519
UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DE ARTES VISUAIS EM PORTUGAL Ana Isabel Tudela Lima Gonçalves de Sousa MESTRADO EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA 2007

UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS -ARTESrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/640/1/22344_ULFBA_TES259.pdf · Filosofia, de Filosofia e de Psicologia, professora de História

  • Upload
    lamhanh

  • View
    219

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES

A FORMAO DOS PROFESSORES DE ARTES VISUAIS EM PORTUGAL

Ana Isabel Tudela Lima Gonalves de Sousa

MESTRADO EM EDUCAO ARTSTICA

2007

UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES

A FORMAO DOS PROFESSORES DE ARTES VISUAIS EM PORTUGAL

Ana Isabel Tudela Lima Gonalves de Sousa

Dissertao orientada pelos Professores Doutores

Joo Pedro Fris e Margarida Calado

MESTRADO EM EDUCAO ARTSTICA

2007

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, sendo esta uma dissertao sobre a formao de professores, e

reconhecendo que ao longo da minha experincia, como aluna, tive o prazer de conhecer

alguns professores que me marcaram profundamente e se tornaram referncias da minha

identidade, quero agradecer a Natlia Serro, Rosa Vieira, Cidlia Brito e Emlia Prates,

respectivamente professora primria na Escola do Carmo, professora de Introduo

Filosofia, de Filosofia e de Psicologia, professora de Histria da Arte e professora de Teoria do

Design na Escola Secundria Toms Cabreira em Faro.

J como aluna na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa quero sublinhar que aprendi

muito, no s cientfica como relacionalmente, neste espao, ao qual me sinto

profundamente ligada, pelo que quero tambm agradecer: a Lusa Ribas (professora de

Introduo s Artes Plsticas e ao Design no 1 ano) que contribuiu para minha conscincia de

que o trabalho artstico algo que requer uma construo e uma sustentao inteligente; a

Antnio Pedro Ferreira Marques e a Joo Paulo Queirs (professores de Desenho e de

Comunicao Visual, respectivamente, no 1 ano), que me iniciaram na capacidade de

teorizao das Artes Visuais, desde as mais antigas s mais recentes, atravs da utilizao de

uma linguagem abstracto-verbal especfica; a Joo Pais, Susana Piteira e Virgnia Fris

(professores de Artes Plsticas no 2 ano), que me orientaram na definio de um caminho

criativo, e me iniciaram na consciencializao desse processo; a Artur Ramos, a Maria Joo

Gamito (professores de Desenho II e III no 2 e 3 anos, respectivamente), e a Lima de

Carvalho (professor de Modelos no 3 ano) com quem aprendi, pela primeira vez, de modo

intencional, a desenhar e a pintar, algo que, como repetia muitas vezes o ltimo, citando

Leonardo da Vinci, coisa mental; a Fernando Quintas (professor de Mosaico no 3 ano),

pela demonstrao do empenho que um professor pode ter em solucionar as situaes mais

adversas inerentes sua disciplina, de modo criativo; a Manuel Botelho (professor de Pintura I

e II nos 3 e 4 anos, respectivamente), pela dimenso artstica sociolgica e pela teorizao

conceptual da Arte, aplicada, com coerncia, na anlise dos trabalhos dos alunos; a Isabel

Sabino (professora de Pintura II, no 4 ano), pela empatia com que sempre me recebeu, e pela

sensibilidade que revelou ao reflectir comigo sobre os temas e a materializao plstica dos

meus trabalhos; a Hugo Ferro (professor de Tapearia I, II e III, nos 2, 4 e 5 anos) pela

i

motivao e pela utopia que tornaram possvel a minha persistncia na realizao dos

trabalhos que, muito provavelmente, mais me caracterizaram, pelas longas conversas, nas

quais foi possvel uma aprendizagem pessoa-a-pessoa, e pela amizade; a Fernando Antnio

Baptista Pereira e a Eduardo Duarte (professores de Histria da Arte e Histria da Arte

Portuguesa) pela vivacidade com que me aproximaram de uma compreenso da Arte ao longo

da histria da humanidade, e por terem fomentado o meu interesse pela investigao nessa

rea, razo das minhas primeiras incurses Torre do Tombo, onde passei boas horas de

descoberta; a Vtor dos Reis (professor de Forma Visual no 3 ano), pela abordagem a uma

outra dimenso compreensiva da Arte, atravs da Forma Visual, pelo rigor com que foram

leccionadas, e o fascnio que suscitaram as suas aulas, e por ter reconhecido, publicamente, o

valor de um trabalho que, partida, questionou; a Delfim Sardo (professor de Esttica II no 4

ano), pelo primeiro contacto com uma verdadeira e fundamentada crtica da arte

contempornea ao vivo e a cores; a Cristina Azevedo Tavares (professora de Estudos de Arte

no 5 ano), pelo enquadramento com que sempre envolveu a Arte Portuguesa, estabelecendo

pontes com a Filosofia e com a Literatura, pelo dinamismo, e pela possibilidade de realizar um

trabalho de anlise da obra de um pintor, a partir dos conhecimentos de Psicologia e

Sociologia da Arte; leccionadas por Fernando Casqueira (4 e 5 anos), a quem tambm

agradeo por ter dado continuidade ao gosto que j trazia do secundrio por estas reas, por

ter revolucionado a minha maneira de pensar, por me conduzir a outras leituras, por me dar a

conhecer as Teorias da Narratividade, que tanto aprecio, por ter sido motivo de debates, j

fora de aulas, com o meu pai, e por ter contribudo para uma reflexo terica que se repercutiu

nos meus trabalhos de prtica artstica; e a Toms Maia (professor de Composio, no 4 ano)

por ter partilhado com as alunos uma admirvel anlise dos objectos pictricos, num

cruzamento de leituras oriundas de diferentes esferas do conhecimento, e por nos ter levado

compreenso de que sem o outro no somos, a propsito dos Retratos de Faium.

E, neste trabalho, tambm no estive sozinha. Uma das coisas que aprendi, desde muito

cedo, e tambm nesta Faculdade, foi a partilhar, a dar e a receber, a trocar, e assim evoluir.

Muito importante foram, ento, para mim, principiante nas lides da Educao, e nas relaes

da Arte com a mesma, todas as pessoas que entrevistei, que me ajudaram a ser, a construir a

minha histria, atravs das suas, pessoas que tiveram e/ou tm o seu papel no mbito da

formao dos professores de Artes Visuais, umas mais sonhadoras, outras mais amarguradas,

umas ainda lutadoras, outras j resignadas, mas todas elas com grande amor Arte e

ii

Educao, num equilbrio que Lima de Carvalho classifica de to difcil, num equilbrio, por

vezes, desequilibrado, assimtrico, ora a tender mais para um lado, ora a tender mais para o

outro, numa espcie de corda bamba. Assim, reconhecidamente agradeo, por ordem

alfabtica e sem distino de instituies, a todas essas pessoas, que tornaram possvel uma

dimenso completamente diferente a este trabalho, mais prxima, mais humana, mais real:

Accio Carvalho, Ana Bela Mendes, Antnio Pedro Ferreira Marques, Clara Brito, Conceio

Cordeiro, Cristina Azevedo Tavares, Elisabete Oliveira, Fernando Antnio Baptista Pereira,

Fernando Casqueira, Francisco Rbio, Graa Carvalho, Hugo Ferro, Isabel Cottinelli Telmo,

Isabel Sabino, Joo Manuel Rocha de Sousa, Joaquim Lima de Carvalho, Jos Alberto

Saraiva, Jos Paiva, Jos Pedro Fernandes, Lus Calheiros, Lus Canotilho, Madalena Leito,

Margarida Calado, Margarida Rocha, Miguel Arruda, Prudncia Coimbra, Sidnio Garcia e

Virgnia Fris. A todos muito obrigada!

Como orientadores tive a sorte de ter o apoio de duas pessoas que foram e, continuam a

ser, muito importantes para mim. Duas pessoas que, nas suas diferenas, se complementam,

tendo contribudo, cada uma a seu modo, para o bom termo deste trabalho: Margarida Calado

e Joo Pedro Fris. A primeira, coordenadora deste mestrado, com formao em Histria,

envereda, desde muito cedo, pelo mundo da Arte (da Histria e das Teorias da Arte),

encontrando-se profundamente ligada a esta Faculdade, desde o incio da sua carreira como

professora universitria. O segundo, uma pessoa profundamente esclarecida, a nvel

internacional, dos mais recentes desenvolvimentos da Educao Artstica, com formao em

Psicologia, mas tambm ligado Arte, tanto ao ensino da arte (muito novo, aos dezoito anos,

fundou A Oficina da Criana, com a sua irm, em Santarm), como reflexo eminentemente

terica sobre este ensino, com aplicao na didctica das Artes Visuais, da qual resultou o

programa O Primeiro Olhar, que to relevante foi e continua a ser para os professores de

Educao Visual (e no s), que tambm professor no Mestrado em Educao Artstica.

A Margarida Calado muito obrigada pela viso extremamente incisiva e perspicaz, pelo

sentido prtico de anlise, e consequente crtica, construtiva, reveladora de uma inteligncia

lcida, aliados a uma grande humanidade, que muitos desconhecem por detrs da sua

aparente neutralidade (fruto, provavelmente, de uma certa timidez), com que seguiu de perto,

deste o primeiro momento, o meu trabalho. Obrigada por me ter ajudado durante longas e

frutuosas horas, ora a ouvir-me, ora a ler-me, ora a sugerir-me outras leituras, outros

contactos, ora a adivinhar-me, tal a empatia que se gerou nos nossos encontros calmos, em

que foi meu porto-seguro.

iii

A Joo Pedro Fris muito obrigada por nos ter mantido sempre a par das novidades, dos

textos mais quentinhos, acabados de sair da combusto das ideias dos mais conceituados

investigadores, por ser ele prprio um exemplo no mbito da investigao nacional e

internacional do ensino das Artes Visuais, por ter partilhado connosco as concluses a que

chegou na sua tese, tecendo perspectivas e apresentando modelos resultantes da confluncia

da Arte, da Esttica e da Psicologia, que, na sua pessoa, to bem se intersectam. Obrigada

por me ter questionado, por ter funcionado, algumas vezes, como advogado do diabo, por me

ajudar a sair de mim, a desinstalar-me. Obrigada pelos dilogos acesos, no

estabelecimento, muitas vezes, de um pensamento em mltiplas direces, numa afluncia de

ideias em que quase nos perdamos lembro-me que, a certo ponto, me dizia: Mas o seu

tema a formao dos professores de Artes Visuais! , para, por fim, nos encontrarmos, por

vezes, j fora do encontro.

