50, 60 e 70 DO SÉCULO XX. UM OLHAR PARTICULAR DAS ESCOLAS CATÓLICAS» DISSERTAÇÃO DE DOUTORAMENTO EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO ESPECIALIDADE DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Doutorando: Jorge Ferreira Cotovio Orientador: Professor Doutor António Gomes Ferreira Janeiro de 2011

UNIVERSIDADE DE COIMBRA FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS … · DISSERTAÇÃO DE DOUTORAMENTO EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO ... As primeiras revisões do Estatuto do Ensino Particular

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  • UNIVERSIDADE DE COIMBRA

    FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

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    DISSERTAÇÃO DE DOUTORAMENTO EM CIÊNCIAS DA

    EDUCAÇÃO – ESPECIALIDADE DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

    Doutorando: Jorge Ferreira Cotovio

    Orientador: Professor Doutor António Gomes Ferreira

    Janeiro de 2011

  • 2

  • 3

    Índice

    Abstract ................................................................................................................................... 13

    Agradecimentos ...................................................................................................................... 17

    Siglário ..................................................................................................................................... 19

    Introdução ............................................................................................................................... 23

    Capítulo 1

    Uma perspectiva de base: Religião e Educação

    1.1. Considerações prévias ....................................................................................................... 35

    1.2. A dimensão religiosa da vida (humana) ............................................................................ 36

    1.2.1. A religião ................................................................................................................. 36

    1.2.2. O homem, a pessoa e o humanismo cristão ............................................................. 38

    1.3. A dimensão religiosa da educação .................................................................................... 40

    1.3.1. O acto de educar ..................................................................................................... 40

    1.3.2. A educação cristã, uma educação “integral” ........................................................... 42

    1.4. A dimensão educativa da Igreja ........................................................................................ 46

    1.4.1. Igreja educadora – uma vocação natural ................................................................ 46

    1.4.2. O conceito de “Escola Catñlica” ............................................................................. 49

    1.4.3. A missão da Escola Católica .................................................................................. 52

    1.4.3.1. A missão como “escola”................................................................................ 52

    1.4.3.2. A missão como “Escola Catñlica”................................................................. 56

    Os «fundamentos» ....................................................................................... 56

    A missão ...................................................................................................... 58

    a) evangelizar todos ..................................................................................... 58

    b) fazer a síntese fé-cultura-vida ................................................................. 62

    c) fomentar relações interpessoais que facilitem o desenvolvimento

    integral dos alunos ................................................................................... 66

    d) promover a caridade ................................................................................. 70

    e) transformar a sociedade ........................................................................... 71

    f) cooperar, em espírito de comunhão .......................................................... 73

  • 4

    missão ou missões? ...................................................................................... 75

    1.4.4. A “Escola de matriz cristã” ..................................................................................... 75

    As referências específicas às escolas de matriz cristã ............................................. 76

    O conceito, os tipos, as designações e os critérios .................................................. 80

    1.5. Considerações finais .......................................................................................................... 82

    Capítulo 2

    O debate em torno da expansão escolar/ “democratização do ensino”, especialmente

    no contexto do ensino privado

    2.1. Considerações prévias ...................................................................................................... 83

    2.2. Os conceitos (e preconceitos) da democratização do ensino ............................................. 84

    2.2.1. A origem do conceito: da expansão escolar à democratização do ensino ............... 84

    2.2.2. O conceito em Veiga Simão ................................................................................... 91

    2.2.3. Os entendimentos do conceito na Democracia ....................................................... 98

    2.2.4. Observações finais ................................................................................................ 100

    2.3. Expansão económica e fomento da escolarização .......................................................... 100

    2.4. O Estado e as suas instituições face à problemática da expansão escolar ...................... 115

    A) NO ESTADO NOVO

    2.4.1. Antecedentes ao 5º Estatuto do Ensino Particular ................................................ 115

    Os primeiros estatutos do ensino particular .......................................................... 115

    A Constituição de 1933 .......................................................................................... 117

    O 4º Estatuto do Ensino Particular ........................................................................ 118

    A reforma do ensino liceal de Carneiro Pacheco .................................................. 119

    A Concordata de 1940 .......................................................................................... 120

    A criação da Inspecção Geral do Ensino ............................................................... 121

    O Estatuto do Ensino Liceal .................................................................................. 121

    O ano de 1949 e o debate em torno das Bases do Ensino Particular .................... 124

    2.4.2. O 5º Estatuto do Ensino Particular ....................................................................... 131

    2.4.3. As primeiras revisões do Estatuto do Ensino Particular ....................................... 135

    2.4.4. Iniciativas governamentais num período de forte expansão escolar .................... 137

    2.4.5. Mais revisões do Estatuto do Ensino Particular e outros normativos .................. 145

  • 5

    2.4.6. Fazer frente à explosão escolar, com o ensino particular ..................................... 149

    2.4.6.1. As preocupações expansionistas de Galvão Telles ..................................... 149

    2.4.6.2. O Estatuto da Educação Nacional e o ensino particular .............................. 151

    2.4.6.3. A Telescola ................................................................................................. 162

    2.4.6.4. Intervenções (políticas) no I Congresso do Ensino Particular .................... 167

    2.4.6.5. Uma política do espírito para uma educação personalista ......................... 170

    2.4.7. O ensino particular no contexto da «Batalha da Educação» ................................ 176

    2.4.7.1 A “Batalha da Educação” e a democratização do ensino ............................ 176

    2.4.7.2. Os normativos da Reforma Veiga Simão .................................................... 181

    2.4.7.3. O projecto de Estatuto do Ensino Particular .............................................. 191

    2.4.7.4. As intervenções do ministro acerca do ensino particular ........................... 197

    As referências ao ensino particular em geral ............................................ 197

    As (boas) referências à Igreja e às suas escolas ........................................ 204

    A gestão dos confrontos com o ensino particular ..................................... 209

    A «espiritualidade» de Simão .................................................................... 217

    2.4.7.5. Algumas intervenções de serviços do MEN correlacionadas com o

    ensino particular ......................................................................................... 220

    2.4.7.6. No limiar da Reforma ................................................................................. 223

    B) NO REGIME DEMOCRÁTICO

    2.4.8. O PREC ................................................................................................................ 227

    2.4.8.1. O (novo) contexto político e os primeiros diplomas ................................... 227

    2.4.8.2. A Constituição de 1976 .............................................................................. 237

    2.4.9. Os Governos constitucionais ....................................................................................... 240

    2.4.9.1. Os programas dos Governos ....................................................................... 240

    I Governo Constitucional ........................................................................... 240

    II Governo Constitucional ......................................................................... 241

    III Governo Constitucional ....................................................................... 242

    IV Governo Constitucional ....................................................................... 242

    V Governo Constitucional ......................................................................... 242

    VI Governo Constitucional ....................................................................... 243

    2.4.9.2. Uma produção legislativa sem paralelo, rumo ao 6º Estatuto do Ensino

    Particular ................................................................................................. 243

    Lei nº 9/79, de 19 de Março (Bases do ensino particular e cooperativo) ... 244

  • 6

    Lei nº 65/79, de 4 de Outubro (Lei da liberdade do ensino) ...................... 248

    Decreto-Lei nº 553/80, de 21 de Novembro (6º Estatuto do Ensino

    Particular e Cooperativo) .......................................................................... 249

    As primeiras regulamentações do estatuto ................................................ 256

    A revisão da CRP de 1982 ........................................................................ 258

    A Lei de Bases do Sistema Educativo ....................................................... 258

    Outros diplomas ........................................................................................ 261

    2.4.9.3. Intervenções de governantes ....................................................................... 262

    2.4.10. O debate parlamentar ........................................................................................... 265

    2.4.10.1. Na Assembleia Nacional .......................................................................... 266

    Perante o fenómeno da explosão escolar, o apelo ao ensino particular .... 266

    O ensino particular como fonte de receita e poupança para o Estado ........ 268

    A defesa da liberdade de ensino ................................................................ 271

    A denúncia do monopólio estatal ............................................................... 275

    O apelo ao Estado supletivo ...................................................................... 276

    O reconhecimento do papel do ensino particular ...................................... 279

    A exigência de uma política de apoios ...................................................... 280

    Uma política de apoios que privilegie os mais desfavorecidos ................. 285

    A questão da oficialização ......................................................................... 288

    A denúncia das deficiências ....................................................................... 290

    A crise ........................................................................................................ 293

    O elogio da emulação ................................................................................ 295

    A colaboração entre a família, a Igreja, o Estado e a escola ...................... 296

    As referências a governos anti-religiosos ................................................. 297

    2.4.10.2. Na Assembleia Constituinte ...................................................................... 299

    Ruptura ou continuidade? .......................................................................... 299

    Uma proposta inicial nada favorável ao ensino particular ........................ 300

    Diferentes perspectivas sobre a liberdade de ensino ................................. 304

    Conceito(s) de ensino livre ........................................................................ 307

    O debate em torno da supletividade .......................................................... 308

    2.4.10.3. Na Assembleia da República .................................................................... 315

    Reconhecimento do papel relevante desenvolvido pelas escolas

    privadas ..................................................................................................... 316

    Um conceito alargado de liberdade de ensino ............................................ 318

  • 7

    Os apoios ao ensino particular .................................................................. 322

    Um ensino particular com ou sem fins lucrativos? .................................... 323

    Reacções aos (esperados) apoios ao ensino particular .............................. 325

    2.4.11. Observações finais ............................................................................................... 326

    2.5. A perspectiva da Igreja Católica ...................................................................................... 327

    2.5.1. O Magistério universal da Igreja Católica ............................................................ 328

    Compete educar, prioritariamente, à família, mas com ajudas ............................. 329

    Compete à Igreja educar, por direito, dispensando privilégios ............................. 330

    Compete ao Estado educar, com uma função supletiva, sob o princípio da

    subsidiariedade ....................................................................................................... 331

    A defesa da liberdade de escolha para todos ......................................................... 335

    A defesa da liberdade de ensino e do pluralismo escolar ...................................... 337

    2.5.2. A posição do episcopado português ..................................................................... 339

    O aplauso aos inícios da explosão escolar e as esperanças na democratização

    do ensino ............................................................................................................... 339

    O reconhecimento do papel do ensino particular e da crise que o assola ............. 343

    As críticas à sobredeterminação estatal ................................................................ 346

    A defesa da liberdade de escolha e dos apoios financeiros ................................... 350

    A defesa da liberdade de ensino ............................................................................ 353

    A defesa da oficialização e da autonomia ............................................................. 356

    A recusa de qualquer tipo de privilégios ............................................................... 357

    A disponibilidade para cooperar com o Estado ..................................................... 359

    2.5.3. Perspectivas de dioceses e movimentos ............................................................... 362

    Os movimentos e serviços diocesanos ................................................................... 362

    O caso específico do Externato de Proença-a-Nova e as reacções da diocese ...... 365

    2.5.4. Intervenções de Escolas Católicas ......................................................................... 372

    O reconhecimento do (relevante) papel do ensino particular ............................... 372

    O registo de anomalias (deficiências) no ensino particular .................................. 374

    O aplauso à democratização do ensino .................................................................. 377

    A denúncia de um Estado totalitário (a denúncia de injustiças / discriminação)

    e recados ................................................................................................................. 379

    Os entendimentos da “oficialização” ..................................................................... 382

    A defesa da liberdade de ensino e da liberdade de escolha .................................. 385

    A questão dos privilégios ....................................................................................... 389

  • 8

    As contingências e a crise ..................................................................................... 391

    As queixas, os recados e os pedidos ao episcopado ............................................... 398

    2.5.5. Posições assumidas por católicos .......................................................................... 400

    2.5.5.1. Posições de catñlicos “especialistas” ......................................................... 400

    O reconhecimento do papel desempenhado pelo ensino privado ................ 400

    O apoio à expansão escolar .......................................................................... 402

    As críticas ao monopólio estatal do ensino .................................................. 403

    Os deveres de um Estado supletivo .............................................................. 412

    O apelo à liberdade de ensino e ao decorrente financiamento estatal ......... 414

    A denúncia de uma neutralidade a raiar o laicismo ..................................... 420

    As críticas internas ao ensino particular ...................................................... 423

    2.5.5.2. Posições de outras personalidades assumidamente católicas ...................... 426

    O reconhecimento da utilidade pública do ensino privado ........................ 427

    A instabilidade no ensino público versus estabilidade no ensino

    privado ....................................................................................................... 430

    Os aplausos à expansão escolar .................................................................. 434

    A defesa da liberdade de ensino ................................................................ 437

    A exigência dos apoios estatais ................................................................. 441

    As críticas ao monopólio estatal ............................................................... 446

    A denúncia de (outras) injustiças ............................................................... 450

    A perspectiva (e a constatação) da crise .................................................... 453

    Os paradoxos .............................................................................................. 458

    As críticas à maçonaria, ao comunismo e ao espírito anticlerical ............. 461

    As observações críticas ao ensino privado, em geral ................................ 463

    Os comentários internos à Igreja (e às suas escolas) .................................. 467

    As perspectivas dissonantes ....................................................................... 469

    2.5.6. Observações finais ................................................................................................ 476

    2.6. Perspectivas não institucionais ....................................................................................... 477

    2.6.1. Reacções de responsáveis do ensino privado não confessional e de

    organizações que representam o ensino privado .................................................... 478

    2.6.2. Opinião de especialistas da área educacional ....................................................... 482

    O reconhecimento do papel decisivo do ensino privado ....................................... 483

    Um Estado que se serve do ensino privado e o determina .................................... 485

    As observações críticas ao ensino privado ............................................................. 488

  • 9

    2.6.3. Posições assumidas por (outros) cidadãos ............................................................ 489

    A defesa do ensino particular contra o monopólio estatal .................................... 489

    As críticas ao ensino particular ............................................................................. 491

    2.6.4. Observações finais ................................................................................................. 495

    2.7. Considerações finais ........................................................................................................ 496

    Capítulo 3

    A Escola Católica no contexto da educação nacional e da expansão do ensino

    3.1. Considerações prévias .................................................................................................... 499

    3.2. Razões históricas do impacto da Escola Católica no contexto da sociedade

    portuguesa ............................................................................................................................... 500

    3.2.1. O peso da Igreja Católica ..................................................................................... 500

    3.2.1.1. Um monopólio natural ................................................................................ 500

    3.2.1.2.Os sinais deste peso no Estado Novo .......................................................... 502

    “Salazar” ....................................................................................................... 502

    A educação (católica) ................................................................................... 508

    Estado-Igreja: uma relação titubeante ......................................................... 515

    3.2.1.3. A herança do peso da Igreja no regime democrático .................................. 523

    3.2.2. O protagonismo das escolas católicas ................................................................... 526

    3.2.2.1. Antecedentes históricos ............................................................................... 526

    3.2.2.2. O reconhecimento da qualidade do serviço prestado .................................. 539

    Da parte da Igreja ...................................................................................... 539

    Da parte de governantes e deputados ......................................................... 543

    De outros sectores ...................................................................................... 548

    3.2.2.3. Um estatuto privilegiado no universo do ensino privado ........................... 553

    Os argumentos dos católicos ..................................................................... 553

    Os argumentos de deputados e governantes ............................................... 556

    3.2.3. Observações finais ................................................................................................ 560

    3.3. Reacções aos efeitos colaterais do processo de democratização do ensino .................... 561

    3.3.1. O associativismo ................................................................................................... 563

    3.3.1.1. A criação formal ou informal de uma estrutura aglutinadora e

    coordenadora das escolas da Igreja ........................................................... 563

  • 10

    Sinais preliminares vindos da hierarquia .................................................. 563

    Outras manifestações ................................................................................. 571

    Associação das Escolas Católicas / Departamento de Escola Católica –

    um binómio em busca da identidade comum ............................................ 576

    A formalização da «Associação das Escolas Católicas» ............................ 583

    A criação do Departamento de Escola Católica (DEC) ............................ 591

    O fim da Associação das Escolas Católicas ............................................... 592

    As turbulências internas, em jeito de catarse ............................................ 598

    Os receios de colisão com a AEEP ........................................................... 601

    3.3.1.2. A criação de uma associação conjunta de todas as escolas privadas ......... 606

    3.3.1.2.1. Antecedentes .................................................................................... 606

    Os primeiros sinais .......................................................................... 606

    Antecedentes próximos ..................................................................... 611

    3.3.1.2.2. Finalmente a AEEP .......................................................................... 626

    Os primeiros tempos ........................................................................ 626

    O CONGRENE ................................................................................ 634

    3.3.1.2.3. Os escolhos ....................................................................................... 639

    As resistências do Grémio ................................................................ 639

    Os desencontros nos primeiros anos da AEEP ................................ 646

    Desentendimentos a propósito do CONGRENE .............................. 649

    3.3.1.2.4. O reconhecimento do papel das escolas católicas neste processo ..... 653

    3.3.2. A promoção da identidade e da qualidade educativa ........................................... 657

    3.3.2.1. A busca da identidade própria .................................................................... 657

    3.3.2.2. A promoção da qualidade pedagógica e científica ..................................... 667

    3.3.3. O desafio da liberdade de ensino e a procura de um quadro normativo

    favorável .............................................................................................................. 680

    3.3.3.1. A defesa da liberdade de ensino ................................................................. 680

    Os (primeiros) sinais ................................................................................. 680