Tambm quero agradecer a forma calorosa como sempre fui recebida e atendida na

Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, quer pelas funcionrias auxiliares de educao, quer

pelas funcionrias administrativas, tanto na Secretaria como na Biblioteca. Agradeo muito

especialmente a Elsa Pedrosa pela sua simpatia e apoio incondicionais, e a Licnia Santos, a

Conceio Salgado, a Sandra Saraiva e a Susana pela sua preciosa ajuda.

Obrigada s amigas Ana Carina Dias, Ins Marcelo Curto, Maria Joo Rocha Gallino,

Marta Castelo e Susana Ribeiro Alves pelos dilogos que mantivemos, que me conduziram a

uma conscincia mais precisa do meu pensamento e das concluses a que fui, gradualmente,

chegando, e tambm por me terem feito repensar algumas questes.

Por ltimo, mas no menos importantes, quero agradecer s pessoas que mais me so

prximas, que me ajudaram nesta fase assoberbada da minha vida, e que tero certamente

saudades de me ter ao seu lado, sem desassossegos: o meu pai, a minha me, o meu marido,

e a minha filha.

iv

RESUMO

A formao dos professores de Artes Visuais em Portugal, para alm de constituir uma

retrospectiva sobre esta formao, apresenta perspectivas para a sua construo no futuro.

Tendo como pano de fundo as entrevistas realizadas a alguns dos principais actores desta

formao no passado mais recente e no presente, esta dissertao divide-se em trs partes:

contexto, enfoque e utopia. A primeira volta-se para o passado do ensino das Artes Visuais e

da formao dos professores responsveis por este ensino em Portugal, para que, a partir da,

seja possvel compreender o presente; a segunda centra-se na anlise do que considermos

as duas principais modalidades de formao, procurando um entendimento mais profundo de

cada uma delas; e a ltima, de carcter reflexivo, desconstri concepes e sentidos para

chegar a uma proposta de formao futura.

Aps traarmos retrospectivas sobre o ensino das Artes Visuais e a formao dos

professores de Artes Visuais em Portugal, desde 1860 at actualidade, compreendemos a

interdependncia destas duas variveis. A partir do reconhecimento da formao de

professores como condio essencial no s ao desenvolvimento do ensino bsico e

secundrio das Artes Visuais, mas tambm revitalizao do ensino superior artstico e, numa

perspectiva mais alargada, evoluo da Arte e superao da iliteracia artstica, esta

dissertao sugere a adopo de um novo paradigma de formao de professores de Artes

Visuais em Portugal, no qual as dimenses artstica e educacional especfica tenham lugar, e

se interliguem, dando origem a um novo perfil de professor, como profissional reflexivo, no

apenas nos mbitos restritos das Artes Visuais ou do seu ensino, mas em ambos, uma vez

que acreditamos que a qualidade deste ensino deriva da sua inter-relao, e da capacidade do

professor transformar o conhecimento dos contedos de ensino em conhecimento de como

ensinar, gerando novos sentidos, produzindo novos conhecimentos e, por conseguinte, sendo

responsvel por novas prticas.

Palavras-chave: Formao de Professores de Artes Visuais, Formao de Professores,

Educao Artstica, Ensino das Artes Visuais, Ensino do Desenho, Ensino dos Trabalhos

Manuais, Artes Visuais, Desenho, Trabalhos Manuais, Educao Visual, Educao Visual e

Tecnolgica.

v

ABSTRACT

The Visual Arts Teacher Education in Portugal, as well as constituting a retrospective on

this education, presents perspectives for its future construction. Having as its backdrop the

interviews carried out with some of the leading acting parties in this education in the recent past

and present, this dissertation is divided in three parts: context, focus and utopia. The first is

directed at the past of Visual Arts teaching and the education/training of the teachers

responsible for this teaching in Portugal, so that, from there, it may be possible to understand

the present; the second is centered on the analysis of what has been considered to be the two

main approaches in education, in an attempt to reach a more in-depth understanding of each

of them; and the last, of a reflective character, deconstructs conceptions and meanings so as to

achieve a proposal for future education.

After outlining retrospectives on the teaching of Visual Arts and on the education of

Visual Arts teachers in Portugal, from 1860 to the present day, the interdependence of these

two variables has been clearly understood. Starting from the premise of finding the recognition

of teacher education an essential condition for not only the development of primary and

secondary education of the Visual Arts, but also for the revitalization of artistic higher

education, and in a broader perspective, for the evolution of Art and the overcoming of artistic

illiteracy, this dissertation proposes the adoption of a new paradigm for Visual Arts teacher

education in Portugal, in which both the artistic and specific educational dimensions have a

role, and become interconnected, giving origin to a new teacher profile, as a reflective

professional, not only within the restricted fields of the Visual Arts or its teaching, but in both,

seeing as it is believed that the quality of this teaching derives from their inter-relation, and from

the teachers ability to transform the knowledge of the teaching contents into the knowledge of

how to teach, generating new meanings, producing new knowledge and therefore, becoming

responsible for new practices.

Key-words: Visual Arts Teacher Education, Teacher Education, Art Education, Visual Arts

Education, Visual Arts Teaching, Draw Teaching, Arts and Crafts Teaching, Visual Arts,

Drawing, Arts and Crafts, Visual Education, Visual and Technological Education.

vi

NDICE

Introduo

Justificao e Relevncia Temtica

Objecto e Objectivos

Estrutura

Metodologia de Investigao

Cap. 1 O Ensino das Artes Visuais em Portugal

Introduo

As Origens ou a Utilidade do Desenho e a sua Criao como Disciplina Liceal

Da Utilidade Razo ou do Valor Pragmtico ao Educativo Intelectual

Da Razo Emoo ou do Valor Educativo Intelectual ao Educativo Expressivo

Da Emoo Percepo-Compreenso ou do valor Expressivo ao Comunicativo

Sntese e Perspectivas de Educao Emergentes

Cap. 2 A Formao de Professores de Artes Visuais em Portugal

Introduo

Da Prtica Tradicional-Artesanal Racionalidade Tecnolgica

O Curso de Habilitao para o Magistrio Secundrio de Matemticas,

Cincias Fsico-Qumicas, Histrico-Naturais e Desenho (1902-1915)

O Curso de Habilitao a Professores de Desenho dos Liceus

nas Escolas Normais Superiores (1915-1930)

A Racionalidade Tecnolgica e a Racionalidade Prtica

O Curso de Cincias Pedaggicas nas Faculdades de Letras de Lisboa e de Coimbra

seguido de um Estgio (1930-1974)

A Racionalidade Prtica e a Reconstruo Social

O Estgio Pedaggico nas Escolas do Ensino Bsico e Secundrio (1974-1980)

A Formao em Exerccio nas Escolas do Ensino Bsico e Secundrio (1980-1985)

O Retorno Racionalidade Tecnolgica e a Prtica Reflexiva

A Formao em Servio nas Escolas Superiores de Educao (1985-c.2008) e

nos Departamentos de Cincias de Educao das Universidades (1988-c.2008)

A formao Inicial nos cursos de formao de professores do ensino bsico modelo

variante das Escolas Superiores de Educao (1986-2007)

A formao Inicial Universitria: os cursos artsticos ramo ensino das Universidades de

vora e da Madeira (1998-actualidade)

Sntese e Perspectivas de Formao Emergentes

1

1

4

5

10

17

17

30

39

58

69

83

93

93

118

120

122

129

129

142

144

152

156

158

168

173

176

vii

Cap. 3 A Formao dos Professores de Artes Visuais nas Academias, Escolas, Escolas

Superiores e Faculdades de Belas-Artes

Introduo

A Formao Artstica dos Professores oriundos das Belas-Artes

Da Arte como Imitao Arte como Expresso ou do Artfice ao Artista Moderno: um

longo perodo de gestao (1836-1974)

Da Arte como Expresso Arte como Cognio e como Reflexo e Interveno sobre o

Mundo ou do Artista Moderno ao Artista que Percepciona e Reconstri realidades (1974-

actualidade)

A Formao Pedaggica nas Belas-Artes

Sntese e Perspectivas de Formao Emergentes

Cap. 4 Formao de Professores de Artes Visuais nas Escolas Superiores de Educao

Introduo

A Origem e as Especificidades da Formao

A Formao em Cincias da Educao

A Formao orientada para a Docncia do 1 Ciclo do Ensino Bsico

A Formao orientada para a Docncia de Educao Visual e Tecnolgica

Sntese e Perspectivas Emergentes

Cap. 5 Para uma Formao de Professores de Artes Visuais Geradora de Novas

Prticas Educativas

Introduo

O Perfil do Professor de Artes Visuais

O Professor como Comunicador e o Professor de Artes Visuais como Comunicador

Humanista

O Professor como Investigador e o Professor de Artes Visuais como Artista

O Professor como Profissional Reflexivo e o Professor de Artes Visuais como Professor-

Artista Reflexivo

A Formao do Professor de Artes Visuais

A Formao Artstica do Professor de Artes Visuais

A Formao Pedaggica do Professor de Artes Visuais

A Estrutura da Formao: Como, Onde e Porqu?

Sntese e Perspectivas para a Formao

191

191

203

205

221

242

275

289

289

294

306

313

314

351

367

367

373

375

388

404

411

413

419

424

432

viii

Reflexo Final: Um Princpio ou o Eterno Retorno? Para um Novo Rumo

Sobre o Ensino das Artes Visuais em Portugal

Sobre a Formao de Professores de Artes Visuais em Portugal

Sobre o Ensino das Artes Visuais e a Formao de Professores em Portugal

Sobre o Ensino das Artes Visuais e o Ensino Superior Artstico em Portugal

Sobre o Ensino das Artes Visuais e a Formao dos Professores de Artes Visuais

Sobre o Ensino Superior Artstico e a Formao de Professores de Artes Visuais

Sobre o Ensino Superior artstico e a componente artstica dos cursos das Escolas

Superiores de Educao

Tendncias actuais do Ensino das Artes Visuais e da Formao de Professores

Retrospectiva sobre a Formao dos Professores de Artes Visuais em Portugal

Perspectivas para a formao dos professores de Artes Visuais em Portugal

Aspectos a ponderar na futura formao dos professores de Artes Visuais

Balano final sobre o passado e para o futuro da Formao dos Professores de Artes

Visuais em Portugal: a necessidade de mudana no presente

As Limitaes da Investigao

As Pontas Soltas ou Perspectivas de Investigao Futuras

O ensino das Artes Visuais em Portugal sob a perspectiva dos alunos

Comparao entre o ensino superior artstico e a arte produzida em Portugal e no

estrangeiro no mesmo perodo

Reflexo sobre a aco realizada por professores de Artes Visuais partilhada em rede

Novos modelos, novas prticas? Reflexo sobre a formao de professores de Artes

Visuais na contemporaneidade: estudo comparativo

Bibliografia

Bibliografia Temtica

ndice Onomstico

443

444

444

444

445

446

447

449

450

452

454

454

458

460

462

463

464

465

465

468

480

495

ix

INTRODUO 1

INTRODUO

ES MUSS SEIN!1

Considero que todos ns temos de fazer aquilo que

tem de ser feito, sem aguardar que outros mais

competentes que ns venham a faz-lo (sabe-se l

quando...). Penso que urgente que cada um faa j aquilo

que pensa que deve ser feito. (Sena da Silva, s/data2)

No h ensino de qualidade, nem reforma educativa,

nem inovao pedaggica, sem uma adequada formao de

professores. (Antnio Nvoa, 19923)

JUSTIFICAO E RELEVNCIA TEMTICA

A motivao para encetar uma investigao no mbito da formao dos professores

de Artes Visuais partiu, simultaneamente, de um interesse pessoal por desenvolver este

tema, que advm do meu prprio percurso e reflecte uma necessidade interior, e da

conscincia da urgncia exterior desta reflexo, que pretende contribuir para um ensino das

Artes Visuais de qualidade, e assenta no entendimento de que uma formao dos

professores de Artes Visuais, tambm ela de qualidade, a base fundamental para o

desenvolvimento desse ensino.

Como aluna do ensino bsico (1986-1995) e secundrio (1995-1998) pude aperceber-

-me de que o ensino de que dispomos, neste mbito, em geral, no sistema educativo

portugus, encontrava-se demasiadas vezes aqum do desejvel, e que a minha

preparao aquando da entrada na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa teria sido outra,

1 Tem de ser!, tema do quarto andamento do ltimo quarteto opus 135 de Beethoven. Significa simultaneamente uma

demanda que se impe de fora para dentro, e uma necessidade pessoal inadivel, de acordo com Milan Kundera, A

insustentvel leveza do ser, p. 42. 2 Sena da Silva, cit. por Betmio de Almeida, A Educao Esttico Visual no Ensino Escolar, p. 7. Antnio Sena da Silva

(1926-2001), arquitecto de formao, foi tambm designer, artista plstico, fotgrafo, cronista e pedagogo. 3 Antnio Nvoa (coord.), Os professores e a sua formao, p. 9.

INTRODUO 2

caso tivesse usufrudo de um ensino das Artes Visuais de maior qualidade nos anos

anteriores.

Possivelmente por nunca ter existido um projecto de formao de professores de

Artes Visuais consolidado, deparei-me geralmente com trs situaes: para alguns

professores este ensino constitua um recurso e no uma vontade prpria, algo que se

reflectia na forma alheada como orientavam (ou no) as aulas; enquanto outros professores,

apesar desta no ter sido a sua primeira inteno, acabavam por gostar de ensinar e por

esforar-se no sentido de tornar as aulas um lugar de aprendizagem, apesar de, por vezes,

revelarem o desencanto por no terem seguido outra via; e uma pequena parte dos

professores, aqueles que naturalmente tinham gosto por ensinar, apesar de no terem

recebido formao para tal, procuravam aprender, ler, estudar e praticar, no fundo,

autoformar-se. No entanto, mesmo nestes casos, e apesar de ter conhecido, na minha vida

de estudante, nomeadamente no ensino secundrio, professores empenhados na sua

profisso, pessoas de grande valor para as quais a aprendizagem ao longo da vida era uma

realidade, imagino como teria sido se estas pessoas, j to especiais, tivessem tido uma

formao adequada.

Enquanto aluna da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (1998-2003)

apercebi-me de uma certa relutncia relativamente ao ensino, de situaes menos correctas

em termos de avaliao de disciplinas prticas, mas tambm tericas, e de algumas aulas

inadequadamente orientadas, no s em termos formais como de contedo, mas tambm

observei o modo como alguns professores, nas situaes mais difceis, nas quais o trabalho

seria quase impossvel, souberam dar a volta de forma criativa, e tornar as aulas no s

possveis como at muito interessantes.

J como professora (2001- 2005) confrontei-me com as dificuldades inerentes a quem

no teve formao especfica para tal. No entanto, como o gosto por ensinar foi algo que

quase desde sempre cultivei, e a facilidade de comunicao e empatia para com o outro so

caractersticas que me acompanham, estas foram sendo colmatadas, em parte, medida

que iam surgindo, atravs da articulao de conhecimentos em reas distintas mas

convergentes, nomeadamente os inerentes minha formao artstica e aqueles, no mbito

da Psicologia (no ensino secundrio e superior optei pelas disciplinas de Psicologia e

Psicologia da Arte, respectivamente), e da Sociologia (disciplina obrigatria no curso de

INTRODUO 3

Artes Plsticas Pintura), atravs de um saber pensar para o qual tambm contribuiu a

formao em Filosofia (nos 10 e 11 anos do ensino secundrio).

No entanto, porque, apesar de tudo, esta formao no me pareceu suficiente, decidi

realizar o Mestrado em Educao Artstica, na mesma Faculdade onde me havia formado

artisticamente, mas no pedagogicamente no ensino das Artes Visuais, o que constituiu,

simultaneamente, uma maneira de investigar sobre as questes que me haviam inquietado

e a realizao de uma formao que se reverteria na minha prtica como docente.

interessante reparar que na carta de intenes, requerida para este Mestrado, j

revelava uma preocupao por esta problemtica, que ento se prendia com questes

profissionais pessoais, e demonstrava uma conscincia da necessidade de uma formao

pedaggica especfica para leccionar no campo das Artes Visuais, ao mesmo tempo que

justificava a minha opo pelo curso de Artes Plsticas Pintura, e no por outro, de uma

Escola Superior de Educao, directamente vocacionado para o ensino, por aquando dessa

escolha antever que a possibilidade de desenvolvimento artstico ao frequentar um desses

cursos seria menor, o que conduziria a uma no realizao pessoal, o que, hoje, acredito,

teria consequncias na minha aco como professora.

Quando escolhi o curso de Artes Plsticas Pintura fi-lo porque considerei que tal seria

fundamental para a minha evoluo em termos artsticos e culturais. E, de facto, foi. Refiro isto

porque poderia ter seguido um curso de uma Escola Superior de Educao. Apesar de ter tido

sempre a inteno de vir a ser professora, considerei que em termos artsticos no seria a

mesma coisa, ficaria a sentir-me incompleta, e no teria a mesma bagagem. A nvel pessoal

ficaria aqum das minhas expectativas. No entanto, a Educao sempre foi uma rea que muito

me interessou e, apesar de, [na licenciatura], ter escolhido a disciplina de Psicologia (que se

relaciona), gostava de aprofundar os meus conhecimentos nesta rea. (...) Poderei aplicar o

que vier a aprender neste Mestrado na minha profisso.4

De facto, ao aprofundar o que no passava de um conhecimento emprico, derivado

da minha prpria experincia pessoal, constatei que esta era uma problemtica que tocava

o colectivo. A inexistente ou fraca formao pedaggica dos professores de Artes Visuais,

em geral, havia influenciado no s a minha formao, nesse mbito, enquanto aluna, mas

4 Ana Sousa, Carta de intenes para a Candidatura ao Mestrado em Educao Artstica, p. 1.

INTRODUO 4

a de muitos outros alunos que, na sua maioria, no vieram a colmatar essa lacuna

paralelamente e/ou posteriormente, e havia limitado no s a minha aco, enquanto

professora, mas a de muitos outros professores desta rea, nomeadamente a daqueles que,

como eu, formados pelas Belas-Artes ou por outras instituies de ensino superior artstico,

eram normalmente responsveis por leccionar Artes Visuais no 3 ciclo do ensino bsico e

no ensino secundrio. Por outro lado, a insuficiente formao artstica de muitos professores

habilitados profissionalmente pelas Escolas Superiores de Educao era algo que restringia

a sua aco e que se repercutia no ensino desta rea no 2 ciclo do ensino bsico, o que

conduzia procura de ateliers particulares, como o meu, e os de outros colegas, por

aqueles alunos que, mais sensibilizados, ao ressentirem-se desta situao, se mostravam

interessados em desenvolver esta vertente da sua formao, atravs de outras vias.

Foi, precisamente, ao tomar conscincia dessa realidade, que enveredei por esta

investigao, que no s valiosa em termos pessoais, mas tambm procura contribuir

para elucidar, no presente, os profissionais deste ensino, e para reconstruir, no futuro, a sua

formao, concorrendo para uma mudana qualitativa no ensino das Artes Visuais em

Portugal.

OBJECTO E OBJECTIVOS

A formao dos professores de Artes Visuais em Portugal consiste numa reflexo

sobre a formao artstica e pedaggica destes professores, desde 1860 actualidade, e

tem como principal objectivo contribuir para uma futura formao de professores de Artes

Visuais de qualidade, no nosso pas.

A delimitao temporal que estabelecemos deve-se ao facto de 1860 ter sido o ano

em que a disciplina de Desenho foi criada no ensino pblico portugus, e de considerarmos

necessria uma viso transversal da formao dos professores de Artes Visuais que

acompanhou este ensino, desde o seu incio, para que seja possvel uma compreenso

holstica desta problemtica em Portugal.

Relativamente delimitao espacial, isto , aos locais ou instituies onde a

formao dos professores de Artes Visuais se processou ao longo do tempo, apesar de

referenciarmos sumariamente as diversas modalidades que esta formao adoptou,

optmos por aprofundar a formao nas Academias, Escolas, Escolas Superiores e

INTRODUO 5

Faculdades de Belas-Artes, e a formao prestada pelas Escolas Superiores de Educao,

por considerarmos que estas instituies se destacam das demais, as primeiras por, desde

sempre, terem constitudo a origem dos professores de Artes Visuais de todos os nveis de

ensino, e ainda hoje formarem a maioria daqueles que vo exercer a funo de professores

desta rea no 3 ciclo do ensino bsico e no secundrio, pela sua dimenso histrica e,

inclusivamente, pela influncia que tiveram como formadoras dos docentes dos cursos de

professores do 2 ciclo, neste domnio, nas Escolas Superiores de Educao; e estas como

as instituies especialmente vocacionadas para a formao de professores, em geral, que

formaram, no passado recente, a maioria dos professores de Educao Visual e de

Trabalhos Manuais, inicialmente (1986-1993), e de Educao Visual e Tecnolgica,

posteriormente (1993-actualidade).

Ao consistir numa primeira abordagem, neste mbito, com carcter histrico, a nvel

nacional, entendemos que esta investigao deveria apresentar-se o mais abrangente

possvel, o que justifica a opo pelas delimitaes temporais e espaciais, supracitadas.