    As (primeiras) intervenções episcopais ...................................................... 681

    Os sinais externos ....................................................................................... 682

    A dinâmica do “movimento das escolas catñlicas” .................................... 684

    3.3.3.2. Passos para a efectivação da liberdade de ensino ....................................... 685

    A liberdade de ensino na CRP de 1976 ..................................................... 685

    O paralelismo pedagógico (e a profissionalização em exercício) .............. 687

  • 11

    As Bases do Ensino Particular e Cooperativo (Lei n.º 9/79, de 19 de

    Março) e a Lei da Liberdade do Ensino (Lei n.º 65/79, de 4 de

    Outubro) ..................................................................................................... 689

    O 6º Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (Decreto-Lei n.º

    553/80, de 21 de Novembro) ..................................................................... 699

    Os reconhecimentos de um quadro legislativo “avançado” ....................... 708

    3.3.4. Observações finais ................................................................................................ 711

    3.4. Escola Católica: promotora, impulsionadora ou oponente da massificação escolar? ..... 712

    3.4.1. A territorialidade ................................................................................................... 713

    3.4.1.1. A distribuição geográfica ........................................................................... 713

    3.4.1.1.1. Uma explosão especial ..................................................................... 713

    3.4.1.1.2. As estatísticas .................................................................................... 721

    a) Os estabelecimentos ..................................................................... 723

    Os estabelecimentos por distritos .................................................... 723

    Os estabelecimentos por distritos e concelhos ................................. 728

    As manutenções e os encerramentos ............................................... 766

    As quebras parciais e totais ............................................................... 776

    As novas escolas .............................................................................. 777

    b) Os alunos ..................................................................................... 779

    (Mais) algumas constatações imediatas dos quadros estatísticos,

    em jeito de síntese ............................................................................ 782

    3.4.1.1.3. Outras (análises) estatísticas ............................................................. 783

    3.4.1.1.4. Os números da territorialidade do ensino particular no

    Parlamento ....................................................................................... 788

    3.4.1.1.5. Telescola ........................................................................................... 791

    3.4.1.1.6. Os reconhecimentos da territorialidade ............................................ 795

    3.4.1.2. As motivações subjacentes à criação de escolas católicas .......................... 799

    3.4.1.2.1. A cristianização e o fomento das vocações consagradas? .............. 799

    3.4.1.2.2. O serviço às populações? ................................................................ 805

    3.4.1.2.3. A abertura aos mais desfavorecidos? ............................................. 809

    A opção pelos pobres .................................................................... 809

    A atenção pelas gentes das periferias e do interior esquecido ...... 819

    É mais barato frequentar o colégio do que ir para o liceu ............. 822

    Outros “desfavorecidos” ................................................................. 824

  • 12

    Um elitismo “forçado” ................................................................... 828

    3.4.1.2.4. Razões de índole material? ............................................................... 833

    3.4.1.3. Algumas perspectivas dissonantes .............................................................. 836

    Pouca perseverança ...................................................................................... 837

    Sacerdotes pouco austeros ............................................................................ 839

    3.4.2. Promoção da expansão escolar ou resistência? .................................................... 842

    Uma democratização regional ........................................................................... 842

    Um plano global de acção? ................................................................................. 846

    Oposição? ........................................................................................................... 850

    Promoção? .......................................................................................................... 851

    3.4.3. Observações finais ................................................................................................ 855

    3.5. Considerações finais ....................................................................................................... 857

    Conclusões ............................................................................................................................. 861

    Bibliografia ............................................................................................................................ 875

    1. Livros e artigos citados ...................................................................................................... 875

    2. Legislação consultada e referenciada ................................................................................ 896

    3. Arquivos ............................................................................................................................ 899

    4. Documentos parlamentares ................................................................................................ 902

    5. Periódicos consultados e citados ........................................................................................ 902

    6. Outros documentos e textos citados .................................................................................. 905

    7. Webliografia ...................................................................................................................... 906

    Índice de Quadros, Tabelas, Gráficos e Mapas ................................................................ 908

    Anexos (Volume 2)

  • 13

    Abstract

    O objecto desta investigação centra-se na história da educação levada a cabo pelas

    escolas privadas com ensino secundário liceal, em Portugal continental, no período (mais)

    associado à expansão escolar – décadas de cinquenta, sessenta e setenta do século XX –,

    procurando entender especialmente o comportamento das escolas ligadas à Igreja Católica

    face aos novos desafios e circunstâncias, e fazer emergir assuntos pertinentes ou controversos,

    acompanhando o seu debate.

    Ao longo deste trabalho mostra-se o contributo prestado pelas escolas privadas na

    promoção cultural das populações nestas três décadas, designadamente nas zonas do interior

    do país. Neste processo de democratização regional é destacada a acção da Igreja Católica,

    com os seus bispos, sacerdotes e leigos, materializada no espírito de serviço de centenas de

    escolas católicas (e de muitas outras escolas privadas de inspiração cristã), sentido como uma

    missão não só pastoral, mas também cívica, em prol das populações.

    Mau grado as circunstâncias adversas, devidas sobretudo a constrangimentos económicos

    e políticos, as escolas católicas impuseram-se pela qualidade do ensino, pela inquietude

    perante a sobredeterminação estatal, pela persistência na busca da sua identidade própria e,

    em conjunto com as restantes escolas privadas, pela defesa da liberdade de educação,

    constitucionalmente assumida, mas realmente mitigada.

    Neste quadro, a expansão escolar/ democratização do ensino, ao nível do sector liceal,

    deve ao ensino privado, com ênfase para as escolas directa ou indirectamente ligadas à Igreja,

    a sua promoção, bem evidenciada no número de estabelecimentos existentes nos seus

    primórdios, na sua distribuição territorial e no número de alunos que os frequentavam,

    contribuindo para a escolarização de gerações de alunos, e para a promoção social das

    povoações.

    _

    The object of this research is the history of education carried out by private schools with

    secondary education in mainland Portugal in the period (more) associated with school

    expansion – the fifties, sixties and seventies of the twentieth century – as a means of

    understanding, especially, the behaviour of schools connected to the Catholic Church, faced

  • 14

    with new challenges and circumstances, and of bringing out relevant or controversial issues,

    while following their discussion.

    Throughout this paper we show the contribution made by private schools towards

    promoting the populations culturally in these three decades, particularly in inland areas of the

    country. In the process of regional democratization, we highlight the action taken by the

    Catholic Church with its bishops, priests and lay people, embodied in the spirit of service of

    hundreds of Catholic schools (and many other private schools of Christian inspiration),

    perceived as a mission, not only pastoral, but also civic, in favour of the populations.

    Despite adverse circumstances, due mainly to economic and political constraints, catholic

    schools have imposed themselves through the quality of teaching, through disquietude before

    the overdetermination of the state, through persistence in the pursuit of their own identity and,

    together with the other private schools, through the defence of freedom of education,

    constitutionally assumed, but in fact mitigated.

    In this framework, school expansion/ democratization of education, in the secondary

    school sector, owes its promotion to private education, with emphasis on the schools directly

    or indirectly connected with the Church, which is evident in the number of existing

    establishments in its infancy, in their territorial distribution and in the number of students that

    attended them, contributing to the education of generations of students and to the social

    promotion of villages.

    _

    L'objet de cette recherche se centre dans l'histoire de l'éducation mise en œuvre par les

    écoles privées avec enseignement secondaire, au Portugal continental, dans la période (la

    plus) associée à l'expansion scolaire – les décennies de cinquante, soixante et soixante-dix du

    XXème siècle -, en cherchant à comprendre spécialement le comportement des écoles liées à

    l'Église catholique face aux nouveaux défis et circonstances, et à faire émerger des sujets

    pertinents ou controversés, en accompagnant leur débat.

    Tout au long de ce travail se montre la contribution des écoles privées dans la promotion

    culturelle des populations dans ces trois décennies, notamment dans les zones de l'intérieur du

    pays. Dans ce processus de démocratisation régionale est détachée l'action de l'Église

    Catholique, avec ses évêques, prêtres et laïcs, matérialisée dans l'esprit de service de centaines

  • 15

    d'écoles catholiques (et de beaucoup d'autres écoles privées d'inspiration chrétienne), ressenti

    comme une mission non seulement pastorale, mais aussi civique, au profit des populations.

    Malgré les circonstances défavorables, dues surtout à des contraintes économiques et

    politiques, les écoles catholiques se sont imposées par la qualité de l'enseignement, par

    l‟inquiétude devant la surdétermination de l‟état, par la persistance dans la recherche de leur

    propre identité et avec les autres écoles privées, par la défense de la liberté de l‟éducation,

    constitutionnellement assumée, mais, en effet, atténuée.