Acreditamos que, deste modo, a nossa investigao ser til a estudos posteriores, nos

quais haver toda a convenincia em aprofundar demais aspectos, agora secundarizados

ou apenas aflorados, que podero cingir-se a delimitaes temporais e espaciais mais

restritas.

ESTRUTURA

A formao dos professores de Artes Visuais em Portugal pretende constituir, por um

lado, uma retrospectiva sobre esta formao, nas mltiplas modalidades e dimenses que

incorporou no passado, e por outro, propor perspectivas para a construo desta formao

no futuro, tendo como pano de fundo as entrevistas realizadas a alguns dos principais

actores desta formao no passado mais recente e no presente.

Deste modo, divide-se em trs partes: uma primeira de carcter contextual, que se

volta para o passado para, a partir da, compreender o presente, uma segunda de cariz

analtico, que visa o entendimento especfico do que considermos as duas principais

modalidades de formao, e uma terceira e ltima mais especulativa, na qual se procede a

uma reflexo, com base na desconstruo de concepes e sentidos, para chegar a uma

proposta formativa futura.

INTRODUO 6

PARTE I CONTEXTO: DUAS RETROSPECTIVAS CONCORRENTES PARA UMA DEFINIO EVOLUTIVA DO

PERFIL DO PROFESSOR DE ARTES VISUAIS EM PORTUGAL

Como impossvel separar a histria da formao dos professores de Artes Visuais

em Portugal da histria geral deste ensino, e da histria mais vasta da formao de

professores, reservmos os dois primeiros captulos, que constituem a primeira parte desta

dissertao, ao desenvolvimento destas duas retrospectivas, que explormos no sentido de

evidenciar a relao entre o ensino das Artes Visuais e os profissionais responsveis por

esse ensino.

Assim, o primeiro captulo corresponde a uma incurso pelo que foi e o que O

ensino das Artes Visuais em Portugal. Para compreender a histria deste ensino, mais do

que delinear uma sequncia de mtodos e tcnicas a eles associadas, foi preciso enquadr-

-la nas histrias mais vastas da Educao e da Arte. Para alm de estabelecer a sua

evoluo de acordo com o panorama nacional, houve que criar ligaes com a sua evoluo

alm fronteiras e, consequentemente, perceber que influncias recebemos, e de que forma

as absorvemos ou adaptmos. Nesse sentido, foram essenciais a perspectiva histrica

sobre o ensino das Artes Visuais e as correntes de Educao Artstica estabelecidas por

Arthur Efland (n. 1929)5, que tommos como referncia para este captulo e para os

posteriores, quer no mbito da anlise do ensino superior artstico, no qual se formaram os

professores oriundos das Belas-Artes (terceiro captulo), quer no que respeita anlise da

componente artstica dos cursos de formao inicial de professores de Educao Visual e

Tecnolgica, prestados nas Escolas Superiores de Educao (quarto captulo).

de ressalvar que este primeiro captulo no pretende constituir uma genealogia do

ensino das Artes Visuais em Portugal, mas antes promover uma panormica do mesmo,

que s importante na medida em que possibilite traar o perfil dos profissionais deste

5 Arthur Efland Professor Titular do Departamento de Art Education da State University of Ohio, nos Estados Unidos da

Amrica. A sua investigao centra-se na Histria da Educao Artstica e no Ensino das Artes Visuais. Para alm de

contribuir para a sistematizao das correntes de Educao Artstica Conceptions of Teaching in Art Education (1979)

e Change in the Conceptions of Art Teaching (1995) , e para uma compreenso do ensino das Artes Visuais desde a

Antiguidade at 1990 A History of Art Education: Intellectual and Social Currents in the Teaching the Visual Arts (1990)

Arthur Efland ainda tem desenvolvido investigao acerca das perspectivas contemporneas do ensino das Artes Visuais

Efland, Freedman e Stuhr, Postmodern Art Education an Approach to Curriculum, 1996.

INTRODUO 7

ensino, ao longo da sua histria, e perceber at que ponto a sua formao se adequou e

adequa ao esprito que aquele ensino incorporou em cada poca.

No segundo captulo, a partir do contexto geral da formao de professores em

Portugal, realizada uma anlise longitudinal da formao de professores de Artes Visuais,

com o objectivo de proporcionar uma viso panormica da mesma6, nas vrias modalidades

de formao e paradigmas a estas associados, procurando-se tambm assim chegar a uma

compreenso do desenvolvimento do perfil dos professores de Artes Visuais, desta feita em

termos de formao pedaggica, e das polticas educativas que lhe presidiram.

Como referncia estruturante deste captulo, tommos os paradigmas de formao de

professores definidos por Kenneth Zeichner (n. 1948)7, a partir dos quais caracterizmos

diferentes perodos, no que respeita formao pedaggica dos professores de Artes

Visuais no nosso pas. Estes paradigmas, a par das correntes de Educao Artstica

estabelecidas por Efland, foram imprescindveis para o desenvolvimento de toda a

dissertao.

PARTE II ENFOQUE: DUAS FORMAES DOS PROFESSORES DE ARTES VISUAIS EM PORTUGAL

DISTINTAS MAS COMPLEMENTARES

De uma viso holstica sobre o ensino e sobre a formao dos professores de Artes

Visuais em Portugal, partimos, na segunda parte, para uma anlise mais aprofundada desta

formao, naquelas instituies que consideramos as mais representativas. Assim, A

formao dos professores de Artes Visuais nas Academias, Escolas, Escolas Superiores e

6 Neste captulo so apontados sumariamente os vrios gneros de formao, mesmo aqueles sobre os quais no nos

debrumos intensamente, mas que no poderiam deixar de ser mencionados, como parte integrante desta histria, que

sero certamente objecto de estudos posteriores, sendo de destacar os recentes cursos de Artes Visuais/Plsticas

variante ensino, das Universidades de vora e da Madeira, respectivamente. 7 Kenneth Zeichner Professor Titular do Departamento de Curriculum and Instruction, da University of Wisconsin-

Madison, nos Estados Unidos da Amrica. A sua investigao centra-se na Formao de Professores, no Processo de

Aprendizagem dos Professores, e na Investigao-Aco. Para alm de contribuir para uma sistematizao dos

paradigmas da formao de professores Alternative paradigms of teacher education (1983) , e para a implementao

de novas prticas de desenvolvimento profissional The practicum as an occasion for learning to teach (1986), The

teacher as a reflective practitioner (1992), Developing reflective professional practice (1992) e Novos caminhos para o

practicum: Uma perspectiva para os anos 90 (1992) Zeichner tambm se tem questionado acerca da relao entre a

formao, o ensino, e a mudana social, defendendo actualmente que a prtica reflexiva dos professores no um mero

exerccio de desenvolvimento profissional, mas constitui um processo fundamental de construo do conhecimento.

INTRODUO 8

Faculdades de Belas-Artes, e A formao de professores de Artes Visuais nas Escolas

Superiores de Educao, so os objectos do terceiro e quarto captulos, respectivamente.

A escolha das Belas-Artes como instituies objecto de estudo da formao dos

professores de Artes Visuais prende-se com o facto de que, se actualmente o conceito de

formao de professores imediatamente conotado com a formao pedaggica, nem

sempre foi assim. Nesta dissertao, tommos este conceito pela sua raiz, como as

habilitaes que a pessoa tem, sejam estas cientficas/artsticas, psico-pedaggicas ou

outras, o que se reflectiu no ttulo da mesma, bem como no ttulo do terceiro captulo, nos

quais optmos por introduzir uma pequena nuance: em vez de formao de professores

colocmos formao dos professores, que no significa j a formao especificamente

vocacionada para o ensino, mas antes a formao daqueles que ensinam.

Apesar das Academias, Escolas, Escolas Superiores e Faculdades de Belas-Artes

nunca terem contribudo, directamente, para uma formao psicopedaggica dos seus

estudantes, muitos deles futuros professores, a verdade que influenciaram e continuam a

influenciar o ensino bsico e secundrio das Artes Visuais, como mes8 do ensino

artstico, e como responsveis pela formao dos (e no de) professores de Artes Visuais

ao longo da histria, quase em exclusivo, at criao dos cursos de formao de

professores nas Escolas Superiores de Educao, o que confere legitimidade nossa

escolha, que visou no s entender de que modo as prticas educativas do ensino superior

se dilataram aos outros nveis de ensino, mas tambm procurar compreender algo que, para

ns, sempre se revestira de perplexidade: o porqu da ausncia da formao pedaggica

nestas instituies.

Por outro lado, a opo pelo estudo da formao de professores nas Escolas

Superiores de Educao, instituies bem mais recentes, deve-se no s sua proliferao

geogrfica, mas sobretudo ao facto de terem encetado, com os cursos de formao inicial

de professores, um novo ciclo na histria da formao de professores em Portugal, o que no

caso das Artes Visuais constituiu efectivamente uma novidade, uma vez que at ento no

existiam cursos especialmente vocacionados para a docncia desta rea.

Enquanto estas Escolas foram responsveis pela formao de professores de

Educao Visual e de Trabalhos Manuais, entre 1986 e 1993, e so, desde ento, as

8 Jos Alberto Saraiva, Entrevista a Jos Alberto Saraiva, in Anexos, p. 10.

INTRODUO 9

formadoras de professores de Educao Visual e Tecnolgica do 2 ciclo do ensino bsico,

as Escolas Superiores de Belas-Artes, posteriormente Faculdades de Belas-Artes,

continuaram a constituir a origem dos professores de Artes Visuais do 3 ciclo do ensino

bsico e do ensino secundrio, sendo que, actualmente, num momento de mudana na

formao de professores em Portugal, ambas as instituies so consideradas as principais

vias de formao neste domnio especfico, nomeadamente atravs dos Mestrados em

Ensino da Educao Visual e Tecnolgica e em Ensino das Artes Visuais, respectivamente.

PARTE III UTOPIA: PARA UMA FORMAO DOS PROFESSORES DE ARTES VISUAIS EM PORTUGAL

GERADORA DE NOVAS PRTICAS EDUCATIVAS

No quinto captulo Para uma Formao de Professores de Artes Visuais com

uma abordagem idntica dos dois anteriores, dado espao a uma outra dimenso: a

utpica. Esta dimenso, que Selma Pimenta e La Anastasiou (2002) definem como aquela

onde explorada a realidade que se deseja, segundo as autoras tem vindo a ocupar um

lugar central nas mais recentes investigaes, realizadas desde os anos 90, em prol de

uma perspectiva pblica9 a nvel internacional, e foi utilizada por ns, na procura de um

novo sentido para a formao dos professores de Artes Visuais.