    Dans ce tableau, l'expansion scolaire/ démocratisation de l'enseignement, au niveau du

    lycée, doit à l'enseignement privé, notamment pour les écoles directe ou indirectement liées à

    l'Église, sa promotion, bien prouvée dans le nombre d'établissements existants à ses débuts,

    dans sa distribution territoriale et dans le nombre d'élèves qui les fréquentaient, en contribuant

    à la scolarisation de générations d'élèves, et à la promotion sociale des populations.

  • 16

  • 17

    Agradecimentos

    A construção de um trabalho com este âmbito e extensão só foi possível com o

    entusiasmo do autor – sem dúvida! – mas também porque foram convocados contributos a

    pessoas e instituições. Destarte, embora o percurso calcorreado tenha sido essencialmente

    solitário, nunca me senti só. A estes companheiros de jornada que me ajudaram nesta

    aventura, o meu fundo agradecimento.

    De entre eles, quero destacar:

    - o Pe. José Manuel Martins Lopes, director do Colégio da Imaculada Conceição/

    Instituto Inácio de Loyola, pelo apoio precioso nos momentos difíceis que precederam a

    decisão, sempre difícil, de avançar com uma tese de doutoramento;

    - D. Manuel Nascimento Clemente por me estimular, abrir horizontes e esclarecer

    (muitas) dúvidas, quando ainda não estava seguro do objecto a perseguir;

    - o meu orientador, Professor Doutor António Gomes Ferreira, pela disponibilidade e

    apoio incondicional em todos os momentos, mau grado os muitos afazeres profissionais e

    responsabilidades académicas;

    - a Associação Portuguesa de Escolas Católicas (APEC), designadamente nas pessoas do

    Pe. Alfredo Cerca e Diác. Dr. Acácio Lopes, por criarem condições para o desenvolvimento

    de um trabalho com esta dimensão;

    - o Pe. Joaquim Rodrigues Ventura, director do Colégio de S. Miguel, em Fátima, pela

    partilha da sua experiência de vida, quase toda ela assente na Escola Católica, pela

    disponibilização da muita informação que dispunha, pela paciência em me receber

    simpaticamente no seu gabinete, deixando-se embalar ao som das estórias que íamos

    recordando;

    - D. Carlos Moreira Azevedo pela paciência em me pôr à disposição trinta anos de actas

    das assembleias plenárias do episcopado e pelas facilidades na consulta dos arquivos da

    Conferência Episcopal Portuguesa e do Patriarcado;

    - D. António Baltazar Marcelino pelas palavras de estímulo e pela disponibilidade para

    esclarecer dúvidas ou fornecer informações;

    - o Professor Doutor José Veiga Simão pela amabilidade em me receber várias vezes e

    pelas horas infindáveis em que ficámos presos ao telefone, conversando, esclarecendo

    dúvidas, discutindo factos, conceitos e preconceitos;

  • 18

    - o saudoso Dr. Frederico Valssasina Heitor, pelo estímulo transmitido e pela partilha de

    informações sobre épocas remotas, sempre com tanta precisão e delicadeza;

    - todos os entrevistados, pela disponibilidade, pelo esforço de memória, pelo entusiasmo

    com que falavam destas coisas;

    - as cerca de duas centenas de bispos, sacerdotes, religiosos e leigos (muitos deles

    membros das Autarquias, das Bibliotecas Municipais, das Santas Casas da Misericórdia,

    simples ex-professores ou ex-alunos) que gentil e pacientemente me atenderam e deram

    informações preciosas sobre as escolas de matriz cristã e outros colégios das respectivas

    dioceses, concelhos ou freguesias;

    - o Pe. Doutor António Mendes Fernandes, pela simpatia, cuidado e carinho especiais que

    espiritualmente me foi transmitindo;

    - o Pe. Joel Carlos Antunes, pela revisão de alguns textos;

    - o Pe. José de Oliveira Moço, pelo trabalho esmerado e paciente na revisão da maioria

    dos textos e pelas longas conversas que, a este propósito, encetávamos;

    - a Associação de Representantes de Estabelecimentos do Ensino Particular e

    Cooperativo (AEEP) pelas facilidades concedidas na consulta dos arquivos;

    - a imprensa regional, nomeadamente os semanários diocesanos, pelo manancial de

    informação que me proporcionaram;

    - a Biblioteca Municipal de Coimbra, onde tantas vezes me desloquei, sobretudo para

    consultar os 13 000 semanários diocesanos e outros periódicos, assim como livros;

    - o meu pai, companheiro de muitas viagens, sempre a viver intensamente o

    desenvolvimento do trabalho;

    - a minha família alargada, sentida como um porto de abrigo onde eu sabia poder

    recorrer, especialmente a Paula, sempre pronta a dar sugestões;

    - a minha família nuclear – a Lurdes, a Patrícia e a Sofia – pelo apoio diário, pelos

    milhares de horas que se viram privadas da minha atenção, pelas condições físicas, psíquicas

    e emocionais que me possibilitaram consumar este desafio.

    É um pouco de todos vós que também está plasmado por detrás das (muitas) palavras que

    escrevem esta tese…

    Obrigado.

  • 19

    Siglário

    AC – Assembleia Constituinte

    AEC – Associação das Escolas Católicas

    AEEP – Associação de Representantes de Estabelecimentos do Ensino Particular e

    Cooperativo

    AN – Assembleia Nacional

    APEC – Associação Portuguesa de Escolas Católicas

    APESP – Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado

    AR – Assembleia da República

    ASE – Acção Social Escolar

    CA – Contrato de Associação

    CADC – Centro Académico de Democracia Cristã

    CCEPC – Conselho Consultivo do Ensino Particular e Cooperativo (depois de 1988,

    Conselho Coordenador do Ensino Particular e Cooperativo)

    CDC – Código de Direito Canónico

    CDS – Partido do Centro Democrático Social

    CDS/PP – Partido do Centro Democrático Social/Partido Popular

    CEE – Comunidade Económica Europeia

    CEEC – Comissão Episcopal de Educação Cristã

    CEP – Conferência Episcopal Portuguesa

    CNE – Conselho Nacional de Educação

    CNIR – Confederação Nacional dos Institutos Religiosos (Masculinos)

    CODEPA – Centro de Orientação e Documentação do Ensino Particular

    CONFAP – Confederação Nacional das Associações de Pais

    CONGRENE – Congresso das Escolas não Estatais

    COPCON – Comando Operacional do Continente

    CRP – Constituição da República Portuguesa

    CRSE – Comissão de Reforma do Sistema Educativo

    CS – Contrato Simples

    CT – Exortação Apostólica Cathechesi Tradendae de João Paulo II sobre a Catequese

    CUF – Companhia União Fabril

    DEC – Departamento da Escola Católica

  • 20

    DGAE – Direcção-Geral da Administração Escolar

    DGEB – Direcção-Geral do Ensino Básico

    DGEP – Direcção-Geral do Ensino Particular

    DGEPC – Direcção-Geral do Ensino Particular e Cooperativo

    DGES – Direcção-Geral do Ensino Secundário

    DH – Declaração Dignitatis Humanae, sobre a liberdade religiosa

    DIM – Encíclica Divini Illius Magistri, de Pio XI

    DR – Diário da República

    DUDH – Declaração Universal dos Direitos do Homem

    EC – Escola(s) Católica(s)

    ECc – Escolas católicas congregacionais

    ECd – Escolas católicas diocesanas

    EFTA – Associação Europeia de Livre Comércio (European Free Trade Association)

    ELP – Exército de Libertação de Portugal

    Emc – Escola de matriz cristã

    EMGFA – Estado Maior General das Forças Armadas

    EN – Emissora Nacional

    EO – Ensino Oficial

    EP – Ensino Particular

    EPC – Ensino Particular e Cooperativo

    EUA – Estados Unidos da América

    FA – Forças Armadas

    FC – Exortação Apostólica Familiaris Consortio de João Paulo II sobre a Família.

    FENPROF – Federação Nacional de Professores

    FNAPEC – Federação Nacional das Associações de Pais de Alunos do Ensino Católico

    FNE – Federação Nacional de Educação

    FNIRF (ou FNIR) – Federação Nacional dos Institutos Religiosos Femininos

    FR – Carta-Encíclica Fides et ratio, de João Paulo II

    GE – Declaração Gravissimum Educationis, sobre a educação cristã

    GEP – Gabinete de Estudos e Planeamento

    GEPAE – Gabinete de Estudos e Planeamento da Acção Educativa

    GS – Constituição Pastoral Gaudium et Spes, sobre a Igreja no mundo actual

    IASE – Instituto de Acção Social Escolar

    IGE – Inspecção Geral do Ensino/ Inspecção Geral de Educação

  • 21

    IGEP – Inspecção Geral do Ensino Particular

    INA – Instituto Nun‟Alvres

    INE – Instituto Nacional de Estatística

    ISCTE – Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa

    ISET – Instituto Superior de Educação e Trabalho

    ISPA – Instituto Superior de Psicologia Aplicada

    JEC – Juventude Escolar Católica

    JUC – Juventude Universitária Católica

    LBSE – Lei de Bases do Sistema Educativo

    LUAR – Liga de Unidade e Acção Revolucionária

    MDLP – Movimento Democrático de Libertação de Portugal

    MDP/CDE – Movimento Democrático Português/ Comissão Democrática Eleitoral

    ME – Ministério da Educação/ Ministro da Educação

    MEC – Ministério da Educação e Cultura/ Ministério da Educação e Ciência

    MEIC – Ministério da Educação e Investigação Científica

    MEN – Ministério da Educação Nacional

    MFA – Movimento das Forças Armadas

    MM - Encíclica Mater et Magistra, de João XXIII

    NATO – Organização do Tratado Atlântico Norte (North Atlantic Treaty Organization)

    NEP – Núcleo do Ensino Particular da Região de Lisboa do SNAP

    OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico

    OECD – Organização Europeia de Cooperação Económica

    OIEC – Office International de l‟Enseignement Catholique

    ONU – Organização das Nações Unidas

    PCP – Partido Comunista Português

    PIDE – Polícia Internacional e de Defesa do Estado

    PPD – Partido Popular Democrático

    PPM – Partido Popular Monárquico

    PREC – Processo/ Período Revolucionário Em Curso

    PRM- Projecto Regional do Mediterrâneo

    PS – Partido Socialista

    PSD – Partido Social Democrata

    PT – Encíclica Pacem in Terris, de João XXIII

    QA - Encíclica Quadragesimo Anno, de Pio XI

  • 22

    RTP – Radiotelevisão Portuguesa

    SCEC – Sagrada Congregação para a Educação Católica

    SDEP – Secretariado Diocesano do Ensino Particular

    SEOP – Secretaria de Estado da Orientação Pedagógica

    SNAP – Secretariado Nacional das Associações de Pais

    SNAP-NEP – Secretariado Nacional das Associações de Pais – Núcleo do Ensino Particular

    da Região de Lisboa

    SNAPEP – Secretariado Nacional das Associações de Pais dos Estabelecimentos do Ensino

    Particular

    SNEC – Secretariado Nacional da Educação Cristã

    SNEIE – Serviço/ Secretariado Nacional do Ensino da Igreja nas Escolas

    SPZC – Sindicato de professores da Zona Centro

    SPZN – Sindicato de professores da Zona Norte

    UCP – Universidade Católica Portuguesa

    UDP – União Democrática Popular

    UE – União Europeia

    UEC – União das Escolas Católicas

    UGT – União Geral dos Trabalhadores

    UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (United

    Nations Educational, Scientific and Cultural Organization)

  • 23

    Introdução

    A história da educação contemporânea em Portugal não está suficientemente estudada e

    esclarecida. As mutações societárias, sobretudo a partir de meados do século passado,

    sucederam-se a um ritmo acelerado e incomum, gerando descontinuidades e até fracturas, por

    vezes com contornos ainda pouco definidos. Insere-se neste contexto toda a dinâmica

    associada ao processo de escolarização em massa da população jovem portuguesa, conhecido

    normalmente por “expansão escolar” / “democratização do ensino”.

    Surgindo este processo no seio de uma conjuntura política nacional muito peculiar,

    embora afectada por circunstâncias externas que a irão determinar fortemente, pesa sobre ele

    uma carga ideológica dificilmente separável das decisões e opções que sucessivamente, em

    ritmo titubeante, vão sendo tomadas, e nem sempre convictamente assumidas. Parte

    significativa deste património ideológico de base iluminista tem origem séculos antes, sob a

    inspiração do homem de confiança do Rei D. José I – o Marquês de Pombal. A convicção de

    que as responsabilidades do ensino devem ser assumidas pelo Estado levará Sebastião José

    (quase) ao limite, fracturando a acção da instituição que à época mais se deu à arte de instruir

    e ensinar – a Igreja Católica.

    Com uma sociedade civil fraca e uma Igreja fragilizada por duros golpes acometidos de

    tempos a tempos, emerge facilmente um Estado centralizador e dominador que à custa do

    poder e da inculcação ideológica faz crer aos cidadãos a sua omnipresença e omnisciência.

    Nesta cultura enformada pelo Educating for Passivity (Formosinho, 1987), progressivamente

    sedimentada na sociedade portuguesa, a óptica das análises históricas acerca da educação

    nacional pende quase que naturalmente para o lado da coisa pública, minimizando-se (e

    olvidando-se) o papel desenvolvido pela iniciativa privada da polis e pela Igreja.

    O trabalho que desenvolvemos e ora apresentamos procura colmatar esta suposta

    imperfeição analítica completando o debate e repondo a justeza possível a um período

    histórico fervilhado por acontecimentos ímpares e determinantes – as décadas de cinquenta,

    sessenta e setenta do século XX.

    O Século das Luzes condicionou os anos sequentes e como que ofuscou os séculos

    anteriores. Num contexto de um pequeno território lusitano, o pensamento iluminista

    pombalino mitigou a colaboração estreita entre o rei e o clero na tarefa da educação, até então

    com o protagonismo natural deste. Naqueles tempos, em mosteiros ou em casas episcopais,

    em sacristias ou em edifícios erigidos para o efeito, a Igreja já entende ser sua missão

  • 24

    evangelizar através da arte do ensino, promovendo a formação integral da pessoa. Santa Cruz

    de Coimbra, com os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, Alcobaça, com a Ordem de

    Cister, Santo Antão, em Lisboa, ou o Colégio de Jesus e Colégio das Artes, em Coimbra, com

    a Companhia de Jesus, são alguns dos marcos indeléveis deste continuum formativo-

    pedagógico-cultural-pastoral levado a cabo pelas instituições da Igreja. Com este ritmo e

    entendimento, hoje talvez pouco relevantes mas ousados para a época, Portugal será mais uma

    Nação a justificar a afirmação de Werner Jaeger (2003) ao considerar a Igreja Católica como a

    “maior instituição educativa do mundo pós-clássico”.

    Mas a um nível mais elementar, e até ao século XVIII, já era razoável a rede de ensino

    “das primeiras letras” implantada no Reino, com o protagonismo das dioceses e das ordens

    religiosas, acção esta complementada por mestres nomeados por pressão dos habitantes ou

    dos seus representantes. Este gérmen de rede nacional de ensino, potenciada pelos jesuítas,

    leva vários autores1 a considerar que a reforma pombalina não inaugura a rede oficial de

    escolas públicas, como por vezes se faz crer desvalorizando o papel desempenhado pela Igreja

    e pela sociedade civil.

    Nestes primeiros seis séculos da Nacionalidade, estava, pois, “muito arreigada a ideia de

    que a obrigação de ensinar (sobretudo as primeiras letras) competia à família e à Igreja, e só

    supletivamente ao Estado”, não sendo fácil distinguir a acção da Igreja e a acção do Estado

    (Gomes, 1982: 14/15). Pombal quebra esta dinâmica e esta cumplicidade e faz crer, no seu

    mandato de pouco mais de um quarto de século, que o Estado tem a obrigação de ter o

    monopólio do múnus educativo. Mas esta convicção não melhora o estado da nossa educação:

    apesar das ambições do Marquês, no final do seu mandato o parque escolar oficial é quase

    inexistente (Rodrigues et al, 2000: 14). Continuará a valer nos tempos vindouros a atitude

    persistente da Igreja, mesmo com o vaivém de muitas ordens religiosas, coadjuvada por boas

    vontades da sociedade civil. A “densa malha de igrejas paroquiais e de mosteiros” garante a

    escolarização mínima também a gente simples, ávida de cultura (Ramos, 1998: 1094), numa

    época em que os intelectuais viam mais inconvenientes que vantagens na generalização da

    instrução para todos (Gomes, 1982: 16). Também os colégios e casas de educação dirigidos

    por leigos, assim como a Associação de Escolas Móveis, dão um precioso contributo, tanto

    para a educação das crianças como para a escolarização da juventude, prestando um

    contributo significativo neste esforço de promoção cultural do século XIX.