Este captulo resulta da anlise de conceitos e perspectivas sobre a formao dos

professores de Artes Visuais, derivados da segunda e terceira partes de uma entrevista

aplicada a docentes de dois grupos: aquele respeitante formao dos professores

oriundos das Belas-Artes (composto por professores das Escolas e, posteriormente,

Faculdades de Belas-Artes, e por educadores responsveis pela sua formao

psicopedaggica complementar noutras instituies), e aquele respeitante formao de

professores nas Escolas Superiores de Educao (do qual fazem parte, exclusivamente,

docentes destes estabelecimentos de ensino).

No primeiro ponto deste captulo, so analisados os conceitos de professor, em geral,

e de professor de Artes Visuais, em particular (derivados da primeira e segunda perguntas

da segunda parte da entrevista) e relacionados com a prpria prtica docente dos

professores entrevistados (alvo de reflexo na terceira pergunta da segunda parte). No

9 Selma Pimenta e La Anastasiou, Docncia no Ensino Superior, vol. 1, pp. 49-51.

INTRODUO 10

segundo ponto, aps entrecruzadas, so equacionadas as diferentes perspectivas sobre a

formao dos professores de Artes Visuais em Portugal, do que resulta uma proposta de

construo desta formao no futuro.

METODOLOGIA DE INVESTIGAO

Esta dissertao foi construda simultaneamente a partir dos mtodos cientficos de

investigao tradicionais e de mtodos humansticos, no sentido daqueles que colocam o

ser humano no centro, nomeadamente a partir das entrevistas que realizmos a vinte e oito

docentes que, durante a sua vida, tiveram um papel relevante na formao artstica e/ou

psicopedaggica dos professores de Artes Visuais nas Escolas Superiores e Faculdades de

Belas-Artes ou nas Escolas Superiores de Educao, em nmero equitativo.

Assim, se nos foi muito til a anlise dos documentos oficiais, e a leitura das obras

principais dos autores de referncia nos mltiplos campos que concorrem para a

compreenso desta problemtica, uma vez que constituram a base de sustentao

cientfica da nossa dissertao, sobretudo na primeira parte, mas tambm nas segunda e,

consequentemente, na terceira, a verdade que esta investigao tambm ganhou uma

outra dimenso atravs das histrias de vida relatadas pelos nossos entrevistados, que

foram imprescindveis para contar as histrias colectivas da formao dos/de professores de

Artes Visuais nas Escolas, Escolas Superiores e Faculdades de Belas-Artes, e nas Escolas

Superiores de Educao, respectivamente, nos terceiro e quarto captulos da segunda

parte, sendo que constituram o alimento principal do quinto e ltimo captulo, e at

contriburam para uma melhor compreenso do ensino das Artes Visuais e da formao

psicopedaggica, nos primeiro e segundo captulos da primeira parte.

De facto, se inicialmente havamos planeado utiliz-las apenas no final do terceiro, e

nos quarto e quinto captulos, logo estas se nos revelaram to ricas e promissoras que

imediatamente entendemos que deveriam ser incorporadas em toda a dissertao.

O guio que aplicmos para a realizao das entrevistas dividiu-se em trs partes:

uma primeira, respeitante formao do prprio entrevistado e relevncia daquela na

aco educativa deste; uma segunda, na qual o entrevistado reflectia acerca das suas

prprias concepes de professor, em geral, e de professor de Artes Visuais, em particular,

e no modo como estas se reflectiam na sua prtica docente; e uma terceira, que requeria

INTRODUO 11

uma anlise crtica da formao prestada pela instituio onde exercia ou exercera funes,

assim como o perspectivar da formao dos professores de Artes Visuais no futuro,

segundo as dimenses realstica e utpica.

Quadro 1 Estrutura do Guio das Entrevistas

As histrias de vida ou narrativas tm suscitado interesse em Portugal, e ns

tommos conhecimento delas atravs das obras de Antnio Nvoa (n. 1954)10 e scar

Gonalves (n. 1958)11, o ltimo dos quais j nos havia inspirado em trabalhos anteriores12.

10 Antnio Nvoa actualmente Reitor da Universidade de Lisboa. Professor Catedrtico da Faculdade de Psicologia e

de Cincias da Educao da Universidade de Lisboa, j presidiu a Associao Internacional de Histria da Educao

(2000-2003). Especialista em Histria da Educao e Educao Comparada, , nesses domnios, autor de mais de uma

centena de obras, que constituem uma referncia a nvel internacional. No que concerne nossa investigao,

destacamos: Antnio Nvoa e M. Finger (Org.), O Mtodo (auto)biogrfico e a Formao, Lisboa, Ministrio da Sade -

Departamento de Recursos Humanos, 1988; Antnio Nvoa (Org.), Vidas de Professores, Porto, Porto Editora, 1992;

Antnio Nvoa (Org.), Profisso Professor, Porto, Porto Editora, 1991. 11 scar Gonalves licenciado em Psicologia pela Universidade do Porto e doutorado em Psicologia Clnica pela

Universidade de Massachusets. Actualmente Professor Catedrtico na Universidade do Minho, desde os anos 80 que se

dedica ao ensino, prtica e investigao em Psicoterapia. Tem leccionado em diversas Universidades Europeias e

Americanas, e publicado dezenas de artigos e livros no mbito desta temtica, entre os quais destacamos aqueles que

envolvem as Teorias da Narratividade: scar Gonalves, Viver Narrativamente, Coimbra: Quarteto Editora, 2000; Jos

Ferreira-Alves e scar Gonalves, Educao Narrativa do Professor, Coimbra: Quarteto Editora, 2001. 12 Ana Sousa, Ricardo Paula: Pintar contar uma histria, trabalho realizado no mbito da disciplina de Estudos de Arte,

da Licenciatura em Artes Plsticas Pintura, Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, 2003; Ana Sousa,

A Prpria

Formao

A formao aquando da entrada, como professor, na Instituio de Ensino Superior.

A formao adicional realizada durante a docncia na Instituio de Ensino Superior.

Reflexo crtica sobre a sua prpria formao e a relao desta com a docncia.

O Perfil do

Professor de

Artes Visuais

O perfil do professor, em geral (com base na prpria experincia como aluno e professor).

O perfil do professor de Artes Visuais (com base na prpria experincia como aluno e/ou professor).

Reflexo crtica sobre a relao entre a teoria conceptual e prtica docente exercida.

A Formao do

Professor de

Artes Visuais

O problema concreto da formao dos professores de Artes Visuais na Instituio de Ensino Superior.

As propostas de soluo apresentadas e/ou postas em prtica no passado/presente.

Reflexo crtica sobre a formao prevista e idealizada no futuro. Onde, como e porqu.

INTRODUO 12

Se separar a parte do todo, dissec-la e analis-la isoladamente constituiu, em

tempos, o nico mtodo, que se aplicava, indiscriminadamente, a todas as situaes, hoje

reconhece-se que, apesar deste ser apropriado para alcanar determinados objectivos,

outros mtodos tambm so vlidos na produo de conhecimento. No que nos concerne, e

dada a intertextualidade inerente ao nosso tema de investigao, um tema especfico mas

fruto da interseco de diferentes reas, todas elas concorrentes para a sua compreenso,

julgmos que se adequava melhor uma anlise qualitativa, que nos possibilitasse uma viso

mais abrangente.

Como refere Antnio Nvoa, em 1992, a utilizao contempornea das abordagens

(auto)biogrficas fruto da insatisfao das cincias sociais em relao ao tipo de saber

produzido e da necessidade de uma renovao dos modos de conhecimento cientfico.13

Se at meados dos anos 80, determinada literatura cientfica estabelecia que o percurso

evolutivo da investigao pedaggica se dividia em trs fases principais: uma primeira que

se centrava nas caractersticas inerentes ao bom professor; uma segunda que procurava

definir o melhor mtodo de ensino; e uma terceira que valorizava a anlise do ensino no

contexto restrito da sala de aula, com base no paradigma processo-produto; e acreditava

nessa sequncia como um progresso, a partir dessa altura, e nomeadamente da publicao

da obra O professor uma pessoa (1984) de Ada Abraham ( qual se seguiram muitas

outras dentro da mesma temtica, mas de qualidade desigual), os professores voltaram,

progressivamente, a ocupar um lugar de destaque, como objecto de reflexo, nos debates

educativos e nos projectos de investigao.14 Neste contexto, as histrias de vida,

anteriormente menosprezadas por demasiado subjectivas, tm vindo, cada vez mais, a ser

adoptadas, no s na investigao cientfica, mas inclusivamente na formao de

professores, uma vez que se reconhece que estas concorrem, a par de outras

metodologias, para a construo de um novo conhecimento, que advm do cruzamento de

diferentes domnios, e potencialmente gerador de novas prticas.

Ana Santos e Silva, Ins Xavier e Teresa Esteves, Educao Narrativa do Professor: A Prtica Teraputica da

Narratividade aplicada Educao, trabalho realizado no mbito da disciplina de Metodologias do Trabalho Cientfico, do

Mestrado em Educao Artstica, Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, 2005. 13 Antnio Nvoa, Os professores e as histrias da sua vida, in Antnio Nvoa (Org.), Vidas de Professores, p. 18. 14 Idem, pp. 14 e 15.

INTRODUO 13

A qualidade heurstica destas abordagens, bem como as perspectivas de mudana de

que so portadoras, residem em grande medida na possibilidade de conjugar diversos olhares

disciplinares, de construir uma compreenso multifacetada e de produzir um conhecimento que

se situa na encruzilhada de vrios saberes.15

No campo da Histria, e da Histria da Educao em particular, a insatisfao, acima

mencionada, tambm se fez notar. A perspectiva redutora de que esta apenas se constri a

partir de documentao neutra, e de um distanciamento, tambm ele garante de

neutralidade, assim como de que a investigao deve centrar-se em perodos estanques no

tempo, preferencialmente de curta durao, para uma compreenso mais rigorosa dos

factos, caracterstica de um perodo dominado pelo cientificismo modernista, que

contaminou todas as reas, foi progressivamente dando lugar ao entendimento de que as

histrias individuais so parte integrante da histria colectiva, e, como tal, concorrem para a

sua edificao. Como salienta Ivor Goodson (1992):

Os estudos referentes s vidas dos professores podem ajudar-nos a ver o indivduo em

relao com a histria do seu tempo, permitindo-nos encarar a interseco da histria de vida

com a histria da sociedade, esclarecendo, assim, as escolhas, contingncias e opes que se

deparam ao indivduo. Histrias de vida das escolas, das disciplinas e da profisso docente

proporcionariam um contexto fundamental. A incidncia inicial sobre as vidas dos professores

reconceptulizaria, por assim dizer, os nossos estudos sobre escolaridade e currculo.16

As Teorias da Narratividade, que se enquadram neste movimento social, definido

por Nvoa (1992) como fruto de uma mutao cultural que, pouco a pouco, [fez]

reaparecer os sujeitos face s estruturas e aos sistemas, a qualidade face quantidade, a

vivncia face ao institudo17, tambm colocam a tnica no sujeito, no como objecto, mas

como projecto, isto , como perptuo construtor da sua prpria realidade, e por conseguinte,

a nvel colectivo, da realidade social, e tm sido exploradas, em Portugal, por scar

Gonalves, que, inicialmente, as aplicou na sua prpria prtica como psicoterapeuta, e que,

15 Antnio Nvoa, Os professores e as histrias da sua vida, in Antnio Nvoa (Org.), Vidas de Professores, p. 20. 16 Ivor Goodson, Dar voz ao Professor: As Histrias de Vida dos Professores e o seu desenvolvimento profissional, in

Antnio Nvoa (org.), Vidas de Professores, p. 75. 17 Antnio Nvoa, Os professores e as histrias da sua vida, in Antnio Nvoa (Org.), Vidas de Professores, p. 18.