    1 Ver, entre outros, Joaquim Ferreira Gomes (1982: 14-15) e Áurea Adão (1997: 351).

  • 25

    Com Passos Manuel verifica-se um grande impulso na educação nacional e criam-se os

    primeiros liceus. Com Fontes Pereira de Melo e, posteriormente, António Augusto de Aguiar,

    desenvolve-se o ensino técnico. Mas apesar destes rasgos empreendedores que pretendem

    generalizar a educação e reforçar o papel centralizador do Estado também neste âmbito,

    Alexandre Herculano considera desastrosa a nossa situação, no respeitante à instrução pública

    (Carvalho, 1986: 574). E o escritor tem razão. Em 1890, Portugal possui 79,2% de

    analfabetos, em confronto com os 0,08% da Noruega, os 0,36% da Dinamarca, os 0,4% da

    Suécia, os 0,51% da Alemanha, os 1% da Inglaterra e Escócia, os 17% da Bélgica, os 28% da

    Irlanda, os 38% da Áustria, os 42% da Itália e os 68% da Espanha2 (Carvalho, 1986: 711,

    citando Agostinho de Campos e Salvado Sampaio).

    O sonho pombalino de melhor educação com muito mais Estado e menos Igreja (e sem

    qualquer jesuíta!), dispensando inclusivamente parte significativa das instituições religiosas

    que mais experiência tinham neste campo, parecem não ter sucesso nestes cento e sessenta

    anos de monarquia, marcados por expulsões e regressos, por antipatias e renovadas

    cumplicidades. Melhor sorte não terá a 1ª República. Acolhendo uma cultura tendencialmente

    uniformizadora, os republicanos procuram dar um forte impulso à educação mas a

    instabilidade governativa e o menosprezo pela Igreja e suas escolas contribuem mais uma vez

    para o inêxito das reformas. A nossa educação continua a apresentar fracos resultados em

    comparação com outros países europeus, mau grado o enorme investimento em escolas

    públicas e algum decréscimo na taxa de analfabetismo.

    O Estado Novo mantém a ideia de que deve ser o Estado a garantir e a prestar o serviço

    “público” da educação, tolerando, contudo, o ensino privado e reconfigurando as suas

    relações com a Igreja, agora com maior campo de manobra mas balizada por preconceitos

    regalistas do passado. Nas três décadas que se seguem ao final da segunda guerra mundial,

    Portugal é desafiado, e até pressionado, a promover uma ampla e profunda escolarização em

    massa da população. Acompanha-o nesta aventura uma parte da Europa, sob os auspícios do

    Plano Marshall. É comummente aceite a imprescindibilidade da educação no

    desenvolvimento económico e progresso das sociedades, e acredita-se que a “educação para

    todos” e durante mais tempo atenuará as desigualdades sociais. Nestas circunstâncias, a

    Europa mais desenvolvida investe fortemente na educação, especialmente na de nível

    secundário, aumentando-se para isso progressivamente a escolaridade obrigatória (Joaquim

    Azevedo, 2000: 37)

    2 Os dados referentes à Europa dizem respeito a 1881.

  • 26

    Mas o nosso atraso educativo comparativamente aos países mais desenvolvidos da velha

    Europa continua a ser preocupante. Portugal tem um Estado e uma sociedade colocados na

    semi-periferia do sistema mundial, afastado da competição económica entre as nações e, por

    consequência, da necessidade de maiores níveis de qualificação profissional, que nunca ousou

    investir na educação para todos de forma intensa e organizada, pelo menos até à década de

    setenta do século XX (António Teodoro, 2001: 52, 419-421). A centralidade do Estado –

    característica marcante de um Estado semi-periférico – conduzirá ao enfraquecimento da

    acção (e reacção) da sociedade civil e da Igreja, assumindo-se o Estado como “quase o único

    agente de escolarização desde as reformas de Pombal” (p. 419). Este conjunto de factores terá

    contribuído significativamente para a constância do nosso atraso educativo.

    Perante este contexto adverso, o Plano Marshall pretende dar uma ajuda acrescida ao

    nosso país e fomentar a economia com planos de fomento cultural. Para se alcançar este

    desiderato será urgente um esforço dantesco em recursos humanos, materiais e estruturais.

    Todavia, as circunstâncias conjunturais não são as mais favoráveis: o rescaldo de uma guerra

    mundial que deixa as suas sequelas mesmo num país semi-periférico e não directamente

    envolvido no conflito; um regime político tendencialmente ditatorial, pouco aberto a riscos

    não controlados e a ideias criativas, e adepto da estratificação social; uma cultura nacional

    marcada pela pouca convivialidade com a educação e a literacia, bem como com os desafios

    ousados e o empreendedorismo; um aumento crescente da tensão nos territórios ultramarinos,

    com o decorrente desgaste político e financeiro. Se a todos estes factores juntarmos a

    passividade imersa na cultura nacional, criadora do mito do Welfare State, fácil será

    entendermos a dificuldade em o Estado português consumar as metas impostas pela pressão

    externa, assim como em dar resposta à crescente procura interna de mais e melhor

    escolarização.

    É neste contexto que a Igreja, com as suas escolas e muitas outras inspiradas nos seus

    ensinamentos (e outras ainda simplesmente laicas), uma vez mais procura responder a este

    surto educacional – sentido com mais acuidade no sector liceal –, com a criação, em

    variadíssimos locais, de estabelecimentos de ensino que acabam por ser o grande recurso de

    parte significativa da população portuguesa. Com esta atitude, perante uma (possivelmente

    estratégica) letargia estatal, é consensualmente aceite que, sobretudo no período do Estado

    Novo, “os colégios privados cumpriram uma relevante função social” (Nñvoa, 1995: 107).

    Destarte, o desenvolvimento exponencial da rede pública de educação nos últimos anos

    da década de sessenta e no dealbar da década de setenta do século passado, assim como a

    revolução de Abril de 1974, interferem determinantemente na dinâmica dessas escolas,

  • 27

    gerando profundas mutações no equilíbrio das redes privada e estatal de ensino ao nível

    secundário liceal. A centralidade do Estado insiste na asfixia da sociedade civil, cavando

    ainda mais um fosso há muito aberto. Com relações pouco abertas e cordiais com a Igreja e a

    sociedade civil, o Estado não potencia a emergência de novas ideias e boas práticas fora do

    seu perímetro. Mesmo com a explosão escolar de Veiga Simão, Portugal não mitigará a

    distância que o separa da Europa.

    Parafraseando Joaquim Ferreira Gomes (1982), diremos que continua “muito arreigada” a

    ideia de que a obrigação de ensinar compete ao Estado, e só supletivamente à família e Igreja.

    Paradoxalmente, numa época e num regime em que se idolatra o valor da liberdade.

    Pela conjuntura internacional, pelos desafios lançados, pela teia de acções e intervenções

    geradas, as décadas de cinquenta, sessenta e setenta do século XX são um período indelével

    da história (recente) da educação nacional que justifica investigações aturadas,

    designadamente sobre o papel desempenhado pelo ensino privado em todo este processo de

    intenso apelo ao fomento cultural.

    Este período, marcado pela Constituição Política de 1933, pela Concordata de 1940, pelo

    Estatuto do Ensino Liceal de 1947 e pelo (5º) Estatuto do Ensino Particular de 1949, será na

    década de setenta fértil na produção de normativos e outros documentos fundamentais, assim

    como na criação de organismos afectos à Escola Católica e ao ensino privado em geral: a Lei

    n.º 5/73, de 25 de Julho (Reforma Educativa); a Constituição de 1976; a publicação do

    documento da Sagrada Congregação para a Educação Católica sobre a Escola Católica, em

    1977; a publicação do documento “Orientações Pastorais sobre a Escola Catñlica”, pela

    Conferência Episcopal Portuguesa, em 1978; a primeira tentativa de criação de uma

    Associação de Escolas Católicas, também em 1978; a publicação, em 1979, das “Bases Gerais

    do Ensino Particular e Cooperativo” (Lei n.º 9/79, de 19 de Março) e da “Lei de Liberdade do

    Ensino” (Lei n.º 65/79, de 4 de Outubro); em 1980, a criação do Departamento de Escola

    Católica (DEC), afecto ao Secretariado Nacional da Educação Cristã, e, finalmente, a

    publicação do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de

    Novembro) – um marco significativo para a afirmação e estabilização do ensino privado.

    Facilmente se entende que este mosaico de acontecimentos, normativos, publicações e

    atitudes estimula um estudo dos contornos e das razões mais profundas que conduziram e

    acompanharam o pulsar da educação nacional, especialmente na sua intersecção com a

    instituição da sociedade que nunca terá desistido da missão de educar – a Igreja Católica.

  • 28

    Envoltos neste contexto, propomo-nos centrar a investigação na história da educação

    levada a cabo pelas escolas privadas com ensino secundário liceal, em Portugal continental,

    no período (mais) associado à expansão escolar – décadas de cinquenta, sessenta e setenta do

    século XX –, procurando indagar especialmente o comportamento das escolas ligadas à Igreja

    Católica face aos novos desafios e circunstâncias, e fazer emergir assuntos pertinentes ou

    polemizantes, acompanhando o seu debate.