INTRODUO 14

posteriormente, em conjunto com Jos Ferreira-Alves18, as adaptou formao de

professores. Na obra Educao Narrativa do Professor (2001), resultante de um programa

de desenvolvimento narrativo dirigido a professores, estes dois autores abordam as prticas

narrativas como processos educativos que tocam e influenciam profundamente a

experincia humana, e que contribuem no s para construir uma histria possvel do

passado, mas tambm para traar um futuro, atravs da criao de novas histrias para a

Educao.19

A forma como encarmos e conduzimos esta investigao prende-se tambm com a

nossa concepo de ensino, idntica das educadoras brasileiras Selma Pimenta e La

Anastasiou, como um fenmeno complexo, enquanto prtica realizada por seres humanos

com seres humanos, e em movimento, no qual a mudana se opera pela aco e relao

entre sujeitos, professores e alunos historicamente situados, que so, por sua vez,

modificados nesse processo20, e com as nossas concepes ps-modernas de realidade

e, por conseguinte, de conhecimento, como multifacetados, e em perptuo movimento, logo

plurais, que fomos beber a scar Gonalves.

Foi precisamente esta pluralidade, na procura de construo de um (e no o)

passado, na tomada de conscincia de um (e no o) presente, e no perspectivar de um (e

no o) futuro, que presidiu nossa investigao, e que elegeu a entrevista como mtodo, e

as narrativas como fonte desta pera tecida a vinte e oito vozes.

Neste sentido, a investigao que vos apresentamos, como narrativa, constituiu

tambm ela uma forma de construo de possibilidades mltiplas21, sendo

simultaneamente uma (e no a) retrospectiva e uma (e no a) perspectiva sobre a formao

dos professores de Artes Visuais, a nossa, construda a partir do outro (outros), na

confrontao de experincias e conhecimentos de que nasce a aprendizagem.

18 Jos Ferreira-Alves doutorado em Psicologia pela Universidade do Minho, sendo docente no Departamento de

Psicologia do Instituto de Educao e Psicologia desta Universidade. Dedicado formao de professores desde 1987,

tem investigado no mbito desta temtica, nomeadamente no que concerne ao desenvolvimento pessoal dos

professores. Neste sentido, procura compreender os processos de desenvolvimento humano, especialmente os do

adulto, de forma a aplic-los aos processos de formao de professores. 19 Jos Ferreira-Alves e scar Gonalves, Educao Narrativa do Professor, p. 112. 20 Selma Pimenta e La Anastasiou, Docncia no Ensino Superior, vol. 1, p. 48. 21 scar Gonalves, Viver Narrativamente, p. 44.

! "# $!%# &!'"(%#)*) +,# -!).,/*0 .#'1* *&!2$*'1*%!3 4'!%!25'(! %! #'"('! %*" 6).#" 7(",*("8 !,.)!" $*5"#"3 *$#"*) %# .#)#2*$*)#&(%! *0/,2*" '!.9:#(" &!'.)(;,( -!) "#, .,)'!3 * E!)2*< ! %# $)!E#""!)#" $*)* ! #'"('! %*"*).#" :(",*(" E!(3 *! 0!'/! %!" *'!"3 .(2(%*2#'.# *"",2(%*>F GH! !-#%)! I)J("3 KLLM3 $> NOPQ

O ENSINO DAS ARTES VISUAIS EM PORTUGAL 17

CAPTULO 1

O ENSINO DAS ARTES VISUAIS EM PORTUGAL

A histria do ensino do Desenho, como tudo o que

vivo, no uma sucesso de momentos distintos, mas antes

um processo de solues em cadeia em que cada elo liga a

um que prende o passado, e a outro que anuncia o futuro.

(Betmio de Almeida, 19601)

Os actuais modos de ensino das artes visuais foram

condicionados pelas crenas e pelos valores, relacionados

com a arte, daqueles que promoveram o seu ensino no

passado. (...) S depois de estudarmos o ensino da arte nos

tempos mais recuados poderemos compreender o seu papel

na educao nos nossos dias. (Arthur Efland, 19902)

INTRODUO

OBJECTO E OBJECTIVO

O objecto deste captulo o ensino das Artes Visuais em Portugal, desde 1860, ano

da criao da disciplina de Desenho no ensino pblico portugus, at actualidade, e o seu

principal objectivo , a partir das concepes de Arte e de Educao subjacentes a este

ensino, traar os perfis do professor de Artes Visuais ao longo do mesmo perodo, por forma

a estabelecer um paralelo entre estes perfis e as formaes que lhes corresponderam,

objecto do captulo seguinte A formao de professores de Artes Visuais em Portugal.

As disciplinas sobre as quais nos debruamos, de seguida, so aquelas que, no

mbito das Artes Visuais, foram integradas, de forma autnoma, na escolaridade pblica

portuguesa: o Desenho (1860-1975), os Trabalhos Manuais (1918-1993), a Educao Visual

(1975-1993), a Educao Visual e Tecnolgica e a Educao Visual (1993-actualidade).

1 Betmio de Almeida, O Desenho no Ensino Liceal, in Palestra: Revista de Pedagogia e Cultura, n. 10, p. 36. 2 Arthur Efland, A History of Art Education: Intellectual and Social Currents in the Teaching the Visual Arts, Cap. 1: Arts

Education: Its Social Context, p. 1 (traduo livre da autora).

O ENSINO DAS ARTES VISUAIS EM PORTUGAL 18

PRINCIPAIS FONTES DE REFERNCIA

SOBRE O ENSINO BSICO DAS ARTES VISUAIS EM PORTUGAL

Nas dcadas de 60 e 70, Alfredo Betmio de Almeida (1920-1985) e Manuel Maria

Calvet de Magalhes (1913-1974), professores metodlogos no Liceu Pedro Nunes e na

Escola Tcnica Elementar Francisco de Arruda, respectivamente, desenvolveram reflexo

terica sobre o ensino das Artes Visuais. Neste mbito, publicaram alguns artigos que visam

traar retrospectivas histricas sobre este ensino, nomeadamente O Desenho no Ensino

Liceal (Betmio de Almeida, 1960)3, O Ensino do Desenho (Calvet de Magalhes, 1960)4

ambos produzidos aquando da comemorao do centenrio do ensino do Desenho e O

Ensino dos Trabalhos Manuais Educativos (Calvet de Magalhes, 1962)5, que, como

primeiras abordagens a esta temtica, proporcionaram-nos uma viso geral da mesma, no

nosso pas, at essa altura.

As dissertaes de mestrado de Margarida Rocha (n. 1950)6, na poca, Margarida

Grade A Educao Visual no Ensino Bsico (2 ciclo): Os Professores em Incio de

Carreira e a Orientao dada ao Programa (1993)7, e de Lgia Penim (n. 1959)8 Da

disciplina do Trao Irreverncia do Borro (2001)9 foram-nos muito teis na compreenso

de determinados perodos que se complementam, uma vez que a segunda incide sobre o

ensino do Desenho e dos Trabalhos Manuais entre 1836 e 1972, marcado pelas reformas

educativas de 1936 e de 1947-48, e a primeira que, para equacionar a relao entre a

3 Betmio de Almeida, O Desenho no Ensino Liceal, in Palestra: Revista de Pedagogia e Cultura, n. 10, pp. 35-66. 4 Calvet de Magalhes, O Ensino de Desenho, in Revista Portuguesa de Pedagogia, vol. 1, n. 2, pp. 383-400. 5 Calvet de Magalhes, O ensino dos Trabalhos Manuais Educativos, in Revista Portuguesa de Pedagogia, vol. 3, n. 1,

pp. 87-101. 6 Margarida Rocha, licenciada em Artes Plsticas Pintura pela Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa (1976),

dedicada formao de professores de Artes Visuais a partir de 1984, docente, neste mbito, na Escola Superior de

Educao de Setbal, desde 1993. 7 Margarida [Rocha], A Educao Visual no Ensino Bsico (2 ciclo): Os Professores em Incio de Carreira e a Orientao

dada ao Programa. Dissertao de Mestrado em Cincias da Educao, orientada por Isabel Cottinelli Telmo, e

apresentada Faculdade de Cincias e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, em 1993. 8 Lgia Penim, licenciada em Histria pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1982), exerceu docncia em

vrias escolas do ensino bsico e secundrio, sendo, desde h alguns anos, professora na Escola Secundria Lima de

Freitas, em Setbal. 9 Lgia Penim, Da Disciplina do Trao Irreverncia do Borro. Dissertao de Mestrado na rea de Histria da

Educao, orientada pelo Professor Antnio Nvoa, e apresentada Faculdade de Psicologia e Cincias da Educao da

Universidade de Lisboa, em 2001.

O ENSINO DAS ARTES VISUAIS EM PORTUGAL 19

formao dos professores e a orientao dada ao programa de Educao Visual no 2 ciclo,

realiza uma breve retrospectiva da disciplina, recuando a 1948 at alcanar 1992, ano da

ltima reforma.

Numa linha de pensamento que segue as teorias volta do conceito de auto-governo,

Lgia Penim em Da disciplina do Trao Irreverncia do Borro desconstri a realidade do

ensino do Desenho e dos Trabalhos Manuais, no perodo que medeia a reforma de 1918, de

cariz racionalista, e a reforma de 1948, de orientao expressionista, atravs de uma

anlise incisiva dos exames de estado e dos relatrios anuais, exigidos aos professores,

nessa poca em que tudo era minuciosamente controlado, e explora bem o significado de

uma liberdade inerente segunda reforma, de acordo com a autora, aparente. De facto,

parece que s em teoria a mencionada irreverncia acontecia, tanto que, pelas concluses

a que chega, quase nos atreveramos a dar um outro nome sua obra: Da disciplina do

trao ilusria liberdade do borro, uma vez que, quando a lemos, temos dificuldade em

perscrutar onde se encontra a bem fadada irreverncia.