    Tendo em conta este objecto de estudo, contemplámos como ponto de partida do

    presente trabalho o seguinte questionamento:

    «A participação de Portugal no European Recovery Program – o “Plano Marshall” de

    ajuda norte-americana à Europa do pós-guerra – exige “um Plano de fomento cultural, sem o

    qual não tem significado nem eficiência um Plano de fomento econñmico” (PRM, 1964: xiii).

    A industrialização requer quadros qualificados, e o crescimento da escolarização, mormente

    ao nível do ensino secundário, torna-se uma realidade a partir da década de cinquenta. Perante

    esta nova conjuntura, como se posiciona a Escola Católica?»

    Na procura de possíveis respostas a esta pergunta, regemo-nos pelas seguintes linhas

    orientadoras:

    1. Há um reconhecimento generalizado quanto ao papel desenvolvido pelo ensino

    privado, sobretudo nas décadas de cinquenta e sessenta do séc. XX.

    2. O Estado, apesar das palavras de apreço para com o ensino privado e de ter consentido

    a construção de um quadro legislativo progressivamente mais favorável à efectivação

    da liberdade de ensino, tem subalternizado na prática este subsistema de ensino.

    3. A Igreja, através da Escola Católica e também das escolas de matriz cristã, é a grande

    promotora da democratização do ensino em Portugal.

    4. A Escola Católica goza de um prestígio na sociedade portuguesa por mérito próprio,

    facilitado pelo peso que a Igreja possui, mau grado as vicissitudes externas e as

    contingências internas.

    5. A Igreja vê na escola um importante campo de acção para transmitir a sua doutrina e

    os seus ensinamentos. Todavia, no Estado Novo (e também após a revolução de Abril

    de 1974), pareceu estar mais empenhada no ensino da religião nas escolas estatais do

    que com a problemática da Escola Católica, pois aqui esse ensino encontrava-se

    assegurado. Consequentemente, e mau grado as boas relações institucionais com o

    poder, a sua actuação na defesa e promoção da Escola Católica foi tardia e discreta,

  • 29

    não evitando que, por falta de meios ou por défice de eficácia, muitas das suas escolas

    encerrassem.

    6. A Escola Católica, porque habituada a funcionar isoladamente, teve dificuldades em

    responder aos efeitos colaterais do processo de expansão da rede estatal de ensino.

    Aos primeiros sinais de concorrência, e perante os novos contextos emergentes,

    algumas escolas da Igreja preferiram não correr riscos e negociar o seu encerramento.

    Outras, porém, mais ousadas, enfrentaram a situação de forma positiva, lutando pelos

    seus direitos, concertando esforços, envolvendo nesta dinâmica as restantes escolas

    privadas, descobrindo outros caminhos que passaram pela criação de novas estruturas

    associativas para reforço da sua identidade religiosa e cívica, assim como pela (forte)

    contribuição na construção de um quadro normativo assaz avançado para a época. E

    estas escolas católicas terão sido as grandes protagonistas das mudanças ad intra e ad

    extra de todo o ensino privado, gerando um novo tipo de relacionamento com o

    Estado e com a sociedade.

    A opção metodológica assumida neste trabalho situa-se no quadro da investigação em

    História da Educação que se apoia fundamentalmente numa análise qualitativa, apesar de se

    usarem técnicas quantitativas específicas na análise de certos conjuntos de dados, para

    servirem de apoio a ideias que desenvolvemos durante a pesquisa.

    Nesta abordagem histórica, que embora procure novas leituras não rejeita uma narrativa

    clássica, e em que há “uma postura descritiva e interpretativa, o estudo em profundidade, o

    detalhe cuidadoso das situações concretas, a observação dos processos organizacionais e dos

    comportamentos dos actores, as intenções e o sentido que estes atribuem à acção” (Costa,

    1997: 121), utilizámos documentos de índole diversa, a entrevista e a observação interna e

    participante.

    Como não abunda literatura que aborde intensamente este temário, procurámos convocar

    fontes que nos permitissem fazer explorações segundo uma óptica diferente da geralmente

    adoptada nestas abordagens, ou seja, da lógica estatal/ pública. Destarte, valorizámos um

    conjunto significativo de fontes primárias, desconhecidas (ou arredadas) da investigação

    histórica, cujo contributo nos pareceu assaz importante. Inserem-se neste lote os documentos

    consultados em arquivos da Igreja Católica, mormente no arquivo da Conferência Episcopal

    Portuguesa, onde visitámos três décadas de Actas das Assembleias Plenárias, e em três

    arquivos afectos ao Patriarcado de Lisboa, onde encontrámos informação pertinente em

    relatórios, boletins, correspondência trocada com colégios e governantes, manuscritos, etc.

  • 30

    No arquivo da Associação de Representantes dos Estabelecimentos de Ensino Particular e

    Cooperativo (AEEP), tivemos oportunidade de consultar todo o historial concatenado com a

    criação da respectiva associação, expresso designadamente nas actas dos diversos órgãos

    sociais.

    Também recolhemos informação relevante (e em alguns casos inédita) em documentos

    privados de personalidades distintas ligadas às escolas católicas ou ao ensino privado em

    geral. São o caso dos arquivos pessoais de Frederico Valsassina Heitor e de Fernando Pinto

    Ribeiro Brito, e, com maior acuidade, dos Padres Joaquim Rodrigues Ventura e Nuno de

    Santa Maria Fróes Burguete. Igualmente útil foi a disponibilização de documentos

    importantes da parte de José Veiga Simão, pertencentes ao seu arquivo pessoal.

    No arquivo histórico do Ministério da Educação encontrámos ficheiros com estatísticas

    de colégios nas décadas de cinquenta, assim como relatórios e correspondência diversa muito

    pertinente no período correspondente ao mandato de Veiga Simão. Na via on line da Direcção

    de Documentação e Informação do Parlamento, colhemos informação valiosa em oitenta e

    quatro Diários da Assembleia Nacional, doze Diários da Assembleia Constituinte e catorze

    Diários da Assembleia da República.

    A nível do quadro legislativo, consultámos sessenta diplomas, destacando-se as

    constituições políticas, os diversos estatutos do ensino particular, com ênfase para os de 1949

    e 1980, e a série de leis e decretos-lei que consolidou o edifício normativo concernente ao

    ensino privado nos últimos anos da década de setenta do século XX.

    Outras fontes primárias (e secundárias) a que recorremos, e já habituais neste género de

    investigação, encontram-se em livros e outros documentos existentes em Bibliotecas

    Universitárias e Municipais. De entre estes documentos, destacamos os jornais e revistas de

    âmbito nacional e regional, por nós densamente utilizados. Neste particular, elegemos os

    semanários diocesanos pelo manancial de informação que nos proporcionaram, assinalando

    factos, veiculando opiniões e orientando sequentes pesquisas cirúrgicas.

    Nesta pesquisa alargada aos órgãos de comunicação social da Igreja3, utilizámos o

    seguinte critério: consulta de oito semanários de referência de sete dioceses representativas da

    geografia do país, desde 1949 a 1981 (A defesa, diocese de Évora; A Ordem e Voz

    Portucalense, diocese do Porto; A Voz do Domingo, diocese de Leiria; Correio de Coimbra,

    diocese de Coimbra; Jornal da Beira, diocese de Viseu; Mensageiro de Bragança, diocese de

    Bragança; Reconquista, diocese de Portalegre e Castelo Branco); consulta do diário

    3 Foram consultados cerca de 13 000 jornais.

  • 31

    Novidades (diocese de Lisboa) dos meses de Julho e Outubro desde 1950 a 1974, e

    diariamente nos anos de 1973 e 1974, assim como em datas consideradas por nós com grande

    probabilidade de fornecer notícias acerca da matéria em estudo; consulta pontual de outros

    periódicos.

    Este painel de informações veiculado (sobretudo) pelos periódicos da Igreja mostrou-se

    uma mais-valia que será justo enfatizar: possibilitou-nos o relato de acontecimentos muitas

    vezes ignorados por outras fontes ou, se já revelados, narrados em perspectivas e contextos

    diferentes; apresentou-nos a dinâmica assimétrica do país real, o país das grandes cidades e

    dos concelhos e freguesias do interior esquecido, perdidos no meio das serras e penhascos;

    estimulou-nos a procurar mais informação de forma a esclarecer, completar e ampliar a

    notícia ou a opinião publicitada; contagiou-nos, muitas vezes, na emoção associada ao facto,

    sem, contudo, nos condicionar a análise; provou-nos como foram (são) importantes estes

    meios de comunicação social regionais, normalmente sustentados por um conjunto discreto de

    boas vontades.

    Também a Internet se mostrou uma via normal de recolha de informação, submetida,

    naturalmente, às indispensáveis purgas. No final, inclui-se a lista exaustiva da bibliografia,

    webliografia e das fontes utilizadas.

    À recolha e organização dos dados documentais associaram-se trinta entrevistas a alguns

    dos mais destacados protagonistas do percurso recente da Escola Católica e do ensino privado

    em geral, ou a personalidades que foram testemunhas entusiasmadas de factos relevantes

    deste período – conjunto este a que Jorge Adelino Costa (1997) chama de “informantes

    privilegiados” (p. 123) –, realizadas, em geral, segundo um modelo semi-estruturado e

    registadas sob a forma de gravação áudio. Esta “recolha de memñrias”, realizada entre 2006 e

    2010, traduziu-se em mais uma fonte preciosa de informação: por entre a emoção natural

    associada a situações deste género, haurimos acontecimentos e estórias intensamente vividas,

    muitos deles inéditos, esclarecemos cenários abstrusos, comprovámos factos determinantes e

    encontrámos pistas para fundamentarmos ideias e hipóteses centrais. Ademais, com a maioria

    dos entrevistados, criámos a oportunidade de relermos o momento passado com os olhos do

    presente, provocando, não poucas vezes, algum “conflito geracional”, que nos ajudou a

    entender ainda melhor algumas agendas escondidas na retórica e na praxis de então. Neste

    enquadramento, a realização de entrevistas não teve como objectivo uma análise de conteúdo,

    mas sobretudo a convocação para o debate de documentos com rosto, que responsabilizam os

    próprios pelas afirmações proferidas (normalmente como respostas directas a questões por nós

  • 32

    formuladas), e que foram criteriosamente adunados pelo pulsar da investigação, enriquecendo

    o registo e compreensão dos acontecimentos e das ideias.

    A análise estatística foi importante para nos fornecer dados numéricos relativos a

    estabelecimentos e alunos no período em análise. Convocámos informação oficial mas,

    sobretudo, produzimos um conjunto de dados originais sobre esta matéria que esclareceram

    factos e ajudaram a sustentar posições. Assim, cruzámos informação variada, muita dela

    recolhida empiricamente, que nos possibilitou estudar mais em profundidade e extensão o

    percurso evolutivo de quatrocentas e dez escolas privadas existentes em pelo menos um dos

    seguintes anos lectivos: 1955/56, 1963/64 e 1972/73. Com estes dados, e referente a este

    universo (e, em alguns casos, também ao conjunto das estatais), pudemos estabelecer

    comparações, avaliar níveis de estabilidade/ resistência face às adversidades externas,

    verificar graus de penetração no território nacional e até especular sobre possíveis motivações

    para a criação de tão elevado número de colégios. Para a caracterização das escolas privadas,

    além dos Anuários Católicos, socorremo-nos da informação criteriosa de cerca de duas

    centenas de bispos, sacerdotes, religiosos e leigos (muitos deles membros das Autarquias, das

    Bibliotecas Municipais, das Santas Casas da Misericórdia, simples ex-professores ou ex-

    alunos) sobre as escolas de matriz cristã e outros colégios das respectivas dioceses, concelhos

    ou freguesias.

    De todas estas fontes procurámos recolher os factos, as opiniões e os números que

    pudessem enriquecer o debate em torno do objecto de estudo, quer se mostrassem

    consonantes com a linha de pensamento defendida, quer entrassem em conflito com ela.

    Tamanha amplitude de recursos possibilitou-nos em muitas situações o completamento e o

    cruzamento da informação, resultando daí assim uma maior acreditação dos factos.

    Finalmente, como observador, ocupamos um lugar privilegiado: quase três décadas de

    vivência e intervenção no ambiente da Escola Católica, grande parte das quais como elemento

    do corpo directivo de um colégio diocesano; doze anos de presença assídua nas reuniões do

    Conselho Coordenador do Ensino Particular e Cooperativo; seis anos na Direcção da

    Associação Portuguesa de Escolas Católicas (e actualmente seu Secretário-geral) e

    acompanhante apaixonado do seu percurso desde a intenção da sua criação; mais de meio

    século de pertença, simpatia, cumplicidade e amor à Igreja Católica. Graças a esta experiência

    vivida e particularmente interiorizada, proporcionou-se um conjunto de circunstâncias

    favoráveis que personalizaram a investigação: o conhecimento pessoal de muitos dos actores

    principais, possibilitando-nos entender melhor os contornos dos discursos e das práticas; a

    recordação de factos e contextos que nos permitiram enfatizar aspectos porventura pouco

  • 33

    valorizados em trabalhos deste género e sobre a temática educativa; o entendimento de como

    se concatena a espiritualidade com a materialidade, facultando uma auscultação das coisas,

    dos acontecimentos e das decisões numa óptica não meramente objectiva e hermética, mas

    holística e integral.

    Se esta intimidade com o tema nos permite ver de forma mais sustentada e alargada a

    realidade (complexa) que o envolve, não deixa porém, de incluir evidentes riscos. Sabendo

    nós que muitas das decisões da investigação reflectem a subjectividade do investigador e que

    a metodologia não se pode dissociar deste facto “a não ser que adopte uma abordagem

    tecnicista, na qual os investigadores se mantenham fora do mundo social” (Ozga, 2000: 151),

    procuramos, contudo, “não nos atolar na visão opinativa sobre as questões, expurgando as

    contaminações de ideias pré-estabelecidas” (Bento, 2000: 139).

    Para evitar possíveis (e involuntários) contágios da emoção com a realidade objectiva –

    porque até “pode haver uma intrínseca fragilidade de substância oculta por trás de um quadro

    de precisões especiosas”, como adverte Carlo Cipolla (1993: 97)… – procurámos, sempre que

    possível, a utilização de mais do que um método de recolha de dados – a triangulação

    metodológica – de forma a concatenar factos e reforçar a validação interna.

    Este conjunto de informações, criteriosamente explorado, constituiu-se como um suporte

    ao desenvolvimento da tese, interagindo estreitamente com o pulsar da investigação,

    comprovando factos, estimulando (novas) vias de análise, fundamentando ideias por nós

    esboçadas ou mesmo defendidas.

    Assumida a problemática e os modos de a esculpir, construímos um plano de redacção

    alinhado em três níveis de intervenção.

    No primeiro nível analisamos os tipos de relação existentes entre a religião e a educação.

    Não podíamos deixar de fazer esta abordagem, pois assumimos claramente que o fenómeno

    religioso – mais concretamente a religião católica – perpassa a história deste trabalho.

    Apoiando-nos na convicção da cumplicidade entre religião e educação, vamos perscrutar a

    dimensão religiosa da vida humana, assim como a dimensão religiosa da educação, plasmada

    no acto de educar e que configura a educação integral. Por último, e decorrente desta íntima

    relação da educação com a religião, analisaremos a dimensão educativa da Igreja

    consubstanciada significativamente na Escola Católica – uma escola com uma identidade

    própria que lhe confere uma missão insubstituível – , mas também figurante em outras escolas

    privadas cujos modos de estar e de ensinar são inspirados pela matriz cristã.

    Num segundo nível vamos concentrar-nos no processo de fomento cultural conhecido por

    “expansão escolar/ democratização do ensino”. Depois de o definirmos e contextualizarmos

  • 34

    externa e internamente, vamos expor e analisar as perspectivas das instituições ligadas ao

    Estado e à Igreja Católica – assim como outros posicionamentos oriundos de organizações e

    movimentos da sociedade civil e de cidadãos de reconhecido mérito –, no tocante à inserção

    do ensino privado neste continuum expansionista da escolarização.

    No terceiro nível vamos centrar-nos na Escola Católica, situá-la na sociedade portuguesa

    e confrontá-la com a dinâmica da expansão escolar. Para tal, propomo-nos encontrar razões

    para o significativo acolhimento da sociedade portuguesa à Escola Católica, apesar de esta,

    muitas vezes, funcionar em circunstâncias adversas. Depois, iremos verificar quais as atitudes

    assumidas pelas escolas católicas quando confrontadas com a expansão escolar estatal (e

    potenciadas pela Revolução de Abril de 1974), sobretudo as que resultam de posições

    construídas de forma organizada e concertada e que determinarão os tempos vindouros.

    Por último – e depois de apresentarmos informação estatística alargada referente à

    implantação do ensino privado no território nacional, e das possíveis razões que terão

    estimulado a criação das escolas da Igreja –, procuraremos investigar se a Escola Católica,

    conjuntamente com as escolas privadas de matriz cristã, foram as promotoras (ou colaboraram

    na promoção) da expansão escolar, ou se, pelo contrário, se opuseram ao impulso inicial da

    massificação do ensino.

    Em jeito de conclusão, esperamos que esta obra, fruto de cinco anos de (intenso) trabalh