Mais recentemente, a tese de doutoramento de Elisabete Oliveira (n. 1942)10 O

Desenvolvimento Esttico dos Adolescentes em Educao Visual e a Concepo

Pedaggica dos Professores (2004)11, foi, para ns, uma ajuda fundamental, uma vez que,

para alm de todo um enquadramento histrico e conceptual terico da Educao Esttica

Visual, como prefere denomin-la, a educadora e formadora, oferece-nos um esplio

documental de imagens que representam as prticas de Educao Visual em Portugal

desde os anos 40 at 2001, permitindo-nos uma aproximao a este ensino que, de outro

modo, seria sempre limitada.

10 Elisabete da Silva Oliveira, licenciada em Pintura pela Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa (1965), iniciou a sua

actividade como professora do antigo 5 Grupo no mesmo ano. Leccionou no ensino preparatrio, em 1965-66 (Lisboa), e

no ensino liceal, entre 1965-66 e 1984-85 (Lisboa, Faro, Santarm, Queluz, Coimbra), com excepo do ano lectivo de

1975-76, no qual leccionou nos Magistrios Pr-Primrio e Primrio (Coimbra). Formadora de Professores para as

reformas curriculares de 1970, 1970-1974 e 1991, ingressou como docente na Faculdade de Psicologia e Cincias da

Educao da Universidade de Lisboa em 1985, tendo sido responsvel, entre 1985 e 2006, pela formao em servio dos

professores de Artes Visuais naquela Universidade. Entre 1988 e 1993 integrou tambm algumas aces de formao

contnua na Associao Portuguesa de Expresso e Cultura Visual (APECV). Foi tambm planeadora curricular nacional

nos mbitos do 5 Grupo (1970, 1974-1978) e do Magistrio Primrio (1976), e da formao em servio da Faculdade de

Psicologia e Cincias da Educao da Universidade de Lisboa (Metodologias, Didctica da Educao Visual e Tecnologia

Educativa), assim como consultora para a Reforma dos Programas do 5 Grupo (1990-1991). 11 Elisabete Oliveira, O Desenvolvimento Esttico dos Adolescentes em Educao Visual e a Concepo Pedaggica dos

Professores. Tese de Doutoramento na rea de Desenvolvimento Curricular e Avaliao em Educao, orientada pela

Professora Doutora Sara Baa, apresentada Universidade de Lisboa pela Faculdade de Psicologia e Cincias da

Educao, em 2004.

O ENSINO DAS ARTES VISUAIS EM PORTUGAL 20

Por fim, a tese de doutoramento de Joo Pedro Fris (n. 1957)12 As Artes Visuais na

Educao: Perspectiva Histrica (2005)13, com um captulo dedicado Reflexo sobre a

Educao Esttica e Artstica em Portugal, tambm ampliou a nossa compreenso no

mbito desta temtica, quer no passado, nomeadamente atravs da anlise do eixo da

racionalidade formal escolar, protagonizado por Calvet de Magalhes e por Betmio de

Almeida, quer na contemporaneidade, para o que contriburam os desenvolvimentos sobre o

Programa Integrado de Artes Visuais: Primeiro Olhar, e sobre o Currculo Nacional do

Ensino Bsico: Competncias Essenciais, duas propostas de orientao cognitiva para a

Educao Visual, nas quais participou o autor desta tese.

Para alm disso, as entrevistas que realizmos no mbito desta investigao, em

especial aquelas dirigidas aos docentes das Escolas Superiores de Educao que foram

responsveis por orientar a Prtica Pedaggica, e contactaram com o ensino das Artes

Visuais na actualidade, tambm nos deram uma perspectiva sobre esta realidade.

SOBRE O ENSINO ARTSTICO EM PORTUGAL

Uma vez que o ensino bsico das Artes Visuais sofre influncia do ensino superior

artstico, para o desenvolvimento deste captulo foi-nos til toda a investigao que

realizmos em especial para o terceiro A formao dos professores de Artes Visuais nas

12 Joo Pedro de Oliveira Ferreira Fris, de formao inicial em Psicologia, desde cedo mostrou interesse pela Educao

Artstica. Na segunda metade dos anos 70, participou activamente num projecto de educao no formal no mbito da

expresso artstica infantil A Oficina da Criana , em conjunto com a sua irm, a Professora Escultora Virgnia Fris.

No final dos anos 90, foi coordenador do Programa Gulbenkian Investigao em Desenvolvimento Esttico, derivado da

experincia do Getty Center for Education in Arts (EUA), no mbito do qual teve lugar o projecto Primeiro Olhar, que visou

a investigao da produo e apreciao esttica de crianas, deste a infncia at pr-adolescncia, atravs de oito

percursos em torno das obras dos museus da Fundao Calouste Gulbenkian. A partir deste projecto constitui-se uma

rede de apoio a professores que o difundiram, e, finalmente, foram organizadas conferncias com investigadores

estrangeiros na Fundao Calouste Gulbenkian. Do Projecto Primeiro Olhar, no qual tambm colaboraram Elisa Marques

e Rui Mrio Gonalves, surgiu a obra Primeiro Olhar Programa Integrado de Artes Visuais (2003), hoje amplamente

divulgada. Da sua autoria tambm Educao Esttica e Artstica: Abordagens Transdisciplinares (1999). Editor da

Revista Empirical Studies of the Arts (Maro, 2006), a Psicologia da Arte, a Esttica Experimental, a Educao Artstica, a

Histria e Filosofia da Educao Artstica e a Museologia constituem as suas principais reas de interesse cientfico.

docente do Mestrado em Educao Artstica da Faculdade de Belas-Artes de Lisboa desde o seu incio, em 2004. 13 Joo Pedro Fris, As Artes Visuais na Educao: Perspectiva Histrica. Tese de Doutoramento na rea de Cincias da

Educao, especialidade de Histria da Educao, orientada pelos Professores Doutores Antnio Sampaio da Nvoa e

Joaquim Coelho Rosa, e apresentada Universidade de Lisboa pela Faculdade de Psicologia e Cincias da Educao,

em 2005.

O ENSINO DAS ARTES VISUAIS EM PORTUGAL 21

Academias, Escolas, Escolas Superiores e Faculdades de Belas-Artes14, da qual

destacamos os textos sobre o ensino do Desenho, escritos por artistas-professores como

Joaquim Machado de Castro (1731-1822) Discurso sbre as utilidades do Desenho

(1787)15, e Joaquim de Vasconcelos (1849-1936) A reforma do ensino de Bellas Artes III:

Reforma do ensino de desenho (1878)16, assim como o artigo publicado pela historiadora e

docente da Escola Superior e, posteriormente, Faculdade de Belas-Artes de Lisboa,

Margarida Calado (n. 1947) O Ensino do Desenho 1836-1987 (1988)17.

As investigaes acadmicas desenvolvidas, nos ltimos anos, por Saulo Arajo

Artfice ou Artista? Uma problemtica que acompanha o ensino superior artstico em

Portugal no sculo XIX (2002)18, Mrio Janeiro O ensino do Desenho nas Academias de

Belas-Artes de Lisboa e Porto de 1836 a 1910 (2004)19, e Maria Helena Lisboa (n. 1951)

As Academias e Escolas de Belas-Artes e o Ensino Artstico: 1836-1910 (2006)20,

complementadas pelas memrias e reflexes sobre o ensino nas Belas-Artes, patentes nas

entrevistas que realizmos a antigos alunos daquelas instituies, que so ou foram

docentes responsveis pela formao dos professores de Artes Visuais oriundos das Belas-

Artes (Grupo BA), ou dos professores licenciados nas Escolas Superiores de Educao

(Grupo ESE), tambm contriburam para uma melhor compreenso do ensino superior

artstico, que possibilitou, neste captulo, estabelecer um elo de comparao entre este

ensino e aquele ministrado ao longo da histria do ensino das Artes Visuais nos nveis

antecendentes.

14 Vide pp. 195-197. 15 Machado de Castro, Discurso sbre as utilidades do desenho, Lisboa: Antnio Rodrigues Galhardo, 1788. 16 Joaquim de Vasconcelos, A reforma do ensino de Bellas Artes III: reforma do ensino de desenho, Porto: Imprensa

Internacional, 1879. 17 Margarida Calado, O Ensino do Desenho: 1836-1987, in O risco inadivel: o Caderno de Desenho, Lisboa: Escola

Superior de Belas-Artes de Lisboa, 1988. 18 Saulo Arajo, Artfice ou Artista? Uma problemtica que acompanha o ensino superior artstico em Portugal no sculo

XIX. Dissertao de Mestrado em Teorias da Arte, orientada por Margarida Calado, e apresentada Faculdade de Belas-

Artes de Lisboa, em 2002. 19 Mrio Jorge Fernandes Janeiro Silva, O ensino do desenho em Portugal nas Academias de Belas-Artes de Lisboa e

Porto de 1836 a 1910. Dissertao de Mestrado em Desenho, com a orientao de Antnio Pedro Ferreira Marques,

apresentada Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, em 2004. 20 Maria Helena Lisboa, As Academias e Escolas de Belas-Artes e o Ensino Artstico: 1836-1910. Tese de Doutoramento

na rea de Histria da Arte, orientada por Margarida Acciaiuoli de Brito, e aprensentada Universidade Nova de Lisboa,

pela Faculdade de Cincias Sociais e Humanas, em 2006.

O ENSINO DAS ARTES VISUAIS EM PORTUGAL 22

ESTRUTURA

Antes de expormos o modo como organizmos a histria do ensino das Artes Visuais

em Portugal, iremos caracterizar sumariamente as correntes de Educao Artstica

definidas por Arthur Efland (1979), pelas quais nos pautmos, e evocar a diviso desta

histria em mtodos, realizada por Betmio de Almeida (1960), e complementada, quarenta

e quatro anos depois, por Elisabete Oliveira (2004).

AS CORRENTES DE EDUCAO ARTSTICA DEFINIDAS POR ARTHUR EFLAND

Arthur Efland estabelece, em 197921, quatro correntes de Educao Artstica, que

resultam do cruzamento entre teorias nos domnios da Esttica e da Psicologia, que o autor

sistematiza e analisa, no sentido de perceber de que modo que estas influram nas

prticas de Educao Artstica.

Segundo Efland existe uma relao intrnseca entre a esttica mimtica e a psicologia

comportamental, a esttica pragmtica e as correntes psicolgicas de reconstruo social, a

esttica expressiva e a psicanlise, e a esttica formalista e a psicologia cognitiva, de onde

derivam os paradigmas mimtico-behaviorista, pragmtico-social-reconstrucionista,

expressivo-psicanaltico, e formal-cognitivo, respectivamente.

A corrente mimtica-behaviorista encara a Arte e a Educao como processos que

implicam a imitao. Se a Arte imitao da Natureza, e a sua aceitao depende do maior

ou menor grau de semelhana do objecto representado com o real, a Educao s

possvel atravs da repetio, de forma exacta e indiscutvel. Esta corrente deriva, no

mbito da Esttica, das teorias mimticas, que remontam a Plato e cujo centro de

interesse o Universo ou a Natureza, e, no mbito da Psicologia, das teorias

comportamentais, originrias do sculo XX.

Para a corrente pragmtica-reconstrucionista a Arte e a Educao tm valor

instrumental, na medida em que contribuem para que o ser humano, artista ou aluno,

conhea e intervenha sobre a realidade, sendo que esta, ao invs do modelo anterior, no

aceite como verdade absoluta, mas passvel de mudana. A aprendizagem consiste no

desenvolvimento de competncias que permitam responder adaptativamente realidade, e

21 Arthur Efland, Conceptions of Teaching in Art Education, in Art Education, vol. 32, n. 4, 1979, pp. 21-32.

O ENSINO DAS ARTES VISUAIS EM PORTUGAL 23

dessas respostas resulta uma reactualizao constante do conhecimento. Do mesmo modo

que a Arte advm do processamento e consequente reelaborao de experincias por parte

dos artistas, a Educao faz-se em contacto directo com o meio, e assenta na apresentao

de problemas, significativos para os alunos, que lhes possibilitem novas experincias,

geradoras de aprendizagem. Esta corrente, intrinsecamente relacionada com o movimento

de reconstruo social, vai beber s ideias de John Dewey (1859-1952)22, e nomeadamente

obra A Arte como Experincia (1934), e teve incio nos anos 30 do sculo passado, no

perodo que sucedeu a Primeira Guerra Mundial e antecedeu a Segunda, quando muitos

professores, de todas as reas, recorreram ao mtodo de resoluo de problemas para que

os alunos, conscientes da realidade social, fossem capacitados de actuar sobre ela, e assim

contribuir para a mudana.

Na corrente expressiva-psicanaltica, Arte e Educao centram-se no sujeito, e do

nfase esfera emocional da sua personalidade, por influncia da Psicanlise e da

Psicologia do Desenvolvimento. Se a Arte, para o artista e para o fruidor, representa a

possibilidade de desenvolvimento afectivo, a Educao para o aluno tambm contribui para

desencadear esse processo, tendo sempre em conta as caractersticas especiais daqueles

e deste, pelo que ambas assumem um carcter teraputico. Na Arte, o artista surge como

um ser nico, com particularidades que o distinguem dos demais, sendo valorizada a sua

originalidade, expressa nas obras que produz, enquanto na Educao Artstica, o professor

respeita a individualidade dos alunos, e procura corresponder-lhes de modo diferenciado,

sem contudo interferir na revelao do seu potencial criativo. S assim, os alunos, tambm

eles, a seu modo artistas, tal como os artistas e os fruidores, gozam de plena liberdade de

expresso, essencial criao, o que se traduz numa aprendizagem geradora de um

conhecimento intuitivo, de carcter subjectivo, que advm sempre de uma construo

pessoal. Para o movimento da Expresso Livre, normalmente designado de Educao pela

22 John Dewey porventura o nome mais conhecido da histria da educao nos EUA. De formao filosfica cedo

compreendeu a ntima relao existente entre a filosofia e a educao. Foi durante a dcada de Chicago (1894-1904)

que Dewey elaborou a sua Filosofia da Educao, fundada na ideia de que o pensamento tem uma funo instrumental

de resposta s necessidades da vida. A escola deveria ser transformada luz deste princpio. No deveria continuar

centrada no programa, mas a alternativa no era centrar-se na criana. O caminho era reinserir os temas de estudo na

experincia da criana, atravs da sua ocupao em actividades no contexto da comunidade escolar. Levar as crianas a

criar situaes-problemas era a abbada da pedagogia de Dewey que acreditava no poder da escola para democratizar

mais profundamente a sociedade. Conforme Reis Monteiro, Histria da Educao: uma perspectiva, p. 108.

O ENSINO DAS ARTES VISUAIS EM PORTUGAL 24

Arte, iniciado um pouco antes do trmino da Segunda Guerra Mundial, concorrem Herbert

Read (1893-1968) e Viktor Lowenfeld (1903-1960).

A corrente formalista-cognitiva confere Arte um conhecimento especfico e um valor

prprio. Ao contrrio da corrente expressiva-psicanaltica, segundo esta perspectiva Arte e

Educao no obedecem a um movimento do interior para o exterior, sendo que a

aprendizagem no se centra nas caractersticas especiais de cada um, mas naquilo que

comum a todos, para, a partir da, estabelecer um conjunto de leis, inerentes s obras, e

aos actos educativos neste mbito. Se o papel do professor se havia diludo na corrente

expressiva-psicanaltica, agora este recupera o seu lugar, como mediador entre o aluno e a

linguagem visual, da qual portador, e que o aluno necessita de adquirir para dominar esta

rea do conhecimento humano. Contrapondo-se corrente pragmtica-reconstrucionista, a

Educao Artstica resultante da corrente formalista-cognitiva no necessita de pretextos

sociais para se afirmar, mas vale por si mesma, uma vez que lhe corresponde um

conhecimento prprio, tal como acontece com outras disciplinas. Para a sistematizao

desse conhecimento contribuiu sobremaneira Rudolph Arnheim (n. 1904), sendo tambm de

referir Ralph Smith e Jerome Bruner (n. 1915), este ltimo considerado por muitos como o

pai da Psicologia Cognitiva.

OS MTODOS DE ENSINO DO DESENHO EM PORTUGAL SEGUNDO BETMIO DE ALMEIDA

Betmio de Almeida, em 1960, distingue duas correntes do ensino do Desenho: uma

mais racionalista, tendo por base o desenho geomtrico, iniciada por Johann Heinrich

Pestalozzi (1746-1827), continuada por Friedrich Frbel (1782-1852), e reanimada por

Eugne Guillaume (1822-1905), e outra de inspirao mais naturalista, preconizada por

Jean Jacques Rousseau (1712-1778), colocada em prtica por Peter Schmidt (1773-1846),

defendida por Herbert Spencer (1820-1903) e aclamada por Flix Ravaisson (1813-1900),

que se ops, de incio sem sucesso, a Guillaume, mas que viria a impor-se aps a morte

deste. 23 Segundo Betmio de Almeida, foi a partir desta segunda corrente que derivaram as

tendncias modernas da didctica do Desenho.24

23 Betmio de Almeida, O Desenho no Ensino Liceal, in Palestra: Revista de Pedagogia e Cultura, n. 10, pp. 35-36. 24 Idem, p. 36.

O ENSINO DAS ARTES VISUAIS EM PORTUGAL 25

Betmio de Almeida aponta os principais mtodos de ensino do Desenho e relaciona-

-os com as reformas educativas portuguesas nas quais foram introduzidos, estabelecendo

um paralelo entre o panorama nacional e internacional, concluindo que o primeiro sempre

se caracterizou por um desfasamento, embora gradualmente menor, face ao segundo.

Assim, de acordo com Betmio, se o Mtodo Pestalozzi, no qual assentou a disciplina de

Desenho, criada em 1860, chegou quarenta anos atrasado a Portugal, o Mtodo

Estimogrfico foi implementado com uma discrepncia de vinte e dois a quarenta e nove

anos, sendo que o Mtodo Guillaume viria a ser introduzido na reforma de 1905, vinte e

cinco anos aps o seu incio no estrangeiro, o mesmo sucedendo com o Mtodo Natural,

cujos princpios foram integrados na reforma de 1926, vinte e seis anos depois da sua

implementao na Frana, mas s viria a efectivar-se com a reforma de 1936, constituindo o

ltimo, o Mtodo de Cizek, aquele que menos tempo levou a ser incorporado, com uma

diferena de dezoito anos, relativamente s prticas internacionais.

Quadro 2 Comparao entre o incio dos principais mtodos de ensino do Desenho

em Portugal e no estrangeiro, de acordo com Betmio de Almeida (1960)25

De acordo com Betmio de Almeida, para alm do habitual desfasamento nacional

relativamente s prticas internacionais, temos de levar em considerao que os

precursores dos mtodos de ensino, normalmente, precedem em dezenas e dezenas de

anos aqueles que os colocam em prtica, sendo necessrio ter conscincia de que:

25 Betmio de Almeida, O Desenho no Ensino Liceal, in Palestra: Revista de Pedagogia e Cultura, n. 10, p. 62.

Mtodo Data do incio no estrangeiro

Data do incio em Portugal

Nmero de anos de desfasamento

Pestalozzi 1820 1860 40

Estimogrfico 1846 a 1873 1895 22 a 49

Guillaume 1880 1905 25

Natural (princpios) 1900 1926 26

Natural 1900 1936 36

Cizek 1930 1948 18

O ENSINO DAS ARTES VISUAIS EM PORTUGAL 26

A histria de uma actividade deste gnero no composta de sucessivas fases

diferentes, mas sim de momentos de predomnio de um mtodo em que sempre possvel,

todavia, reconhecer aspectos de condescendncia com mtodos ultrapassados e prenncios

das melhores solues futuras.26

OS PERODOS DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAO VISUAL EM PORTUGAL SEGUNDO ELISABETE OLIVEIRA

Elisabete Oliveira d continuidade a este trabalho, j iniciado por Betmio de Almeida,

seu orientador de estgio, com quem colaborou na realizao de programas desta

disciplina. Aps um resumo do ensino do Desenho at reforma de 1936, no qual salienta

que a partir da introduo do mtodo natural no ensino do Desenho em Portugal (1926),

acentuada a observao e possibilitada alguma liberdade. Para alm da educao da mo

e da viso, atende-se ao desenvolvimento psicolgico da criana, dando lugar escolha

dos materiais, a alguma imaginao e apreciao dos trabalhos em grupo, pela influncia

principal do mtodo Cizek.27 Elisabete Oliveira define seis perodos relevantes na

Educao Esttica Visual, com base nas novas caractersticas preconizadas pelas

reformas, patentes nos seus objectivos e nas prticas educativas propostas, a eles

inerentes: 1) Perodo da Pr-Imaginao (1936-1947); 2) Perodo da Educao atravs da

Arte (1948-1970); 3) Perodo Formal (1970-74, ensino liceal, 1971-74 ensino tcnico e 1972-

74 ensino preparatrio); 4) Perodo Cultural-Comunicativo (1974-75); 5) Perodo Integrado-

Envolvimentista (1975-1990); 6) Perodo Funcional-Tecnolgico (1990-actualidade).

semelhana de Betmio de Almeida, Elisabete Oliveira esclarece que as novas

caractersticas de cada perodo, antes de se imporem e integrarem o currculo oficial,